As memórias e as guerras e as guerras de memórias: esquecimentos, brutalidades, re-integração, ressignificação, aprendizagens e poder, as memórias improdutivas

June 5, 2017 | Autor: Teresa Cunha | Categoria: War Studies, Colonialism, Memories
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TIMOR-LESTE: colonialismo, descolonização e lusotupia 25 de Fevereiro de 2012 - Lisboa

As memórias e as guerras e as guerras de memórias: esquecimentos, brutalidades, re-integração, ressignificação, aprendizagens e poder, as memórias improdutivas.

A paz é uma coisa muito importante, a paz é uma coisa sagrada. A paz é uma coisa que toda a gente do mundo interior precisa para viver livre e sem violência nenhuma. A paz é isso. A paz também é democracia, quer dizer, com paz toda a gente vive livre no pensamento, expressões, opiniões; vive livre, sem medo e sem vergonha. Paz e democracia é isso, viver livre, tanto nas expressões como nas opiniões. Natalita, 2003

É preciso deixar escrito tudo. Lembrome do Jacques Depelchin, historiador do Zaire, Congo, orientador das nossas teses de licenciatura, repetir que as guerras de destabilização se alimentam de matar não apenas as pessoas mas sobretudo a memória de que algum dia foi possível concretizar os sonhos dum mundo melhor. Ainda que muito atabalhoado, mas melhor que o mundo que a maioria conhecia. Por isso temos de escrever para não esquecer. 1 Bló, 2009

Este ano é, sem dúvida, um ano particularmente importante para Timor-Leste. A identidade nacional está a ser alimentada quer pelas celebrações de acontecimentos próximos e distantes assim como a reiterada

Cf. Cunha, 2009: 347. Este comentário devo-o a Isabel Casimiro que é a forma como ela recorda as observações feitas pelo seu professor e que, de uma forma muito inteligente, acrescenta aos Estudos das Guerras e das Pazes, um novo tópico analítico: o combate entre a preservação das utopias e o pensamento pessimista único. 1 ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem

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autorização da autora.

convicção de pertença à comunidade das nações democráticas com a realização de eleições presidenciais e legislativas. A memória coletiva que se objetiva e se consolida através destes e outros recursos políticos, sociais e simbólicos tem um contra-ponto fundador: a guerra. A transição pós-bélica, tal como as prescrições internacionais a concebem, parece estar a chegar a bom porto, isto é, ao fim. Porém, como Natalita, Bló, João e Jacques insistem em nos dizer, os processos formais podem ser apenas momento em que se começa a desenrolar a esteira mas, o que verdadeiramente interessa, a reconciliação, é longa, complexa, materialmente dinâmica e tensional. A ela se deve ainda muita atenção e cuidado para que a resistência ao olvido, seja em si mesma, a condição necessária da sua consumação. A guerra, a funu, primeiro contra a intrusão europeia secular e, depois, no século XX contra a ocupação indonésia é, para Timor-Leste um dos elementos críticos da construção da sua identidade e dos seus imaginários de emancipação. Na sua esmagadora maioria, o que se escreveu, o que se sabe, as figuras e os heróis são homens e versões viris de toda essa energia conflitual violenta que tanto marcou e marca a sociedade timorense. Isto em sim mesmo não representa nenhuma novidade. Também não é uma particularidade de Timor-Leste afirmar que tanto os homens como as mulheres do país foram atingidas/os e sofreram profunda e prolongadamente com as guerras. Muitos discursos passam tanto pelo alinhamento das palavras como por imagens criadas e consentidas. Elas são também uma narração das memórias e dos sofrimentos que se tornam pronunciáveis, incontornáveis e ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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discutíveis. As diversas textualidades narrativas estão a revelar disputas retóricas que têm as suas razões de ser na controversa relação entre nação, feminilidades e masculinidades. Uma dessas disputas pode ser enunciada da seguinte maneira: quem prevalece no discurso e na memória sobre o momento primordial, ou seja, a independência política que se associa à a constituição das nações: as mulheres vítimas ou as mulheres valentes das guerras em Timor-Leste? A segunda disputa que está em marcha é saber se a valentia das mulheres para que exista e resista nas memórias do país tem que ser também ela viril e narcisista como é dos seus heróis masculinos? Esta disputa sobre a forma e o conteúdo dos marcadores identitários dos nacionalismos modernos está a ocorrer e precisa de ser estudada. Com intensidades e texturas diferentes existem e predominam longos reportórios sobre a vitimização das mulheres durante e após as guerras. Podemos com alguma facilidade aceder aos extensos acervos documentais, retóricos, reflexivos e de memória que têm vindo a elaborar as imagens e os perfis das mulheres vítimas, sofredoras, sobrecarregadas, ignoradas e negligenciadas. Toda essa informação está disponível em relatórios, estudos assim como nos discursos das próprias mulheres de forma directa, indirecta com custos ou méritos. Atrevo-me a afirmar que toda essa imensa e trágica realidade documentada e acessível é apenas uma parte da memória, das experiências

e

das

reflexões

que

as

realidades

proporcionam

às

subjectividades confrontadoras e críticas de muitas mulheres. Ou seja, existem outros elementos da memória das guerras que estão a ser largados nos escombros do olvido porque são menos compatíveis com aquilo que das

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guerras se quer fazer lembrar no presente e com o que não se quer ouvir as mulheres dizerem. Ainda que de uma forma breve e contida, é neste quadro que me atrevo a afirmar que ao sofrimento das guerras – quaisquer que elas sejam não correspondem apenas vítimas. O sofrimento e a vitimização das guerras e a sua narração, sobretudo no que diz respeito às mulheres, tem escondido, tem negligenciado a sua valentia. A obliteração da valentia das mulheres, ainda que esta valentia seja indissociável do seu sofrimento é o cerne das guerras de memória pois não só esconde uma parte importante da realidade das guerras e das mulheres como mitiga e desperdiça, drasticamente, formas, métodos e conteúdos de que a valentia pode ser feita. Retornar aos discursos directos, às vidas vividas e faladas é um passo que pretendo dar para que uma maioria de sentidos se possa instalar e dar espaço a subjectividades outras que extravasem para o nosso espaço de reflexão, análise e teorias feministas. As mulheres falam todas com ritmos, tempos e modos diferentes. Poder-se-ia dizer que algumas falam muito e outras nem tanto; ou então, poder-se-á notar que para algumas parece ser fácil conversar e para outras mostra-se ser um exercício delicado de sociabilidade. As narrações biográficas que a seguir aparecem são, do meu ponto de vista, actos reflexivos e autorais sobre a sua vida, os pensamentos, as opções e até a falta delas. A abordagem qualitativa que empreendo pretende captar o que de mais intenso nelas se revela sem ousar transferir, substituir ou subsumir uma subjectividade em uma outra qualquer. O carácter performativo de

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narrar, contar, colocar em palavras que são ouvidas está presente em todas elas e é disso que trata este trabalho. Uso o pensamento pós-abissal de Boaventura de Sousa Santos como núcleo teórico principal que sustenta a minha indagação: a procura do que já lá está mas que é uma obscuridade epistemológica pela sua lógica nãodominante ou, simplesmente, pela incapacidade de os nossos termos reconhecerem

outros

termos

em

que

pensamentos,

conhecimentos,

tecnologias, línguas e discursos existem e se afirmam. Com recurso a narrativas biográficas de mulheres timorenses e uma análise ancorada tanto numa sociologia feminista como numa teorização crítica do discursos dominante sobre as agendas internacionais da paz e da transição pós-bélica, procuro problematizar nesta comunicação dois conjuntos de questões: 1/ as divergências das memórias das mulheres relativamente à história e ao que determina o presente e determinará o futuro do país; 2/ o valor epistemológico de que se revestem estas narrações de sofrimentos e lutas para a construção democrática de Timor-Leste. Deste ponto em diante coloco-me em diálogo com elas, pensando e questionando (me) com elas e a partir das suas subjetividades. Começo por uma memória que parecia estar longe, se não erradicada: as mulheres que a ocupação japonesa vitimizou e o país aparentemente esqueceu. Angelina Araújo levanta o problema sobre memória e o esquecimento forçado uma vez que, em Timor-Leste, também só a guerra que conduziu à independência parece poder ter existência dentro de uma certa maneira de ser nação, atribuindo às outras memórias passadas, mas vivas e ainda não ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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processadas, um lugar antigo e pretérito que pode ser um obstáculo à paz do presente2

(…) In our research, in our plan, we after make research, we note that, and then we write that, we want to make all our history. So they say that the history of Japanese occupation in East Timor, during the Second War in East Timor, that is the first history about East Timor, so they doesn’t want us to write with Indonesian, so we cancel, and then we write with a tetum. (…) Is the place of a comfort woman met the Japanese army. So we saw the public here, we also make the public here, after the research, we make it public here at 2007, with the 15 victim and four witness boys who work for the woman and they came here to speak to the public. So we invited the political party and we invited the Government, invited Bishop from East Timor and also Japan, the Parliament from Japan, activists, all international, they came to the public hearing. (…) They say that we were waiting for your Government, because your Government has asked to our Government: what (…) do in East Timor? But even if they didn’t ask anything, so I think, because, you know, very difficult, in 2007, when we are open the public hearing, we with activists from Japan, Bishop (…) we go to Xanana Gusmão, when he, as a president, we talked, we explained to him to considerate defeat in comfort women that can come. And then what, you know what he said? He said: forget it about the past. So

Entrevista a Angelina Araújo, p. 2-3. Parece-me útil manter a transcrição em inglês que foi a língua usada durante a entrevista e que é a quarta língua para a entrevistada. Ela poderia ter falado em tetum mas preferiu o Inglês por uma questão de reconhecimento social. Contudo, proceder a mais traduções é um risco de mais e maior perda de sentidos que não me parece ajustado correr. Procederei assim para todas as entrevistas feitas e transcritas em inglês até porque é acessível à minha comunidade académica e de interpretação. 6 ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem

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autorização da autora.

very, very disappointed, so, as a researcher and also as a new generation, I think it’s no good for.

Num registo muito mais pessoal e biográfico Rosalina fala do esquecimento e da memória como um processo tão traumático que não sabe muito bem como irá ser ultrapassado ou, se será algum dia, ultrapassado. Também não evita o problema dos conflitos internos que a sociedade vive ainda que pareça esquecida dos seus torturadores3.

[E]u acho que, por exemplo, nos encontros que se fizeram, que se fez, que se tem feito até agora (...) acho que deviam, deviam fazer mais. Para fazer uma cura interior das pessoas, as pessoas devem deitar para fora tudo aquilo que elas. Eu guardei tudo isto durante treze anos, sem falar, sem dizer a ninguém. Então, eu cheguei a uma altura, chegou a uma altura em que eu já não, em 92, eu não sabia se estava quase completamente fora de mim. Pensava que ia ficar mesmo maluca. (...) E por isso, as pessoas têm que perceber que as mulheres têm que ter alguém, encontrar alguém em que eles têm que tirar para fora tudo aquilo que eles viveram durante os vinte e cinco anos. O problema é só como os meus irmãos não sabem da história, vai ser a primeira vez que eles vão saber a história. (...) Eu, pronto, porque as pessoas que prenderam o meu pai no dia, em 76, eles estão vivos. (...) E a pessoa que era grande espiã na cadeia, ele está vivo. (...) Vive em Dili. E vive muito bem, viveu muito bem no tempo da Indonésia e vive muito bem agora. Às vezes, custa-me encontrar com esses

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Entrevista a Rosalina da Costa, p. 13, 25-26. ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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senhores, mas penso assim, se vou contar aos meus irmãos quem são ou quem foram as pessoas que prenderam o meu pai (...) Agora eles nem sequer pensem, se eu vou guardar sempre isto dentro de mim eu é que vou ficar mal, porque eles se estão marimbando. Não sei quê, não sei quê, nem sei se eles têm consciência daquilo que eles fizeram. (...) Há-de chegar o momento em que eu hei-de escrever ou eu hei-de falar (...) às vezes, dói-me muito, dói-me muito, não por este não estar no Governo. (...) Eu desde que eu fui buscar as coisas do meu pai, no dia 23 de Julho quando ele morreu, até hoje, nunca pus os pés no presídio. Nem sequer A não ser por descuido assim a olhar, mas assim a olhar para ver alguma coisa, não consigo. Até hoje, não consigo. Alguns estão sempre a dizer: tens que ir lá para ver para procurar pistas e isso também pode fazer-te mal. Eu vou tentar, um dia desses acabo por ir lá, mas pronto.

Seja por causa das urgências que a escassez traz, a autocensura pragmática, as afazias entre modernidades e tradições ou a cultura que se inventa a partir das políticas estatais de memória sobre os períodos mais sensíveis da sua edificação, os silêncios ou os balbúcios das e dos entrevistados são usados para esconder ou sarar mas há gritos que dizem as coisas difíceis e controversas.

As brutalidades de todas as guerras parecem ser um traço comum mas diferenciam-se, ainda assim, e são buscadas pelos discursos em variados registos. São expostas através das testemunhas e das vítimas nas quais a desrazão da guerra é o principal recurso interpretativo e discursivo. ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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Rosalina conta como foi ser uma caixinha de segredos entre a mãe e o pai em tempo de guerra4.

Nós só podíamos ir visitá-lo nos domingos. (...) Cada vez que nós íamos, eles, os militares, revistaram tudo, a mim, eu era só uma criança eles despiram-me completamente, [foram com o dedo] procuravam assim se a gente levava alguma mensagem ou dentro. (...) Eu deixava porque eu era pequenina, tinha 11 anos. Meteram a mão dentro e aí é que a minha mãe, a minha mãe não aguentava mais, então pegou na marmita e entornou diante dele. Aí, ele desfez a minha mãe, fez da minha mãe como mesmo um animal e a minha mãe caía para o lado e ele batia por um lado e ela levantava e ele dizia: você comunista, vocês todas fazem assim porque são comunistas, ninguém, ninguém aprende aqui. (...) Foi muito mesmo torturada no dia em que, no dia em que ela pegou (...) numa marmita com um caldo de peixe e vazou por cima (...) Eu era como aquela caixa sobre os segredos deles. Quando ia com a minha mãe visitar o meu pai e a minha mãe era torturada, assim abusada ou, ou humilhada e torturada, ela: olha, não conta e vais lá e dizes para o teu pai com calma e não dizes nada e dizes, olha, a mãe não veio porque está a sentir-se um bocado maldisposta e não veio (...). Então eu ia e mentia. E por outro lado, quando chegava e apanhava o meu pai a ser interrogado, ele, o meu pai: não, chegas lá e não podes dizer nada ao teu pai, à tua mãe, que eu estou bem. (...) Chegámos lá, nem ele já estava meio morto. (...) Estava sujo mesmo com cocó e com chichi na cama sem ninguém preocupado em mudar

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Entrevista a Rosalina da Costa, p. 6, 7, 8 e 10. ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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estava com um prato de, lembro-me do meu irmão, com um pratinho de canja ao lado, ele, completamente sujo. Nós chegámos e o meu irmão chamava, chamava, chamava e ele olhava para ele, olhava para nós outra vez. Mas já não nos a reconhecer completamente, nada.

Rosalina conta também como a mãe se deixou morrer depois do assassinato do marido no hospital e mostra como para uma mulher o poder de deliberar a sua morte pode estar no seu desgosto mas também nas suas mãos e na sua determinação sem considerar a família ou outra qualquer coisa.

Com a fotografia do meu pai ao lado dela e uma das camisas do meu pai que usava no dia, no dia em que ele morreu. (...) Jogava, olhava a fotografia, chorava e todos, os meus avós, os irmãos da minha mãe ajudam a fazer-nos companhia para, às vezes queriam que ela dormisse. A olhar para nós como se não estivesse, como se não estivesse ninguém. Um olhar vazio. O olhar vazio. (...) Não dormia, passava a vida a jogar e depois, de manhã ia à missa, depois da missa não passava já pela nossa casa, (...) da igreja ia directamente para o cemitério para o pé da campa do meu pai. (...). Depois de casa, do cemitério, ia para o nosso quintal ia, ia aos sítios onde o meu pai trabalhava. (...) Lá para as oito ou nove da noite é que saía do cemitério e vinha para casa; chegava a casa não falava com ninguém, começava a pegar nas cartas e punha-se a jogar e a jogar. O dia, os dias dela depois de Agosto eram assim sempre, sempre. Não se incomodava, não se preocupava se a gente comia ou não comia, se tinha frio ou não, nada, nada. Até que foi em ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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Outubro ficou doente completamente, de cama e (...), em Fevereiro de 1977 morreu, seis meses depois, praticamente seis meses depois da morte do pai, ela morreu também.

No entanto, as sociedades são dinâmicas e os recursos do apaziguamento podem ser criativos e presididos pelo bom senso, por todas as partes, apesar dos enormes sofrimentos vividos. Em Timor-Leste sabe-se que o ritual de estender a esteira e conversar, nahe biti bo’ot tem ajudado a lidar com as histórias de algumas mulheres e homens que, duma maneira ou de outra, se viram afastados das suas famílias e comunidades pelas agruras das guerras. Muitas mantêm um rigoroso silêncio sobre o que passaram e muitas outras encontram estratégias de re-integração apoiadas, por exemplo, na mudança de identidade e residência. Teresinha de Jesus5 tem uma loja de roupa nova no mercado de Hali Laran em Dili. Usa o lenço preto na cabeça como as viúvas e começou por me dizer que era viúva.

Porém eu sou como que viúva, vivo só.

Eu quis confirmar se tinha percebido bem e perguntei se o marido tinha morrido mas a conversa continuou e um pouco depois ela mostrou como depois do casamento resolveu a sua vida e se reintegrou na vida social, espiritual e económica do país

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Entrevista a Teresinha de Jesus, p. 2 - 4. ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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O meu velho é de Java, mas já nos separamos desde 1993. (...). Vivo com as minhas três filhas. Ele é bapak, de Java Central. Islão. Eu tenho vivido com as minhas filhas desde 1993 até agora. Estou muito contente porque as filhas já fizeram a sua escolaridade, já são adultas e tenho os netos. (...) Por isso, eu peço ao governo que olhe por nós, viúvas, as vezes nos dias especiais dão-nos alguma coisa e a minha filha também conseguiu uma bolsa de mãe mas até agora ainda não conseguiu nada. O que o Estado me quiser dar eu não devo recusar porque sou viúva e se o Estado me quiser ajudar eu aceito-o de braços abertos, porque todos recebem, não sou a única. Bom as minhas palavras foram estas. (...) Não houve problema. Em 1993, separamo-nos ele foi viver com outra rapariga, eu continuei a viver a minha vida com os meus filhos e com os netos, o que passou passou tenho que olhar pelas minhas filhas e pelos meus netos e fico muito mais contente por isso. Eu não penso muito nisso.

Estes acervos estão prontos a serem activados e recuperados para explicar dores e sofrimentos mas também como se aprendeu a lidar com o poder das ordens, com a desigualdade entre sexos e como isso está inscrito na matriz das escolhas de algumas mulheres e nas suas capacidades de liderança. Em Timor-Leste a participação das mulheres não foi menos porque foi uma guerra de guerrilha associada a actividades de insurgência urbana não havia um sistema de recrutamento idêntico ao de um exército regular. As ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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mulheres participaram de várias maneiras tanto na guerra contra a Indonésia como nos conflitos violentos que lhe sucederam. Para este estudo os discursos de Guilhermina Marçal, Fátima Gomes e Maria Paixão são interessantes, em primeiro lugar, porque abordam questões divergentes dos anteriores pelas situações que relatam e, em segundo lugar, pelo tipo de subjectividades que devolvem às/aos leitoras/es. Usando as suas posições de mães - biológicas, líderes religiosas e comunitárias - o respeito que impuseram e o poder que exerceram durante os conflitos violentos são, de alguma maneira iconográficos, compondo-se em figuras que parecem estar acima dos próprios acontecimentos evocando a espiritualidade e a fé como explicadores e auxiliares. Guilhermina6 fala da violência ocorrida em 2006 no país que fez mais 150 000 deslocados internos e provocou danos muito graves nas expectativas positivas que a independência tinha trazido.

Em 2006 Abril tínhamos 23 mil, mais de 23 mil pessoas connosco, num espaço muito pequeno. (...) Em Fevereiro eu já tinha preparado (...) regulamentos preparei também comida. Comprei mais de 100 toneladas de arroz pessoalmente como uma prevenção da situação (...) então tínhamos que abrir o portão para atender todas estas pessoas. (...) Na mesma noite nós recebemos 8 mil pessoas tudo por escrito, e mostrou os documentos (...) vêm de todas as partes de Dili (...) de todo o Timor. (...) as pessoas chegaram nós, nós fizemos a registação e depois de dar uma breve explicação sobre as condições, regulamentos do convento, tínhamos dois

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Entrevista a Guilhermina Marçal, p. 5-9. ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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regulamentos: (...): aqui não há Lorosae nem Loromono, todos nós somos timorenses, segundo ponto ninguém fala de outras línguas só Tetum (...) Porque eu já fui preparada para isso porque durante 75, eu também fui, fui, fui presa, ainda era adolescente com os meus irmãos, o meu pai foi morto, também aprendi muitas coisas quando estive fora, como tratar dos, dos refugiados como, como acudir as pessoas, já tinha esta preparação quando estive fora, e depois é uma situação que obriga isto é, como é uma acção obrigatória, nos primeiros momentos eu tinha medo, eu tinha medo das catanas de como é flecha de todos de todas as tipos de armas e também fui tentada muitas vezes, ver catanas onze vezes, pistolas seis vezes, de arma grande três vezes apontaram mesmo, na testa cabeça. (...) Nunca gritei, eu aproximo-me delas, eu falo com elas, eu explico a situação, quando me escutam está bem se não fico ai calada a aguardar e a esperar o tempo, de costume eu falo elas três vezes quando três vezes não me ouvem eu fico aí caladinha de pé, a contemplar as suas acções a ouvir todos os insultos eu fim de cabo eu abracei todos os jovens um por um sempre beijei na testa deles um por um e depois eu digo vai em paz porque Timor precisa de ti, eu preciso de ti nós precisamos de ti só isso e no fim diz irmã desculpa todo, todos os tipos, variedade de grupos. (...) Mas aquilo que eu, que eu rezei diz o senhor que o mártir é bom mas não, não quero ser como é uma mártir estúpida, (...) quero ser uma mártir inteligente.

©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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Fátima Gomes 7 nem sempre se dispôs a deixar gravar as longas conversas que manteve comigo sobre as diferentes guerras que viveu e testemunhou. Segundo ela, viu serem destruídas quatro casas daquelas onde viveu: a primeira em 1945; a segunda em 1975; a terceira em 1999 e a última em 2006. Os silêncios e recortes que faz do tempo dessas destruições mostram que ainda há demasiada dor e estou convencida que para ela se impõe o doloroso princípio que o João Paulo evocou: queimar uma casa é como partir a panela, é não deixar que se viva depois de tudo. As lembranças que escolhe para relatar são tempos misturados passando a mensagem de que todas as guerras são parecidas e que as pessoas sofrem das mesmas coisas com todas elas. As imagens que usa e descreve são tanto da destruição como produzem uma análise contundente sobre a fragilidade estrutural de muitos homens e a sua sedução pela violência. A sua adesão à fé cristã e ao seu ministério de Bispa da Igreja Evangélica são o meta-texto que ela evoca para legitimar a força e o poder que ela própria sabe que tem e que exerce na sua comunidade.

É certo que há coisas que as mulheres conseguem fazer e os homens não. Não me refiro apenas àquelas que parecem inevitáveis como dar à luz e amamentar mas sim manter a calma, a serenidade, ser capaz de ir aonde todos têm medo para negociar alguma coisa, não se excitar e colocar tudo a perder em caso de conflito grave, não usar a força como meio de resolver as coisas.

Notas de conversas não gravadas e transcritas. Cf. Cunha, 2009: 786-787. Entrevista a Fátima Gomes, p. 3-6; 9-10. 15 ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem

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autorização da autora.

As mulheres, sim, são fortes. De uma força visível nos seus actos de reconstruir sempre as casas, procurar alimento e distribuir alimento mesmo quando escasseia muito. As mulheres é que são fortes pois suportam todas as dificuldades e sofrimentos e nunca desistem das suas famílias.

Eu em 75, vi cenas tremendas. Vi pessoas com cara aberta, um bolo, tudo roxo, o cérebro assim não sei quê. (...) Era assim a história de Timor, é, foi uma página muito negra e que atingiu aqui toda esta população e é por isso que eu penso que é altura de nós contarmos isso para fazer lembrar na juventude, na geração futura, para não repetir o que já passou, para não repetir. E no meu ministério tenho encontrado pessoas que têm desabafado, que têm contado, eu, eles às vezes perguntam: haverá perdão para mim? Alguns dizem: eu abri a barriga das mães para arrancar os filhos, eu estrangulava as crianças, eu estrangulava as mulheres e os homens e abria a barriga das mães para tirar o bebé. Há perdão para mim?

Maria Paixão8 passou por dentro de várias etapas da guerra 75-99 em Timor-Leste. A autoridade que hoje ela invoca está expressa tanto nas convicções políticas que a mantiveram nos combates mais difíceis como naqueles em que a força moral e a personalidade são indispensáveis. Ela não deixa de saber analisar que, numa guerra, todas as partes cometem arbitrariedades ainda que, por ser nacionalista, use de uma certa condescendência para com os seus líderes.

Entrevista a Maria Paixão I, p. 2-11. Em 2009 Maria Paixão era deputada e vice-presidente do parlamento nacional e presidente do Grupo de Mulheres Parlamentares de Timor-Leste. 16 ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem

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autorização da autora.

Quando eu estive nas montanhas, integrei me na organização de mulheres. Foi o início do meu trabalho, e tinha 15 anos nessa altura. Foi de facto, que com a aumenta da idade e houve gozos e para além disso houve alguns rapazes que quiseram andar comigo. Mas eu meti sempre na minha cabeça e tive o princípio de não me quis casar durante a guerra. Durante a resistência, recebi uma missão como coordenadora de saúde no sub-distrito de Alas. Muitas vezes, assisti os partos difíceis das mães e em situações em que houve cerco de aniquilamento elas tiveram que abandonar os seus filhos. Depois de a situação ter voltado normal elas foram a procura dos seus filhos mas já não os encontraram. (...) Ao confronto com todas essas evidências, percebi que era muito difícil de casar dentro da circunstância da guerra. Foi por essa razão que decidi de não casar mesmo que houve muitos rapazes que me vieram pedir. (...) Quando fui capturada em Waternente, levaram me para Natarbora. Eu estive com o filho adoptado do meu irmão que naquele momento tinha 11 anos chama-se Usi e (...) encontrei com o Padre Tavares que também foi capturado a uma semana antes da minha chegada. Ele perguntou o meu nome e eu apresentei o meu nome e nome do pai. Ele reconheceu se logo e afirmou ainda que o pai dele e o meu, foram amigos e trabalharam juntos como antigos catequistas. Por isso, ele foi pedir a comandante batalhão para ficar junto dele. Percorremos o nosso percurso todo a pé durante o período de tempo de 6 meses juntos com militares indonésios. Em muitas ocasiões, ficámos sempre para atrás do grupo devido a condição física e avanço da idade do senhor padre e também por causa do meu irmão adoptivo que tinha apenas 11 anos. Nós partimos de Natarbora, demos a volta dum monte ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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chamado Bibileo e nessa altura já estivemos nas mãos dos indonésios e quando escalámos o monte Bibileo, sofremos um forte ataque no cimo de monte, por parte das tropas FALINTIL, nós e mais um batalhão de tropas indonésios. (...) Mas mesmo assim, morreram 4 tropas por parte de indonésios. (...) Descemos de monte Babileo e encaminhámos em direcção para Luka. De Luka continuámos o nosso percurso até Ossu e de Ossu fomos até Venilale. Passámos todo esse nosso percurso a pé desde a saída de Natarbora até Venilale. De Venilale, apanhámos um camião que nos levou até Baucau. (...) Perdi-me relação com toda família. Fui acolhida pela irmã da família de João de Brito. Ela era viúva e mais a sua filha, ambas viviam numa casa sozinha. (...) Fiquei durante o período de 6 meses, junto a essa família que me acolheu em Baucau. (...) Vim para Dili com essa senhora, no mês de Maio. (...) Depois de conseguir o trabalho, pensei de participar na rede clandestina e consegui estabelecer a ligação com comandante Rodak e laborei os serviços clandestinos com ele. (...) Foi em 83. Eu casei me em 83, e mesmo assim, comecei os meus primeiros de serviço. (...) Desde ao princípio, muitos rapazes que queriam andar comigo quando estava na flor de idade. Mas tinha um cometimento de escolher a pessoa que participa em clandestina e também é FRETILIN para continuar a luta em que participei de tantos anos de não ficar parada. E, também, para evitar o desentendimento no seio da família por causa da divergência de partido político. Por essa razão que decidi casar com a pessoa que cujos princípios, ideias, trabalha na ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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resistência e do mesmo partido FRETILIN que eu. Contudo, nós os dois, podemos compartilhar a mesma ideia e continuamos a desempenhar o nosso trabalho em frente. De facto, fiz a escolha certa, casei me com uma pessoa que trabalhou na resistência e desempenhou o papel de coordenador de juventude quando estávamos nas montanhas. (...) [Houve] alguns líderes de FRETILIN que tomaram decisões erradas durante o período da resistência nas montanhas. E, mesmo assim, o que podem os observar e, na minha própria visão, através das ocorrências de torturas e entre outros acontecimentos, isso tudo aconteceu devido a falta da experiencia na liderança. E porque ainda estávamos no início daquela era, em que os irmãos matam se uns aos outros, tudo isso aconteceu devido a falta de maturidade política dos timorenses.

Estas narrativas vão mostrando como no país a guerra e a violência foram participados por elas em lugares que estiveram muito para além da mera vitimização. Apesar de quase nunca o terem desejado e de serem experiências duras e exigentes elas formaram-se, exerceram profissões inesperadas para elas e, provavelmente para as suas famílias, empenharamse na vida e em carreiras políticas, correram riscos que lhes deram prestígio e reconhecimento. Consolidaram conhecimentos sobre situações de emergência e perigo e puseram em prática tudo o que já sabiam sobre como lidar com os conflitos mas agora em situações limite. Por outro lado, parece que estes percursos excêntricos relativos ao imaginário sobre as mulheresdo-mundo-colonizado não as impediu, em quase todos os casos, de se casarem, de se determinarem quanto à sua vida conjugal, terem filhas e ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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filhos e de reforçarem a autoridade e a legitimidade social do estatuto de mães, biológicas ou não, para se fazerem ouvir e obedecer. Todavia há um outro lado, que designo de sombrio, que transcorre estas experiências mais luminosas e que também fazem parte delas. Esse lado sombrio é como que o desperdício dos seus conhecimentos, de uma parte importante das suas vidas e expectativas; é como se fossem acervos, memórias, recursos inúteis e umas tantas vezes improdutivos. Apesar de serem uma parte indelével da identidade e história do país nem sempre produzem reconhecimento, dignidade e a esperada participação plena nos frutos trazidos pela paz. Isso gera ressentimento mas sobretudo a convicção de que as coisas poderiam ser melhores se a assunção colectiva das amarguras e das doçuras das independências fosse redistribuída mais justamente.

No dia 16 de Agosto de 2009 no bairro de Taibessi em Dili realizou-se um encontro sobre o seguinte tema: Haré ba feto nia kontribuisaun husi luta ba ukun rasik an to’o agora no ba futuru mai ita hotu hametin koesaun sosial, estabilidade ba desenvolvimentu, ou seja: Olhem para a contribuição das mulheres para a luta, a independência, agora e no futuro para termos todos uma coesão social consolidada e estabilidade para o desenvolvimento. Nesse encontrei muitas mulheres e alguns homens que recitaram poesias, deram o seu testemunho, ouviram discursos políticos e religiosos e recriaram, durante horas, o ambiente de resgate e reconhecimento que o próprio nome do encontro anunciava. Filomena Reis gritou o seguinte poema que, além de ter levado todas as pessoas presentes às lágrimas, é como que uma ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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chamada dolorosa de atenção e revela que as suas experiências e memórias correm o risco de se tornarem impertinentes para a nação que parece esquecer, depressa demais, toda a sua valentia9.

Feto Timor Lorosae

Se dehan o la folin? Se dehan o la barani? Se dehan o beik? Tuir hau hatene o folin boot Tuir hau hatene o barani liu Tuir hau hatene o la beik! Tuir hau hatene o la beik O hatene koalia no hatene hakerek!

Hai Feto Timor Lorosae

Hamriik ba, lao ba oin nafatin Hamriikba, tuba rai metin Luta ba o nia dereitu Luta ba o dignidade Poema dito no encontro e notas tomadas no caderno de campo. Foi conferido pela autora e traduzido por mim com a ajuda da minha assistente Hermínia Bessa: Mulheres de TimorLeste/ Quem diz que vocês não têm valor?/ Quem diz que vocês não são corajosas?/ Quem diz que vocês são estúpidas?/ Eu sei que vocês são valiosas/ Eu sei que vocês são corajosas/ Eu sei que vocês não são estúpidas/ Eu sei que vocês não são estúpidas/ Vocês sabem falar e escrever!/ Hei mulheres de Timor-Leste/ Levantem-se e caminhem/ Caminhem firme/Lutem pelos vossos direitos/ Lutem pela vossa dignidade/ Levantem-se e defendam a vossa terra/ Levantem-se e defendam o vosso café/ O cheiro do sândalo/Tudo o que a vossa terra tem/É para os vossos filhos e netos. 21 ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem

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autorização da autora.

Hamriik ba, tahan netik o rain Hamriik ba tahan netin o nia kafe Ai kameli nia morin no rikusoin tomak Mak iha o rain Ba o oan no bei oan!

Cipriana Pereira10 também encontra razões para temer que algumas memórias sejam coarctadas, redefinidas e que nesse processo a vida de muitas se perca com o exercício do olvido que a independência parece querer arriscar em nome das relações bilaterais.

É tudo isso que me motivou para continuar lutar e levar ao alto o papel das mulheres e é muito importante. Para mim estas mulheres também são heroínas. Eu quero uma história das mulheres desde o ano de 75, desde a fase da resistência até a fase de referendo, para que um dia as pessoas possam relembrar a luta das mulheres daquela fase da luta, se não um dia as pessoa só se lembravam daquelas que morreram em 75 e aquelas que morreram depois deste ano já não se lembravam, e assim um dia jamais ninguém lembrava os seus nomes.

Para além da ausência de reconhecimento e da pobreza que em parte

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Entrevista a Cipriana Pereira, p. 11. ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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a guerra gerou e a reconstrução pós-bélica consolidou, as mulheres distinguem outras esferas de improdutividade construídas pelas políticas do Estado de Timor-Leste, agora independente, e que constituem um risco sério para o presente e o futuro do país. Mira da Silva11 formula a sua preocupação quanto à negligência da memória traumática e das sua manifestações e consequências

[É], eu, eu queria, eu queria dizer que o governo é necessário primeiro é muito importante reconhecer que este povo tem trauma, não quer dizer que este povo agora começa a vida agora pacífica que não há trauma, tem trauma, eu queria que o governo reconhecesse para poder ajudar ou fundar um centro da formação psico-social para ajudar não só um indivíduo ou dois mas todo o Timor, esse que o meu apelo e reconhecer que o povo tem, tem trauma. (...) Tem trauma, tem trauma (...) que é preciso ajudar. (...) [E]les tem trauma, eles são todos humanos eles atravessaram esse violência toda, esta crise toda eles tem trauma eu que reconhece, nota-se muito bem quando por exemplo quando eles fazem discussões, críticas que muitas vezes ainda está falar ali na televisão eles falam aquilo porque eles têm trauma. (...) Eles precisam, mas infelizmente eles não reconhecem isso.

Todos os interditos lançados sobre a guerra em Timor-Leste não resultaram em ausência de reflexividade e proposições. Nas memórias que as pessoas fazem emergir nas suas narrativas sobre a suas vidas, elas vêm e instalam-se tanto pelo esquecimento que procuram ou a que são obrigadas,

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Entrevista a Mira da Silva, p. 2; 6; 8-9; 18. ©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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pelas brutalidades que, como ferros quentes marcam e fazem sofrer por toda a vida e por gerações, pelas formas criativas e perseverantes de apaziguar, reintegrar e ressignificar as vidas depois da passagem por elas, pelas aprendizagens, pelos poderes adquiridos, as novas perspectivas de vida desejadas ou não mas transfiguradas em legitimidade e autoridade.

©Teresa Cunha – 2012 – versão não editada. Por favor não citar nem divulgar sem autorização da autora.

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