AS LUZES SE ACENDEM EM ÁFRICA: VIAGENS FILOSÓFICAS DE UM NATURALISTA LUSO-BRASILEIRO EM ANGOLA 1783-1808. (Dossiê:As fontes para a História da África)

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Dossiê: As fontes para a história da África

As Luzes se acendem em África: Viagens Filosóficas de um Naturalista Luso-Brasileiro em Angola (1783-1808) Marcio Mota Pereira Doutorando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG e-mail: [email protected] Resumo: O artigo em questão pretende elucidar as ações de exploração e de pesquisas filosóficas desenvolvidas pelo naturalista luso-brasileiro Joaquim José da Silva, em Angola. Pretende-se também, enquanto objetivo, trazer suas viagens à luz não apenas do desenvolvimento das ciências naturais nos territórios ultramarinos lusos, mas verificar como aquele profissional foi aproveitado em África no intuito de expandir e consolidar os conhecimentos geográficos dos sertões de Angoladaquela colônia. Palavras-chave: Joaquim José da Silva – Viagens filosóficas – Angola. Abstract: This article shows the exploration shares and philosophical research developed by the LusoBrazilian naturalist Joaquim José da Silva in Angola, Africa. It is also intended as objective, bring your travels with regard not only the development of natural sciences in Portuguese overseas territories, but see how that professional was seized in Africa in order to expand and consolidate the geographical knowledge of the interiors of that colony. Keywords: Joaquim José da Silva – Philosophical travels – Angola. Recebido em: 18/04/2015 – Aceito em 10/06/2015

Introdução Uma síntese das luzes século XVIII é tido no âmbito da história cultural como aquele em que seria consolidada, sobretudo no continente europeu, uma nova perspectiva de mentalidade, a qual buscava cada vez mais utilizar da razão em detrimento do tradicional pensamento religioso cristão, ações que à posteriori receberiam a denominação de Iluminismo, ou simplesmente Luzes. A historiografia há até alguns anos A “introdução” das Luzes em Portugal é comumente representada pelas mudan- vinculava a introdução Iluminismo na Península Ibérica como algo tarças coordenadas por Dom José I e por seu Secretário de Estado, Sebastião José de Car- dio sendo todo esse cenário resuldentre outros fatores, das valho e Melo, o Marquês de Pombal, os quais foram responsáveis por diversas tado, ações religiosas da Companhia de e da própria Igreja Católica transformações nos cenários político, social e cultural do Reino. A expulsão da Com- Jesus assim como por uma suposta crença panhia de Jesus de Portugal e de seus domínios d’além-mar, assim como a reforma da maior nas coisas de Deus em detrimento de explicações físicas para os Universidade de Coimbra, são apenas alguns dos exemplos da nova política que o Es- fenômenos do cotidiano. Estudos mais recentes como aqueles realizatado buscava implementar em seus territórios.1 dos por Pedro Calafate (1994), FláRey de Carvalho (2008) e Júnia Através do processo de laicização imposto naquela instituição de ensino e pela di- vio Ferreira Furtado (2012) apontam não apenas as ações advindas fusão dos conhecimentos técnicos e pragmáticos ali construídos, a Coroa Portuguesa que das esferas religiosas contribuíram pretendia propor um redirecionamento das ações econômicas do Reino, de modo que para a consolidação desse quadro, mas a própria historiografia portuoutras esferas, que não as tradicionais ações comerciais e mineralógicas, principalmente guesa ao considerar sua intelectualidade setecentista atrasada em aquelas relacionadas a cada vez mais debilitada produção de ouro da América portu- detrimento das outras Nações eu-

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guesa, passassem a gerar as fazendas de que tanto necessitava o Reino. No tocante à Universidade de Coimbra, as reformas consistiam não apenas em vetar o excesso das aparências religiosas que configuravam o ensino da instituição, mas também em profissionalizá-la de acordo com os princípios das Luzes. Para isso, foram criados novos cursos como Filosofia e Matemática; o corpo docente foi reestruturado sendo contratados vários professores, muitos deles estrangeiros, alguns dos quais já atuavam em Portugal, no Colégio dos Nobres; e, por fim, foi realizado o aparelhamento tecnológico da Universidade com a criação dos laboratórios de Química, Física, das salas de aulas apropriadas para o estudo da anatomia e também do jardim botânico, destinado a aclimatar e multiplicar as espécies botânicas exóticas oriundas das colônias e de outras Nações. Em consonância com todas estas mudanças, a inserção dos filhos das elites coloniais que estudavam em Coimbra nas esferas políticas era de fundamental importância. Quando estes estudantes concluíssem seus respectivos cursos, poderiam atuar junto ao Estado luso, aplicando os conhecimentos adquiridos na Universidade, fosse na metrópole ou nas colônias, nas mais diversas funções, desde a administração pública até no âmbito das indagações filosóficas. Este artigo tem por objetivo apresentar um distinto fragmento do panorama situacional das pesquisas envolvendo a história natural e a produção do conhecimento nos domínios por- ANAIS da Biblioteca Nacional. brasileiros na Universitugueses no final do século XVIII, mais especificamente na Capitania-Geral do Reino Estudantes dade de Coimbra, p. 154. Joaquim Veloso de Miranda, já ende Angola. Descortina-se enquanto personagem principal de todo este teatro de ope- quanto professor em Coimbra foi um dos que utilizaram estes amrações o naturalista luso-brasileiro Joaquim José da Silva. bientes enquanto “laboratórios napara o desenvolvimento e Joaquim José da Silva teria nascido por volta de 1755, no Rio de Janeiro (SIMON, turais” aperfeiçoamento de técnicas de pesclassificação e de coleta de 1983, 79). Em Portugal, concluiu na Universidade de Coimbra os cursos de Mate- quisa, exemplares dos três reinos. José ÁlMaciel, também naturalista, mática e Medicina em 1774 e 1777, respectivamente.2 Em seguida, passou a trabalhar vares graduado em Coimbra e que esteve no Jardim Botânico e no Museu da Ajuda, em Lisboa, como auxiliar do professor pa- envolvido nas ações de sedição em Minas Gerais no final do século em duano Domingos Vandelli (Lente das Cadeiras de Química e Física da Universidade questão também desenvolveu pesquisas relacionadas aos minerais, à de Coimbra), onde teve a oportunidade de atuar em conjunto com os também alunos botânica e à química na Serra da Estrela, tendo este por acompae futuros naturalistas Alexandre Rodrigues Ferreira, João da Silva Feijó e José Vieira nhante um auxiliar arborista. In: CRUZ, Lígia - Domingos Vandelli, Couto, dentre outros. alguns aspectos da sua actividade Coimbra, p. 15. Ressalta-se que Enquanto atividades de adestramento, Vandelli organizou pequenas expedições no em a Serra da Estrela, mais do que a de Gerês, apresentava-se enterritório português ibérico. As Serras da Estrela e de Gerês foram, pois, constantes Serra quanto cenário de fácil acesso aos pois está situada há cenários de pesquisas tanto para estes naturalistas quanto para outros que continuariam pesquisadores pouco mais de 100 km a Leste de em detrimento da outra, a ser enviados aos mais distantes domínios do Império ao longo das décadas de 1780 Coimbra mais ao norte do território portue 1790.3 Os trabalhos de pesquisa de campo eram complementados com estudos de- guês, já na divisa com a Espanha. Mais informações sobre a Casa do senvolvidos na Casa do Risco, aparelho que se enquadrava enquanto instituição esco- Risco podem ser encontradas em MOUTINHO, Lúcia Amorim. A produção iconográfica de Ângelo lar de desenho e pintura do Complexo d’Ajuda.4 2

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As viagens filosóficas de Joaquim José da Silva em Angola O período de Joaquim José da Silva como homem letrado a serviço de Portugal tem início no ano de 1783, com sua partida da Corte lisboeta em direção à Angola, e termina em 1813, ano do seu falecimento. Joaquim foi, dentre os outros letrados, aquele que mais tempo viveu naquele continente. Partilhou, assim como seus congêneres, não apenas das atividades de pesquisa que lhe eram atribuídas, acumulando também cargos e encargos – ele atuou como agente da administração pública e representante do Estado português naquele território.5 Apesar da atividade fim de Joaquim

Donati no contexto ilustrado português, p. 32; e em CORREIA, Patrícia Cardoso. Cronologia: Marquês de Pombal (1699-1782), s/p. 5 Apesar de estarem aptos a desenvolver as atividades de pesquisa para as quais foram preparados, é necessário ressaltar que a aquisição de uma formação em Coimbra era um diferencial pelo qual o Estado Português primava também para seu corpo burocrático. Apesar de serem preponderantes os ensinamentos de filosofia, química e matemática, o formando em Coimbra era considerado um personagem diferenciado no seio social português, tido enquanto membro da elite intelectual e administrativa do Império.

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ser a de viajante naturalista, e de ter sido reconhecido à sua época como letrado que muito contribuiu para o desenvolvimento das ciências portuguesas, o naturalista, assim como alguns de seus pares, se deixou seduzir pelos cargos, benesses e mercês da administração pública, ascendendo ano após ano a complexa teia burocrática do Estado luso em detrimento das pesquisas científicas. Compunham a equipe de Joaquim quando de sua saída de Lisboa dois auxiliares; o riscador e naturalista italiano Ângelo Donati, membro da equipe de Vandelli em Lisboa, e o jardineiro português José Antonio. 6 Em relação ao trato de Joaquim para com seus subordinados, Pereira (2002, 35) levanta a hipótese de ter havido entre os mesmos algum desentendimento, pouco tempo depois de desembarcarem em Angola, de modo que o relacionamento profissional entre todos eles foi rompido. Donati, em certo momento, teria acusado Joaquim “de ter partido em explorações deixando-o para trás a morrer” (PEREIRA, 2002, 35).7 Pataca (2003: 982), por sua vez, supõe que a morte de Donati não tardou a acontecer pois teria adoecido gravemente “no dia seguinte ao desembarque em Luanda, ainda em 1783, falecendo poucos dias depois”.8 Ou seja, pouco após seu desembarque em Angola, Joaquim já se via desprovido de seu riscador tendo que sair em expedições apenas com o apoio direto de José Uma das cartas de Ângelo Donati ende Angola à Corte dando conta de Antônio. Esse, por sua vez, viria a falecer “no Sertão de Massangano” em decorrência viadas suas pesquisas pode ser encontrada digitalizada in loco no seguinte endereço eletrônico: Carta para Júlio Mattiazzi, de “humas febres” pouco mais de ano após o desembarque.9 datada de 10 de Setembro de [17]83, S. di Benghela [Benguela, Angola]. Como de costume, as pesquisas de Joaquim começaram após sua partida de Lis- Filippo Manuscrito, 4 p. Arquivo histórico do Museu Bocage (Museu Nacional de Hisboa. O litoral africano, para muitos ainda desconhecido, era vislumbrado como um tória Natural, Universidade de Lisboa), primeiro cenário a ser explorado, ainda que não fosse o preferido dos naturalistas.10 Du- CN/D-6. PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. jovem naturalista num ninho de corante esse trajeto, Joaquim não se comportou diferentemente de seus pares. Mal par- Um bras: a trajetória de João da Silva Feijó em Cabo Verde, em finais do século p. 35. tiu de Lisboa e já estava a escrever sobre as novas espécies encontradas no Oceano XVIII, A ilustração supostamente desenhada pelo riscador Donati, a qual retratava o Atlântico. Apenas o riscador “Antonio José representou nove espécies de peixes oceâ- naturalista Joaquim e o próprio Donati, realizando pesquisas científicas às nicos em cinco estampas coloridas durante a travessia oceânica que durou 146 dias de ambos margens do rio Dande, em Angola, apresenta-se como um grande contrassenso Lisboa a Angola [Benguela].” 11 diante do anúncio de seu falecimento após seu desembarque naquela colônia. Uma vez no território angolano, Joaquim foi “mandado a Cabinda Como pê de Re- Tal imagem pode ser encontrada em SIMON, W. J. Scientific expeditions in Portuguese Overseas Territories. conhecer a pedra q’ servido à construcção das Muralhas daquella Fortaleza.”12 E já na pri- the 1783- 1808, p. I. BNRJ. de Alexandre meira missão o naturalista vislumbrava que sua permanência em Angola não seria por RodriguesCorrespondência Ferreira, I-21, 2, 19, XXIV, de Joaquim da Silva para David demais proveitosa no âmbito acadêmico haja vista as inúmeras atividades técnicas que Carta José, Luanda, 21 de maio de 1785. Transcrito em SIMON, W. J. Scientific lhe eram atribuídas: expeditions... p. 151. O falecimento de 6

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“Achando eu esta em sitio ja se vê, q’ eu não havia de Ser senhor de passear o pays p.a Colher o q’ houvesse, e se p.r m.a Curiozidade eu não me houvesse de caminho internado pello Sertão do [Dandem.to] menos Colheria Coiza algma: o q’ me não Aconteceo; pois alli Reconheci a Mina de Petroleo, fis tirar a desenho a desembocadura daquelle Rio, e depois mesmo em Cabindo Colhi algumas plantas q’ fis dezenhar, e hum peixe, o q’ tudo vindo p.a Luanda Remeti Com algumas Coizas mais q. tinha”.13 De volta à São Paulo de Luanda, em questão de pouco tempo novamente Joaquim encontrar-se-ia afastado para os lados dos sertões de Massangano: “Com pretextos da Historia Natural, sendo o verdadeiro intuito do Governo observar eu Como Espião o q’ passara no Exercito q’ então estava na Quissama, assim Como dantes o mandarem-me a Cabinda havia Sido Com á vista de observar o q’ lâ se passava p.a Certos fins: bem diferentes do Real Ser-

Donati após seu desembarque em Angola também é apontado por Lúcia Amorim Moutinho. In: A produção iconográfica de Angelo Donati dentro do projeto ilustrado de Portugal, século XVIII. Monografia de Conclusão de Curso. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2006, s/p. 10 Apesar dos mares possuírem recursos em abundância, poucos naturalistas portugueses se ateram ao mesmo diante de suas possibilidades. Joaquim Veloso de Miranda, por exemplo, escreveu a Domingos Vandelli sobre a travessia marítima: “No mar, observei tudo o q. pude obter, pouco foi por que se não pescou maisdo q. peixes ordinarios, e entre estes o q. mais estimei ver foi a Ecleneis remora sobre que tanto se tem fabulado”. In: AHMP. Fundo José Bonifácio. Carta de Joaquim Velozo de Miranda ao Dr. Domingos Vandelli. Rio de Janeiro, 13 de Fevereiro de 1780. I.1/I-2-1/276. 11 PATACA, Ermelinda Moutinho. A confecção de desenhos de peixes oceânicos das Viagens Philosophicas (1783) ao Pará e à Angola, p. 980. 12 Carta de Joaquim José da Silva para Julio Mattiazzi. Benguela em 24 de maio de 1787. 13 Carta de Joaquim José da Silva para Julio Mattiazzi... s/p. 14 Idem, s/p.

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viço”.14 Ao longo de 1784, primeiro ano de sua permanência em Angola, Joaquim conseguiu coletar uma considerável coleção composta por espécimes dos três Reinos da natureza, como “hum herbário”, “uma collecção com onze Estampas [desenhos]”, “Dois Pedaços de Enxofre de Benguella”, “Huma ponta [chifre] de Cabra Monteza de Benguella” e “Hum Cylindro de Lata com peixes do mar alto”.15 Apesar de ter coletado amostras pertencentes aos três Reinos da natureza, Joaquim dedicou-se majoritariamente às pesquisas mineralógicas realizadas em sua maioria em Cabinda, no entorno da vila de São Paulo de Luanda, em Massangano, na região do rio Dande, nas highlands do interior e em Benguela tendo neste último recorte geográfico sua principal oportunidade de colocar em prática os conhecimentos em História Natural adquiridos em Portugal, apesar de quase sempre ser impedido por diversos outros motivos pelos quais ainda vamos nos ater. Esta empreitada em particular pelo sul de Angola teria início dois anos após seu desembarque em Luanda, mais precisamente em junho de 1785. Joaquim, desta vez embarcado, voltava ao Atlântico para cumprir uma expedição pela costa angolana, entre Luanda e Benguela, ao sul do território, e de Benguela seguindo os caminhos do planalto em direção ao interior do continente. Nesta oportunidade, Joaquim escreveu uma detalhada porém pouco extensa memória, denominada Extracto da viagem, que fez ao sertão de Benguella no anno de 1785 por ordem do Governador e Capitão General do Reino de Angola, o Bacharel Joaquim José da Silva, enviado á aquelle Reino como Naturalista, e depois Secretario do Governo. De Loanda para Benguella. Nessa expedição, teve maior oportunidade de colocar em prática seu papel como cronista de viagem do que de naturalista e pesquisador.16 Essa expedição contaria ainda com a participação de outro naturalista, o português José Maria de Lacerda, o qual também deixou descritivos relatos sobre este empreendimento.17 As incursões de Joaquim se deram, salvo raras ocasiões, em meio às expedições militares que buscavam reconhecer o interior de Angolaa colônia, o que por um lado lhe oferecia a segurança necessária para as atividades de pesquisa mas, por outro, o deixava à mercê do comandante e de suas vontades, fazendo com que sua rotina de pesquisa fosse percebida como sendo apenas um detalhe AHU, Angola, maço 16, inventáem meio à expedição militar: rio do envio de espécimes de histó15

“Partimos na sexta feira, atravessando neste dia, e nos seguintes, estas e outras montanhas, mais alias duas vezes que as de Cintra e Serra da Eslrella em Portugal; não me sendo possível nem demorar-me, nem recolher pôr estes incultos sertões nenhuma das optimas plantas e exquisitos animaes, que povoão em immenso numero aquellas-Serras; onde encontrava a cada passo tropas tão grandes de Zebras, como se encontrão nos campos do Brasil as boiadas”.18 “E tendo no dia seguinte passado algumas Libatas deste mesmo Sova [Soba], chegamos a Lumbimbi, outro Sovado; e porque desd’aqui até Quilenguies me não aconteceo ter lugar para exame de cousa alguma, assim pela necessária pressa da marcha, como por outras causas náo menores...”19 Em Angola, outros problemas foram frequentes na vida de Joaquim, que não aqueles inerentes a ter enquanto guia e comandante um militar, com funções e prerrogativas diferentes da do naturalista. Doenças e moléstias, como a malária ou a doença

ria natural, 20 de março de 1784. Transcrito em SIMON, W. J. Scientific expeditions in the Portuguese Overseas Territories... p. 159. 16 Esta memória de Joaquim José da Silva foi publicada fracionada no periódico O Patriota – Jornal Literário, Político, Mercantil & Comercial do Rio de Janeiro, de modo que encontramos os três fragmentos do texto nas seguintes edições: nº 1, de janeiro de 1813, p. 97-100; nº 2, de fevereiro de 1813, p. 8698 e, por fim, no nº 3, de março de 1813, p. 49-60. 17 PEREIRA, Teresa. Desenhos de África, Desígnios Coloniais, Desejos Suspensos: artes plásticas e colonialidade, p. 02. Sobre as memórias de Lacerda, ver Observações sobre a viagem da Costa d’Angola á costa de Moçambique, por José Maria de Lacerda, p. 187. 18 SILVA. Joaquim José. Extracto da viagem, que fez ao sertão de Benguella no anno de 1785 por ordem do Governardor e Capitão General do Reino de Angola, o Bacharel Joaquim José da Silva, enviado á aquelle Reino como Naturalista, e depois Secretario do Governo. De Loanda para Benguella, p. 89. 19 Idem, p. 91-92.

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do sono, que até então ele só ouvira falar ou pelos estudos teóricos causavam temor aos europeus. Os grandes animais do continente e principalmente os leões por sua vez eram responsáveis por despertar o medo nos europeus, ainda que fossem constantemente combatidos principalmente pelos africanos que compunham as expedições: “Neste Quicanzo nos demorámos hum dia, precedido por huma das noites mais trabalhosas, que tenho passado sendo tal a confiança com que hum Leão andou nas visinhanças da minha barraca, que nos parecia estar a todo o instante sobre ella; o que durou até pela manhã , em que havendo atacado hum dos curraes de gado da Libata, ferindo hum boi, foi presentido e affugentado peios negros, que acodiráo todos a ataca-lo”.20 Além dos agentes de ordem natural, quem percorria o interior do continente também se encontrava em constante perigo frente ao ataque de ladrões e salteadores que visavam as caravanas carregadas de ouro, marfim ou mesmo de escravizados, que seriam comercializados nos portos de Benguela e de Luanda. Comuns eram ainda as disputas entre diferentes povos, como apontou certa vez Joaquim: “...toda esta parte [entre o Cabo Negro e o rio São Francisco, nas highlands de Benguela] he occupada por hum povo muito bárbaro, e perseguidor dos seus visinhos. Chamado os Muquandos, vivem vagabundos, do gado, que roubão aos Muquilengues e dos Mundombes, de carne humana, e das pilhagens, que fazem nos navios e navegante , que naufragáo naquella brava Costa , e são também anthropofagos”.21 Ainda que se visse envolto nas pesquisas naturais para o qual fora preparado, a permanência de Joaquim em Angola era vista pelo mesmo ora com deleite, ora como uma grande aventura, da qual não se privou de gabar principalmente no tocante aos suplícios e dificuldades que passava no território: ...“digame Vm, q’ desgraça pode haver neste mundo, q’ eu possa temer, depois de tão acostumado a encarar Com a morte, entre fomes e sedes mortaes, ataques de gentios, nebidas de montes quaze inaccessiveis, e outras desgraças ainda mais sensiveis, q’ estes trabalhos?”.22 As expedições ao interior eram de suma importância tanto para a economia luso-angolana quanto pela posse e manutenção dos territórios já conquistados. Com os avanços sistemáticos das tropas portuguesas em direção às highlands, organizavam-se presídios e feiras “como estratégia para incrementar, de forma espontânea, a circulação de gente e mercadorias”. A experiência naval porp. 91 tuguesa também contribuiu para o avanço por sobre o território através da busca de Ídem, Ídem p. 88. Carta de Joaquim José da Silva rotas fluviais sendo os rios Guango e Cunene, na região de Benguela, “em que havia a para Julio Mattiazzi... s/p. expedição que visava alcanilusão de um caminho fluvial em direção à costa oriental”, mais precisamente Mo- çarDesta Moçambique através do contiafricano restaram algumas çambique, os mais utilizados para a navegação interiorana.23 Como era de se presumir, nente cartas escritas do naturalista à Sede Estado e ao Museu de Joaquim compôs uma destas expedições fluviais, em 1785, “sob o comando do capi- cretaria História Natural. In: RELATÓde Joaquim José da Silva a tão Antônio José da Costa,” em um período de dois anos pelo interior do território que RIO Martinho de Melo e Castro. 17 de março de 1784. pode ser descrito como sendo sua principal e mais significante ação de desbravamento Luanda, (AHU, Angola, cx. 38), apud RA24 MINELLI, Ronald. Ilustração e e de pesquisa naquela Colôniaem Angola. império colonial, p. 43. Do envolvimento em expedições militares que lhe proporcionavam oportunida- RAMINELLI, Ronald. Ilustração 20 21

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e império colonial..., p. 43.

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des de pesquisa, ainda que racionadas, pode-se propor a hipótese de que sua produção e publicação fora prejudicada em função dessa subordinação e da dependência de outros para que pudesse adentrar de forma segura os sertões angolanos. Este e outros fatores como, por exemplo, o falecimento de Donati, logo após seu desembarque em Angola, e o de José Antônio, em um momento posterior, certamente contribuíram para uma produção não tão significativa por parte de Joaquim acarretando nas diminutas remessas para Lisboa. Em face dessa situação que refletia a “falta de resultados”, a Coroa teria até pensado “em suspender sua missão”.25 O naturalista teria ficando indignado ao saber, através de uma correspondência trocada com Júlio Mattiazzi, jardineiro do Jardim Botânico da Ajuda e datada de 24 de maio de 1787, ou seja, quatro anos após desembarcar em Angola, que Martinho de Mello e Castro, o mesmo secretário de Estado da Marinha e Ultramar que fora um dos responsáveis por conduzi-lo às pesquisas em Angola tinha planos de retirá-lo de lá colocando, pois, fim às suas pesquisas e à sua estadia naquele potentado: “Meu prezado Amigo e S.r Recebi huma Carta de Vm sem datta: e nella me dâ Vm a desgoztoza noticia de q’ o Ex.mo S.r Martinho de Mello pensa em fazer me Retirar, como inutil neste Continente”.26 Ainda que a qualquer momento Joaquim pudesse ser repatriado à Metrópole, ele continuou produzindo. Apesar da falta de auxiliares e de instrumentos, o naturalista enviou diversas vezes vários caixões e caixotes com suas coletas para as instituições portuguesas. Uma vez encontrados recursos que interessassem à Coroa, dava-se início ao estabelecimento de alianças políticas para o desenvolvimento das práticas comerciais. As incursões militares e a construção de presídios serviam enquanto instrumentos coercivos para que a Coroa pudesse exercer o domínio e a manutenção de um determinado território e consequentemente sua exploração. As memórias escritas por Joaquim muitas vezes revelam mais do que as nuances científicas de sua atuação. Em seus relatos estão inclusos, muitas vezes de forma pormenorizada, diversos aspectos das características políticas dos grupos viventes naqueles sertões. Em seus relatos o naturalista não deixou de reconhecer, por exemplo, a autoridade dos Sobas locais enquanto possuidores de um “supremo poder”, podendo decidir sobre a “vida e liberdade de seus vassallos”27 ou mesmo acerca de distintos aspectos sociais dos povos nativos que encontrou em suas expedições: “Os negros aqui fabricão as suas casas de barro e madeira, redondas, e as cobrem de folhas de palmeira. Náo lhe fazem janelas, antes as portas por onde entráo para ellas sao tao pecuenas e baixas, que hum homem curvando todo o corpo, acha dificuldade em entrar por ellas: o que justamente praticao todos os habitantes deste Continente, cuja architetura ainda náo chega a deparar-lhes o modo de fazerem portas, com que se defendão das feras, que muitas vezes fazem nelles preza dentro das suas mesmas casas”.28 Ainda que imbuído na apanha, classificação, preparação e envio dos exemplares colhidos para Luanda para que posteriormente fossem despachados para a Corte, em certos momentos o naturalista se não deixava de lado sua perspectiva cientificista da natureza, mesclava-a à contemplação, descrevendo as belezas do interior angolano: “Havendo pernoitado neste Rio Cutucuíu, tive no dia seguinte, e em mais dous

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MOUTINHO, Lúcia Amorim. A produção iconográfica de Ângelo Donati no contexto ilustrado português, p. 24. 26 Carta de Joaquim José da Silva para Julio Mattiazzi... s/p. 27 SILVA. Joaquim José. Extracto da viagem, que fez ao sertão de Benguella no anno de 1785... p. 96. 28 Ídem, p. 97.

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que alli demoramos, o gosto de ver maravilhosas variedades de Granitos Porphyrios, Pedra Porco [ágata] e outras pedras deste mesmo gênero, em grandes rochedos, que estão pelo leito deste rio; das quaes muitas são descidas das montanhas visinhas, e que lhe estão sobranceiras.”29 Apesar de serem constantes os fragmentos que, reunidos, oferecem uma intricada constituição dos supracitados aspectos daquelas sociedades, preponderam em seus textos as referências que o naturalista faz sobre os recursos animais, vegetais e minerais assim como sobre as vantagens no estabelecimento de rotas ou alianças comerciais com as populações locais: “...as argolas, e outros pedaços de cobre, que servem de ornato aos habitantes, e que lhes vem do Humbi, são huma demonstração da vizinhança, assim do Humbi, como do rio Cunene. O cobre, e a abundância de Abadas, e de Elefantes por estes paizes, são três artigos de grande importância, e que valerião bem a pena de se estabelecer por aqui huma Feitoria”.30 A referência aos elefantes, em particular, pode ser resumida frente ao interesse português no comércio do marfim que despontava enquanto uma das principais atividades de exploração de recursos naturais não renováveis. Conta-se que já no avançado ano de 1810, quando começava a declinar a oferta deste produto, que “segundo as contas oficiais” passaram pelas cidades de “São Paulo de Assumpção e de São Felippe de Benguella”, entre os anos de 1774 a 1808, a quantia de 114:748$970 reis em marfim, que desembarcavam no porto de Lisboa com o preço médio de “800 reis por libra”.31 Ainda sobre as relações comerciais com as populações do planalto de Huíla, terras do interior do Cabo Negro, Joaquim comenta sobre como estas poderiam ser desenvolvidas com os habitantes locais: “Seria fácil de adquirir a sua amizade, fornecendo-lhes nós ovos de Hema, de que tanto abunda o Brazil, por preço mais commodo, que aquelle pelo qual elles hão este artigo dos de Hacabona, ou dos Mohumbis, para a construcção das suas Cankamenas, que tanto estimão; como também manilhas de ferro, e outros enfeites; e por hum sistema invariável de justiça, e de equidade, nós conseguiríamos em breve espaço, haver das suas mãos em profusão o marfim, as pontas de abada, o sal, e talvez o cobre, e algum outro artigo de grande valia; e por ventura a gloria de libertar estes miseráveis da sua bruteza, e de conquistar mais hum povo ao Christianismo, e a Sociedade Universal.”32 Ainda em relação ao estabelecimento de novas relações comerciais, podemos encontrar neste supracitado recorte documental a sempre presente necessidade portuguesa de converter o gentio ao cristianismo, pelo que sempre foi auxiliado pela Igreja Católica em um processo que, por sinal, foi semelhante em ambos os lados do Atlântico e que se resumia em catequizar, dividindo ou lançando etnias umas contras as outras para então conquistar. Também em Joaquim podemos perceber outro aspecto comum ao homem europeu que, saindo da Europa, deixava para trás a sociedade “avançada” para adentrar em meio às ações bár- Carta de Joaquim José da Silva para Julio Mattiazzi... s/p. baras de uma sociedade visualizada como totalmente atrasada; a aversão e o preconceito SILVA. Joaquim José. Notícias sobre o Cabo Negro, p. 76. Noticia sobre a compra e remessa para com as culturas e com os modos de vidas locais: 29 30 31

“Estes [negros] de Novo Redondo são de bom natural, e de humor alegre; dei-

do marfim de Angola, extrahida de Documentos Ojfíciaes, p. 105-106. 32 SILVA. Joaquim José. Notícias sobre o Cabo Negro... p. 77.

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xao crescer e concertão os seus cabellos com azeite de palma, e pós de varias cores, que fazem moendo diversas madeiras, e os entranção, ornando-os de pennas, missangas, e fazendo delles varias figuras, para elles mui vistosas e curiosas, e para nós hediondas: sendo mais insuportavel o cheiro de hum negro destes, e dos de todo o sertão, que o de hum bode”.33 Enquanto uma das últimas atividades de pesquisa, Joaquim atuou como encarregado de “verificar se no território de Ambaca havia minas de ouro, mas infelizmente só encontrou esmeril de má qualidade”.34 Neste episódio em particular, Joaquim deslocou-se à Ambaca na companhia do inconfidente José Álvares Maciel, que havia sido degredado para Massangano, em consequência das tentativas de insurreição em que fora citado em Minas Gerais.35 De sua experiência enquanto naturalista no território angolano, referindo-se às highlands, o naturalista tirara a conclusão de que aqueles “caminhos eram férteis minas para a Historia Natural não só pela diversidade de plantas e árvores de que recolheu e remeteu algumas [amostras], mas como pelos belos rochedos e rios; dignos de serem conhecidos pela mais exata topografia”.36 Joaquim deixou para a posteridade apenas uma memória que apresenta relativa densidade de informações (Extracto da viagem, que fez ao sertão de Benguella no anno de 1785...) e várias outras correspondências destinadas a Júlio Mattiazzi e Martinho de Melo e Castro nas quais dava conta de seus afazeres e dos progressos de suas empreitadas filosóficas. Remeteu, igualmente, grande quantidade de espécimes ve- _____. Extracto da viagem, que ao sertão de Benguella no anno getais, animais e minerais para o Museu da Ajuda, acervo que foi disperso ao longo dos fez de 1785... p. 100. GUEDES, Maria Estela. João da anos sendo a “retirada de parte da coleção do Museu da Ajuda por Étienne Geoffroy Silva Feijó: Viagem filosófica a Verde, p. 135. de Saint-Hilaire durante a invasão francesa à Portugal, já no início do século oitocen- Cabo Ídem, p. 135. SILVA. Joaquim José. Extracto da tista, a principal causa de tal desmembramento.37 viagem, que fez ao sertão de BenA relativa ausência de publicações e de demais fontes – em detrimento das expe- guella no anno de 1785... p. 92. BRUZZO. Cristina. A participariências de viagens filosóficas realizadas por outros naturalistas –38 somada à ausência ção dos museus de história natural na formação dos membros das exde resultados físicos de suas pesquisas assim como, à época, ao descrédulo da Coroa pedições filosóficas portuguesas no século XVIII, p. 06. para com as suas ações parecem ter relegado Joaquim ainda mais ao ostracismo aca- Patrícia Bertolini Gonçalves alega “a maior parte dos textos eladêmico de modo que, quando estudado, sua imagem de explorador parece sobressair que borados pelo naturalista desaparemotivo pelo qual sobraram à de naturalista em um parecer que não é isolado, mas compartilhado por outros au- ceu”, poucos relatos realizados pelo In: Iluminismo e administores.39 Uma outra perspectiva de visualizar esta proposta pode ser verificada através da mesmo. tração colonial: Angola vista por no século XVIII, p. 485. atuação de Joaquim enquanto componente nas expedições propostas por José de Al- brasileiros Ângela Domingues, em seu artigo científicas e ‘elite do comeida e Vasconcelos, o barão de Moçâmedes e governador de Angola (1784-1790). “Viagens nhecimento’: polivalência e mobiliao serviço do Império Estas expedições ressuscitaram “o projeto de localizar uma passagem fluvial entre as dade colonial”, também se refere a Joacomo sendo um “exploracostas ocidentais e orientais da África”. No ano de 1785, promoveram “duas expedi- quim dor”, diferentemente dos ções para investigar se o rio Cunene serviria como condutor da conquista rumo ao in- naturalistas Manuel Galvão e de Alexandre Rodrigues a quem atribui a função de pesquisadores em terior do continente”.40 suas “viagens filosóficas”. A escassez de fontes que remetam ao período no qual Joaquim passou a exercer di- A primeira expedição que procurava estabelecer uma rota de ligação versas funções em Angolanaquela colônia, ou seja, após o retorno da viagem ao sertão entre Angola e Moçambique data de 1607, responsabilidade atribuída de Benguela, torna-se um impeditivo para a reconstrução histórica deste período. Sabe- à Baltazar Rebelo de Aragão que obteve sucesso, assim como se que, após 1787, Joaquim repartia seu tempo ora com o envio de exemplares à Lis- não seus sucessores. Apenas em 1663 o Manuel Godinho completaboa, ora com atividades administrativas em Angola. Ao todo, foram cinco as expedições padre ria o feito deixando a memória Redo Novo Caminho que fez travestidas de viagens filosóficas empreendidas por Joaquim, a saber; Luanda – Ca- lação por Terra, e Mar vindo da Índia Portugal, publicada em 1665. binda – Luanda (1783-1784); Luanda – Massangano – Luanda (1784); Luanda – pera In: SILVA, Eunice R. Jorge da. A de Angola (século Benguela – Cabo Negro – Benguela (1785-1787); Benguela – Luanda (1787) e Luanda administração XVII), p. 190-193. 33

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– Presídio de Ambaca – Luanda (1794-1796). Sabemos que também chegou a pleitear junto à Corte seu retorno para a América portuguesa recebendo enquanto resposta uma simples autorização para retornar à Metrópole, o que, descontentemente, não fez. Acerca de sua vida, não nos resta mais do que fragmentos que remetem ao período em que desenvolveu suas explorações, o que já foi com grande eficácia abordado por Bruzzo (2003), Gonçalves (2010) e Pataca (2003). Pereira (2002: 02) cita o ano de 1808 como sendo o último em que Joaquim desenvolvera pesquisas – podemos, entretanto, entender tais “pesquisas” como sendo as remessas que constantemente enviava à Lisboa, uma vez que última dele viagem foi realizada em 1796, ao presídio de Ambaca – passando a ter São Paulo de Luanda enquanto residência.41 Segundo a historiadora, a partir daquele momento e passados quase 25 anos de atividades científicas e de exploração do território angolano, o naturalista teria mudado o curso da nau de sua vida ascendendo definitivamente na carreira administrativa a “exemplo de seus colegas enviados às outras colônias”, inclusive no tocante às “discórdias com a administração”.42 Na cidade de São Paulo de Luanda Joaquim José da Silva casou-se e constituiu família, vindo a falecer em 1813.43

Conclusão Após uma sucinta análise da trajetória deste naturalista e do contexto em que estava inserido naquele território de domínio português em África, podemos tirar algumas conclusões principalmente em relação ao envolvimento do mesmo com as atividades científicas. Apesar de visivelmente subordinado às ações militares do Estado para empreender suas viagens filosóficas, Joaquim soube desenvolver com grande habilidade as pesquisas de que estava encarregado sem, contudo, lograr o mesmo êxito que seus pares alcançaram em outros territórios lusos. O fato de Joaquim ter perdido a mão de obra especializada que o acompanhava pode igualmente ser apontado como um dos grandes obstáculos para melhor desenvolvimento de suas pesquisas. Da mesma forma, as enfermidades adquiridas no hostil ambiente no interior do continente africano por vezes colocaramno enfermo, o que foi mais de uma vez utilizado enquanto justificativa para a inércia nos envios que deveria ter realizado. Há de se destacar, contudo, o avanço que Joaquim e José Álvares Maciel alcançaram com os estudos que dariam início à produção metalúrgica em Angola, o que muito desoneraria o Estado luso no transporte de ferramentas e outros materiais desde Lisboa. Por fim, assim como Pereira (2003: 380), concordo que “diferentemente do que se esperaria de relatos de viajantes, os textos enfocados não parecem ter por objeto/destino exercitar a alteridade sobre o nativo”. Na verdade, este filósofo naturalista partiu para Angola no intuito de encontrar métodos ou meios pelo qual o Reino poderia novamente retomar sua glória o que, de fato, definitivamente não foi o resultado alcançado. Joaquim, contudo, não se viu envolto apenas no que a terra poderia oferecer enquanto riquezas abrindo espaço em seus diários para valiosos relatos etnográficos e crônicas detalhadas dos lugares percorridos e que hoje nos auxiliam a compreender como parte do território africano foi visto por este singelo personagem luso-brasileiro. 41

Referências Bibliográficas: ANAIS da Biblioteca Nacional. Estudantes brasileiros na Universidade de Coimbra. Vol. XLII, 1940, p. 154.

PEREIRA, Teresa. Desenhos de África... p. 02. 42 GONÇALVES. Patrícia Bertolini. Iluminismo e administração colonial: Angola vista por brasileiros no século XVIII, p. 485. 43 PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Um jovem naturalista num ninho de cobras... p. 33.

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