As mudanças na capacidade e a inclusão da tomada de decisão apoiada a partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência AS MUDANÇAS NA CAPACIDADE E A INCLUSÃO DA TOMADA DE DECISÃO APOIADA A PARTIR DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

June 6, 2017 | Autor: Maurício Requião | Categoria: Intellectual Disability, Disability, Capacidades
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AS MUDANÇAS NA CAPACIDADE E A INCLUSÃO DA TOMADA DE DECISÃO APOIADA A PARTIR DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA The changes on the capacity system and the the supported decision inclusion by the handicapped people statute Revista de Direito Civil Contemporâneo | vol. 6/2016 | p. 37 - 54 | Jan - Mar / 2016 DTR\2016\436 ___________________________________________________________________________ Maurício Requião Doutor em Direito pela UFBA. Professor da Faculdade Baiana de Direito e da Faculdade Ruy Barbosa. Advogado. [email protected] Área do Direito: Civil Resumo: Este artigo objetiva analisar as modificações na capacidade do portador de transtorno mental, bem como a introdução da tomada de decisão apoiada no ordenamento brasileiro, pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Para o primeiro objetivo, realiza análise da nova lei partindo de comparação histórica com o regramento da capacidade de tais sujeitos nas legislações nacionais anteriores. Para o segundo objetivo, analisa a tomada de decisão apoiada do ordenamento brasileiro, utilizando-se da comparação com regimes similares em ordenamentos estrangeiros. Palavras-chave: Transtorno mental - Capacidade - Tomada de decisão apoiada Curatela - Pessoa com deficiência. Abstract: This article aims to analyse the people with mental disorder capacity changes, as well as the introduction of the supported decision system at the brazilian law, through the Handicapped People Statute. In order to achieve the first goal, it makes an historical analysis of brazilian laws about the capacity, starting from the prior national laws up to the Handicapped People Statute. To achieve the second goal, it analyses the brazilian supported decision system in comparison with foreign similar systems. Keywords: Mental disorder - Capacity - Supported decision - Guardianship Handicapped Sumário: 1Introdução - 2A incapacidade no direito brasileiro anterior à codificação - 3A incapacidade nos Códigos Civis brasileiros - 4A nova regulamentação da capacidade do portador de transtorno mental a partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência - 5A tomada de decisão apoiada - 6Conclusão - 7Referências

1 Introdução

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Foi publicada recentemente, em 07.07.2015, a Lei 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também nomeada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, com vacatio legis de 180 dias. Traz o Estatuto diversas garantias para os portadores de deficiência de todos os tipos, com reflexos nas mais diversas áreas do direito. Um dos fatores de grande impacto trazido pelo Estatuto é a importante mudança que provoca no regime das incapacidades1 do Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro, no que toca ao portador de transtorno mental.2 Historicamente, no ordenamento jurídico brasileiro, o portador de transtorno mental foi tratado como incapaz. Com algumas variações de termos e grau, como se verá a seguir, assim foi até a chegada do Estatuto acima apontado. Sob a justificativa da sua proteção foi o portador de transtorno mental rubricado como incapaz, com claro prejuízo à sua autonomia e, muitas vezes, dignidade.3 Não é necessário realizar grande esforço para mostrar como foi tal sujeito tratado como cidadão de segunda classe, encarcerado sem julgamento, submetido a tratamentos subhumanos. As narrativas sobre o Colônia4 valem por todas, e a elas remete-se o leitor que quiser se inteirar sobre as atrocidades já cometidas por aqueles que se encontravam no dever de atuar como guardiões dos portadores de transtorno mental. Justamente por força de tais abusos, pelo reconhecimento da necessidade de propiciar a estes sujeitos condições para uma vida digna, é que, não apenas no campo do direito, surgiram movimentos com o objetivo de modificar estas situações. Realiza-se tal ressalva para que não se pense que surgem do éter as mudanças operadas pelo Estatuto. São, ao contrário, fruto de ações como as do Movimento de Luta Antimanicomial e da reforma psiquiátrica, que encontram suas raízes formais no Brasil mais fortemente a partir da década de 1980.5 Para além da evolução da mudança da capacidade, realizar-se-á também análise do inédito sistema da tomada de decisão apoiada, introduzido no ordenamento pátrio através do Estatuto. Em tal intuito, se valerá da comparação com experiências estrangeiras similares, como a amministrazione di sostegno italiana e a sauvegarde de justice francesa. Situado o tema, acredita-se que nada será mais claro para expor a grande mudança operada no ordenamento pelo Estatuto do que analisar o caminho percorrido pela legislação pátria sobre o tema, o que se passa a fazer. 2 A incapacidade no direito brasileiro anterior à codificação

No período anterior às codificações nacionais, em que pese a existência de certa confusão das fontes legislativas,6 por muito tempo o principal documento de referência no direito civil foi a regulamentação feita pelas Ordenações Filipinas de Portugal,7 que tiveram sobrevida no Brasil até mesmo depois da declaração da independência, em 07.09.1822 e, por curioso que seja, portanto até após sua própria revogação em Portugal. Também anteriormente à primeira codificação deu-se a Consolidação das Leis Civis, de Teixeira de Freitas, em dezembro de 1858, que acabou suprindo o espaço da ausência de um Código Civil (LGL\2002\400) até que surgisse o de 1916.

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A investigação destes dois diplomas traz interessantes informações sobre a incapacidade, incluso aí, especificamente considerando os objetivos deste texto, do portador de transtorno mental. A Consolidação, por exemplo, apenas se limitava a afirmar a cessação da menoridade aos vinte e um anos, em que pese tenham as Ordenações Filipinas inicialmente a fixado aos vinte e cinco, sem trazer maiores ressalvas ao quanto disposto nas Ordenações sobre a curatela dos loucos e pródigos. As Ordenações Filipinas, por sua vez, trazem diversas disposições relativas aos loucos e aos pródigos, bem como um regime específico de curatela para ambos, prevista no seu Livro IV. Entretanto, alguns outros interessantes dispositivos legais sobre o tema são encontrados ao longo das Ordenações. Assim é que, por exemplo, no art. 66, 3, do seu Livro I, determinava que pudesse o poder de polícia ser utilizado, dentre outras providências, "contra o perigo proveniente da divagação dos loucos, dos embriagados, de animais ferozes, ou danados, e daqueles, que, correndo, podem incomodar os habitantes". Curioso notar que já aí se encontram sob a possibilidade do julgo do poder de polícia, sem maiores necessidades de justificativa, dois daqueles que futuramente seriam sujeitos considerados incapazes: o louco e o embriagado. Mas, ainda mais digno de destaque, é notar que são colocados ao lado dos animais ferozes. Ademais, nas Ordenações, há toda uma variedade de determinações para se referir ao portador de transtorno mental: louco, desassisado, mentecapto, furioso, sandeu, em que pese muitas vezes dando a elas sentidos diversos. Não é de se espantar que assim fosse, dado o momento em que ainda se encontrava a medicina. Basta pensar que, por exemplo, a psicofarmacologia, que propiciou tratamentos a diversos sujeitos que antes estariam renegados à segregação, só começa a se desenvolver no início da década de 1950.8 Era, portanto, a esta época, ainda maior a carga de preconceito que pesava sobre o portador de transtorno mental. Por um lado, pela associação muitas vezes realizadas ao longo da história entre loucura e pecado. 9 No mesmo caminho, já se teve a loucura vista como castigo divino; a outro giro, algumas condições como a de "degenerado", sempre estiveram a meio caminho entre o pecado e a doença. Situação compartilhada também pelo pródigo, que tem sua condição vista como um mal moral,10 e pelo portador de doença venérea.11 Aproximação esta entre a figura do pródigo e do louco que, aliás, vem de longa data na história.12 A curadoria deste sujeito portador de transtorno mental era regulamentada no seu Livro IV, Título CIII, sob a epígrafe de "Dos curadores que se dão aos pródigos e mentecaptos". Determina tal dispositivo que seja dado curador aos menores de vinte e cinco anos de idade, aos desassisados e desmemoriados, bem como aos pródigos que mal gastarem suas fazendas. Em nota explicativa ao Título, constante nas próprias Ordenações, esclarece-se que desassisado é aquele a quem falta o siso, portanto, o juízo. Desmemoriado, por sua vez, é explicado como sendo o idiota, o demente.13

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Determina ainda o Título CIII que caso o sandeu possa fazer mal, ou causar dano a alguém ou suas propriedades, deverá ser mantido sob a guarda e vigilância, prioritariamente de seu pai,14 e mesmo aprisionado. Também seus bens deverão ser confiados a seu pai que, além do mais, em sendo negligente com a guarda do sandeu, acabaria por responder civil e penalmente pelos seus atos. Destaque-se que, também em nota explicativa, se frisa a necessidade de proceder a exame de sanidade previamente ao estabelecimento da curadoria. Exames médicos estes que se constituem então como a prova preliminar, preferencial em relação a todas as outras, para o reconhecimento da loucura, que daria causa à interdição. Há já nestas notas das Ordenações o esclarecimento de que nem todo transtorno mental deve levar, necessariamente, à interdição. Assim, afirma-se que "não estão na classe dos furiosos, nem se dará curador àqueles, em que se nota uma demasiada simplicidade, sem desarranjo do cérebro". A interdição por loucura nas Ordenações está de todo ligada à manutenção do transtorno mental, de modo que determina que tornando o sujeito "a seu perfeito siso e entendimento", lhe serão restituídos todos seus bens, com a devida prestação de contas (Título CIII, 2). Por fim, interessante destacar que nas Ordenações, ao contrário do que ocorreu com as posteriores codificações nacionais, reconhecia-se o chamado intervalo lúcido, conforme regulamentado no Título CIII, 3: "E sendo furioso por intervalos e interposições de tempo, não deixará seu pai, ou sua mulher de ser seu curador no tempo, em que assim permanecer sisudo, e tornado a seu entendimento. Porém, enquanto ele estiver em seu siso e entendimento, poderá governar sua fazenda, como se fosse de perfeito siso. E tanto que tornar à sandice, logo seu pai, ou sua mulher usará da curadoria, e regerá e administrará a pessoa e a fazenda dele, como dantes". Na técnica empregada nas Ordenações, portanto, os intervalos lúcidos não suspendiam a curadoria, mas, de certa forma, barravam temporariamente a sua eficácia, que seria plenamente restituída tão logo se encerrasse o período de sanidade. 3 A incapacidade nos Códigos Civis brasileiros

As duas grandes Codificações Civis brasileiras, de 1916 e de 2002, ao contrário das legislações que foram aplicadas anteriormente em solo pátrio, trouxeram de modo sistematizado a questão da incapacidade. Pode-se até afirmar que, entre elas, mantiveram suas características de modo muito aproximado. Na regulamentação das limitações da autonomia por incapacidade houve, nas duas codificações, congruência na fundamentação, nas consequências e, de certa maneira, também no rol dos incapazes. Em ambas o fundamento para a limitação via incapacidade foi o da proteção do incapaz. Isso é facilmente constatável pela leitura da doutrina do tema nos manuais, que costuma se referir ao incapaz como alguém mais vulnerável e, por conseguinte, merecedor de proteção.15

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As consequências também foram as mesmas, qual seja a limitação para a prática dos atos da vida civil, no caso dos absolutamente incapazes, e para a prática de certos atos, no caso dos relativamente incapazes. Essa diferente redação para cada um dos tipos de incapacidade reflete o fato de que as suas consequências, em ambas as codificações, dividiram-se em dois graus, para tornar o ato praticado pelo absolutamente incapaz nulo e o realizado pelo relativamente incapaz anulável. Baptista de Mello, ao tratar das causas de incapacidade no Código Civil de 1916 (CC/1916 (LGL\1916\1)), disserta sobre a incapacidade de exercício como podendo ser natural ou legal. Na natural inclui as pessoas privadas de discernimento, os menores, os loucos de todo gênero durante o tempo da moléstia, os surdos-mudos que não puderem exprimir sua vontade e o ausente. Já a legal abrangeria os "defeitos de madureza do espírito, certas enfermidades morais, o estado da mulher casada, etc."16 Percebe-se, na fala do autor, ainda existente à época a vinculação entre doença e moral, ao ponto tal de se falar em "enfermidade moral". No que toca ao rol, algumas diferenças são encontradas. Assim é que o Código Civil de 1916 elencava como absolutamente incapazes, no seu art. 5.º: 17 "Art. 5.º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente aos atos da vida civil: I - Os menores de dezesseis anos. II - Os loucos de todo o gênero. III - Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade. IV - Os ausentes, declarados tais por ato do juiz." Há já quando da criação do Código Civil de 2002 algumas diferenças no rol dos absolutamente incapazes. Quanto ao menor, nada mudou, continuando os menores de dezesseis anos a serem absolutamente incapazes, o que, aliás, aqui se critica. Afinal, diante da redução da idade para alcançar a capacidade plena com a maioridade aos dezoito, deveria ter havido também proporcional redução da idade mínima para que se alcançasse a incapacidade relativa. No que toca aos portadores de transtornos mentais, note-se que, se nas Ordenações Filipinas havia referência aos portadores de transtorno mentais com o uso dos mais diversos termos, seu sucessor imediato optou por reuni-los numa única epígrafe: loucos de todo gênero, que sempre foi alvo de crítica doutrinária.18 Mais do que isso, determinou, consoante já enumerado, o estado de absolutamente incapaz para todos eles. Quanto a isso, havia à época crítica indicando que a alusão tão somente aos loucos teria deixado de regulamentar outros sujeitos como os "fracos de espírito" e "psicopatas". 19 Sobre o tema, houve no Código Civil de 2002 tratamento mais cuidadoso, de modo que na sua redação original podem os portadores de transtorno mental ser considerados como absoluta ou relativamente incapazes, a depender do grau de compreensão do mundo, de discernimento, que lhes retire o transtorno que possuam. Em que pese esta melhoria, os termos adotados "enfermidade", "deficiência mental" e "excepcional sem desenvolvimento mental completo", continuaram sendo insuficientes20 para explicar toda a gama de

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situações que pretende abordar, no que seria melhor ter utilizado a expressão mais genérica e tecnicamente mais adequada "portador de transtorno mental", como se vem fazendo no presente texto, realizando ainda, por óbvio, a menção ao discernimento reduzido. Excluiu-se no Código Civil de 2002 a referência direta aos surdos-mudos, adotando-se fórmula mais genérica em que se determinou na originária redação a incapacidade absoluta de todos aqueles que, ainda que por causa transitória, não possam exprimir sua vontade. Por fim, de modo mais técnico, foi excluído o ausente do rol dos incapazes, já que o problema que ocorre quando da ausência não é igual aos anteriores de suposta debilidade do sujeito, mas sim do seu desaparecimento, obrigando a que seja nomeado um curador para atuar como representante dos seus interesses até que ocorra a sua volta ou se decrete a sua morte de modo presumido. Já os relativamente incapazes eram elencados, ao final da vigência do Código Civil (LGL\2002\400) 1916 como sendo os seguintes: "Art. 6.º São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. I), ou à maneira de os exercer: I - Os maiores de dezesseis e os menores de vinte e um anos (arts. 154 a 156). II - Os pródigos. III - Os silvícolas. Parágrafo único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do país." Destaque-se, entretanto, que este rol dos relativamente incapazes não é o mesmo da redação original, mas sim o que resultou da modificação realizada pela Lei 4.124/1962. As mudanças foram a exclusão da mulher casada do rol de relativamente incapazes e a modificação, no parágrafo único da expressão "e que cessará à medida da sua adaptação" por "o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do país". No que toca à comparação do rol dos relativamente incapazes no Código Civil de 2002 21 com o da redação final do Código Civil de 1916, a única manutenção sem alterações foi a da incapacidade do pródigo. No que diz respeito aos menores, houve a diminuição da idade para que cessasse a incapacidade relativa dos 21 para os 18. Quanto aos portadores de transtornos mentais, foi incluída, como já dito anteriormente, a possibilidade de o sujeito "excepcional, sem desenvolvimento mental completo" e "os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido", serem tratados como relativamente incapazes. Esta mudança, decerto, pode ser apontada como um avanço na regulação da limitação da autonomia, já que passou a gradar a autonomia do incapaz por distúrbios mentais, possibilitando-lhe, ao menos, alcançar a incapacidade relativa. Por outro lado, houve a inclusão dos ébrios habituais e viciados em tóxicos, como

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relativamente incapazes. E, por fim, manteve-se a incapacidade do indígena, tendo havido a substituição da expressão silvícola, bem como se retirou do texto da lei a necessidade de adaptação para que seja alcançada a capacidade. Como se pode notar, não houve grandes modificações nas limitações à capacidade entre o Código Civil (LGL\2002\400) anterior e o atual. A mais digna de nota, posto que mais acertada porque promotora da autonomia, foi justamente a possibilidade de ser o portador de transtornos mentais qualificado como relativamente incapaz e não necessariamente como absolutamente, criando assim um mecanismo que permitiu limitar de forma menor a autonomia dos sujeitos que não têm a vida tão afetada pelos seus problemas de ordem psíquica. 4 A nova regulamentação da capacidade do portador de transtorno mental a partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência

Como se pôde ver, até a chegada do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a regra no ordenamento jurídico brasileiro foi pela incapacidade do portador de transtorno mental. É, portanto, grande mudança a que ele realiza, ao retirar os portadores de transtorno mental da condição de incapazes, com a revogação de boa parte dos arts. 3.º e 4.º do CC/2002 (LGL\2002\400).22 Assim, o fato de um sujeito possuir transtorno mental de qualquer natureza, não faz com que ele, automaticamente, se insira no rol dos incapazes. É um passo importante na busca pela promoção da igualdade dos sujeitos portadores de transtorno mental, já que se dissocia o transtorno da necessária incapacidade. Mas é também uma grande mudança em todo o sistema das incapacidades, que merece cuidadosa análise. A mudança apontada não implica, entretanto, que o portador de transtorno mental não possa vir a ter a sua capacidade limitada para a prática de certos atos. Mantém-se a possibilidade de que venha ele a ser submetido ao regime de curatela. O que se afasta, repise-se, é a sua condição de incapaz. Esta determinação da nova lei, aliás, reforça entendimento que já se havia defendido em tese de doutorado, sobre a necessária distinção entre transtorno mental, incapacidade e curatela. A avaliação de existência de transtorno mental é algo que cabe ao campo médico, ou da psicanálise, sendo mais comumente objeto de estudo da psiquiatria e da psicopatologia. Os diagnósticos de transtorno mental na medicina costumam atualmente ser feitos com base no Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders (DSM), documento formulado pela Associação Americana de Psiquiatria, que se encontra atualmente na sua quinta edição (DSM 5), publicada oficialmente em 18.05.2013. Destaque-se que diversas são as críticas feitas a tal documento, 23 dada a amplitude de quadros que lá são alvo de diagnóstico, de modo que, dificilmente, um sujeito transcorrerá sua vida sem que em qualquer momento tenha possuído algum transtorno. Assim, não há relação necessária entre o sujeito ser portador de um transtorno mental e não possuir capacidade cognitiva ou de discernimento. A incapacidade, por sua vez, é categoria jurídica, estado civil aplicável a determinados

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sujeitos por conta de questões relativas ao seu status pessoal. Pode decorrer tanto da simples inexperiência de vida, como por conta de circunstâncias outras, tais como o vício em drogas de qualquer natureza. Dentre estas circunstâncias, até a chegada do Estatuto que ora se discute, encontrava-se o transtorno mental, sob as mais diversas denominações (enfermidade ou deficiência mental, excepcionais sem desenvolvimento mental completo). Independe a incapacidade de decretação judicial. Enquadrando-se o sujeito numa das hipóteses previstas no suporte fático normativo, é ele incapaz e, portanto, ao menos de algum modo limitado na prática dos seus atos. Já a curatela, que se estabelece a partir do processo de interdição, visa determinar os limites da incapacidade do sujeito para a prática de certos atos, bem como constituir um curador que venha a representá-lo ou assisti-lo nos atos jurídicos que venha a praticar. E é justamente sobre a curatela e a interdição que se faz sentir grande reflexo na mudança do sistema das incapacidades no Código Civil (LGL\2002\400). Isto porque a regra passa a ser a garantia do exercício da capacidade legal por parte do portador de transtorno mental, em igualdade de condições com os demais sujeitos (art. 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência). A curatela passa a ter o caráter de medida excepcional, extraordinária, a ser adotada somente quando e na medida em que for necessária. Tanto assim que restaram revogados pelo Estatuto diversos dispositivos do art. 1.767 do CC,24 em que se afirmava que os portadores de transtorno mental estariam sujeitos à curatela. Não mais estão; podem estar, e entender o grau de tal mudança é crucial. Diz textualmente a nova lei (art. 84, § 3.º) que a curatela deverá ser "proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível". Legislase assim a obrigatoriedade da aplicação de tailored measures, que levem em conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando a tão comum saída, utilizada até então de forma quase total, de simples decretação da incapacidade absoluta com a limitação integral da capacidade do sujeito.25 A isto, aliás, conecta-se também a necessidade da exposição de motivos pelo magistrado, que agora terá, ainda mais, que justificar as razões pelas quais limita a capacidade do sujeito para a prática de certos atos. Ademais, tornou-se lei também a determinação de que a curatela afeta apenas os aspectos patrimoniais, mantendo o portador de transtorno mental o controle sobre os aspectos existenciais da sua vida, a exemplo do "direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto", expressamente apontados no art. 85, § 1.º, do Estatuto. Já era sem tempo a necessidade de reconhecer que eventual necessidade de proteção patrimonial não poderia implicar em desnecessária limitação aos direitos existenciais do sujeito.26 Reforça-se, com tudo isto, que a curatela é medida que deve ser tomada em benefício do portador de transtorno mental, sem que lhe sejam impostas restrições indevidas. Também nesse sentido corrigiu-se, aliás, falha que o novo Código de Processo Civil tinha perdido a oportunidade de reparar,27 com a possibilidade de ser a curatela requerida pelo próprio portador de transtorno mental. Afinal, ninguém mais legítimo do que o próprio sujeito que será alvo da medida para requerê-la. Esta correção, entretanto, terá pouco tempo de vida. Isto porque ela se dará a partir de

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inserção de inciso no art. 1.768 do CC, que, por sua vez, em breve será revogado por força de previsão expressa do art. 1.072, II, do NCPC. Devido à tramitação temporal sobreposta entre o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o novo Código de Processo Civil, tal detalhe provavelmente não foi notado pelo legislador. Melhor solução se encontrará com novo projeto de lei que determine a inserção de um novo inciso no art. 747 do NCPC, legitimando o próprio sujeito que virá a ser submetido ao regime de curatela a requerer a interdição, o que desde já se sugere. A mudança da capacidade do portador de transtorno mental, entretanto, não foi a única mudança relevante no tema da capacidade trazida pelo Estatuto. Introduz também no sistema brasileiro a tomada de decisão apoiada, que agora se passa a analisar. 5 A tomada de decisão apoiada

Por determinação do art. 116 do Estatuto, insere-se também no Código Civil (LGL\2002\400), através do recém-criado art. 1.783-A, novo modelo alternativo ao da curatela, que é o da tomada de decisão apoiada. Neste, por iniciativa da pessoa com deficiência,28 são nomeadas pelo menos duas pessoas idôneas "com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade". Privilegia-se, assim, o espaço de escolha do portador de transtorno mental, que pode constituir em torno de si uma rede de sujeitos baseada na confiança que neles tem, para lhe auxiliar nos atos da vida. Justamente o oposto do que podia antes acontecer, em algumas situações de curatela fixadas à revelia e contra os interesses do portador de transtornos mentais. A adoção de medidas diferentes da curatela é algo que pode ser encontrado na experiência estrangeira. Apresentam-se ora através da criação de novos modelos que excluem a curatela do sistema, como no caso da austríaca Sachwalterschaft e da alemã Betreuung; ora com a criação de modelos alternativos que não excluem a curatela do sistema, mas esperam provocar o seu desuso, como se deu com a criação do "administrador" belga e da figura do amministrazione di sostegno italiana; e por vezes simplesmente como figura que conviverá com a curatela, como na sauvegarde de justice francesa.29 No caso brasileiro optou-se pela convivência entre a curatela e o novo regime, servindo inclusive as disposições gerais daquela para este, nos termos do art. 1.783-A, § 11. Se na realidade brasileira a tomada de decisão apoiada levará ao desuso da curatela, é algo que somente o tempo dirá. Trata-se de regime que, à semelhança da curatela, se constituirá também pela via judicial. O juiz, antes de decidir, deverá ouvir não apenas o requerente, como também os apoiadores, o Ministério Público e equipe multidisciplinar (art. 1.783-A, § 3.º). Note-se que a tomada de decisão apoiada é medida cuja legitimidade ativa cabe somente ao sujeito que dela fará uso (art. 1.783-A, § 2.º), o que reforça o papel da autonomia do portador de transtorno mental. Possuirá apoiadores não porque lhe foram designados, mas porque assim o quis.

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Este respeito à autonomia do apoiado prossegue presente no próprio termo em que se faz o pedido do estabelecimento de tomada de decisão apoiada. Em tal termo, firmado pelo apoiado e pelos apoiadores, é necessário que "constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar" (art. 1.783-A, § 1.º). Destaque-se, portanto, que a tomada de decisão apoiada poderá ser diferente para cada sujeito, já que o termo que for apresentado é que especificará os limites do apoio. Um questionamento que pode surgir no que toca ao "prazo de vigência do acordo" é se pode ele ser indeterminado. Paula Távora Vítor, analisando na legislação europeia regimes que seguem a mesma lógica da tomada de decisão apoiada, afirma que a determinação mais comum nelas é pelos prazos determinados, embora, na prática, haja tendência em perpetuá-las.30 Trata-se, sem dúvida, de questão delicada. Assim é que, por exemplo, por um lado, o Código Civil italiano diz que pode a amministrazione di sostegno ser por tempo indeterminado,31 ao passo que o Código Civil francês determina que a medida de sauvegarde de justice não pode ser determinável por período superior a um ano, renovável uma vez.32 Dúvida que pode surgir também é se o sujeito, ao requerer a tomada de decisão apoiada, tem a sua capacidade afetada de alguma forma. Os regimes estrangeiros acima apontados respondem de forma diferente,33 o que indica que a limitação ou não da capacidade em tais circunstâncias não se trata de decorrência lógica, mas sim de escolha legislativa. No caso brasileiro a tomada de decisão apoiada parece não implicar em perda da capacidade do sujeito que a requer, mas sim em reforço à validade de negócios por ele realizados. É que, em se tratando de negócio realizado com base e nos limites do acordo da tomada de decisão apoiada, não haverá brecha para invalidação do mesmo por questões relativas à capacidade do sujeito apoiado (art. 1.783-A, § 4.º). Em busca de maior segurança pode, inclusive, o terceiro com quem se negocia solicitar que os apoiadores contra assinem o contrato ou acordo, especificando a sua função em relação ao apoiado (art. 1.783-A, § 5.º). A lei determina que, em se tratando de negócio jurídico "que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão" (art. 1.783-A, § 6.º). Note-se que a necessidade da presença do juiz para decidir a controvérsia se dá somente diante de casos em que a realização do negócio possa trazer risco ou prejuízo relevante. E quando se tratar de negócio de menor monta, o que ocorre? A resposta a tal questão encontra-se implícita no próprio texto da lei, seja pela leitura do citado parágrafo, seja levando em conta interpretação sistemática do próprio Estatuto. Se há a especificação que o juiz somente atuará, proferindo a decisão final sobre a controvérsia, nos casos em que o negócio pode trazer risco ou prejuízo relevante para o apoiado, é porque, nos demais caso prevalecerá a escolha do apoiado em detrimento das manifestações dos apoiadores. No caso supracitado deve-se dar privilégio à autonomia do apoiado, até porque, não se

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perca de vista, a tomada de decisão apoiada só se constituiu a partir de interesse seu. Entretanto, acredita-se que em caso de divergências entre o apoiado e o apoiador, seja útil a este buscar registrar a sua opinião contrária ao negócio realizado, para que no futuro não possa de alguma maneira vir a ser acusado de negligência na sua atuação. Também aqui, assim como na curatela, se buscou destacar que o papel do apoiador deve ser positivo ao sujeito que ele apoia, sendo aquele destituído a partir de denúncia fundada feita por qualquer pessoa ao Ministério Público ou ao juiz, caso haja o apoiador com negligência ou exerça pressão indevida sobre o sujeito que apoia (art. 1.783-A, § 7.º). Essa destituição implicará na necessidade de ser ouvida a pessoa apoiada quanto ao seu interesse em que seja, ou não, nomeado novo apoiador (art. 1.783-A, § 8.º). Embora a lei não especifique, acredita-se que, como há determinação legal da existência de dois apoiadores, se um deles for destituído e o apoiado não quiser a nomeação de novo apoiador, se dará a extinção da situação de tomada de decisão apoiada. Extinção esta que, aliás, pode se dar também a qualquer tempo a partir de pedido do apoiado (art. 1.783-A, § 9.º). Trata-se de direito potestativo do apoiado, de modo que não cabe ao juiz denegar tal pedido. É possível também que algum dos apoiadores não queira mais participar do processo de tomada de decisão apoiada, o que será deferido também a partir de autorização judicial (art. 1.783-A, § 10). Esta saída do apoiador, embora também não haja determinação legal expressa, não implicará automaticamente no fim do processo de tomada de decisão apoiada. Deverá ser o apoiado instado a indicar novo apoiador e, somente se não o quiser, haverá a extinção do processo. As situações abordadas nos dois últimos parágrafos só reforçam os aspectos da voluntariedade e da confiança que envolvem a tomada de decisão apoiada. Dá-se, no que toca à confiança como elemento basilar, configuração similar àquela encontrada, por exemplo, no mandato. 6 Conclusão

A chegada do Estatuto da Pessoa com Deficiência traz profundas modificações não apenas à qualificação do estado civil do portador de transtorno mental, mas também a toda a sua lógica protetiva. Primeiro porque, ao reconhecer a importância de favorecer a autonomia do sujeito portador de transtorno mental, inaugura novo paradigma, que propicia que se torne ele ator da sua própria vida. Reflexos disso podem ser sentidos não apenas nas modificações no que toca à curatela, mas também na introdução no sistema brasileiro da tomada de decisão apoiada. A par destas mudanças já abordadas no presente artigo, que tratam especificamente da incapacidade, muitos outros reflexos ainda se podem sentir no Código Civil (LGL\2002\400) por força das mudanças trazidas pelo Estatuto, como a possibilidade do portador de transtorno mental agora servir como testemunha, ou de poder se casar sem necessidade de autorização de curador.

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Certamente grande será também o impacto em toda a teoria do negócio jurídico e nas situações negociais em geral, em decorrência do afastamento de considerável gama das causas de invalidade. Neste sentido, acredita-se, ganhará novas luzes e importância a discussão sobre o limite e caracterização de alguns defeitos do negócio jurídico, notadamente da lesão. Pontuam-se tais questões unicamente com o fito de, para além do quanto apresentado no presente artigo, suscitar futuras discussões sobre o tema que, diante de tantas modificações trazidas pelo Estatuto, certamente estão apenas começando. 7 Referências

Abreu, Célia Barbosa. Curatela e interdição civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. Arbex, Daniela. Holocausto brasileiro: genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil. São Paulo: Geração, 2013. BEZERRA, Benilton. A história da psicopatologia [www.youtube.com]. Acesso em: 03.03.2014.

no

Brasil.

Disponível

em:

Borges, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2007. Carvalho, Francisco Pereira de Bulhões. Incapacidade civil e restrições de direito: t. I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1957. Foucault, Michel. História da loucura: na idade clássica. 9. ed., São Paulo: Perspectiva, 2012. Goffman, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. ______. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2013. Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: vol. 1, 11. ed., São Paulo: Saraiva, 2013. Mello, Baptista de. A incapacidade civil do pródigo. Revista dos Tribunais vol. 97, p. 318339. São Paulo: Ed. RT, 1935. Mello, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2008. Nunes, Karla Gomes. De loucos perigosos a usuários cidadãos: sobre a produção de sujeitos no contexto das políticas públicas de saúde mental (tese de doutorado). Porto Alegre: UFRGS, 2013. Disponível em: [www.lume.ufrgs.br]. Acesso em: 03.12.2014. Organização Mundial da Saúde (coord.). Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Trad. Caetano, Dorgival. Porto Alegre: Artmed, 1993.

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Pavinatto, Tiago. Da condição do pródigo na sociedade de consumo. Revista de Direito Civil Contemporâneo vol. 2, p. 29-59. São Paulo: Ed. RT, 2015. Pontes de Miranda. Tratado de direito privado: parte geral. t. IV, 4. ed., São Paulo: Ed. RT, 1983. Requião, Maurício. Autonomias e suas limitações. Revista de Direito Privado, ano 15, vol. 60, p. 85-98. São Paulo: Ed. RT, 2014. ______. Considerações sobre a interdição no projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, vol. 40, n. 239, p. 453-465. São Paulo: Ed. RT, 2015. Soares, Orlando. Incapacidade, inimputabilidade e preservação da saúde mental. Revista Forense vol. 325, p. 77-92. Rio de Janeiro: Forense, 1994. Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 13. ed., São Paulo: Atlas, 2013. Vítor, Paula Távora. A administração do património das pessoas com capacidade diminuída. Coimbra: Coimbra, 2008. 1 A capacidade e incapacidade de que se trata aqui, por óbvio, é a de agir (ou de exercício, de obrar, de fato), que se caracterizaria "pela aptidão que o ordenamento jurídico reconhece às pessoas para que, diretamente, e não por intermédio de representante legal ou com a participação de assistente (="pais," tutores ou curadores), exerçam os direitos e pratiquem, validamente, os atos da vida civil que lhes cabem". Mello, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2008. p.102. 2 Opta-se aqui pelo uso do termo portador de transtorno mental, pelos seguintes fundamentos: "O termo 'transtorno' é usado por toda a classificação, de forma a evitar problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos tais como 'doença' ou 'enfermidade'. 'Transtorno' não é um termo exato, porém é usado aqui para indicar a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais. Desvio ou conflito social sozinho, sem disfunção pessoal, não deve ser incluído em transtorno mental, como aqui definido". Organização Mundial da Saúde (coord.). Trad. Caetano, Dorgival. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed, 1993. p. 5. 3 Por todos, ver os clássicos: Foucault, Michel. História da loucura: na idade clássica. 9. ed., São Paulo: Perspectiva, 2012; Goffman, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1975; Goffman, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2013. 4 Arbex, Daniela. Holocausto brasileiro: genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil. São Paulo: Geração, 2013. 5 Nunes, Karla Gomes. De loucos perigosos a usuários cidadãos: sobre a produção de sujeitos no contexto das políticas públicas de saúde mental (tese de doutorado). Porto

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Alegre: UFRGS, 2013. Disponível em: [www.lume.ufrgs.br]. Acesso em: 03.12.2014. p. 114-116. 6 Borges, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2007. p. 76. 7 Em que pese não serem as Ordenações Filipinas legislação de cunho civilista, mas sim generalista. 8 Bezerra, Benilton. A história da psicopatologia no Brasil. Disponível em: [www.youtube.com]. Acesso em: 03.03.2014. 9 Foucault, História da Loucura. passim. 10 Mello, Baptista de. A incapacidade civil do pródigo. RT 97/334. São Paulo: Ed. RT, 1935. 11 Soares, Orlando. Incapacidade, inimputabilidade e preservação da saúde mental. Revista Forense 325/82. Rio de Janeiro: Forense, 1994. 12 Pavinatto, Tiago. Da condição do pródigo na sociedade de consumo. RDCC 2/33. São Paulo: Ed. RT, 2015. 13 Distingue a citada nota ainda a demência da loucura, afirmando que a primeira "é a abolição total da faculdade de raciocinar; é um estado de estupidez em que a inteligência se esvaece, a fantasia se desordena, e a memória se diminui e transtorna, apresentando só ideias desconexas e disparatadas, que o demente se obstina em olhar como muito razoáveis.Nesta qualidade convém a demência com a loucura; com a diferença que aquela costuma nascer da fraqueza e debilidade, e esta de excesso, de arrebatamento, de furor. Assim que, se costuma chamar loucura em seus excessos ao entusiasmo, ao éstro, ao furor poético, a toda paixão exaltada que arrebata até o delírio, e a cometer ações culpáveis e desordenadas".

14 Além do pai poderia ser constituído como seu curador, em ordem de preferência: a sua mulher, desde que vivesse honestamente, tivesse entendimento e discrição e aceitasse tal função (Título CIII, 1); seu avô (Título CIII, 4); seu filho varão, desde que idôneo e maior de vinte e cinco anos (Título CIII, 5); seu irmão, desde que também maior e com casa manteúda onde viva (Título CIII, 5); seu parente mais chegado (Título CIII, 5); e, por fim, qualquer estranho idôneo e abonado (Título CIII, 5). Destaque-se que, à exceção da mulher que poderia se recusar a ser curadora, todos os demais poderiam ser constrangidos a aceitar o munus. 15 Assim, prática comum nos manuais de direito civil: Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 11. ed., São Paulo: Saraiva, 2013. vol. 1, p. 110; Venosa, Sílvio de

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Salvo. Direito civil: parte geral. 13. ed., São Paulo: Atlas, 2013. p. 153. 16 Mello, Baptista de. A incapacidade civil do pródigo. RT 97/320. São Paulo: Ed. RT, 1935. 17 Carvalho, Francisco Pereira de Bulhões. Incapacidade civil e restrições de direito. Rio de Janeiro: Borsoi, 1957. t. I, p. 239. Afirma o autor que este seria um dos dispositivos mais defeituosos do então Código Civil (LGL\2002\400). 18 Pontes de Miranda. Tratado de direito privado: parte geral. 4. ed., São Paulo: Ed. RT, 1983. t. IV, p. 94. 19 Carvalho, Francisco Pereira de Bulhões. Incapacidade civil e restrições de direito. Rio de Janeiro: Borsoi, 1957. t. I, p. 240. 20 Abreu, Célia Barbosa. Curatela e interdição civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 103. 21 "Art. 4.º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial."

22 Sofrem os artigos as modificações seguintes: "Art. 3.º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. I - (Revogado); II - (Revogado); III - (Revogado). Art. 4.º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (...) II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (...)

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Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial."

23 Bezerra, Benilton. A história da psicopatologia no Brasil. Disponível em: [www.youtube.com]. Acesso em: 03.03.2014. 24 "Art. 1.767. (...)I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; II - (Revogado); III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; IV - (Revogado);"

25 Abreu, Célia Barbosa. Curatela e interdição civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 82; 143. 26 Requião, Maurício. Autonomias e suas limitações. RDPriv 60/95. São Paulo: Ed. RT, 2014. 27 Requião, Maurício. Considerações sobre a interdição no projeto do novo Código de Processo Civil. RePro 40/453-465. São Paulo: Ed. RT. 28 Ou seja, a tomada de decisão apoiada não se relaciona, necessariamente, com o portador de transtorno mental, podendo ser requerida por qualquer sujeito classificável como deficiente nos termos do Estatuto. Segue, portanto, neste quesito, lógica similar à da amministrazione di sostegno italiana, que, nos termos do art. 404 do CC da citada nação, pode ser requerida por "la persona che, per effeto di una infermità ovvero di una menomazione fisica o psichica, si trova nella impossibilità, anche parziale o temporanea, di provvedere ai propri interessi (...)". 29 Vítor, Paula Távora. A administração do património das pessoas com capacidade diminuída. Coimbra: Coimbra, 2008. p. 175-176. 30 Idem, p. 202. 31 Assim, a redação do seu art. 405, V, 2: "[V]. Il decreto di nomina dell'amministratore di sostegno deve contenere l'indicazione: (...) 2. della durata dell'incarico, che può essere anche a tempo indeterminato". 32 Na letra da primeira parte do art. 439 do CC francês: "Art. 439. Sous peine de caducité, la mesure de sauvagarde de justice ne peut excéder un an, renouvelable une fois dan les condition fixées au quatrième alinéa de l'article 442". 33 Vítor, Paula Távora. Op. cit., p. 182-189.

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