AS mentes por trás da Circo Editorial - Uma trajetória pelos anos 1970 e 1980

June 7, 2017 | Autor: R. Otávio dos Santos | Categoria: História, Histórias Em Quadrinhos, Sociologia Das Histórias Em Quadrinhos
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AS MENTES POR TRÁS DA CIRCO EDITORIAL
UMA TRAJETÓRIA PELOS ANOS 1970 E 1980



RESUMO




A Circo Editorial foi uma das principais editoras de histórias em
quadrinhos nos anos 1980. Revistas como Circo, Geraldão e, principalmente,
Chiclete com Banana, fizeram parte não apenas do mundo editorial nacional
como também do imaginário juvenil daquele período onde o Brasil saía de uma
ditadura militar e entrava na chamada Nova República. A editora se
constituiu a partir da figura central de Toninho Mendes, o
empresário/editor que levou a cabo a ideia de diversas revistas circularem
pelo país, mostrando talentos que, embora fossem conhecidos por conta de
suas participações em jornais de grande expressão, nunca haviam sido
lançados como artistas de quadrinhos em periódicos específicos para este
fim. Na empreitada com Toninho, estiveram nomes como Angeli, Laerte, Luiz
Gê, os irmãos Chico e Paulo Caruso entre outros artistas. A ideia deste
artigo é traçar uma biografia destes artistas, objetivando mostrar como a
editora foi montada e como trabalhava, bem como a relação desta e os
desmandos governamentais, a escalada da inflação e as dificuldades
enfrentadas para colocar nas bancas de jornais de um país continental
revistas mensalmente. Por fim, veremos questões históricas do período,
questões financeiras e de tiragem, que ajudarão a preencher uma lacuna
acerca da produção quadrinística brasileira no período citado.


PALAVRAS-CHAVE: História; História em Quadrinhos; Produção de quadrinhos


CORPO DO TRABALHO

O presente artigo tentará apresentar as pessoas que trabalhavam na
editora Circo, talvez a mais importante editora de histórias em quadrinhos
brasileira nos anos 1980, dada sua originalidade e ousadia. Como veremos,
esta editora foi "lar" de influentes artistas e revolucionou, de certa
foram, a maneira como os brasileiros consumiam quadrinhos àquele período.
Antônio de Souza Mendes Neto, muito mais conhecido como Toninho
Mendes, nasceu em Itapeva, interior do Estado de São Paulo em 1954, filho
de um motorista de caminhão que posteriormente se tornaria dono de um bar
no bairro da Casa Verde, já na capital São Paulo.
No bairro havia uma feira, e na feira uma banca de quadrinhos usados.
Ali na banca, de acordo com Finotti (2014), Toninho Mendes e Angeli se
conheceram, o primeiro com doze anos e o segundo com dez. Seu interesse em
comum eram os quadrinhos de Tarzan, Tio Patinhas, Sobrinhos do Capitão e
Bolinha entre muitos outros.
Alguns anos depois, quando Mendes estava com 15 anos o Pasquim chega
às bancas de São Paulo e promove uma revolução na mente dos dois jovens,
que nunca haviam tido contato com cartuns tão bem elaborados, adultos e
localizados na realidade brasileira quanto os de Jaguar, Ziraldo, Millôr e,
principalmente, Henfil. Os dois jovens compreenderam que havia mais nos
quadrinhos do que apenas entretenimento para crianças. E três anos depois
surge nas bancas paulistas a revista que mudaria novamente os conceitos de
Mendes e Angeli: a Grilo. Foi com essa revista que conheceram os comix
norte-americanos de Robert Crumb e também os quadrinhos europeus de
vanguarda como Wolinski e Guido Crepax. Silva (2011) diz que dos quadrinhos
da Pasquim, Mendes e Angeli assimilaram o humor brasileiro nos quadrinhos e
também a postura contestadora que estes artistas tomavam em relação ao
governo e à sociedade como um todo. Dos quadrinhos de Crumb e Wolinski
assimilaram principalmente a originalidade e a escolha de temas polêmicos,
além das ideias empreendedoras de Crumb e seus colegas.
Toninho Mendes passa a década de 1970, segundo Finotti (2014),
mudando de empregos, mas ao mesmo tempo acumulando experiências nas áreas
de paste-up[1], diagramação e produção gráfica, que seriam valiosíssimas
quando decidiu criar a Circo Editorial. Ele trabalhou em diversas gráficas
e editoras, entre elas Símbolo, Mestre Jou, Diagrama, Três e também no
jornal Aqui São Paulo, de Samuel Wainer, pai de Samuel Wainer Filho,
anteriormente mencionado.
Em 1975, como conta Silva (2011), estabiliza-se no jornal Versus,
jornal mensal de esquerda que nasceu por conta da morte de Wladimir Herzog
e do sentimento de frustração que se abateu nos militantes anti-regime.
Mesmo tendo pouca tiragem – cerca de 12 mil exemplares – e ser
precariamente distribuído, o jornal ajudou Toninho Mendes a aprimorar-se no
ofício de diagramador. Finotti (2014) diz que a maior dificuldade do cargo
era fazer caber toda a quantidade de texto que chegava à redação em meras
48 páginas internas. Além desse aprendizado, como o jornal era muito
pequeno, pôde entender como funcionavam todas as demais áreas da produção
de um periódico, como distribuição, gráficas e acordos.
Mendes também aproveitou seu período de três anos no jornal para
conhecer quase todos os artistas que mais tarde trabalhariam com ele na
Circo Editorial, como Luiz Gê, Chico Caruso, Paulo Caruso, Alcy e outros
tantos. E com eles, ainda no Versus, experimentou diversas soluções
gráficas.
Quando se desentendeu com os diretores da revista e pediu sua
demissão, encontrou Chico Caruso, que naquele momento fazia charges para a
revista Istoé, que havia sido recém criada para concorrer com a revista
Veja, da editora Abril. Caruso apresentou Mendes a Hélio de Almeida,
diretor de arte da Istoé, e foi com ele que Mendes aprendeu muito do seu
ofício de artista gráfico e editor. Esse contato também gerou em Mendes a
vontade de ter sua própria editora, que poucos meses depois abriu a Editora
Marco Zero, que lançou três livros em 1980: A confissão para o Tietê, do
próprio Toninho Mendes, Coisas da Negra Sarará, de Roque de Souza e
Natureza Morta de Chico Caruso. As vendagens, como informa Finotti (2014)
foram quase nulas, e a editora fechou suas portas, não sem antes dar a
Mendes boa experiência sobre mercado editorial.
Mais três anos se passaram e Mendes foi procurado por um colega que
se ofereceu para abrir uma editora. Toninho Mendes entraria com o trabalho
e o outro sócio entraria com o dinheiro necessário e cuidaria da
administração da nova editora. A ideia de Mendes, ainda de acordo com
Finotti (2014) era lançar dois livros no dia da votação das Diretas Já, 25
de abril de 1984,: um de Angeli e outro de Chico Caruso, ambos com
republicações dos materiais que estes faziam para o jornal Folha de São
Paulo, com distribuição pela editora Brasiliense em livrarias de todo o
Brasil. Dois meses antes de os livros saírem, porém, o sócio de Mendes – e
investidor da empreitada – decidiu sair do negócio, e coube a Chico Caruso
pagar os custos de produção dos livros da nova Circo Editorial. Além disso,
Caruso também percebeu que um livro de charges lançado naquele momento
ficaria defasado em pouquíssimo tempo, já que no dia seguinte haveria toda
uma reformulação no Brasil que não poderia faltar no livro. Dessa forma,
Mendes e Caruso decidiram lançar apenas o livro de Angeli.
Assim, com tiragem inicial de 3 mil cópias, Chiclete com Banana, Bob
Cuspe e Outros Inúteis saiu efetivamente dia 25 de abril de 1984, como
mostra Bryan (2004). Seu lançamento ocorreu na Rádio Clube, danceteria que,
como já comentamos, abriu suas portas pouco mais de um mês antes. Angeli
(apud Bryan 2004 p. 312), neste momento chegou a dizer
Acho que o Toninho, de uma maneira bem desleixada,
descompromissada e sem nenhum ideal de montar uma grande
editora, começa a mudar a cara do mercado de quadrinho
nacional. O que eu estava ensaiando dentro da Folha de São
Paulo, sempre quis fazer e ficava na gaveta, não teria
como se encaixar dentro do mercado se não fosse ele. Se eu
era a cabeça da Chiclete com Banana, Toninho era o
coração. Segurou o discurso de todo mundo com maestria de
um grande editor, pelo seguinte: nunca interferiu em nada.


A empreitada deu certo e no segundo semestre de 1984 e primeiro de
1985 houve vários lançamentos de livros pela Circo Editorial. Angeli lançou
uma edição com a Rê Bordosa, Luiz Gê lançou Quadrinhos em fúria e Laerte
lançou O tamanho da coisa. Além dos quadrinhos, também um livro de
xilogravuras de Rubem Grilo também foi editado.
A partir daí, Mendes percebeu um mercado carente de publicações
cômicas para jovens e o próximo passo foi criar a revista Chiclete com
Banana, como veremos.
Chico Caruso é irmão gêmeo de Paulo Caruso, e ambos estavam, no final
da década de 1970, sendo reconhecidos como grandes chargistas. Chico era
mais ligado à Toninho Mendes, tendo inclusive emprestado dinheiro para os
projetos deste, como já vimos. Os irmãos Caruso começaram sua caminhada
também por meio da revista Balão, como já dissemos, ainda quando
estudantes. A partir daí decidiram enveredar para o caminho da charge
política mesmo em um momento em que seus colegas – como Angeli, Laerte e
Luiz Gê, por exemplo – iniciavam sua caminhada para uma crítica de
costumes, afastada da política partidária e mais voltada ao cidadão comum e
ao jovem em especial.
Sua carreira começou no final da década de 1960, publicando em
periódicos como Opinião e Movimento. Mais tarde mudou-se para revistas como
Istoé e Veja. Chico Caruso desenvolveu sua técnica a partir da oposição à
técnica de Henfil. Moraes (1997, p.389) diz que
no início de sua carreira, Chico percebeu que, para
imprimir uma linha distintiva no seu trabalho, teria que
se desapegar de valores consagrados pela geração de
Jaguar, Ziraldo e Millôr, como a fala coloquial e a
espontaneidade do traço. No entender de Chico, Henfil
ultrapassara tais valores com um desenho "que transmitia a
sensação fantástica de deslizamento e de velocidade, uma
coisa intuitiva e mágica sem explicação no plano físico".
Chico enveredou para um traço menos espontâneo e
esteticamente mais rebuscado.


Como já dissemos, conheceu Toninho Mendes na redação da Istoé, e
constituíram além de amizade uma vontade de trabalhar junto, que se iniciou
no investimento da primeira obra editada pela Circo Editorial. Desde então
participou ativamente dos processos políticos brasileiros fazendo charges
para a Istoé e um pouco mais tarde para o Jornal do Brasil. Seu irmão
Paulo, trilhou caminho parecido, também trabalhando em grandes semanários
como Veja, Senhor e Istoé, sempre fazendo charges sobre a política
brasileira, e com traço parecido com o do irmão gêmeo. Na Chiclete com
Banana chegou a desenvolver uma história na edição número 2, intitulada
Revolução Sexual. A história é um misto de aventura, pornografia e crítica
política, na qual os protagonistas estão fazendo sexo na praia e são
sequestrados por uma organização anti-sexo e anti-juventude. Mais tarde são
resgatados por outra entidade, esta a favor da revolução sexual e que
precisa do protagonista para acabar com os inimigos. Seus desenhos são
explícitos, com nudez constante e palavreado chulo. Algo totalmente
diferente do seu trabalho comum de charge política e muito mais perto da
crítica sexual e de costumes do que crítica política.
Luiz Gê também iniciou sua carreira na revista Balão, que fundou em
conjunto com Laerte quando ainda era aluno da USP. Depois de graduado, como
nos conta Chinen (2014), Gê foi trabalhar em diversas revistas, entre elas
a Status, onde conheceu Toninho Mendes. Ao mesmo tempo, tornou-se editor da
área de quadrinhos do jornal Extra, de São Paulo, o que lhe conferiu grande
habilidade na área de diagramação e edição visual.
Alguns anos mais tarde, em 1987, foi chamado por Toninho Mendes para
editar a revista Circo que, de acordo com Chinen (2014) tinha uma proposta
ousada de trazer para o Brasil grandes quadrinistas europeus e misturá-los
com os brasileiros em uma publicação de 64 páginas. Ousada também era a
diagramação imposta por Gê, que desde o editorial já inseria diversos
elementos gráficos não usuais em revistas.
A Circo durou oito edições somente, pois Luiz Gê mudou-se para
Londres onde ingressaria no Royal College of Art e sem ele a revista não se
sustentou. Na Chiclete com Banana Gê contribuiu diversas vezes, mas talvez
a mais simbólica tenha sido na estreia da revista. Na Chiclete com Banana
número 1 Gê cria uma história surreal na qual as estátuas do Monumento às
Bandeiras, localizado na capital paulista ganham vida e atravessam um
cruzamento sob o olhar incrédulo de um casal em seu carro, mostrando uma
das maiores características da obra não só de Gê, mas de toda a geração
aqui estudada: a cidade, como podemos ver pela imagem abaixo.

Figura 1. Luiz Gê e São Paulo.
Fonte: LUIZ GÊ. Chiclete com Banana nº 1. São Paulo: Circo, 1985. p. 46

Santos (2014 p. 414) diz que "a cidade de São Paulo, com seu
horizonte atulhado de prédios e suas ruas apinhadas de automóveis e
transeuntes, é pano de fundo e personagem atuante de diversas histórias."
Parceiro de Gê na criação da Balão, Laerte Coutinho também foi um dos
mais ativos colaboradores da Circo Editorial. Santos (2012) diz que Laerte
nasceu em 10 de junho de 1951, e que pertencia a uma família de classe
média alta, cujo pai era professor universitário. Entrou nas USP aos
dezoito anos para cursar Comunicação e Cultura, mais tarde transferiu-se
para Comunicação e Artes. Fez Música e Jornalismo, mas não se formou em
nenhum deles.
Laerte conheceu Mendes por meio de Angeli. No final de 1975, como já
dissemos, Laerte havia sido encarregado de encontrar cartunistas para o PCB
no Rio de Janeiro, para o que mais tarde virou a Oboré, também já
mencionada no tópico sobre Henfil. Neste contexto Laerte foi atrás também
de Angeli, que já havia encontrado em alguns salões de humor e já eram
admiradores do trabalho um do outro, mesmo porque, segundo Alencar (2014),
em 1974 Laerte já era vencedor do Salão de Humor de Piracicaba, um dos
maiores do país e Angeli já publicava na Folha de São Paulo.

Figura 2. Charge vencedora do I Salão de Humor de Piracicaba.
Fonte: acesso em 14 de junho de 2014

Já na edição de número 4 da Chiclete com Banana Laerte faz uma
participação, e inaugura as personagens anárquicas Piratas do Tietê,
conforme figura abaixo, que mais tarde foi também título e carro-chefe da
publicação comandada por Laerte na Circo Editorial.

Figura 1. Laerte e os Piratas do Tietê.
Fonte: LAERTE. Chiclete com Banana nº 4. São Paulo: Circo, 1986. p. 43

A partir daí a parceria consolida-se não somente com Toninho Mendes
mas também com Angeli. Começam a ficar recorrentes quadrinhos e histórias
de ambos os artistas. Dois números depois da sua estreia, Laerte já dividia
um quadrinho-pôster com Angeli intitulado Paulista também trepa, em que
ambos desenham pessoas fazendo sexo como em uma máquina industrial, e
outras tantas parcerias são feitas ao longo dos anos. Mas a parceria mais
lembrada, que gerou revistas individuais, pôsteres, camisetas e aclamação
pública foi Los três amigos, em que Laerte e Angeli dividiam com Glauco a
criação de uma trupe de bandoleiros no oeste americano encarnado por
caricaturas dos três criadores: Angel Villa, Glauquito e Laertón.
Em maio de 1990, com periodicidade mensal, chegou as bancas a quarta
revista da Circo Editorial, Piratas do Tietê, título individual de Laerte.
A revista, de acordo com Alencar (2014) custava Cr$ 90,00 e tinha
orientação horizontal, tal qual a Fradim, de Henfil. Entretanto, diferente
da revista de seu tutor, no número 3 assumiu o formato vertical, para ser
mais vendável.
Depois de muitos problemas de periodicidade e com uma inflação que
fez com que o número 14 custasse Cr$ 3.300,00 a revista chegou ao seu final
em abril de 1992.
Glauco Vilas Boas foi descoberto ao mesmo tempo por Angeli e Laerte e
também por Henfil. Ramos (2014) diz que Henfil praticamente "adotou"
Glauco, tendo-o como discípulo, principalmente por conta do seu traço
rápido, leve e minimalista. Eles se conheceram, segundo Moraes (1997), em
1978 quando Glauco ganhou prêmio no 5º Salão de Humor de Piracicaba, no
qual Henfil era jurado.
Logo em seguida, Henfil convidou-o para morar no seu apartamento-
estúdio, como já dissemos, e ele passou a integrar o rol de pessoas que
faziam trabalhos políticos para a Oboré. Um pouco depois dessa fase, Glauco
começou a publicar seu Geraldão no caderno Ilustrada, da Folha de São
Paulo. Ramos (2014) diz que o primeiro livro de Glauco pela Circo Editorial
foi Espocando a Cilibina, vendido em bancas de jornal e que teve tiragem de
20 mil exemplares, em abril de 1986.
A primeira participação de Glauco na Chiclete com Banana deu-se no já
número 3 da revista, com o Casal Neuras, um mês antes do lançamento de
Espocando a Cilibina.

Figura 4. Glauco e o casal Neuras.
Fonte: GLAUCO. Chiclete com Banana nº 3. São Paulo: Circo, 1986. p. 47

Pouco mais de um ano depois, a Circo Editorial lança seu terceiro
título regular: a revista Geraldão. Ela deveria ser trimestral, mas dadas
as condições e um mercado favorável, teve sua periodicidade diminuída para
bimestral, e assim durou 10 números. A partir daí, como informa Santos
(2014), a revista passou para o selo Palhaço, cuja administração era feita
pelo irmão de Toninho Mendes, Márcio Tadeu, e durou apenas poucos números
mais.
A Geraldão, apesar de ter o nome Glauco na capa, continha outros
tantos colaboradores em seu miolo. Ramos (2014) afirma que cerca de dois
terços da revista era composto por colaboradores. Entre eles, o mais
notável era Laerte, seja com suas histórias solo, seja em parceria com
Glauco. Havia também sessões fixas na revista, tais como Abobrinhas na
Brasilônia, com charges de Glauco, Máximas e mínimas, de Toninho Mendes
(sob a alcunha de Visconde da Casa verde) e Temas impertinentes, de Emílio
Damiani, que também fazias as vezes de editor de arte da publicação.
Ramos (2014) salienta a ousadia de Glauco. Afinal, Geraldão queria
fazer sexo com a própria mãe, usava drogas injetáveis e andava nu. Era uma
forma de, ao alvorecer da Nova República, testar os limites da liberdade de
expressão.
Infelizmente a carreira de Glauco acabou junto com a sua vida quando
ele e seu filho foram assassinados no início de 2010, alijando o Brasil de
um de seus quadrinistas mais brilhantes.
Seu principal companheiro, Arnaldo Angeli Filho, mais conhecido como
Angeli, nasceu em 31 de agosto de 1956, no bairro da Casa Verde, zona norte
da cidade de São Paulo, filho de um funileiro e uma costureira. Vergueiro
(2014) diz que depois de reprovar a primeira série do ginásio pela terceira
vez foi expulso do colégio que frequentava. Assim, como informa Silva (2011
p. 46)
Angeli muniu-se intelectualmente a partir de suas
experiências pessoais e das impressões captadas por seu
olhar perspicaz do cenário que se apresentava e ao mesmo
tempo se modificava em torno dele. Ou seja, a escola de
Angeli foi sua própria vida. As impressões por ele
absorvidas ao longo de sua história, contribuíram para sua
formação como sujeito do seu próprio momento e refletiram-
se na sua produção artística, fazendo-nos verificar que é
possível, por meio das criaturas, traçar um perfil do seu
criador. Angeli estudava aquilo que lhe interessava,
portanto, lia aquilo que fazia parte do seu universo
comportamental, estava antenado com os interesses da sua
tribo, do seu grupo, e a partir desta lente, trilhou seu
caminho criativo, constituindo-se no autor de obra
relevante, como "intelectual do traço".

Aos quatorze anos Angeli publicou seu primeiro trabalho profissional,
na revista Senhor. Neste período é nítida a influência do traço de Millôr
Fernandes e Jaguar no seu. Pouco menos de um ano depois, por meio da
revista Grilo, toma conhecimento dos quadrinhos de Robert Crumb e do
cenário underground norte-americano. Essa descoberta fez com que seu estilo
mudasse um pouco, ao mesmo tempo em que abriu para Angeli novas
possibilidades de expressão.
Sem espaço para publicar, como mostra Santos (2012), Angeli tenta a
sorte em diversas publicações, e tem um desenho seu publicado na sessão de
cartas do Pasquim. Com sua arte estampada, aos dezesseis anos decide
procurar por Henfil, que foi muito gentil e incentivador, estimulando o
rapaz a prosseguir na profissão, como informa Moraes (1997). A partir desse
contato começa a publicar no Pasquim no ano seguinte.
Na volta para São Paulo, criou, junto com amigos do bairro da Casa
Verde, o Patatá, que, ainda segundo Santos (2012) pode ter sido o primeiro
jornal alternativo de São Paulo. Esse jornal era feito enquanto Angeli
vivia em uma espécie de comunidade hippie, que alugara uma casa e vivia ali
em comunato.
Poucos meses depois, Angeli ficou com a terceira colocação na segunda
edição do Salão de Humor de Piracicaba, e, de acordo com Coimbra (2008),
seu trabalho chamou atenção de Cláudio Abramo, que o convidou para criar as
charges diárias da Folha de São Paulo. Assim, aos dezessete anos, em 1973,
Angeli era o mais novo chargista de política do maior jornal do país.


Figura 2. Charge terceira colocada do III Salão de Humor de Piracicaba.
Fonte: acesso em 14 de junho de 2014

Neste período, Angeli colaborou com outros vários periódicos, dos
quais destacamos, em conjunto com Santos (2012), Versus, Movimento, Pasquim
e até mesmo a revista Balão do seu companheiro Laerte, com quem faria
trabalhos regulares na Oboré a partir de 1978.
Colaborando com a Oboré e sendo chargista da Folha de São Paulo,
Angeli mudou-se para o apartamento-estúdio de Henfil, junto com Nilson,
Glauco e Laerte. Ali no "bunker" teve possibilidade de ampliar seu domínio
sobre a arte, graças à troca de experiências com os outros artistas e
também ao incentivo e dicas de Henfil.
O uso de drogas e o sexo livre eram tônicas daquela época, consumia-
se muita cocaína e maconha e havia muitas mulheres dispostas a fazer sexo
com Angeli, como Glauco (apud Garcia e Paiva 2011) ressalta. Além disso,
frequentava diversos bares, boates e centros de entretenimento, sempre em
companhia de seus companheiros de residência.
Essa origem reflete em dois pontos cruciais do trabalho de Angeli: a
crítica social, oriunda dos trabalhos e da militância no período em que
fazia a Oboré e convivia com Henfil diariamente e a crítica de costumes,
vinda da observação das ruas, dos relacionamentos e de suas experiências
com drogas e o momento cultural proporcionado pela liberação sexual e
repressão governamental.
Em 1979 Angeli e Henfil se desentenderam e nunca mais trabalharam
juntos, como já vimos. Mesmo assim, suas colaborações para o Pasquim
continuaram, porém o trabalho de Angeli foi aos poucos modificando-se para
o que ele entendia ser uma nova política, agora sem a repressão ferrenha da
ditadura, que estava em seu processo de lento e gradual retorno à sociedade
civil.
Em 1982, como conta Coimbra (2008), Angeli levou à direção da Folha
de São Paulo uma proposta de fazer tiras de jornal com foco na crítica de
costumes, e não apenas na crítica político-partidária. Sua ideia foi aceita
e já em 1983 suas tiras intituladas Chiclete com Banana começaram a sair no
caderno Ilustrada ao lado de tiras norte-americanas e de Maurício de Sousa
e Ciça.
A expressão Chiclete com Banana, que Angeli escolheu para suas tiras
diárias surgiu pela primeira vez, como lembra Vergueiro (2014) no samba de
autoria de Gordurinha e Almira Castilho e que ficou famosa na gravação
feita por Jackson do Pandeiro: Eu só boto bebop no meu samba / Quando Tio
Sam tocar um tamborim / Quando ele pegar / No pandeiro e no zabumba /
Quando ele aprender / Que o samba não é rumba / Aí eu vou misturar / Miami
com Copacabana / Chiclete eu misturo com banana, / E o meu samba vai ficar
assim: /Tururururururi bop-bebop-bebop / Eu quero ver a confusão /
Tururururururi bop-bebop-bebop / Olha aí, o samba-rock, meu irmão / É, mas
em compensação, / Eu quero ver um boogie-woogie / De pandeiro e violão. /
Eu quero ver o Tio Sam / De frigideira / Numa batucada brasileira. Angeli
achou a crítica aos EUA e aos costumes locais presentes na canção perfeitas
para nomear ser trabalho.
A partir daí a tira com as personagens de Angeli começam a ganhar
mais e mais público, chegando a ficar mais populares do que as estrangeiras
que habitavam o jornal até então, e rivalizar com as de Maurício de Sousa.
O próximo passo dado foi desenvolver em conjunto com Toninho Mendes o
livreto da coleção Traço e Riso para a personagem Bob Cuspe. E a partir da
grande vendagem deste, os parceiros decidem lançar outra publicação: a
revista Chiclete com Banana, onde "talvez nunca na história dos quadrinhos
brasileiros um único autor tenha se dedicado tanto à confecção de uma
revista própria como ocorreu com Angeli." (VERGUEIRO, 2014, p. 41).
A partir daí, tanto a Chiclete com Banana quanto a carreira de Angeli
decolaram, ou seja, alçaram voos maiores e conseguiram enorme projeção, com
grandes tiragens e tornando suas personagens e sua linguagem em ponto comum
entre jovens, como pode-se perceber pelas leituras posteriores do período.


BIBLIOGRAFIA

ALENCAR, Marcelo. A invasão dos Piratas do Tietê. in: MENDES, Toninho
(org.). Humor Paulistano - A experiência da Circo editorial (1984-1995).
São Paulo: SESI, 2014.

BRYAN, Guilherme. Quem tem um sonho não dança: Cultura Jovem brasileira dos
anos 80. Rio e Janeiro: Record, 2004.

CHINEN, Nobu. A metrópole dos desenhistas da Circo. in: MENDES, Toninho
(org.). Humor Paulistano - A experiência da Circo editorial (1984-1995).
São Paulo: SESI, 2014

COIMBRA, Monique Hornhardt. A linguagem Udigrudi dos quadrinhos de Angeli:
da revista Chiclete com Banana. Dissertação de Mestrado PPGTE-UTFPR,
Curitiba, 2008.

FINOTTI, Ivan. Um certo Toninho Mendes. in: MENDES, Toninho (org.). Humor
Paulistano - A experiência da Circo editorial (1984-1995). São Paulo: SESI,
2014

MALDITOS CARTUNISTAS. Direção, Edição e Produção: GARCIA, Daniel & PAIVA,
Daniel. Brasil: Daniéis Entretenimento, 2011.

MORAES, Dênis de. O Rebelde do Traço: a vida de Henfil. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1997

RAMOS, Paulo. Geraldão Edipão Neuras & Doy Jorge. in: MENDES, Toninho
(org.). Humor Paulistano - A experiência da Circo editorial (1984-1995).
São Paulo: SESI, 2014

SILVA, Keliene Christina da. Angeli e a República dos Bananas:
representações cômicas da política brasileira na revista Chiclete com
Banana (1985-1990). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em
História do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPB. João
Pessoa: UFPB, 2011

VERGUEIRO, Waldomiro. Chiclete com Banana abrindo os caminhos. in: MENDES,
Toninho (org.). Humor Paulistano - A experiência da Circo editorial (1984-
1995). São Paulo: SESI, 2014

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[1] Past up é uma antiga técnica de diagramação, que consistia em colar,
com cola de benzina as lâminas de texto previamente encomendadas a
terceiros que faziam o serviço de fotocomposição.
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