AS LIGAS CAMPONESAS DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (Relatório de pesquisa)

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AS LIGAS CAMPONESAS DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (1928-1947)

RELATÓRIO DE PESQUISA

Leonardo Soares dos Santos Professor do Departamento de História e do Programa de Políticas Públicas da Universidade Federal Fluminense/Campos Professor colaborador do Programa de Mestrado em Direitos Humanos do NEPP Universidade Federal do Rio de Janeiro

2017

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Sumário

Introdução ............................................................................................................... 2 1928-1943: as Ligas Camponesas em diferentes projetos ...........................................5 1945-1947: as Ligas Camponesas vão do papel para o campo ..................................37 Considerações finais ................................................................................................46 Acervos consultados ................................................................................................49 Sítios eletrônicos .....................................................................................................50 Bibliografia ..............................................................................................................50 Anexo 1 ...................................................................................................................55 Anexo 2 ...................................................................................................................61 Anexo 3 ...................................................................................................................64 Anexo 4 ..................................................................................................................82 Anexo 5 ...................................................................................................................95 Anexo 6 .................................................................................................................106 Anexo 7 ................................................................................................................113

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Introdução

O movimento de pequenos lavradores desencadeado a partir de meados da década de 1950, no interior de Pernambuco, conquistaria em pouco tempo ampla repercussão não só no estado como em boa parte do território brasileiro. As iniciativas de protesto e as formas de pressão dos foreiros do Engenho da Galiléia serviam de inspiração para trabalhadores agrícolas da Paraíba, Ceará, Goiás, Rio de Janeiro e Minas Gerais empunharem com decisão a bandeira da Reforma Agrária. Tal movimento ficaria conhecido pelo nome de Ligas Camponesas, tendo o advogado e deputado pernambucano Francisco Julião como seu maior expoente, o qual teria sido também o maior responsável pela radicalização das Ligas a partir do início da década de 1960, simbolizada pelos dizeres “Reforma Agrária na Lei ou na marra!” – termo pelo qual os membros do movimento revelavam a sua disposição ao uso da força, isto é, o emprego das armas de modo a verem atendidas suas reivindicações se fosse preciso. Suas ações e falas (notadamente as de Julião) teriam exercido um grande fascínio em largas camadas não só dos trabalhadores rurais como também da intelectualidade urbana de esquerda. Não á toa, uma das primeiras iniciativas dos militares logo após o Golpe de 1964, foi justamente fechar as Ligas Camponesas e perseguir tenazmente os seus principais líderes. Mesmo tendo seu projeto tragicamente abortado, as Ligas passaram a ocupar no âmbito da literatura sobre movimentos sociais do campo no Brasil, um lugar de valiosíssimo destaque. Segundo Leonilde Medeiros, as Ligas passaram a figurar no “imaginário sociológico” como um verdadeiro marco de ruptura, a partir do qual era possível proceder à distinção entre movimentos “revolucionários” e “reformistas” (MEDEIROS 1995). De certa forma, os intelectuais reafirmavam nesse tipo de discurso o grande entusiasmo que o movimento despertou em vários setores sociais das décadas de 1950 e 1960. Ao levar adiante uma agressiva atuação de pressão política no e por meio do espaço público (ruas, sedes dos legislativos municipais e estaduais, etc.), o movimento, por meio de seus atos, abria novos horizontes e perspectivas para os trabalhadores rurais, tornando possível que

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tivessem uma nova visão sobre o seu lugar na sociedade e, conseqüentemente, sobre aquilo que entendiam e podiam fazer por seus direitos. Porém, se tais Ligas receberam o devido destaque na literatura sociológica brasileira, o mesmo não aconteceria com as primeiras Ligas Camponesas. Sim, porque as Ligas do Nordeste também conhecidas como “as Ligas de Julião” – este, cabe informar, era deputado pelo Partido Socialista Brasileiro – foram criadas a partir de 1955. Já as Ligas Comunistas foram criadas 10 anos antes pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1945. É bem verdade que sua existência foi demasiado curta, apenas dois anos. Em 1947 todas elas tinham sido fechadas por conseqüência da decretação de ilegalidade do PCB por parte do Tribunal Superior Eleitoral. A efemeridade dessas Ligas Camponesas comunistas talvez tenha servido de motivo para que os estudiosos pouco tenham se detido sobre ela. A bem da verdade, sua curta existência era tida como um seguro fiador de sua fragilidade, tanto em termos de uma organização inadequadamente estruturada quanto de uma entidade com pouca adesão junto às camadas camponesas. Fragilidade essa que adviria, sobretudo, de sua ligação umbilical com o PCB. Nesse sentido, tanto o surgimento quanto o desaparecimento dessas Ligas não eram mais do que repercussões das venturas e desventuras de seu verdadeiro criador e tutor, o PCB. Vejamos o que Fernando Azevedo, em seu excelente estudo sobre as Ligas Camponesas pernambucanas das décadas de 1950 e 1960, conta-nos a respeito da criação das Ligas comunistas nos anos quarenta: Com a conquista da legalidade e a ampliação do seu quadro de militantes, e a necessidade de enfrentar as disputas eleitorais, o PCB amplia o raio da sua ação e da sua presença até o campo, onde, espera arregimentar uma clientela eleitoral que neutralize, em parte, o poder dos currais eleitorais sob o domínio das oligarquias coronelistas (AZEVEDO 1982).

Em função desse ímpeto do partido na conquista de espaço no plano da política institucional, teriam sido criadas as Ligas de Escada, Goiana, Pau D’Alho e Iputinga. Todas elas eram localidades do interior do estado de Pernambuco. Mas o autor acrescenta que “essas Ligas eram muito mais apêndices da estrutura unitária e centralizada do PCB, do que uma entidade de massa ou um instrumento corporativo com vida própria” (idem).

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Opinião um tanto diferente tem Elide Rugai Bastos, que estudando as mesmas Ligas, afirma que “embora articuladas ao PC, constituíam-se em núcleos autônomos, por isso mesmo sujeitos ao arbítrio dos proprietários e ao sabor do jogo político local” (BASTOS 1984). Mas mesmo aqui tal autonomia é vista como uma deficiência ou fragilidade, tanto mais que as Ligas da década seguinte eram articuladas por uma organização regional. Ou seja, em comparação com as Ligas que as sucederam, as Ligas comunistas, mais uma vez, deixavam a desejar. No entanto, as poucas e ao mesmo tempo contundentes assertivas sobre as Ligas Camponesas comunistas parecem ter deixado de lado alguns componentes importantes de sua trajetória histórica. De certo muito pouco se escreveu sobre as primeiras propostas de criação dessas entidades no interior dos círculos intelectuais de esquerda e do próprio movimento dos trabalhadores. Há no tocante a esse ponto duas questões cruciais: a) como tais propostas eram influenciadas pelos movimentos camponeses que ocorriam naquele momento; b) como as discussões, projetos e ações em torno das Ligas Camponesas indicavam transformações ou reordenações no equilíbrio interno de forças entre os grupos que compunham o movimento comunista internacional e, em particular, o PCB. Existem ainda outros aspectos cujo exame se faz também necessário: o que essas Ligas, ao serem criadas, desenvolviam em termos de práticas de reivindicação e luta por direitos? O que elas significaram em termos de referencial político e associativo para os segmentos de trabalhadores do campo? E sobre a possível linha de continuidade entre estas Ligas e as entidades representativas criadas nas décadas posteriores? É à exploração de algumas dessas questões que dedicamos as linhas que se seguem. Vamos a elas.

1928-1943: as Ligas Camponesas em diferentes projetos É interessante notar que o debate sobre as questões do movimento camponês – e conseqüentemente o tema Ligas Camponesas – que é travado no PCB durante as suas duas primeiras décadas de existência, acompanhou com extrema perfeição as oscilações e contradições provocadas por uma dupla relação de tensão, a qual continuaria fazendo parte integrante da vida do Partido por várias décadas adiantes, mas que nesse período possuía

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contornos bem mais agudos, que em certas ocasiões pareciam conduzir o Partido ao desaparecimento: de um lado, a pouco democrática relação do PCB com a Internacional Comunista; do outro, o sempre incandescente jogo de disputas entre grupos no seu interior. Vejamos então como isso se deu nas décadas de 1920 e 1930.

Logo do Krestintern A “Questão Camponesa” não parecia, no início da década de 1920, ser algo que preocupasse efetivamente os homens que se auto-proclamavam “seguidores” da Revolução Russa, ao contrário do que acontecia com comunistas de outros países, como Argentina, Colômbia, Itália, China e outros.1 Muito embora seu Comitê Central considerasse, numa de 1

Ver Anexo 4.

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suas resoluções aprovadas em fins de dezembro de 1926, ser importante “exercer influência sobre as organizações de arrendatários pobres, pequenos lavradores, funcionários de baixa categoria, empregados inferiores e pescadores (...)” (CARONE, 1982).

Dístico das publicações de documentos da IC por parte do PCB.

Foi só a partir das diretrizes estabelecidas pela Internacional Comunista (IC) que os comunistas brasileiros passariam a cuidar com mais atenção dos problemas da “pobre gente do campo”. E para tanto seria criado o Bloco Operário Camponês (BOC), que em 1927, substituiria o Bloco Operário (BO).2 Tal interesse se dava num contexto conflagrado. O VI Congresso da IC era enfático em afirmar a proximidade da revolução socialista em caráter mundial: [...] a crise revolucionaria amadurece irresistivelmente nos próprios centros do imperialismo: a offensiva da burguezia contra a classe operária, contra seu nivel de existencia, contra suas organizações e seus direitos políticos, e a extensão do terror branco provocam a resistencia crescente nas grandes 2

Conforme detalha Carine Neves: “O Bloco Operário fora criado no início de 1927 no bojo da legalidade partidária suscitada pela posse de Washington Luís em novembro de 1926, e com vistas às eleições gerais de 24 de fevereiro de 1927, na qual conseguiu eleger para deputado federal Azevedo Lima, um candidato ainda de “perfil pequeno-burguês”. No entanto, nas eleições de outubro de 1928, conseguiria eleger dois intendentes no Rio de Janeiro, Otávio Brandão e Minervino de Oliveira, ambos comunistas e operários. No final de 1927, o Bloco Operário passa se chamar Bloco Operário e Camponês (BOC), em uma clara alusão ao intento dos comunistas de conquistarem os trabalhadores do campo.” In: “Secretariado Sul-Americano e Partido Comunista do Brasil: agentes e agências comunistas”, p. 2.

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massas proletarias e a agravação da luta de classes entre o proletariado e o capital trustificado. As batalhas grandiosas entre o trabalho e o capital, a radicalização crescente das massas, a influencia e a autoridade crescentes dos partidos communistas, o immenso movimento de simpathia das massas operarias pelo paiz da dictadura proletaria, tudo isto assignala nitidamente a aproximação de um novo surto revolucionario nas metrópoles do imperialismo. O systema do imperialismo mundial e a estabilização parcial do capitalismo estão pois minados por diversos lados: contradicções e conflictos entre as potencias imperialistas: a multidão dos povos coloniaes sublevados para a luta; proletariado revolucionario das metropoles; dictadura do proletariado na U.R.S.S. detendo a hegemonia do movimento revolucionario mundial. A revolução internacional está em marcha. O imperialismo agrupa suas forças contra ella. Expedições coloniaes, nova guerra mundial, campanha contra a U.R.S.S. estão em ordem do dia. Resultarão inelutavelmente o desencadeamento de todas as forças da revolução mundial e a queda inveitavel do capitalismo. (grifo no original, Internacional Comunista, 1928: 19)

Tendo como palavra de ordem fundamental “A terra a quem nela trabalha”, o III Congresso Nacional realizado no final de 1928, encarregava o Comitê Central então eleito “da tarefa de realizar um estudo mais profundo e detalhado sobre esta questão”, devendo criar para tal fim uma “comissão especial”. No evento também seriam aprovadas “consignas provisórias”, de “aplicação geral”, tais como: salário de acordo com o custo de vida; cooperativas de produção e de consumo, e fornecimento de matérias-primas isentas de impostos; combate enérgico e decisivo às reminiscências da escravidão; saneamento das zonas insalubres; instrução primária e obrigatória, com construção de prédios adequados; diminuição dos impostos dos veículos que “servem a lavoura”, assim como a supressão do imposto que proíbe o livre-comércio de seus produtos; residências higiênicas e confortáveis; fornecimento de instrumentos; diminuição das horas de trabalho; ampla liberdade de associação, de palavra, de imprensa, etc; união com os “trabalhadores da indústria” na luta contra os “imperialismos opressores”; ajuda contra as pragas de insetos; liberdade de voto, direito a candidatos próprios, organização de “outros” Blocos Operários e Camponeses.

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Timbre utilizado nas correspondências do Krestintern pela I.C. Também seriam discutidas e aprovadas “consignas” que procuravam dar conta das especificidades sócio-econômicas (regimes de propriedade, formas de trabalho, etc.) de cada região do país. Na região Sudeste, por exemplo, onde era maior a concentração dos “trabalhadores rurais” - e sobressaindo entre eles aqueles envolvidos com a produção de café – o Partido propugnava medidas como “remuneração dos colonos igual a dos assalariados comuns” e “expulsão dos administradores fiscais prepotentes”. Medidas específicas também foram propostas para o Norte e “Extremo-Norte” (“verdadeiros feudos” no dizer dos comunistas), Nordeste (onde “ainda perdura[va] a escravidão dos trabalhadores”) e para um território que compreendia Mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Sul e norte de Minas. Como parte da tentativa de estabelecer um programa que abarcasse as especificidades entre essas várias regiões, os comunistas assinalariam as três categorias que no seu entender comporiam a “classe dos camponeses”, a saber: os “assalariados” ou “operários agrícolas”, os “colonos” e os “peões”. O curioso é que este documento fazia pouca alusão às categorias de trabalhadores não-assalariados e a possíveis formas de organização, o que, em certa medida, contrariava as determinações do Secretariado SulAmericano da IC (SSA/IC). Este, desde a primeira metade de 1928, defendia a tese de que o proletariado e “seu partido” deviam “em primeiro lugar, unir-se estreitamente ao

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campesinato, organizando os operários agrícolas como uma fonte para organizar os camponeses pobres, os arrendatários, os colonos, em Ligas Camponesas orientadas para a política do Krestintern [abreviação, em russo, da Internacional Camponesa]”.3 O que é de certa forma intrigante, já que havia em andamento ações concretas do próprio PCB em algumas regiões do interior do país junto a setores não assalariados por volta de 1928, com o fito de arregimentá-las em “organizações camponesas”. Segundo nos informa Ronald Chilcote, as primeiras seriam denominadas de Ligas Camponesas, conforme propunha o próprio Partido já há algum tempo. Militantes comunistas teriam organizado uma no interior do estado de São Paulo, nas zonas de Sertãozinho e Ribeirão Preto. Os trabalhadores rurais nela reunidos teriam ainda, “sob a liderança de Teotônio de Souza Lima”, realizado “passeatas de protesto nas grandes plantações cafeeiras”. Há também informações desse mesmo ano que dão conta que, além de São Paulo, havia um trabalho de organização de “pequenos lavradores” do Rio de Janeiro (Distrito Federal) e que os Comitês Regionais de Pernambuco e Rio Grande do Sul também já estavam destacando “camaradas para esse trabalho” de atuação no campo. A organização dos trabalhadores em associações sempre foi algo problemático. A chegada da República não implicou em significativas mudanças em seu favor. O que havia era uma série de Irmandades, confrarias, Caixas Beneficentes. Eram organizações onde grassava a perspectiva mutualista. Segundo Hans Füchtner, os socialistas só ergueriam uma organização trabalhista e de cunho político em 1889, na cidade de Santos. Muitos de seus militantes, junto aos cariocas, organizariam em 1892 o I Congresso do Partido Socialista. O segundo seria apenas em 1902.

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Essa é uma tese que aparece com força por ocasião do VI Congresso Internacional Comunista, em 1 de setembro de 1928: “A insurreição de Xangai em Abril de 1927 levantou a questão da hegemonia do proletariado no movimento revolucionário nacional, e relegou a burguesia nativa para o campo da reacção, provocando o golpe de estado contra-revolucionário de Chiang Kai-shek. A actividade independente dos trabalhadores na luta pelo poder – e sobretudo o crescimento do movimento camponês e a sua transformação em revolução agrária – também impeliram o Governo Wuhan – estabelecido sob a liderança da pequena-burguesia do Kuomintang – para o lado da contra-revolução. No entanto, a onda revolucionária já começou a abrandar… O seu último episódio foi a poderosa insurreição do proletariado Cantonês, que sob o slogan dos Sovietes tentou ligar a revolução agrária com o derrube do Kuomintang e com o estabelecimento da ditadura dos operários e dos camponeses.” (Ver Anexo 3)

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Mas nota o autor: O (...) manifesto, publicado por ocasião do Congresso, contém uma teoria de luta de classes de inspiração marxista (que não se adapta porém às relações brasileiras). Os trabalhadores do campo, a grande maioria dos trabalhadores brasileiros, não são mencionados, mas em compensação refere-se o manifesto aos ‘trusts’ e à burguesia, fenômenos que naquela época no Brasil tinham relativamente pouca significação.(FÜCHTNER, 1980, p. 29.)

Uma década depois, durante o IV Congresso Nacional dos Trabalhadores, os delegados fundariam a Confederação Brasileira do Trabalho, que teriam como objetivos a “organização do operariado em nível nacional”, a “realização das oito horas diárias de trabalho”, a “obrigatoriedade do ensino primário”, a “construção de casas para residência de operários” [...] A questão agrária só era levemente abordada no ítem “imposto territorial sobre as grandes propriedades de terra”. Mas há que se dizer: ponto ambíguo, já que as grandes propriedades também faziam parte dos grandes centros urbanos. A progressiva perda de hegemonia do movimento operário dos anarquistas para socialistas e comunistas não alteraria muito o quadro. Fundado em 1922, o Partido Comunista do Brasil (PCB) começaria a consolidar esse novo papel de liderança a partir dos congressos sindicais de 1927 e 1929. Neste, os comunistas conseguiriam fundar a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB). Nesse ínterim, os comunistas fundam uma frente de eleitores com o nome de “Bloco Operário” em 1927. Logo depois, devido ao entendimento da cúpula do PCB que a revolução deveria contar com o apoio e mobilização dos trabalhadores do campo, a frente teve o seu nome modificado para “Bloco Operário e Camponês”. O Partido conseguiu eleger dos intendentes para a Câmara Municipal do Distrito Federal: Otávio Brandão e Minervino de Oliveira. Mas a incorporação do “elemento camponez” ainda se restringia ao nome incluído na sigla. Embora, algo de mais efetivo já fosse implementado em algumas localidades. O PCB reconhecia num editorial publicado em novembro de 1928 em La Correspondencia Sudamericana que a atuação junto aos camponeses era “o ponto mais débil do Partido. Tinhamos no C.C. [Comitê Central] um membro especialmente encarregado deste assunto, o

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Dr. Coutinho [...] Na verdade, nada se fez, a exceção da organização dos lavradores do Districto Federal.” (La Correspondencia Sudamericana, 30/09/1929, p. 14.)

Santinho com os candidatos do Bloco Operário-Camponês. Fundo PCB/Amorj/UFRJ.

Nesse mesmo texto encontramos referências a Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo. Mas era tudo muito difícil para uma agremiação sem grandes recursos e num país de dimensões continentais. E o que era mais grave: um país dessas dimensões e pessimamente integrado, com uma malha de transportes estagnada desde as primeiras décadas da Era Republicana. Com exceção da organização “camponesa” supostamente estabelecida em Niterói em 1928, as poucas experiências organizativas do PCB nesse período não redundaram na criação de Ligas Camponesas. Fortes razões para que o pouco que o Partido conseguisse realizar tenha sido na zona rural do Rio de Janeiro, então capital da República; cidade altamente urbanizada e um dos maiores centros industriais do país.

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Uma das primeiras organizações de lavradores da zona rural carioca. jornal A Nação.

E ele se tornaria mais visível em meados de 1927. Em abril desse ano o jornal A Nação, já sob grande influência do PCB – noticiava a tentativa da “vanguarda dos pequenos lavradores” de Campo Grande em constituir uma “Sociedade Beneficente e Agrícola dos

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Lavradores Unidos”. Sua primeira iniciativa seria enviar um memorial ao prefeito da cidade, com “reivindicações urgentes dos lavradores locaes”: “construcção de um novo mercado, concerto dos caminhos intransitáveis, combate às formigas; transito e venda livre dos productos da lavoura e varias outras providencias que venham desafogar um pouco a situação dos lavradores” (A Nação, 1927 [provavelmente mês de abril], p. 3.). Algumas iniciativas em termos organizatórios tomavam corpo nesse momento em que alguns grupos de esquerda, além do PCB, começaram a se insinuar na zona rural da cidade. Um pouco antes, em meados da década de 20, alguns lavradores buscaram consituir caixas beneficentes. Magalhães Correa, naturalista que se dedicou a desbravar a região do Sertão Carioca (a zona rural do município do Rio de Janeiro) menciona a existencia de uma certa Caixa Auxiliadora Beneficente dos Lavradores de Jacarepaguá e Guaratiba (CORREIA, 1936. p. 186). Como conta o naturalista Magalhães Correia, tal associação teria sido criada por Maurício de Lacerda, vereador carioca, e notória liderança anarquista da cidade. A Caixa tinha como principal finalidade contribuir com os lavradores na sua disputa contra o Banco de Crédito Móvel, a pretensa proprietária das terras que ocupavam naquela área da zona rural. Os lavradores estavam sendo ameaçados de despejo. Aqui se revelava uma questão que atuaria grandemente como incentivadora da reunião dos pequenos lavradores da região pelas décadas seguintes: a questão fundiária seria mais premente do que as questões estritamente econômicas.

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Maurício Lacerda em foto da década de 1950. Notória liderança anarquista, foi um dos primeiros a atuar junto as pequenos lavradores da zona rura, exortando-os a se organizar. Fundo Última Hora do acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Consultando os exemplares do jornal A Nação, pode-se atestar ainda a existência de associações como o Centro Protetor dos Lavradores de Madureira, a Sociedade Beneficente e Agrícola dos Lavradores Unidos (Campo Grande), a Sociedade União dos Agricultores, a Sociedade dos Lavradores Unidos de Madureira, a Associação dos Quitandeiros, a Caixa Auxiliadora de Vargem Grande e Guaratiba (A Nação, 18/04/1927, p. 3). Estas, por sinal, organizariam um evento em abril de 1927 para discutir a necessidade de maior organização dos lavradores do município.

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Os pequenos lavradores se organizam, A Nação, 14/04/1927, p. 3.

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Um pouco distante dali, o jornal do PCB Classe Operária noticiava a existencia de uma suposta “Liga Camponeza” em Niterói, organizada pelos próprios lavradores locais, os quais teriam se mobilizado para discutir medidas que facilitassem a comercialização dos produtos de suas lavouras. Mas a consulta de números posteriores do mesmo jornal não revela qualquer informação ou indício de que tal Liga tenha sido levada adiante ou realmente implementada. Situação um pouco distinta parece ter sido as organizações apoiadas pelo PCB a partir dde 1927. A formalização do Bloco Operário em janeiro deste ano pelo Partido parece ter impulsionado a legenda para o empreendimento de criação de “sindicatos locaes”. Pudera, os comunistas passavam a dar grander relevância ao trabalho eleitoral, e como destacado mais acima, ele passou a atuar no sentido do alargamento de sua base social, tanto urbana quanto rural, fundamental para seus objetivos de eleger representantes legislativos (KAREPOVS, s/d). Nesse sentido, a atuação do PCB via A Nação não se resumiria a cobrir ou noticiar os eventos “sindicais” da zona rural; muito pelo contrário – o Partido buscaria intervir ativamente no desenrolar do processo. Em todo momento os comunistas frisavam as “vantagens e regalias” que os lavradores poderiam obter com a criação dos seus “sindicatos locaes” (os comunistas adotaram a Lei dos Sindicatos Rurais de 1907, a de nº 1.637 como documento principal). Na verdade, o jornal não sugeria aos lavradores se organizarem: instava-os. Haveria outro meio de defeza dos interesses dos lavradores, que a acção de sua ‘Sociedade’? Certamente não. Os lavradores do Campo Grande vencerão agora porque elles cerram fileiras em torno de sua associação de classe, que os defende intrepidamente, diretamente, sem o auxílio de profissionaes intermediarios, sempre perigosos e inúteis. (A Nação, 12/04/1927, p.3.)

A referencia à Maurício de Lacerda ao final da reportagem demonstra o quanto o Partido levava à sério a tarefa de arregimentar o maior número possível de lavradores da zona rural do Distrito Federal. E exatamente por isso, o PCB não se limita a chamar a atenção para a criação das organizações pelos lavradores: o partido atribui a si o papel de dizer como essa organização deve funcionar, o que defender, o que propor e até como crescer e se ampliar.

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Para a associação – eis a palavra de ordem que a vanguarda dos pequenos lavradores do Districto lança a todos os companheiros. Para as associações já existentes e para a organização de novas associações, onde fôr mister. Mais tarde virá a segunda etapa de nosso trabalho: transformação dos centros locaes em syndicatos de lavradores e Constituição da Federação Regional dos Pequenos Lavradores.

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Em termos de relação interna entre os grupos e correntes do PCB, o III Congresso, ao chancelar a linha da “frente única”, propiciaria o fortalecimento do grupo dirigente do Partido. O conclave ecoava de maneira contudendente as formulações do VI Congresso Internacional Comunista A revolução democrático-burguesa nas colónias distingue-se da revolução democrático-burguesa num país independente principalmente na medida em que ela está organicamente ligada á luta de libertação nacional contra o domínio imperialista. O factor nacional exerce uma influência considerável sobre o processo revolucionário em todos os países, tal como naqueles países semi-coloniais onde a escravatura imperialista surge abertamente e conduz as massas á revolta. Por outro lado, a opressão nacional acelera a crise revolucionária, intensifica a insatisfação das massas dos operários e dos camponeses, facilita a sua mobilização e mune os movimentos revolucionários com a natureza de uma revolução popular. Por outro lado, o factor nacional não apenas influência o movimento da classe operária e do campesinato, mas também modifica a atitude de todas as outras classes durante o curso da revolução. Acima de tudo, a pequena-burguesia urbana empobrecida e a intelectualidade pequeno-burguesa estarão sob a influência das forças revolucionárias activas; em segundo lugar, a posição da burguesia colonial na revolução democrático-burguesa é ambígua, as suas vacilações correspondem ao percurso da revolução e são ainda maiores do que num país independente… Juntamente com a luta de libertação nacional, a revolução agrária constitui o eixo da revolução democrático-burguesa nos países coloniais mais avançados. É por isso que os comunistas devem seguir o desenvolvimento da crise agrária e a intensificação das contradições de classe no campo com a maior atenção possível; eles devem fornecer uma direcção revolucionária consciente ao descontentamento dos operários e ao movimento camponês, dirigindo-o contra exploração e a opressão imperialistas e contra o jugo das condições pré-capitalistas sob as quais a economia camponesa sofre, declina e perece…

No tocante a “Questão Camponeza”, o VI Congresso mundial de 1928 era incisivo quanto à necessidade de organizar as massas do campo:

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Ahi a tarefa fundamental é de formar organizações independentes de operarios e de camponezes (o partido communista como partido de classe do proletariado, syndicatos, ligas e comités de camponezes, soviets nas situações revolucionarias, etc.) e de os tirar da influencia da burguezia nacional, com a qual não são admissiveis accordos temporarios senão na medida em que ella não entrave a organização revolucionaria dos operários e dos camponezes e em que ella combata effetivamente o imperialismo. (Internacional Comunista, 1928: 54)4

Tal fato seria ratificado na I Conferência Comunista da América Latina, que reuniria 14 países e onde teriam boa acolhida as propostas apresentadas pela delegação brasileira, composta por Paulo de Lacerda, Leôncio Basbaum, Mário Grazzini e Danton Jobim. É preciso que se destaque ao menos dois aspectos dessa I Conferência. Primeiro: ela reafirmava a idéia do papel quase que central da “questão camponesa” no movimento revolucionário dessa região. Como nos anos anteriores, o SSA/IC se apoiava nas teses da própria IC, pelas quais o processo revolucionário no grupo dos países “semicoloniais” e “semifeudais” – grupo a que pertenceria toda a América Latina – seria condicionado pela participação efetiva do “campesinato” como aliado do “proletariado” (urbano). Em função dessa preocupação e da problemática contida na fórmula da luta “antifeudal” e “antiimperialista”, o SSA/IC listava uma série de medidas em relação ao campo que deveriam ser incorporadas pelos programas dos PCs do continente. Na I Conferência, por exemplo, seria indicada como “tarefas imediatas”: luta contra os grandes proprietários, contra as sobrevivências feudais, contra as imposições fiscais, contra as empresas imperialistas que monopolizavam o comércio e exploravam os camponeses, contra toda a “trava” a seu desenvolvimento, pela devolução de terras às comunidades, pela abertura de

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Cumpre destacar que já nessa época a IC dava importância ao que se passava na China, e devia se entusiasmar com os relatos fornecidos pelo próprio Mao Tse-Tung, que elegia o “campesinato” como a grande força motriz da luta revolucionária na China: “Nas zonas rurais, os camponeses pobres têm constituído sempre a força principal desta luta encarniçada. Eles têm combatido activamente, tanto no período de acção clandestina como no período de actividade às claras. São os que melhor aceitam a direcção do Partido Comunista. São um inimigo mortal dos déspotas locais e dos maus nobres, a quem atacam sem a menor hesitação. "Há já muito que aderimos às associações camponesas", dizem eles aos camponeses ricos, "por que razão vocês ainda estão tão hesitantes?". Troçando, os camponeses ricos respondem-lhes: "Acaso existe qualquer coisa que vos impeça de aderir? Vocês não têm uma só telha para cobrir a cabeça nem um palmo de terra onde assentar os pés!". Na verdade, os camponeses pobres não receiam perder coisa alguma. É um facto que muitos deles "não têm uma só telha para cobrir a cabeça nem um palmo de terra onde assentar os pés". In: Relatório Sobre uma Investigação Feita no Hunan a Respeito do Movimento Camponês.

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créditos agrícolas e pela criação de organizações para a distribuição e circulação de seus produtos. Mais adiante seria consagrada um princípio que nortearia a atuação do PCB nas décadas seguintes. Em função de tal princípio acreditava-se que haveria para cada setor dos trabalhadores do campo uma forma de organização “mais adequada”: para os “assalariados agrícolas” recomendava-se a criação de sindicatos. Já para as categorias “não-assalariadas” como “pequenos proprietários”, “posseiros”, “meeiros” e “camponeses” propunha-se o estabelecimento de Ligas Camponesas. Porém – é importante que também se destaque – o SSA/IC também destacava a necessidade do estabelecimento de “alianças” entre essas duas formas de organização. É nessa época, informa Carine Neves (p. 2), que o BOC passa ser o maior ponto de divergência entre o SSA e o PCB: “Em certo momento, o Secretariado assim definira o BOC: uma ficção, não possuindo nenhum componente oriundo do campo, funcionando, de fato, como “uma cara formal para os partidos comunistas, na realidade um partido pequenoburguês”. Já a direção do PCB insistia em afirmar que o BOC viabilizava a “organização de massas, de frente única de todas as camadas do proletariado urbano e rural, dos campesinos típicos e da pequena burguesia proletarizada”. No entanto, observa Carine, “apenas quatro meses após tal declaração, o SSA criticaria o BOC por cometer ‘degenerações oportunistas, como conseqüência da adaptação de sua política as possibilidades de trabalho legal e a necessidade ‘de manter o contato com os elementos pequeno-burgueses’”. (Idem). Em março de 1930, logo após a participação do PCB nas eleições presidenciais, com Minervino Oliveira recebendo 720 votos, o BOC foi dissolvido. Segundo Dainis Karepovs a condenação à frente única (conceito fundante do BOC) efetuada pela IC acabou sendo a pá de cal daquele.5

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Carine Neves sintetiza assim a posição da IC sobre o BOC: “criado com a finalidade de reforçar a atividade revolucionária dirigida pelos comunistas, o BOC emergia também como um aparelho concorrente em relação ao PCB. O SSA criticou o PCB por este estar se submetendo, se subsumindo ao BOC. O temor do SSA era que diante de um conflito aberto, o bloco não fosse dirigido pelos comunistas, e que este pudesse, inclusive, voltarse contra partido. Além disso, havia o receio de que o bloco fosse mais expressivo do que o próprio partido diante das massas. Desta forma, se estes aparelhos eram, por um lado, complementares, por outro, eram concorrentes.” (p. 11)

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Santinho de Octavio Brandão. Fundo: DPS/APERJ

A IC e seus órgãos continuavam a divulgar em 1930 teses e diagnósticos que já vinham sendo amadurecidos há pelo menos dois anos, como o do papel central da classe camponesas nos movimentos revolucionários do grupo de países coloniais, semicoloniais e dependentes. No seu “Projeto de Teses sobre o movimento revolucionário da América Latina”, por exemplo, a IC afirmava entre outras coisas que das três classes que tomam uma parte ativa no movimento revolucionário na América Latina – “pequena burguesia”, “camponeses” e “proletariado” – “os camponeses pobres e o proletariado agrícola constituíram-se, quase em toda parte, a mola mais possante do movimento revolucionário”. Tal idéia informava explicitamente algumas das diretrizes contidas no projeto de “Resolução da IC sobre a questão brasileira”, a serem adotadas pelo PCB. A comissão da IC encarregada da redação do documento era enfática: “Façam exigências genéricas sobre revolução brasileira, sobretudo luta contra imperialismo, confisco e repartição de terras estatais entre camponeses na base de soviets. Para os camponeses, a palavra de ordem é

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tomada imediata da propriedade do solo”. Mas há significativa mudança no tom das diretrizes: a insistente proposta de criação de soviets e grupos armados de auto-proteção levava a considerar o movimento camponês quase que unicamente como um vetor da insurreição armada.

Octávio Brandão, na época em que era tribuno comunista no legislativo carioca.

Tais diretrizes, transmitidas diretamente pela IC, certamente influíram na mudança verificada na imprensa e nos documentos do PCB em relação à ênfase com que eram divulgadas as propostas de organização dos trabalhadores do campo. Diferentemente dos anos anteriores, as menções às Ligas Camponesas passaram a ser mais constantes, mesmo que dissessem mais respeito à intenção de criá-las do que propriamente de Ligas já

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existentes. Ao mesmo tempo, os pronunciamentos do PCB passam a consagrar a idéia da insurreição armada como a mais eficaz solução para os problemas do campo. Parece ter sido esse o sentido de uma reportagem de julho de 1930, do jornal comunista Classe Operária, sobre os protestos de “pequenos lavradores dos arredores de Nichteroy [atual Niterói]” contra uma resolução do governo do Estado do Rio, que determinava a cobrança de um “imposto de viação”. “Revoltados”, os “pequenos lavradores” decidiram suspender as vendas de suas mercadorias para o então Distrito Federal e “Nichteroy”. Querendo manifestar a sua solidariedade, o jornal dizia-lhes: Companheiros! Organizai-vos em comitês de luta, em conselhos locaes e na Liga dos Pequenos Lavradores e Camponezes! “Companheiros! Organizai-vos e armai-vos! Lutai por todos os meios, com todas as armas, em prol dos vossos interesses, na defesa da vossa vida e da vida dos vossos filhos! Lutai com energia e com decisão, expulsando os grandes proprietários e tomando para vós a terra que regais com o suor do vosso rosto. (A Classe Operária, 03/07/1930).

Um pleno ampliado do SSA/IC fora marcado para maio de 1930 em Buenos Aires. Os brasileiros neste encontro - Astrojildo Pereira, Octávio Brandão, Plínio Mello e Aristides Lobo – seriam duramente criticados, sendo os dois últimos expulsos do partido. Ficaria estabelecido que o Partido estava vedado a qualquer tipo de aliança com movimentos de grupos da “pequena burguesia”, em especial o “prestismo”, sem falar da Aliança Liberal. Isso era certamente um duro golpe para a situação e a posição de Astrojildo Pereira e de todo o restante do grupo dirigente no interior do Partido. O pleno ampliado da direção nacional realizado logo depois confirmaria isso. Logo a seguir, o PCB passaria por uma grande crise. Pode-se dizer que os primeiros três anos da década de 30 foram quase que tomados pelos conflitos internos em torno da linha política de “classe contra classe” adotada desde o afastamento do antigo grupo dirigente em 1930. O plenum do Comitê Central de janeiro de 1932 confirmaria esta linha e a exclusão algo freqüente neste período - de vários militantes identificados com os “desvios de direita” e com o “prestismo”. O Partido encontrava-se, além de paralisado, praticamente desmantelado quando a IC nele interviu para reorganizá-lo no final de 1933. E durante essas intervenções, que primeiramente formalizada numa carta dirigida à direção do PCB no ano

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de 1930, a IC formularia propostas sobre a atuação do PCB no campo que acabariam vigorando até praticamente a década de 40. E a esse respeito, as formas de organização jogavam um papel fundamental. No entanto, a forma como eram concebidas, sob o prisma da linha insurrecional, faziam com que fossem atribuídas às Ligas Camponesas funções quase que exclusivamente militares. A idéia da necessidade de organização das massas camponesas começava a ficar atrelada, e por isso pouco discernível, da idéia de tomada de poder pela via das armas. A primeira instrução da IC ao PCB era de que deviam se concentrar em duas “regiões agrárias” específicas - São Paulo e Nordeste, procurando “recrutar militantes nesses distritos, apoiar seu trabalho, distribuir literatura, organizar o movimento”. Ao descrever o “método” por meio do qual tal trabalho teria que ser efetivado, a IC retomava o exemplo chinês como parâmetro a ser seguido. A luta empreendida pelos comunistas chineses contra o Kuomitang se constituía aos olhos dos dirigentes da IC como um verdadeiro modelo insurrecional a ser aplicado nos países semicoloniais. Mas havia um elemento em particular cuja implementação era insistentemente proposta ao PCB: a criação de “comitês de luta camponesa”. Para a IC eram as “melhores organizações para liderar a luta dos camponeses”. Isso demonstra que uma das conseqüências da consolidação do “exemplo” chinês como um paradigma seria justamente reduzir (e confundir) a “questão camponesa” a um problema da constituição de guerrilhas rurais. O plenum do PCB de 1932 não tinha dúvidas quanto à centralidade do “campo”: A importancia do trabalho no campo é fundamental para o movimento syndical revolucionario no Brazil, dado o caracter predominante agrícola do paiz. Organizar na base de comites de fazenda os syndicatos de trabalhadores agricolas e colonos, assim como ligas camponezas, organizando conferencias e, na baze destas, criando federações. (PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, 1932: 33)

A segunda “instrução” exortava o PCB a estabelecer “contatos mais estreitos com o movimento cangaceiro”, devendo ainda “postar-se à frente de sua luta, dando-lhe o caráter de luta de classes, e em seguida vinculá-los ao movimento geral revolucionário do proletariado e do campesinato do Brasil”. O plenum do PCB de 1932 não ratificaria tal orientação de forma tão incisiva. Os dirigentes lembravam que a organização das massas do campo era primordial. No item 24

“Reforçar muito a nossa penetração no campo”, o partido assim matizava as orientações da IC: Dirigir e organizar as lutas dos assalariados agrícolas e dos camponezes, pondo-os sob a nossa direção e ligando-as à luta do proletariado das cidades. Organizar sindicatos na base de comites de fazenda de assalariados agrícolas e semi-proletarios, por meio de conferencias publicas de delegados de fazenda, e atravez de um plano concreto de reivindicações imediatas. Organizar a frente única de assalariados agricolas e camponezes mais pobres, para a luta contra os senhores de terras. Apanhar dados exatos sobre o campo afim de servirem de base para a elaboração de um programa agrario do Partido. (PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, 1932: 54)

Não obstante as declarações teóricas, os problemas no campo persisitiam. Em 1933, o BSA/IC produziria uma carta, dirigida a todos os Partidos Comunistas da América do Sul, intitulada “Por um viraje decisivo en el trabajo campesino”. Incomodava muito o organismo constatar que a atuação comunista no campo não conseguia decolar. E o problema seria originado de uma má formulação teórica: A insuficiente preocupação dos Partidos por este problema comprova a debilidade de todo seu trabalho, sendo um reflexo de todos os desvios no terreno ideológico, do enorme sectarismo e de falta de orientação revolucionaria de que adoecem. [...] O B.S.A. da IC, considera indispensável uma colaboração mais estreita no trabalho camponês entre ele e os Partidos Comunistas da América do Sul. Esta tarefa como nenhuma outra, requer uma concretização dos feitos à luz da teoria e dos ensinamentos leninistas. (BSA/IC, 1933: 2-3)

Por outro lado, havia a convicção de que a questão agrária ganhava cada vez maior centralidade nos conturbados contextos sociais dos países latino-americanos. A tarefa dos Partidos Comunistas consiste, precisamente, sem debilitar no mais mínimo a defesa dos interesses econômicos e políticos dos operários agrícolas e do campesinato pobre – em reunir a maioria do campesinato para a luta econômica e política contra os grandes proprietários e os imperialistas, na forma mais ampla, mais aberta e direta, desmascarando aos feudal-burgueses e a seus agentes social-fascistas que procuram a todo custo separar o operário agrícola do operário da cidade, e o primeiro do camponês pobre e do conjunto do proletariado agrícola e dos camponeses pobres, do resto do campesinato, do campesinato médio em particular. (BSA/IC, 1933: 13-14)

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Em princípios de 1934, o BSA/IC realizaria uma reunião sobre os problemas da América Meridional centrada na discussão da questão agrária. Ao fim do evento elaboraria um longo documento sobre “A situação dos camponeses no Brasil”, que sublinhava o caráter antifeudal e antiimperialista da revolução democrático-burguesa no Brasil e insistia em afirmar que o “proletariado agrícola” era o principal aliado da classe operária, mas insistia também que os “pequenos e médios proprietários” deveriam ser atraídos para a luta contra o “feudalismo” e o “imperialismo”. Contudo, apesar de considerar o Brasil como a “China do Ocidente”, o próprio documento reconhecia que a “penetração” do PCB junto ao “setor camponês” ainda era muito fraca. Uma das razões, segundo o documento, teria sido a subestimação do “potencial revolucionário” do campo e das “revoltas camponesas”. A outra teria sido a condução imprimida por Astrojildo Pereira e Octávio Brandão na direção do Partido. A questão agrária voltaria a ser objeto de extensas discussões na III Conferência Comunista da América Latina em outubro do mesmo ano. Mas antes de tratarmos desse evento, é necessário que recuperemos alguns aspectos do (conturbado) contexto nacional e internacional no qual o movimento comunista estava inserido.

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Folheto do Bloco Operário e Camponez. Fundo: DPS/APERJ

A ascensão dos nazi-fascistas obrigou a uma nova reflexão sobre a linha política da “classe contra classe”. A reunião de grupos conservadores e reacionários numa coalizão de extrema-direita incitava os comunistas a pensar novamente na possibilidade de aliança com grupos socialistas, progressistas e até liberais com vista à formação de uma providencial “frente única”. Devido à falta de debate no interior do movimento comunista quando da

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implantação da ditadura stalinista na URSS, seria muito sinuosa a recuperação daquela linha: a paralisia teórica impedia que os delegados enxergassem que no plano da práxis, o próprio movimento operário tinha rejeitado a linha “ofensivista”, que, entre outras coisas, pregava o isolamento do proletariado diante de outras forças, fossem progressistas ou não. O impasse criado no interior da IC a partir de então fez com que a data do seu VII Congresso, inicialmente marcada para agosto de 1934, fosse adiada. Mas como era grande o número de delegados sul-americanos que tinha se deslocado a Moscou para participar de conferências preparatórias, o BSA/IC resolveu organizar uma reunião com delegados dos países latinoamericanos para discutir a situação política do continente e traçar novas diretrizes para a “ação revolucionária” no continente. Essa reunião ficaria conhecida como a III Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e do Caribe. A totalidade desses delegados tinha sido escolhida de acordo com a fidelidade demonstrada em relação á linha da “classe contra classe”. Isso era um fator decisivo para que as propostas relativas à retomada da “frente única” sofressem fortes resistências. Por conseguinte, prevaleceriam as propostas pautadas no voluntarismo e no sectarismo, típicas da linha “ofensivista” de então. Entusiasmada com o fato do Brasil poder sediar em breve uma revolução nos moldes da China, a IC elaboraria uma série de instruções a serem implementadas pelos PCB de forma a concretizar tal projeto. A atitude da direção do Partido foi simplesmente incluir, sem nenhum questionamento ou esforço de adequação, as “instruções” da IC em seus documentos políticos. Além disso, a preocupação em cumprir à risca tais “instruções” levou o Partido a considerar os “cangaceiros” como uma espécie de terceiro grupo do setor dos trabalhadores rurais, tão importantes quanto os “camponeses” e “assalariados agrícolas”. Seriam esses três grupos, segundo a Declaração do Comitê Central de agosto de 1934, que deveriam compor os “comitês armados (...) para resistirem aos despejos por falta de pagamento de dívidas e arrendamentos, aos ataques dos capangas e polícias dos fazendeiros e do governo, bem como para garantir a posse de suas terras, tomar e dividir entre si as terras dos grandes proprietários”. Meses depois, em outubro, os delegados brasileiros presentes em Moscou, preocupados em demonstrar esmero no cumprimento das “lições” da IC, centrariam as suas falas exatamente sobre a atuação do PCB no campo. Nos relatos de Miranda - os quais depois do

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malogro de 1935 ficariam conhecidos pelo sugestivo nome de “informes-baluartes” - era o campo o lugar em que seria evidente essa “situação revolucionária”, pois, asseverava ele: Em todos os estados do Brasil há camponeses, trabalhadores, vaqueiros, peões, índios, negros, mestiços e brancos, nas fazendas e usinas, que querem pegar em armas. Em todos os estados do Brasil somos expulsos de nossas terras, sítios e roças. Nosso território é imenso e dentro dele há exemplo de Canudos, Contestado, Juazeiro do Padre Cícero, Princesa e milhares de outros lugares, há exemplo da gloriosa Coluna Prestes, sabemos lutar muito bem, nos defender e avançar.

Tal leitura “insurrecional” contribuía para reforçar um tipo de leitura sobre a “Questão Camponesa” que já vinha vigorando desde o início da década de 30 com a expulsão do antigo grupo dirigente: a atuação do Partido no campo deveria se dar exclusivamente em função da promoção de movimentos insurrecionais com vistas à tomada do poder. O grande problema é que o PCB pouco atuava nesse sentido em termos práticos, resumindo-se a tentar fazer ver, com grande dose de voluntarismo, que as lutas existentes no campo – ao que parece, com quase nenhuma participação do Partido – estariam confirmando a validade e pertinência das diretrizes “sugeridas” pela IC. Contudo, os relatos de Miranda certamente não seriam o único motivo para que àquela leitura tenha prevalecido. Assim como em muitos países da Europa e da própria América Latina, o Brasil via crescer movimentos voltados para a formação de frentes populares como reação ao crescimento do fascismo. Segundo Del Roio, a “crescente radicalização política e os seguidos conflitos de rua que opunham fascistas e antifascistas ofereceram condições para uma ampla aglutinação de forças nacional-populares, que iria desembocar na formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL)”. Na verdade, esta era um desdobramento de uma Comissão Jurídica Popular de Inquérito (CJPI), criada em novembro de 1934, com grande apoio do PCB, para a investigação das fontes de financiamento da fascista Ação Integralista Brasileira (AIB) e sua suposta responsabilidade por ações violentas, algumas resultando em mortes. Em torno da CJPI, que era originariamente composta por juristas e por intelectuais, foram se alinhando várias organizações antifascistas e formando-se novos comitês de frente única envolvendo sindicatos, militares, advogados, professores, parlamentares, imprensa, estudantes, grupos espíritas, ateístas e positivistas; mas já aqui se vislumbrava o papel

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hegemônico exercido pelos comunistas. Foi certamente um fator relevante para que os comunistas conseguissem, quando da fundação da ANL em 23 de março de 1935, imprimir seu programa antilatifundiário, antiimperialista e antifascista como a linha oficial da organização recém-criada: por uma revolução democrática, pela nacionalização das empresas imperialistas, pela suspensão das dívidas externas, pelo fim do latifúndio e pela instauração de um “governo popular” – essas eram as bandeiras dos “aliancistas”, bandeiras pensadas como capazes de estabelecer uma união entre organizações e indivíduos de várias concepções político-filosóficas, que ia do marxismo até o positivismo, do comunismo até o liberalismo. Uma semana depois, Luís Carlos Prestes – já filiado ao PCB por imposição da IC - era proclamado seu presidente de honra.

Folheto da ANL. Fundo: DPS/APERJ

Segundo Del Roio, a ANL recuperava a perspectiva estratégica do BOC e do antigo grupo dirigente, ao realizar na prática uma aliança entre parcelas da classe operária e das camadas médias urbanas. Contudo, a sua direção insistia em não ver as diferenças entre a linha política de “classe contra classe”, com sua perspectiva insurrecional de curto prazo, e a da “frente única popular”, que implicava um longo e árduo trabalho de articulação e de acumulação de forças, requisitos de uma consistente frente popular. Na verdade, o Partido tentaria conciliá-los num mesmo discurso. Por conseguinte, se a ANL insistia no tema do

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respeito à Constituição, ao mesmo tempo ela proclamava a tomada imediata do poder: “Todo o poder à ANL” - era a sua palavra de ordem. Ou seja, na perspectiva dos dirigentes comunistas, a via liberal-democrática e a via insurrecional - de forte matiz leninista – passariam a ser faces de uma mesma moeda. Essa ambigüidade (insurreição armada imediata/acumulação de forças) é plenamente reconhecível ao se ler as análises do Partido sobre a “questão camponesa”. Mas é importante que se frise que com o surgimento da ANL, o elemento “camponês” passou a ter, como nunca visto antes, um papel central na estratégia revolucionária dos comunistas brasileiros. As insistentes analogias feitas tanto por pecebistas quanto por representantes da IC entre a ANL e o Kuomitang chinês da década de 20, levavam a que fosse vista como imprescindível “a entrada das mais largas massas camponesas” nas lutas contra o imperialismo, o feudalismo e o fascismo. Mas se em termos teóricos o papel a ser desempenhado pelos “camponeses” numa revolução era plenamente reconhecido, na prática, os comunistas brasileiros sabiam que muito ainda tinha que ser feito para a efetiva incorporação daqueles ao processo revolucionário. Num documento de julho de 1935, o Partido exultava o fato de haver rompido com “algumas incompreensões que predominavam no passado” em relação aos “camponeses”. Porém reconhecia que a sua atuação ainda era “muito débil” no campo, o que tornava imperativo a preparação de “quadros de dirigentes e ativistas” para desempenhar esta tarefa. Aparentemente, o Comitê Central se pautava na perspectiva de um trabalho de organização e estruturação á longo prazo. Aparentemente. Pois logo a seguir – no mesmo documento - afirmava não ser “indispensável, em algumas áreas, a criação de organizações (ligas camponesas, comitês da ANL e sindicatos de assalariados agrícolas)”. “Os camaradas devem compreender, salientava a direção do PCB, que é chegado o momento de romper com a tendência de organizar os camponeses para esperar a revolução e desde já iniciar a luta em toda parte onde elas forem possíveis, sem receio nenhum de ir às lutas armadas e guerrilhas”. Essa ambigüidade aparecia de forma mais acentuada num documento anterior do mês de maio. Nele lemos que a “primeira tarefa” do partido era ir aos campos desde já, organizar amplos organismos de camponeses, ligas, comitês, sindicatos de assalariados agrícolas, organizar e desencadear as lutas dos camponeses e dentro desses organismos de massa e através dessas lutas ir, desde já, formando o

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Partido com comunistas que aprendam a trabalhar na organizar das massas e que se salientem na direção das lutas.

Mas os comunistas brasileiros tinham plena consciência das dificuldades de tal empreendimento. E a IC também estava bem interada a esse respeito. Harry Berger, um observador da IC, reconhecia que “nas cidades, podemos dizer que estamos mais ou menos bem representados. Fraco é, porém, o trabalho no campo. Este é o decisivo ponto fraco de todo nosso trabalho. Todo o resto vai relativamente bem, em parte até muito bem”. Contudo, tal como os pecebistas, os homens da IC também formulavam análises e diretrizes muito ambíguas, onde elementos da linha “classe contra classe” coexistiam com elementos da linha de “frente popular”. Berger estava convicto, por exemplo, que “os camponeses, na sua luta contra o feudalismo vão organizar ligas camponesas, comitês camponeses e destacamentos de guerrilheiros que serão outro apoio do governo popular nacional revolucionário”.

Folheto da ANL. Fundo: DPS/APERJ

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Ao decretar a ilegalidade da ANL em julho de 1935, o governo Vargas contribuiria para a saída dos “aliancistas” que ainda acreditavam na via institucional. Conseqüentemente, os comunistas se viam fortalecidos. Mais do que nunca, a via insurrecional ganhava força e triunfava sobre a idéia de “frente popular”. Outro fator que concorreu para isso foi a grande leva de jovens militares que se filiaram ao PCB. Tal evento fez com que se amadurecesse a idéia de que a ANL estava perto de conquistar o apoio da maioria do Exército. O que só aumentaria a crença de que já havia condições para o desencadeamento de uma insurreição popular. E certos disso, os comunistas iniciariam a insurreição em Natal (RN), no dia 23 de novembro, e em Recife (PE), no dia 25 seguinte. As conseqüências e repercussões já são por demais conhecidas. Em pouco tempo os comunistas (incluindo o BSA/IC) e sua exígua base de apoio foram desmantelados. Contando com valiosa colaboração da Gestapo, a polícia conseguiria em menos de seis meses efetuar a detenção de praticamente todo o escalão dirigente do PCB e do BSA/IC.

Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Fundo: DPS/APERJ

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Ainda em 1935, os poucos membros que ainda conseguiriam fugir ao cerco policial procuravam elucidar os fatores responsáveis pelo fracasso da Intentona de novembro. Para a direção do Partido o principal fator residia no campo, onde “o trabalho camponês nosso ainda é muito débil, pouco organizado mesmo nos lugares onde temos mais forças e onde se fez mais agitação. Temos que ir aos campos, desde já organizar as lutas dos camponeses e passar das palavras e ações mais concretas no trabalho revolucionário nos campos”. Nesse diagnóstico, a linha insurrecional adotada pelo Partido não era objeto de qualquer correção. Ao contrário, propunham-se justamente medidas que garantissem sua efetiva implementação como a “eleição” de zonas camponesas para que os comunistas pudessem concentrar seus esforços no trabalho de arregimentação de camponeses. Medida que por sinal se inspirava abertamente no exemplo chinês de criação de soviets de base camponesa. Logo após a prisão de Prestes em março de 1936, a direção do PCB transferiria-se para o Nordeste. Em abril a palavra de ordem “Todo o poder à ANL” era retirada. Aparentemente, a linha insurrecional era sepultada. Aparentemente, uma vez mais. O novo Comitê Central tendo Lauro Reginaldo da Rocha (“Bangu”) como secretário-geral de uma direção composta por nomes como Honório de Freitas Guimarães (“Martins”), Deícola dos Santos (“Tampinha”), Osvaldo Costa (“Tamandaré”), Eduardo Ribeiro Xavier (“Abóbora”), Elias Reinaldo da Silva (“André”), José Cavalcanti (“Gaguinho”) e Francisco Lira (“Cabeção”), afirmaria que o Levante de novembro tinha sido na verdade um grande sucesso. Num tom abertamente triunfalista o Secretariado Nacional afiançava que a popularidade do movimento de Novembro e da ANL, assim como a “autoridade” do PCB “crescia enormemente”. A ferocidade com que o Governo reprimia tanto o movimento como o Partido não passaria de um pequeno contratempo, nada que pudesse fenecer a convicção no seio das “massas” de que a ANL e a linha por ela adotada eram o caminho a seguir para a libertação do país. O “testemunho” de janeiro de 1936 de João Lopes, o “Santa”, a respeito do que tinha se passado no Rio Grande do Norte é, no mínimo, revelador. Assim nos contava Santa:

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O que vi em toda parte é muita satisfação do povo sobre esta arrancada da ANL; nas cadeias todos animados e satisfeitos. Vi grande quantidade de jovens na cadeia alegres, dando vivas à ANL, a Prestes e ao PC (...) os camponeses lutando com armas na mão e lenço vermelho no pescoço e fita vermelha no chapéu; as casas dos camponeses enfeitadas de bandeiras vermelhas de papel nas portas.

A “Questão Camponesa” continuava tendo um papel estratégico na revolução que parecia estar a caminho. Nesse sentido, além da constituição de guerrilhas, os comunistas ainda destacavam a importância de se criarem Ligas Camponesas para “pequenos sitiantes e ”camponeses” (“pequenos, médios e ricos”). Diferente-mente dos anos imediatamente anteriores, as Ligas não eram vista apenas como um simples instrumento voltado para facilitar o levantamento de guerrilhas. Mesmo que ainda enfatizassem, ainda numa perspectiva insurrecional, “a necessidade da derrubada de Getúlio, Sales e seus comparsas”, os comunistas voltavam a se preocupar com a questão da “defesa dos direitos” dos trabalhadores do campo. Mais do que viabilizar o armamento puro e simples dos camponeses, as Ligas Camponesas deveriam possuir “programas concretos de luta contra os altos impostos, as taxas sobre o produto, as altas tarifas e fretes das estradas de ferro, contra os intermediários que lhes pagam uma miséria pelo produto, contra os latifundiários que lhes roubam as terras”. Retomava-se desse modo a antiga pauta de questões e reivindicações supostamente “camponesas” - ensaiada nos debates internos do Partido na segunda metade da década de 20 e que estava bem mais próxima da realidade do campo e dos “camponeses” – que tinha sido obscurecida pelo voluntarismo imprimido pelo grupo dirigente que substituíra aquele encabeçado por Astrojildo Pereira. Aliás, as linhas gerais de tal pauta marcariam presença em vários movimentos de trabalhadores rurais pelas décadas seguintes. A partir de 1937, o Secretariado Nacional começaria a cogitar uma aproximação com Vargas. Em março desse ano, os principais dirigentes do PCB lançariam um documento intitulado “Ganhemos as municipalidades para a democracia!”. A fim de combater o “sectarismo” e o “esquerdismo”, criticariam as tentativas anteriormente empreendidas de desencadear lutas guerrilheiras. A linha insurrecional dava lugar à “luta por objetivos que pudessem ser resolvidos nos marcos da ‘democracia burguesa’ e não pelos soviets”. O voluntarismo expresso nas ações armadas dava lugar a um discurso que enfatizava a

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necessidade de “reeducação dos seus quadros no sentido do trabalho legal de massas e na preparação do povo para a luta pela democracia, contra o fascismo e o imperialismo”. Outro aspecto importante dessa nova orientação é que o Partido deixava a “Questão Camponesa” em segundo plano e passava a considerar a burguesia industrial como a principal força motriz da revolução brasileira. A luta que seria defendida nesse momento era a da industrialização. Mesmo franqueado apoio explícito a Getúlio Vargas, a repressão do Estado Novo contra os comunistas voltaria a toda carga no momento em que o regime demonstrava algumas afinidades com o eixo nazi-fascista. Em abril de 1940, todos os integrantes da direção seriam presos. O Partido estava literalmente paralisado. Situação da qual se livraria apenas a partir de 1943, com a formação de um grupo dirigente encabeçado por Luís Carlos Prestes ainda na prisão. De certo modo esse grupo chancelaria a linha que começava a ser sinalizada pelo grupo do Nordeste desde os últimos anos da década de 30 e que consistia no apelo à união nacional em torno de Getúlio Vargas.

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Miranda e a campanha por sua anistia. Fundo: DPS/APERJ

1945-1947: as Ligas Camponesas vão do papel para o campo

A linha insurrecional dos anos 30 parecia ser algo de um passado bem remoto, devidamente sepultado por uma realidade que exigia bastante comedimento e muita reflexão antes de qualquer passo a ser dado. Os comunistas – e muitos outros – acreditavam realmente que se vivia em tempos de Paz: “Com a vitória sobre o nazismo, entramos realmente numa nova época. Terminou o período de guerra e começou o período do 37

desenvolvimento pacífico” – bradava o “Guia Genial dos povos”, Iosif Stálin. O próprio Prestes em seu “Projeto de Declaração da ANL e do PCB” de 1944, garantia que “somos no momento radicalmente contrários a qualquer luta contra o governo constituído e estamos certos de que esta é também a opinião da maioria esmagadora da Nação.” Esta seria uma das faces mais visíveis do discurso que os comunistas brasileiros sustentariam nos primeiros acordes da “redemocratização” (outra crença intensamente difundida nessa época) inaugurada com o fim do Estado Novo. Isso só vinha reforçar a opção pela linha da “união nacional para a democracia e o progresso”, apresentada pelos comunistas como um “gesto de lealdade e de superior patriotismo”, pelo qual estendiam a “mão a todos os homens honestos, democratas e progressistas sinceros”, seja qual fosse “sua posição social, assim como seus pontos de vista ideológicos ou filosóficos e seus credos religiosos”. O PCB passava a ser, portanto, o mais novo paladino da ordem política e da paz social.6 A união nacional é possível. Existem em nossa terra todas as condições objetivas para sua realização. Unamo-nos pois! A desordem e a desunião só interessam ao fascismo, aos remanescentes da quinta coluna no país e aos agentes do capital estrangeiro mais reacionário, aos agentes do isolacionismo americano e do muniquismo inglês, inimigos todos da democracia e do nosso povo. A união ou o caos; a democracia ou a desordem; o desenvolvimento pacífico ou a guerra civil — são os dilemas que defrontamos. Nós, comunistas, não vacilamos. Já escolhemos há multo o nosso caminho — união, democracia, desenvolvimento pacífico — é o melhor caminho, é o que indicamos ao nosso povo.

Mas isso não impedia que o mesmo propugnasse por mudanças. E esta era a outra face visível do seu discurso: a luta pela eliminação, “dentro da ordem e da lei”, dos restos feudais e fascistas ainda existentes no país, e que tinham o “monopólio da terra” como seu maior emblema. A seu ver, a terra na mão de “uma minoria privilegiada” impedia a “elevação do nível de vida das grandes massas do campo”. O potencial desestabilizador do “latifúndio”, encarado como uma grande ameaça à ordem e paz sociais tão almejadas, permitia que os comunistas reivindicassem medidas que pudessem pôr em xeque o cerne da estrutura de dominação que ainda vigorava no país. Esse era o programa para o campo: maior controle 6

PRESTES, Luiz Carlos. “União Nacional Para a Democracia e o Progresso Luiz Carlos Prestes”, Rio de Janeiro, 23 de Maio de 1945.

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do sistema fundiário por parte do Estado; maior fomento à agricultura voltada para o mercado interno; entrega de terras a “famílias camponesas que se comprometam a explorálas imediatamente”; apoio ao cooperativismo, pelo crédito barato e, “se possível”, sem juros; auxílio financeiro técnico; fixação de preço mínimo para a produção pelo governo etc. De um lado a defesa da paz, do respeito intransigente à ordem (apertando o cinto e a barriga se fosse preciso, como diria Prestes num comício realizado em São Paulo em 1945), da busca patriótica da união nacional. Do outro, os insistentes apelos por mudanças e medidas contra o fascismo e os “agentes do capital estrangeiro mais reacionário”. Antes da guerra, nós, comunistas, lutávamos contra a democracia burguesa aliada dos senhores feudais mais reacionários e submissa ao capital estrangeiro colonizador, opressor, explorador e imperialista. Hoje, o problema é outro, a democracia burguesa volta-se para a esquerda, a classe operária tem a possibilidade de aliar-se com a pequena burguesia do campo e da cidade e com a parte democrata e progressista da burguesia nacional contra a minoria reacionária e aquela parte igualmente reacionária do capital estrangeiro colonizador. Mesmo aqui em nossa terra, o velho tipo de politiqueiro demagogo, que se ria do povo que cinicamente enganava, e do qual só se lembrava nas horas de eleições, tende a desaparecer, de morte natural, por fatalidade histórica. Tem por isso toda a razão o jornalista que escreveu há dias que o novo político é aquele que acredita no povo. Na realização progressiva e pacífica, dentro da ordem e da lei, de um tal programa, está sem dúvida a única saída para a grande crise política, econômica e social que atravessamos. E é por estarmos convencidos disto que, num gesto de lealdade e de superior patriotismo, estendemos a mão a todos os homens honestos, democratas e progressistas sinceros, seja qual for sua posição social, assim como seus pontos de vista ideológicos ou filosóficos e seus credos religiosos. Só assim alcançaremos a verdadeira união nacional sem a qual seremos presa fácil do fascismo e dos agentes do capital estrangeiro mais reacionário que, na defesa de seus interesses, fomenta a desordem e prega a desunião, geradora do caos e da guerra civil que precisamos c todo transe evitar. [...] Esta a nossa posição política, a linha política de nosso Partido — unificação nacional para iniciar a solução dos graves problemas econômicos e sociais e chegarmos, de maneira pacífica, através de eleições livres e honestas, à Assembléia Constituinte e à reconstitucionalização democrática que todos almejamos.7

Mas em meio às ambigüidades presentes em seu discurso, o PCB implementava em diversos pontos do país uma agressiva política de arregimentação e incorporação de indivíduos e grupos da sociedade civil na rede de organizações políticas sob sua influência, 7

Idem.

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que abarcava desde as grandes confederações sindicais até as pequenas células e comitês de bairro. Junto ao seu fortalecimento no plano dos movimentos sociais, seus dirigentes também almejavam impulsionar o nome do Partido no plano político-eleitoral. De fato o PCB estava decidido a se transformar num partido de massas. Tendo isso em vista, o Partido passava a se preocupar não apenas com as grandes questões e desafios nacionais, mas também com as reivindicações locais (“práticas e imediatas”), restritas ao plano do bairro, da fazenda ou até mesmo de uma única rua. As formas organizativas de base mais utilizadas para a implementação dessa política no meio urbano seriam os Comitês Democráticos Populares, que tinha como principais objetivos: organizar um plano de reivindicações locais realizáveis; coletar dinheiro; e, realizar “toda a propaganda a seu alcance”. Interessante observar que no caminho percorrido para a realização do primeiro objetivo, os comunistas buscavam persistentemente articular discussões “gerais” e “locais”: era comum nos encontros ou assembléias ali realizados debaterem-se lado a lado temas que iam desde a União nacional, eleições “livres e honestas”, desenvolvimento industrial das nações, campanha anti-integralista, até temas de interesse restrito ao âmbito do bairro como a necessidade de concerto de estradas, calçamentos e encanamentos d’águas, limpeza das ruas; a construção de escolas, maternidades, ambulatórios, mercados locais, escadinhas, pontes; a organização de feiraslivres; o problema da falta de água e leite; a criação de linhas de ônibus etc. Igualmente interessante era a tentativa dos diretores desses Comitês em harmonizar o trabalho de formação política com a promoção de serviços assistenciais e de lazer. Junto aos debates políticos, os Comitês viabilizavam a prestação de serviços à população como cursos de corte e costura, formação de bibliotecas, cursos de alfabetização, teatro, mini-ambulatório médico, festas, conferências e palestras sobre Constituinte, democracia, função dos comitês populares, imprensa popular etc. Significativa dessa postura eram as constantes chamadas do Comitê Democrático Popular de Jacarepaguá para dois eventos por ele patrocinados em julho de 1946: um era a “solenidade” promovida em comemoração à Tomada da Bastilha pelos revolucionários franceses, no dia 14; o outro era a festa junina a ser realizada no dia 29. Meses depois, o mesmo Comitê convocaria todos os moradores do bairro para a

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inauguração de um “Posto eleitoral apartidário destinado a armar todo e qualquer cidadão com um título eleitoral”. Logo em seguida haveria um baile e distribuição de brinquedos às crianças. Empreendimentos muito parecidos seriam verificados no meio rural. O resoluto empenho no sentido de fortalecer a posição do Partido tanto no plano político-institucional quanto no dos movimentos organizados da sociedade civil, e a própria maneira como o problema do latifúndio/monopólio da terra era entendido – comumente associado aos “resquícios fascistas” da sociedade – levava a que o PCB novamente recolocasse a “questão camponesa” como um dos pontos prioritários de sua pauta. Retomava-se então a tese da classe camponesa como o aliado fundamental da classe operária na revolução democráticaburguesa. Mas, conforme dizia Engels num dos seus “ensinamentos”, era “preciso em primeiro lugar” que o partido saísse “da cidade para o campo”. Uma novidade em relação aos outros períodos é que o PCB parecia estar realmente decidido a tirar aquele “ensinamento” do papel. Um claro indício dessa atitude se verificaria no Pleno de janeiro de 1946, que, acatando algo que já tinha sido sugerido no Pleno de agosto de 1945, criaria uma Comissão Agrária encarregada de “estudar a fundo o problema agrário” no Brasil. Outro fato significativo era o fato do órgão noticioso do Partido, o Classe Operária, reservar uma seção inteiramente dedicada às questões do campo. De forma a viabilizar tal iniciativa, a direção do jornal solicitava a seus leitores em abril de 1946 que enviassem “uma correspondência regular sobre aspectos do campo à redação d’A CLASSE”. Outro ponto que o jornal fazia questão de salientar era importância dos “membros, simpatizantes e amigos do Partido” se manterem em “comunicação” com a Comissão Agrária criada em janeiro último, para cuja sede, à rua da Glória, 52, deviam “ser enviados os elementos de interêsse sobre o assunto”. Igualmente significativas foram as mudanças no plano da orientação política. Enviar “os melhores e mais hábeis militantes para o campo”, passava desde já a ser imperativo – exortava a Comissão Executiva no Pleno de janeiro de 1946. Outra questão premente, isto é, uma “tarefa imediata do “Partido e do proletariado” era a “organização dos assalariados agrícolas e principalmente das grandes massas camponesas, que representam a grande maioria da nossa população rural e sertaneja”. A prioridade, portanto, recaia sobre as

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categorias não-assalariadas nesse momento. Algumas declarações de Prestes num dos seus vários comícios também permitem deslindar outra importante baliza da leitura que o PCB fazia sobre o campo. Retomando em parte uma perspectiva cujas raízes remontavam à década de 20, o Partido julgava que para cada setor dos trabalhadores do campo corresponderiam formas específicas de organização. As categorias não-assalariadas como “colonos”, “moradores”, “agregados”, “meeiros”, “posteiros” (vigias de gado), “posseiros”, “vaqueiros”, “peões de estância”, “trabalhadores do eito”, deveriam ser mobilizadas por meio de clubes, Ligas Camponesas, irmandades, células rurais, associações, cooperativas e “sociedades de amigos do povo do lugar”. Já os “trabalhadores do café, da cana, do algodão, do fumo, da borracha, da erva-mate, da castanha”, deveriam ser reunidos em sindicatos. A primazia conferida ao setor “camponês” impulsionaria um maior investimento nas primeiras formas de organização, ou seja, as sociedades civis, que se comparadas aos sindicatos eram bem mais acessíveis, pois exigiam apenas um simples registro em cartório. Acreditava-se que eram formas mais familiares aos “camponeses”, mais próximas dos costumes locais, o que facilitaria o trabalho do Partido entre eles. Mas dentre elas a que mais se sobressairia foram sem dúvida alguma as Ligas Camponesas. Em poucos meses, a partir do final de 1945, os comunistas as disseminariam por vários pontos do país. A primeira delas a ser criada teria sido a Liga Camponesa de Dumont (um distrito de Ribeirão Preto), conforme depoimento de um antigo militante do partido, Irineu Moraes, que por sinal tinha sido o seu criador. Podemos mencionar também as Ligas Camponesas de Escada, Goiana, Pau D’Alho e Iputinga (Pernambuco); Bauru, Cruzeiro, Fernandópolis, Suinama, Lins, Santo Anastácio (São Paulo); Nova Iguaçu e São João de Meriti (Estado do Rio de Janeiro); Jacarepaguá, Vargem Grande e Distrito Federal (cidade do Rio - DF); Catalão, Nova Aurora, Urutaí, Pires do Rio, Orizona e Goiandira (Goiás). Há também informações que dão conta de sua forte incidência no Triângulo Mineiro, e no Paraná. Em Uberlândia, informa Leonardo Lepera, várias Ligas Camponesas são constituídas na região a partir de 1946, Dali ela se espraiaria para diversas outras cidades, tais como Sucupira, Martinésia, Cruzeiro dos Peixotos, Capão da Onça, Frutal, Monte Alegre de Minas, São Francisco, Sobradinho, Furnas e Canápolis.

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Tais ligas, segundo o mesmo autor, “além das lutas reivindicatórias, prestavam assistência jurídica, médica e odontológica a seus integrantes, bem como promoviam a alfabetização de adultos, atividades culturais e recreativas”. (LEPERA, 2007: 4). Infelizmente, ainda não há informações mais detalhadas sobre a atuação e composição de boa parcela dessas Ligas. Neste trabalho, as informações que possuímos dizem respeito apenas às Ligas de Dumont, do Distrito Federal, de Iputinga e as de Goiás citadas acima. Por acaso, conseguimos levantar ainda um documento a respeito da Liga Camponesa de Cruzeiro dos Peixotos, uma pequena cidade do interior do estado de Minas Gerais. Embora constituído um universo de análise muito pequeno, os dados sobre suas atuações revelam importantes traços em comum entre elas (importante tendo em vista que pertenciam a estados diferentes). A propósito, é interessante notar que alguns aspectos dessas Ligas permaneceriam presentes na trajetória das organizações “camponesas” das décadas de 50 e 60 – incluindo-se as outras Ligas, comumente associadas à figura de Francisco Julião. Um primeiro aspecto que salta aos olhos é a importância que as Ligas comunistas davam ao fornecimento de assistência jurídica aos seus associados, em clara sintonia com o lema do Partido, pelo qual a resolução de todo e qualquer tipo de conflito deveria se dar pela “via legal”. Nas Ligas de Iputinga e do Distrito Federal, havia até mesmo um departamento jurídico que disponibilizava esse tipo de assistência aos seus associados. Por sinal, o responsável por esse departamento na Liga Camponesa do Distrito Federal, o advogado Pedro Coutinho, era também o seu presidente. Outro ponto em comum - que se devia ao fato de todas essas Ligas reunirem “arrendatários” - seriam os esforços de seus advogados em estabelecer melhores condições de arrendamento. Mas há que se destacar que em Goiás, as Ligas puderam contar com o apoio de dois deputados do PCB – Abrão Isaac Neto e Paulo Alves da Costa – na luta pela baixa do arrendo, que variava entre 40% e 70%. Fator decisivo para que a redução da taxa de arrendo para 20% fosse incluída na Constituição estadual. Outras ações judiciais recorrentes tinham a ver com violências praticadas por “fazendeiros” e “grileiros”, como “tomada de terra” e queima de lavoura. Não raro os “arrendatários” se diziam prejudicados por essas ações, contudo elas atingiam com muito

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maior freqüência os “posseiros”. Os quais eram maioria entre os membros da Liga Camponesa do Distrito Federal.

Endereço da antiga sede da Liga Camponesa de Jacarepaguá. Foto do autor. 12/01/2012.

Além da ação judicial propriamente dita, tais Ligas buscavam exercer outras formas de pressão, especialmente dirigidas aos poderes públicos como envio de memoriais a juízes (Liga Camponesa de Suinama – SP), vereadores, deputados e senadores (Liga Camponesa do Distrito Federal). Não custa lembrar que esta tinha a seu favor o fato de estar localizada no principal centro político do país, o que lhe permitia exercer uma pressão frente a instituições de maior abrangência: os memoriais feitos em seu nome, por exemplo, eram entregues pessoalmente por meio de comissões que compareciam à Câmara de Vereadores, à Câmara Federal e ao Senado. Mas um detalhe que deve ser frisado é que essas Ligas sempre tencionaram estabelecer relações de aliança com grupos e personalidades políticas de inserção extralocal, procurando, com o “apoio fora das fazendas”, comprometer outros setores da sociedade com os seus movimentos reivindicatórios. Cabe assinalar que além da

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assessoria jurídica, a Liga de Cruzeiro dos Peixotos fornecia produtos farmacêuticos aos seus associados. É bem provável que a mesma prática ocorresse em outras Ligas. Outro ponto visível em todas essas Ligas – exceto nas de Goiás – era a preocupação com a questão das condições de produção e comercialização dos produtos agrícolas. A de Iputinga, por exemplo, segundo depoimento de Pedro Renaux – seu fundador -, “auxiliava na produção através da instalação de um sistema de irrigação, de distribuição de sementes e adubos, e na administração do uso coletivo de um trator; além disso, organizava a distribuição dos produtos administrando os boxes que ocupava no Mercado de Cordeiro”. Já a do Distrito Federal incluía em seus próprios estatutos reivindicações como: pleitear o fornecimento gratuito de ferramentas agrícolas e sementes; pugnar pela criação de mercados livres e diretos, com a abolição dos intermediários; lutar pela redução e abolição de todos os impostos, que recaem sobre os pequenos lavradores e que oneram a produção agrícola e asfixiam o pequeno lavador; criar e desenvolver cooperativas de produção e consumo para uso de seus associados e de suas famílias. Além de conferências, assembléias e mesasredondas, a organização de feiras era um outro evento que a Liga de Jacarepaguá comumente realizava. Um último aspecto a ser destacado diz respeito às atividades de propaganda e “conscientização” partidária realizadas no interior das Ligas. Vejamos este testemunho, que apesar de marcado pela ideologia anti-comunista, dava uma certa idéia do trabalho ideológico que era realizado na Liga de Cruzeiro dos Peixotos. Para aquela testemunha, esta testemunha tinha como fim especial “invocar os seus associados nas normas do impatriótico do PC” e ainda introduzir na mentalidade deles “que o regime atual é um fascismo disfarçado em democracia, e o regime comunista é o único capaz de beneficiar o Brasil em todos os pontos de vista e, principalmente ao homem rural”. Nas Ligas de Dumont e do Distrito Federal também era intenso o trabalho de propaganda a favor dos candidatos do partido e da sua própria linha política, por meio de palestras e conferências que em geral versavam sobre assuntos como a importância do voto e outros “temas constitucionais”. Coincidência ou não, tratavam-se exatamente de duas Ligas que nasceram como desdobramento de Comitês Democráticos Populares de Dumont e de Jacarepaguá respectivamente, os quais, como já vimos, tinham na propaganda e formação política de seus

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membros um dos seus principais alvos. Uma outra iniciativa que era realizada pelo Comitê Democrático Popular de Jacarepaguá e que a Liga Camponesa do Distrito Federal faria questão de levar a diante eram as constantes promoções de “festas camponesas” em sua sede. Estamos de acordo com Luciano Lepera – citando Clodomir Moraes - ao destacar que Os êxitos alcançados foram de tal importância que nem os elevados índices de analfabetismo do meio rural impediram a eleição de considerável número de representantes comunistas para as assembléias estaduais e municipais, com a grande contribuição da votação camponesa (LEPERA,

2012: 3). A intensa repressão desencadeada sobre essas Ligas a partir de maio de 1947 seria, a nosso ver, o principal motivo para que elas tenham durado tão pouco tempo e não devido à hipótese delas terem sido “meros apêndices” da estrutura “unitária e centralizada” do PCB. Se assim fosse tal avaliação também deveria incidir sobre as centenas de Associações de Lavradores e Sindicatos criados e/ou controlados pelo Partido nas décadas de 50 e 60 – e que, junto com as Ligas Camponesas criadas a partir de meados da década de 50, também foram quase todas extintos pelo Governo militar instaurado com o golpe de 64. Mas antes desse, um golpe anterior - a decretação da ilegalidade do PCB em maio de 1947, poria cobro a toda uma série de experiências que o Partido vinha vivenciando a partir da redemocratização. Os debates e discussões surgidas dentro e fora do Partido a partir da atuação que ele começava a implementar no campo foram subitamente abortados. E com eles uma determinada leitura que se fazia da “Questão Camponesa”, cuja resolução - assim era entendida – não se daria por um simples “assalto ao poder”. O trabalho no campo então desenvolvido pelos comunistas sugeria que o problema era bem mais complexo, pois passava por um sistemático trabalho de mobilização e organização dos trabalhadores em “organizações camponesas”, acumulando forças por meio de alianças com outros setores da sociedade (inclusive com “os da cidade”); por esse prisma, o PCB acreditava que estavam sendo criadas condições para que a classe “camponesa” pudesse atuar como um agente capaz de alterar a correlação de forças políticas do país.

Considerações finais

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As Ligas Camponesas começaram como uma idéia nas fileiras do PCB, ainda na década de 1930, diretamente inspirada em algumas insurreições, em especial de “camponeses”, em lugares como China. E permaneceu como ideia – e só como ideia – por muitos anos. Nem o Levante de 1935 foi capaz de tirá-las – as Ligas - do papel. O que não impedia que as análises sobre o papel desse tipo de organização fosse marcado pelo radicalismo. As Ligas, mais do que uma entidade sindical, funcionaria muito mais como um orgão político voltado para a luta armada. Ou mais do que isso em certos momentos: era mais visto pelo viès militar do que propriamente político. Mas sempre sob o comando (ou direção) do PCB. Vários fatores impediriam a concretização dos planos pecebistas sobre as Ligas. O mais fundamental deles era a extrema precariedade das linhas de comunicação e transporte que assolavam o meio rural brasileiro. Isso só viria mudar com a “redemocratização” de 1945 e a recuperação da Legalidade por parte do PCB. O Partido colocaria em prática um amplo programa de atuação, mobilização e organização das “classes populares”, direcionando seus esforços prioritariamente para localidades dos suburbios e periferias de alguns centros urbanos. O Partido cresceu muito dessa forma, estava efetivamente se transformando num partido de massas. Isso teve um óbvio impacto na análise dos comunistas sobre a questão agrária e da sua relação contra os trabalhadores rurais e camponeses. Foi nesse contexto que as Ligas Camponesas ressurgiram, agora não apenas como conceito, mas como órgão político específico. Órgão diretamente dirigido pelo Partido e por isso mesmo ecoando os fundamentos da linha política então vigente: a de união nacional e de colaboração com todas as classes comprometidas com o progresso da Nação. As Ligas não tinham mais aqui qualquer vestígio das décadas anteriores. O conceito adentrava os anos 40 depurado de todo caráter inssurecional, claramente belicoso, diretamente inspirado pela ideia de tomada de poder. Longe disso. Agora as Ligas eram pensadas como instrumento de um novo tipo de luta por parte do PCB. Agora como partido de massas e francamente comprometido com a causa da “Democracia e das forças progressistas da Nação”, era vital a conquista de postos e cargos no sistema político institucional. A tomada de poder era coisa do passado. O partido direcionava toda a sua energia para os embates próprios da via eleitoral. A eleição de representantes parlamentares

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era, portanto, a grande prioridade dos comunistas, para garantir nos termos da lei, quiçá da Constituição, as reformas em prol da classe trabalhadora do país. Foi nesse contexto programático as Ligas Camponesas foram implantadas. Extremamente devotadas na atuação enquanto comitês eleitorais. Serviam muitas vezes de plataforma para a atuação de candidatos e aspirantes políticos do PCB, promovendo palestras, aulas públicas, comícios e festejos para esse fim. Não obstante, tais organismos procuravam levantar o que seriam as demandas específicas dos pequenos lavradores e os principais problemas vivenciados em suas localidades. Ao mesmo tempo que as Ligas perdiam seu conteúdo mais radical, elas eram responsáveis por nutrir o Partido de um conhecimento mais concreto e preciso desse segmento social, bastante amplo e genérico, que abarcava posseiros, arrendatários, foreiros e pequenos proprietários, os pequenos lavradores ou, na sua acepção mais clássica – tão cara ao partido: os camponeses. As Ligas Camponesas do pós-45 acabaram sendo a ponte que levou o PCB a penetrar efetivamente no mundo rural. Mundo esse apenas imaginado, a partir de categorias fornecidas pela IC nos anos 20 e 30, mas que passou a ser definitivamente conhecido e vivenciado por muitos militantes comunistas a partir de 1945, de maneira muito mais concreta. No que se lançou ao campo, por meio das Ligas, para transformá-lo, na medida que o conhecia e, assim, apreendia suas especificidades, o Partido também foi, em parte, ele mesmo transformado por essa experiência. Pode-se dizer que o PCB nunca mais foi o mesmo depois que decidiu trilhar o caminho rumo ao campo. O Manifesto de Agosto, formulado logo depois, em 1950, seria bastante ilustrativo a esse respeito.

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ANEXOS

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Anexo 1

Decreto N. 1637 – de 5 de janeiro de 1907 Crea syndicatos profissionaes e sociedades cooperativas O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil: Faço saber que o Congresso Nacional decretou eu sancciono a seguinte resolução:

CAPITULO I DOS SYNDICATOS PROFISSIONAES Art. 1º E' facultado aos profissionaes de profissões similares ou connexas, inclusive as profissões liberaes, organizarem entre si syndicatos, tendo por fim o estudo, a defesa e o desenvolvimento dos interesses geraes da profissão e dos interesses profissionaes de seus membros. Paragrapho unico. São considerados como continuando a pertencer á profissão, embora não o pertençam mais, os profissionaes que tiverem exercido a profissão durante cinco annos e que não a tenham abandonado desde mais de dez annos, comtanto que não exerçam outra profissão e residam no paiz desde mais de tres annos. Art. 2º Os syndicatos profissionaes se constituem livremente, sem autorização do Governo, bastando, para obterem os favores da lei, depositar no cartorio do registro de hypothecas do districto respectivo tres exemplares dos estatutos, da acta da installação e da lista nominativa dos membros da directoria, do conselho e de qualquer corpo encarregado da direcção da sociedade ou da gestão dos seus bens, com a indicação da nacionalidade, da idade, da residencia, da profissão e da qualidade de membro effectivo ou honorario. O official do registro das hypothecas é obrigado a enviar, dentro dos oito dias da apresentação, um exemplar á Junta Commercial do Estado respectivo e outro ao procurador da Republica. Este deverá, dentro de tres mezes da communicação, remetter recibo com a declaração de regularidade. Si, findo o prazo acima, o procurador não o tiver feito, ficarão sanadas as irregularidades. § 1º O registro deverá ser renovado a cada mudança de direcção ou modificação dos estatutos.

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§ 2º Só podem fazer parte dos corpos de direcção dos syndicatos, brazileiros natos ou naturalizados, com residencia no paiz, de mais de cinco annos, o no gozo de todos os direitos civis. Art. 3º Os syndicatos que preencherem as formalidades do artigo anterior gozarão da personalidade civil e poderão: a) estar em juizo como autores os réos; b) adquirir, a titulo gratuito ou oneroso, bens moveis e immoveis; c) organizar, em seu seio e para os seus membros, instituições de mutualidade, previdencia e cooperação, de toda a sorte, constituindo essas, porém, associações distinctas e autonomas, com inteira separação e caixas e responsabilidades. Art. 4º Os syndicatos terão a faculdade de se federar em uniões ou syndicatos centraes, sem limitação de circumscripções territoriaes. As federações terão personalidade civil separada e gozarão dos mesmos direitos e vantagens dos syndicatos isolados. Art. 5.º Ninguem será obrigado a entrar para um syndicato sob pretexto algum, e os profissionaes que forem syndicatarios poderão retirar-se em todo tempo, perdendo, porém, as cotizações realizadas, os direitos, concessões e vantagens inherentes ao syndicato, em favor deste, sem direito a reclamação alguma e sem prejuizo da cotização do anno corrente. Art. 6º Quando, na fórma do art. 3º, lettra c, o syndicato houver constituido corporações distinctas de mutualidade, previdencia, credito ou outra qualquer, o socio que se retirar do syndicato não perderá as cotizações e outras vantagens, podendo ser conservado ou excluido, mediante o pagamento de uma indemnização correspondente contribuições pagas, da fórma que for fixada, nos estatutos. Art. 7º Os estatutos deverão indicar, sob pena de nullidade: 1º, a séde, duração, fórma e fins do syndicato; 2º, as condições de admissão e eliminação dos socios, cujo numero nunca poderá ser inferior a sete effectivos; 3º, o modo de administração e condições de dissolução; 4º, o destino a dar-se ao acervo social, que, em regra, deverá ser applicado a alguma instituição util à classe da respectiva profissão. Art. 8º Os syndicatos que se constituirem com o espirito de harmonia entre patrões e operarios, como sejam os ligados por conselhos permanentes de conciliação e arbitragem, destinados a dirimir as divergencias e contestações entre o capital e o trabalho, serão considerado como representantes legaes da classe integral dos homens do trabalho e, como taes, poderão ser consultados em todos os assumptos da profissão. Art. 9º Os syndicatos agricolas, nos quaes se comprehendem os que teem por objecto a criação do gado ou a industria pecuaria, continuam a ser regidos pelo decreto n. 979, de 6 de janeiro de 1903, substituido-se no art. 1º as palavras – Associação Commercial – pelas palavras – Junta Commercial.

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CAPITULO II DAS COOPERATIVAS Art. 10. As sociedades cooperativas, que poderão ser anonymas, em nome collectivo ou em commandita, são regidas pelas leis que regulam cada uma destas fórmas de sociedade, com as modificações estatuidas na presente lei. Art. 11. São caracteristicos das sociedades cooperativas: a) a variabilidade do capital social; b) a não limitação do numero de socios; c) a incessibilidade das acções, quotas ou partes a terceiros, estranhos á sociedade. Art. 12. As sociedades cooperativas devem fazer preceder a sua firma ou discriminação social das palavras «Sociedade cooperativa de responsabilidade limitada» ou «illimitada», conforme esta for, em todos os seus actos. Os administradores, socios ou não, sómente serão responsaveis nos limites do mandato que receberem. A responsabilidade dos socios será solidaria ou dividida, indefinida ou até á concurrencia de certo valor, conforme determinarem os estatutos. Paragrapho unico. Os que tomarem parte em um acto ou operação social em que se occulte a declaração de que a sociedade é cooperativa poderão ser declarados pessoalmente responsaveis pelos compromissos contrahidos pela sociedade. Art. 13. As sociedades cooperativas podem se constituir por escriptura publica ou por deliberação da assembléa geral dos socios. Art. 14. O acto constitutivo das sociedades deverá conter, sob pena de nullidade: 1º, a denominação, fórma e séde da sociedade; 2º, o seu objecto; 3º, a designação precisa dos socios, cujo numero não será inferior a sete; 4º, como e por quem os negocios sociaes serão administrados e fiscalizados; 5º, o minimo do capital social e a fórma por que este e ou será ulteriormente constituido, sendo permittido estipular que o pagamento seja feito por quotas semanaes, mensaes ou annuaes e cada socio entre com uma joia destinada a constituir o fundo de reserva. Esta exigencia será dispensada para as cooperativas, de que trata o art. 23, que se organizarem sem capital; 6º, o modo de admissão, demissão e exclusão dos socios e as condições de retirada das entradas ou partes;

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7º, os casos de dissolução e fórmas de liquidação; 8º, o modo de constituição do fundo de reserva e o seu destino nas liquidações, depois de satisfeitos os compromissos sociaes; 9º, os direitos dos socios, o modo de convocação da assembléa geral, a maioria requerida para a validade das deliberações e o modo de votação. Paragrapho unico. Além das declarações exigidas na disposição anterior, o acto constitutivo das sociedades deverá tambem conter, mas sem a pena de nullidade: 1º, a responsabilidade assumida pelos socios; 2º, a duração da sociedade, que não poderá exceder de 30 annos; 3º, a repartição dos lucros e das perdas. Art. 15. Havendo omissão no acto constitutivo, prevalecem as seguintes disposições: 1ª, a sociedade durará 10 annos; 2ª, os lucros e perdas serão divididos annualmente, metade por partes iguaes entre os socios e metade proporcionalmente á quota de cada um, deduzidos 10 % do total para o fundo de reserva; 3ª, cada socio só terá um voto, qualquer que seja o numero de acções, e não poderá representar por procuração mais de um socio; 4ª, os socios são todos solidarios. Art. 16. As sociedades cooperativas, qualquer que seja a sua natureza e fórma, só poderão funccionar validamente depois de preencherem as formalidades seguintes: 1ª, depositar em duplicata, na Junta Commercial, e, onde não houver, no registro das hypothecas da circumscripção da séde da sociedade, exemplares dos estatutos e listas nominativas dos socios, do que será dado recibo, incumbindo ao official do registro remetter, por intermedio do Juizo Commercial, cópias á Junta Commercial na capital do Estado; 2ª, renovar semestralmente, na época marcada pelos estatutos, o deposito da lista dos socios e as alteraçães que houverem soffrido os estatutos; 3ª, remetter igualmente, para o mesmo fim de que trata o n. 1, cópia da acta de installação da sociedade, devendo esta declarar o valor total das quotas subscriptas, a existencia em caixa das importancias recolhidas por conta dellas e sendo assignada tão sómente pela administração eleita ou escolhida, unica responsavel pelas affirmações do seu conteúdo e sujeita ás penas, no caso de fraude, de 200$ a 2:000$, impostas pelo juiz commercial. Art. 17. Toda sociedade cooperativa terá em sua séde, sob a guarda da administração, um livro, sempre patente, no qual será lançado, além do acto e constitutivo da sociedade, o seguinte: 1º, o nome, cognome, profissão domicilio dos socios;

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2º, a data de sua admissão, demissão ou exclusão; 3º, a conta corrente das quantias entregues ou retiradas por cada um. Este livro será aberto, encerrado, numerado e rubricado pelas juntas commerciaes, onde as houver, ou pelo juiz commercial, nos outros logares. Art. 18. Os socios receberão titulos nominativos, contendo, além do contracto social, as declarações relativas a cada um, assignadas por elles e pelos representantes da sociedade. § 1º A admissão do socio se verifica mediante sua assignatura no livro, precedida da data deante do nome. § 2º A demissão do socio se faz por averbamento, lançado no respectivo titulo nominativo e no livro, á margem do nome, assignado pelo demissionario e pelo representante da sociedade. Quando este recusar averbar a demissão, o socio recorrerá á notificação judicial, livre de sello. § 3º A exclusão do socio, que só poderá ser declarada na fórma dos estatutos, será feita por termo escripto pelo gerente, que relatará todas as circumstancias do facto, o transcreverá no livro do registro e remetterá, sem demora, cópia registrada, pelo Correio, ao excluido. Art. 19. O socio demissionario ou excluido e, em caso de morte, fallencia ou interdicção do socio, os herdeiros, credores ou curadores não poderão requerer a liquidação social. Paragrapho unico. Teem direito: a) o socio demissionario ou excluido, a retirar lucros ou donativos, sem prejuizo da responsabilidade que lhe competir, conforme o ultimo balanço do anno da demissão ou exclusão e a sua conta corrente, não se computando no capital o fundo de reserva, a que só tem direito exclusivo e absoluto a sociedade, qualquer que seja a sua procedencia; b) os herdeiros, a receberem a parte e a conta corrente, na fórma da lettra a, podendo ficar subrogados nos direitos sociaes do fallecido si, de accordo com os estatutos, entrarem para a sociedade; c) os credores pessoaes do socio fallecido, a receberem os juros e os lucros que couberem ao devedor, e a sua parte sómente depois da dissolução da sociedade; d) os curadores dos socios interdictos, a optarem pela retirada ou pela continuação dos seus curatelados na sociedade, nas condições das lettras a e c. Art. 20. O socio demissionario ou excluido fica pessoalmente responsavel, nos limites das condições com que foi admittido e durante cinco annos, contados da data da demissão ou exclusão, por todos os compromissos contrahidos antes do fim do anno em que se realizou a demissão ou exclusão. Art. 21. O valor nominal de cada acção ou quota, que será nominativa, não poderá exceder de 100$000.

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As acções ou titulos são intransferiveis, salvo autorização da administração ou da assembléa geral, conforme prescreverem os estatutos, e sómente depois de completamente pagos. Art. 22. Cada anno, na época fixada pelos estatutos, a administração levantará um balanço, que será publicado, contendo a indicação de todos os valores moveis e immoveis, de todas as dividas activas ou passivas da sociedade e o resumo de todos os compromissos assumidos. Art. 23. As cooperativas de credito agricola que se organizarem em pequenas circumscripções ruraes, com ou sem capital social, sob a responsabilidade pessoal, solidaria e illimitada dos associados, para o fim de emprestar dinheiro aos socios e receber em deposito suas economias, gozarão de isenção de sello para as operações e transacções de valor não excedente de 1:000$ e para os seus depositos. Art. 24. As sociedades cooperativas organizadas de accordo com esta lei podem unirse ou federar-se com o fim de admittir reciprocamente os socios de uma ou outra, que mudarem de residencia, ou organizar em commum os seus serviços. Não podem, porém, abdicar da propria autonomia e devem reservar-se a faculdade de se retirarem da federação, mediante aviso prévio de tres mezes, e para este caso será estabelecido o modo de liquidação dos interesses e responsabilidades communs. As federações assim constituidas gozarão de vantagens iguaes ás das cooperativas, desde que se conformem com as disposições da presente lei. Art. 25. E’ permittido ás cooperativas de que trata a presente lei: 1º, emprestar sobre hypotheca de immoveis, penhor agricola e warrants, estabelecendo para este fim armazens geraes, na fórma das leis em vigor. O penhor agricola poderá ser feito por escripto particular, sendo necessaria inscripção no registro do termo ou comarca para valer contra terceiros; 2º, emittir bilhetes de mercadorias, nos termos da legislação em vigor; 3º, receber, em deposito, dinheiro a juros, não só dos socios, como de pessoas estranhas á sociedade. Art. 26. Revogam-se as disposições em contrario. Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1907, 19º da Republica. AFFONSO PENNA.

AUGUSTO

MOREIRA

Miguel Calmon du Pin e Almeida.

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Anexo 2

Apelo da Internacional Comunista aos Operários e Camponeses da América do Sul 4º Congresso da Internacional Comunista8 Novembro de 1922 Camaradas, O 4º Congresso da Internacional Comunista, reunido em Moscou por ocasião do quinto aniversário da Revolução Russa, faz um apelo a todos os operários e camponeses da América do Sul a fim de que se preparem para a luta de classes e secundem a ação revolucionária do proletariado mundial. O Papel dos Estados Unidos da América do Norte A guerra européia anunciou o começo da crise final do capitalismo. Os antagonismos da burguesia internacional levaram ao mais terrível massacre que a História conhece, para decidir qual dos dois grupos imperialistas havia de impor sua hegemonia. Milhões de proletários foram sacrificados, nos campos de batalha, no interesse do imperialismo à procura de uma solução para a crise aguda que o arrasta fatalmente à bancarrota. A guerra não pôde resolver essa crise. O capitalismo europeu viu aumentar suas crises internas ao mesmo tempo que se acentuava a luta de classes. O Tratado de Versalhes é uma fonte de novos conflitos. As massas proletárias reconhecem cada vez mais que só a Revolução pode abolir os antagonismos capitalistas. As repressões inauditas a que assistimos hoje, a ofensiva implacável da burguesia indicam a crítica situação dos Estados capitalistas. Unicamente o imperialismo da América do Norte fortificou seu poder durante a guerra. Os Estados Unidos são hoje a potência imperialista mais forte. Após a guerra européia surgiram, porém, novas causas de lutas imperialistas. Os antagonismos entre a América do Norte, a Inglaterra e o Japão ameaçam de novo a paz do mundo. O imperialismo ianque se desenvolve, cria os germens de futuros conflitos, que exigirão das massas proletárias novos sacrifícios sangrentos. A América do Norte torna-se o centro da reação internacional da burguesia contra o proletariado. A Extensão do Imperialismo Ianque

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Fonte: sítio da Liga Quarta Internacionalista do Brasil.

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O imperialismo ianque procura estender seu domínio por todas as regiões do mundo. Na Ásia, como na África como nas margens do Pacífico, ele procura novos campos de atividade para sua exploração. Sobretudo na América Latina, quer sob uma forma pretensamente econômica, quer por uma dominação aberta, é que o imperialismo dos Estados Unidos assenta seu predomínio. Ele procura na América do Sul um mercado seguro para suas mercadorias, visto que o capitalismo da Europa, em razão do abalo de sua base social, não lhe pode mais comprar com segurança. A Doutrina de Monroe serve aos imperialistas americanos para lhes garantir a conquista econômica da América Latina. Os empréstimos, a colocação de novos capitais americanos nas explorações industriais, comerciais e bancárias, as concessões de estradas de ferro e de empresas marítimas, a aquisição de jazidas de petróleo – essas múltiplas formas de expansão da penetração econômica ianque mostram como o capitalismo norte-americano procura fazer da América do Sul a base de sua potência industrial. Esta precaução econômica leva também as diversas burguesias nacionais a intervir nas lutas imperialistas da América Central, no Panamá, na Colômbia, na Venezuela, no Peru. A burguesia de todas as Américas prepara a reação contra o proletariado, convocando congressos policiais, e quando os operários da América do Sul se levantam contra as tentativas criminosas do capitalismo ianque, como aconteceu por ocasião do processo de Sacco e Vanzetti, as classes governantes abafam essas demonstrações proletárias, provando assim sua submissão interessada e consciente ao imperialismo do Norte. A união pan-americana da burguesia é um fato evidente, bem como o propósito de manter seus privilégios de classe e seu regime de opressão. O Dever do Proletariado da América do Sul Operários, camponeses da América do Sul! O imperialismo capitalista introduz em vossos países os antagonismos mundiais que levaram os povos da Europa à guerra mais sangrenta e a mais formidável reação. É já tempo de unir as forças revolucionárias do proletariado, pois que os capitalistas de toda a América se unem contra a classe operária. Camaradas, os operários e camponeses da América do Sul não possuem ainda organizações de luta de classe disciplinadas e a unidade de ação necessárias. Vossa classe governante se apóia sobre a potência formidável dos Estados Unidos no intuito de esmagar vossos esforços, abafar vossas ações libertadoras e impedir toda tentativa revolucionária de vossas massas oprimidas. Operários e camponeses! A Internacional Comunista apela para vós! Não vos esqueçais de que nos Estados Unidos há comunistas prontos a vos ajudar na luta revolucionária. A luta comum dos proletários de todos os Estados da América contra todos os capitalistas americanos solidários constitui uma necessidade vital para a classe explorada. Ela se impõe como o único caminho para vossa salvação. O exemplo heróico da Revolução Russa, sustentando a luta mais encarniçada contra o capitalismo internacional, vos fará

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compreender a sorte que vos espera se permaneceis indiferentes, quando a classe possuidora agrava a exploração capitalista. Em vossos países, os antagonismos entre a alta finanças e a indústria aumentam, e os conflitos imperialistas mundiais ameaçam arrastar-vos, também a vós, aos massacres. Camaradas, à ofensiva burguesa é necessário opor a unidade proletária. Organizai-vos, pois, ligai vossa ação revolucionária à ação da classe operária e camponesa de toda a América e de todos os países do globo. Lutai contra vossa própria burguesia e lutareis contra o imperialismo ianque, que é a encarnação mais alta da reação capitalista. Uni-vos em torno da bandeira da Revolução Russa, que criou as bases da revolução proletária mundial. Como a Revolução Russa, preparar-vos-ei a transformar toda tentativa de guerra em luta aberta da classe operária contra a burguesia. Como a Revolução Russa, empreendereis a ação contra o imperialismo preparando a ditadura proletária que destruirá em toda a América a ditadura burguesa. Se permaneceis divididos e desorganizados, a burguesia americana vos estrangulará, esmagará vossas ações e aumentará a exploração capitalista arrancando-vos as conquistas já antes obtidas por vós. A luta contra vossa própria burguesia redundará cada vez mais na luta contra o imperialismo mundial e se tornará uma batalha de todos os explorados contra todos os exploradores. Camaradas! Organizai-vos! Fortificai vossos Partidos Comunistas e criai-os onde eles não existem ainda. Ligai vossa ação à ação de todos os comunistas da América. Organizai o proletariado revolucionário, que luta, com a Internacional Sindical Vermelha e trabalhai afim de que em toda a América existam seções da Internacional Comunista e da Internacional Sindical Vermelha! Viva a Internacional Sindical Vermelha! Viva a Internacional Comunista! Viva a Rússia dos Soviets! Viva o proletariado revolucionário da América e Viva a revolução mundial! 4º Congresso da Internacional Comunista. Moscou, novembro de 1922

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Anexo 3

Teses Acerca do Movimento Revolucionário nos Países Colonias e SemiColoniais Sexto Congresso da Internacional Comunista9 1 de Setembro de 1928

I. Introdução 1. O sexto congresso da Internacional Comunista declara que as teses acerca da questão nacional e colonial concebidas por Lenine e adoptadas pelo segundo congresso ainda são totalmente válidas e devem seguir de guia para o futuro trabalho dos partidos comunistas. Desde o segundo congresso que o significado das colónias e das semi-colónias enquanto factores de crise no contexto do sistema imperialista mundial se tem intensificado… 2. ... A insurreição de Xangai em Abril de 1927 levantou a questão da hegemonia do proletariado no movimento revolucionário nacional, e relegou a burguesia nativa para o campo da reacção, provocando o golpe de estado contra-revolucionário de Chiang Kai-shek. A actividade independente dos trabalhadores na luta pelo poder – e sobretudo o crescimento do movimento camponês e a sua transformação em revolução agrária – também impeliram o Governo Wuhan – estabelecido sob a liderança da pequena-burguesia do Kuomintang – para o lado da contra-revolução. No entanto, a onda revolucionária já começou a abrandar… O seu último episódio foi a poderosa insurreição do proletariado Cantonês, que sob o slogan dos Sovietes tentou ligar a revolução agrária com o derrube do Kuomintang e com o estabelecimento da ditadura dos operários e dos camponeses. 3. Na Índia, a política do imperialismo Britânico – que atrasou o desenvolvimento da indústria nativa – provocou grande insatisfação entre a burguesia Indiana. As suas contradições de classe substituíram as antigas divisões em seitas e em castas… 9

Teses apresentadas pelo Sexto Congresso do Comintern, projetado e introduzido por Kuusinen. Extractos, 1 de Setembro de 1928, Protokoll, vi, 4, p. 154. Fonte: A Internacional Comunista Stalinistas-Hoxhaistas.

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…e confrontaram o imperialismo Britânico com uma frente unida nacional. O medo do movimento revolucionário durante a guerra obrigou o imperialismo Britânico a fazer concessões à burguesia nativa, especialmente no campo económico – maiores barreiras à importação – e na esfera política – reformas parlamentares irrelevantes introduzidas em 1919. No entanto, uma série de eclosões revolucionárias dirigidas contra o imperialismo Britânico sucederam-se no seio das massas Indianas como resultado das consequências desastrosas da guerra imperialista (fome e epidemia em 1918), da deterioração catastrófica da situação de grande parte da população trabalhadora, da influência da revolução Russa e das insurreições ocorridas noutros países coloniais (como a luta do povo Turco pela independência, por exemplo). O primeiro grande movimento anti-imperialista na Índia (1919–1922) terminou com a traição da causa da revolução nacional por parte da burguesia Indiana. A principal razão para isto foi o medo da onda crescente de revoltas camponesas e de greves contra os empregadores nativos. O colapso do movimento revolucionário nacional e o declínio gradual do nacionalismo burgues permitiram que o imperialismo Britânico voltasse a apostar na sua política de destruição do desenvolvimento industrial da Índia. As recentes medidas Britânicas na Índia demonstram as contradições objectivas que existem entre o monopólio colonial Britânico e as tendências favoráveis ao desenvolvimento económico independente da Índia, que se estão a tornar mais acentuadas a cada ano que passa e que conduzirão a uma nova grave crise revolucionária… 5. Em 1925, no Norte de África, começaram uma série de revoltas das tribos Kabyle contra o imperialismo Francês e Espanhol seguidas da rebelião das tribos Druze da Síria contra o imperialismo Francês. Em Marrocos, os imperialistas só conseguiram vencer estas revoltas após uma guerra prolongada. A penetração de capital estrangeiro nestes países apela a novas forças sociais. O crescimento do proletariado urbano manifesta-se numa onda de greves que atravessa a Palestina, a Síria, a Tunísia e a Argélia. Gradualmente, o campesinato destes países também é arrastado para a luta. 6. A expansão económica e militar do imperialismo Norte-americano nos países da América Latina estão a transformar este continente num dos mais importantes pontos de antagonismo dentro do sistema colonial. A influência da Grã-Bretanha – que antes da guerra era decisiva nestes países e que reduziu muitos deles á posição de semi-colónias – está a ser substituída pelo imperialismo Americano. Ao aumentar as suas exportações de capital, o imperialismo Norte-Americano captura as posições de liderança nestes países, subordinando os seus governos ao seu controlo financeiro e incitando-os uns contra os outros simultaneamente …

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7. Na maioria dos casos, o imperialismo tem sabido reprimir o movimento revolucionário nos países coloniais. Mas todas as questões fundamentais levantadas por estes movimentos permanecem sem solução. A contradição objectiva entre a política colonial do imperialismo mundial e o desenvolvimento independente dos povos coloniais não foi eliminado, nem na China, nem na Índia nem em nenhum país colonial ou semi-colonial; pelo contrário, a contradição acentuou-se; e ela só pode ser ultrapassada através da luta revolucionária vitoriosa das massas trabalhadoras coloniais. Até lá, ela vai continuar a operar em todas as colónias e semi-colónias como um dos factores objectivos mais poderosos para a revolução. Ao mesmo tempo, a política colonial das Potências imperialistas tem estimulado os antagonismos e as guerras entre elas. Estes antagonismos tornam-se mais agudos, especialmente nas semi-colónias, onde elas desempenham um papel importante apesar das “alianças” entre os vários imperialistas. No entanto, é da maior importância para o desenvolvimento do movimento revolucionário nas colónias a contradição entre o mundo imperialista – por um lado – e a URSS e o movimento revolucionário dos trabalhadores nos países capitalistas – por outro lado. 8. O estabelecimento de uma frente de luta entre as forces activas da revolução socialista mundial (a União Soviética e o movimento operário revolucionário dos países capitalistas), por um lado, e entre as forças do imperialismo, por outro lado, é de uma importância fundamental para a presente época da história mundial. As massas trabalhadoras das colónias lutam contra a escravatura imperialista e representam uma poderosa força auxiliar da revolução socialista mundial. Os países coloniais são a parte mais perigosa da frente imperialista. Os movimentos revolucionários de libertação das colónias e das semi-colónias juntam-se sob a liderança da União Soviética e estão convencidos de que não existe solução que não passe pela aliança com o proletariado revolucionário. O proletariado da URSS e o movimento operário nos países capitalistas liderado pela Internacional Comunista estão a apoiar cada vez mais activamente a luta de libertação de todos os povos coloniais e dependentes; eles são o único baluarte seguro dos povos coloniais na sua luta pela libertação do jugo imperialista. Além do mais, a aliança com a URSS e com o proletariado revolucionário abre novas perspectivas às massas da China, da Índia e de todos os outros países coloniais e semicoloniais, ela permite-lhes antever o desenvolvimento económico e cultural independente que evite a época do domínio capitalista e talvez até mesmo o desenvolvimento das relações capitalistas em geral… Por isso, há uma possibilidade objectiva de um caminho não-capitalista de desenvolvimento das colónias atrasadas – e essa possibilidade traduz-se na transformação da revolução democrático-burguesa na revolução proletária e socialista com a ajuda da ditadura 66

proletária vitoriosa. No contexto das condições objectivas favoráveis, esta possibilidade será convertida em realidade, e o caminho para o desenvolvimento é determinado apenas pela luta. Consequentemente, a defesa teórica e prática deste caminho e a luta por ele são dever de todos os comunistas… Assim, todas as questões básicas do movimento revolucionário nas colónias e nas semicolónias estão intimamente ligadas ás grandes lutas épicas entre os sistemas capitalista e socialistas, uma luta que é agora conduzida pelo imperialismo á escala mundial contra a URSS, e dentro de cada país pelas classes dominantes capitalistas contra o movimento comunista… II. As Características Próprias da Economia Coloniais e da Política Imperialista Colonial 9. A história recente das colónias só pode ser compreendida se for encarada enquanto parte orgânica do desenvolvimento da economia capitalista mundial no seu conjunto… Quando o imperialismo dominante precisa de apoio social nas colónias, ele alia-se com as classes dominantes da estrutura pré-colonial – os senhores feudais e a burguesia agiota – contra a maioria do povo. Por todo o lado o imperialismo tenta preservar e perpetuar as formas pré-capitalistas de exploração (especialmente nas aldeias) que servem de base á existência dos seus aliados reaccionários… O aumento das fomes e das epidemias no seio do campesinato pobre; a expropriação em massa da terra da população nativa, as condições de trabalho desumanas (nas plantações e nas minas dos capitalistas brancos, etc. …) que chegam a ser piores dos que as da escravatura explícita – tudo isto exerce um efeito devastador sobre a população colonial e conduz mesmo á morte de nações inteiras. A “missão de civilização” dos Estados imperialistas nas colónias é na realidade a missão de um carrasco. 10. É necessário distinguir entre aquelas colónias que servem os países capitalistas enquanto regiões de escoamento das suas populações excedentárias e que se tornaram extensões do sistema capitalista (Canadá, Austrália, etc. …) e aquelas que são exploradas pelos imperialistas como mercados de escoamento de mercadorias, como fontes de matériasprimas e como áreas de investimento de capital… As colónias do primeiro tipo tornaram-se Domínios, ou seja, membros do sistema imperialista mundial… 11. 67

…Na sua função como explorador colonial, o imperialismo dominante tem uma relação de parasita relativamente ao país colonial, sugando sangue dos seus organismos económicos. O facto de que este parasita é – em comparação com a vítima – muito mais desenvolvido torna-o num explorador altamente perigoso e poderoso, mas não altera o carácter parasítico das suas funções. A exploração capitalista em cada nação capitalista desenvolveu forças produtivas. As formas coloniais específicas de exploração capitalista impedem sempre o desenvolvimento das forças produtivas das colónias, quer elas sejam manobradas pela burguesia Britânica, Francesa ou por qualquer outra. As únicas construções feitas (caminhos de ferro, portos, etc. …) são aquelas indispensáveis para o controlo militar do país, para garantir o funcionamento da máquina fiscal e para as necessidades comerciais do país imperialistas… 12. No entanto, a partir do momento em que a exploração colonial pressupõe algum encorajamento da produção colonial, ela é dirigida segundo linhas que promovem e correspondem aos interesses da metrópole, e aos interesses da preservação do seu monopólio colonial. Parte do campesinato pode ser encorajado a plantar algodão, açúcar ou borracha (no Sudão, em Cuba, em Java e no Egipto, etc. …), mas isto é feito de maneira a que não promova o desenvolvimento económico independente do país colonial, mas pelo contrário, intensifica a sua dependência relativamente á metrópole imperialista… A verdadeira industrialização do país colonial – em particular a construção de uma indústria que promova o desenvolvimento independente das forças produtivas, é impedida e desencorajada pela metrópole. Esta é a essência da escravização imperialista: o país colonial é obrigado a sacrificar os interesses do seu desenvolvimento independente e a transforma-se em apêndice económico (agrário, de matérias-primas, etc.) do capitalismo estrangeiro… 13. A partir do momento em que a imensa maioria das massas da população colonial está ligada á terra e vive no campo, o carácter saqueador da exploração do campesinato pelo imperialismo e pelos seus aliados (a classe dos senhores feudais, mercadores e agiotas) adquire especial significado. Por causa da intervenção imperialista (imposição de impostos, importação de produtos industriais da metrópole, etc. …), a transformação das economias rurais em economias de dinheiro e de mercadorias que causam o empobrecimento do campesinato, a destruição da indústria artesanal, etc.… avança muito mais rapidamente do que nos países capitalistas. Por outro lado, a falta de desenvolvimento industrial coloca limites á proletarização. A enorme desproporção entre a rápida destruição das velhas formas económicas e o desenvolvimento lento das novas deu origem a fomes, a sobrepovoação agrária e á extrema fragmentação da terra cultivada pelo campesinato na Índia, na China, Na Indonésia, no Egipto, etc.…

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As tentativas para introduzir reformas agrárias sem prejudicar o regime colonial pretendem converter gradualmente o proprietário semi-feudal no proprietário capitalista, criando assim uma classe de Kulaks. Na prática, isto apenas conduz a uma maior pauperização da imensa maioria dos camponeses e á paralisação do desenvolvimento do mercado interno. É com base nestes processos económicos contraditórios que as forças sociais mais importantes dos movimentos coloniais se estão a desenvolver. 14. Durante o período do imperialismo, o papel desempenhado pelo capital financeiro para conquistar o monopólio político e económico sobre as colónias é particularmente importante. Isto é demonstrado pelos números que traduzem a exportação do capital para as colónias. O capital é usado primariamente no comércio; as suas funções são agiotas e procuram preservar e fortalecer a máquina imperialista de repressão do país colonial (através de empréstimos estatais, etc. …) ou através do controlo exercido sobre os órgãos dos estados semi-coloniais governados pela burguesia nativa que são alegadamente “independentes”. A exportação de capital para as colónias acelera o desenvolvimento das relações capitalistas. A parte que é investida na produção acelera até certo ponto o desenvolvimento industrial; mas isto não promove a independência; a intenção é antes a de aumentar a dependência da economia colonial relativamente ao capital financeiro do país imperialista… A forma favorita de investimento agrícola são as grandes plantações com o propósito de produzirem comida barata e de monopolizarem grandes quantidades de matérias-primas. A transferência para as colónias da maioria da mais – valia extorquida da mão-de-obra barata dos escravos coloniais atrasa o crescimento da economia colonial, o desenvolvimento das suas forças produtivas e constitui um obstáculo á sua emancipação económica e política … 15. Toda a política económica do imperialismo relativamente ás colónias é determinada pela sua vontade de preservar e aumentar a sua dependência, de intensificar a sua exploração e de impedir o seu desenvolvimento independente. Apenas sob condições muito especiais é que a burguesia dos Estados imperialistas se sente obrigada a encorajar o desenvolvimento de indústrias nas colónias… Todas as conversas fiadas dos imperialistas e dos seus lacaios acerca da política de descolonização conduzida pelas potências imperialistas, acerca do “livre desenvolvimento das colónias” não são mais do que mentiras. Os comunistas dos países imperialistas e dos países coloniais devem denunciar estas mentiras. III. Acerca da Estratégia e da Táctica Comunista na China, na Índia e nos Outros Países Coloniais 16.

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Tal como sucede em todas as colónias e semi-colónias, também na China e na Índia o desenvolvimento das forças produtivas e a socialização do trabalho permanecem num nível baixo. Esta circunstância – juntamente com o domínio estrangeiro e a presença de fortes reminiscências do feudalismo e do pré-capitalismo – determina o carácter da próxima etapa da revolução nestes países. Aqui, o movimento revolucionário está na fase da revolução democrático-burguesa, ou seja, na fase na qual os requisitos para a ditadura proletária e para a revolução socialista estão a ser preparados. Relativamente a isto, as tarefas básicas gerais da revolução democrático-burguesa nas colónias e nas semi-colónias devem ser concebidas da seguinte forma: a. Mudança da relação de força a favor do proletariado; emancipação do país do jugo do imperialismo (nacionalização das concessões estrangeiras, dos caminhos de ferro, bancos, etc.) e o estabelecimento da unidade nacional nos casos em que esta ainda não exista; derrube do poder das classes exploradoras nas quais o imperialismo se apoia; organização dos Sovietes de operários e de camponeses e de um Exército Vermelho; estabelecimento da ditadura proletária e do campesinato; consolidação da hegemonia do proletariado; b. Levar a cabo a revolução agrária; libertar os camponeses de todas as formas de exploração e de opressão coloniais e précapitalistas; nacionalização da terra; medidas radicais para melhorar a situação do campesinato com o propósito de estabelecer a união económica e política entre o campo e cidade; c. Em paralelo com o desenvolvimento da indústria, dos transportes, etc. e com o crescimento do proletariado, a extensão dos sindicatos, o fortalecimento do partido comunista e a conquista de uma situação firme entre as massas trabalhadoras, o dia de trabalho de oito horas… Em que medida é que a revolução democrático-burguesa vai conseguir realizar todas estas tarefas básicas e o quão longe elas serão concretizadas pela revolução socialista vai depender do curso do movimento revolucionário dos operários e dos camponeses, dos seus sucessos ou derrotas na luta contra os imperialistas, os senhores feudais e a burguesia. Em particular, a emancipação colonial do jugo imperialista será facilitada pelo desenvolvimento da revolução socialista no mundo capitalista e só pode ser completamente garantida pela vitória do proletariado nos países capitalistas dominantes. A transição da revolução para a fase socialista exige a presença de certos requisitos mínimos, como por exemplo um certo nível de desenvolvimento industrial, de organização sindical e um partido comunista forte. O mais importante é o desenvolvimento de um partido comunista forte com influência de massas; e isto é um processo extremamente difícil e lento que não vai ser acelerado pela revolução democrático-burguesa que já se está a desenvolver como resultado das condições objectivas nestes países.

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17. A revolução democrático-burguesa nas colónias distingue-se da revolução democrático-burguesa num país independente principalmente na medida em que ela está organicamente ligada á luta de libertação nacional contra o domínio imperialista. O factor nacional exerce uma influência considerável sobre o processo revolucionário em todos os países, tal como naqueles países semi-coloniais onde a escravatura imperialista surge abertamente e conduz as massas á revolta. Por outro lado, a opressão nacional acelera a crise revolucionária, intensifica a insatisfação das massas dos operários e dos camponeses, facilita a sua mobilização e mune os movimentos revolucionários com a natureza de uma revolução popular. Por outro lado, o factor nacional não apenas influência o movimento da classe operária e do campesinato, mas também modifica a atitude de todas as outras classes durante o curso da revolução. Acima de tudo, a pequena-burguesia urbana empobrecida e a intelectualidade pequeno-burguesa estarão sob a influência das forças revolucionárias activas; em segundo lugar, a posição da burguesia colonial na revolução democráticoburguesa é ambígua, as suas vacilações correspondem ao percurso da revolução e são ainda maiores do que num país independente… Juntamente com a luta de libertação nacional, a revolução agrária constitui o eixo da revolução democrático-burguesa nos países coloniais mais avançados. É por isso que os comunistas devem seguir o desenvolvimento da crise agrária e a intensificação das contradições de classe no campo com a maior atenção possível; eles devem fornecer uma direcção revolucionária consciente ao descontentamento dos operários e ao movimento camponês, dirigindo-o contra exploração e a opressão imperialistas e contra o jugo das condições pré-capitalistas sob as quais a economia camponesa sofre, declina e perece… 18. A burguesia nacional nestes países coloniais não adopta uma atitude uniforme relativamente ao imperialismo. Por um lado, especialmente no que respeita à burguesia comercial, ela serve directamente os interesses do capital imperialista (a chamada burguesia compradore). Em geral, ela mantém – de forma mais ou menos consistente – uma posição anti-nacional e pró-imperialista dirigida contra todo o movimento nacionalista, tal como fazem os aliados feudais do imperialismo e os oficiais nativos mais bem pagos. As outras partes da burguesia nativa – especialmente as que representam os interesses da indústria nativa – apoiam o movimento nacional; esta tendência, que vacila e se inclina para os compromissos, pode ser apelidada de reformismo nacional… De forma a fortalecer a sua posição em relação ao imperialismo, o nacionalismo burguês nestas colónias tenta ganhar o apoio da pequena-burguesia, do campesinato e da também de parte da classe operária. Mas como ele sabe que tem poucas hipóteses de sucesso entre os operários (a partir do momento em que eles adquirem consciência política), torna-se mais importante para ele obter o apoio do campesinato. É precisamente este o ponto mais fraco da burguesia colonial. A exploração insuportável do campesinato colonial apenas pode terminar com a revolução agrária.

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As burguesias da China, da Índia e do Egipto estão tão ligadas aos senhores feudais, ao capital agiota e á exploração das massas camponesas em geral que elas se opõem não apenas á revolução agrária, mas também a qualquer tipo de reforma agrária relevante. Elas temem – e não sem razão – que a formulação explícita da questão agrária vai estimular e acelerar o fermento revolucionário no seio das massas camponesas. Assim, a burguesia reformista não consegue encarar na prática esta questão tão urgente… Em cada conflito com o imperialismo elas tentam desempenhar o papel de grande “firmeza” nacionalista, por um lado, e tentam também espalhar ilusões acerca da possibilidade de compromissos pacíficos com o imperialismo, por outro lado. Em ambos os casos, as massas são mergulhadas no desapontamento, e desta forma elas vão gradualmente ultrapassando as suas ilusões reformistas. 19. Um encorajamento incorrecto á tendência nacional-reformista da burguesia destes países coloniais pode dar origem a erros graves na estratégia e na táctica dos partidos comunistas destes regiões… 20. A pequena-burguesia nos países coloniais e semi-coloniais desempenha um papel muito importante. Ela é constituída por vários estratos que desempenham papéis muito diferentes consoante as fases do movimento revolucionário nacional… A intelectualidade pequeno-burguesa e os estudantes são muito frequentemente os representantes mais determinados não apenas dos interesses específicos da pequenaburguesia, mas também dos interesses objectivos e gerias de toda a burguesia nacional. Durante as primeiras fases do movimento nacional, eles surgem muitas vezes como portavozes da luta nacionalista. O seu papel neste movimento é relativamente importante. Em geral, eles não representam os interesses camponeses, porque o estrato social do que eles resultam está ligado aos senhores feudais. Mas o avanço da onda revolucionária pode conduzi-los ao movimento operário, ao qual eles aportam a sua ideologia pequeno-burguesa hesitante. Só alguns deles conseguem romper com a sua própria classe e compreender as tarefas da luta de classes do proletariado, tornando-se assim defensores activos dos interesses proletários. Frequentemente, os intelectuais pequeno-burgueses dão à sua ideologia uma cor socialista ou até mesmo comunista. Durante a luta contra o imperialismo, eles desempenharam – e em certos países tais como a Índia e o Egipto ainda desempenham – um papel revolucionário. O movimento de massas pode conduzi-los ao campo da reacção mais extrema ou encorajar a expansão das tendências utópicas e reaccionários no seu seio… O campesinato – como aliado do proletariado – é uma força condutora da revolução. A imensa massa de camponeses constitui a maioria da população mesmo nas colónias mais desenvolvidas (em muitas ela representa cerca de 90% da população) …

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O campesinato só pode atingir a sua emancipação sob a liderança do proletariado, enquanto que o proletariado só pode conduzir a revolução democrático-burguesa á vitória se estiver em união com o campesinato. O processo de diferenciação de classes entre os camponeses nas colónias e nas semicolónias onde as reminiscências feudais e pré-capitalistas se fazem sentir avança muito lentamente. No entanto, as relações de mercado nestes países desenvolveram-se a um tal nível que os camponeses já não são uma massa homogénea. Nas aldeias da China e da Índia – em certas áreas destes países – é já possível encontrar elementos exploradores que oprimem os camponeses e os trabalhadores rurais através da usura, do comércio, do emprego de trabalho assalariado, do empréstimo da terra e de materiais agrícolas, etc.… Em geral, é possível que o proletariado consiga conquistar a liderança sobre o campesinato durante as primeiras fases da luta contra os senhores feudais. Mas á medida que a luta se vai desenvolvendo, alguns dos estratos mais elevados do campesinato podem passar para o lado da contra-revolução. O proletariado apenas consegue liderar totalmente o campesinato se lutar pelas suas exigências parciais, pela revolução agrária e se conduzir a luta das massas camponesas pela resolução revolucionária da questão agrária. 21. A classe operária nas colónias e nas semi-colónias possui traços característicos que são importantes para a formação de um movimento operário e de uma ideologia proletária independente nestes países. A maior parte do proletariado colonial vem das aldeias empobrecidas, com as quais o operário mantém ligações mesmo quando trabalha na indústria. Na maioria dos países (á excepção de algumas grandes cidades industriais tais como Xangai, Bombaim, Calcutá, etc.) nós encontramos – como regra geral – a primeira geração de proletários envolvidos na produção em grande escala. O resto é composto por artesãos vindos das economias artesanais em declínio e pelos pequenos proprietários que aportam á classe operária a sua ideologia através da qual a influência nacional e reformista penetra no movimento operário colonial… 22. …Em primeiro lugar, os interesses da luta pelo seu domínio de classe impeliram os partidos burgueses mais importantes da Índia e do Egipto (Swarajistas, Wafdistas) a demonstrarem a sua oposição ao bloco imperialista e feudal dominante. Apesar de esta oposição não ser revolucionária, mas sim reformista e oportunista, isto não significa que ela não tenha um significado especial. A burguesia nacional não é uma força relevante na luta contra o imperialismo. No entanto, esta oposição burguesa e reformista possui um significado real e específico para o desenvolvimento do movimento revolucionário – e isto tanto no sentido negativo como no positivo – desde que tenha alguma influência sobre as massas. O que importa acerca disto é que obstrui e atrasa o desenvolvimento do movimento revolucionário, ao mesmo tempo que mantém as massas trabalhadoras afastadas da luta

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revolucionária. Por outro lado, a oposição burguesa ao bloco feudal e imperialista dominante pode acelerar o despertar político das amplas massas trabalhadoras; os conflitos abertos entre a burguesia nacional-reformista e o imperialismo – apesar de em si mesmos serem irrelevantes em – podem, sob certas condições, servir indirectamente como o ponto de partida de grandes acções de massas revolucionárias. É verdade que a burguesia reformista tenta impedir o avanço de actividades de oposição. Mas onde quer que existam condições objectivas para uma crise política profunda, as actividades da oposição nacional e reformista – mesmo os seus conflitos insignificantes com imperialismo que não têm qualquer ligação com a revolução – podem adquiri grande importância. Os comunistas devem aprender como utilizar cada conflito para os expandir e para aumentar a sua relevância, para os ligar com a agitação através de slogans revolucionários, para os espalhar entre as massas, para conduzir as massas a manifestarem-se em defesa das suas próprias reivindicações, etc. 23. A táctica mais correcta na luta contra os Swarajistas e os Wafdistas durante esta fase consiste na denúncia do seu carácter nacional-reformista. Estes partidos traíram a luta de libertação nacional, mas eles não se passaram para o campo contra-revolucionário (como sucedeu com o Kuomintang). Não há dúvida de que eles o irão fazer mais tarde, mas actualmente eles são perigosos precisamente porque a sua verdadeira natureza ainda não foi revelada perante os olhos das massas… Se os comunistas não forem bem-sucedidos nesta fase e não conseguirem abalar a fé das massas na liderança burguesa nacional-reformista, então esta liderança vai representar uma grave perigo para a revolução á medida que esta avança… É preciso denunciar a vacilação e a hesitação deste líderes na luta nacional, bem como as suas tentativas para conseguirem um compromisso com o imperialismo Britânico, as suas capitulações e avanços contra-revolucionários, a sua resistência reaccionária ás exigências de classe do proletariado e do campesinato, a sua fraseologia nacionalista desprovida de conteúdo, a sua disseminação de ilusões perigosas acerca da descolonização pacífica do país e a sua sabotagem da aplicação de métodos revolucionários na luta de libertação nacional. A formação de um bloco entre o partido comunista e a oposição nacional e reformista deve ser rejeitado; mas isto não exclui a possibilidade de acordos temporários e da coordenação de actividades anti-imperialistas, desde que as actividades da oposição burguesa possam ser utilizadas para desenvolver o movimento de massas, e que estes acordos não restrinjam a liberdade comunista de agitação e de organização entre as massas. É claro que neste trabalho, os comunistas devem levar a cabo a luta política e ideológica mais firme contra o nacionalismo burguesa e contra os sinais da sua influência no seio do movimento operário… 24. 74

Uma compreensão incorrecta do carácter básico do partido da grande burguesia nacional dá origem ao perigo de uma compreensão incorrecta do carácter e do papel dos partidos pequeno-burgueses. O desenvolvimento destes partidos segue um curso que vai de uma posição nacional-revolucionária até uma posição nacional-reformista. Mesmo movimentos tais como o Sun Yat-senismo na China, o Gandhismo na Índia e o Sarekat Islâmico na Indonésia surgiram a partir de movimentos ideológicos radicais de tipo pequeno-burguês que se converteram mais tarde em defensores da grande burguesia e dos movimentos nacional-reformistas. Desde então que na Índia, no Egipto e na Indonésia, surgiu uma ala radical entre os grupos pequeno-burgueses (o Partido Republicano, os Watanistas e o Sarekat Rakjat, por exemplo), que defendem as posições nacional-revolucionárias. Num país como a Índia, é possível o surgimento de alguns partidos e grupos pequeno-burgueses radicais… É essencial que os partidos comunistas destes países se demarquem de todos os grupos e partidos pequeno-burgueses – e isto tanto a nível político como organizacional. Enquanto as necessidades da luta revolucionário o exigirem, a cooperação temporária é admissível, e em certos casos é até aconselhável uma aliança temporária entre o partido comunista e o movimento nacional-revolucionário, desde que o último seja genuinamente revolucionário, que lute contra o poder dominante e que os seus representantes não impeçam os comunistas de fazerem os seu trabalho de educação revolucionária no seio das massas camponesas e operárias. No entanto, é crucial tomar as maiores precauções contra a degeneração e a fusão do movimento comunista com o movimento revolucionário pequeno-burguês… IV. As Tarefas Imediatas dos Comunistas 28. A construção e o desenvolvimento dos partidos comunistas nas colónias e nas semicolónias e a eliminação da discrepância excessiva entre a situação revolucionária objectiva e a falta do factor subjectivo constituem uma das tarefas mais urgentes e importantes da Internacional Comunista. Nesta tarefa, ela encontra muitas dificuldades objectivas determinadas pelo desenvolvimento histórico e pela estrutura social destes países… Os partidos comunistas nos países coloniais e semi-coloniais devem fazer todos os esforços para criarem funcionários de partido vindos das fileiras da própria classe operária, devem utilizar os intelectuais no partido como directores de propaganda e das escolas do partido legais e ilegais, devem treinar os trabalhadores mais avançados como agitadores, propagandistas, organizadores e líderes educados no espírito do Leninismo. Os partidos comunistas nos países coloniais devem também tornar-se verdadeiros partidos comunistas no que toca á sua composição social. Ao mesmo tempo que conduzem ás suas fileiras os melhores elementos da intelectualidade revolucionária forjados na luta diária e nas grandes batalhas revolucionárias, os partidos comunistas devem dar a maior atenção ao fortalecimento da organização do partido nas fábricas e nas minas, entre os trabalhadores dos transportes e entre os semi-escravos das plantações…

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29. Juntamente com o desenvolvimento do próprio partido comunista, a mais importante das tarefas gerias imediatas nas colónias e nas semi-colónias é a do trabalho sindical… Os comunistas devem conduzir a propaganda revolucionária nos sindicatos reaccionários que possuam influência no seio da classe operária. Nestes países, a liderança da ISV deve ser consultada onde quer que as circunstâncias ditem a necessidade de estabelecer sindicatos revolucionários separados (porque a liderança sindical reaccionária impede a organização dos trabalhadores, age em oposição aos fundamentos mais elementares da democracia sindical e converte os sindicatos em organizações fura-greves, etc.). É preciso dedicar especial atenção ás intrigas da Internacional de Amesterdão nos países coloniais (China, Índia e Norte de África) e denunciar o seu carácter reaccionário perante os olhos das massas. É obrigatório que os partidos comunistas das metrópoles ajudem activamente o movimento sindical revolucionário nas colónias através de conselhos e do envio de instrutores permanentes. Até agora sido feito muito pouco relativamente a esta assunto. 30. Onde quer que existam organizações camponesas – independentemente do seu carácter, desde que sejam verdadeiras organizações de massas – o partido comunista deve tentar penetrar nestas organizações. Uma das tarefas mais urgentes do partido é a de apresentar correctamente a questão agrária á classe trabalhadora, explicando a importância e o papel decisivo da revolução agrária e familiarizando os membros do partido com os métodos de agitação, propaganda e trabalho organizacional entre o campesinato… Os comunistas devem tentar dar uma natureza revolucionária ao movimento camponês. Eles devem também organizar novos sindicatos e comités de camponeses revolucionários com os quais devem manter contactos regulares. É essencial levar a cabo uma propaganda enérgica a favor da aliança entre o proletariado e o campesinato tanto no seio das massas camponesas como no seio das fieiras proletárias Apesar do seu carácter revolucionário, os partidos especiais de operários e de camponeses que existam em determinados períodos podem facilmente degenerar em partidos pequeno-burgueses; por isso não é aconselhável a formação desses partidos. O partido comunista nunca deve construir a sua organização com base na fusão de duas classes; tal como também não deve fazer uso desta base – que é característica dos grupos pequeno-burgueses – na sua tarefa de organizar outros partidos… 33. Na China, a onda revolucionária vai confrontar o partido com a tarefa imediata de preparar e levar a cabo uma insurreição arada como sendo a única forma de completar a

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revolução democrático-burguesa e de derrubar o poder dos imperialistas, dos senhores feudais e da burguesia nacional – o poder do Kuomintang. Nas presentes circunstâncias, que se caracterizam principalmente pela ausência de impulso revolucionário entre as massas do povo Chinês, a grande tarefa do partido é a de lutar pelas massas. …Ao mesmo tempo, o partido deve explicar às massas a impossibilidade de um melhoramento radical da sua situação, a impossibilidade do derrube do domínio imperialista e da concretização das tarefas da revolução agrária a menos que o poder do Kuomintang e dos militaristas seja destruído e o regime Soviético seja estabelecido. O partido deve utilizar cada conflito, por muito irrelevante que seja, que ocorra entre os trabalhadores e os capitalistas nas fábricas, entre os camponeses e os senhores feudais nas aldeias, entre os soldados e os oficias no exército para os agudizar de forma a mobilizar as massas de operários e de camponeses conquistando-as para o seu lado. O partido deve utilizar todos os actos de violência por parte do imperialismo internacional contra o povo Chinês, que actualmente tomar a forma de conquista militar de diversas regiões bem como de explosões sangrentas de reacção desenfreada para suprimir as exigências das massas contra as classes dominantes. Dentro do partido, a atenção deve ser concentrada na restauração das células e dos comités do partido destruídos pela reacção, no melhoramento da composição social do partido e no estabelecimento de células nas indústrias mais importantes, nas maiores fábricas e estações de caminhos de ferro. O PC da China deve dedicar espacial atenção á composição social das organizações partidárias nas aldeias para assegurar que eles são constituídas por elementos vindos dos estratos proletários, semi-proletários e rurais… 34. As tarefas básicas dos comunistas Indianos consistem na luta contra o imperialismo Britânico pela emancipação do país, na destruição das reminiscências do feudalismo, na revolução agrária e no estabelecimento de uma ditadura proletária e camponesa sob a forma de república Soviética. Estas tarefas só podem ser levadas a cabo de forma bem-sucedida se for criado um partido comunista poderoso que seja capaz de liderar as massas da classe operária e de todos os trabalhadores, conduzindo-as á insurreição armada contra o bloco feudal e imperialista… A união de todos os grupos e indivíduos comunistas de todo o país num partido único, ilegal, independente e centralizado é a primeira tarefa dos comunistas Indianos. Ao mesmo tempo que rejeitam a construção do partido baseada em duas classes, os comunistas devem utilizar as ligações que existem entre os partidos operários e camponeses e as massas trabalhadoras para fortalecerem o seu próprio partido, recordando sempre que a hegemonia do proletariado não pode ser realizada sem a existência de um partido comunista forte e armado com a teoria do Marxismo…

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Os comunistas devem denunciar o nacional-reformismo do Congresso Nacional Indiano e – em contraste com a conversa fiada dos Swarajistas, dos Gandhistas, etc., acerca da resistência passiva – eles devem advogar a luta armada pela emancipação do país e pela expulsão dos imperialistas. Relativamente aos camponeses e ás organizações camponesas, os comunistas Indianos devem enfrentar a tarefa de informar as massas camponesas acerca das exigências gerais do partidos no que respeita á questão agrária, para a qual o partido deve elaborar um programa de acção agrária. Graças aos operários ligados á aldeia e também aos seus esforços directos, os comunistas devem estimular a luta do campesinato pelas exigências parciais, e devem organizar sindicatos durante o curso da luta. É essencial assegurar que as novas organizações camponesas não fiquem sob a influência dos elementos exploradores da aldeia… Devemos lembrar que em nenhuma circunstância os comunistas podem renunciar ao seu direito de criticarem abertamente as tácticas oportunistas e reformistas da liderança das organizações de massas nas quais eles operam. 35. Na Indonésia, a supressão da revolta de 1926, a prisão e o exílio de milhares de membros do partido comunista desorganizaram seriamente as suas fileiras. A necessidade de reconstruir as organizações partidárias destruídas exige novos métodos de trabalho que correspondam às condições ilegais impostas pela polícia ao serviço do imperialismo Holandês. A concentração das actividades partidárias nos locais onde o proletariado rural e urbano está concentrado – fábricas e plantações; a restauração dos sindicatos e a luta pela sua legalização; a atenção que deve ser dada ás exigências práticas do campesinato; o desenvolvimento e o fortalecimento do trabalho no seio das massas camponesas e das organizações nacionalistas, dentro das quais o partido comunista deve estabelecer fracções e conquistar o apoio dos membros nacional-revolucionários; a luta resoluta contra os socialdemocratas Holandeses que são apoiados pelo governo e que tentam garantir o apoio das fileiras do proletariado nativo; a conquista dos trabalhadores Chineses para o lado da luta de classes nacional-revolucionária e o estabelecimento de ligações com o movimento comunista na China e na Índia – estas são algumas das tarefas mais importantes do Partido Comunista Indonésio… 37. No Egipto, o partido comunista só será capaz de desempenhar um papel importante no movimento nacional se ele se basear no proletariado organizado. A organização dos sindicatos no seio dos trabalhadores Egípcios, a intensificação da luta de classes e a liderança dessa luta são consequentemente as tarefas mais importantes do partido comunista. Actualmente, o maior perigo enfrentado pelo movimento sindical no Egipto reside nos nacionalistas burgueses que pretendem controlar os sindicatos.

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Sem uma luta decisiva contra a sua influência, é impossível o estabelecimento de uma autêntica organização de classe. Um dos erros mais graves cometidos pelos comunistas Egípcios tem sido o facto de se concentrarem exclusivamente nos trabalhadores urbanos. A formulação correcta da questão agrária, o envolvimento das massas de camponeses e de trabalhadores rurais na luta revolucionária e a organização destas massas são algumas das tarefas mais importantes do partido. Deve ser dedicada uma atenção especial á construção do próprio partido, que é ainda muito fraco. 38. Nas colónias Francesas do Norte de África, os comunistas devem trabalhar em todas as organizações de massas existentes para conquistar os elementos genuinamente revolucionários de forma consistente e clara, formando assim um bloco militante constituído por operários e por camponeses. No que respeita á organização “Etoile Nord Africaine”, os comunistas devem assegurar o seu desenvolvimento. Já se sabe que ela não será nunca um partido, mas sim um bloco composto por diferentes organizações revolucionárias ás quais os sindicatos dos operários e dos trabalhadores rurais estão colectivamente afiliados; a liderança deve ser garantida pelo proletariado revolucionário, e para isto é necessário desenvolver o movimento sindical enquanto canal de ligação essencial que permite a influência comunista sobre as massas. A nossa tarefa é a de estabelecer a cooperação entre as secções revolucionárias do proletariado branco e a classe operária nativa… As organizações comunistas em cada país individual devem atrair para as suas fileiras os trabalhadores nativos e devem lutar contra todas as atitudes negligentes relativamente a eles. Os partidos comunistas – genuinamente baseados no proletariado nativo – devem tornar-se em secções independentes da Internacional Comunista. 39. Em ligação com a questão colonial, o sexto congresso pede que os partidos comunistas dediquem uma atenção particular á questão dos negros. A situação dos negros varia nos diferentes países, e por isso requer uma análise concreta para cada caso. Os territórios nos quais as massas negras podem ser encontradas dividem-se nos seguintes grupos: 1. os EUA e alguns países da América do Sul, onde as massas negras são uma minoria relativamente á população branca; 2. a União da África do Sul, na qual os negros estão em maioria relativamente aos colonialistas brancos; 3. os estados negros que são actualmente colónias ou semicolónias do imperialismo (Libéria, Haiti, Santo Domingo) e a África Central que está dividida em colónias e em territórios pertencentes a várias potências imperialistas (Grã-Bretanha, França. Portugal, etc.).

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As tarefas dos partidos comunistas têm de ser definidas de acordo com as situações concretas… Na União da África do Sul, as massas negras - que constituem a maioria da população e cuja terra foi expropriada pelos colonialistas brancos e pelo estado – são privadas de direitos políticos e de liberdade de movimentos e são expostas ás piores formas de opressão racial e de classe, para além de sofrerem também na pele os métodos capitalistas e pré-capitalistas de exploração e de opressão. O partido comunista – que já coleccionou alguns sucessos entre o proletariado negro – tem o dever de continuar uma luta incansável pela igualdade de direitos para os negros, pela abolição dos regulamentos e das leis dirigidas contra os negros e pela confiscação das propriedades dos latifundiários. Ao conquistar trabalhadores negros para as suas fileiras, ao organizá-los em sindicatos, ao lutar pela sua admissão nos sindicatos dos trabalhadores brancos, o partido comunista é obrigado a lutar por todos os meios contra o preconceito racial entre os operários brancos e a erradicar esse tipo de preconceitos das suas próprias fileiras. O partido deve defender consistentemente e vigorosamente o slogan da criação de uma República Nativa independente que garanta os direitos da minoria branca e deve converter esta luta em acção… 41. As tarefas dos partidos comunistas dos países imperialistas acerca da questão colonial revestem um carácter triplo. Em primeiro lugar, o estabelecimento de ligações entre os partidos comunistas e as organizações sindicais revolucionárias das metrópoles e as organizações homólogas das colónias. As ligações estabelecidas até agora não podem ser consideradas como adequadas – salvo raras excepções. Este facto só pode ser explicado pelas dificuldades objectivas. Deve ser admitido que, até agora, nem todos os partidos da Internacional Comunista compreenderam a importância decisiva que o estabelecimento de relações estáveis e regulares com os movimentos revolucionários das colónias possui no que respeita ao auxílio prestado a estes movimentos. Só se os partidos comunistas dos países imperialistas apoiarem genuinamente o movimento revolucionário das colónias, só se eles ajudarem a luta dos países coloniais contra o imperialismo é que a sua posição relativamente á questão colonial pode ser considerada como verdadeiramente Bolchevique. Este é o critério para a sua actividade revolucionária em geral. A segunda categoria de tarefas consiste no apoio prático á luta dos povos coloniais contra o imperialismo através da organização proletária de acções de massas eficazes. A este respeito, a actividade dos partidos comunistas dos grandes países capitalistas também tem sido insuficiente. A preparação e a organização destas demonstrações de solidariedade devem tornar-se num dos elementos mais básicos e obrigatórios da agitação comunista no seio das massas trabalhadoras dos países capitalistas…

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Relativamente a este aspecto, uma tarefa especial consiste na luta contra as organizações de missão – que estão entre as impulsionadoras mais eficazes da expansão imperialista e da escravização dos povos coloniais. Enquanto lutam pelo apelo imediato ás forces armadas do imperialismo nos países oprimidos, os partidos comunistas devem trabalhar incansavelmente para organizarem acções de massas de maneira a impedirem o transporte de tropas e de munições para as colónias. O trabalho sistemático de agitação e de organização entre as tropas em favor da sua confraternização com as massas revoltosas das colónias deve servir como preparação para a deserção dos exércitos ocupantes para o lado dos operários, dos camponeses e das suas forças armadas. A luta contra a política colonial da social-democracia deve ser encarada pelo partido comunista como sendo parte orgânica da sua luta contra o imperialismo. Através da posição que adoptou acerca da questão colonial no seu último congresso em Bruxelas, a Segunda Internacional finalmente confirmou aquilo que a actividade prática dos partidos socialistas dos países imperialistas durante os anos do pós-guerra já tinha revelado: a política colonial da social-democracia é uma política de apoio activo ao imperialismo e á exploração e opressão dos povos coloniais. Ela adoptou oficialmente a posição na qual se baseia a “Liga das Nações”, segundo a qual as classes dominantes dos países capitalistas desenvolvidos têm o “direito” de reinar sobre a maioria dos povos do mundo e de os sujeitar á exploração e á escravização mais bárbara se possa imaginar. De maneira a enganar uma parte da classe operária e a assegurar a sua cooperação na manutenção do regime colonial, a social-democracia defende a exploração imperialista mais nojenta e repulsiva. Ela esconde a verdadeira natureza do sistema colonial capitalista, ela oculta a ligação que existe entre a política colonial e o perigo de uma nova guerra imperialista que ameaça o proletariado e as massas trabalhadores de todo o mundo. Onde quer que a indignação dos povos coloniais encontra eco na luta contra o imperialismo, a social-democracia está sempre do lado dos carrascos imperialistas que assassinam a revolução.

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Anexo 4

Relatório Sobre uma Investigação Feita no Hunan a Respeito do Movimento Camponês Mao Tsetung Março de 1927

A Gravidade da Questão Camponesa Durante a minha recente viagem pelo Hunan procedi a uma investigação directa a respeito da situação em cinco distritos: Siantan, Siansiam, Henxan, Lilim e Tchancha. Em trinta e dois dias, desde 4 de Janeiro a 5 de Fevereiro, tanto nas aldeias como nas sedes de distrito, convidei, para reuniões de informação, camponeses experimentados e camaradas em actividade no movimento camponês, escutei atentamente o que me comunicaram e recolhi um vasto material. Muitos dos como e porquê do movimento camponês são "exactamente o contrário do que ouvi à classe dos nobres em Hancou e Tchancha. Vi e ouvi muita coisa estranha, coisas de que anteriormente nunca havia tido conhecimento. Penso que o mesmo acontece em muitas outras regiões. É preciso eliminar rapidamente todos os ditos contrários ao movimento camponês. Todas as medidas erradas que as autoridades revolucionárias tomaram com relação ao movimento camponês devem ser rapidamente corrigidas. Só assim se poderá favorecer o futuro da revolução. Com efeito, a expansão actual do movimento camponês constitui um acontecimento colossal. Em muito pouco tempo, nas províncias do Centro, Sul e Norte da China, várias centenas de milhões de camponeses hão-de levantar-se como um poderoso furacão, uma tempestade, uma força tão vertiginosa e violenta que nenhum poder, por maior que seja, poderá deter. Eles quebrarão todas as cadeias que os acorrentam e lançar-se-ão no caminho da libertacão. Sepultarão todos os imperialistas, caudilhos militares, funcionários corrompidos, déspotas locais e maus nobres. Todos os partidos revolucionários e todos os camaradas revolucionários serão postos à prova pelos camponeses, sendo aceites ou rejeitados segundo a escolha que tiverem feito. Há três alternativas: marchar à frente dos camponeses e dirigi-los? Ficar atrás deles, gesticulando e criticando? Erguer-se diante deles para combatê-los? Cada chinês está livre para escolher dentre essas três alternativas, e os acontecimentos forçarão toda a gente a fazer rapidamente a escolha. Organizam-se Em termos globais, o movimento camponês no Hunan pode ser dividido em dois períodos, isto relativamente aos distritos do centro e do sul da província, onde tal movimento já está

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desenvolvido. O primeiro, de Janeiro a Setembro do ano passado, foi o período de organização. Nesse período, Janeiro a Junho foi a época de actividade subterrânea, e Julho a Setembro, quando o Exército Revolucionário repelia Tchao Hen-ti, a época de actividade às claras. Durante o primeiro período, o volume de membros das associações camponesas não excedeu a ordem dos trezentos mil a quatrocentos mil, as massas sob imediata direcção destas subiam a pouco mais de um milhão, não havia praticamente luta nas regiões rurais e, como consequência, registaram-se bem poucas críticas às associações nos diversos sectores do país. Como os membros das associações camponesas podiam ser utilizados como guias, batedores ou carregadores, em benefício do Exército da Expedição do Norte, houve até oficiais que se exprimiram em termos favoráveis a elas. O segundo período, de Outubro passado a Janeiro deste ano, foi um período de acção revolucionária. O número de membros das associações saltou para dois milhões e as massas sob direcção imediata destas aumentaram para dez milhões. Como, em geral, os camponeses inscrevem apenas um nome para cada família que ingressa nas associações camponesas, uma lista de dois milhões de membros representa uma massa incorporada de dez milhões. Quase metade dos camponeses de Hunan está actualmente organizada. Nos distritos como Siantan, Siansiam, Liuiam, Tchan-cha, Lilim, Ninsiam, Pinquiam, Sian-im, Henxan, Hen-iam, Lei-iam, Tsencien e Anhua, quase todos os camponeses entraram para as associações camponesas, submeteram-se à respectiva direcção. Foi na base dessa organização extensiva que os camponeses passaram à acção, estalando uma grande revolução no campo num espaço de quatro meses, uma revolução que não tem paralelo na História. Abaixo os Déspotas Locais e os Maus Nobres! Todo o Poder às Associações Camponesas! Para os camponeses, os alvos principais de ataque são os déspotas locais, os maus nobres e os senhores de terras sem lei, mas também golpeiam de passagem a ideologia e o sistema patriarcais, os funcionários corrompidos das cidades e os maus costumes existentes nas regiões rurais. Em matéria de força, o ataque é tempestuoso; os que a ele se submetem sobrevivem, e os que lhe resistem morrem. Como consequência disso, os privilégios milenários de que gozavam os senhores de terras feudais estão a ser reduzidos a nada. Os mais pequenos sinais de dignidade e prestígio forjados pelos senhores de terras vão sendo varridos para o lixo. Com o desmoronamento do poder dos senhores de terras, as associações camponesas passaram a ser os únicos órgãos de autoridade, e a popular palavra de ordem de "todo o poder às associações camponesas" converteu-se numa realidade. Mesmo as insignificâncias, por exemplo as disputas entre sogros, são levadas às associações camponesas. Nada pode decidir-se sem a presença de alguém que pertença às associações camponesas. São estas quem regula efectivamente todos os assuntos rurais e, tal como se diz, "tudo quanto afirmam cumprem". Mesmo os que não pertencem às associações vêem-se obrigados a dizer bem delas; não há quem possa dizer mal delas. Os déspotas locais, os maus nobres e os senhores de terras sem lei foram privados do menor direito à palavra, e nenhum ousa sequer balbuciar a palavra "não". Frente ao poderio das associações camponesas, os déspotas locais e os maus nobres de primeira categoria fugiram para Xangai, os de segunda para Hancou, os de terceira para Tchancha e os de quarta para as sedes de distrito, enquanto que os da quinta e demais categorias capitularam frente às associações camponesas, nas aldeias. 83

— "Aqui estão dez yuan. Por favor, deixem-me entrar para a associação camponesa.", dizem os menos importantes dentre os maus nobres. — "Fora! Ninguém quer o vosso dinheiro fedorento!", respondem os camponeses. Muitos senhores de terras médios e pequenos, muitos camponeses ricos, e mesmo camponeses médios, que anteriormente se opunham às associações camponesas, procuram agora em vão conseguir uma admissão. Nas visitas às várias localidades encontrei-me muitas vezes com gente dessa, que me pedia: — "O senhor, que é membro de comité, vindo da capital de província, por favor, seja meu patrono!" Durante a dinastia Tsim, no censo realizado pelas autoridades locais havia um registo regular e um "outro" registo, sendo o primeiro para as pessoas honestas e o último para os bandidos e demais elementos nocivos. Agora, em certas localidades, os camponeses servemse disso para ameaçar os que antes se opunham às associações. Eles dizem-lhes: "Vamos inscrever-vos os nomes no 'outro' registo!" Com medo de serem lançados no "outro" registo, tais indivíduos tentam todos os meios para conseguir a admissão nas associações camponesas, e não se tranquilizam enquanto não vêem o seu nome inscrito nos respectivos registos. Acontece, porém, com frequência, que as associações lhes impedem em absoluto a admissão, pelo que passam então a viver num estado de pavor permanente; com as portas das associações fechadas, ficam como quem não tem eira nem beira ou, como se diz no campo, "gente à parte". Numa palavra, aquilo que há uns quatro meses era desprezado como uma "quadrilha de camponeses", passou agora a ser visto como a mais honrosa das instituições. Aqueles que antes se prostravam frente ao poder dos nobres, rastejam agora ante o poder dos camponeses. Seja quem for, todos reconhecem que os mundos, de antes e depois de Outubro passado, são mundos diferentes. "Muito Mau" e "Muito Bom" A revolta dos camponeses nas regiões rurais desfez os lindos sonhos dos nobres. Quando as novas do campo chegaram à cidade, causaram uma imediata agitação entre os nobres. Assim que cheguei a Tchancha, encontrei-me com toda a espécie de gente e ouvi muitas histórias. Desde a camada média da sociedade à ala direita do Kuomintang, não havia uma só pessoa que não resumisse tudo com a frase: "muito mau". Sob o choque das opiniões dos que diziam "muito mau", opiniões que então reinavam na cidade, mesmo os mais revolucionários ficavam abatidos ao idealizarem, de olhos fechados, o que se estava passando no campo, sendo incapazes de negar que fosse efectivamente "mau". Os mais progressistas diziam: "Sim, é mau, mas trata-se de algo inevitável numa revolução." Em suma, ninguém era capaz de negar de todo a expressão "mau". Mas, como já se disse, a realidade é que as grandes massas camponesas se levantaram para cumprir a sua missão histórica, as forças da democracia levantaram-se para derrubar as forças do feudalismo no campo. Desde há milénios que a classe feudal-patriarcal dos déspotas locais, maus nobres e senhores de terras sem lei constitui a base da autocracia, sendo sobre ela que se apoiam os imperialistas, os caudilhos militares e os funcionários corrompidos. Derrubar essas forças feudais constitui o verdadeiro objectivo da revolução nacional. Em poucos meses, os camponeses realizaram aquilo que o Dr. Sun Yat-sen queria mas não pôde realizar durante 84

os quarenta anos que devotou à revolução nacional. Trata-se dum feito que nunca tinha sido realizado até então, nem nos quarenta anos nem ao longo dos milénios. É, portanto, muito bom. De modo nenhum é "mau". Será tudo menos "muito mau". Como é evidente, "muito mau" é a teoria que defende os interesses dos senhores de terras e combate o levantamento dos camponeses. Sem dúvida alguma, é uma teoria da classe dos senhores de terras, para preservar a velha ordem feudal e impedir o estabelecimento da nova ordem democrática; está claro que se trata duma teoria contra-revolucionária. Nenhum camarada revolucionário deve fazer eco a tal tolice. Quando, com concepção revolucionária firmemente estabelecida, se vai às aldeias e olha em redor, é infalível que se sente uma alegria nunca antes experimentada. Milhares e milhares de escravos — os camponeses — derrubando o inimigo que lhes chupava o sangue. O que fazem os camponeses está absolutamente certo, é muito bom! "Muito bom" é a teoria dos camponeses e de todos os outros revolucionários. Cada camarada revolucionário precisa de saber que a revolução nacional exige uma grande mudança no campo. A Revolução de 1911 não conseguiu realizar tal mudança, o que foi a causa do seu fracasso. Essa mudança está a registar-se agora, o que constitui um factor importante para a realização integral da revolução. Todos os camaradas revolucionários devem apoiá-la, pois, de contrário, estarão tomando a atitude da contra-revolução. A Questão dos "Excessos" Outros há que dizem: "Sim, as associações camponesas são necessárias, mas estão a cometer realmente muitos excessos". É a opinião dos centristas. Mas qual é, afinal, a situação real? É verdade que, em certo sentido, no interior do país os camponeses agem um pouco "sem regra". Convertidas em autoridade suprema, as associações camponesas não permitem uma palavra aos senhores de terras, abatem-lhes o prestígio, o que é o mesmo que atirá-los ao chão e pôr-lhes um pé em cima. Os camponeses ameaçam ("vamos inscrever-vos os nomes no 'outro' registo"), aplicam multas aos déspotas locais e aos maus nobres, exigem-lhes contribuições e desmantelam-lhes os palanquins. As massas irrompem pelas casas dos déspotas locais e maus nobres opostos às associações camponesas, abatem-lhes os porcos e tomam-lhes o arroz; inclusivamente chegam a deitar-se uns minutos nas camas luxuosas reservadas às senhoritas e às jovens senhoras das mansões dos déspotas locais e maus nobres. Frente às provocações, os camponeses procedem a detenções, coroam os detidos com altos carapuços de papel e levam-nos em desfile pelas aldeias, dizendo: "Mau nobre, agora já ficas a saber quem somos nós!". Fazendo o que bem lhes apetece, revolvendo tudo, os camponeses instauraram uma espécie de terror nas zonas rurais. É isso que alguns definem como "excessos", como "entortar no acto de endireitar", como "abusos". Aparentemente, todos esses ditos são razoáveis, mas, na realidade, estão igualmente errados. Em primeiro lugar, foram os déspotas locais, os maus nobres e os senhores de terras sem lei quem forçou os camponeses a agir assim. Geração após geração, eles vinham usando do seu poder para tiranizar os camponeses e mantê-los de baixo da bota; essa a razão por que estes se lhes opõem agora com tanta violência. Sem excepção, as revoltas mais violentas e as desordens mais graves têm ocorrido nos lugares onde os déspotas locais, os maus nobres e os senhores de terras sem lei cometeram as piores violações. Os camponeses vêem claro, sabem quem é mau e quem não é, quem é o pior e quem não é assim tão perverso, quem merece castigo severo e quem merece certa clemência, sabem fazer boas contas e é muito 85

raro que as penas excedam os crimes. Em segundo lugar, uma revolução não é o convite para um jantar, a composição duma obra literária, a pintura dum quadro ou a confecção dum bordado; ela não pode ser assim tão refinada, calma e delicada, tão branda, tão afável e cortês, comedida e generosa. Uma revolução é uma insurreição, é um acto de violência pelo qual uma classe derruba outra. A revolução no campo é a revolução por meio da qual a classe camponesa derruba o poder da classe feudal dos senhores de terras. Sem empregar um máximo de força, os camponeses não podem liquidar a autoridade dos senhores de terras, autoridade milenária e profundamente enraizada. As regiões rurais necessitam duma enorme onda revolucionária, já que só isso pode despertar o povo por milhões e convertê-lo numa força poderosa. Todos os "excessos" que mencionámos atrás são um efeito da força despertada entre os camponeses pela enorme onda revolucionária que se desenrola no campo. Era absolutamente necessário que tudo isso se desse no segundo período do movimento camponês (no período da acção revolucionária). Em tal período, impunha-se estabelecer a autoridade absoluta dos camponeses. Era preciso proibir a crítica malévola às associações camponesas. Impunha-se liquidar toda a autoridade dos nobres, atirá-los ao chão e pôr-lhes, inclusivamente, um pé em cima. Há um significado revolucionário em todos os comportamentos, "excessos", desse período. Para falar franco, é necessário, durante um breve período, instaurar o terror em todas as regiões rurais, pois doutro modo será impossível liquidar as actividades dos contra-revolucionários no campo e derrubar a autoridade dos nobres. Endireitar implica entortar, sem entortar não é possível endireitar'. Os ditos dos que criticam os "excessos" são, à primeira vista, diferentes do "muito mau" a que nos referimos mais atrás, mas, na essência, partem todos dum mesmo ponto, são a teoria dos senhores de terras, uma teoria que protege os interesses das classes privilegiadas. Como e«sa teoria impede a expansão do movimento camponês, como nas suas consequências sabota a revolução, não podemos deixar de opor-nos firmemente a ela. "Movimeto de Pés-descalços" A ala direita do Kuomintang diz: "O movimento camponês é um movimento de pés-descalços, de camponeses preguiçosos". É uma opinião muito corrente em Tchancha. No campo, entre os nobres, ouvi dizer o seguinte: "Está bem que se criem associações camponesas, mas a gente que nelas actua não presta. É preciso substituí-la!". Essa opinião não difere do que dizem os direitistas. Para as duas opiniões, está bem que exista um movimento camponês (o movimento já existe, ninguém ousa dizer outra coisa), só a gente que nele participa é que não presta; as duas expressam ódio, particularmente com relação aos homens das associações camponesas de base, a quem chamam de "pésdescalços". Resumindo, aqueles que os nobres tinham desprezado e lançado para o pântano, os que não tinham lugar na sociedade, os que não tinham direito a falar, levantam agora bruscamente a cabeça. E não é apenas um levantar de cabeça, pois estes assenhorearam-se também do próprio poder. Actualmente, eles são os donos das associações camponesas de 86

circunscrição(1) (escalões mais baixos das associações camponesas), associações que, nas suas mãos, já se transformaram em algo que mete medo. Levantaram a mão rústica e calosa de trabalho e deixaram-na cair sobre as cabeças dos nobres. Amarram com cordas os maus nobres, coroam-nos com altos carapuços de papel e levam-nos em desfile pelas aldeias (no Siantan e em Siansiam chamam a isso "parada pelo tuan" e, em Lilim, "parada pelo Ion"). Não se passa um dia sem que atirem duras e impiedosas palavras de denúncia às orelhas dos nobres. Eles dão ordens e dirigem tudo. Os que de costume estavam no lugar mais baixo encontram-se agora nos lugares mais altos, o que se diz ser uma anormalidade. Vanguarda da Revolução Duas afirmações opostas sobre uma mesma coisa ou pessoa são um resultado de dois pontos de vista opostos sobre essa coisa ou essa pessoa. "Muito mau" e "muito bom", "pésdescalços" e "vanguarda da revolução", são um bom exemplo disso. Ficou dito atrás que os camponeses cumpriram uma tarefa revolucionária que estava há muitos anos por cumprir e realizaram um importante trabalho para a revolução nacional. Mas poderá porventura dizer-se que toda essa enorme tarefa revolucionária, todo esse importante trabalho revolucionário, foi feito pela totalidade dos camponeses? Não. Há três ordens de camponeses: os ricos, os médios e os pobres. As três vivem em condições diferentes, tendo por isso diferentes pontos de vista sobre a revolução. No primeiro período, o que atraía os camponeses ricos era o que se dizia a propósito da esmagadora derrota sofrida pelo Exército da Expedição do Norte, em Quiansi, sobre o facto de Tchiang Kaichek ter sido ferido numa perna e regressado em avião para Cuantum, e ainda sobre a reconquista de Iuédjou, por Vu Pei-fu. Dizia-se que de certeza as associações camponesas não poderiam manter-se por muito tempo nem os Três Princípios do Povo. prevalecer, visto tratar-se de algo sobre que nunca se ouvira falar anteriormente. Se um responsável duma associação camponesa de circunscrição (geralmente um "pé-descalço") se dirigisse, de registo na mão, à casa dum camponês rico e dissesse: "Convidamo-lo a ingressar nas associações camponesas", que responderia esse camponês rico? Se não fosse muito hostil, diria: "Há dezenas de anos que moro aqui e lavro as minhas terras; nunca ouvi falar de associações camponesas e, no entanto, sigo vivendo. Aconselho-os a não se meterem nisso." Mas se se tratasse dum camponês rico francamente hostil diria: "Associação camponesa? Uma associação onde todos acabarão com a cabeça cortada? Não arranjem complicações aos outros!". A surpresa, porém, foi que as associações camponesas criaram-se há vários meses e tiveram até a audácia de tomar posição contra os nobres. Nos arrabaldes, os nobres que se recusaram a entregar os cachimbos de ópio foram detidos pelas associações e levados em desfile através das aldeias. Nas sedes de distrito, aliás, procedeu-se inclusivamente à execução de alguns dos grandes nobres, como foi o caso de Ien Jum-tsiu, em Siantan, e Iam Tche-tse, em Ninsiam. No aniversário da Revolução de Outubro, por ocasião do mítin antibritânico e durante as grandes celebrações da vitória da Expedição do Norte, dezenas de milhares de camponeses, em todas as circunscrições, empunharam bandeiras grandes e pequenas, muniram-se de varapaus e enxadas e, em imponentes desfiles, manifestaram em massa. Aí os camponeses ricos começaram a ficar perplexos e alarmados. No decorrer das grandiosas celebrações da vitória da Expedição do Norte, chegou-lhes a notícia de que

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Quiouquiam tinha sido ocupado, Tchiang Kai-chek não sofrera qualquer ferimento nas pernas e Vu Pei-fu tinha, enfim, sido derrotado. Mais do que isso, eles puderam ler palavras de ordem tais como "Vivam os Três Princípios do Povo!", "Vivam as associações camponesas!" e "Vivam os camponeses!", escritas com toda a clareza em "cartazes vermelhos e verdes". "Vivam os camponeses! Acaso deverá olhar-se agora para esta gente como se se tratasse imperadores?", espantavam-se os camponeses ricos, perplexos e alarmados. As associações camponesas passaram a ganhar proporções de grande senhor. Os homens das associações dizem para os camponeses ricos: "Vamos inscrever-vos os nomes no 'outro' registo!" ou, então, "Um mês mais e a admissão custará dez yuan por pessoa!". Só assim é que os camponeses ricos começaram, embora tardiamente, a aderir às associações, tendo alguns que pagar cinco jiao ou um yuan pela admissão (a quota regular de entrada não custava mais do que 100 wen) e outros, que garantir a admissão por meio de pedidos de apadrinhamento feitos a terceiros. Não obstante, há um bom número de obstinados que até hoje não aderiram às associações. Quando os camponeses ricos aderem às associações, dão geralmente o nome de um familiar dos mais idosos, um velho de sessenta ou setenta anos de idade, pois receiam sistematicamente a "conscrição". Uma vez ingressados nas associações, os camponeses ricos não mostram qualquer entusiasmo por estas. Mantêm-se invariavelmente inactivos. E os camponeses médios? Quanto a estes, a sua atitude é oscilante. Pensam que a revolução não lhes trará maiores benefícios. O arroz continua a cozer-se-lhes nos tachos e não receiam que os credores lhes venham bater à porta pela meia-noite. Por outro lado, como nada viram antes de semelhante, franzem o sobrolho e pensam lá para consigo: "Poderão realmente as associações camponesas subsistir?", "Poderão realmente acabar por prevalecer os Três Princípios do Povo?". A sua conclusão é: "Pouco provável!". Crêem que tudo depende da vontade dos deuses e pensam: "Associações camponesas! Mas quem poderá dizer se os deuses as desejam ou não?". No primeiro período, os homens das associações poderiam, de registo na mão, apresentar-se em casa dum camponês médio e dizer: "Convidamo-lo a entrar nas associações?", ao que o camponês médio responderia: "Mas não há razão para pressas!". Só no segundo período, quando as associações camponesas passaram realmente a dispor de grande poder, é que os camponeses médios aderiram a elas. Dentro das associações, eles mostram-se melhores que os camponeses ricos mas, por agora, não são muito entusiastas, ainda preferem esperar e ver. Para as associações camponesas é essencial obter a adesão dos camponeses médios e fazer um melhor trabalho de explicação entre eles. Nas zonas rurais, os camponeses pobres têm constituído sempre a força principal desta luta encarniçada. Eles têm combatido activamente, tanto no período de acção clandestina como no período de actividade às claras. São os que melhor aceitam a direcção do Partido Comunista. São um inimigo mortal dos déspotas locais e dos maus nobres, a quem atacam sem a menor hesitação. "Há já muito que aderimos às associações camponesas", dizem eles aos camponeses ricos, "por que razão vocês ainda estão tão hesitantes?". Troçando, os camponeses ricos respondem-lhes: "Acaso existe qualquer coisa que vos impeça de aderir? Vocês não têm uma só telha para cobrir a cabeça nem um palmo de terra onde assentar os pés!". Na verdade, os camponeses pobres não receiam perder coisa alguma. É um facto que muitos deles "não têm uma só telha para cobrir a cabeça nem um palmo de terra onde

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assentar os pés". O que poderia pois impedi-los de aderir às associações? Segundo o recenseamento do distrito de Tchancha, os camponeses pobres representam setenta por cento da população das regiões rurais, os camponeses médios vinte por cento e os senhores de terras e camponeses ricos dez. Os setenta por cento de camponeses pobres podem subdividir-se em duas categorias, a dos que nada têm e a dos que têm muito pouco. Os que nada têm cifram-se em vinte por cento, estão destituídos de tudo, quer dizer, não dispõem de terras nem de dinheiro, faltam-lhes todos os meios de vida e são forçados a abandonar os locais onde vivem para converter-se em mercenários, em trabalhadores assalariados, ou deambulam como mendigos. Os que têm muito pouco, os restantes cinquenta por cento, são os que se encontram parcialmente destituídos de haveres, quer dizer, apenas dispõem duma reduzida nesga de terra ou duns quantos fundos, gente que ganha menos daquilo que necessita consumir, vivendo esgotada e na miséria durante o ano inteiro. É, por exemplo, o caso dos artesãos, dos rendeiros (excluídos os rendeiros ricos) e dos camponeses semiproprietários. Representando setenta por cento da população rural, essa grande massa de camponeses pobres constitui o suporte das associações camponesas, a vanguarda na liquidação das forças feudais, e é o pioneiro glorioso que executa a grandiosa tarefa revolucionária que tinha ficado por cumprir há muitos anos. Sem a classe dos camponeses pobres (esses mesmo que os nobres chamam "pés-descalços"), não teria sido possível chegar-se à situação revolucionária que existe actualmente no campo, nem derrubar os déspotas locais e os maus nobres e concluir a revolução democrática. Como são os mais revolucionários, os camponeses pobres conquistaram a direcção das associações camponesas. Tanto no primeiro como no segundo período, quase todos os presidentes e membros de comités das associações camponesas de base eram camponeses pobres (no distrito de Henxan, dentre os que trabalham nas associações de circunscrição os que nada têm cifram-se em cinquenta por cento, os que têm muito pouco, em quarenta por cento e os intelectuais pobres, em dez por cento). É absolutamente necessário que a direcção esteja entre as mãos dos camponeses pobres. Sem camponeses pobres não haveria revolução. Se os rejeitamos, rejeitamos a revolução e, se os atacamos, atacamos a revolução. Em nenhum momento eles erraram quanto à direcção geral da revolução. Eles desacreditaram os déspotas locais e os maus nobres. Atiraram ao chão os déspotas locais e os maus nobres, tanto os pequenos como os grandes, e puseram-lhes um pé em cima. Muitos dos seus "excessos" no período da acção revolucionária eram, na realidade, medidas exigidas pela própria revolução. No Hunan, dentre os governos de distrito, quartéis generais de distrito do Kuomintang e associações camponesas distritais, alguns cometeram certas faltas, chegando-se até a enviar tropas para efectuar prisões entre o pessoal das associações camponesas de base, a pedido dos senhores de terras. Muitos dos presidentes e membros dos comités das associações de circunscrição foram lançados para as cadeias dos distritos de Henxan e Siansiam. Trata-se dum erro muito grave que encoraja a arrogância da reacção. Para se concluir que isso é um erro, não é preciso mais do que observar o quanto se põem contentes os senhores de terras sem lei e como se acentua a atmosfera reaccionária nas localidades em que são presos os presidentes e os membros dos comités das associações camponesas. Há que combater o palavreado contra-revolucionário sobre o "movimento de pés-descalços", sobre o "movimento de camponeses preguiçosos", e ter o especial cuidado de não cometer o erro de ajudar os déspotas locais e os maus nobres nos seus ataques à classe dos camponeses pobres. É verdade que uns tantos líderes, entre os 89

camponeses pobres, tinham certos defeitos, mas, agora, a maior parte já se modificou. São eles próprios quem está sendo enérgico na proibição do jogo das cartas e outros jogos, bem como na repressão do banditismo. Onde as associações camponesas são fortes, o jogo terminou e desapareceu o banditismo. É uma pura verdade que em certas localidades as populações não ficam com os objectos que encontram perdidos, nem trancam as portas pela noite. Segundo o inquérito feito em Henxan, oitenta e cinco por cento dos líderes entre os camponeses pobres são já muito bons e mostram-se muito competentes e muito esforçados no trabalho. Só quinze por cento conserva ainda certos maus hábitos. O mais que pode dizer-se é que se trata duma "minoria malsã", não devendo pois fazer-se eco a essa condenação indiscriminada de "pés-descalços" lançada pelos déspotas locais e pelos maus nobres contra os camponeses pobres. O problema da "minoria malsã" só pode ser resolvido com a palavra de ordem de fortalecimento da disciplina das associações camponesas, com propaganda no seio das massas, com educação da "minoria malsã" e elevação da disciplina das associações; de maneira nenhuma se deve passar arbitrariamente ao envio de soldados para que procedam a prisões, pois isso apenas prejudicaria o prestígio da classe dos camponeses pobres, e encorajaria a arrogância dos déspotas locais e dos maus nobres. Essa é uma questão que exige uma atenção particular. Quartorze Conquistas Importantes Dum modo geral, os que condenam as associações camponesas alegam que estas fizeram muita coisa má. Já sublinhei que o ataque lançado pelos camponeses contra os déspotas locais e os maus nobres foi uma atitude absolutamente revolucionária que não se deve condenar. Os camponeses fizeram muitas coisas e, para responder aos que os condenam, devemos examinar de perto todos os seus actos, um a um, para ver qual foi realmente o trabalho realizado. Eu procedi a uma classificação e balanço da actividade dos camponeses nos últimos meses. Sob a direcção das associações camponesas eles realizaram, no total, as quatorze conquistas importantes seguintes: 1 Organização dos Camponeses em Associações Camponesas Essa foi a primeira grande conquista dos camponeses. Nos distritos como Siantan, Siansiam e Henxan, quase todos os camponeses estão organizados e não se encontra praticamente um "rincão perdido" onde não estejam em movimento. São os melhores distritos. Noutros, por exemplo I-iam e Huajum, o grosso dos camponeses está organizado, sendo reduzido o sector a que ainda falta organização. Esses distritos vêm, portanto, em segundo lugar. Noutros ainda, como Tchempu e Linlim, só um pequeno sector está organizado, permanecendo o grosso dos camponeses sem organização. Tais distritos ocupam o terceiro lugar na escala. O Hunan ocidental, controlado por Iuan Tsu-mim, ainda não foi atingido pela propaganda sobre as associações e, em muitos dos seus distritos, os camponeses permanecem sem qualquer organização. É o quarto lugar da escala. Em termos globais, os distritos do Hunan central, com Tchancha como centro, são os mais avançados, os do sul do Hunan vêm logo a seguir e os do Hunan ocidental apenas começam a organizar-se. Segundo os números recolhidos em Novembro passado pela Associação Camponesa Provincial, em trinta e sete dos setenta e cinco distritos da província foram criadas organizações com um total de 90

1.367.727 membros. Desses membros, cerca de um milhão foi organizado em Outubro e Novembro do ano passado, quando o poder das associações já tinha crescido muito, pois, em Setembro, o volume de membros andava entre os trezentos mil a quatrocentos mil. Nos meses de Dezembro e Janeiro, o movimento camponês continuou o seu crescimento vertiginoso e, pelos fins de Janeiro, o volume de membros deve ter atingido, no mínimo, os dois milhões. Como cada família, ao integrar-se, usa apenas um nome, embora tendo, em média, cinco membros, a massa deve andar à volta dos dez milhões. Essa aceleração surpreendente da taxa de expansão constitui a razão por que os déspotas locais, os maus nobres e os funcionários corrompidos têm sido isolados, o público estremeceu ao ver um mundo novo substituir-se ao mundo velho, e se realiza uma tão grande revolução no campo. Essa é a primeira grande realização dos camponeses dirigidos pelas suas próprias associações. 2. Golpe Político Vibrado nos Senhores de Terras Assim que os camponeses criam as suas organizações, a primeira coisa que fazem é destruir, no domínio político, o prestígio da classe dos senhores de terras, sobretudo o dos déspotas locais e maus nobres, isto é, abater a autoridade dos senhores de terras e instaurar a autoridade camponesa na sociedade rural. Essa é a luta mais grave e vital. É o eixo da luta no segundo período, no período da acção revolucionária. Sem uma vitória nessa luta, nenhuma vitória seria possível na luta económica para reduzir as rendas e as taxas de juro, para garantir a terra e outros meios de produção, etc. Em muitos pontos do Hunan, por exemplo nos distritos de Siansiam, Henxan e Siantan, isso não constitui, evidentemente, um problema, uma vez que a autoridade dos senhores de terras foi inteiramente abatida e os camponeses são a única autoridade que aí existe. Nos distritos como Lilim, porém, há ainda algumas regiões (por exemplo os sectores oeste e sul de Lilim) onde a autoridade dos senhores de terras parece mais fraca do que a dos camponeses mas, na realidade, em razão de a luta política não ter sido encarniçada, bate-se sub-repticiamente contra esta. Nessas regiões, ainda é muito cedo para dizer que os camponeses conquistaram a vitória política; eles têm de lutar politicamente com um vigor ainda maior, e até que a autoridade dos senhores de terras seja completamente arrasada. Feitas todas as contas, os métodos usados pelos camponeses para golpear politicamente os senhores de terras são os seguintes: Controle de contas. Ao administrarem os dinheiros públicos locais, acontece com muita frequência que os déspotas locais e os maus nobres se locupletam com os dinheiros públicos, e a contabilidade não está em ordem. Com o controle de contas, porém, os camponeses têm abatido um grande número de déspotas locais e maus nobres. Em muitas localidades foram criados comités de controle de contas, especialmente encarregados do ajuste de contas financeiras com esses déspotas locais e maus nobres, os quais se põem a tremer assim que vêem aparecer os tais comités. Têm-se realizado campanhas desse género por todos os distritos, onde o movimento camponês se mostra activo. Não sendo de muita valia quanto à recuperação dos dinheiros públicos, tais campanhas são contudo importantes como meio de dar publicidade aos crimes dos déspotas locais e dos maus nobres, e como meio de eliminar as posições políticas e sociais de que estes disfrutam.

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Penas pecuniárias. Com o controle de contas descobriram-se desvios de fundos e brutalidades perpetradas contra os camponeses no passado, bem como sabotagens contra as associações camponesas no presente, ou violações à proibição do jogo das cartas e outros jogos, ou ainda recusas à entrega de cachimbos de ópio. De acordo com as faltas cometidas, os camponeses decidem que determinado déspota local pague tanto, que certo mau nobre pague mais tanto, variando as somas desde algumas dezenas aos milhares de yuan. Como é natural, os que são condenados pelos camponeses a essas penas perdem a face. Contribuições em dinheiro. Os senhores de terras gananciosos e cruéis são obrigados a contribuir para o socorro dos pobres, para a organização de cooperativas e sociedades camponesas de crédito, ou ainda para a realização de outros objectivos. Embora mais suaves que as penas pecuniárias, essas contribuições constituem também uma espécie de punição. Para evitar complicações, muitos dos senhores de terras contribuem voluntariamente para as associações camponesas. Interrogatórios menores. Quando alguém ofende por actos ou palavras uma associação camponesa, mas a ofensa é considerada de gravidade menor, os camponeses juntam-se em massa e deslocam-se à casa do ofensor, a quem fazem um interrogatório não muito cerrado. Em geral, este livra-se redigindo uma "confissão", onde se compromete, expressamente, a pôr um termo às palavras ou actos difamatórios das associações camponesas. Manifestações. Grandes multidões concentram-se para manifestar contra determinado déspota local, ou mau nobre, que se tenha revelado mais odioso às associações. Os manifestantes irrompem-lhe pela casa adentro, abatem-lhe os porcos e tomam-lhe o arroz. E não são poucos os casos desse tipo. Recentemente, verificou-se um caso assim em Maquiaho, distrito de Siantan, onde uma multidão de quinze mil camponeses irrompeu pela mansão de seis maus nobres e submeteu-os ali mesmo a um interrogatório. A questão prolongou-se por quatro dias, tendo sido abatidos mais de cento e trinta porcos. Terminadas as manifestações, os camponeses passam geralmente à aplicação das penas pecuniárias. Desfile pelas aldeias com grandes carapuços de papel. Isso verifica-se por toda a parte e é muito frequente. Um grande carapuço de papel é enfiado pela cabeça de determinado déspota local ou mau nobre, com a inscrição "fulano de tal, déspota local" ou "fulano de tal, mau nobre", indo o homem preso por uma corda e escoltado, à frente e atrás, por grande multidão. Algumas vezes, tocam-se gongos e agitam-se estandartes para atrair as atenções. Mais que qualquer outra, essa forma de punição faz tremer os déspotas locais e os maus nobres. Coroados com o grande carapuço, perdem a face e nunca mais podem levantar a cabeça. É por isso que muitos ricos preferem ser punidos em dinheiro a ter de enfiar o tal carapuço. Mas quando os camponeses insistem, eles são obrigados a enfiá-lo. Mais astuta, uma associação camponesa de circunscrição prendeu um mau nobre e anunciou que o coroaria com o carapuço nesse mesmo dia. O homem ficou lívido de medo. Posteriormente a associação decidiu não enfiar-lhe o carapuço nesse dia. Se lhe tivessem posto logo o carapuço, o homem ficaria desesperado quanto ao seu destino e deixaria de ter medo, razão por que foi melhor que o tivessem deixado voltar à casa, aguardando que em outro dia lhe enfiassem o carapuço. Na incerteza sobre o dia da "coroação", o homem caiu numa angústia permanente, tendo ficado incapaz de sentar-se ou deitar-se tranquilamente. 92

Encarceramento nas prisões distritais. Trata-se duma punição mais pesada que a imposição do grande carapuço de papel. Certos déspotas locais e maus nobres são presos e lançados nas cadeias distritais, onde aguardam que o chefe de distrito competente os julgue e condene. Agora, os que vão para as cadeias já não são os que iam antes. No passado, eram os nobres que metiam os camponeses na prisão mas, hoje, passa-se o contrário. Proscrições. Os camponeses não têm o menor desejo de proscrever os criminosos mais notórios dentre os déspotas locais e maus nobres. Pelo contrário, eles preferem prendê-los ou executá-los. Levados pelo medo à prisão ou execução, os criminosos fogem. Nos distritos onde o movimento camponês está desenvolvido, quase todos os déspotas locais e maus nobres importantes fugiram, o que dá o mesmo resultado que uma proscrição. Dentre eles, os de primeiro plano fugiram para Xangai, os de segundo plano para Hancou, os de terceiro para Tchancha e os de quarto para as capitais de distrito. Dentre os déspotas locais e maus nobres que fugiram, os que se encontram mais a salvo são os que foram para Xangai. Alguns dos que fugiram para Hancou, como os três de Huajum, acabaram por ser capturados e trazidos de volta. Os que fugiram para Tchancha vivem numa situação de perigo ainda maior, pois podem ser capturados em qualquer momento pelos estudantes dos seus próprios distritos que se encontram na capital da província. Eu vi, com os meus próprios olhos, como foram capturados dois deles em Tchancha. Apenas os da quarta categoria buscaram refúgio nas capitais de distrito, mas os camponeses, como têm aí muitos olhos e ouvidos, podem facilmente descobri-los. As autoridades explicaram as dificuldades financeiras encontradas pelo governo provincial do Hunan como um resultado de os camponeses proscreverem os ricos, o que dá uma ideia do quanto são intoleráveis os déspotas locais e os maus nobres nas suas próprias aldeias de origem. Execuções. Isso é algo que está limitado aos mais importantes dentre os déspotas locais e maus nobres, e é uma medida tomada pelos próprios camponeses, juntamente com outros sectores do povo. Por exemplo, Iam Tche-tse de Ninsiam, Tchou Quia-can de Iué-iam e Fu Tao-nan e Suen Po-tchu de Huajum, foram fuzilados pelas autoridades governamentais por exigência dos camponeses e outros sectores do povo. Em Siantan, foram os próprios camponeses e outros sectores do povo que obrigaram o chefe do distrito a entregar-lhes o preso Ien Jum-tsiu, para que eles próprios o executassem. Liu Tchao, de Ninsiam, foi morto, a golpes,- pelos camponeses. A execução de Pom Tchi-fan de Lilim, e de Tchou Tien-tsiue e Tsao Iun de I-iam, está pendente da decisão do "tribunal especial para julgar os déspotas locais e os maus nobres". A execução de um só déspota local ou mau nobre de tão grande categoria repercute-se por todo o distrito e é de muita eficácia para extirpar as sobrevivências feudais. Todos os distritos têm os seus déspotas locais e maus nobres de grande categoria, em alguns há mesmo várias dezenas, mas noutros apenas uns quantos, de modo que a única via eficaz para eliminar a reacção é executar, em cada distrito, pelo menos alguns, os culpados dos crimes mais odiosos. Enquanto os déspotas locais e os maus nobres tiveram força, massacraram os camponeses sem pestanejar. Ho Mai-tchiuan, que foi durante dez anos comandante dos corpos de defesa na vila de Sincam, em Tchancha, era pessoalmente responsável pelo assassinato de quase um milhar de camponeses indigentes, que ele descrevia, eufemisticamente, como "execução de bandidos". Em Siantan, distrito de que sou originário, Tam Tsiun-ien e Luo Chu-lin, que dirigiram os corpos de defesa na vila

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de Intien, mataram mais de cinquenta pessoas e enterraram vivas quatro outras, nos quatorze anos que se contam desde 1913. Das cinquenta e tal pessoas que mataram, as duas primeiras eram mendigos absolutamente inocentes. E Tam Tsiun-ien dizia: "Abramos a conta com a morte desse par de mendigos!". Assim foram roubadas as duas vidas. Tal era a crueldade dos déspotas locais e dos maus nobres no passado, tal era o terror branco que tinham instaurado no campo. E agora que os camponeses se levantaram, fuzilaram uns quantos déspotas locais e maus nobres e criaram um relativo terror para esmagar os contrarevolucionários, poderá haver alguma razão para dizer-lhes que não devem agir assim? [...]

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Anexo 5

DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, DECRETA: Art. 1º Fica aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho, que a este decreto-lei acompanha, com as alterações por ela introduzidas na legislação vigente. Parágrafo único. Continuam em vigor as disposições legais transitórias ou de emergência, bem como as que não tenham aplicação em todo o território nacional. Art. 2º O presente decreto-lei entrará em vigor em 10 de novembro de 1943. Rio de Janeiro, 1 de maio de 1943, 122º da Independência e 55º da República. GETÚLIO Alexandre Marcondes Filho.

VARGAS.

CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO TÍTULO I INTRODUÇÃO Art. 1º - Esta Consolidação estatui as normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho, nela previstas. Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

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§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. § 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual. Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada. Parágrafo único - Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho prestando serviço militar ...

Art. 5º - A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo. Art. 6º - Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego. Art. 7º - Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas; b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou comerciais; c) aos funcionários públicos da União, dos Estados e dos Municípios e aos respectivos extranumerários em serviço nas próprias repartições; (Redação dada pelo Decreto-lei nº 8.079, 11.10.1945)

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d) aos servidores de autarquias administrativas cujos empregados estejam sujeitos a regime especial de trabalho, em virtude de lei; e) aos empregados das empresas de propriedade da União Federal, quando por esta ou pelos Estados administradas, salvo em se tratando daquelas cuja propriedade ou administração resultem de circunstâncias transitórias. Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. Art. 11. Não havendo disposição especial em contrário nesta Consolidação, prescreve em dois anos o direito de pleitear a reparação de qualquer ato infringente de dispositivo nela contido. Art. 12 - Os preceitos concernentes ao regime de seguro social são objeto de lei especial. TÍTULO II DAS NORMAS GERAIS DE TUTELA DO TRABALHO CAPÍTULO I DA IDENTIFICAÇÃO PROFISSIONAL

SEÇÃO I DA CARTEIRA PROFISSIONAL Art. 13. É adotada no território nacional, a carteira profissional, para as pessoas maiores de dezoito anos, sem distinção de sexo, e que será obrigatória para o exercício de qualquer emprego ou prestação de serviços remunerados. Parágrafo único. Excetuam-se da obrigatoriedade as profissões cujos regulamentos cogitem da expedição de carteira especial própria.

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SECÇÃO II Da emissão das carteiras Art. 14. A Carteira profisaional será processada nos termos fixados no presente capítulo e emitida, no Distrito Federal, pelo Departamento Nacional do Trabalho, e nos Estados e no Território do Acre, pelas Delegacias Regionais do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, ou pelas repartições estaduais autorizadas em virtude de lei. Parágrafo único. Ao Departamento Nacional do Trabalho, em coordenação com a Divisão do Material do Departamento de Administração, incumbe a expedição e controle de todo o material necessário ao preparo e emissão das carteiras profissionais.

Art. 15. A emissão das carteiras far-se-á a pedido dos interessados, dirigido ao Departamento Nacional do Trabalho, no Distrito Federal, e aos dalegados regionais do Trabalho, ou repartições autorizadas em virtude de lei, nos Estados e Território do Acre, perante os quais comparecerão pessoalmente, para prestar as declarações necessárias. Art. 16. A carteira profissional, alem do número, série e, data de emissão, conterá mais, a respeito do portador: 1) fotografia com menção da data em que houver sido tirada; 2) característicos físicos e impressões digitais; 3) nome, filiação, data e lugar de nascimento, estado civil, profissão, residência, grau de instrução e assinatura; 4) nome, atividade e localização dos estabelecimentos e empresas em que exercer a profissão ou a função, ou a houver sucessivamente exercido, com a indicação da natureza dos serviços, salário, data da admissão e da saida; 5) data da chegada ao Brasil e data do decreto de naturalização para os que por este modo obtiveram a cidadania; 6) nome, idade e estado civil das pessoas que dependam economicamente do portador da carteira; 7) nome do sindicato a que esteja associado; 8) situação do portador da carteira em face do serviço militar; 9) discriminação dos documentos apresentados. Parágrafo único. Para os estrangeiros, as carteiras, alem das informações acima indicadas, conterão: 1) data da chegada ao Brasil; 2) número, série e local de emissão da carteira de estrangeiro; 3) nome da esposa, e sendo esta brasileira, data e lugar do nascimento; 4) nome, data e lugar do nascimento dos filhos brasileiros. Art. 17. As declarações do interessado ou, no caso de menores que não estejam obrigados à carteira própria, dos seus pais ou tutores, deverão ser apoiadas em documentos idôneos ou confirmados por duas testemunhas já portadoras de carteiras profissionais, que assinarão com o declarante, mencionando o número e a série das respectivas carteiras.

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§ 1º As declarações a que se referem os artigos anteriores serão escrituradas em duas vias ou fichas, a primeira das quais será destacada e enviada ao Departamento Nacional do Trabalho, quando nao forem feitas perante o mesmo Departamento. § 2º Se o interessado não souber ou não puder assinar as suas declarações, será exigida a presença de três testemunhas, uma das quais assinará por ele, a rogo, devendo o funcionário ler as declarações, feitas em voz alta, atestando, afinal, que delas ficou ciente o interessado. Art. 18. A prova da profissão será feita por meio de diploma da escola profissional oficial ou fiscalizada, por atestados passados pelos empregadores, pelos sindicatos reconhecidos, ou por duas pessoas portadoras de carteira profissional, que exerçam a profissão declarada. § 1º Em se tratando de profissão oficialmente regulamentada, será necessária a prova de habilitação profissional do declaranta. § 2º A carteira profissional dos oficiais barbeiros e cabelereiros será emitida mediante exibição do certificado de habilitação profissional passado pelas escolas mantidas pelo respectivo Sindicato. Art. 20. No ato de prestar as declarações, o interessado pagará em selo federal, a taxa de cinco cruzeiros o entregará três exemplares de sua fotografia, nas condições acima determinadas, afixando uma à folha onde forem registadas as declarações e incluindo-se as duas outras na remessa a que se refere o § 1º do art. 17. Art. 21. Tornando-se imprestável pelo uso a carteira primitiva, ou esgotando-se o espaço na mesma destinado à anotação, o interessado deverá obter outra, observadas as disposições anteriores e mediante pagamento da taxa de cinco cruzeiros, devendo constar da nova o número o a série da carteira anterior. § 1º No caso de extravio por parte do possuidor, a taxa a que se refere este artigo será exigido em dobro, cobrando-se, daí por diante, vinte cruzeiros de cada carteira nova. § 2º Na caso de extravio ou inutilização da carteira profissional, por culpa do empregador ou proposto seu, aquele terá de custear as despesas do processo e emissão, alem de so sujeitar às penas cominadas nesta lei, ficando o dono da carteira isento do pagamento da taxa a que se refere o art. 20. Art. 22. Os emolumentos a que se refere este capítulo serão cobrados, acrescidos da taxa de Educação e Saúde, em estampilhas federais. § 1º As estampilhas deverão ser aplicadas na ficha de qualificação e serão inutilizadas, na forma da lei, pela assinatura do qualificado declarante. § 2º A 1ª via da ficha de qualificação será enviada, sob registo, ao Departamento Nacional do TrabaIho para fins de controle e estatística. § 3º E' concedida isenção do pagamento de taxa ou emolumentos, provado o estado de pobreza, aos trabalhadores que estiverem desempregados e àqueles cuja remuneração não exceder da importância do salário mínimo. Art. 23. Alem do interessado, ou procurador devidamente habilitado, os empregadores ou os sindicatos reconhecidos poderão promover o andamento do pedido de carteiras profissionais, ficando proibida a intervenção de pessoas estranhas.

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Art. 24. Haverá no Serviço de Identificação Profissional do Departamento Nacional do Trabalho o cadastro profissional dos trabalhadores, organizado segundo a classificação das atividades e profissões estatuida na Título V com as especificações adotadas pela Comissão do Enquadramento Sindical. SEÇÃO III DA ENTREGA DAS CARTEIRAS DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL Art. 25 - As Carteiras de Trabalho e Previdência Social serão entregues aos interessados pessoalmente, mediante recibo. Art. 26. Os sindicatos oficialmente reconhecidos poderão, se o solicitarem por escrito às respectivas diretorias, tomar a incumbência da entrega das carteiras profissionais pedidas por seus associados e pelos demais profissionais da mesma classe. Parágrafo único. Não poderão os sindicatos, sob pena de se tornarem passíveis das sanções previstas nesta lei, cobrar remuneração alguma pela entrega das carteiras profissionais cujo serviço nas respectivas sedes, será fiscalizado pelos funcionários do Departamento Nacional do Trabalho, ou Delegacias Regionais, e das repartições autorizadas por lei. rt. 27. Se o candidato à carteira não a houver recebido, dentro de trinta dias após o em que prestou as suas declarações, poderá reclamar ao Departamento Nacional do Trabalho no Distrito Federal e às Delegacias Regionais ou repartições autorizadas em virtude de lei, sendo a reclamação tomada por termo pelo funcionário encarregado desse mister, que entregará recibo da reclamação ao interessado. Art. 28. Serão arquivadas as carteiras profissionais que não forem reclamadas pelos interessados dentro do prazo de sessenta dias, contados da respectiva emissão. Parágrafo único. A entrega das carteiras arquivadas ficará sujeita à busca de um cruzeiro por mês que exceder o prazo fixado no artigo anterior, ate o limite de 5 cruzeiros. [...]

SEÇÃO I DA ASSOCIAÇÃO EM SINDICATO Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas. Art. 511 - É livre a organização sindical, em todo o território nacional, para fins de estudo, defesa e coordenação de interesses econômicos ou profissionais. Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados,

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agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas. § 1º A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitue o vínculo social básico que se denomina categoria econômica. § 2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional. § 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares. § 4º Os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural . Art. 512 - Somente as associações profissionais constituídas para os fins e na forma do artigo anterior e registradas de acordo com o art. 558 poderão ser reconhecidas como Sindicatos e investidas nas prerrogativas definidas nesta Lei. Art. 512 - Somente as associações profissionais constituídas para os fins e na forma do artigo anterior e registradas de acordo com o art. 558 poderão ser reconhecidas como Sindicatos e investidas nas prerrogativas definidas nesta Lei. Art. 513. São prerrogativas dos sindicatos : a) representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou interesses individuais dos associados relativos á atividade ou profissão exercida; b) celebrar contratos coletivos de trabalho; c) eleger ou designar os representantes da respectiva categoria ou profissão liberal; d) colaborar com o Estado, como orgãos técnicos e consultivos, na estudo e solução dos problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal; e) impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas. Parágrafo Único. Os sindicatos de empregados terão, outrossim, a prerrogativa de fundar e manter agências de colocação. Art. 513 - São prerrogativas dos Sindicatos: a) representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias, os interesses dos seus associados relativos às atividades ou profissões exercidas; b) celebrar contratos coletivos de trabalho; c) colaborar com o Estado, como órgão técnico e consultivo, no estudo e solução dos problemas que se relacionem com os interêsses econômicos ou profissionais de seus associados; d) fundar e manter agências de colocação. 101

Art. 513. São prerrogativas dos sindicatos : a) representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou interesses individuais dos associados relativos á atividade ou profissão exercida; b) celebrar contratos coletivos de trabalho; c) eleger ou designar os representantes da respectiva categoria ou profissão liberal; d) colaborar com o Estado, como orgãos técnicos e consultivos, na estudo e solução dos problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal; e) impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas. Parágrafo Único. Os sindicatos de empregados terão, outrossim, a prerrogativa de fundar e manter agências de colocação. Art. 514. São deveres dos sindicatos : a) colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social; b) manter serviços de assistência judiciária para os associados; c) promover a conciliação nos dissídios de trabalho. Parágrafo único. Os sindicatos de empregados terão, outrossim, o dever de : a) promover a fundação de cooperativas de consumo e de crédito; b) fundar e manter escolas do alfabetização e prevocacionais. Art. 514. São deveres dos sindicatos filiados à Comissão Nacional de Sindicalização: a) manter serviços de assistência judiciária para os associados; b) promover a conciliação nos dissídios de trabalho; c) fundar e manter escolas de alfabetização e pre-vocacionais; d) cumprir as decisões e resoluções da Comissão Nacional de Sindicalização. Parágrafo único - A todo contribuinte do imposto sindical assiste o direito de gozar dos benefícios a que se refere o ar. 592, na conformidade das instruções que forem baixadas pela Comissão Nacional de Sindicalização. Art. 514. São deveres dos sindicatos : a) colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social; b) manter serviços de assistência judiciária para os associados; c) promover a conciliação nos dissídios de trabalho.

SEÇÃO II DO RECONHECIMENTO E INVESTIDURA SINDICAL

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Art. 515. As associações profissionais deverão satisfazer os seguintes requisitos para serem reconhecidas como sindicatos : a) reunião de um terço, no mínimo, de empresas legalmente constituidas, sob a forma individual ou de sociedade, se se tratar de associação de empregadores; ou de um terço dos que integrem a mesma categoria ou exerçam a mesma profissão liberal se se tratar de associação de empregados ou de trabalhadores ou agentes autônomos ou de profissão liberal; b) duração não excedente de dois anos para o mandato da diretoria; c) exercício do cargo de presidente por brasileiro nato, e dos demais cargos de administração e representação por brasileiros. Parágrafo único. O ministro do Trabalho, Indústria, e Comércio poderá, excepcionalmente, reconhecer como sindicato a associação cujo número de associados seja inferior ao terço a que se refere a alínea a. Art. 515 - Para se filiarem à Comissão Nacional de Sindicalização, os sindicatos deverão satisfazer os seguintes requisitos a) reunião de 1/3 (um terço), no mínimo, de empresas legalmente constituídas, sob a forma individual ou de sociedade, se se tratar de associação de empregadores; ou de 1/3 (um terço) dos que integrem, em uma dada base territorial, a mesma categoria ou exerçam a mesma profissão liberal, se se tratar de sindicatos de empregados ou de trabalhadores ou agentes autônomos ou de profissão liberal b) duração não excedente de dois anos para o mandato da diretoria; c) exercício do cargo de Presidente por brasileiro nato, e dos demais cargos de administração e representação por brasileiros Parágrafo único - O Ministro do Trabalho poderá, excepcionalmente, reconhecer como Sindicato a associação cujo número de associados seja inferior ao terço a que se refere a alínea "a. Art. 515. As associações profissionais deverão satisfazer os seguintes requisitos para serem reconhecidas como sindicatos : a) reunião de um terço, no mínimo, de empresas legalmente constituidas, sob a forma individual ou de sociedade, se se tratar de associação de empregadores; ou de um terço dos que integrem a mesma categoria ou exerçam a mesma profissão liberal se se tratar de associação de empregados ou de trabalhadores ou agentes autônomos ou de profissão liberal; b) duração não excedente de dois anos para o mandato da diretoria; c) exercício do cargo de presidente por brasileiro nato, e dos demais cargos de administração e representação por brasileiros. Parágrafo único. O ministro do Trabalho, Indústria, e Comércio poderá, excepcionalmente, reconhecer como sindicato a associação cujo número de associados seja inferior ao terço a que se refere a alínea a. Art. 516 - Não será reconhecido mais de um Sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial. 103

Art. 516 - Não será reconhecido mais de um Sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial. Art. 517. Os sindicatos poderão ser distritais, municipais, intermunicipais, estaduais e interestaduais. Excepcionalmente, e atendendo às peculiaridades de determinadas categorias ou profissões, o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio poderá autorizar o reconhecimento de sindicatos nacionais. § 1º O ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, outorgará e delimitará a base territorial do sindicato. Art. 517. Os sindicatos poderão ser distritais, municipais, intermunicipais, estaduais e interestaduais. Excepcionalmente, e atendendo às peculiaridades de determinadas categorias ou profissões, o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio poderá autorizar o reconhecimento de sindicatos nacionais. § 1º O ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, outorgará e delimitará a base territorial do sindicato. § 2º Dentro da base territorial que lhe for determinada é facultado ao sindicato instituir delegacias ou secções para melhor proteção dos associados e da categoria econômica ou profissional ou profissão liberal representada. Art. 518. O pedido de reconhecimento será dirigido ao ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, instruido com exemplar ou cópia autenticada dos estatutos da associação. § 1º Os estatutos deverão conter : a) a denominação e a sede da associação; b) a categoria econômica ou profissional ou a profissão liberal cuja representação é requerida; c) a afirmação de que a associação agirá como orgão de colaboração com os poderes públicos e as demais associações no sentido da solidariedade social e da subordinação dos interesses econômicos ou profissionais ao interesse nacional; § 2º O processo de reconhecimento será regulado em instruções baixadas pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Art. 519 - A investidura sindical será conferida sempre à associação profissional mais representativa, a juízo do Ministro do Trabalho, constituindo elementos para essa apreciação, entre outros: a) o número de associados; b) os serviços sociais fundados e mantidos; c) o valor do patrimônio. Art. 520. Reconhecida como sindicato a associação profissional, ser-Ihe-á expedida carta de reconhecimento, assinada pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, na qual será especificada a representação econômica ou profissional conferida e mencionada a base territorial outorgada. Parágrafo único. O reconhecimento investe a associação nas prerrogativas do art. 513 e a obriga aos deveres do art. 514, cujo inadimplemento a sujeitará às sanções desta lei. Art. 521 - São condições para o funcionamento do Sindicato:

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a) abstenção de qualquer propaganda de doutrinas incompatíveis com as instituições e os interesses da Nação, bem como de candidaturas a cargoseletivos estranhos ao sindicato; [...]

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Anexo 6

Decreto nº 19.770, de 19 de Março de 1931 Decreto nº 19.770, de 19 de Março de 1931 Regula a sindicalização das classes patronais e operárias e dá outras providências O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil DECRETA: Art. 1º Terão os seus direitos e deveres regulados pelo presente decreto, podendo defender, perante o Governo da República e por intermédio do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, os seus interesses de ordem econômica, jurídica, higiênica e cultural, todas as classes patronais e operárias, que, no território nacional, exercerem profissões idênticas, similares ou conexas, e que se organizarern em sindicados, independentes entre si, mas subordinada a sua constituição às seguintes condições: a) reunião de, pelo menos, 30 associados de ambos os sexos, maiores de 18 anos; b) maioria, na totalidade dos associados, de dois terços, no mínimo, do brasileiros natos ou naturalizados; c) exercício dos cargos de administração e de representação, confiado à maioria de brasileiros natos ou naturalizados com 10 anos, no mínimo, de residência no país, só podendo ser admitidos estrangeiros em número nunca superior a um terço e com residência efetiva no Brasil de, pelo menos, 20 anos; d) mandato anual em tais cargos, sem direito à reeleição; e) gratuidade absoluta dos serviços de administração não podendo os diretores, como os representantes dos sindicatos, das federações e das confederações, acumular os seus cargos com os que forem remunerados por qualquer associacão de classe; f) abstenção, no seio das organizações sindicais, de toda e qualquer propaganda de ideologias sectárias, de carater social, político ou religioso, bem como de candidaturas a cargos eletivos, estranhos à natureza e finalidade das associações. 106

Art. 2º Constituidos os sindicatos de acordo com o artigo1º, exige-se ainda, para serem reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e que adquirirem, assim, personalidade jurídica, tenham aprovados pelo Ministério os seus estatutos, acompanhados de cópia autêntica da ata de instalação e de uma relação do número de sócios com os respectivos nomes, profissão, idade, estado civil, nacionalidade, residência e lugares ou empresas onde exercerem a sua atividade profissional. § 1º Dos estatutos devem expressamente constar: os fins da associação; o processo de escolha, as atribuições e os motivos de perda de mandato dos seus diretores; os direitos e deveres dos sócios, a forma de constituição e administração do patrimônio social; o destino que se deve dar a este, quando, por exclusiva deliberação dos sócios, se dissolver a associação; as condições em que esta se extinguirá, alem de outras normas de fundamento. § 2º As alterações introduzidas nos estatutos não vigorarão enquanto não forem aprovadas pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Art. 3º Poderão os sindicatos, em número nunca inferior a três, formar no Distrito Federal em cada Estado, e no Território do Acre, uma federação regional, com sede nas capitais, e, quando se organizarem, pelo menos, cinco federações regionais, poderão elas formar uma confederação, com sede na capital da República. Denominar-se-á - Confederação Brasileira do Trabalho - a que se constituir por federações operárias e - Confederação Nacional da Indústria e Comércio - a que se constituir por federações patronais. § 1º Para estudo mais amplo e defesa mais eficiente dos seus interesses, é facultado aos sindicatos de profissões idênticas, similares ou conexas formarem as suas federações de classe, independentes entre si, com sede na capital da República, e agindo sempre em entendimento com a respectiva confederação sindical. § 2º As federações e confederações só se poderão constituir e funcionar depois que forem os seus estatutos aprovados pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Art. 4º Os sindicatos, as federações e as confederações deverão, anualmente, até o mês de março, enviar ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio relatório dos acontecimentos sociais, do qual deverão constar, obrigatoriamente, as alterações do quadro dos sócios, o estado financeiro da associação, modificações que, porventura, tenham sido feitas nos respectivos estatutos, alem de fatos que, pela sua natureza, se possam prender a dispositivos do presente decreto.

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Art. 5º Alem do direito de fundar e administrar caixas beneficentes, agências de colocação, cooperativas, serviços hospitalares, escolas e outras instituições de assistência, os sindicatos que forem reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio serão considerados, pela colaboração dos seus representantes ou pelos representantes das suas federações e respectiva Confederação, órgãos consultivos e técnicos no estudo e solução, pelo Governo Federal, dos problema que, econômica e socialmente, se relacionarem com os seus interesses de classe. Parágrafo único. Quer na fundação e direção das instituições a que se refere o presente artigo, quer em defesa daqueles interesses perante o Governo, sempre por intermédio do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, é vedada a interferência, sob qualquer pretexto, de pessoas estranhas às associações. Art. 6º Ainda como órgãos de colaboração com o Poder Público, deverão cooperar os sindicatos, as federações e confederações, por conselhos mistos e permanentes de conciliação e de julgamento, na aplicação das leis que regulam os meios de dirimir conflitos suscitados entre patrões, operários ou empregados. Art. 7º Como pessoas jurídicas, assiste aos sindicatos a faculdade de firmarem ou sancionarem convenções ou contratos de trabalho dos seus associados, com outros sindicatos profissionais, com empresas e patrões, nos termos da legislação, que, a respeito, for decretada. Art. 8º Poderão, igualmente, os sindicatos pleitear perante o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio: a) medidas de proteção, auxílios, subvenções, para os seus institutos de assistência e de educação, já existentes ou que se venham a criar; b) a criação pelo Governo da República, ou por colaboração deste e dos Governos estaduais, de sarviços de assistência social que, por falta de recursos, não puderam ser instituidos ou mantidos pelos sindicatos; c) a regularizacão de horas de trabalho em geral, e, em particular para menores, para mulheres e nas indústrias insalubres; d) melhoria de salários e sua uniformização em igualdade de condições, para ambos os sexsos; fixação de salários mínimos para trabalhadores urbanos e rurais;

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e) regulamentação e fiscalização das condições higiênicas do trahalho em fábricas, em oficinas, em casas de comércio, usinas e nos campos, tendo-se em conta a localização, natureza e aparelhagem técnica das indústria, sobretudo quando oferecerem perigo à saude e à segurança física e mental dos trabalhadores, ou quando, tendo-se em vista o sexo a idade e a resistência orgânica dos mesmos, se lhes dificultar ou reduzir a capacidade pvodutiva, pelo uso de maquinismos deficientes ou inadequados, ou por má distribuição ou má divisão do trabalho; f) medidas preventivas ou repressivas contra infrações de leis, decretos e regulamentos que presecreverem garantias ou direto às organizações sindicais. Art. 9º Cindida uma classe e associada em dois ou mais sindicatos, será reconhecido o que reunir dois terços da mesma classe, e, se isto não se verificar, o que reunir maior número de associados. Parágrafo único. Ante a hipótese de preexistirem uma ou mais associações de uma só classe e pretenderem adotar a forma sindical, nos termos deste decreto, far-se-á o reconhecimento, de acordo com a fórmula estabelecida neste artigo. Art. 10. Alem do que dispõe o art. 7º, é facultado aos sindicatos de patrões, de empregados e de operários celebrar, entre si, acordos e convenções para defesa e garantia do interesses recíprocos, devendo ser tais acordos e convenções, antes de sua execução, ratificados pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Art. 11. Na tecnologia jurídica do presente decreto, não há distinção entre empregados e operários, nem entre operários manuais e operários intelectuais, incluindo-se, entre estes, artistas, escritores e jornalistas que não forem comercialmente interessados em empresas teatrais e de publicidade. Parágrafo único. Não entraram na classe de empregados: a) os empregados ou funcionários públicos, para os quais, em virtude da natureza de suas funções, subordinadas a princípios de hierarquia administrativa, decretará o Governo um estatuto legal; b) os que pretam serviços domésticos, o qual obedecerá a regulamentação à parte. Art. 12. O operário, o empregado ou patrão, que pertencer a um sindicato reconhecido pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, não poderá, sob pena de ser excluído, 109

fazer parte de sindicatos internacionais, como só poderão as organizações de classe federarse com associações congêneres, fora do território nacional, depois de ouvido o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Art. 13. É vedada aos patrões ou empresas despedir, suspender e rebaixar de categoria, de salário ou de ordenado o operário ou empregado, pelo fato de associar-se ao sindicato de sua classe, ou por ter, no seio do mesmo sindicato, manifestado idéias ou assumido atitudes em divergência com os seus patrões. § 1º No caso de demissão, ao operário ou empregado será paga indenização correspondente ao salário ou ordenado de seis meses; no caso de suspensão, até 30 dias, ao salário ou ordenado de dois meses, indenização esta que será mensalmente mantida enquanto perdurar a suspensão; no caso de rebaixamento de categoria, de salário ou de ordenado, prevalecerá o critério adotado para as suspensões, impostas tais penas pela autoridade competente, com recurso para o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. § 2º Em se tratando de operário ou empregado garantido pelo direito de vitaliciedade, pagar-se-á ao que for demitido uma quantia correspondente a cinco anos de salário ou de ordenado, e ao que for rebaixado de categoria, ou sofrer redução do salário ou ordenado, uma quantia correspondente a três anos, depois do competente processo administrativo. § 3º Para os efeitos do presente artigo, ficam abolidas as demissões suspensões e outras penas que, sob qualquer pretexto, forem impostas em virtude de ''notas secretas'' ou de qualquer processo que prive o operário ou empregado de meios de defesa. Art. 14. Sem motivos que plenamente o justifiquem, e a juizo do ministro do Trabalho Indústria e Comércio não poderão ser transferidos para lugares ou misteres que dificultem o desempenho de suas funções os operários e empregados eleitos para cargos de administração ou de representação nos sindicatos nas federações, nas confederações nas caixas de aposentadoria e pensões, junto ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em qualquer dos seus departamentos ou nos institutos que lhe forem subordinados. Parágrafo único. Se a transferência for voluntariamente aceita ou solicitada pelo operário ou empregado, perderá ele o mandato, desde que o seu afastamento da atividade do cargo ultrapasse o período de seis meses. Art. 15. Terá o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, junto aos sindicatos, às federações e confederações, delegados com a faculdade de assistirem às assembléias gerais e 110

a obrigação de, trimestralmente, examinarem a situação financeira dessas organizações, comunicando ao Ministério, para os devidos fins, quaisquer irregularidades ou infrações do presente decreto. Art. 16. Salvo os casos previstos nos § § 1º e 2º da art. 13, o não cumprimento dos dispositivos deste decreto será punido, conforme o carater e a gravidade de cada infração, e por decisão do Departamento competente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, com multa de 100$0 (cem mil réis) a 1:000$0 (um conto do réis), fechamento do sindicato, da federação ou da confederação, até seis meses, destituição da diretoria ou sua dissolução definitiva. § 1º Em qualquer hipótese será admitida a defesa da diretoria ou da associação por intermédio dos seus representantes, e, se os infratores forem esses mesmos representantes, poderão eles defender-se em causa própria. § 2º Da decisão do Departamento caberá recurso para o ministro, mas sem efeito suspensivo, e, se a pena for de multa, com prévio depósito em cofre público, mediante guia do mesmo Departamento. § 3º Se a pena constituir na destinação da diretoria, nomeará o ministro um delegado, que dirigirá a associação até que, no prazo máximo de 60 dias, em assembléia geral, por ele convocada e presidida sejam eleitos novos diretores. Art. 17. As multa não pagas administrativamente, inclusive as indenizações a que aludem os §§ 1º e 2º do art. 13, serão cobradas pela Justiça Federal, instruindo-se as autoridades competentes com os necessários documentos, para que procedam como nos executivos fiscais. Art. 18. De todos os atos tidos por lesivos de direitos ou contrários ao presente decreto, emanados das diretorias ou de assembléias gerais, caberá sempre recuso para o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, podendo ser interposto por qualquer associado em pleno gozo dos seus direitos sindicais. Art. 19. Quando a caixa de uma organização sindical registar quantia superior a 2:000$0, em dinheiro ou em apólices, será, de dois em dois meses, recolhidas o excedente desta quantia ao Banco do Brasil ou às suas agências.

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Art. 20. Quando se dissolver uma associação, já em virtude de pena imposta nos termos deste decreto, já por se terem reduzido a menos de trinta os seus associados ou por circunstâncias não previstas nos estatutos, será, a critério do ministro, destinado o seu patrimônio a institutos de assistência social. Art. 21. Revogam-se as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 19 de março de 1931, 110º da Independência e 43º da República. GETULIO VARGAS . Oswaldo Aranha. Lindolfo Collor.

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Anexo 7

DECRETO-LEI No 7.038, DE 10 DE NOVEMBRO DE 1944. Dispõe sobre a sindicalização rural O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, DECRETA : CAPITULO I DA ASSOCIAÇÃO SINDICAL DAS CLASSES RURAIS Art. 1º E’ lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação de seus interesses econômicos ou profissionais, de todos os que, como empregadores ou empregados, exerçam atividades ou profissão rural. §1º Os sindicatos rurais serão organizados normalmente reunindo exercentes de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas, podendo o Ministro do Trabalho, Industria e Comércio permitir, excepcionalmente, a organização de entidades congregando exercentes de atividades ou profissões rurais diferentes, comprovada a impossibilidade de serem organizadas entidades específicas. § 2º Considera-se exercente de atividade econômica diferenciada o empregador rural cujo volume econômico de produção especializada seja superior a 50 % da produção total. § 3º Estabelecida a diferenciação de atividade dos empregadores poderão seus empregados congregar-se em entidade profissional de categoria específica paralela. Art. 2º Exerce profissão rural, como empregador ou como empregado, que explora estabelecimento rural ou presta-lhe serviços como dirigente, parceiro, auxiliar, empreiteiro, colono, agregado ou assalariado. § 1º São empregadores rurais as pessoas físicas ou jurídicas, proprietários ou arrendatários, os que exploram atividade rural, na lavoura, na pecuária ou nas indústrias rurais, por conta própria, utilizando-se do trabalho alheio ou não, seja em economia individual, coletiva ou de família.

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§ 2º São empregados rurais, trabalhadores ou operários rurais aqueles que se dedicam profissionalmente às atividades rurais, em economia individual., coletiva ou de família, na lavoura, na pecuária ou nas indústrias rurais, cem o fito de ganho e por conta de outrem. Art. 3º São prerrogativas dos sindicatos: a) representar perante as autoridades administrativas e judiciais os interêsses gerais das categorias ou profissões para que foram constituídos, ou os interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão exercida; b) celebrar contratos coletivos de trabalho; c) eleger os representantes das categorias ou profissões que representar na base territorial; d) colaborar com o Estado, como órgãos técnicos e consultivos, no estudo e solução dos problemas que se relacionem com as categorias ou profissões representadas; e) impor contribuições a todos aqueles que participem das categorias ou profissões rurais representadas; f) promover a coordenação de seus associados para a realização do seguro grupal de acidentes do trabalho; Art. 4º São deveres dos sindicatos: a) colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social; b) manter serviços de assistência para seus associados c) promover a conciliação nos dissídios de trabalho; d) promover a criação de cooperativas para as categorias representadas; e) fundar e manter escolas de alfabetização e pré-vocacionais. CAPÍTULO II DO RECONHECIMENTO E INVESTIDURA SINDICAL Art. 5º Os sindicatos rurais deverão atender aos seguintes requisitos: a) reunião de um número de associados que assegure possibilidade de vida e organização da entidade; b) duração não excedente de três anos para o mandato da diretoria;

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c) exercício do cargo de presidente por brasileiro nato, e dos demais cargos de administração e representação por brasileiros. Art. 6º O pedido de reconhecimento será dirigido ao Ministro do Trabalho. Indústria e Comércio, instruído com exemplar ou cópia autenticada dos estatutos da entidade. § 1º Os estatutos deverão conter : a) denominação e sede da entidade; b) atividades econômicas ou profissões cuja representação é requerida; c) afirmação de que a entidade agirá como órgão de colaboração com os poderes públicos e as demais associações no sentido da solidariedade social e da subordinação dos interesses econômicos ou profissionais ao interesse nacional; d) as atribuições, o processo eleitoral e o das votações, os casos de perda de mandato e de substituição dos administradores; e) o modo de constituição e administração do patrimônio social e o destino que lhe será dado, no caso de dissolução; f) as condições em que se dissolverá o sindicato. § 2º O processo de reconhecimento será regulado em instruções expedidas pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Art. 7º Reconhecido o sindicado rural, ser-lhe-á expedida carta de reconhecimento. assinada pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, na qual será especificada representação das atividades ou. profissões conferida e mencionada a base territorial outorgada. CAPÍTULO III DAS ASSOCIAÇÕES SINDICAIS DE GRAU SUPERIOR Art. 8º Constituem associações de grau superior as Federações e as Confederações, organizadas nos termos desta lei. § 1º Poderão se organizar em Federação sindicatos em número não inferior a cinco, preferencialmente exercendo atividades ou profissões rurais idênticas, similares ou conexas. § 2º A Confederação Nacional da Agricultura será constituída de, pelo menos, três federações, havendo uma Confederação de empregados e outra de empregadores.

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§ 3º A carta de reconhecimento das Federações será expedida pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, nela sendo especificada a coordenação das atividades ou profissões conferida e mencionada a base territorial outorgada. § 4º O reconhecimento de Confederação será feito por decreto do Presidente da República. Art. 9º O Presidente da República, quando julgar conveniente aos interesses da organização constitucional do país, poderá ordenar que se organizem em federações os sindicados de determinadas atividades ou profissões, cabendo-lhe igual poder para a organização da Confederação. § 1º O ato que instituir a federação ou confederação estabelecerá as condições segundo as quais deverá ser a mesma organizada e administrada, bem como a natureza e a extensão dos seus poderes sobre os sindicatos ou as federações componentes. § 2º Pertencem às federações rurais, devidamente reconhecidas nos termos deste decreto-lei, as prerrogativas do art. 58 da Constituição Federal, reservadas à respectiva Confederação a coordenação e orientação de suas atividades econômicas e profissionais. Art. 10. Quando não ocorram motivos especiais, a juízo do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, será de rigor a base municipal para os sindicatos rurais, a estadual para as federações, sendo de base nacional a Confederação. CAPÍTULO IV DA GESTÃO FINANCEIRA DO SINDICATO E SUA FISCALIZAÇÃO Art. 11. Constituem patrimônio das Associações sindicais rurais: a) as contribuições dos associados, na forma estabelecida nos Estatutos ou pelas assembléias gerais; b) os bens e valores adquiridos e as rendas produzidas pelo mesmos; c) as doações e legados; d) as multas e outras rendas eventuais. Art. 12. As rendas dos sindicatos, federações e da Confederação só poderão ter aplicação na forma prevista na lei e nos estatutos. § 1.º A alienação do patrimônio deverá ser autorizada pela assembléia geral e só será feita depois dessa deliberação homologada pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Art. 13. Os sindicatos, federações e a Confederação, submeterão, até 30 de junho de cada ano, à aprovação do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, na forma das

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instruções que expedir, seu orçamento de receita e despesa para o próximo ano financeiro, que coincidirá com o ano legal. Art. 14. Os atos que importem malversação ou delapidação do patrimônio das associações sindicais, ficam equiparados aos crimes contra a economia popular e serão julgados e punidos na conformidade dos artigos 2º e 6º do Decreto-lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, e leis subseqüentes. CAPÍTULO V DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 15. O Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio expedirá instruções regulando a organização da administração das entidades sindicais rurais, assim como aprovará o estatuto padrão a que as mesmas obedecerão, ressalvadas as respectivas peculiaridades. Art. 16. Na sede de cada sindicato haverá um livro de registro, autenticado por funcionário competente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, do qual deverá constar : a) tratando-se de sindicato de empregadores, o nome do proprietário rural, a idade, o estado civil, a nacionalidade, a residência e a denominação da propriedade, assim como esses mesmos dados, tratando-se de propriedade de empresa ou sociedade, relativos aos respectivos diretores, bem como a indicação da sede e de qual o diretor ou representante da empresa ou sociedade que a representará na entidade; b) tratando-se de sindicato de empregados, além do nome, idade, estado civil, nacionalidade, profissão ou função e residência de cada associado, o estabelecimento ou lugar onde exerce a sua profissão ou função, o número e série da respectiva carteira profissional, se a possuir. Art. 17. Ocorrendo dissídio ou circunstâncias que perturbem o funcionamento da entidade, o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio poderá nela intervir, por intermédio de delegado, com atribuições para administração da associação e executar as medidas necessárias para normalizar-lhe o funcionamento. Art. 18. As infrações ao disposto nesta lei, além das demais penalidades previstas, serão punidas, segundo seu caráter e gravidade, com as seguintes penalidades: a) multa de Cr$ 50,00 a Cr$ 100,00, paga em dobro nas reincidências, até o máximo de Cr$ 2.000,00; b) suspensão de diretores por prazo até 30 dias; c) destituição de diretores ou de membros do conselho; d) fechamento da entidade, por prazo até seis meses; 117

c) cassação da carta de reconhecimento. Art. 19. A penalidades de que trata o artigo anterior serão impostas: a) as das alíneas a e b pelo Diretor Geral do Departamento Nacional do Trabalho, com recurso para o Ministro de Estado. b) as demais pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. §1º Quando se tratar de associações de grau superior, as penalidades serão impostas pelo Ministro de Estado, salvo se a pena for da cassação da carta de reconhecimento da Confederação, caso em que a pena será imposta pelo Presidente da República. § 2º Nenhuma pena será imposta sem que seja assegurada defesa ao acusado. Art. 20. O Presidente da República, mediante proposta do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio ouvido o Ministério da Agricultura, fundado em razões de utilidade pública, poderá conceder, por decreto, às associações civís constituídas para a defesa e coordenação de interesses econômicos e profissionais, a prerrogativa da alínea d do artigo 3º do Capítulo I, sem prejuízo de outras delegações que julgue conveniente outorgar. Parágrafo único, A iniciativa da medida acima prevista poderá ser exercida também pelo Ministro da Agricultura, ouvido o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Art. 21. Não se reputará transmissão de bens, para efeitos fiscais, a incorporação do patrimônio de uma associação profissional ao da entidade sindical ou das entidades sindicais entre si. Art. 22. A denominação “Sindicato” é privativa das associações profissionais de primeiro grau, reconhecidas na forma desta lei. Art. 23. As expressões “Federação” e “Confederação”, seguidas da designação da atividade ou profissão rural respectiva, constituem denominações privativas das entidades sindicais rurais de grau superior. Art. 24. Constituído o Conselho de Economia Nacional, os processos de reconhecimento de associações profissionais da agricultura, depois de informados, respectivamente, pelo Ministérios do Trabalho, Indústria e Comércio, e da Agricultura, e antes de serem submetidos em despacho final ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, serão encaminhados àquele Conselho, para o efeito do artigo 61. alínea g, da Constituição. Art. 25. Às entidades sindicais, sendo-lhe peculiar e essencial a atribuição representativa e coordenadora das correspondentes categorias ou profissões, é vedado, direta ou indiretamente, o exercício de atividade econômica.

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Art. 26. As entidades sindicais reconhecidas nos termos deste Decreto-lei não poderão fazer parte de organizações internacionais. Art. 27. As cartas de reconhecimento dos sindicatos e associações sindicais de grau superior, rurais, expedidas nos termos deste capítulo, ficam sujeitas ao pagamento das seguintes taxas: a) de Cr$ 50,00 (cinqüenta cruzeiros) pala carta de reconhecimento de sindicatos de empregados, e Cr$ 100,00 (cem cruzeiros), de empregadores rurais; b) de Cr$ 100,00 (cem cruzeiros) pela carta de reconhecimento de federação de empregados, e Cr$ 200,00 (duzentos cruzeiros), de empregadores rurais; c) de Cr$ 200,00 (duzentos cruzeiros), pela carta de reconhecimento de confederação de empregados, e Cr$ 400,00 (quatrocentos cruzeiros), de empregadores rurais. Art. 28. As taxas a que se refere o artigo anterior, serão pagas em sêlo. Parágrafo único. O pagamento das taxas de que trata .o presente capítulo será acrescido de sêlo de Educação e Saúde. CAPÍTULO VI DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 29. O Ministro do Trabalho, indústria e Comércio expedirá as instruções que se tornem necessárias para a execução do presente Decreto-lei, assim como decidirá sobre as dúvidas suscitadas ou omissões. Art. 30. O presente Decreto-lei entrará em vigor à data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1944, 123º da Independência e 56º da República. GETULIO VARGAS Alexandre Marcondes filho Apolonio salles

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