As licenças de saída jurisdicionais: a avaliação técnica e as dificuldades envolvidas na emissão do parecer

September 12, 2017 | Autor: A. Revista Interd... | Categoria: Sociologia, Sociología, Acesso à Justiça, Justicia, justiça Criminal
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As licenças de saída jurisdicionais: a avaliação técnica e as dificuldades envolvidas na emissão do parecer Ana Oliveira e Gloria Jólluskin Universidade Fernando Pessoa (Portugal)

Vulgarmente designadas por saídas precárias, com a introdução do novo Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º115/2009, de 12 de Outubro, passaram a denominar-se licenças de saídas jurisdicionais. Trata-se de uma saída temporária do estado de reclusão (Rocha, 2005), concedida pelo Juiz de Execução das Penas, após a verificação de determinados preceitos legais. Esta saída constitui a primeira fase do processo de libertação do recluso e permite-lhe uma breve reaproximação à sociedade. A presente comunicação pretende abordar o processo de avaliação destas licenças de saída do estabelecimento prisional, sob uma perspectiva técnica. Por um lado, compreender quais os factores tidos em conta pelos técnicos intervenientes aquando o processo de avaliação destas medidas e, por outro, apreender algumas dificuldades sentidas pelos mesmos, no decurso deste mesmo processo. Com o intuito de atingir os objectivos delineados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e semi-directivas com oito técnicos intervenientes no processo de avaliação destas medidas. Após a transcrição das mesmas, procedeu-se à análise do seu conteúdo. A análise dos dados recolhidos permitiu perceber que os técnicos aquando o processo de avaliação destas licenças, têm em conta a evolução do indivíduo ao longo do cumprimento da pena, a sua situação jurídico-penal e factores institucionais. Para além disso, apesar de alguns dos técnicos admitirem não sentir dificuldades ao longo do processo de avaliação, outros apontam a existência de questões directamente relacionadas com os reclusos, com o processo de avaliação e com os próprios técnicos, que dificultam a elaboração do parecer final. Vulgarmente designadas por salidas precarias, con la introducción del nuevo Código de Ejecución de las Penas y Medidas Privativas de Libertad, aprobado por la Ley n.º115/2009, de 12 de Octubre, pasaron a denominar-se permisos de salida jurisdiccionales. Estos permisos son una salida temporal de la prisión (Rocha, 2005), concedida por el Juez de Ejecución de las Penas, después de que sean verificadas ciertas condiciones legales. Esta salida constituye la primera fase del proceso de liberación del recluso, permitiendo una breve aproximación a la sociedad. La presente comunicación pretende abordar los problemas implicados en el proceso de evaluación de los permisos de salida penitenciarios desde una perspectiva técnica, incidiendo en los factores que se tienen en consideración cuando se realiza el proceso de evaluación de los mismos. Igualmente se pretende reflexionar sobre las dificultades sentidas por los técnicos durante el proceso de evaluación. Con el objetivo de alcanzar los objetivos de nuestro trabajo, realizamos entrevistas semiestruturadas y semidirectivas a ocho técnicos intervinientes en el proceso de evaluación de la salida. Después de realizar la trascripción de las mismas, procedimos a su análisis de contenido. El análisis de nuestros datos nos permitió concluir que los técnicos tienen en consideración el la elaboración de su informe la evolución de los reclusos a lo largo del cumplimiento de la condena, su situación jurídicopenal y los factores institucionales. Además, a pesar de que alguno de los técnicos entrevistados admitió no sentir dificultades en la realización de la evaluación, otros señalan que existen cuestiones relacionadas directamente con los reclusos, con el proceso y con los mismos técnicos, que dificultan la elaboración del informe.

AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

Palavras-chave: licenças de saída jurisdicionais; avaliação penitenciária; cumprimento da pena Palabras Clave: permisos de salida jurisdicionales; evaluación penitenciaria; cumplimiento de la condena

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INTRODUÇÃO À semelhança das visitas, da correspondência, dos contactos telefónicos, da comunicação social e de outros meios de comunicação, as licenças de saída do estabelecimento prisional constituem uma das formas de contacto com o exterior (Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro). De acordo com a Recomendação (82) 16 do Comité dos Ministros do Conselho da Europa, de 24 de Setembro, estas saídas do estabelecimento prisional contribuem para tornar a execução da pena de prisão mais digna e para melhorar as condições da detenção e, constituem umas das formas de facilitar a reintegração social do recluso. Ao permitir a reaproximação à sociedade, estas saídas revelam-se de grande importância para evitar os efeitos dessocializadores da pena de prisão, permitindo ao recluso uma preparação progressiva para a libertação (Gomes, 2003). De acordo com o Artigo 76.º, da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, estas licenças podem ser de vários tipos, tendo em conta a custódia das mesmas e consentimento do recluso. Desta forma, podem ser concedidas ao recluso, com o seu consentimento, licenças de saída jurisdicionais ou administrativas. Estas últimas compreendem as saídas de curta duração, as saídas para a realização de actividades, as saídas especiais e as saídas de preparação para a liberdade. Para além destas, independentemente do consentimento do recluso, podem ser autorizadas saídas custodiadas para comparecer em acto judicial ou em acto de investigação criminal e, para receber cuidados de saúde não susceptíveis de serem prestados no estabelecimento prisional. Neste estudo, o foco volta-se apenas para as licenças de saída jurisdicionais, uma vez que se traduzem nas saídas cuja duração é maior, podendo no limite máximo ser de cinco ou sete dias seguidos, consoante a execução da pena decorra em regime comum ou aberto (Artigo 78.º, Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro). Designadas usualmente por saídas precárias, ou simplesmente precárias, estas licenças de saída do estabelecimento prisional, passaram recentemente a denominar-se por licenças de saídas jurisdicionais, com a introdução do novo Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º115/2009, de 12 de Outubro. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Tendo como objectivo manter e promover os laços familiares e sociais e preparar a vida em liberdade (Lei n.º115/2009, de 12 de Outubro), estas licenças são concedidas pelo Juiz de Execução das Penas após a verificação de determinados requisitos legais e, constituem a primeira fase do processo de libertação do recluso. Com a introdução do Novo Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, houve alterações ao nível de alguns critérios e requisitos a verificar aquando o processo de avaliação – concessão ou revogação – das licenças de saída jurisdicionais. À semelhança do antigo diploma, no novo Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, são requisitos a avaliar, a expectativa de que o recluso cumpra o estabelecido, se comporte de um modo socialmente responsável, sem delinquir e que a concessão seja compatível com a defesa da ordem e paz social. Para além disso, a evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade e o ambiente social e familiar que o recluso irá integrar continuam a constituir factores apreciados neste mesmo processo. No que concerne à questão do cumprimento da pena, existem algumas nuances introduzidas pelo novo Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade. Assim, segue-se um quadro que elucida os factores que passaram a ser apreciados no processo de avaliação destas licenças de saída. Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro A execução da pena em regime comum ou aberto. O cumprimento de um sexto da pena e no mínimo seis meses, tratando-se de pena não superior a cinco anos. O cumprimento de um quarto da pena, tratando-se de pena superior a cinco anos Critérios específicos

A inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada prisão preventiva. A inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecedem o pedido. Necessidades de protecção da vítima.

Outros aspectos

Circunstâncias do caso. Antecedentes conhecidos da vida do recluso.

Quadro 1. Requisitos e factores que passaram a ser apreciados no processo de avaliação das licenças de saídas jurisdicionais AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Ao analisar o Quadro 1, é possível constatar, relativamente aos critérios específicos, que passou a considerar-se requisito o recluso estar colocado em regime comum ou aberto1, devendo ter cumprido um sexto da pena e no mínimo seis meses, tratando-se de pena não superior a cinco anos ou um quarto da pena, tratando-se de pena superior a cinco anos. Outro aspecto que passou a ser ponderado prende-se com ausência de processos pendentes em que esteja determinada a prisão preventiva e a inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecedem o pedido. Para além destes, passou a ter-se em conta as necessidades de protecção da vítima, as circunstâncias do caso e os antecedentes conhecidos da vida do recluso. Com esta mudança de diplomas legais, houve algumas alterações no que respeita aos procedimentos levados a cabo neste processo de avaliação, sobretudo, ao nível da composição do conselho técnico2. Neste caso em concreto, após ter sido feita a solicitação por parte do recluso de uma licença de saída jurisdicional e o tribunal de execução das penas ser notificado deste pedido, este mesmo órgão emite uma lista de reclusos sujeitos a avaliação em conselho técnico. De realçar que as deliberações e pareceres do conselho técnico ficam registados em acta (Artigo 191.º, Lei n.º115/2009, de 12 de Outubro). Anteriormente, o conselho técnico era composto pelo director do estabelecimento, que presidia, e por cinco funcionários, como vogais, designados pelo Ministério da Justiça, sob proposta do director-geral dos Serviços Prisionais, ouvido o director do estabelecimento. Em princípio figuravam na composição do conselho técnico

1

O Novo Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, passou a admitir três tipos de regime de execução: comum, aberto ou de segurança (Artigo, 12.º, Lei n.º115/2009, de 12 de Outubro). 2 O Conselho Técnico é um órgão auxiliar do tribunal de execução das penas a quem compete emitir pareceres sobre assuntos que, nos termos da lei, sejam submetidos à sua apreciação pelo juiz do tribunal de execução das penas (Artigo142, Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro), como sendo, as licenças de saída jurisdicionais. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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representantes dos serviços mais representativos do estabelecimento (Artigo 186.º, Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto). Actualmente, o conselho técnico é presidido pelo juiz do tribunal de execução das penas com jurisdição sobre a área de localização do estabelecimento prisional e nele pode participar o representante do Ministério Público. São membros do conselho técnico, o director do estabelecimento prisional, que tem voto de qualidade, o responsável para a área do tratamento penitenciário, o chefe de serviço de vigilância e segurança e o responsável da competente equipa dos serviços de reinserção social (Artigo 143.º, Lei n.º115/2009, de 12 de Outubro). O facto de os representantes dos serviços mais representativos do estabelecimento prisional não estarem presentes permanentemente no conselho técnico, faz com que tenham que proceder à indicação do seu parecer, por intermédio de um formulário. O interesse por estudar este fenómeno prosperou na sequência do contacto tomado com uma realidade prisional específica, no decurso do estágio académico. Para além disso, foi possível, através de uma revisão da literatura, constatar a ausência de investigação com incidência neste fenómeno em Portugal, daí a pertinência deste estudo. Perante esta situação, resolveu-se realizar um estudo exploratório com o objectivo de efectuar uma primeira aproximação a esta temática, utilizando uma metodologia qualitativa.

OBJECTIVOS Sendo o foco as licenças de saída jurisdicionais, foram estabelecidos como objectivos do estudo: 1. Verificar se, na perspectiva dos técnicos, existem factores que constituem uma maior ponderação aquando o processo de avaliação destas licenças, sob o ponto de vista dos técnicos intervenientes neste processo; 2. Percepcionar se os técnicos envolvidos no processo de avaliação destas licenças consideram surgir e haver dificuldades no decurso deste mesmo processo.

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MÉTODO Com o intuito de atingir os objectivos delineados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com oito técnicos, de um estabelecimento prisional do Distrito Judicial do Porto, intervenientes no processo de avaliação destas medidas. Mais especificamente, os técnicos avaliadaos foram dois elementos da direcção, dois elementos dos serviços de vigilância e segurança, dois elementos dos serviços de educação e ensino e dois elementos dos serviços de reinserção social. Após a autorização do estudo por parte da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e da Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa, foi dado a conhecer o mesmo à Direcção do estabelecimento prisional. Posteriormente, iniciou-se o primeiro contacto com os participantes, onde para além de se proceder à contextualização do estudo e os seus objectivos, solicitou-se a colaboração dos técnicos e agendou-se um momento para a realização das entrevistas. A recolha dos dados foi efectivada em Março de 2010. Nesse momento encontrava-se em vigor o Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto. Antes de se iniciar as entrevistas, relembrou-se o estudo e os seus objectivos, formalizou-se o consentimento informado de participação, abordou-se a questão da confidencialidade e anonimato e, solicitou-se a autorização do uso de um gravador de áudio como suporte de recolha de dados, referindo a possibilidade de interromper a gravação sempre que o participante o desejasse. No final da entrevista, agradeceu-se a colaboração e mostrou-se disponibilidade para partilhar os resultados obtidos. Procedeu-se à transcrição das entrevistas, tendo sido realizada uma análise ao seu conteúdo. Esta transcrição permitiu a constituição o corpus de análise, tendo sido posteriormente realizada a categorização e definição de unidades de análise (Bardin, 2004; Vala, 2003). Optou-se pela análise temática e categorial do corpus de análise constituído, procedendo-se à divisão do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos (Bardin, 2004). Sendo o principal objectivo deste tipo de análise revelar as representações sociais ou os juízos dos locutores a partir de um exame a determinados constituintes do discurso (Quivy & Campenhoudt, 1998), foi possível a classificação dos elementos de significação constitutivos da mensagem (Bardin, 2004). AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE RESULTADOS No que concerne ao primeiro objectivo do estudo, foi possível extrair as categorias temáticas “Evolução do recluso ao longo do cumprimento da pena”, “Situação jurídicopenal”, “Enquadramento no exterior e o apoio familiar” e “Ausência de factor (es) predominante (s)”. Para além destas categorias extraídas, houve necessidade de se criar subcategorias. Assim, a categoria “Evolução do recluso ao longo do cumprimento da pena” contempla as subcategorias “Aspectos comportamentais e de disciplina”, “Investimento e envolvimento do recluso”, “Atitude face ao crime e à pena” e “Condição de saúde”. A categoria “Situação jurídico-penal” considera as subcategorias “Dimensão da pena” e “Tipo de crime”. Por fim, a categoria “Ausência de factor (es) predominante (s)” abrange as subcategorias “Vários factores em causa”, “Caso a caso” e “Idiossincrasia do técnico que avalia” (cf. Quadro 2). Factores ponderados no processo de avaliação das licenças de saída jurisdicionais Categorias Evolução do recluso ao longo do cumprimento da pena Situação jurídicopenal

Subcategorias - Aspectos comportamentais e de disciplina

Ocorrências 25

- Investimento e envolvimento do recluso

19

- Percurso prisional

7

- Atitude face ao crime e à pena

2

- Condição de saúde

1

- Dimensão da pena

8

- Aspectos jurídicos

3

- Tipo de crime

2

Total

54

13

Enquadramento no exterior e apoio

9

9

familiar Ausência de factor

- Vários factores em causa

7

(es) predominante

- Caso a caso

2

- Idiossincrasia do técnico que avalia

1

(s)

10

Quadro 2. Categorias e subcategorias referentes ao primeiro objectivo

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Ao analisar o Quadro 2, é possível verificar que, para a maioria dos técnicos entrevistados, existem alguns factores que merecem uma maior ponderação quando se trata de avaliar uma licença de saída jurisdicional, mostrando-se relevante a evolução que o recluso apresenta ao longo do cumprimento da pena, a sua situação jurídico-penal e o enquadramento no exterior e o apoio familiar. Desta forma, os técnicos referem que "o percurso prisional do recluso” ou “o comportamento deles em meio institucional” são aspectos que merecem a sua consideração, avaliando também de forma positiva se o indivíduo é capaz de manter “um comportamento e uma conduta assertiva” ou ”de cumprir regras e normas”. Para além disso, os técnicos não descuram na sua avaliação factores como “o envolvimento do recluso no meio prisional”, "os valores que eles têm interiorizado", o facto de “reunirem condições pessoais”. Assim, os técnicos verbalizaram que para elaborar o seu parecer têm em consideração “Se é um recluso que trabalha, se é um recluso que estuda”, ou “um indivíduo que dentro da cadeia nunca pediu ajuda para se tratar” ou “um indivíduo … que veio para a cadeia, directa ou indirectamente relacionado com consumos, chega à cadeia pede ajuda, esforça-se no tratamento, investe nisso, envolve-se e tem sucesso”. Ao reflectir sobre a ocorrência destas primeiras subcategorias e fazendo-o à luz do Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto – diploma em vigor à data da recolha de dados – pode aferir-se que estes factores vão ao encontro dos aspectos elucidados no diploma legal supramencionado, especificamente, a evolução da personalidade do recluso ao longo da execução da medida privativa de liberdade. Assim, legalmente, supõe-se que, no processo de avaliação destas licenças, se tenha em consideração este factor. Esta evolução contempla vários aspectos do comportamento do recluso, quer ao nível da sua atitude e postura face ao crime, à pena, às regras e aos outros, quer ao nível do seu investimento e envolvimento na mudança do comportamento. O facto de os técnicos referirem atribuir uma maior ponderação a estes aspectos pode dever-se ao facto de ser um conjunto de aspectos que poderão fazer prever o modo como o recluso se comportará em meio livre. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Por outro lado, foram igualmente mencionados “a dimensão da pena”, os “aspectos jurídicos”, “a tipologia do crime”, o “enquadramento familiar” e a “retaguarda no exterior”. Procedendo, novamente, a um paralelismo entre os factores apontados pelos técnicos e os factores que se encontram explanados no Decreto-lei n.º 265/79, de 1 de Agosto, como aspectos a serem verificados, pode aferir-se que os primeiros vão ao encontro dos quesitos legais, especificamente, quando se fala na natureza e gravidade da infracção (“Tipo de crime”), a duração da pena (“Dimensão da pena”) e a situação familiar do recluso e ambiente social em que este se vai integrar (“Enquadramento no exterior e apoio familiar”). Ainda que não tenham sido referidos com tanta ocorrência, outros aspectos valorizados pelos técnicos são "a intimidação face à situação de reclusão” e a “ a condição de saúde do recluso”. As três primeiras categorias extraídas da análise do discurso dos técnicos – “Evolução do recluso ao longo do cumprimento da pena”, “Situação jurídico-penal” e “Enquadramento no exterior e o apoio familiar” – levam a querer que um técnico ao determinar se há ou não condições para que um recluso beneficie de uma licença de saída jurisdicional, verifica e avalia factores pressupostos pela lei, revelando tratar-se de um procedimento metódico e pré-estabelecido. Reflectindo agora sobre a hipótese que está na base de uma análise categorial temática – uma característica é tanto mais frequentemente citada quanto mais importante é para o locutor (Quivy & Campenhoudt, 1998) – e focando as três categorias que revelam aspectos que, na perspectiva dos técnicos, constituem uma maior ponderação, pode inferir-se que a evolução do recluso ao longo do cumprimento da pena é o aspecto tido como mais importante e ao qual recai uma maior ponderação; segue-se a situação jurídico-penal e, por fim, o enquadramento no exterior e o apoio familiar. Dentro da categoria relativa à evolução do recluso ao longo do cumprimento da pena, os factores que parecem constituir uma maior importância e, portanto uma maior ponderação, são os aspectos comportamentais e de disciplina, assim como o investimento e envolvimento. A condição de saúde do recluso e a atitude do recluso AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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face ao crime e à pena são aspectos aos quais os técnicos atribuem uma menor ponderação, levando a crer que são aspectos menos importantes neste processo de avaliação. Quanto à categoria referente à situação jurídico-penal, a dimensão da pena mostra ser um aspecto mais importante e ao qual os técnicos atribuem uma maior apreciação, comparativamente ao tipo de crime. Embora a maioria dos técnicos entrevistados tenha considerado a existência de alguns factores que constituíam uma maior ponderação, houve técnicos que afirmaram que não se baseavam em factores específicos para elaborar o seu parecer. Nestes casos os técnicos realizaram verbalizações alusivas à variabilidade de factores concomitantes (por exemplo, “há muitas coisas que são avaliadas”, “é um cokctail de factores”, “uma série de elementos”, “uma série de factores conjugados” ou “Não…existe algum predominante…há um equilíbrio entre todos que vai pesando na balança da concessão…todos concorrem à concessão”). Outras vezes, referiram que a ponderação dos factores variava segundo as circunstâncias do indivíduo (por exemplo, “de indivíduo para indivíduo…há coisas que se têm que exigir”, “porque…até pode ter um comportamento excelente e não ter um enquadramento familiar e isso…pode não chegar”. Para além disso, outro aspecto apontado para a ausência de factores que merecem uma maior apreciação está a “a posição do interveniente”, isto é, a idiossincrasia de cada técnico que intervém em Conselho Técnico. Relembrando a hipótese que está na base de uma análise categorial temática (Quivy & Campenhoudt, 1998), no que respeita a esta última categoria, “vários factores em causa” revela ser o aspecto mais importante para justificar o facto de não existirem factores predominantes. Segue-se a subcategoria “Caso a caso” e a “Idiossincrasia do técnico que avalia” que parecem ser aspectos aos quais não se atribui grande importância. Apesar deste último factor contar apenas com uma ocorrência, o facto de ter sido referido pode levar a querer que no processo de avaliação destas licenças podem interferir crenças, valores pessoais e aspectos mais subjectivos que podem enviesar a avaliação e fazer perder a imparcialidade por parte de quem avalia. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Ao analisar os resultados relativos ao primeiro objectivo, e tendo em consideração as subcategorias que surgiram pode verificar-se que os factores que detêm uma maior ocorrência apresentam uma dependência mais directa do recluso, nomeadamente, o seu comportamento e, aqueles cuja ocorrência foi menor são aspectos que não têm uma dependência tão directa do recluso, como por exemplo, a dimensão da pena. Relativamente ao segundo objectivo, foram identificadas duas categorias antagónicas: “Surgem e sentem-se dificuldades” e “Não se sentem dificuldades”. Relativamente à primeira, foi necessário criar subcategorias, especificamente, “Aspectos relacionados com os técnicos”, “Aspectos relacionados com os reclusos e a sua situação jurídicopenal”, “Aspectos subjectivos” e “Aspectos externos” (cf. Quadro 3). Ausência/presença de dificuldades no processo de avaliação das licenças de saída jurisdicionais Categorias

Subcategorias

Ocorrências

- Aspectos relacionados com os técnicos

11

Surgem e

- Aspectos relacionados com os reclusos e a sua

10

sentem-se

situação jurídico-penal

dificuldades

Total

25

- Aspectos externos

3

- Aspectos subjectivos

1

Não se sentem dificuldades

4

4

Quadro 3. Categorias e subcategorias relativas ao segundo objectivo

É ainda possível através do Quadro 3 verificar que houve técnicos que assumiram sentir algumas dificuldades no decurso do processo de avaliação, apontando alguns factores relacionados com os técnicos. Desta forma, um técnico mencionou que “A grande dificuldade é esta (…) É os diferentes pontos de vista” (em Conselho Técnico). Igualmente, foi salientada a dificuldade relacionada com o facto de uns técnicos “...valorizarem uns critérios e desvalorizarem outros…”, “até pelos diferentes papéis…” que representam na instituição prisional e a dificuldade em alcançar “Um ponto de equilíbrio entre todos”. Ainda dentro deste âmbito, os técnicos apontam que “a principal dificuldade é perceber mesmo…é ter o conhecimento profundo e real” de cada AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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caso específico, afirmando que “muitas das pessoas que estão lá presentes, nem sempre têm a noção da verdadeira realidade do recluso”. Foi também apontado que muitas vezes pode existir a “tendência natural para nos deixarmos modelar para…pronto, hmmm…a chamada deformação profissional”. Para além disso, há o “carácter subjectivo…a experiência de quem avalia…que é mais difícil de ponderar…que são os valores, a lógica de vida, que todos trazemos connosco…”. Em suma, as dificuldades que surgem no decurso deste processo, sob a perspectiva da maioria dos entrevistados, apontam para factores relacionados com os técnicos do estabelecimento prisional, quer por assumirem pontos de vista divergentes devido ao papel que desempenham na instituição, quer pelo conhecimento, por vezes “ilusório” que detém sobre o recluso em causa e pela consequente emissão do parecer. Esta situação poderá ser controlada ao haver um esforço em alcançar um equilíbrio entre as diferentes perspectivas dos técnicos e no interesse em obter informações sobre o recluso, recorrendo a diversas fontes de informação, por exemplo, os elementos de vigilância, que acabam por ter um contacto mais próximo e assíduo com os reclusos. Para além disso, importa referir a importância dos técnicos conduzirem o processo de avaliação com objectividade, sem perder a capacidade de serem sensíveis e cada situação específica. Outro tipo de dificuldades que os técnicos alegaram sentir, encontram-se relacionados com os reclusos, defendendo por um lado, que “o ser humano é muito complexo e avaliar pessoas…é extremamente difícil”, sendo “muito difícil avaliá-los, porque eles facilmente nos enganam …facilmente nos mostram o que querem mostrar e escondem aquilo que não querem que seja visto”, podendo apresentar “uma postura…às vezes submissa, outra manipuladora, outra de anjinho, outra de santinho… aquela postura de persuasão” e, por outro, que muitas vezes “…eles próprios não fazem por isso”, “…o comportamento ou o percurso prisional que cada um tem dificulta”. Outra questão relacionada com os reclusos apontada como dificuldade no decurso do processo de avaliação é a sua situação jurídico-penal (“a parte jurídica, a parte processual” e, por exemplo, o facto de “…haver processos pendentes”).

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Existem ainda dificuldades relacionadas “…às vezes com o exterior. Tem a ver com uma consolidação da família…do meio…”, se o recluso “tem ou não tem enquadramento”, pois “há situações onde às vezes a concessão não é feita por dificuldades externas…não internas…externas”, como por exemplo, pelo facto do “relacionamento com os familiares pode não ser o melhor”. Embora não haja muitas alternativas relativamente à situação jurídico-penal do recluso e ao seu enquadramento no exterior, face ao comportamento manipulativo por parte deste, o técnico pode avaliar a autenticidade do discurso recorrendo a várias fontes de informação, como por exemplo, com os guardas prisionais, que têm um contacto mais próximo e assíduo com os reclusos. Por fim, outro tipo de dificuldade apontada por um dos técnicos tem que ver com uma dimensão mais subjectiva, isto é, quando “existe algo …algo de subjectivo…a suspeita de não sei quê…que não, pronto, que é subjectivo, que não há nada que prove”. Apesar da maioria dos técnicos referir sentir dificuldades no decurso deste processo, um dos técnicos mencionou não sentir dificuldades “a não ser numa ou outra situação pontual”, uma vez que no processo de avaliação tentava “ser…o mais objectivo possível…”, em que “…reúne…os tais critérios, reúne as tais condições…Reúne, o parecer é favorável. Não reúne, é desfavorável, pronto.”. Os aspectos referidos pelo técnico levam a crer que quanto mais objectiva e metódica for a avaliação, menos dificuldades suscita. Porém, poderá ver-se aqui negligenciada a avaliação da situação específica, as circunstâncias do caso, tal como refere o Artigo 78.º, da Lei n.º 155/2009, de 12 de Outubro. No entanto, isto poderá não ter sido levado em consideração, uma vez que as circunstâncias do caso não estavam referenciadas no diploma legal anterior como factor a ter em consideração. Tendo como referência o princípio de uma análise categorial anteriormente referido, o Quadro 3 permite verificar que, dentro dos aspectos elucidados como dificuldades que surgem no decurso do processo de avaliação, os factores alusivos aos técnicos detêm uma maior importância para os técnicos, seguindo-se os aspectos relacionados com os reclusos e a sua situação jurídico-penal. No entanto, os aspectos externos e os aspectos subjectivos apresentam-se como factores de menor importância. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Torna-se importante tecer algumas reflexões e contextualizar os dados obtidos através deste estudo. De um modo geral, os resultados alcançados permitiram verificar que as respostas e opiniões dos técnicos envolvidos no processo de avaliação das licenças de saída jurisdicionais, quer face aos factores avaliados, quer às dificuldades percepcionadas, não são lineares. Foi possível assim perceber que, se para alguns técnicos existiam factores que mereciam uma maior consideração que outros no decurso da sua avaliação, para outros há um equilíbrio entre eles e todos pesam de forma similar neste processo de avaliação. Porém apesar de se considerar pertinente explorar este tipo de fenómeno, o facto deste estudo ter sido levado a cabo quando se encontrava em vigor o Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto e, actualmente, vigorar a Lei n.º115/2009, de 12 de Outubro, levanta questões sobre a validade do estudo e os resultados obtidos. Tal como já foi mencionado, com a entrada em vigor do novo Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e, tendo em conta a finalidade das licenças de saída, passaram a ponderar-se na sua concessão, as necessidades de protecção da vítima, as circunstâncias do caso e os antecedentes conhecidos da vida do recluso (Artigo 78.º, Lei n.º 155/2009, de 12 de Outubro). Devemos, então, perguntar-nos quais seriam os resultados se o estudo fosse conduzido hoje, com as alterações legislativas. Por outras palavras, a introdução da nova lei pode acarretar como consequência uma alteração ao nível das dificuldades sentidas pelos técnicos, ou fazer com que estes identifiquem outros factores que mereçam uma maior consideração no decurso do processo. Ou pelo contrário, podem não identificar qualquer factor predominante e que mereça maior consideração que outro. A forma como se conduz, actualmente, o processo de avaliação das condições de um recluso para beneficiar de uma licença de saída jurisdicional, parece facilitar a questão da objectividade e do tempo dispendido na avaliação, revelando-se mais metódico. Sob esta perspectiva, os técnicos que passaram a não ter presença assídua no Conselho Técnico, poderão ver suprimidas algumas das dificuldades que referiram sentir, AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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nomeadamente, ao nível da dificuldade em chegar a um consenso, devido aos diversos pontos de vista. No entanto, as dificuldades outrora verbalizadas, poderão passar a ser sentidas pelos elementos se encontram presentes em Conselho Técnico. Porém, salientamos a necessidade de realizar este estudo, uma vez que estamos a levantar hipóteses que devem ser comprovadas na nova realidade jurídico-penal. Nesse sentido, seria conveniente realizar novas investigações nesta área, incluindo uma amostra mais abrangente e referente a diferentes estabelecimentos prisionais.

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