As Novas Políticas de Segurança Pública e os Megaeventos o Debate Acerca da Pacificação da Cidade do Rio de Janeiro

July 6, 2017 | Autor: Leonardo Marino | Categoria: Geography, Political Science, Brasil, Rio de Janeiro
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As Novas Políticas de Segurança Pública e os Megaeventos: o Debate Acerca da Pacificação da Cidade do Rio de Janeiro1 Leonardo Freire Marino2 “Os fatos só são verdadeiros depois de serem inventados” COUTO, Mia. O Último Voo do Flamingo. 2002, p. 111.

Resumo

O presente artigo procura articular uma análise critica sobre as novas políticas de segurança pública implantadas na cidade do Rio de Janeiro em virtude dos Megaeventos que a capital fluminense irá sediar. Seu objeto de estudo reside nas chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPS) implantadas em algumas Favelas existentes na cidade. Seu objetivo é mostrar que, atualmente, vivemos um período impar na história da cidade do Rio de Janeiro e que devemos aproveitar tal momento para reformular as políticas públicas implantadas apontando para a construção de uma sociedade mais justa e equânime em que o Estado se manifeste por intermédio de uma lógica de poder que respeita os direitos das camadas mais pobres da sociedade.

Uma breve descrição do cenário atual

No período que se estende do ano de 2011 até o ano de 2016, a cidade do Rio de Janeiro será o palco de alguns dos mais expressivos eventos internacionais, entre os eles o Encontro Mundial da ONU para o Clima (Rio+20), em 2012, a Copa do Mundo da FIFA, em 2014, e, em 2016, dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. Mais do que a simples realização desses eventos, a posição de cidade-sede (anfitriã) tem sido apontada como uma oportunidade única para a transformação da cidade e do modo de vida de seus habitantes. É evidente que o sucesso destes Megaeventos exigirá uma série de intervenções em termos de construção de equipamentos, de oferta de serviços e de acessibilidade que, no final das contas, promoverão mudanças importantes no ambiente urbano. No entanto, autoridades, desportistas, membros da imprensa e da

sociedade civil constantemente são questionados sobre o que, efetivamente, esses eventos trarão de retorno para a cidade e seus moradores. A preocupação central reside em apontar como tais intervenções poderão promover mudanças positivas, capazes de contribuir para a melhoria da vida da população do Rio de Janeiro. Neste cenário, marcado por grandes intervenções urbanísticas e pela utilização quase que exaustiva do termo legado, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, lançou o seu Plano Estratégico – 2009-2012, intitulado Pós-2016: o Rio mais

integrado.

Tal

plano,

extremamente

ambicioso,

que

segundo

seus

formuladores irá contribuir para a construção de uma Cidade Integrada, representaria um plano de transformação profunda da cidade nas áreas de transporte, infraestrutura, meio ambiente, assistência social e, no que mais nos interessa a segurança pública. Como evidenciado neste Plano, a melhoria no quesito segurança pública, tem sido apontada como um dos principais legados sociais Pós-2016. Tal fato, não representa uma novidade em se tratando de Megaeventos, pois desde a segunda metade do século XX e início do século XXI, a preocupação com a segurança tem merecido destaque entre os planejadores e executores desses eventos3. Este foi o caso dos Jogos Pan-americanos de 2007. O PAN-2007, contou com investimentos de aproximadamente US$ 300 milhões em segurança, utilizados na compra de armamentos, viaturas e sistemas de vigilância. A Realização de jogos com plena segurança para atletas e visitantes foi um dos principais desafios colocados para as autoridades envolvidas, e a realização dos Jogos de maneira segura representou o sucesso das ações pensadas e implementadas para a realização dos mesmos. Pouco tempo depois da realização dos Jogos Panamericanos a cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como Sede das Olimpíadas de 2016 e uma das sedes da Copa do Mundo de 2014. É inegável que o sucesso na realização do PAN-2007 de maneira segura, com reduzido número de registros criminais e sem ocorrência de atos terroristas no período de sua realização, foi determinante para a vitoriosa candidatura da cidade do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016 e, consequentemente, do Brasil como sede da Copa do Mundo de 20144. Ao mesmo tempo em que a Segurança Pública foi um fator determinante para a vitoriosa candidatura, a mesma contribuiu para a formação de uma agenda pública em que a segurança aparece com destaque. De acordo com o Plano Pós-2016, os

legados na segurança serão os de maior impacto social e econômico. O governo do estado, com suporte do governo federal e municipal, possui um plano de segurança de longo prazo, que inclui entre outros aspectos, a recuperação salarial dos policiais e bombeiros; a implantação de um sistema de monitoramento de metas por área e pagamento de remuneração variável à força policial; de investimentos maciços em treinamento e modernização dos equipamentos de controle e sistemas de inteligência; e, especialmente, a retomada de todo o território ocupado pelo tráfico ou pelas milícias até o ano de 20145. De acordo com esta agenda, os pesados investimentos em segurança devem seguir um duplo objetivo. O primeiro reside em equipar técnica e qualitativamente o efetivo policial, tornando-os capazes de receber esses eventos. O segundo residiria na construção de um legado social para a cidade, a construção de uma dita „Cidade Pacificada’. Neste sentido, uma das principais ações pensadas para atingir o objetivo de pacificar a Cidade reside na implantação das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPS) em algumas Favelas do Rio de Janeiro, ação que nos deteremos em analisar a seguir.

As Unidades de Polícia Pacificadoras: O principal legado da segurança pública

De acordo com os idealizadores das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora seu objetivo residiria em executar um policiamento diferenciado nas áreas sob sua responsabilidade. As UPPS buscariam, por meio da presença ostensiva e permanente da Polícia Militar, a redução da dinâmica criminal, especialmente, dos conflitos armados que envolveriam agentes públicos e grupos criminosos no interior das áreas selecionadas. De outra forma, o elemento norteador das UPPS residiria na ideia de que a presença ostensiva das forças policiais no interior das favelas acarretaria uma redução da dinâmica criminal interna e externa a essas áreas, o que, em última instância, culminaria com uma melhoria generalizada dos índices de criminalidade violenta em toda a cidade6.

Em se tratando de política de segurança, a presença de forças policiais no interior das favelas cariocas não representa uma novidade, pois as UPPS na prática constituem uma retomada da lógica de Polícia Comunitária, que foi abandonada pelos últimos governos estaduais e que, mais recentemente, tem ganhado espaço em diversos países, como por exemplo, Canadá, Cingapura, Noruega e Colômbia. Neste sentido, a população da Cidade do Rio de Janeiro já assistiu algumas iniciativas desse tipo darem errado: Posto de Policiamento Comunitário (PPC), Destacamento de Policiamento Ostensivo (DPO) e, mais recentemente, o Grupamento de Policiamento de Áreas Especiais (GPAE). Ações que, em um primeiro momento, foram exaltadas pela mídia e por alguns estudiosos, mas, que passado algum tempo, mostraram-se incapazes de reduzir os índices de violência da cidade. Passados quase três anos de implantação deste projeto, as UPPS têm sido enaltecidas pelos meios de comunicação, servindo inclusive como um dos mais eficientes alicerces políticos na campanha que levou a reeleição do Governador Sérgio Cabral. Até o presente momento, são inúmeras as referências positivas a sua eficácia no controle do crime, sobretudo, do chamado crime violento, ligado ao tráfico de drogas ilícitas. De fato, os primeiros estudos sobre a dinâmica criminal apontam para a melhoria substancial dos índices de criminalidade na cidade, o que contribui para uma maior sensação de segurança7. No entanto, em se tratando da dinâmica criminal, um recorte temporal reduzido como este, de apenas dois anos, não representa uma análise segura sobre o fato, pois a criminalidade no tocante a totalidade do espaço urbano tende a se adaptar as novas ações repressivas, reduzindo-se em um primeiro momento e voltando a normalidade em outros. Uma das marcas fundamentais da criminalidade violenta é a sua sazonalidade. Ainda assim, apesar dos aplausos e da euforia que envolve tal ação, existem questionamentos e uma análise crítica, afastada de interesses políticos, é fundamental. Neste sentido, alguns estudiosos do tema, têm assinalado para o fato de que em uma cidade como o Rio de Janeiro, em que existe mais de 900 Comunidades apenas um punhado delas, localizadas estrategicamente nas áreas mais abastadas e no entorno de equipamentos esportivos ou em vias de acesso (Polígonos de Segurança), tenham sido objeto de implantação das UPPS.

Segundo as autoridades estaduais as UPPS não devem se universalizar por toda a Cidade e que somente as áreas apontadas como mais conflituosas devem receber esse tipo de policiamento. Fato que segundo o Subsecretário de Planejamento e Integração Operacional do Rio de Janeiro, Roberto Sá, envolve territórios marcados pela presença de grupos armados ou, em suas palavras, pela „ditadura do fuzil‟8. Mesmo que tal critério não fosse extremamente confuso, pois são encontrados grupos armados em centenas de favelas no Rio de Janeiro. Pode-se aferir, pela distribuição espacial das UPPS, que o elemento norteador para a instalação desses efetivos não envolve a simples presença criminal, mas, especialmente, a realização dos Megaeventos de forma segura, ou seja, a preocupação central dos gestores da segurança não reside na redução da dinâmica criminal em toda a cidade, mas apenas no controle territorial efetivo das áreas e regiões fundamentais para a realização dos eventos que o Rio de Janeiro receberá 9. O resultado dessa lógica, ao contrário do que seus idealizadores alardeiam, é que as UPPS, na prática, exibem uma dimensão de reforço à secular dualização da cidade e da sociedade do Rio de Janeiro. Em outras palavras, comunidades que não contam ou nunca contarão com a chamada „polícia pacificadora‟ continuarão vivenciado a política de enfrentamento, ilustrada pela imagem de policiais armados subindo os morros atrás de traficantes, trocas de tiros, mortes de civis e policiais e a atuação do famigerado „caveirão‟. Da forma como tem sido implantada, as UPPS tem reforçado a diferenciação territorial, a fragmentação sociedade e a dualização da ordem urbana. Definitivamente, esta característica central na atual política de segurança pública não irá contribuir para a promoção de uma sociedade territorialmente mais justa ou para a superação das arbitrariedades policiais para com as camadas mais pauperizadas da população. É fundamental que a política que norteia a implantação das UPPS parta da noção de que favela é cidade e que as injustiças e as desigualdades presentes nos ambientes urbanos, nos quais, muitas vezes, uma parte da população tem acesso a direitos enquanto outra fica alijada das garantias fundamentais, não deve ser reforçada por uma política de governo. Além da distinção territorial, as UPPS, segundo relatos de muitos moradores, têm sido implantadas à custa do desrespeito de Direitos Fundamentais, como por exemplo, os direitos a manifestações culturais, sociais e o direito de ir-e-vir. Neste sentido, são comuns os relatos de proibição de festas, bailes, invasão de residências

e a imposição do toque de recolher, medidas que ferem direitos garantidos constitucionalmente. Parte dos discursos que sustentam essas arbitrariedades tem sua origem em um discurso „civilizatório‟ ou de „reeducação‟ dos moradores de Favelas. O que é ilustrativo na fala do capitão Glauco Schorcht, responsável pelo policiamento da UPP Providência, em vista da realização de bailes Funk no interior da comunidade: „eu sou contra. Todo baile funk tem envolvimento com tráfico. Apesar de ser uma cultura popular, a população ainda não está preparada para isso. No futuro, quando estiverem conscientizados, escutando música clássica, música popular brasileira, conhecendo outros ritmos, outras culturas, a gente até pode autorizar, mas hoje não‟10. O que está em jogo, segundo esta visão, é a promoção de uma „cidadania regulada‟11, na qual moradores de favelas não são vistos como possuidores de direitos, mas como „almas necessitadas de uma pedagogia civilizatória‟12. Tal visão ultrapassa claramente os limites de uma política de segurança, deixando claro que o objetivo é o controle territorial das favelas e a imposição de um padrão comportamental

definido

como

ideal

pela

polícia

e

pelas

autoridades

governamentais. O que deve ser questionado neste ponto é que a opressão do tráfico de drogas e dos grupos armados não pode e não deve ser substituída pela opressão de um Estado que nega a parte de seus habitantes os direitos e garantias constitucionais mais básicos, como por exemplo, no caso citado, o direito ao lazer e a manifestação cultural. Caso não sofram alterações, as medidas governamentais voltadas para a segurança dos jogos sejam pelas UPPS, como estão sendo realizados, seja pela aquisição

de

equipamentos

e

aparelhamentos

das forças

policiais

como

tradicionalmente ocorre, não representarão um legado para a população do Rio de Janeiro, pois se baseiam em medidas que reforçam a distinção territorial e de seus moradores. O modelo de Segurança Pública adotada no Rio de Janeiro tem reforçado as desigualdades sociais, contribuindo diariamente para a separação e a diferenciação entre ricos e pobres, entre pessoas e indivíduos. Cotidianamente, as forças policiais cariocas buscam a preservação das pessoas negando o direito dos indivíduos garantidos por lei. Atualmente, as UPPS são um plano incipiente de policiamento militarizado que carece de críticas e novos direcionamentos, não uma política de segurança pública que, necessariamente, depende de diversos outros

elementos, como por exemplo, a promoção e o respeito aos Direitos Humanos fundamentais.

O necessário estabelecimento de um Direito Territorializado

Até esse momento, o tema da Segurança Pública tem sido pensado, quase que exclusivamente, como contenção da criminalidade e prevenção a atos terroristas durante os Jogos. O foco dos gestores públicos tem se concentrado, quase que exclusivamente, na obtenção de novos equipamentos e tecnologias de contraterrorismo, e na ocupação territorial das favelas localizadas nos polígonos de segurança, não no estabelecimento de ações e medidas que garantam a construção de um legado social para os habitantes da cidade como um todo. Para que o propalado legado social na área de segurança se efetive, as ações pensadas devem focar em políticas voltadas para a promoção e consolidação de uma cidade mais igualitária e democrática, o que não será obtido apenas com a ocupação territorial de favelas estrategicamente localizadas ou com a modernização das forças policiais, mas com mudanças concretas na forma de atuação das instituições governamentais que operam na área de segurança. Historicamente, a polícia fluminense se apoia em medidas extrajudiciais, discriminatórias e arbitrárias para com as populações empobrecidas. Os acontecimentos ocorridos na véspera de realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007 servem como um exemplo concreto de como esta lógica de segurança pública se manifesta. As vésperas deste Megaevento Esportivo houve uma onda de repressão contra moradores de favelas e camelôs em diversas áreas da cidade, que, de acordo com os gestores públicos, deveriam estar „limpas‟ para turistas e atletas. Tal onda de repressão acabou levando a uma das mais violentas ações policiais da última década e culminou com morte de 19 pessoas no Complexo do Alemão, além da prisão de um número incalculável de pessoas em toda a cidade 13. Os Jogos transcorreram com tranqüilidade, porém, o custo da tranqüilidade do PAN2007 foi o trauma e a morte para muitos de seus habitantes. Ainda assim, findado os jogos, com exceção dos novos equipamentos de segurança, não foram notadas transformações ou mudanças na lógica de segurança.

Novamente estamos diante de possibilidades reais de transformação. No entanto, para que os erros cometidos anteriormente não se repitam, devemos encarar as questões inerentes à segurança dos jogos em consonância com uma Política de Direitos. A promoção e o respeito aos Direitos e garantias fundamentais devem nortear todas as ações e políticas pensadas para a cidade, o que incluem além das ações no campo da segurança, medidas nas áreas de educação, cultura, trabalho e renda. Desta forma, tantos os gestores públicos quanto membros da sociedade civil devem estar atentos para elencar prioridades, objetivos e estratégias capazes de proteger e promover os Direitos Humanos, reduzindo as violações praticadas pelos órgãos estatais. Essas melhorias não acontecerão por acaso ou como conseqüência automática de processos de desenvolvimento econômico e/ou pressões e influências internacionais, provocadas pela presença dos Jogos. Tais melhorias somente ocorrerão como resultado de ações que integrem as diferentes instâncias governamentais e da sociedade civil com o objetivo de proteger e promover os Direitos Humanos, além de aumentar o grau de respeito aos direitos fundamentais de todos os seus habitantes. Para que o Plano proposto pelas autoridades não se torne apenas uma peça publicitária é indispensável uma profunda revisão das ações governamentais. Tratase de colocar entre os objetivos das intervenções urbanas, não apenas a „resolução dos problemas da cidade‟, mas a superação das desigualdades sociais e distinções territoriais. Assim, a agenda que envolve a realização dos Megaeventos deverá estar inserida em um amplo projeto de justiça territorial. Trata-se da construção de um legado social e urbano que promova a superação das desigualdades e distinções de direitos na apropriação uso da cidade como espaço da realização plena da vida individual e coletiva. Tal projeto deve passar por uma reformulação efetiva das forças policiais, especialmente, por novas orientações de policiamento, pela valorização da vida e pela equidade no tratamento dos cidadãos, independente de sua origem. Isto significa reconhecer a legitimidade social dos moradores de favelas, de seus Direitos e de seus desejos. É fundamental uma remodelação das Políticas de Segurança que se anunciam e que estão sendo implantadas, superando a histórica concentração de recursos e bens públicos na cidade. A inclusão das favelas na agenda Pós-2016 não deve ser em função das representações negativas que se fazem delas, mas por significarem a legitima luta pela vida urbana. O nó górdio desse processo incide na

resistência do Estado em prover políticas públicas consistentes e continuadas às populações mais pauperizadas.

Conclusão “Os problemas reais são bem graves e complexos para serem resolvidos por generalizações ultra simplificadoras e grandiloquentes, que jamais conseguiram explicar o que quer que seja.” POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder e o socialismo, 2000. p. 20.

Não constitui uma novidade que entre as mais preocupantes questões urbanas necessárias para a realização dos Megaeventos, esteja à relação entre segurança pública e favela. É como se a face negativa do Rio de Janeiro estivesse vinculada a notória presença das moradas populares e, especialmente, fosse produzida por estas. Tal visão, historicamente construída e presente em mais de um século de existências de favelas, apenas reitera e legitima tratamentos autoritários em relação à presença dos pobres na e da cidade, revivendo a ideia de que a pobreza, a desordem e a violência são oriundas destes pontos. As favelas cresceram e se expandiram em virtude de um modo de urbanização desigual e socialmente despótico. As favelas são expressões estruturais do processo de urbanização. Efetivamente o legado social na área de segurança pública deve abarcar ações mais abrangentes do que a implantação das UPPS em algumas comunidades. As UPPS, isoladamente, não irão contribuir para tornar os índices de criminalidade violenta na cidade do Rio de Janeiro aceitáveis. Somente com uma profunda reformulação das forças policiais e com a materialização de uma justiça territorialmente consolidada é que se efetivará um legado para a cidade14. Necessariamente, a busca pela redução da violência deve passar pela implantação de um novo conceito de segurança pública, que abarque no seu bojo outras questões que não apenas a repressão policial. Faz-se urgente que passemos a encarar as questões ligadas à segurança pública como problemas de cunho social, que serão solucionados ao passo que oferecermos para um número maior de pessoas os meios necessários para garantir uma vida digna. Só assim, e não de

outra forma, é que poderemos caminhar para a construção de uma sociedade mais honrada e justa. Estamos diante de uma encruzilhada histórica, ou revemos esse modelo de segurança pública e de ordenamento territorial de maneira urgente, e trilhamos um caminho que preserve a vida e o patrimônio de todos os cidadãos, sem discriminação de raça, idade, sexo ou localização geográfica, ou estaremos caminhando, com velocidades cada vez maiores, para a barbárie absoluta. Porém, as recentes gestões implantadas na área de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro e do Brasil parecem caminhar em sentido oposto às mudanças. Definitivamente, qualquer tentativa de diminuir os índices de violência criminal deve se confrontar com o problema do uso da força de maneira excessiva pelas polícias. Em geral, as políticas públicas do Estado brasileiro ignoram as execuções sumárias e a violência dos agentes públicos, pois há poucos casos no Brasil de políticas especificas sobre o tema. Pelo contrário, durante alguns momentos a violência policial e o enfrentamento são exaltados como solução para os problemas da criminalidade. O cenário futuro, em um exercício de projeção apoiada em imagens do presente, é sombrio para as populações mais pobres do Rio de Janeiro. Construir um Estado que, em nome da sociedade civil, seja capaz de controlar eficazmente o funcionamento do conjunto de instituições, sem, no entanto, contradizer o princípio das liberdades individuais, é provavelmente um dos problemas mais importantes com que a democracia brasileira de defrontará em futuro próximo. É preciso reconhecer que o direito à vida é um direito fundamental, balizador de todos os demais e estruturante da sociedade. O debate que envolve a agenda política contemporânea perpassa fundamentalmente diversas discussões acerca da cidadania, especialmente, no tocante, a invenção de novos direitos sociais, o uso do território e a redefinição do espaço público e a implantação de um modelo de justiça territorializado. No tocante a invenção de novos direitos, inclui-se toda a discussão em torno das garantias dos direitos estabelecidos, a promoção e a reparação dos mesmos, tendo em vista as dimensões particulares da desigualdade social em seus recortes étnicos, raciais, de orientação sexual e territorial.

Referências Bibliográficas

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O ordenamento territorial urbano na era da acumulação Globalizada. In.:

Território Territórios. Programa de Pós-graduação em Geografia-UFF. Niterói: PPGEO-UFF/AGB, 2002. pp. 89-105. COUTO, Mia. O último voo do Flamingo. São Paulo: Editora Companhia das Letras. 2005. 232p. GOÉS, Felipe. Os grandes eventos de 2011 a 2016 e seus legados para a cidade. In.: URANI, André e GIAMBIAGI, Fabio (orgs). Rio: a hora da virada. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. pp. 51-59. MACHADO, Luiz Antônio (org.) Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 316p. MARINO, Leonardo Freire. O Estado territorial e a lógica da exceção permanente: uma análise sobre as manifestações contemporâneas da violência. Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografia – UFF, 2010. 228p. (Tese de Doutorado). ______________

As Forças Policiais e o Ordenamento Territorial da Cidade do Rio

de Janeiro. Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografia – UFF, 2004. 201p. (Dissertação de Mestrado). ______________

Política Territorial de Combate ao tráfico de drogas no Rio de

Janeiro: inexistência ou ineficiência. Rio de Janeiro: Departamento de Geografia – UERJ, 2001. 71p. (Monografia de Pós-graduação). ______________

Espaço e Drogas: o tráfico varejo nas favelas cariocas. Rio de

Janeiro: Departamento de Geografia-UERJ, 2000. 92p. (Monografia de Graduação). POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 272p. Pós-2016: O Rio mais integrado e competitivo. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Disponível na Internet: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/126674/DLFE2713.pdf/planejamento_estrategico_site.pdf

– Acesso em 26/10/2011.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e Justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro, Editora Campus Ltda., 1987. 89p. UPP: tecendo discursos. In.: Revista Democracia Viva. Rio de Janeiro: Ibase. Julho de 2010, no 45. pp. 73-81.

1

Texto produzido para o I Encontro de Estudantes de Pós-graduação em Geografia da UFF.

2

Doutor em Geografia pela Universidade Federal Fluminense – [email protected]

3

A partir dos atentados de 11 de Setembro de 2001, os gastos com segurança passaram a atingir níveis extremamente elevados na organização desses eventos. 4

“Os Jogos Pan-Americanos do Rio de 2007, muito criticados pela falta de legados urbanos para a Cidade, trouxeram grande resultado prático: uma contribuição decisiva para a vitória do Rio na disputa para sediar os Jogos de 2016. De fato, não se pode atribuir ao Pan do Rio nenhum legado relevante na infraestrutura urbana, na questão ambiental ou mesmo na questão social. Entretanto, os Jogos Pan-Americanos de 2007 viabilizaram a construção de diversos equipamentos. (...) Adicionalmente, os Jogos Pan-Americanos do Rio também demonstraram que a Cidade tem capacidade para gerenciar com total segurança um evento esportivo internacional de grande porte.” GOÉS, Felipe. 2011:54. 5

GOÉS, Felipe. 2011:56.

6

“A Unidade de Polícia Pacificadora é um novo modelo de Segurança Pública e de policiamento que promove a aproximação entre a população e a polícia, aliada ao fortalecimento de políticas sociais nas comunidades. Ao recuperar territórios ocupados há décadas por traficantes e, recentemente, por milicianos, as UPPS levam a paz às comunidades (...). As UPPS representam uma importante „arma‟ do Governo do Estado do Rio e da Secretaria de Segurança para recuperar territórios perdidos para o tráfico e levar a inclusão social à parcela mais carente da população. Hoje, cerca de 280 mil pessoas são beneficiadas pelas unidades.” http://upprj.com/wp/?page_id=20 7

O que sustenta o entusiasmo acrítico com as UPPS é a esperança de uma cidade calma e serena, que é o outro lado do medo do vizinho que há décadas nos assola a todos. Infelizmente, esta expectativa é um mito inatingível que pode por a perder a própria experiência das UPPS. MACHADO, Luiz Antônio. 2010:1. 8

“(...) não é a intenção universalizar o projeto UPP. Ele é destinado a locais com características específicas. A prioridade, segundo ele, são favelas que estão, atualmente, sob forte influência da criminalidade ou de grupos ostensivamente armados. “Ou seja, se não tiver forte influência de criminalidade, já não tem que ter UPP. Nesses casos, vamos agir com investigação, com polícia de bairro. Para ter UPP, tem que ter ostensividade da arma, ditadura do fuzil.” Revista Democracia Viva, n45, Junho de 2010. 9

“O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, vai inaugurar às 15h desta quinta-feira a 18ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do estado. A favela da Mangueira, famosa pelo samba e, infelizmente, também pelos tiroteios, vai receber uma unidade com 400 policiais, que ocuparão uma sede provisória. A inauguração tem, além do peso simbólico para o projeto, um efeito prático importante: com ela, fecha-se, em torno do estádio do Maracanã, uma espécie de cinturão de favelas ocupadas pela polícia. Outras 11 favelas na vizinhança do estádio já têm esse tipo de ocupação, como prevê o projeto do governo do estado para a Copa de 2014. Na teoria, a ocupação significa que a segurança do palco da final da Copa no Brasil está resolvida, e esse dado é importante para

renovar o compromisso internacional do Rio para 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016.” http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/o-maracana-cercado-por-upps 10

Revista Democracia Viva, 2010: 79

11

O conceito de Cidadania Regulada foi desenvolvido por Wanderley Guilherme dos Santos em sua obra „Cidadania e Justiça: a política social na ordem brasileira, publicado em 1979. 12

BURGOS, Marcelo. 100 Anos de Favela.

13

Apenas nos últimos anos, a polícia do Rio de Janeiro reconheceu oficialmente, por meio dos Autos de Resistência, que matou mais de 4.000 civis em conflitos armados em morros e favelas, porém, atribuiu a essas vítimas fatais a categoria de „bandidos‟ e traficantes. Como são traficantes e como reagiram aos tiros da polícia, podem ser legalmente mortos, embora alguns apresentassem traços de execução à queima-roupa. 14

Uma consequência direta da diferenciação territorial entre Comunidades com e sem UPP tem sido a migração e/ou pulverização da atividade criminosa, não necessariamente, sua redução. Pode-se mencionar como ilustrativo desse fato o constrangimento provocado por um coronel da Polícia Militar que, durante entrevista a uma rede de televisão, dirigiu-se diretamente aos criminosos de uma localidade, alertando-os para deixar a área, pois a polícia a ocuparia em tal dia. O próprio governador também sugeriu, em entrevista, que os traficantes da Ladeira dos Tabajaras (onde, à época, estava programada para breve a implantação de uma nova UPP) aproveitassem para abandonar o local enquanto a polícia estava envolvida com a criação da UPP do Morro do Cantagalo.

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