As manifestações pelo transporte público no Brasil: uma leitura distinta a partir do caso da grande Florianópolis, estado de Santa Catarina

June 13, 2017 | Autor: C. Miralles-Guasch | Categoria: Human Geography, Urban Geography, Transportation Studies, Urban Planning, Urban Studies
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Scripta Nova REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788 Depósito Legal: B. 21.741-98 Vol. XX, núm. 528 1 de enero de 2016

As manifestações pelo transporte público no Brasil: uma leitura distinta a partir do caso da grande Florianópolis, estado de Santa Catarina Rodrigo Giraldi Cocco (UFSC) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) [email protected]

Carme Miralles Guasch (UAB) Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) [email protected]

As manifestações pelo transporte público no Brasil: Uma leitura distinta a partir do caso da Grande Florianópolis, Estado de Santa Catarina (Resumo). Os problemas relativos aos transportes públicos coletivos na região da Grande Florianópolis foram postos em evidência com as recentes manifestações de junho e julho de 2013, como uma das grandes demandas sociais do país na atualidade. A proeminência da questão, no entanto, não tem sido acompanhada de análises que posicionem o problema dentro da totalidade, isto é, considerando as relações sociais, estruturas de poder e as condições de governança, em diferentes escalas. Analisando a existência de severas contradições entre o espaço da cidade e os sistemas de objetos e de ações que o compõe, quais sejam, as condições de mobilidade e transportes, objetivamos com este artigo associar estas contradições à ausência de instituições públicas capacitadas a servir como catalisadoras das forças sociais progressistas que desejam mais e melhor mobilidade. Ademais, a ausência de uma concertação da sociedade com relação ao problema, tem dificultado o rompimento dos gargalos tangíveis à mobilidade, que vão desde a ausência de intermodalidades e redes de transporte coletivo com conectividade regional metropolitana, a políticas que favoreçam a integração entre uso do solo e transportes e proximidades urbanas. A metodologia utilizada combina estratégias quantitativas e qualitativas, proporcionando uma análise do desempenho dos serviços e infraestruturas de transporte coletivo, mas também, uma análise do discurso dos diferentes atores implicados na sua produção. Palavras chave: Inovações institucionais, formação sócio-espacial, mobilidade. Demonstrations about the public transportation in Brazil: A different reading from the Great Florianópolis case, in Santa Catarina State (Abstract). The problem relating to collective public transport, in the Great Florianópolis region, became evident with recent demonstrations in June and July 2013, as one of today’s major social demand in the country. However, the issue’s prominence was not accompanied by analyzes positioning the problem within totality, that is, by considering social relations, power structures and governance conditions at different scales. It was possible to Recibido: 4 de septiembre de 2014 Devuelto para revisión:29 de septiembre de 2014 Aceptado:26 de febrero de 2015

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analyze the existence of severe contradictions among the city space, object’s systems and actions that compose it, and also, conditions for mobility and transport. The article’s aim is to associate these contradictions to the absence of public institutions qualified to serve as catalysts of progressive social forces wanting more and better mobility. In addition, the absence of social “concertation” about that problem has hampered the breaking of tangible bottlenecks to the mobility. They range from lack of intermodalities and public transport networks with regional and metropolitan connectivity to policies favoring the integration of land use, transportation and urban proximity. The methodology combines quantitative and qualitative strategies, providing analysis of services performance and public transport infrastructure; however, there is also a discourse analysis of different stakeholders involved in its production. Key words: Institutional innovations, socio-spatial formation, mobility.

Entre os meses de junho e julho de 2013 o Brasil viveu uma jornada de manifestações em cidades de diferentes regiões, dentre as quais, a região da Grande Florianópolis, perpetradas por distintos segmentos sociais, cada qual com distintas reivindicações. A ponta-de-lança para este movimento foi a sinalização de aumento das tarifas de transporte público em todo país, com maior intensidade nas grandes cidades. Estas manifestações eclodiram em um momento de crescimento do emprego, da renda e inclusive da participação do trabalho no PIB nacional1, na esteira de um novo desenvolvimentismo empreendido pelos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff (2002-2015), ou seja, uma estratégia de geração de emprego e renda que busca romper com o neoliberalismo mais agressivo, hegemônico na década anterior, mas que também se distingue do antigo desenvolvimentismo lastreado na poupança externa2. No entanto, apesar de importantes avanços sobre estes problemas históricos, deparamo-nos com o acirramento de algumas de nossas antigas contradições, demonstrando que o desenvolvimento corresponde, de fato, a saltos dialéticos de uma contradição a outra3. Noutros termos, o ritmo de desenvolvimento econômico, associado a algumas políticas sociais – geradores da atual condição de pleno emprego (recorde histórico de apenas 4,3 % de desemprego em 2013) – impõe um desafio à sociedade brasileira: reverter a piora das condições de mobilidade urbana, derivadas da tendência de aumento do uso diário de automóveis, em face à dilapidação da eficácia dos serviços de transporte público coletivo e defasagem dos sistemas viários urbanos. O reflexo deste cenário, entre outros, é o aumento dos tempos de deslocamento cotidianos para o trabalho em 20% entre 2003 e 2010 e dos automóveis em circulação, em 66% (no mesmo período) 4. Ressalta-se, que 47% da mobilidade já se efetuam através de motocicletas ou automóveis e pelo menos 18% das pessoas que integram a faixa de renda de um quarto de salário mínimo per capita, já possuem algum tipo de veículo automotor5.

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Vasconcellos, 2011. Bresser Pereira (2006) diferencia este desenvolvimento, das estratégias adotadas pelos regimes militares de 1964-1985, que eram baseadas em poupança externa. Rangel (2005) ressalta que os créditos garantidos por recursos fiscais futuros, que garantiam a continuidade de determinados ativos estatais se esgotara naquela época, conduzindo essa lógica à bancarrota. Já na década de 1990, representantes da ortodoxia neoliberal são guindados ao poder e levam ao extremo as intenções de privatização de ativos públicos, associados a políticas monetaristas conservadoras que conduziram o país a uma gravíssima condição de desemprego. O Governo Lula da Silva (2003-2010) buscou, então, romper com a agenda neoliberal a partir de uma combinação de medidas (saneamento da divida externa, novos mercados, investimento em infraestrutura etc.), mantendo e buscando fortalecer a iniciativa privada e estatal nacional (agronegócio, setor energético, construção civil etc.), mas até os dias atuais tem mostrado dificuldades em romper os pactos de poder que estabelece com as forças políticas conservadoras. Em certa medida, esses fatores tem tornado mais lentas as transformações no campo das infraestruturas em serviços sociais (Silveira, 2013). 3 Rangel, 2005. 4 Confederação Nacional das Indústrias (CNI), 2012. 5 Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), 2013. 2

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Por outro lado, esta dificuldade em desenvolver valores de uso coletivos voltados à produção e reprodução social, sinaliza que após 12 anos da esquerda no poder – a qual governa mediante uma ampla coalizão – esta se mantém refém de pautas conservadoras colocadas pelo “lado direito” do pacto de poder, negligenciando algumas demandas importantes de reprodução social e de direitos sociais. Esta é, em parte, uma das razões das manifestações de junho e julho de 2013. No entanto, também vale ressaltar que estas manifestações se deram por um segmento social incrementado justamente graças a este decênio de progresso econômico e social 6. Ademais, quando os movimentos sociais tradicionais e partidos de esquerda adentram as manifestações – MST (Movimento Sem Terra), CUT (Central Única dos Trabalhadores), Sem Teto, PC do B (Partido Comunista do Brasil), PCB (Partido Comunista Brasileiro), e parte do próprio PT (Partido dos Trabalhadores), desejoso de acelerar e aprofundar mudanças econômicas e sociais – o movimento passa a ser abafado pelos mesmos setores que antes o incentivavam. Além disso, a complexidade (inclusive multiescalar, interinstitucional, relação público-privado) dos problemas que envolvem os transportes e a mobilidade nas cidades brasileiras não foi contemplada pela grande mídia neoliberal na sua profundidade e, além disso, esta rapidamente catalisou as manifestações populares em seu favor, buscando orientá-la para enfraquecer o atual governo. Este contexto – que pode inclusive gestar apostasias – desacelera os saltos dialéticos, pois desaceleram as transformações sócio-espaciais. Retardam, por seu turno, os saltos de paradigma, do arcaico (ainda presente em alguns aspectos da realidade brasileira) ao moderno e deste à implantação de inovações de ordem institucional, legal, tecnológica etc. Por exemplo, há questões importantes inerentes ao problema que não foram colocadas em pauta, como os planos diretores municipais e a organização do uso do solo, fundamentais para reduzir os custos dos transportes. Há outras questões no nível do financiamento de infraestruturas e serviços, que exigem uma reorganização das contas públicas municipais (reverter a lógica de “sucateamento” dos municípios). A Prefeitura de São Paulo, por exemplo – agora sob o Governo Haddad do PT – tentara recompor a sua capacidade de inversão e de subsídio ao sistema de transportes, mediante o reajuste do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) municipal, fato que desagradou certos setores da sociedade (dentre os quais parte da mídia, grande proprietária de terras urbanas em São Paulo), dificultando o projeto. O mesmo se dá atualmente com a implantação de ciclovias e ciclo-faixas na cidade. Ademais, para que se dê uma efetiva participação popular – não só dos usuários do sistema de transportes, mas de distintos segmentos da sociedade civil e representações de classe – urge que se dê a estruturação de instituições públicas fortes, que envolvam as diferentes escalas do poder público, com poder de investimento e planejamento7. Não se trata, portanto, de enfraquecer o Estado (como querem alguns setores da sociedade brasileira), mas sim fortalecê-lo em diferentes escalas. Diante destas questões, as contradições que envolvem a oferta de transporte e a qualidade da mobilidade no Brasil, não podem se limitar ao problema do preço da tarifa – a ponta-de-lança das manifestações – que é, na verdade, um efeito de um conjunto de causas. A acessibilidade econômica ao transporte é um tópico fundamental, na medida em que 38% dos deslocamentos nas metrópoles brasileiras são efetuados a pé em longas distancias (por um segmento social que não tem outra opção) 8. Por outro lado, deve-se compreender que para dirimir este problema, devemos entender os fatores, que em conjunto, pressionam os níveis tarifários do transporte público para cima. Vejamos um pouco destes problemas no caso concreto da Grande Florianópolis, estado de Santa Catarina.

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Silveira; Cocco, 2013 Trevas (1999) aborda o problema utilizando a expressão “déficit de governo”, que deve refletir-se, especialmente nas escalas municipais e estaduais, em elementos que criam embaraços para a gestão e a organização de inovações institucionais. 8 Vasconcellos, 2011. 7

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A importância do Estado e de coesão social para efetivação de políticas de mobilidade e transportes públicos coletivos O trabalho baseia-se em categorias marxistas clássicas, associadas às categorias de análise da Sociologia e Geografia urbana marxistas, estabelecendo um diálogo crítico com as abordagens mais recentes sobre o tema proposto. Em termos mais amplos, colocamos em contradição base e superestrutura, sendo a base, o conjunto composto pelas relações sócio-econômicas, meios de produção e infraestruturas em stricto sensu9. A base estabelece uma relação dialética com a superestrutura, isto é, com os sistemas de normas, o sistema religioso, a cultura, as tradições, as estruturas de poder político etc. Em geral, as superestruturas exercem um efeito de inércia às forças produtivas (base) em ascensão, pois ainda operam como reflexo da antiga base. Como se evidencia, a chave para se discutir a questão das limitações e inovações institucionais, já estavam presentes na literatura marxista, anteriormente à aparição de noções como “padrão dependente” (path dependence), entre outras atualmente em voga 10. A noção de path dependence refere-se ao fato de que muitas vezes, forças sociais progressistas não encontram a articulação interna necessária, assim como instituições aparelhadas que as acolham, devido à permanência de um padrão institucional anteriormente estabelecido. Noutros termos, estas forças sociais carecem de espaços institucionais que possam ser “preenchidos” (filling) 11. A noção de filling é um contraponto à idéia de que os processos de descentralização do Estado são uma transferência estrutural de poder (um “esvaziamento”), quando na verdade, haverá sob esta nova instituição a pressão (e “preenchimento” desta instituição) das forças locais e regionais presentes, segundo as relações que estabelecem com os grupos de interesse. Isso ocorre devido à inércia exercida por esses modelos institucionais e estruturas de poder defasadas (antigas superestruturas) 12, que se impõem (que impõe um “padrão de referência”) à implementação de novos modelos institucionais13. Alguns exemplos são notórios, como o de instituições que norteiam políticas estritamente rodoviárias – privilegiadas, e fortemente ocupadas por pactos de interesse – em contraste ao desenho institucional dos órgãos de gestão e planejamento de transporte público, que em muitos casos são mal integrados com as autarquias de planejamento urbano e com os interesses da sociedade civil em geral14. A problemática apresentada neste trabalho é tributária de uma definição na qual o Estado e suas instituições são entidades não-monolíticas e dialéticas, ou seja, “o poder de Estado é o poder das forças sociais que atuam através do Estado” 15. Segundo este enfoque, a maior força deste ou daquele grupo de interesses dentro das instituições, deve variar, dependendo da dinâmica de cada Formação Sócio-Espacial e dos pactos de poder (nacionais, regionais e locais) nela presentes16.

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Marx, 2011. Mackinnon et al, 2010. 11 Mackinnon et al, 2010. 12 Santos, 1982. 13 Os autores lançam mão da noção de path-dependence desenvolvida por P. David & Brian Arthur (1988). Nota-se que estes teóricos não se utilizam de categorias marxistas para desenvolver suas análises, mas o conceito se assemelha muito ao comportamento das relações de produção (de transformação mais lenta) em face à mudança nos padrões das forças produtivas. 14 Low; Astle, 2009. 15 Jessop, 1990, p. 269; Lojkine, 1997. 16 Dentre estes grupos de interesse, que conformam agentes produtores de espaço, podemos citar: associações de usuários do transporte público, empresários do transporte coletivo, setores industrial, comercial e de serviços, proprietários fundiários e rentistas, capital financeiro, capital imobiliário etc. Um exemplo de diferenças entre estas forças é a maior 10

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Também é necessário saber como estas forças agem concretamente, enquanto agentes produtores do espaço da cidade, entendendo seus pactos e divergências para dentro do problema dos transportes e da mobilidade urbana17. Neste caso, não limitamos a análise à “cidade enquanto suporte de consumo coletivo”, pois buscamos compreender a dinâmica de seus agentes produtores, embora também consideremos fundamental entender o transporte e as condições de mobilidade enquanto valor de uso de consumo coletivo. Assim, consideramos que as categorias inerentes à teoria de produção do espaço e as categorias da chamada nouvelle sociologie urbaine (1960-1970), como p.ex. a categoria de valor de uso coletivo, não são excludentes entre si. A cidade, bem como os sistemas de ações e de objetos que a compõem18 – dentre os quais os serviços e infraestruturas de transporte – é “produzida”, mas é igualmente “objeto de consumo”. Contra a dicotomia entre as categorias de “produção” e “consumo”, expõe Marx que, “Consumo é imediatamente produção e produção é imediatamente consumo (...). Uma estrada de ferro não trafegada, que, portanto, não é usada, consumida, é uma estrada de ferro apenas potencial. Sem produção, nenhum consumo; mas também, sem consumo, nenhuma produção, pois nesse caso a produção seria inútil” 19. Esta dialética também se aplica ao espaço da cidade. No tocante à categoria-síntese Formação Sócio-Espacial, esta nos ajuda a acercar-nos de uma visão de totalidade (geral) sem perder a singularidade do momento histórico pesquisado (particular) 20. Por exemplo, muitos trabalhos que utilizam os conceitos de “governança” e “autogestão” desconsideram o contexto histórico e espacial no qual se inserem, passando a servir a interesses cujo objetivo é justamente o oposto: reduzir a regulação estatal (e o controle social) em diferentes setores21. Como expressa Neil Brenner (2001), parte da teoria de Lefebvre é uma resposta particular aos problemas de seu tempo, adequada ao momento passado daquela Formação Sócio-Espacial e por isso, deve-se reconhecer que possui limitações para sua aplicação no momento presente. Ademais, destaca que ele (Lefebvre) não presenciara a guinada neoliberal (e financeira) do capitalismo e a necessidade de uma resposta conjuntural por parte da esquerda, qual seja, a de fortalecer o Estado (em seu teor progressista) em todas as suas escalas 22. Em outras palavras, “materializar as utopias, exige, necessariamente, uma negociação constante com o espaço” e seu contexto histórico23, o que significa que políticas públicas inovadoras devem considerar a necessidade de adequar-se a respostas conjunturais, mediante pactos de poder progressistas. Por essas razões é um grave equívoco de alguns comentadores desta corrente teórica, a pressuposição de que o Estado é um “inimigo”, “aliado da burguesia”, fato que resulta de uma interpretação descontextualizada do conceito lefebvriano de “Modo de Produção de Estado”. Deve-se compreender sim, a “ocupação” paulatina desse Estado (em suas diferentes escalas) por forças populares e progressistas, antes alijadas da participação política, de tomada de decisões etc., que é uma das marcas conservadoras da Formação Sócio-Espacial brasileira. As categorias universais de valor de uso e valor de troca, por exemplo, devem necessariamente ser pensadas nos termos dessas necessidades de mediação, ou seja, relativizadas, e adotadas sob um

presença de patrimonialismos em formações sócio-espaciais de maior teor feudal, em comparação a sociedades nas quais estas relações estão presentes em menor intensidade. 17 Attoh, 2012. 18 Santos, 2006. 19 Marx, 2011, p.47. 20 Santos, 1982; Sereni, 1972. 21 Brenner, 2001. 22 Brenner, 2001. 23 Ahmed, 2011.

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contexto sócio-espacial e temporal específico24. No caso de um valor de uso cujo consumo é necessariamente coletivo (e, portanto, difuso espacialmente e em segmentos sociais), sua inserção em um contexto de hegemonia capitalista neoliberal é muito complexa e necessariamente exigirá diferentes formas e escalas de intervenção do Estado25. “O valor é relativo porque apenas existe em relação a uma determinada sociedade; não é uma qualidade do produto em geral, mas é o produto em uma situação historicamente delimitada” 26. Em outros termos, “o lugar segue sendo o campo de batalha entre valor de uso e valor de troca” 27. Na medida em que estes valores de uso coletivos conformam atividades ditas “supérfluas em curto prazo” do ponto de vista do grande capital28 – o qual se concentra em setores mais rentáveis e no capital fictício – estas atividades são organizadas a partir de diferentes “capitais desvalorizados” 29, dependendo do contexto30. Como veremos a seguir, as formas de organização destes valores de uso (abordo aqui o caso dos transportes públicos coletivos) variam conforme o contexto histórico e espacial, podendo assumir o modelo do Estado enquanto provedor direto dos serviços e infraestruturas de transporte coletivo; Capitais de pequeno porte como prestadores do serviço; Trabalhadores donos de seu próprio meio de produção (donos de ônibus) 31; ou a formas mistas público-privadas. Consideramos que o caso brasileiro difere tanto dos modelos encontrados em diferentes cidades européias, quanto do latino americano, haja vista que no Brasil se sucedera historicamente uma forte concentração de capitais no setor de transporte coletivo32. Neste caso, tratase de uma acumulação que se deu graças à combinação entre: 1) possibilidade de economias de escala, devido ao grande “mercado” de usuários cativos e; 2) baixa regulação estatal efetiva destes capitais, que se organizam em formas sui generis que ampliam seu poder econômico e de persuasão política. Finalmente, de acordo com a interpretação proposta por S. Jaramillo (1981) com respeito à teoria dos valores de uso coletivos, os serviços de transporte coletivo serão delegados ao Estado, e o Estado os proverá – através de subsídios diretos, ou condições ad hoc necessárias para a sua boa eficiência e eficácia, entre outras formas – conforme o nível de coesão social (forças que pactuam) ao redor deste tema33. Isso também dependerá da capacidade econômica desse Estado, diretamente associada ao desenvolvimento econômico nacional, para arcar com os déficits contábeis de um sistema de transporte de alta qualidade e eficácia, bem como, de criar e manter inovações institucionais

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Napoleoni, 2001, p.57. Farmer et al, 2011. 26 Napoleoni, 2001, p.57. 27 Wacquant, 2010. 28 Conceitualmente, Jean Lojkine (1997) coloca que da mesma forma como há atividades “acessórias à produção” que são terceirizadas pela unidade de produção capitalista – pensando o espaço interno de uma unidade de produção – o “capital em geral” tende a considerar como “supérfluos em curto prazo” certos processos externos à unidade de produção, que não repercutem de modo mais imediato na sua lucratividade, ainda que sejam necessários à realização do capital em longo prazo. 29 Lojkine, 1997. 30 Estas discussões, historicamente, partiam sempre do contexto europeu e, sobretudo, de um cenário específico do capitalismo monopolista (eram “datadas”), pelo que, como relata C. Topalov (1988) foram esgotando-se, ao passo em que a conjuntura – sobretudo baseada em estudos empíricos da realidade francesa do pós-guerra – também se transformava. 31 Jaramillo, 1981. 32 Henry, 2002. 33 Jaramillo, 1981. 25

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(instituições de planejamento e gestão) que dêem conta de operacionalizar os anseios dos pactos progressistas que desejam mais e melhor mobilidade34.

Metodologia O presente artigo foi elaborado segundo a combinação de estratégias metodológicas quantitativas e qualitativas. Esta articulação possibilitara acercar-nos mais concretamente do problema central do artigo, isto é, das contradições entre território e transportes que são tributárias das relações históricas de poder entre os diferentes grupos de interesses envolvidos 35. Metodologias quantitativas, se utilizadas de modo isolado, são muito limitadas para explicar processos que exigem uma compreensão dos aspectos superestruturais da realidade36, ou seja, de percepções, relações de poder político entre distintos atores, bem como, limitações institucionais historicamente determinadas. No que se refere à análise de dados secundários quantitativos, pautamo-nos em um conjunto de tabelas, gráficos e mapas que pudessem refletir os principais problemas dos transportes e da mobilidade do recorte de estudos. Estes foram obtidos em: 1) Dados gerais sobre transportes, mobilidade e desenvolvimento no Brasil e Santa Catarina, em web sites e relatórios oficiais de agências estatais, associações de classe e fundações de pesquisa; 2) Dados específicos sobre o desempenho (operacional, contábil etc.) dos transportes coletivos e seu planejamento, obtidos junto a empresas públicas e privadas ligadas à gestão e o planejamento dos transportes em Santa Catarina e Grande Florianópolis, como Santa Catarina Parcerias e Participações (SCPAR), Secretaria Municipal de Transportes (SMTF) e Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis (SETUF) 37 e; 3) Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes às Áreas de Ponderação, destacando (e cruzando de modo analítico), as variáveis “tempo de deslocamento cotidiano” e “trabalho em município distinto do município de residência”. Analisados em conjunto, estes dados nos oferecem um panorama geral das iniqüidades dos transportes e da mobilidade na Grande Florianópolis. Estes dados também nos possibilitaram um panorama de evolução temporal, transcorrendo – uns mais, outros menos – na esteira dos Governos Lula da Silva e Dilma Rousseff (2003-2015), isto é, dentro do período de maior desenvolvimento econômico nacional, após o Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), marcado pela hegemonia neoliberal exacerbada. É o caso das frotas de automóveis, motocicletas e ônibus (2002-2011) do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) e dos dados de desempenho do transporte público florianopolitano (2004-2011) da SMTF. É importante ressaltar que estes dados foram analisados a partir de conhecimento prévio de como se desenvolveram as empresas privadas de transportes coletivos no Brasil, bem como, a evolução histórica da atuação do Estado (federal, estadual, municipal) no setor 38. Este ponto é importante, pois sem conhecimento do processo histórico, perde-se o fio de Ariadne que nos conduz à correta compreensão do problema, da análise contextualizada dos dados e interpretação 34

A baixa qualidade dos transportes públicos nos países em desenvolvimento, que podemos exemplificar na presença de transportes coletivos ilegais; redes de transporte de baixo alcance espacial, baixa freqüência, desconforto etc., se devem menos ao fato de ser uma contra-tendência ao acumulo de capital constante, haja vista que não há evidencias históricas de “excesso” histórico de composição orgânica de capital (no caso latino americano). Segundo S. Jaramillo, neste caso, está mais associado ao fato de que estes países se localizam/localizavam em uma posição subordinada na economia mundial. Nestas formações sociais, o Estado – a única instância capaz de criar as condições ad hoc ou internas ao sistema para financiar, regular e planejar estes serviços coletivos sob o capitalismo – enfraquecera-se paulatinamente devido à orientação fortemente neoliberal que receberam em diferentes épocas. 35 Hrelja et al, 2013. 36 Røe, 2000. 37 Através de trabalhos de campo efetuados nestas autarquias e empresas. 38 Henry, 2002; Barat, 1991.

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das entrevistas. Por exemplo, deve-se ter em conta que embora inicialmente o transporte coletivo no Brasil, em geral, houvera sido produzido por empresas familiares, beirando o pré-capitalismo, deflagrou-se uma peculiar atuação do Estado no sentido de concentrar o capital destas empresas, tal como nos mostra Etienne Henry (2004). Ademais, deve-se combinar este aspecto à redução do papel do Estado no financiamento e operação direta do setor a partir da década de 1980, motivada pelo esgotamento de sua capacidade de endividamento via poupança externa. Ademais, a abordagem qualitativa, operacionalizada via entrevistas em profundidade, contribuiu justamente no sentido de entender as razões deste quadro “iníquo” apresentado pelos dados quantitativos. Destarte, se os aspectos quantitativos nos ajudaram a selecionar os problemas mais agudos da realidade estudada, as estratégias qualitativas (entrevistas e constatação in situ) nos possibilitaram um maior aprofundamento no sentido de compreender sua essência 39. As entrevistas em profundidade foram direcionadas a gestores, planejadores e técnicos de autarquias públicas, empresas privadas, sindicados dos empresários e trabalhadores do sistema de transporte coletivo, isto é, efetuadas com “agentes-chave” ligados ao problema. Ao todo foram 12 entrevistas, as quais, realizadas dentro de uma média de 1 hora e 30 minutos cada uma. Também, analisamos o discurso de integrantes do Movimento Passe Livre e seus ideólogos, cotejando suas propostas com a conjuntura econômica e institucional atual no Brasil, bem como experiências no exterior. Nestas entrevistas, buscamos extrair a percepção dos entrevistados com relação aos problemas fundamentais que se referem aos transportes e à mobilidade na região. Isso nos possibilitou compreender o posicionamento, a força política e econômica das diferentes frações de capitais de transportes; do Estado no nível estadual e municipal; dos sindicatos de trabalhadores do serviço de transportes, bem como identificar articulações/coesões ou divergências de interesses destes agentes sociais. É importante entender que estas percepções estão carregadas de posicionamentos políticos que mascaram interesses nem sempre explícitos. O discurso, nesse caso, é também um reflexo da esfera social, isto é, a estrutura social é determinante nas condições de produção do discurso 40, por essas razões é salutar que não se concentrem as entrevistas em um ou outro grupo de interesse específico. Observou-se que em muitos casos, mesmas questões obtiveram respostas diametralmente divergentes, de acordo com a instituição/classe/instância à qual o entrevistado representava. Finalmente, como pedra-de-toque para evitar a endogenia das análises, bem como a falta de alguns parâmetros de “boas práticas”, buscamos o conhecimento de alguns diferentes estágios (e em distintas formações sociais) de intervenção do Estado na provisão de transportes41, bem como a importância de um quadro institucional público de planejamento, gestão e alocação de recursos 42.

Área de estudo O presente estudo refere-se ao território abarcado pela mesorregião da Grande Florianópolis, subregião que compõe o estado brasileiro de Santa Catarina43. Com mais intensidade, neste artigo

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Miralles-Guasch, Martinez Mello & Marquet Sardà, 2012. Iñiguez-Rueda et al, 2003. 41 Docherty et al, 2004. 42 Miralles-Guasch & Cebollada, 2003. 43 A mesorregião estabelecida pelo IBGE é composta pelos municípios: Águas Mornas, Alfredo Wagner, Angelina, Anitápolis, Antônio Carlos, Biguaçu, Canelinha, Florianópolis (capital), Governador Celso Ramos, Leoberto Leal, Major Gercino, Nova Trento, Palhoça, Paulo Lopes, Rancho Queimado, Santo Amaro da Imperatriz, São Bonifácio, São João Batista, São José, São Pedro de Alcântara e Tijucas. A RMGF é composta pelos municípios de Águas Mornas, Antônio Carlos, Biguaçu, Florianópolis, Palhoça, Santo Amaro da Imperatriz, São José, São Pedro de Alcântara e Governador 40

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abordaremos dados referentes aos municípios da área conurbada de Florianópolis, quais sejam, São José, Palhoça, Biguaçu e Florianópolis, e em alguns casos, Águas Mornas, Antônio Carlos, Santo Amaro da Imperatriz e Celso Ramos. Vale ressaltar que em 2014 se aprovara a constituição da Região Metropolitana da Grande Florianópolis (RMGF) e da Área de Expansão Metropolitana, as quais, juntas, correspondem ao conjunto dos municípios da mesorregião. Florianópolis é a capital do estado de Santa Catarina e o município para o qual se dirigem o maior volume de fluxos em geral. Mapa 1. Recorte territorial do estudo

Fonte: Elaboração própria, 2014.

A mesorregião da Grande Florianópolis, está acima da média nacional no tocante ao Índice de Desenvolvimento Humano (índice de valor 0,859, a primeira do ranking entre Regiões) 44, bem como exibe outros bons índices, acima da média nacional e de outras capitais (escolaridade da população, renda per capita, etc.). No entanto, embora demonstre bons resultados socioeconômicos, seus dados referentes aos transportes e à mobilidade, ainda exibem problemas com certa similaridade aos das maiores metrópoles brasileiras, fato que endossa este recorte territorial.

Celso Ramos. Os demais municípios da Grande Florianópolis integram a chamada Área de Expansão da Região Metropolitana. 44 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 2013.

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Tabela 1: População e percentual de pessoas que trabalham em município distinto de seu município de residência, em toda Mesorregião da Grande Florianópolis. Município População Pessoas que Município População Pessoas que (2011) trabalham em (2011) trabalham em município município distinto da distinto da moradia moradia (%) 5.617 27% Major Gercino 3.289 11% Águas Mornas 9.452 3% Nova Trento 12.369 16% Alfredo Wagner 5.210 10% Palhoça 139.989 40% Angelina 3.212 2% Paulo Lopes 6.751 25% Anitápolis 7.537 16% Rancho 2.757 3% Antônio Queimado Carlos 58.983 41% Santo Amaro da 20.082 33% Biguaçu Imperatriz 10.726 20% São Bonifácio 2.992 5% Canelinha 427.298 7% São João Batista 27.135 3% Florianópolis 13.107 42% São José 212.586 36% Governador Celso Ramos 3.336 1% São Pedro de 4.790 35% Leoberto Leal Alcântara -------------------Tijucas 31.533 9% ------------------ ---------------------Fonte: IBGE, 2010.

Além de fortes correlações entre “altos tempos de deslocamento cotidiano” e “percentual de deslocamentos cotidianos intermunicipais” (principalmente nos municípios em negrito, na tabela 1), é importante destacar outras características territoriais. Uma característica importante é expressiva concentração de atividades econômicas nos municípios da área conurbada da região – em geral, como comércio, serviços, e também indústria, haja vista a presença de um distrito industrial, em São José e Palhoça, cidades onde a atividade comercial é também significativa – e, forte (e mais antiga) presença de atividades de comércio e serviços 45 (na Ilha de Florianópolis), gerando deslocamentos cotidianos continente-ilha e ilha-continente. Ressalta-se que o município de Florianópolis abarca, em parte, um território insular e uma pequena parte continental ligadas por duas pontes de 1,2 quilômetros de comprimento e uma terceira ponte que atualmente encontra-se fechada para o tráfego (mapa 1) 46. Ademais, as pontes funcionam como Vias Expressas, nas quais não há corredores exclusivos para ônibus e cujas passagens para pedestres e ciclistas são inadequadas 47. Não há, tampouco, um serviço de transporte marítimo de passageiros regular, confortável e eficaz, como alternativa às pontes. Nesta travessia, congestionamentos que duplicam os tempos de deslocamento são comuns nos horários de pico.

45

Atividades de alta atratividade, como shopping centers, serviços privados especializados em geral e atividades estatais, como autarquias municipais e de gestão e planejamento, do estado de Santa Catarina, universidades estaduais e federais, etc. 46 Esta terceira ponte é a Ponte Hercílio Luz, cuja construção data de 1926. Trata-se de uma ponte pênsil (uma das poucas que restaram no mundo), a qual, devido a apresentar problemas recorrentes de engenharia, foi fechada para restauração. 47 A única passarela para pedestres e ciclistas entre as pontes se localiza abaixo da infraestrutura rodoviária, como um segundo piso. Não está, portanto, ao ar livre, necessitando mais iluminação artificial (que é precária) e câmeras de segurança (cuja presença já indica a insegurança e a baixa utilização dessa infraestrutura). Ademais, têm ocorrido quedas de partes da passarela (blocos de concreto), como indicativo da precária manutenção recebida.

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Mobilidade urbana, movimentos sociais e desenvolvimento na Grande Florianópolis, estado de Santa Catarina Regiões como a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) ou Rio de Janeiro são célebres na sua condição de metrópoles hipertrofiadas, onde a macrocefalia urbana se imbrica a problemas socioespaciais de diversas naturezas. A própria forma urbana e de ocupação desses espaços urbanos tem efeito importante sobre o sistema de transporte e a mobilidade, resultando em severas condições de segregação socioespacial, as quais conduzem à reprodução intergeracional da pobreza nestes territórios. Há, não obstante, outras realidades pouco estudadas no quadro nacional que exibem dados interessantes para exemplificar como os aspectos mais gerais de uma Formação Sócio-Espacial48 se imbricam a particularidades locais, acirrando as contradições entre um desenvolvimento econômico ascendente e uma mobilidade urbana que tende a piorar. O estado de Santa Catarina possui a maior quantidade de automóveis por domicílio dentre os estados da federação, com cerca de 70% das residências possuindo algum veículo automotor, seguida do Paraná com 61,7%, do Distrito Federal com 59,7% e de São Paulo, com 59,1%49. Este quadro é visível em Florianópolis e região, e agrava as condições de tráfego, justamente em uma região na qual uma mobilidade urbana eficaz é imprescindível. Vale ressaltar, que se trata de uma região de forte caráter de serviços, lazer (balneários), formação de recursos humanos (universidades federais e estaduais), serviços públicos estaduais e federais, produção nacional de softwares para distintos setores etc. Ou seja, são atividades fortemente insumidoras de trabalho humano qualificado e cujo tempo disponível para interação – isto é, para interações espaciais – é fundamental50. Especificamente nas cidades da área conurbada, se verifica um expressivo aumento da frota de automóveis e motocicletas, que contrasta com a relativa estagnação e sucateamento da frota de ônibus, o único modal de transporte público coletivo. Em Florianópolis, a frota de automóveis cresceu 36%, em São José 48%, em Biguaçu 58% e em Palhoça 60%, entre 2002 e 2010. Na esteira desses incrementos de veículos individuais em trânsito, os tempos dos ciclos de linha dos sistemas de transportes coletivos por ônibus crescem substancialmente, gerando atrasos e um círculo deletério de “incremento de custos, pressão tarifária e tendência de redução de usuários”, com paulatina corrosão da eficácia do sistema, haja vista a necessidade de intervir com ônibus reserva para socorrer os usuários dos atrasos51. O resultado desta conjunção de fatores é a tendência contínua de aumento da frota de automóveis e motocicletas em circulação diária, derivada da combinação entre insatisfação do usuário, facilidade de aquisição de automóveis e incremento do emprego e da renda (gráfico 1).

48

Santos, 1982; Sereni, 1972. Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), 2011. 50 As interações espaciais, no enfoque dialético-materialista são abordadas por Silveira & Cocco (2011) e se referem às relações dialéticas de objetos socioespaciais, sujeitos e estruturas, compondo uma mesma ação, tais como a relação entre sujeito e objeto de conhecimento (interações que produzem conhecimento novo); a força de trabalho e elementos do modo de produção capitalista (produzem inovações); ou relações sociais entre sujeitos. Em síntese, provém da relação entre a categoria de interação e o conceito de espaço geográfico. Ademais, enquanto categoria filosófica, as interações se manifestam em diferentes Formações Sociais, escalas geográficas e esferas da vida social, política, econômica, etc., no interior de cada uma, ou entre elas. 51 Entrevista concedida por Waldir Gomes, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis, em 2013, na cidade de Florianópolis. 49

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Gráfico 1. Crescimento da frota de automóveis, motocicletas e ônibus nas cidades de Florianópolis, Palhoça, São José e Biguaçu, entre 2002 e 2011.

Fonte: DETRAN/SC Org. COCCO, 2012.

A despeito do aumento da dinâmica econômica geral, em virtude das deficiências técnicas e operacionais do serviço de transporte público – na capital e também na Grande Florianópolis – as variáveis (tabela 2) ou mostram estagnação de produtividade, ou redução, como é o caso das viagens realizadas no espaço interno à Ilha, as quais diminuíram em 11% entre 2004 e 2011. O aumento de passageiros transportados, em 6%, bem como o Índice de Passageiros por Quilômetro (IPK) e a quilometragem percorrida, em 4%, estão muito aquém do crescimento da frota de automóveis que supramencionamos52. Tabela 2: Evolução de indicadores de eficácia do serviço de transporte público coletivo de Florianópolis, entre 2004 e 2011. Ano Passageiros Transportados Quilometragem Percorrida IPK Viagens Realizadas 61.066.658 30.441.626 1,59 1.980.753 2004 62.626.617 28.716.204 1,64 1.872.330 2005 64.923.817 28.360.676 1,78 1.751.897 2006 65.914.066 31.315.854 1,82 1.841.961 2007 66.761.734 33.623.994 1,69 1.936.804 2008 64.260.180 32.613.400 1,62 1.888.131 2009 64.374.171 31.417.769 1,65 1.783.536 2010 64.576.617 31.806.656 1,65 1.783.308 2011 6% 4% 4% -11% Crescimento Fonte: Secretaria de Transportes de Florianópolis, 2012.

Eduardo Vasconcellos53 coloca que esse cada vez mais baixo desempenho dos modos de transporte coletivos rodoviários (ônibus), se deve a uma tendência nacional importante: a deterioração do trânsito urbano nas metrópoles – sem uma política contundente de abertura de corredores exclusivos para ônibus – tem favorecido, por parte do usuário, a busca por sistemas de transportes mais eficazes. Como reflexo desse novo cenário, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) registrara um aumento de demanda superior a 70% ao longo deste último decênio. Nos sistemas sobre trilhos em geral, o aumento é de 30%, praticamente o mesmo percentual de perda do transporte público por ônibus. O agravante é que apenas 13 regiões brasileiras possuem sistemas sobre trilhos, e dentre 52 53

Departamento Estadual de Transito de Santa Catarina (DETRAN), 2012. Vasconcellos, 2011.

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estas, a participação metro-ferroviária na matriz modal é muito baixa. Fazemos exceção à cidade de São Paulo (Metrô, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e Rio de Janeiro (Supervia Trens Urbanos) onde este modo de transporte é mais significativo na matriz modal. Não podemos nos esquecer que há também uma parte destes usuários que se direcionam para a compra de automóveis e motocicletas. Gráfico 2: Comparativo de tempo médio de viagem por distintos modos na Grande Florianópolis, em 2014.

Minutos 70 60

57,6

50 40

31,2

30 20

27,4 15,1

10 0 transporte público

transporte privado

a pé

táxi

Fonte: SCPAR, 2015.

Ainda destacando o caso da Grande Florianópolis, estudos recentes têm apontado um amplo descontentamento da população com relação ao serviço de transporte público, que é operado apenas por ônibus. Na Pesquisa de Imagem efetuada no ano de 2014, 80% dos usuários entrevistados destacaram como ruim e péssimo o tempo de deslocamento, o tempo de espera e a regularidade do serviço de transporte público. Outros 70%, conferiram as mesmas notas baixas à pontualidade e a falta de informação adequada ao usuário54. Estas percepções endossam os resultados preliminares das recentes pesquisas de origem-destino, que apontam que o tempo médio de viagem por transporte público na Grande Florianópolis é o dobro do tempo utilizando transporte privado (gráfico 2). Por exemplo, os congestionamentos e a ausência de corredores exclusivos levam a velocidade média dos ônibus, nos horários de pico, a 8 km/h55. Assim, em um trajeto concreto que se origina, por exemplo, no bairro Ingleses (Norte da Ilha de Florianópolis) até a UFSC (área central da ilha, mais próxima à cabeceira das pontes), se efetuado de automóvel leva cerca de 30 minutos, mas se é efetuado por ônibus, pode levar 75 minutos ou mais, considerando que neste itinerário de apenas 26 km, deve-se adentrar 3 terminais de baldeação, com 3 trocas de ônibus, congestionamentos etc. A própria necessidade de manobrar o veículo para entrar nos terminais, e esperar o horário de saída do ônibus, incorre em maior tempo perdido. Além disso, as linhas têm freqüências diferenciadas (algumas linhas, com freqüência de 1 hora) e sendo assim, se o usuário perde um ônibus, pode esperar até 30 minutos ou mais no terminal. Há, portanto, pouca confiabilidade para o usuário.

54

Entrevista concedida pelo Engenheiro Guilherme Custódio de Medeiros, Coordenador Técnico da SC Parcerias e Participações S.A., em 2014, na cidade de Florianópolis. 55 Dados preliminares da Pesquisa de Origem-Destino efetuada em 2014 pelo PLAMUS/SC Parcerias S.A., autarquia do estado de Santa Catarina, sob financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

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Nos trajetos continente-ilha a situação pode ser ainda mais severa, considerando que nos horários de pico o tráfego se afunila nas pontes e no sistema viário do entorno. Na recente pesquisa de contagem de tráfego – que integra a referida Pesquisa de O-D (origem destino) – se verificara que 75% dos veículos que ocupam as pontes são automóveis, 13% são motocicletas (estes ocupam 90% da capacidade das pontes) e apenas 3% são ônibus. Os 240 ônibus que atravessam as pontes nos horários de pico transportam 18.000 passageiros e, se fossem atrativos ao usuário de automóvel, poderiam retirar 6.200 automóveis/hora das pontes56. Na alta temporada de verão, agregam-se os deslocamentos diários motivados por lazer. Ressalta-se que 60% destes deslocamentos se efetuam de automóvel, tornando ainda mais severa a condição dos usuários de ônibus. São, portanto, 14.000 banhistas deixando as praias nos horários de pico (entre as 18:00 e as 20:00 horas). Destes, muitos optaram por muitas horas de viagem em automóvel, pois os dados da pesquisa apontam que 34% destes turistas são de outros estados brasileiros e 13,52% de outros países, notadamente, de Argentina, Uruguai e Paraguai 57. Portanto, as diferenças de eficácia entre transportes públicos e transportes privados individuais, destacadas, refletidas no tempo de deslocamento, na regularidade, na confiabilidade (a confiança do usuário de que chegará diariamente, a tempo hábil a seu destino) e no conforto, são aspectos negativos que se relacionam entre si e que tornam o transporte público da Grande Florianópolis pouco competitivo frente ao uso de automóveis e motocicletas. Este cenário, não raro conduz a pressões sobre o nível tarifário dos transportes públicos, pois se trata de uma baixa eficácia operacional que compromete a própria eficiência econômica do sistema. Por exemplo, os maiores gastos com diesel (22% a 29% dos custos operacionais) e as horas adicionais trabalhadas dos funcionários (força de trabalho, sem horas adicionais é de 42% a 48% dos custos) têm recaído sobre as tarifas, comprometendo uma maior parte da renda dos usuários58. Vale ressaltar que em média, as famílias brasileiras têm gastado cerca 15% de suas rendas com transportes urbanos, sendo gastos, em 2009, 2,46% da renda em transporte público e 13,31 % da renda em transportes privados individuais59. Considera-se que, em geral, tem havido uma ligeira diminuição dos gastos com transporte público entre 2003 e 2009. Nota-se também, que o incremento de renda e da formalidade no emprego, sobretudo na última década, estimulou aumento de gastos com transportes privados, pois possibilitou o crédito e a aquisição financiada destes veículos. Todavia, nos estratos de renda mais baixos, houve maiores gastos com transporte público, em função do aumento da mobilidade em geral, como consequência do crescimento econômico. Por exemplo, no intervalo de renda de até R$ 532,00, o transporte público compromete, em média, 10,30% da renda. No segundo intervalo de renda familiar per capita (salário padrão de R$ 917,00) o comprometimento da renda segue alto, tendo em média, 7% da renda gasta com um transporte público de baixa qualidade60. Se considerarmos o caso concreto de Florianópolis, onde este intervalo de renda corresponde a 50% dos salários recebidos, pode-se gastar até 9% deste salário61. Já em um 56

Dados preliminares da Pesquisa de Origem-Destino efetuada em 2014 pelo PLAMUS/SC Parcerias S.A., autarquia do estado de Santa Catarina, sob financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). 57 Segundo os resultados preliminares da Pesquisa de O-D da SC Parcerias, 26% são provenientes da própria Ilha, 19% da RMGF e 7,31% de outros municípios catarinenses. 58 Entrevista concedida por Waldir Gomes, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis, em 2013, na cidade de Florianópolis. 59 Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, IPEA, 2013. 60 Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, IPEA, 2013. 61 Considerando a tarifa reajustada em 2015, no cartão (R$ 2,98,00), utilizada em uma ida e uma volta durante um mês. A tarifa paga diretamente em dinheiro foi reajustada a R$ 3,10.

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sistema de transporte público como o de Barcelona, se consideramos a renda média da população da Região Metropolitana de Barcelona (a RFDBPC - Renta Familiar Disponible Bruta Per Capita), estima-se que 4,7% dessa renda62 sejam gastas com transporte público63. Finalmente, é importante ressaltar que a forte presença do Movimento Passe Livre (MPL) em Florianópolis, guarda uma relação com todas estas questões estruturais, haja vista que estas iniqüidades têm recaído sobre o usuário, refletindo em aumentos consecutivos de tarifa, com seu peso importante sobre a renda da população usuária, e também sobre os motoristas e cobradores, conduzindo a greves e paralisações do sistema. Nota-se que o MPL em Florianópolis tem um histórico fortemente relacionado aos aumentos históricos de tarifa na região desde os anos 2000, aonde se chegou a um aumento de 15% nas tarifas 64. Com efeito, no caso catarinense, entendemos que estas iniqüidades conjunturais são tributárias de duas contradições estruturais: uma contradição entre o território e os sistemas de transportes implantados e outra que se refere às estratégias (algumas extra-econômicas) do empresariado de transportes, que visam compensar esse contexto problemático individualmente, em função de suas necessidades de acumulação. As pressões por consecutivos aumentos de tarifa, no entanto – que é o foco desses movimentos sociais – é muito mais um resultado desse contexto.

Contradição entre território e sistema de transportes na região da Grande Florianópolis A ausência de instâncias públicas devidamente aparelhadas, tais como autarquias, empresas públicas e secretarias com poder “de fato”, bem como mesas de participação popular que congreguem as forças sociais são um traço comum na Grande Florianópolis. Executivos e planejadores de autarquias e instituições de planejamento importantes declaram abertamente a ausência de “estímulos em suas atividades”, bem como “um quadro de funcionários demasiadamente antigo” que “necessitaria de novos integrantes” 65. Este fato dificulta que certas contradições sejam encaminhadas a contento, com participação popular e a presença de intelectuais orgânicos no planejamento e na tomada de decisões. 62

Estimativa elaborada por Marc A. Garcia i Lopez, Diretor Técnico da ATM, em 2014. Aqui, vale ressaltar que se trata de uma média. Consideremos algumas situações mais concretas. Se considerarmos o exemplo de um “mileurista” (cerca de €1.200,00 mensais de salário) que vai e volta do trabalho, utilizando o cartão TMês 1 zona, em Barcelona (preço de € 52,75, garantindo viagens integradas ilimitadas durante um mês, o que equivale a € 1,75 diários), chega-se a 4,3% do salário gasto com transporte público. Segundo Vicenç Navarro (2009), baseado em dados da Eurostat e do Instituto Nacional de Estadística de Espanha, o “mileurista” corresponde a cerca de 43% dos assalariados no país. Com o uso da T-10 (o bilhete mais utilizado de Barcelona), são cerca de € 40,00 mensais e, portanto, 3% da renda gasta mensalmente com transporte público. Já a tarifa no espaço interno de Florianópolis, reajustada em 2015, já está em R$ 3,10 (equivalente a aproximadamente € 1,00) por viagem realizada (se consideramos uma ida e uma volta somam-se € 2,00). Além disso, deslocamentos por ônibus entre as demais cidades da RMGF e a cidade de Florianópolis não integram, exigindo pagamento de mais uma passagem (ainda mais caras, p.ex. de São José a Florianópolis chega a R$ 3,40). Portanto, Florianópolis e a RMGF oferecem um transporte público ineficiente, desconfortável e de baixo custo-benefício à sua população, como resultado de pouco investimento em serviços e infraestruturas de transportes (poder público e dos operadores privados) e também pouco subsídio. 64 A idéia do Passe Livre e da Tarifa Zero no Brasil surge com a prefeitura de Luiza Erundina (PT) em São Paulo (1990) e seu principal idealizador foi Lúcio Gregori, então secretário de transportes. Enquanto isso, em Florianópolis (1996) é apresentado pela Prefeita Ângela Amin (a família Amin é umas das poderosas famílias de Florianópolis, detentoras de terras etc.) o Sistema Integrado de Transportes, que estrutura os citados “terminais de integração”. Em 2004, com o aumento de 15,6% sobre as passagens, estoura uma série de confrontos conhecidos como Revolta das Catracas, que se seguiram sempre que havia alguma ameaça de aumento abusivo de tarifa. 65 Entrevista concedida por Lauro Guesser, Gerente de Estudos e Projetos do Departamento Estadual de Transportes e Terminais (DETER), em 2013, na cidade de Florianópolis. 63

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A contradição entre território e transportes na Grande Florianópolis é o reflexo espacial destes problemas cujo cerne está, portanto, na superestrutura (nas relações sociais, políticas etc.). Isto é, o atraso das relações de produção opera uma inércia-dinâmica ou contra-finalidade66 às novas relações necessárias para reestruturar/reordenar o território. As forças produtivas em ascensão contradizem-se com a morosidade de avanço das relações de produção67. O fato é que não se arregimentam as forças políticas e sociais (em diferentes escalas de poder) que são necessárias para acelerar estas transformações. Mapa 2. Fluxos de viagens de transporte coletivo na Grande Florianópolis

Fonte: Elaboração própria a partir de Geipot, 1978.

No caso de Florianópolis, evidencia-se que o processo histórico de estruturação do espaço regional – no qual se verifica a existência de uma área em metropolização com espraiamento de certas funções da capital (Florianópolis) a outros municípios (por exemplo, moradia) – não foi acompanhado do desenvolvimento de sistemas de transportes eficazes e tampouco de uma estruturação urbana (intraurbana e regional) amparada por leis de uso do solo adequadas para a mobilidade. Estruturada 66 67

Santos, 1982. Silveira, 2013.

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ao longo de um sistema rodoviário regional, a área conurbada de Florianópolis e alguns municípios da Grande Florianópolis, condicionam densos fluxos cotidianos intraurbanos e intermunicipais continente-ilha tão somente através de uma infraestrutura rodoviária para a travessia do mar (Pontes Governador Pedro Ivo Campos e Governador Colombo Machado Salles) (mapa 2). Como é possível analisar, o maior percentual das viagens cotidianas por ônibus, se dava – e ainda se dá, apesar de haver complexificação de espaços intraurbanos e fluxos ilhéus com destino para o continente – entre as cidades da área conurbada e a capital Florianópolis, sendo menor o percentual de viagens internas às mesmas. Fazemos exceção aqui, ao volume de viagens do espaço interno da Ilha, que é o mais expressivo68. Tabela3. Viagens por transporte publico coletivo nas 8 cidades do estudo do Geipot, em 1978. Destino Origem Florianópolis São José Palhoça Biguaçu Santo Amaro Águas Mornas Antônio Carlos Governador Celso Ramos Total

Florianópolis

São José

Palhoça

Biguaçu

Santo Amaro

Águas Mornas

Antônio Carlos

Gov. Celso Ramos

Total

102.753 17.754 1.957 1.390 251 9 0 114

18.166 4.075 767 608 26 0 0 19

2.017 730 1.156 6 63 0 0 0

1.394 586 6 318 3 0 6 73

240 35 67 3 179 12 0 0

9 0 0 0 12 0 0 0

0 0 0 6 0 0 0 0

115 25 0 66 0 0 0 22

124.694 23.205 3.953 2.402 534 21 6 228

124.228

23.661

3.972

2.386

536

21

6

228

155.038

Fonte: GEIPOT, 1978.

O que se verifica é que, historicamente, a contradição entre a organização espacial da Grande Florianópolis e o sistema de transporte público implantado, não corresponde a uma contradição para os operadores de transporte público (empresas de transporte por ônibus), os quais se condicionaram – pela fraqueza do poder público – a concentrar a oferta do serviço de transporte por ônibus em determinados horários e linhas, mas principalmente na travessia continente-ilha e na área central de Florianópolis. Este processo foi tributário da própria estruturação espacial e conseguintemente, da organização espacial da demanda na região. A estruturação desta demanda (inicialmente concentrando a população na ilha), iniciada com pesados investimentos estatais, se deram entre as décadas de 1950 e 1970, quando, paulatinamente foram sendo instalados diversos equipamentos estatais de gestão e planejamento, universidades e empresas públicas, isto é, uma concentração de centralidades da ilha de Florianópolis69. Nesta época, instalam-se na capital, autarquias e empresas públicas estaduais e federais, tais como o Banco do Estado de Santa Catarina (BESC), as empresas Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A.(CELESC) e Telecomunicações de Santa Catarina S.A (TELESC), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), o Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER), a Eletrosul Centrais Elétricas S.A., o Departamento de Transportes e Terminais de Santa Catarina (DETER) e o Departamento Estadual de Infraestruturas (DEINFRA), entre outros. Em 1960, a rodovia BR-101 e em 1970, as pontes Pedro Ivo Campos e Colombo Machado Salles começaram a ser estruturadas. Destarte, entre as décadas de 1960 e 1990, começa a construção do sistema viário regional, espraiando a população também pelo continente. O fato contundente é que, com o passar do tempo, o sistema de transporte não acompanhou a complexificação dos espaços intraurbanos e regionais. Como se pode verificar, na medida em que os deslocamentos cotidianos por transporte público são dependentes das pontes Ivo Silveira e Colombo Salles, fluxos oriundos dos municípios de Palhoça e Biguaçu, ou de Governador Celso Ramos e 68 69

Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT), 1978. Bastos, 2000.

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Santo Amaro da Imperatriz, devem necessariamente acessar o sistema viário de São José, onde mais passageiros embarcam para a Ilha de Florianópolis. Ademais, esse contexto conduz a um IPK (Índice de Passageiros por Quilômetro), considerado inadequado pelos capitais de transportes da região, fato que impulsiona os mesmos a executarem estratégias que em muitos casos aviltam a qualidade do serviço para o usuário sem uma consecutiva redução tarifária. É interessante notar que na cidade de São José fora efetuado um estudo (no ano de 2003), para a implantação de um sistema intraurbano de transporte público adaptado às condições viárias da cidade (com microônibus etc.), mas este foi abandonado. Além disso, a Lei Municipal 4609/2008 que estabelece as diretrizes locais para o sistema de transporte coletivo de São José (intraurbano) previa o estabelecimento de um Conselho Municipal de Transportes (CMT), que não se implementou a contento. Estes fatos podem ser interpretados como uma forte “ocupação do Estado” por interesses das empresas operadoras em concentrar a oferta de serviço no corredor de alta demanda continenteilha, desestimulando a oxigenação da cidade de São José 70. Em outras palavras, na prática, quem acaba por “planejar” o território e os transportes e moldá-los segundo seus interesses são os interesses particulares do empresariado de transportes e não do Estado consoante o interesse da população. Vale ressaltar que estes deslocamentos pendulares metropolitanos (commuting), estruturam-se primeiramente, segundo a Formação Sócio-Espacial, como destacamos anteriormente, pela edificação de pólos geradores com funções estatais, na parte insular e poucas funções na parte continental. Com a construção das pontes e das rodovias estaduais e federais (maior facilidade de deslocamento rodoviário), houve maior ocupação dos espaços adjacentes, ao mesmo tempo, complexificaram-se os espaços internos das cidades e estruturaram-se origens e destinos importantes na área continental e insular. No entanto, se reforçara – e se continua a reforçar – a atratividade da Ilha, com relação ao restante da região, como exibido no gráfico abaixo (gráfico 3). Gráfico 3: Geração e atração de viagens nos municípios da Grande Florianópolis, em 2014.

Viagens/dia São Pedro de Alcântara São José São Bonifácio Santo Amaro da Imperatriz Rancho Queimado Palhoça Govenador Celso Ramos Florianópolis Biguaçu Antônio Carlos Anitápolis Angelina Águas Mornas 0 Atração de viagens

500.000 1.000.000 1.500.000 Produção de viagens

Fonte: SCPAR, 2015.

70

Entrevista concedida pelo Vereador do Partido dos Trabalhadores em São José, Antonio Luiz Battisti, em 2013, na cidade de São José-SC.

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O gráfico 3 mostra uma grande atração de viagens nos municípios da área conurbada de Florianópolis. Destarte, pela maior concentração de empregos e demais atividades, Florianópolis segue atraindo a maior parte das viagens da Grande Florianópolis (63,31% das viagens), logo em seguida observa-se São José (18%), Palhoça (11,46%) e Biguaçu (3,51%), também com significativa presença de empregos e demais atividades urbanas, mas, sobretudo, áreas de expansão urbana (habitações). Nota-se que o único município da região que atrai mais viagens do que produz é Florianópolis, que gera 862.142 viagens e atrai 1.125.382 viagens diariamente, todos os demais produzem mais viagens do que atraem71. Com exceção dos municípios da área conurbada, observa-se que os demais municípios – muitos com grande extensão territorial e pequeno porte (número de habitantes) – geram e recebem menos viagens. Alguns como Angelina e Rancho Queimado, recebem 2.546 viagens diárias em média (muita ocorrência de segunda residência, visitas familiares etc.). Assim mesmo, ocorrem congestionamentos entre estes municípios e a Ilha e mesmo entre estes e os municípios da área conurbada, inclusive pelo fato de que o sistema viário é insuficiente e o uso do automóvel é intenso. As rodovias federais e estaduais que ligam estes municípios compõem pistas simples, portanto, sem ultrapassagem. Por seu turno, o transporte público por ônibus possui poucos horários (em muitos casos, 2 ou 3 horários ao dia, saindo de Florianópolis, o que reforça o uso do automóvel). Devemos considerar também que estes fluxos se somam e se avolumam nas pontes, deflagrando em severos congestionamentos como nos aponta os dados recentes da pesquisa de origem-destino efetuada pela SC Parcerias. Estes dados nos mostram que mais importante do que um novo sistema viário e uma nova ponte, é um planejamento metropolitano da mobilidade e do uso do solo. Todavia, não houve (e não tem havido) uma postura proativa no sentido de regular o uso do solo, seja no âmbito intra-urbano, como no metropolitano. Por exemplo, segue-se construindo pólos geradores de tráfego de alta atração na ilha de Florianópolis, que possui um ecossistema frágil em grande parte de seu território (mangues, morros florestados etc.) que poderiam ser edificados na área continental. Por outro lado, nos municípios continentais de Biguaçu e, sobretudo Palhoça, onde se evidencia uma mais pujante expansão urbana residencial, há pressão para que o novo Plano Diretor Municipal preveja aumento de 2 andares para 4 andares, para construções até 600m do mar. Outro ponto importante é a proposta do setor para autorizar a construção de edifícios de até 10 pavimentos, no caso de empreendimentos hoteleiros. Isso, sem uma desconcentração de atividades e soluções para a mobilidade, pode ampliar os problemas já existentes. Estes fatos exibem a existência de um contexto metropolitano, que carece, no entanto, de órgãos, autarquias e sistemas de normas eficazes. Vale reiterar que no início do ano de 2014 o Governo do estado de Santa Catarina encaminhara um projeto de lei complementar (PLC) para implementação da Região Metropolitana da Grande Florianópolis (RMGF), a qual abarca agora 9 municípios e mais 4 municípios de sua área de expansão metropolitana, possibilitando acessar recursos da União. A RMGF também possuirá uma autarquia específica, a SUDERF (Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Florianópolis), cuja finalidade será tratar de questões específicas da escala metropolitana. Até então Santa Catarina era o único estado do sul do Brasil sem uma regionalização metropolitana. Todavia, passado o tramite e a aprovação da região metropolitana, as regras e diretrizes ainda parecem ser pensadas individualmente por cada município

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Dados preliminares da Pesquisa de Origem-Destino efetuada em 2014 pelo PLAMUS/SC Parcerias S.A., autarquia do estado de Santa Catarina, sob financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

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(o transporte, os planos diretores etc.), o que enfraquece a ação das instituições públicas estaduais e metropolitanas.

Dificuldades institucionais e hegemonias na gestão da mobilidade e dos transportes na Grande Florianópolis Quando falamos em dificuldades institucionais dos transportes na Grande Florianópolis, referimonos ao fato de que as instituições que presentemente gerenciam as infraestruturas e serviços de transportes e mobilidade nos municípios, na região metropolitana e no estado de Santa Catarina, estão desenhadas segundo as necessidades da época nas quais foram constituídas. Permaneceram, portanto, com pouca ou nenhuma reestruturação, tornando-se demasiadas “rígidas” e “estanques” para enfrentar os desafios que se acercam do tema. Essa rigidez pode ser observada na ausência de concertações interinstitucionais, comportamento que é fundamental para a eficácia do planejamento e da gestão de transportes e mobilidade. Por exemplo, os deslocamentos em commuting entre os municípios da Grande Florianópolis, derivados do processo de metropolização, fazem com que a rodovia federal (BR-101) concedida ao Grupo OHL/Abertis, funcione como via regional/local. Fato que tem demandado uma série de obras, as quais, no entanto, não têm sido realizadas72. Ademais, não raro se fecham os acessos urbanos da rodovia, os quais são muito utilizados, mostrando a ausência de hierarquia viária e, também, de um diálogo mais aproximado entre instituições de distintas jurisdições. O mesmo ocorre com as rodovias estaduais preteritamente construídas para interligar os balneários da parte insular de Florianópolis (rodovias SCs), as quais servem como vias de fluxo local bairrocentro (e que são as únicas alternativas de mobilidade rodoviária presentes). Este uso cotidiano se reflete em fluxos de veículos individuais e coletivos em tráfego misto, conduzindo a lentidão de trafego que afeta mais intensamente os usuários de ônibus. A autarquia estadual responsável declarara que “a abertura de corredores de ônibus não é sua atribuição” 73. No entanto, a manutenção deste cenário tem dificultado sobejamente a mobilidade de moradores dos bairros do extremo sul e norte da Ilha, que vão diariamente ao centro. Exibe, portanto, que há uma contradição entre os serviços de transporte e o território, mas também entre estes e as infraestruturas que os sustém. O último plano amplo de reestruturação do sistema viário regional, que inclusive previa corredores de transporte coletivo, fora efetuado em 1978, por uma extinta autarquia do Governo Federal, o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (GEIPOT), mantida sob os auspícios do endividamento externo do regime militar. Outro exemplo claro de como a ausência de diretrizes e de uma instância metropolitana de planejamento pode comprometer a melhoria da mobilidade, é o da ligação rodoviária então denominada de PC-3 – concebida pelo GEIPOT – que, dotada de corredores, faria uma ligação rápida entre o interior continental da Grande Florianópolis e a cabeceira das pontes Pedro Ivo Campos e Colombo Salles74. Esta foi inviabilizada pelo fato de que as Prefeituras responsáveis, à época, não reservaram os terrenos necessários para sua construção. No tocante às autarquias de planejamento e gestão dos serviços de transporte, primeiramente – do mesmo modo como ocorre com as infraestruturas de transporte – vale destacar a inexistência de uma 72

Devido a estes problemas, as obrigações de contrato de concessão obrigavam o Grupo OHL a efetuar investimentos na rodovia, mas a alegação recorrente do Grupo era a de que os pedágios cobrados não garantiam lucratividade a contento. O grupo então transfere seu controle acionário para o Grupo Abertis, que cria a empresa concessionária Arteris. O grupo se tornou a maior concessionária de rodovias do mundo. 73 Entrevista concedida por William Worcikiewicz, Diretor de Planejamento do Departamento Estadual de Infraestruturas (DEINFRA), em 2013, na cidade de Florianópolis. 74 Entrevista concedida pelo Engenheiro Guilherme Custódio de Medeiros, Coordenador Técnico da SC Parcerias e Participações S.A., em 2013, na cidade de Florianópolis.

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instituição que os planeje e gerencie na escala metropolitana. Com a aprovação da RMGF, espera-se que a SUDERF atue proativamente nesse sentido. Paralelamente, mas também de modo recente, o vazio institucional referente ao planejamento de infraestrutura de transporte coletivo metropolitano tem sido ocupado por uma autarquia que, a princípio, não possuía esta atribuição, a SC Parcerias S.A. Ademais, há uma perceptível desconexão do serviço de transporte coletivo intermunicipal (gerido pelo DETER) e dos serviços de transportes municipais (geridos pelas Secretarias de Transporte Municipais), que contrastam com a dinâmica regional. A desconexão dos serviços, neste caso, é o reflexo da desarticulação institucional, mas também de sua fragilidade, pois tanto o DETER, quanto o DEINFRA, as Secretarias Municipais de Transportes e o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), entre outras autarquias públicas, carecem de reestruturação em nível de pessoal; novos concursos públicos; planos de carreira atraentes; troca contínua de informação com outras instituições (benchmarking); de mecanismos legais e; capacidade de investimento. Nesse contexto, quem planeja ou reestrutura o sistema são as próprias empresas de ônibus, segundo suas necessidades, tendo o poder público, em muitos casos, o mero papel de dar o aval às mudanças. O mesmo se dá com os incorporadores imobiliários, que inclusive atuam fortemente no sentido de dissuadir, atrasar e interferir na elaboração de Planos Diretores das cidades da região. Destarte, inexiste até o momento a atuação efetiva de uma autarquia pública que contemple as funções de planejamento metropolitano de serviços de transportes, organização dos serviços (operacional), alocação de recursos para subsídios, integração de políticas de mobilidade (uso do solo, planejamento urbano e transportes) e acesso irrestrito à contabilidade de todo o sistema. Por outro lado, se evidenciam custos crescentes dos operadores privados, que são saneados segundo estratégias por vezes espúrias, pressões por aumentos de tarifa, endividamento, etc. É interessante notar que um cenário semelhante, deflagrou primeiro, na estatização de parte do sistema de transporte público e posteriormente, na constituição da Autoritat del Transport Metropolità (ATM), em Barcelona, dando os primeiros contornos de um modelo de gestão, financiamento, planejamento e de padrão de eficácia específico, onde o setor público – enquanto stakeholder – tem um papel preponderante. Assim sendo, enquanto no padrão europeu (cidades que compõem a EMTA75), em geral, o Estado (de modo tripartite, estado nacional, regional e municipal) subsidia cerca de 50% dos custos do setor, o transporte coletivo de Florianópolis – operado apenas por empresas de ônibus – recebe unicamente um subsídio da Prefeitura, entre 8% e 9% do custo total do sistema. O fato contundente é que no caso brasileiro, atualmente há recursos disponíveis (federais, estaduais) para compor juntamente com os recursos municipais, mas faltam as instituições públicas e os caminhos necessários para orientar e alocar os mesmos. No caso florianopolitano, o pequeno subsídio, bem como o montante proveniente das tarifas são alocados pelo Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis (SETUF). As empresas, por seu turno, sempre se declaram “em bancarrota”, devido ao aumento generalizado dos custos (trabalhistas, operacionais etc.), queda de IPK, tráfego em comboio etc. De fato, devido aos congestionamentos, urge utilizar mais ônibus em circulação (para manter a freqüência do sistema), conseguintemente, aumentando custos76.

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De modo geral, se pode afirmar que as cidades que compõem a EMTA (European Metropolitan Transport Authorities) possuem um padrão semelhante de subsídios e nível de serviço, ainda que as formas de governança, tecnologia aplicada, etc., sejam diferenciadas (vide os casos de Madrid e Barcelona), variando conforme a Formação Sócio-Espacial. 76 Entrevista concedida por Waldir Gomes, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis, em 2013, na cidade de Florianópolis.

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No entanto, tal como nos mostra o exemplo de Barcelona – onde o negócio de transporte também entrara em crise, primeiramente nos anos 1957, deflagrando na municipalização de parte do sistema e em 1997, determinando a criação da Autoritat del Transport Metropolità ATM – o que se deve sublinhar é a exigência de uma instância pública confiável, na qual se possa, primeiramente, acompanhar a evolução contábil do sistema77; o quantum concreto de subsídio necessário e; caso a caso, a remuneração adequada ao capital operador. Considerando, inclusive, o acesso público e a divulgação de informes mensais e anuais à sociedade. Vale sublinhar que em face à bancarrota dos operadores de transporte de Barcelona, a principal exigência do Estado espanhol para arcar com parte importante das subvenções e sanear as dividas das empresas de transporte, foi a constituição da ATM. Em Barcelona, quanto aos operadores privados, hoje, cada qual tem seu contrato específico firmado junto ao poder público, donde os subsídios, em alguns casos, garantem a taxa de lucro e o risco de negócio (para operadores de ônibus de pequeno porte, se a demanda oscila demasiadamente ou opera em espaços comprovadamente deficitários). Noutros casos há um subsídio mínimo e os demais recursos provenientes da tarifação, ou seja, o risco do negócio e a taxa de lucro estão a cargo do capital operador (é o caso da operadora privada TRAM, dos Tranvías) 78. Esta forma de atuação conduz a um modelo baseado em custo-benefício social dos investimentos e não no custo beneficio do capital individual operador79. Neste caso, vale destacar também que o stakeholder público é mais atuante e, inclusive, é único operador nos espaços de maior demanda. De modo diverso, na Grande Florianópolis, a governança do sistema tem sido feita desde um agente público pouco atuante, e, sobretudo, desarticulado, e um empresariado de ônibus que é organizado inclusive nacionalmente.

Atuação dos capitais de transportes e limitações da mobilidade na região da Grande Florianópolis Como vimos desenvolvendo ao longo deste trabalho, as históricas manifestações pela “tarifação zero” do serviço de transporte, pelo passe livre estudantil, bem como as recentes manifestações contra os aumentos das tarifas, devem ser compreendidas como efeitos de décadas de negligência do conjunto da sociedade, para com a mobilidade urbana e os transportes públicos coletivos. Nesse caso, ocorre que cada agente social (ou grupo de agentes sociais) acaba buscando um encaminhamento individual para compensar a ausência de uma coesão de interesses que oriente a construção de uma política contundente de mobilidade80. Nesse vazio institucional histórico, abriu-se a possibilidade de ampliação do poder do empresariado de transportes por ônibus, o qual utiliza estratégias de lucratividade que operam reduções de eficácia do serviço de transporte (diminuição de horários e linhas mais rarefeitas, p.ex. às praias e aos fins de semana), entre outras estratégias. A partir de uma análise do discurso de atores envolvidos, verifica-se, que para conter a ação das indivisibilidades urbanas e oscilações conjunturais da demanda81, o empresariado de transportes lança mão, historicamente, de distintas estratégias (operacionais, organizacionais etc.) para aumentar a rentabilidade do serviço, à revelia das necessidades dos usuários, dentre as quais, podemos citar o 77

Entrevista concedida por Marc A. Garcia i Lopez, Diretor Técnico da ATM, em 2014, na cidade de Barcelona. Entrevista concedida por Michael Pellot Garcia, executivo da empresa TMB – Transports Metropolitans de Barcelona, em 2014, na cidade de Barcelona. 79 Rangel, 2005. 80 Vale lembrar que no âmbito federal, durante o Governo Lula da Silva (2002-2006) e Dilma Rousseff (2007-2014) se elaborara e aprovara a Lei de Mobilidade Urbana (Lei 12.587, 3 de janeiro de 2012), a qual lança diretrizes gerais sobre o problema, mas preserva o pacto federativo e a auto-determinação das regiões metropolitanas e das cidades na elaboração de seus planos específicos. 81 Camagni, 2005. 78

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não recolhimento do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Este fato é confirmado por distintos sindicatos e empresas de transporte no Brasil, que, no entanto, expõe que tais dívidas – oriundas da impossibilidade de conter a escalada de aumento geral dos custos do sistema – vêm sendo saneadas devido à exigência das novas licitações82. Em geral, os vencedores das licitações têm sido as mesmas empresas que antes operavam, só que agora, concorrendo como um consórcio de empresas, a exemplo do que ocorrera em Florianópolis, agora sob operação do Consórcio Fênix, onde se agregam cinco empresas operadoras. Esta estratégia, legalmente válida, advém do fato de que no Brasil, as licitações têm como uma das principais exigências, a capacidade de investimento (considerando patrimônio, número de veículos disponíveis, know how etc.) 83. Estas formas de licitação e concessões são pouco críveis, haja vista que uma vez licitado o consórcio/empresa, estas obrigações não são cumpridas, não constam claramente nos contratos, ou são contestadas pelos operadores, que se embasam nos índices de IPK, aumentos de custos, etc. Outra prática comum é o aumento da exploração da força de trabalho (motoristas e cobradores) com horas-extras e banco de horas etc.84. Destarte, operam-se estratégias de rentabilidade mais imediata, juntamente com pressões pelos aumentos nas tarifas junto ao poder público, cujas justificativas vão desde os acordos de reajuste salarial do setor85, aumento de custos operacionais devido aos congestionamentos e outros fatores macroeconômicos (inflação, preço do óleo diesel, exigências técnicas como renovação de motores menos poluentes etc.), bem como baixas conjunturais do IPK. Outra estratégia comum é a compra de veículos já depreciados. Em certos casos, onde a legislação municipal determinava um limite de idade de 10 anos para a frota rodante, compravam-se veículos depreciados de municípios onde a idade limite é de cinco anos86. Nacionalmente, alguns operadores, inclusive, conformam-se enquanto grupos econômicos de abrangência nacional, efetuando uma “ciranda de frotas de ônibus” entre as empresas que compõem o grupo87. Estas estratégias, embora garantam certa eficiência econômica ao capital de transportes, não asseguram uma mobilidade eficaz para o usuário. Por exemplo, nos fluxos cotidianos relacionados ao trabalho no espaço interno da ilha de Florianópolis, desde bairros como Ingleses e Rio Vermelho (extremo norte da Ilha), bem como Pântano do Sul, Ribeirão da Ilha e Carianos (extremo sul da Ilha), cerca de 30% das mobilidades cotidianas para o trabalho se dão entre 1hora e 2 horas 88. Ademais, a freqüência dos serviços é menor nestas áreas de baixo IPK (IPK de 1,2 e 1,3 no norte e sul da Ilha, contrastando com os 2,1 na área central), fato que corresponde à visão de negócio praticada na 82

Entrevista concedida por Waldir Gomes, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis, em 2013, na cidade de Florianópolis. 83 Rolim et al, 2010. 84 As greves dos motoristas e cobradores do serviço de transporte público coletivo da Grande Florianópolis (que ocorre de modo recorrente, tendo a última ocorrido em junho de 2013), organizada pelo SINTRATURB (Sindicado dos Trabalhadores do Serviço de Transporte), deve ser entendida nesta chave. 85 Entrevista concedida por Deonísio Linder, Líder Sindical do Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Urbano da Grande Florianópolis – SINTRATURB, em 2013, na cidade de Florianópolis. 86 Diz-se que estas práticas já não ocorrem. 87 Ou seja, uma empresa de um determinado grupo de operadores (algumas organizadas como holdings, com investimento muito diversificado) cede material rodante depreciado a uma empresa, do mesmo grupo, que opera em outra cidade, segundo o limite de idade da frota aceito em cada município. Para Etienne Henry (2002), são basicamente 5 os grandes grupos econômicos de transporte por ônibus no Brasil, que correspondem a 5 famílias com forte influencia político-econômica: Constantino, Barata, Ruas, Canhedo e Souza. O mais importante deles, o grupo da família Constantino, possui 45 empresas e uma frota de 15.000 ônibus. 88 O IBGE, no Censo, não diferencia o modo de transporte utilizado para estes deslocamentos.

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operação do transporte coletivo. Quanto às origens de deslocamentos provenientes de municípios fora da área conurbada, facilmente levam mais de 2 horas até chegar a Florianópolis ou São José. Mesmo diante destes problemas concretos, a percepção dos operadores de ônibus com respeito à necessidade de reestruturação do sistema de transportes da Grande Florianópolis ainda é limitada ao modo ônibus, estando ausente a mentalidade de rede intermodal. Na Grande Florianópolis, verificase um aumento significativo da utilização de ônibus articulados e biarticulados que trafegam em transito misto, com o duplo objetivo de, por um lado, acomodar mais passageiros nas linhas troncais de maior demanda e por outro, eliminar os chamados ônibus socorristas, reduzindo assim, motoristas e cobradores part time89. A defesa do ônibus como modo troncal de transporte é partilhada também pelos próprios agentes que seriam os intelectuais orgânicos a atuar junto aos poderes constituídos em favor da população, como pesquisadores e planejadores de transporte90. Mesmo alguns representantes do MPL, quando questionados sobre a necessidade de inserir o problema da escolha dos modais de transporte na agenda de reinvidicações – pois a eficácia e o conforto são tão importantes para a população quanto o preço da tarifa – consideram como sendo algo “fora do foco do movimento social”, que deve, segundo eles, focar-se na questão tarifária. Por outro lado, para muitos executivos e planejadores públicos europeus, O “BRT, na verdade, se conforma enquanto uma alternativa mais módica, mas que tem uma vida útil menor” e ainda, que “mostra limitações de conforto, comparativamente aos sistemas metro-ferroviários de alta e média capacidade” 91. Aqui há também um componente histórico, pois ao contrário de cidades como Barcelona, ou do norte da Europa, onde os sistemas sobre trilhos, desde muito tempo ocupavam os eixos de alta demanda (vide os trilhos da FGC e Metrô de Barcelona), no caso de Florianópolis, a oferta de transporte no eixo de grande demanda – desde a construção da primeira ponte, nos anos 20 – foi provida por ônibus e pelo automóvel92. Além do fato de que com as pontes, desativara-se o serviço de transporte marítimo e também a linha de bondes a tração animal (que se projetava ser elétrico) do centro de Florianópolis93. O fato contrastante é que recentemente, em diversos países nos quais o nível de qualidade do transporte público e da mobilidade é alto, as inversões em sistemas de média capacidade têm sido concentradas nos novos bondes (combinados a metrô e corredores de ônibus), cuja eficácia no sistema viário (segregado do automóvel), conforto e capacidade de lotação são mais significativos 94. Podemos mencionar os novos tranvías (bondes) de Barcelona (linhas Baix Lobregat e Bèsos), 89

Trata-se do trabalhador de jornada de trabalho de 3 horas/dia, que opera os carros que socorrem as linhas cujos ônibus regulares ficam parados nos congestionamentos. Vale ressaltar que os motoristas “3 horistas” recebem R$ 734,60 (cerca de 244,00 €) de salário e os cobradores, R$ 440,77 (146,00 €). 90 Gramsci, 2004. 91 Entrevista concedida por Carlos Cristóbal Pinto, Diretor de Relações Externas do Consórcio Regional de Transportes de Madrid – CRTM, em 2014, na cidade de Madrid. 92 Como se sabe, os antigos bondes de Barcelona – que faziam trajetos mais capilares – foram retirados pouco a pouco, devido à inserção do automóvel e o então corolário da modernidade de que “os bondes atrapalham o tráfego de automóveis”. Florianópolis apenas oferecia um pequeno trecho inter-bairros em sua área central, de bondes a tração animal, que fora retirado pelas mesmas razões em favor do ônibus e do automóvel (Veiga, 2001). 93 Veiga, 2001. 94 O próximo passo a ser concluído pela operadora TRAM, juntamente com as autoridades públicas de Barcelona, é concluir a conexão entre as duas linhas do tranvía, que passaria pela Avenida Diagonal, a principal avenida da cidade e que detêm a maior densidade de fluxos de veículos individuais privados. Outras cidades sul e centro-européias (além das cidades do norte da Europa, que em geral os mantiveram e modernizaram), a seu modo, tem investido em novos bondes, bem como outros veículos leves em via segregada. Um exemplo é nova linha de Veículo Leve Sobre Pneus que liga a área continental do Vêneto (cidades de Mestre e arredores) a Veneza, rota que era operada com baixa eficácia por ônibus, além daquelas existentes em Florença, Roma etc., ligando a estações de trem e metrô.

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implantados em áreas que antes ligavam os bairros ao centro e às estações de metrô de forma precária, por ônibus. Segundo os operadores dos novos sistemas de bondes de Barcelona (o Grupo TRAM), estes, além de atender mais eficientemente a antiga demanda por ônibus – haja vista que se trata de um modo de media capacidade, com menor input de mão de obra, maior eficácia operacional e maior conforto – têm conseguido êxito também junto a uma parte de usuários de automóveis, rompendo um pouco a segregação de demanda entre “usuários de ônibus” e “usuários de automóveis” nestes casos. Lembremos que pelo menos 47% do custo dos serviços de transporte público por ônibus referem-se à força de trabalho95. Além disso, estes só ganham em velocidade comercial, se trafegam em viário segregado, o que em Florianópolis e outras cidades brasileiras (como São Paulo) tem sido um desafio, sobretudo político, haja vista que distintos agentes sociais exibem uma percepção negativa com relação à abertura de corredores de ônibus (associações comerciais, de usuários de automóveis e a grande mídia) 96. A visão limitada de que o ônibus é capaz, sozinho, de atender a diferentes demandas – que expressa a defesa dos negócios de transporte exclusivamente por ônibus – se pode evidenciar em declarações de representantes do empresariado privado, que tem ressonância também nas Secretarias Municipais de Transportes. Fazendo referência aos novos projetos de transporte e mobilidade da Grande Florianópolis, estes atores-chave têm declarado que, por exemplo, a implantação de um monotrilho ou sistemas sobre trilhos similares, para as demandas da região é facultável e que seria suficiente a implantação de um BRT (Bus Rapid Transit) ou apenas corredores exclusivos que interligassem os municípios e áreas periféricas97. Inclusive, quando da primeira fase (em 2013) da Manifestação de Interesse (MI) (fase que antecede as licitações) para implantação do novo sistema de transportes da Grande Florianópolis, o BRT do Grupo Jaime Lerner & Associados foi defendido pelo empresariado de transportes por ônibus da região como a melhor alternativa. Segundo declarações de atores envolvidos no processo, a Jaime Lerner & Associados abandonara o concurso por não concordar com o modelo donde o capital privado arca com os custos dos estudos e do projeto a ser apresentado98. Apesar das evidências de Bogotá, onde o BRT Transmilênio já se mostra estrangulado em face à grande demanda (comboios de ônibus), bem como em Curitiba, que inclusive já lançara o edital para a sua primeira linha de metrô, ainda há forte pressão empresarial para o emprego de ônibus em demandas que seriam mais bem atendidas por sistemas ferroviários (obviamente, em intermodalidade com ônibus, marítimo, bicicletas etc.). Com efeito, estes contextos põem em evidencia o peso político e econômico dos operadores de transporte (e construtores) por ônibus na tomada de decisões e sua resistência ao modelo de operação em rede intermodal.

Conclusão Finalmente, observamos que o contexto dos transportes e da mobilidade urbana na Grande Florianópolis é formidável para expressar a contradição entre uma superestrutura defasada (instituições, estruturas de poder) e a base (as forças produtivas) que aderem ao processo de 95

Entrevista concedida por Joan Carsi, executivo da TRAM Tramvía Metropolità de Barcelona, em 2014, na cidade de Barcelona. 96 Mesmo em Barcelona, boa parte da abertura dos corredores exclusivos para ônibus (que hoje conformam uma rede abrangente) se deram durante as Olimpíadas de 1992. Neste caso, abriram-se novos corredores “provisórios”, pela grande demanda de estrangeiros, mas estes corredores foram mantidos. 97 Entrevista concedida por Renato Christ, Gerente de Operações da Empresa JOTUR auto-ônibus Josefense S.A., em 2013, na cidade de Palhoça-SC. Esta empresa opera deslocamentos em commuting entre Palhoça e Florianópolis. 98 Entrevista concedida pelo Engenheiro Guilherme Custódio de Medeiros, Coordenador Técnico da SC Parcerias e Participações S.A., em 2013, na cidade de Florianópolis.

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desenvolvimento. Na esfera da superestrutura – a essência da contradição entre território e transportes, que foi apresentada – o que se evidencia em Florianópolis e nos municípios de seu entorno, é que há uma frágil “concertação” entre o Estado e os agentes sociais diretamente interessados em ampliar mobilidades, fato que condiciona a manutenção do quadro exposto. Enquanto isso, o poder público é subsumido por coalizões conservadoras de poder, em parte, por que o próprio empresariado de transporte público “esvazia” esta composição de forças, haja vista que a sua eficiência econômica está relativamente descolada da eficácia operacional (em prejuízo do usuário). Nestas circunstâncias, o Estado serve menos ao conjunto da sociedade, na forma de planejamentos para longo prazo, dentre os quais, podemos destacar: os planos diretores de transportes e uso do solo, as metas de investimento e de produtividade nos sistemas de transportes implantados, organizações da forma urbana para a mobilidade, refuncionalizações de espaços urbanos, entre outras condições gerais de produção de valor. Esta baixa condição de mobilidade, agravada pelas péssimas condições de transporte e associadas a reajustes contínuos das tarifas – bem como das estratégias empresariais que aviltam a qualidade do serviço de transporte – conduzira ao fortalecimento histórico de movimentos como o MPL (Movimento Passe Livre) em Florianópolis. Lembremos aqui do contexto espacial específico de Florianópolis e sua região, bem como do fato de que é uma capital brasileira que não dispõe de um Plano Diretor de Uso do Solo adequado aos desafios que se impõem (no que se refere ao planejamento urbano); não possui um sistema de transporte segregado do tráfego (trem, metrô, BRT, VLT, VLP) e; não possui instituições públicas que sejam um elo permanente de comunicação entre o planejamento de transportes e a sociedade e com as demais instituições, diretamente e por intermédio de intelectuais-planejadores orgânicos, mencionando aqui um conceito gramsciano importante. Esta que parece ser a chave dos problemas da efetiva participação no planejamento e na gestão de transportes. A atividade histórica do MPL em Florianópolis – onde estudantes de diferentes níveis realizaram nas ruas, a “Revolta das Catracas” em 2004 e 2007 – sob influências ideológicas diversas, opera o importante trabalho de chamamento da sociedade para estes temas. No entanto, se evidencia que as referências ideológicas do movimento – que muitas vezes ignora a dimensão estratégica da realidade – dificultam que o movimento se acerque mais das contradições essenciais que hoje devem ser atacadas. Ao analisarmos o contexto social, espacial, de forças políticas, do meio físico, mas também institucional na região de Florianópolis, concluímos que hoje, a contradição fundamental a ser atacada se refere à geração de maior conforto e eficácia ao sistema de transportes, associada à implementação de regras de uso do solo, política de subsídios voltados ao financiamento contínuo da eficácia do serviço e de novas tecnologias, novos sistemas de normas (normas de desempenho para os operadores) que garantam inclusive redução das tarifas. Ademais, urge fortalecer e criar instituições ligadas à fiscalização e ao planejamento dos transportes e da mobilidade (das infraestruturas e dos serviços) com poder de investimento, capaz de alocar recursos federais e estaduais, assistidas de perto por associações de usuários.

Agradecimentos Este trabalho foi desenvolvido com a ajuda do financiamento (bolsa categoria DS) da Coordenação para o Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), cedido ao Programa de Pós Graduação em Geografia, da Universidade Federal de Santa Catarina e, à bolsa PDSE de Doutorado Sandwich, para estadia em Barcelona e estágio na Universidade Autônoma de Barcelona.

Rodrigo Giraldi y Carme Miralles. As manifestações pelo transporte público no Brasil

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Scripta Nova, vol. XX, nº 528, 2016

INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS. Texto para Discussão. Gastos das famílias brasileiras com transporte público urbano e privado no Brasil: uma análise da POF 2003/ 2010.2013.
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