As Linguagens das Reflexões

July 6, 2017 | Autor: Fernanda Liberali | Categoria: Applied Linguistics, Formação De Professores, Linguagem E Educação
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LIBERALI, F. C. As linguagens da reflexão. In: MAGALHÃES, M.C.M. (org.) A Formação do professor como um profissional reflexivo. São Paulo, EDUC. Coleção Faces da Lingüística Aplicada. AS LINGUAGENS DAS REFLEXÕES1 Fernanda Coelho Liberali – PUC/SP Introdução Este capítulo aponta a crescente necessidade de discussão sobre questões presentes na formação de professores para uma prática reflexiva crítica. Na base da discussão está a diversidade na compreensão das significações atribuídas aos conceitos reflexão e reflexão crítica e à diversidade na tipologia que os caracterizam, como salientam diversos trabalhos deste livro. Com o objetivo de propiciar situações que permitam a análise de contextos para reflexão (Magalhães, 2001) e dos tipos de reflexão que estão sendo desenvolvidos além da discussão entre determinadas características lingüísticas que organizam o discurso do formador e/ou do professor em formação, este trabalho analisa diários escritos por educadores em cursos de formação contínua. Assim, tendo em mente a questão: Que tipos de reflexão são revelados pela linguagem utilizada por educadores na escrita de diários? discute as diferentes perspectivas de reflexão, enfocando as formas de ação da reflexão crítica e as discussões de Bronckart (1997) sobre linguagem, traçando um paralelo entre essa e reflexão. Em seguida, apresenta uma discussão sobre as capacidades de linguagem (Dolz & Schenuwly, 1998) necessárias de serem desenvolvidas para o processo reflexivo crítico (Magalhães , neste volume) . Reflexão e Linguagem Nesta seção serão discutidos dois aspectos fundamentais: os diferentes tipos de reflexão e a análise do funcionamento dos discursos (Bronckart, 1997). Reflexão O conceito de reflexão é compreendido a partir da discussão habermasiana sobre o propósito do conhecimento. Assim, com base na discussão de Habermas (1973) sobre os três tipos de interesses, Van Manen (1977) apontou três diferentes níveis de reflexão: Reflexão técnica, que estaria relacionada ao conhecimento técnico. Como aponta Romero (1998), estaria ligada à necessidade das pessoas de obter o controle sobre o mundo natural. Sua maior preocupação seria a 1

Agradeço a Maria Cecília C. Magalhães, Maria Cristina Damianovic, Sueli Fidalgo, Eliana Hirano e Roseméri Maria Lucioli pela leitura crítica e sugestões para o trabalho.

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eficiência e eficácia dos meios para atingir determinados fins, sendo que esses fins não estariam abertos à crítica ou à mudança. Há o interesse por aquele tipo de conhecimento que permite a previsão e controle dos eventos. Reflexão prática, que abriria as portas para o exame aberto dos objetivos e suposições que os embasam e de seus resultados. Romero (1998) refere-se ao entendimento interpessoal e à interpretação de práticas sociais. A reflexão prática está relacionada aos problemas da ação que não são passíveis de serem resolvidos apenas de forma instrumental. Interessa aqui o conhecimento que facilita o entendimento e o alcance do entendimento com outros. Reflexão crítica, que englobaria as duas ênfases anteriores, porém valorizando critérios morais. Nesse nível, as questões ponderam sobre que objetivos educacionais, experiências e atividades levam a formas de vida preocupadas com a justiça, igualdade e realizações concretas. Além disso, localiza as análises de ações pessoais em contextos históricosociais mais amplos. O interesse aqui está centrado em resolver as contradições dos dois outros tipos de reflexão em direção a uma maior autonomia e emancipação para os praticantes. Em resumo, segundo Van Manen (1977), o educador técnico estaria preocupado primeiramente em alcançar os objetivos estabelecidos e decididos por outros. Já o educador prático consideraria as justificativas educacionais para as suas ações e a qualidade dos objetivos alcançados. Por sua vez, o educador crítico ocupar-se-ia das implicações éticas e morais de suas ações e dos arranjos institucionais dos quais faz parte. Aprofundando a discussão sobre reflexão crítica, Smyth (1992) propõe um trabalho reflexivo crítico que leve em conta as quatro formas de ação propostas com base nas discussões de Freire (1970) e também discutidas por Bartlet (1990) - descrever, informar, confrontar e reconstruir, que serão apresentados a seguir. O descrever está ligado à descrição da ação em forma de texto para que esta fique clara aos praticantes. Preconiza, por parte dos praticantes, a observação e coleção de evidências e o desenvolvimento de um discurso sobre a própria ação. Essa escrita pode enfocar ações rotineiras ou conscientes, conversas com alunos, professores, acontecimentos marcantes em sala de aula, problemas específicos, dentre outros. Essa forma de ação está relacionada à questão O que faço? A partir da análise de fatos no contexto da prática, é possível ir além da parcialidade, do julgamento de valor. Essas descrições de fatos concretos não são necessariamente complexas ou elaboradas numa linguagem técnica; além disso, essas descrições também podem significar uma ruptura com o mero intelectualismo e dar voz às ações dos praticantes como o ponto de partida para a reflexão. Na descrição concreta da ação torna-se possível

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evidenciar o que está por trás de cada uma das ações, ou seja, descrever abre as portas para o informar. Algumas questões coletadas em contextos de formação de professores para a elaboração do descrever seriam:  Descreva sua aula.  Quantos alunos havia na aula?  Qual a faixa etária? Série?  Conte um pouco sobre essa turma?  Qual foi o assunto da aula? Como você o escolheu?  Como a apresentação do conteúdo ocorreu?  Como você apresentou o item da aula?  Que atividades foram desenvolvidas?  Como os alunos participaram das atividades?  Que tipo de trabalho foi desenvolvido: grupo, dupla, individual,etc.?  Como você trabalhou com o erro?  Como você trabalhou com as respostas dos alunos na atividade X?  Como trabalhou com o livro?  Como os alunos atuaram durante a atividade X?  Como os alunos responderam às questões?  Dê exemplos disso que você apontou.  O que os alunos/ você disseram? Informar envolve uma busca pelos princípios que embasam (conscientemente ou não) as ações. Está relacionado ao entendimento das teorias formais que sustentam as ações e aos sentidos que realmente estão sendo construídos nas práticas discursivas. Nessa ação, há uma visita ao descrever para compreender as teorias que foram sendo construídas pelo praticante ao longo de sua vida e que influenciam suas ações. Informar é procurar responder a questões como Qual o significado das minhas ações? Segundo Romero (1998), o informar permite o ―desmascaramento‖ das premissas que regem o ato de ensinar e permitem a contextualização histórica das ações. Dessa forma, abrem espaço para o confrontar das ações, embasado em consciente entendimento dessas ações e não na simples sugestão de novos procedimentos. Algumas questões para conduzir a reflexão sobre o informar seriam:  Qual foi o foco da apresentação do conteúdo?  Como foi a postura do professor?  A que visões de aprender-ensinar você relaciona a sua aula/ essa atividade? Por quê?  Qual foi o papel do aluno nessa aula/atividade? Por quê?  Qual foi o seu papel nessa aula/atividade? Por quê?  Como o conhecimento foi trabalho? Foi transmitido, construído, co-construído? Por quê?

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 

Qual foi o objetivo das interações? Como os processos foram trabalhados?

Confrontar estaria ligado ao fato do praticante submeter às teorias formais que embasam suas ações a algum tipo de interrogação e questionamento. Refere-se ao entendimento das ações em um contexto histórico que, por vezes, torna as ações e mesmo as teorias formais seguidas pelo praticante em meros aspectos de um senso comum (Fairclough, 1989). No confrontar, as visões e ações adotadas pelos professores são percebidas não como meras preferências pessoais, mas como resultantes de normas culturais e históricas que foram sendo absorvidas. Além disso, confrontar envolve buscar as inconsistências da prática, entre preferências pessoais e modos de agir. Confrontar remete a questões políticas como: Quem tem poder em minha sala de aula? A que interesses minha prática está servindo? Acredito nesses interesses ou apenas os reproduzo? É no confrontar que a emancipação se faz evidente, uma vez que concluímos se estamos agindo de acordo com aquilo que acreditamos e se o que acreditamos não pode ser transformado. A partir dessa constatação, podemos reconstruir nossa ação de forma mais consistente e informada. Como discute Smyth (1992), nossa ação torna-se menos um ato isolado e mais uma expressão histórica de valores sobre o que é considerado um ato educativo importante. Os educadores passam a perceber como as forças sociais e institucionais além de suas salas de aula e da escola têm influenciado seu modo de agir e de pensar. Em contextos de formação, o confrontar pode ser conduzido a partir de algumas questões como:  Como essa aula contribuiu para a formação de seu aluno?  Qual a relação entre o conhecimento e a realidade particular do seu contexto de ensino?  Como o tipo de conhecimento e de interação usado propiciou o desenvolvimento da identidade de seu aluno?  Que visão de homem, sociedade, etc. sua forma de trabalhar ajudou a construir?  Para que serviu a sua aula?  Como sua forma de agir demonstra visões de poder e submissão?  Qual o papel social da sua aula?  Como a sua aula colabora para a construção de cidadãos atuantes na sociedade na qual vivemos?  Que interesses sua forma de trabalhar ou o conteúdo abordado privilegiaram? Reconstruir relaciona-se com a proposta de emancipação de si através do entendimento de que as práticas acadêmicas não são imutáveis

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e que o poder de contestação precisa ser exercido. A partir da confrontação de nossas visões e práticas e da compreensão de sua relevância e consistência com nossas perspectivas, com valores morais e éticos, definimos a reconstrução de nossas ações. No reconstruir, buscamos alternativas para nossas ações, e voltamos a ela, numa redescrição de cada ação embasada e informada. No reconstruir nos colocamos na história como agentes, passamos a assumir maior poder de decisão sobre como agir ou pensar as práticas acadêmicas. Como praticantes emancipados, passamos a ter maior controle sobre nossa prática através de autogerenciamento, auto-regulação e autoresponsabilidade. A reconstrução pode ser conduzida a partir de questões como:  Como você organizaria essa aula de outra maneira? Por quê?  Como você apresentaria o conteúdo de maneira mais próxima de seus objetivos?  Que outra postura você adotaria nessa aula/ atividade? Por quê?  Que papeis você trabalharia em você e com os alunos? Por quê?

Linguagem e Reflexão Uma das questões discutidas neste trabalho é a relação entre as características das ações de linguagem que se propõem reflexivas e as escolhas lingüísticas realizadas. As questões do funcionamento do discurso serão abordadas enfatizando essencialmente três aspectos: a situação de ação verbal, os tipos de discurso, a organização sequencial (Bronckart, 1997). Além disso, alguns aspectos dos mecanismos de textualização e de enunciação também serão abordados em conexão com os tipos de discurso e seqüências nos quais aparecem nos diários análisados. A situação de ação verbal: designa as propriedades dos mundos formais (físico, social e subjetivo) que influenciam a produção de um texto: conteúdo temático ou referente e o contexto de produção textual. O conteúdo temático ou referente de um texto é entendido como o conjunto de informações que são explicitamente apresentadas nele. O contexto de produção, por sua vez, é definido a partir dos elementos do mundo físico (lugar e momento de produção, receptor, e produtor de textos) e mundo sócio-subjetivo (lugar social, posição social dos interactantes e objetivos da interação). Os tipos de discurso são caracterizados como segmentos combinados na produção do texto que mostram grau de implicação e graus de conjunção através de unidades lingüísticas observáveis empiricamente a partir de recursos morfossintáticos. A designação tipo de discurso, portanto, refere-se às formas lingüísticas presentes nos

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textos, e que traduzem a criação de mundos discursivos2 específicos. Os tipos de discurso distinguem-se (a) pelas operações de construções de coordenadas gerais que organizam o conteúdo temático em um mundo colocado como distante (disjunto) do mundo discursivo, ou como próximo (conjunto) ao da interação social e (b) pelas operações de explicitação da relação com os parâmetros da ação de linguagem, ou seja, o grau de implicação da situação material. As unidades essenciais de implicação seriam: referência explicita aos parâmetros da ação, traços do locutor e do mundo, dêiticos de pessoa (eu, a gente, você). As unidades de conjunção seriam atos narrados como se fossem passado, dêiticos temporais e espaciais, tempo passado ou mundo atemporal. As unidades de disjunção, por sua vez, se configurariam em fatos mostrados ou expostos, na não ancoragem em origem específica e no uso do presente. A organização seqüencial se constitui de modelos abstratos definíveis que nos permitem abordar formas de planificação nos textos. O caráter discursivo das seqüências estaria no fato de elas se manifestarem como uma decisão do enunciador baseada e orientada pela sua representação do destinatário e do objetivo que busca alcançar. Em outras palavras, baseado na situação de ação de linguagem, o produtor faz uso de estruturações lingüísticas convencionalizadas, as seqüências. O quadro abaixo exemplifica as seqüências predominantes neste trabalho. Quadro 1: seqüências Seqüências Objetivos Argumentativas

convencer persuadir

Descritivas

fazer entender ou visualizar um objeto ou conceito

Descritivas de ações

fazer ver as ações contextualização ações desenvolvidas avaliação para alcançar macro ações esclarecer um constatação inicial problematização aspecto resolução problemático ou conclusão – avaliação difícil

Explicativas

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Mundos criados pela atividade verbal.

ou

Fases Premissas apoio argumentativo contra-argumentação negociação ancoragem aspectualização colocação em relação reformulação

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Contexto para a reflexão Este estudo foi organizado a partir da análise de diários escritos para diversos cursos de formação de educadores (de 1995 a 2002) no qual tenho atuado como professora-pesquisadora. Esses cursos pautados em uma preocupação de organizar espaços para a reflexão crítica apresentam diferentes instrumentos e atividades para que os participantes possam desenvolver um processo de análise, crítica e reconstrução de sua ação. Para este estudo, enfoco, essencialmente, o instrumento diário. O diário é compreendido como uma ferramenta fundamental para a reflexão, porque, dentre outros aspectos: recupera a prática para a iniciação de uma reflexão sobre a prática e na prática (Bartlet, 1990); permite que os educadores se tornem metacognitivos sobre suas ações ao se definirem sobre o que sabem, o que sentem, o que fazem e por que o fazem (Zeichner, 1981) e permite a auto-exploração da ação profissional, feedback e estímulos de melhoria, e o estudo do pensamento e dos dilemas do professor a partir de sua perspectiva (Zabalza, 1994). Mas, acima de tudo, o diário como um gênero (Machado, 1998), pode ser entendido e analisado como um megainstrumento para a reflexão (Liberali, 1999). Os diários desenvolvidos para os cursos de formação deste estudo eram escritos com o objetivo de enfocar aspectos das ações dos participantes e/ou colegas, através de sua análise frente aos conceitos trabalhados em cada curso especificamente. Ao longo dos vários anos em que o instrumento diário foi utilizado, elaborações em seu formato, suas instruções geraram mudanças na forma de escrita que certamente caracterizaram parte das diferenças de tipos de reflexão discutidas neste estudo (Liberali, 2000b). A análise dos diários foi feita buscando responder às seguintes questões: 1. Que tipos de discurso são desenvolvidos nos diários? 2. Que etapas de seqüências são desenvolvidas? 3. Que marcas lingüístico-discursivas aparecem predominantemente nos grupos de diários encontrados? Essas perguntas nos permitiram agrupar os diários pelas características discursivas e lingüísticas, e relacioná-los aos tipos de reflexão, o que será apontado a seguir. Isso não significa que os diários analisados sejam exemplos uniformes do tipo de reflexão discutido. É da generalização das características semelhantes dos diários de um mesmo grupo que a apresentação da linguagem de cada tipo de reflexão será feita. Portanto, os diários apresentados como exemplo, nos anexos, não possuem necessariamente todas as características relacionadas na discussão dos resultados, mas tem índices relativos aos grupos dos quais fazem parte.

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Tipo de reflexão e caracterísitcas da ação de linguagem O resultado das análises dos diários apresenta características muito significativas para a compreensão e ensino da reflexão crítica. Para a melhor visualização dos resultados, será, primeiramente, apresentado um quadro agrupando as principais características encontradas em cada tipo de reflexão. Posteriormente, para melhor apreciação dessas características, será discutido cada um dos tipos de reflexão, apresentando suas características relativas, além de exemplos de diários considerados típicos em anexo. Quadro 2: Tipos de reflexão Tipo de Mundo discursivo Seqüências reflexão Reflexão Autonomia do interlocutor e Descrição, explicação, técnica conjunção com a situação – e/ou argumentação. mundo exposto Reflexão prática

Envolvimento do interlocutor Descrição das ações e e disjunção em relação à explicações situação - mundo narrado

Reflexão crítica

Envolvimento do interlocutor e/ou conjunção ou disjunção em momentos específicos do texto

Argumentação com suporte na forma de descrição, explicação, e descrição de ações.



Reflexão Técnica A reflexão técnica é marcada pela avaliação da prática a partir de normas da teoria. Embora esses textos sejam marcados por uma tentativa de refletir a partir da análise de ações através da sua avaliação frente a teorias, o que ocorre, na verdade, é uma tentativa de aplicar os conhecimentos teóricos às ações, sem que haja um real entendimento prévio das mesmas. Esses textos apresentam autonomia e conjunção com relação à situação de produção. Em outras palavras, apresentam-se no eixo do expor. Além disso, oferecem descrições de conceitos teóricos e explicações sobre o uso dos conceitos. Por exemplo, a relação entre a teoria formal lida e aspectos de aula não apresenta ação material ou mental descrita em concretude. Assim, a avaliação sem narrativas ou exemplificações torna-se um uso da teoria para o julgamento de valor que predomina sobre a observação e a análise. São feitas classificações avaliativas dentro dos conceitos e não a partir de narrativas ou exemplificações concretas de prática que possibilitem um real entendimento da ação com base na teoria formal e vice-versa.

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Ocorre nesses tipos de textos uma primeira tentativa de usar a teoria para informar a ação. Contudo, não podemos dizer que há descrição (Smyth, 1992), pois os exemplos concretos são usados para expor a teoria e não para fazer com que as ações sejam entendidas pela informação teórica. Não há relato de eventos concretos que fossem informados e, mesmo os exemplos concretos, são usados para expor a teoria e não, como ações a serem entendidas pela informação teórica. A preocupação está, portanto, na apresentação dos conceitos, não na explicação da ação. Esses diários apresentam uma estrutura que se subordina ao texto lido sem resistência. Os diários no anexo 1 exemplificam algumas características desse tipo de texto. Resumindo, esses diários apresentam uma estrutura que se distingue de resumos e fichamentos, uma vez que não só apresentam o conteúdo do texto de forma sumária, mas iniciam uma forma de escrita que relaciona o texto lido a algum tipo de prática (concreta ou vicária). Temos exemplos de reflexão técnica que busca a aplicação de teorias formais para a solução de problemas instrumentais (Schön, 1987; Gómez, 1992). Está intimamente relacionada à preocupação exagerada com o desenvolvimento de um conhecimento teórico científico que servirá de base para a avaliação e melhoria da qualidade e dos objetivos alcançados na prática. 

Reflexão Prática

A reflexão prática caracteriza-se essencialmente pela centralização em necessidades funcionais, voltadas para a compreensão de fatos. Esses textos marcados predominantemente por discursos de relato interativo e alguns índices de interativos (principalmente, nos diálogos transcritos) tiveram como seqüência principal as descritivas de ações. Esses relatos foram marcados pela tendência por discorrer sobre a prática, num relato de situações fundamentalmente marcado pela narrativa de fatos ocorridos na aula. Em alguns casos, é feito o relato dos fatos entremeados de avaliações pessoais. A prática é apresentada de forma concreta. Em alguns exemplos, há menção a aspectos teóricos nas avaliações, sem que seja feito, porém, qualquer aprofundamento ou explicação desses conceitos esclarecendo por que se relacionam a tal prática. Na verdade, como apresenta Smyth (1992), as diaristas parecem estar, todo o tempo, fazendo uma descrição concreta da própria ação, através de relatos, utilizando-se de índices de avaliação, sem qualquer referencial teórico que embase suas colocações, o que seria próprio da informação. Há a tentativa de compreender as ações, não relacionando teoria formal e prática, mas a partir de sua experiência e conhecimento de mundo. Obviamente, essa é uma forma de resistência à teoria; contudo, a ausência de uma teoria formal que explique as ações torna sua

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compreensão superficial e demonstra uma transformação pouco consciente (racionalidade prática de Schön, 1987).Como numa visão puramente pragmática, só problemas e eventos da prática são discutidos. Há uma pequena referência ao mundo externo, o que demonstra uma centralização em si e impede a abertura de horizontes para uma compreensão mais aprofundada da própria ação. A história dessas ações não é levada em conta e o senso comum é o que aparece como apoio para as avaliações. Resumindo, como nos textos de Zabalza (1994), há uma forte preocupação com problemas funcionais, sem real busca de compreensão das razões das ações. Os exemplos no anexo 2 mostra algumas dessas características.  Reflexão Crítica A reflexão crítica é marcada pela descrição de ações, discussão das teorias que embasam essas ações, autocrítica e proposta de reconstrução da ação. Cada uma das formas de ação (Smyth, 1992,) é caracterizada lingüisticamente como no quadro abaixo. Quadro 3: As marcas lingüístico-discursivas da reflexão crítica3 Formas Objetivos Mundos Seqüências/ fases de ação discursivos Descrever: Descrição para a Envolvimento do Argumentação: revelação da interlocutor num suportes ação em forma mundo narrado Descrição de ações de texto para os ou exposto (contextualização e praticantes; ações) Exemplos de conversas Informar Busca pelos Mundo exposto Argumentação: princípios que suportes embasam Explicação: (conscientemente problematização e ou não) as ações explicação de ações ou exemplos do descrever Descrição: apresentação do tema-título, apresentação das características, comparação com outros elementos das situações. Confrontar Interrogação das Envolvimento do Argumentação: ações, princípios, interlocutor e Definição da tese e teorias, situando- mundo exposto do ponto de vista os num contexto cultural, social e político. 3

Reproduzido de Liberali (2000a)

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Reconstrui Reorganização r das próprias ações como resultado de descrever, informar, confrontar.

Envolvimento do interlocutor e mundo narrado e exposto

Argumentação: Conclusão: Descrição de ações: (contextualização e ação) Exemplos

O que encontramos nesses textos de características argumentativas são julgamentos que relacionam teoria e prática, numa crítica da forma de agir frente às necessidades de aprendizagem dos alunos. Os apoios também são feitos de forma a reforçar essa relação entre prática e teoria, tendo em vista que apresentam fatos explicados com teoria. Nas conclusões, há uma auto-avaliação, pedido de ajuda e/ou sugestão. Há argumentação com sustentação sobre ações concretas. Percebese a tentativa de realizar as quatro formas de ação reflexiva propostas por Smyth (1992) e de construção do conceito, pois o cotidiano e o científico se combinam para a construção de novos conhecimentos (Vygostky, 1934). Em outras palavras, a abstração do conceito cotidiano sobre a própria prática através de sua relação com a teoria formal cria a possibilidade da de transformação da ação num sentido mais amplo. Esses textos apresentam uma preocupação em mostrar a prática a ser discutida de forma concreta, fazendo descrição dessa ação. A descrição dessas ações permite uma melhor sustentação dos pontos de vista apresentados nas premissas. Avaliações deixam de ser simples aceitações da teoria ou reafirmações de idéias do senso comum para tornarem-se críticas. Também, na maior parte dos diários, a colocação da premissa e da conclusão aparece como uma confrontação da ação. Essa premissa imbui de poder o diarista, já que dá a ele voz para expressar e justificar seu ponto de vista As tentativas de reconstrução fazem parte do processo de mudança gradual que leva em conta as dificuldades impostas pelo dia-adia (Stake, 1987). Não há mudanças relatadas, mas descobertas, pedidos de sugestões, sugestões de mudanças que surgem como um primeiro passo a caminho da real reconstrução. Nesses diários, a estrutura discursiva procura privilegiar o reconhecimento de dilemas, o de-silenciar da própria voz, a junção: teoria formal e prática. A teoria não se apresenta como índice para avaliação da ação. Na verdade, afeta a estruturação do discurso e do pensamento, porém de forma crítica. Da mesma forma, a prática aparece de forma recorrente, porém não como algo sobre o qual os educadores se centram exclusivamente. A prática é, então, o ponto de partida para a compreensão e transformação da ação. Esses diários apresentam o desmascaramento das ações próprias ou de outros, abrindo um espaço

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para o conflito e tentativa de reconstrução. Os diários descritos não se baseiam exclusivamente numa reflexão crítica. São poucos os diários que, de fato, conseguem desenvolver uma avaliação das práticas numa perspectiva social mais ampla. Muitos (como os do anexo 3) mostram ainda a necessidade de desenvolvimento de um auto-gerenciamento e regulação. O que, de fato, apresentam são índices de reflexão crítica que nos permitem divisar interligações importantes entre o processo de reflexão crítica e a estruturação do texto . A descrição lingüísitca dos diários como base para o ensino da reflexão crítica A descrição dos três tipos de reflexão não significa que os textos escritos tenham características exclusivamente de um deles. Na verdade, a escrita dos diários envolve muitos aspectos e os diários se organizam com diferentes níveis de reflexão. Mesmo diários marcadamente mais critícos apresentam graus de criticidade variada, indo de críticas apenas à forma de agir até críticas ao tipo de visão de mundo que essas formas de agir criam. Esse trabalho procurou, portanto, não estabelecer como deve ser um tipo determinado de reflexão, mas dar pistas de como observar processos de reflexão e perceber como a linguagem organiza essa forma de pensar. Com base nas características descritas acima e usando o conceito de Dolz e Schenuwly (1998) sobre capacidade de linguagem, relacionado à reflexão como já abordado por Magalhães (neste volume), apresento uma proposta de discussão das capacidades referentes a cada ação da reflexão crítica (Smyth, 1992). O quadro 4 a seguir resume a relação entre as ações críticas e as capacidades de linguagem. As ações da reflexão crítica compartilham alguns aspectos referentes às capacidades de ação:  O tipo de situação em que estão desenvolvendo esse texto: cursos sobre formação de educadores;e  O papel assumido por escritor e leitor, pois os educadores estão, no papel de aprendizes do processo reflexivo, descrevendo e analisando uma aula para seus colegas, educadores, (também aprendizes no mesmo processo) e um professor-pesquisador; Especificamente, para cada ação da reflexão crítica é necessário atentar para os seguintes aspectos: Descrever: Capacidade de ação: o descrever tem como objetivo permitir a visualização das ações que serão analisadas, portanto, seu conteúdo aborda a aula ou evento, foco do processo reflexivo. Nesse sentido, o educador, ao descrever a aula precisa atentar para a apresentação do

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contexto no qual essa aula/evento insere e para as ações desenroladas durante a aula/evento. Capacidade discursiva: Com base nesse objetivo, torna-se fundamental o desenvolvimento de um relato detalhado do contexto, que apresente os alunos, a escola, o ambiente, a comunidade, e das ações, que observe as ações concretas e exemplos de diálogos realizados. Capacidade lingüístico-discursiva: Para apresentar o contexto e as ações, torna-se fundamental o uso de verbos materiais (ações físicas) ou verbais (ações verbais); tempos do passado, que permite o distanciamento da ação a ser analisada; conectivos temporais e seqüenciais, que organizam a seqüência de eventos; e a transcrição de falas fundamentais a percepção da participação dos agentes do evento. Além disso, é essencial que ao descrever, os educadores evitem o uso de expressões avaliativas e de resumos das ações (―professora corrigiu o erro de pronúncia do aluno") Informar: Capacidade de ação: O informar tem como objetivo explicar/ generalizar as ações através de teorias, e seu foco temático recai sobre a discussão e explicação de conceitos presentes nas ações. Capacidade discursiva:Para organizar essas generalizações, a infraestrutura desse texto se apresenta através da explicação ou definição de conceitos com apresentação de suas características (papel do professor e do aluno, tipos de tarefas, abordagem dos erros, visão de construção de conhecimento) Capacidade lingüístico-discursiva: Essa explicação ou apresentação de conceitos apresenta como característica o uso de presente, para a generalização; conectivos explicativos que organização relação entre as ações descritas e os conceitos teóricos; o léxico de teorias de ensino-aprendizagem, que auxilia a situar historicamente as ações; e as referências explícitas a eventos descritos. No informar, é fundamental evitar o uso de rotulação (Isso= isso), ou seja, ―o professor foi behaviorista‖ e o uso de análise pela negação, que já apresenta índices de crítica típicos do confrontar (―O professor não trabalhou a construção conjunta do conhecimento, apenas transmitindo informações‖). Confrontar: Capacidade de ação: Com o objetivo de avaliar as ações em relação ao contexto sócio-histórico de professores e alunos, o assunto tratado nessa ação são as opiniões dos educadores sobre aula descrita e explicada. O foco recai sobre a apresentação da pertinência e relevância de determinadas formas de agir e entender o processo de ensinoaprendizagem, os alunos o papel do educador em relação ao contexto cultural, histórico, e social no qual determinada prática se situa. Capacidade discursiva:Com base nessa ênfase, o confrontar organiza-se essencialmente, pela argumentação, com: apresentação de pontos de vistas relacionados aos assuntos abordados (ações descritas e

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conceitos discutidos) e colocação de razões sócias, políticas e históricas para avaliações (realidade do aluno, identidade construída, aspectos de poder, desenvolvimento de características críticas para o aluno). Esses aspectos apresentados com base em referências diretas às ações descritas e analisadas/generalizadas, que servem de base de sustentação para os pontos de vista. Capacidade lingüístico-discursiva: Essas avaliações são apresentadas através do uso de expressões avaliativas e opinativas, modalizações, conectivos de justificação e contraposição e referências explícitas a eventos descritos.No confrontar, é importante atentar para a não apresentação de avaliações no plano puramente teórico ou conceitual, questões pontuais ligadas aos conceitos precisam ser resgatadas e evidenciadas, ou a discussão e crítica ficam tão distantes da prática efetiva que há a dificuldade de posterior encaminhamento para a transformação. Reconstruir: Capacidade de ação:O reconstruir efetivo da ação apenas poderá ser concretizado em novas ações no contexto de sala de aula, contudo, é possível criar as bases dessa reconstrução através de propostas de encaminhamento da ação. Essas propostas, que necessitam de fundamentação e justificação, têm como objetivo visualizar outras formas de ação possíveis e suas razões, através da apresentação de aula, atitudes ou atividades reformuladas e justificadas com base em aspectos generalizados e confrontados com o contexto de ação dos agentes. Capacidade discursiva: Para desenvolver sugestões de novas formas de agir, o texto se organizaria através de relatos ou descrições de atividades, atitudes, ações concretas explicadas e fundamentadas com base teórica e sócio-cultural. Capacidade lingüístico-discursiva:Esse relato fundamentado necessita do uso de verbos materiais ou verbais no futuro do pretérito (sugestões); conectivos temporais, seqüenciais e explicativos; léxico de teorias de ensino-aprendizagem, que explicam as ações sugeridas; além de referências diretas ao contexto como base para as sugestões feitas. Trabalhar a linguagem como base para a reflexão: apenas um começo Podemos entender o ensino das capacidades de linguagem das ações da reflexão crítica como um instrumento, no sentido vygotskiano do termo (Vygostky, 1930), orientando para a atividade interna, para a organização do comportamento humano e criação de novas relações com o ambiente. E essa atividade interna, neste caso, seria a reflexão crítica. Portanto, ensinar as capacidades de linguagem seria uma forma de instrumentalizar os educadores para um tipo de pensamento sobre sua

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ação que estivesse voltado à transformação de educadores em agentes críticos. O objetivo deste capítulo foi apresentar uma discussão sobre a forma como a linguagem se organiza nos diferentes tipos de reflexão e apontar como algumas características da linguagem da reflexão crítica podem ser vistas como capacidades que instrumentalizam os educadores para a transformação concreta das ações. Pesquisas são necessárias, e algumas já estão em andamento (Celani, Damianovic, Fuga, Liberali, Magalhães, Ninin, Shimoura, dentre outras), na tentativa de entender como o ensino dessas capacidades auxilia o processo de reflexão crítica dos educadores.

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Quadro 4: REFLEXÃO CRÍTICA E CAPACIDADES DE LINGUAGEM Capacidades de DESCREVER Linguagem (Dolz & Schneuwly,1998) Situação histórica de ação de linguagem:  Contexto de CAPACIDADE produção DE AÇÃO (participante, local/tempo, objetivos)  conteúdos



  

educadoresaprendizes e professorpesquisador Curso de Formação Visualizar a ação que será analisada Aula Dada

   

INFORMAR

educadores-aprendizes e professor-pesquisador Curso de Formação Explicar/generalizar as ações através de teorias Teorias presentes nas ações

CONFRONTAR

   

RECONSTRUIR



educadores-aprendizes e professor-pesquisador Curso de formação Avaliar as ações em relação ao contexto sócio-histórico de professores e alunos Opiniões sobre aula descrita e explicada

 

 Infra-estrutura do texto:  Plano global do texto CAPACIDADE  Tipos de discurso DISCURSIVA  Tipos de seqüência

Relato detalhado do contexto e das ações:  Apresentação do contexto  Ações Concretas  Diálogos

 Mecanismo textualização: CAPACIDADE  LINGÜÍSTICO DISCURSIVA



de

Conexão e segmentação nominal

 

Conexão e segmentação verbal.

 

Mecanismos Enunciativos:  Distribuição de Vozes  modalização

Uso de Verbos Materiais ou Verbais Uso do passado Conectivos Temporais e seqüenciais Transcrição de falas não uso de expressões avaliativas e resumidas

Explicações teóricas de ações e Argumentação: definições de conceitos:  Apresentação de pontos de vistas relacionados às ações descritas .  Explicação ou  Colocação de razões sócias, definição de conceitos com políticas e históricas para apresentação de suas avaliações (realidade do aluno, características (papel do identidade construída, aspectos professor e do aluno, tipos de poder, desenvolvimento de de tarefas, abordagem dos características críticas para o erros, visão de construção aluno) de conhecimento)  Uso do presente  Uso de modalização  Conectivos explicativos .  Conectivos explicativos  Léxico de teorias de ensino-  Uso de expressões avaliativas e aprendizagem opinativas  Referências explícitas a  Conectivos de justificação e eventos descritos contraposição  não uso de rotulação (Isso=  Referências explícitas a eventos isso) descritos e ao contexto real de ação  não uso de expressões negativas na definição ou explicação

educadoresaprendizes e professorpesquisador Curso de formação Visualizar outras formas de ação possíveis e suas razões aula ou atividades reformuladas

Relato explicado de ações:  

    

Ações concretas Explicações para ações

Uso de verbos materiais ou verbais Uso do futuro do pretérito Conectivos temporais, seqüenciais e explicativos Léxico de teorias de ensino-aprendizagem referências explícitas ao contexto real da ação

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Referências BARTLETT, L. 1990. Teacher development through reflective teaching. In: J.C. Richards, & D. Nunan (Eds.). Second Language Teacher Education. Cambridge: Cambridge University Press. BRONCKART, J. 1997. Atividade de linguagem, textos e discursos – Por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo. Educ. 1999. trad.Anna Rachel Machado. DOLZ, J. & SCHENEUWLY, B.1998. Pour un enseignement de l’oral: Initiation aux genres formles à l’école. Paris. ESF éditeur. FAIRCLOUGH, N. 1989. Language and power. New York: Longman. FREIRE, P. 1970. Pedagogia do oprimido. Rio de janeiro: Paz e Terra. 1987. GÓMEZ, A. P. 1992. O pensamento prático do professor - a formação do professor como profissional reflexivo. In: A. NÓVOA (Ed.) Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote. HABERMAS, J. 1973. Knowledge and human Interests. London. Heinmann. LIBERALI, F.C. 1999 O diário como ferramenta para a reflexão crítica. Tese de doutorado inédita. PUC/SP. ______________2000a. Argumentative processes in critical reflection. The ESPecialist, 21.1: 69-85. ______________2000b. Developing argumentative processes for critical reflection. Research Sig And Teacher Development SIG Special Joint Issue, Leuven, v.Jun/00, 62-66. MACHADO, A.R. 1998. O diário de leituras: introdução de um novo instrumento na escola. São Paulo: Martins Fontes. MAGALHÃES, M.C.C. 2001. Narrative and argument in teachers and researcher interactions on classroom discourse: different ways of organizing salient and problematic action. In M. Hedegaard (ed.) Learning in Classrooms: A Cultural-Historical Approach. Aarhus, University Press. ROMERO, T. 1998. A interação coordenador e professor: um processo colaborativo. Tese de doutorado inédita. PUC–SP. SCHÖN, D. A. 1987. Educating the reflective practitioner. San Francisco, CA: Jossey-Bass Publishers. SMYTH, J.1992. Teachers work and the politics of reflection. American Educational Research Journal, 29.2: 267-300. STAKE, R. E. 1987 . An evolutionary view of programming staff development. In: M.F.WIDEEN & I. ANDREWS (Eds.). Staff development for shcool improvement. Philadelphia. The Falmer Press VAN MANEN, M. 1977. Linking ways of knowing with ways of being practical. Curriculum Inquiry 6. VYGOTSKY, L. 1930. O instrumento e o símbolo no desenvolvimento da criança. In: COLE et alii (org.). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. 1984:21-33. Vygotsky, L.S. (1934). Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ZABALZA, M.A . 1994. Diários de sala de aula: contributo para o estudo dos dilemas práticos dos professores. Porto. Porto editora LDA. ZEICHNER, K.M. 1981. Reflective teaching and field-based experience in teacher

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education. Interchange 12(4), 1981/1982. Anexos: Anexo 1: Reflexão sobre o papel do professor (curso sobre o papel do coordenador) Em qualquer atividade que executemos, o parar para refletir sobre a própria ação é essencial. Essa atitude propicia uma retomada de posição, cujo ideal pode estar em algum outro ponto do local onde estejamos no momento dessa interrupção. É uma forma de atuarmos contra o anacronismo e/ou a obsolescência de continuarmos a ser sujeitos da História e não simplesmente seus espectadores. Quando essa reflexão pode ser feita em conjunto como num contexto escolar, o enriquecimento daí proveniente justifica a árdua batalha que é o ato de questionar-se. A necessidade de ser consciente da sua ação é um sentimento que, em maior ou menor grau, está sempre presente nas preocupações que movem os educadores. Refletir sobre o seu próprio papel dentro do contexto escolar, sobre o objeto de suas intervenções — o aluno —, quem é, o que faz, o que almeja, como o estou influenciando, como ele me vê, enfim, encontrar pistas e respostas a perguntas que permeiam toda a ação educativa e procurar justificá-la e analisá-la. Uma das primeiras descobertas que se faz convivendo em grupos de professores é que, com algumas exceções nas áreas de Ciências Sociais, o magistério é aparentemente um dos grupos menor compromissados com uma atuação política consistente. É um paradoxo que os profissionais que mais se preocupam em ―educar cidadãos críticos e atuantes‖ sejam os menos preparados para a tarefa. Chegamos então, ao dilema criado pela maioria dos cursos de formação do pessoal que trabalha em magistério, cuja ênfase é colocada sempre na formação especial em detrimento de uma formação mínima embora devesse ser eficiente na formação geral e didática. O professor, se chega a aprender, muitas vezes vai descobrir tardiamente conceitos e teorias básicas para o seu trabalho, questionando-se até que ponto esse desconhecimento interferiu negativamente em suas ações. Reflexão sobre aula transcrita (curso de reflexão) De certa forma, a professora da aula 1 possui uma prática relacionada a postura técnica, haja visto o modo diretivo que utiliza para conduzir a aula. Consciente ou não, ela possui uma prática que tem embasamento no comportamentalismo, onde a espera por determinada resposta é sempre satisfeita (mesmo que de modo artificial) e reforçada através de elogios. Relacionando com a prática existente em meu trabalho, observo que há dois grupos distintos de professores: aqueles que atuam de forma técnica, ignorando até muitas facetas da realidade em prol da aplicação do conhecimento científico, e outro grupo que procura solucionar os problemas da realidade utilizando-se da reflexão na e sobre a ação sem entretanto atingirem o nível da atuação reflexiva, uma vez que não conseguem visualizar soluções em referenciais teóricos ( ou, pelo menos, não conseguem fazer essa relação prática-teoria).

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Percebendo essa dificuldade por parte desse grupo de professores, propusemos ao grupo a organização de um grupo de estudos com encontros semanais, a fim de ―resgatarmos‖ algum conhecimento teórico que possa auxiliá-los na compreensão de sua prática. Acredito que a falta de vivência do trabalho em grupo seja responsável por parte dessa estagnação, uma vez que práticas isoladas não propiciam a troca de experiências e, conseqüentemente, a busca de soluções alternativas de trabalho. Com essa preocupação, estamos viabilizando horários semanais em que os professores possam trabalhar em grupos organizados por série e áreas. Sinto que estamos engatinhando neste processo. Anexo 2 Reflexão sobre a ação do coordenador (curso sobre o papel do coordenador) Quinta e sexta da semana passada tivemos conselho de classe. Esta semana foi iniciada com reuniões de pais e mestres, a 2.a do ano.Percebi na 1.a reunião, que a prática usada na escola se resumia a um elenco de avisos passados aos pais pelo professor e a expectativa para esta 2.a reunião não era diferente, a não ser pelo fato de que se acrescentaria aos avisos o famigerado assunto: alunos com problemas de disciplina e aprendizagem. Aproveitei oportunidades nos momentos semanais com os professores para salientar uma observação já feita pela direção, sobre estas reuniões: diante do fato raro que é a presença da maioria dos pais nas reuniões, a escola não pode perder a oportunidade de iniciar um trabalho com essa clientela: utilizar parte da reunião para refletir sobre um tema de interesse comum para escola e família. Surgiu o tema sobre tarefa de casa, já problematizado pelos professores durante o mês de março. Após alguns dias, um professor trouxe um texto muito interessante sobre o assunto. Li o mesmo e sugeri ao grupo que poderíamos utilizá-lo na reunião de pais. A sugestão foi bem vista e colocada em prática em todas as 32 turmas de pré a oitava série. É um aspecto de evolução dessas reuniões que não podemos perder daqui para frente. Vou solicitar ao grupo que traga os temas para as próximas reuniões. Reflexão sobre aula dada (professor-monitor em curso de línguas) Comecei a aulça fazendo uma revisão sobre a última matéira dada. Fui colocando no quadro as informações que os alunos me deram sobre o que tinha acontecido na aula anterior. Depois de ter esclarecido mais algumas dúvidas sobre o uso do present perfect e sua distinção com o simple past, entreguei aos alunos uma folha extra. Nesta folha havia um texto ―Moon Craters‖. Pedi que os alunos lessem, e tentassem descobrir através do contexto o significado das palavras que eles não conheciam. Além disso, pedi que eles sublinhassem todos os present perfect que eles encontrassem no texto. Em grupos de três, os alunos conversaram sobre o texto e depois fizemos uma discussão com a turma toda. Cada grupo falou um pouco sobre o que achou no texto. Depois disso, passamos para as expressões verbais do texto, ou seja,

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porque o present perfect estava sendo bastante usado. Entreguei aos alunos outra folha só de exercícios relacionados a esse ponto gramamtical. A distinção entre present perfect e simple past, o uso do yet e already, since e for, foram assuntos abordados nesses exercícios.Esclareci as dúvidas dos alunos durante a leitura e correção dos exercícios. Entendo que esses exercícios são entendidos como pertencentes a uma visão de linguagem estruturalista. No entanto, os próprios alunos me disseram que se sentem mais seguros fazendo exercícios gramaticais . Abordagem comunicativa foi realizada durante a discussão do texto, que apesar de não ser autêntico, acabou gerando uma discussão interessante sobre a origem das crateras da lua e toda a ciência que envolve as teorias. No final da aula pedi que os alunos fizessem em casa um writing sobre algo que eles gostariam de fazer e o motivo. A intenção é verificar a escrita e os erros mais comuns. Anexo 3: Reflexão sobre aula dada em curso de formação de professores de língua inglesa Descrição 15/03 Aula 6ª série E – Dobradinha Objetivo – Ensinar partes do corpo humano e rever formas Imperativas. Coloquei uma música que mencionava partes do corpo humano. Eles ouviram duas vezes. Toquei uma terceira vez e fui apontando para eles partes do corpo que mencionava na música. A seguir, distribui pedaços de cartolina para alguns alunos, onde estavam escritas partes do corpo humana. Antes de tocar a música novamente, expliquei a eles que cada vez que aparecesse o nome das partes do corpo cada aluno teria que reconhecer a sua e levantar a cartolina para todos verem. Introduzi, então , os comandos que eles já tinham aprendido na aula anterior e treinei com eles. Dava uma ordem, um comando e eles tinham que cumprí-lo.Comandos como:Close your eyes! Move your right arm, jumpp, turn around, put your hand in your head, move your left leg, etc...Dramatizava quando o aluno não entendia o comando. Formei 2 grupos: A e B. Um aluno representava o grupo A e o outro o grupo B, que a executava e vice-versa. Num próximo encontro, continuamos a atividade. Organizei os alunos em grupos e pedi que montassem um corpo humano. Cada grupo foi responsável por uma parte. Utilizaram jornal e papel Kraft. Ao final os grupos juntaram-se e montaram um único corpo. Eles riram muito, porque acharam engraçado o resultado final. Organizaram as tiras de cartolina que havia entregue no início da atividade e colocaram os nomes no corpo. Não precisaram da minha ajuda. Nem ao menos pediram. Informar Os alunos não tiveram dificuldades de compreensão dos comandos. Para eles foi significativa a aprendizagem, pois usei a linguagem gestual conhecida por eles. Houve participação na atividade, portanto não foi possível controlar a disciplina e não houve preocupação com relação a isso. Inclui os comandos aprendidos na aula anterior para que o aluno utilizasse toda aprendizagem que tiveram da língua. Conseguiram uni-las as partes do corpo. Embora a atividade fosse focalizada no aluno eu fui cognitivista à medida que não interferi na aprendizagem. Eles foram descobrindo as respostas sozinhos. Confrontar Apesar de ter havido interesse nas atividades, deveria ter direcionado os alunos na descoberta dos erros. A participação dos alunos nem sempre é a certeza de um feedback positivo. Questiono neste caso se houve aprendizagem ou apenas interesse na dinâmica.

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Eles treinaram o speaking quando fizeram comandos aos colegas, mas poderia no final, ou num próximo encontro ter feito um feedback para checar a performace dos alunos, adequação de vocabulário e expressões, desempenho da pronúncia. O feedback é uma investigação feita com o objetivo de melhorar o desempenho do aluno nas habilidades trabalhadas. Eles se comunicaram, respondiam e perguntavam, mas as expressões ficaram soltas, fora de uma comunicação significativa. Acho que deveria ter provocado neles a necessidade de utilizar as expressões numa comunicação significativa. Ensinar partes do corpo humano para que os alunos pudessem descrever-se, descrever o colega, falar sobre si mesmo. Reconstruir A atividade foi interessante. Os alunos participaram, mas poderia, através do uso de um texto autêntico ou diálogo que fosse assunto de interesse dos alunos ter provocado reações que envolvessem o sentimento, opiniões, desejos experiências deles. Faltou um warm up (aquecimento) que os levasse naturalmente a necessidade de comunicação. O diálogo dá a chance até mesmo aos alunos mais inibidos de falar algo. Eles treinariam entre si fazendo substituições por expressões aprendidas, descrevendo ou falando sobre eles. Sobre seu conhecimento de mundo. Quando distribui cartolina com os nomes do corpo humano, deveria ter usado figuras do corpo humano. Isso facilitaria a memorização da escrita. Reflexão sobre aula de inglês assistida em um vídeo (curso sobre teorias de ensino-aprendizagem) Descrever: A aula de língua estrangeira, com um professor nativo , ocorreu em uma sala de aula onde as cadeiras estavam dispostas umas atrás das outras e havia um flip-chart e um quadro negro. Os alunos, aproximadamente 13 estrangeiros, homens e mulheres na faixa etária em torno dos 35-40 anos, estavam agrupados uns ao lado dos outros e o professor ocupava o lugar central da sala de aula. Todos se dispõem de maneira a estarem voltados para ele.O assunto da aula é um ―Conselho Familiar para decidir o melhor lugar para morar‖ e a função ensinada é a persuasão. Logo no início da aula, o professor diz aos alunos que o foco da aprendizagem será a persuasão. Passa então a apresentar uma situação de sua vida particular. O professor fala sobre o fato de sua família morar em diferentes estados do EUA e que, seus pais decidiram se mudar e precisam definir em que lugar vão morar. Cada um dos filhos querendo que seus pais morem perto de si, terão que convencer seus pais sobre as vantagens de suas cidades. Na seqüência, o professor pergunta aos alunos sobre suas cidades de origem, ao que os alunos respondem com frases curtas (apenas com as palavras: big city, town). O professor questiona então sobre as razões para morar no campo/cidade/etc. Os alunos apresentam suas opiniões e o professor coloca no quadro negro suas respostas. Em seguida, falando novamente sobre o contexto de sua situação familiar, o professor mostra com um flipchart, com expressões que podem ser usadas no diálogo. Aponta as expressões sobre como começar, conduzir e encerrar a discussão, já previamente escritas no flip-chart. Após a explicação sobre como as expressões devem ser utilizadas, o professor pediu a um voluntário para que ele o convencesse sobre sua preferência sobre campo ou cidade , usando as expressões apresentadas no flipchart. Para concluir essa etapa da aula, o professor explicou com ainda mais detalhes sua situação familiar e pediu que os alunos formassem grupos. Cada aluno assumiria o papel de um dos membros de sua família e tentaria convencer os pais (também escolhidos dentre os alunos do grupo) sobre o melhor local para morar. (a apresentação da filmagem foi finalizada nesse momento) Informar:

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O foco do conteúdo centrou-se numa perspectiva funcional. O professor pretendeu a utilização da linguagem para a realização de uma função/ação. O professor assumiu um papel de centralizador tanto no que se refere ao que deve ser construído (flip-chart previamente escrito) quanto na forma de trabalho a ser desenvolvido. O professor direcionou/conduziu/monitorou todas as ações para atingir o objetivo proposto para a aprendizagem da estrutura de persuasão. Os alunos foram espectadores/ouvintes e ao professor, foi conferida toda a condução. Assim, os alunos reproduziram as estruturas oferecidas pelo professor e o padrão de interação realizado foi aquele determinado pelo professor. A partir do apresentado pelo professor, o aluno deveria utilizar-se de estruturas pré-estabelecidas para a argumentação persuasiva, ou seja, a interação acontecia seguindo um script e não a partir das necessidades da situação de linguagem. A interação objetiva formatar uma situação previamente determinada pelo professor. A situação proposta pelo professor permitiu ao aluno produzir dentro de um contexto prescrito e particular do universo de vida do professor. Existia uma situação X que deveria ser tratada dentro de um padrão lingüístico Y. Confrontar Ao determinar o contexto e uma situação onde deveria acontecer a interação para se atingir o objetivo de uma estrutura de língua estrangeira, o professor parece ter tirado do aluno a oportunidades de aprender e de vivenciar a língua em uma situação real e significativa, pois dessa forma ele restringiu a ação do aluno a apenas algumas estruturas pré-determinadas. Ao escolher essa forma de trabalhar a construção do conhecimento, o professor desconsiderou a individualidade e a identidade de seus alunos, uma vez que suas experiências e a sua visão de mundo poderiam em muito contribuir para a aprendizagem da língua dentro de uma situação real. As estruturas de persuasão poderiam ser criadas de forma que os alunos pudessem utilizar suas próprias idéias e confrontá-las com os pontos de vistas de seus colegas de classe, o que certamente faria com que a aprendizagem pudesse ser muito mais significativa e poderia também auxilia-lo e leva-lo a refletir sobre sua visão de mundo. Reconstruir: A partir dos pontos apresentados, seria fundamental partir de uma situação próxima de alunos da faixa etária entre 35 e 40 anos, que provavelmente já moraram ou moram em diferentes tipos de locais e desenvolver um debate sobre as qualidades e problemas desses tipos de locais para morar. Seria fundamental discutir o que levou os alunos a morarem em um outro local e, a partir daí discutir porque consideram esse ou aquele local como melhor. Dessa maneira, a situação de vida dos alunos seria levada em conta, suas escolhas de vida justificadas e refletidas. Os alunos teriam a chance de repensar seus pontos de vista. Além disso, para a discussão e apresentação de pontos de vista, seria interessante questionar os alunos sobre como eles, em geral apresentam suas opiniões. Poderiam ser sugeridos artigos de opinião sobre o assunto moradia e os alunos teriam que buscar pontos de vista e sustentação nesses artigos. Após um levantamento do tipo de linguagem para a persuasão e de busca de informações sobre o assunto, os alunos poderiam então desenvolver um debate com a discussão sustentada de diferentes pontos de vista. Com isso, os alunos estariam desenvolvendo seus conhecimentos sobre a língua e sobre o assunto. Isto não só os ensinaria a assumir uma atitude de forma mais avaliada e com mais sustentação como também ofereceria recursos para que os alunos soubessem como apresentar seus pontos de vista de forma sustentada em um língua estrangeira. Com isso, os alunos teriam desenvolvido formas de agir que poderiam ser aproveitadas em seu dia-a-dia, para apresentar suas opiniões sobre diferentes aspectos de suas realidades.

BIODATA

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Fernanda Coelho Liberali é doutora e mestre em Lingüística Aplicada pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC/SP onde atua como professora. Sua pesquisa aborda questões sobre a formação contínua de educadores com foco na reflexão crítica e na análise do discurso. Seu e-mail é [email protected] .

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