As novas tendências militares: uma oportunidade para as mulheres?

May 19, 2017 | Autor: Natália Diniz | Categoria: International Relations, Women's Studies, Military
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ISSN: 2317-773X

As novas tendências militares: uma oportunidade para as mulheres? the new military trends: an opportunity for women? DOI: 10.5752/P.2317-773X.2016v4.n3.p45

Natalia Diniz Schwether1 Graciela de Conti Pagliari2

Recebido em: 28 de setembro de 2016 Aprovado em: 08 de março de 2017

Resumo Este estudo tem como principal objetivo analisar o fenômeno de modernização institucional e reordenamento da atuação das forças armadas, destacando a incorporação das mulheres como um de seus elementos. Para tanto, apresenta, a priori, uma descrição da identidade militar, seus valores, costumes e condutas basilares. Em seguida, traça a evolução da estrutura militar ao modelo pósmoderno, evidenciado por suas novas atribuições, momento em que se observa com maior proeminência a incorporação feminina. O artigo se desenvolve em bases qualitativas, através de uma revisão de literatura pertinente à área, com intuito de corroborar a hipótese de que a evolução do contexto internacional contribuiu para a atualização das forças armadas. Como resultado, depreendese que, embora as mulheres estejam presentes em baixas porcentagens e, particularmente, em funções associadas ao estereótipo feminino da pacificidade, sua inserção foi um dos aspectos deste processo de modernização militar.

1. Doutoranda do Programa da Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestra em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). ORCID: orcid.org/00000002-8022-237X 2. Profª de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e Mestra em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). ORCID: orcid. org/0000-0002-8233-9387

Palavras Chaves: Forças Armadas. Modernização. Mulheres.

Abstract The ideological changes of the post-Cold War world, the inclusion of non-state actors in global agendas and regional integration become incontestable the need for a redefinition of the role of the military. In face of this phenomenon of institutional modernization and reordering of the action of forces, the incorporation of women is one of the elements that highlights. For better understanding of these factors, this article aims to present, a priori, a description of the military identity, its values, customs and basic behaviors, and then delineates the evolution of the military structure to the postmodern model and their new assignments. The article develops on a qualitative basis and in a relevant literature review of the area, in order to corroborate the hypothesis that the evolution of the international context contributed to the updating of the military, reflecting in a conduct and rationality consistent with their performances. Finally, it concludes that, although women still are present at low percentages in the armed forces, and, particularly, in those functions associated with the feminine stereotype of peacefulness, the insertion was one of the aspects of this military modernization. Key words: Armed Forces. Modernization. Women. 45

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Introdução O fim da Guerra Fria e das ameaças de insurgência relacionadas ao conflito Leste-Oeste, atrelado ao contexto de redução das ameaças tradicionais, dada a uma maior tendência à resolução pacífica dos conflitos e à cooperação, incitou questionamentos sobre a necessidade de manutenção de grandes e poderosas instituições militares nacionais (DONADIO, 2003). A falta de um inimigo externo evidente ocasionou, em muitas regiões, uma desorientação dos militares e uma crise existencial. Com isso, a instituição passou a buscar por novas atividades a fim de justificar sua existência, os pressupostos recebidos e conquistar apoio populacional (ROSS, 2004; SANTOS, 2004). Adere-se a este quadro a ocorrência dos atentados aos Estados Unidos, em 2001, os quais movimentaram o âmbito da segurança e defesa internacional, principalmente nos temas que ainda careciam de clareza em sua definição. Em vista disto, as forças armadas conquistaram um novo protagonismo no combate ao terror e, cada vez mais, ocuparam esferas de atuação civil (SAINT-PIERRE, 2002). De acordo com Janowitz (1967), o âmbito militar é como um sistema social, neste as características profissionais do corpo de oficiais, suas competências e normas sofrem alternâncias ao longo do tempo. Por essa razão, a profissão militar estaria em mutação e tenderia a se aproximar da identidade civil. O oficial ao se transformar em um funcionário afeta, diretamente, a formação da cultura militar. Da mesma forma, a estrutura orgânica funcional das forças e seu embasamento doutrinário seguem em constante processo de evolução. A instituição militar entendida como uma organização que tem por objetivo último defender a sociedade de ameaças extranacionais, com o transcorrer dos anos passou por uma importante alteração em seu conjunto de operações táticas e logísticas. Em uma abordagem ampliada, a segurança incorporou às ameaças advindas do meio externo ao Estado, fatores como: a viabilidade da democracia, o desenvolvimento socioeconômico e a proteção ambiental (ROSS, 2004, p.10). Portanto, hoje, a missão dos militares é muito mais identificada com a defesa da comunidade e dos bens nacionais e globais, do que, exclusivamente, com a defesa territorial. Outrossim, embora a instituição militar tenha prezado por preservar sua dinâmica e sua homogeneidade, com destaque para o predomínio de uma ordem androcêntrica - considerada a única capaz de manter a coesão interna (CHAMBOULEYRON, RESENDE, 2006), diante deste novo cenário, as mulheres tornaram-se atrizes ativas e fundamentais para o sucesso das operações. Isto posto, o artigo pretende abordar, a priori, a cultura e o ethos militar, em seguida, traça-se a evolução da estrutura militar ao modelo pós-moderno. Logo, ainda em um contexto de fim da Guerra Fria, são atribuídas novas missões às forças armadas, processo que propiciou maior participação das mulheres. Trata-se de um estudo qualitativo, pautado em um levantamento bibliográfico de autores pertinentes à área, com pretensões explicativas, uma vez que visa corroborar a hipótese de que a evolução do contexto internacional contribuiu para a atualização das forças armadas, favorecendo, ao cabo, a incorporação das mulheres. 46

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Cultura militar A instituição militar é, reconhecidamente, uma instituição totalizante e assimiladora. Para Goffman (1974 apud CASTRO, 1990, p.33), as instituições totais são “estufas para mudar as pessoas: cada uma é um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu”. A regulamentação rígida do estilo de vida militar e o isolamento social são fundamentais para a manutenção da coesão grupal, dos valores e características próprias e do espirit de corps (JANOWITZ, 1967). No momento em que o indivíduo ingressa na corporação ele é submetido aos rituais, treinamentos físicos e repetições constantes dos princípios militares, os quais, de acordo com Leirner (1997), possuem por finalidade o estímulo à desistência, pois apenas os vocacionados estariam aptos. Neste sentido, pretende-se domesticar o recruta e forjar a construção de um novo cidadão pertencente àquele mundo. Em poucos meses, passam a ter um modo semelhante de vestir-se, falar, andar, pensar e agir. Desta forma, os pilares estruturais deste ethos3 são a hierarquia e a disciplina. Entre eles, a hierarquia se distingue como o elemento-chave para entender a mentalidade militar. Ao tornar-se um militar, instantaneamente, ocupa-se um lugar nesta hierarquia e regras diferenciadas são aplicadas em relação aos civis, as quais são responsáveis por separá-los do restante da sociedade. A hierarquia se estabelece de forma complexa e envolve toda a estrutura, ou seja, cada indivíduo ocupa uma posição específica e única, ao mesmo tempo em que comanda, está subordinado a alguém. O rompimento da hierarquia significaria o fim da instituição (LEIRNER, 1997). De acordo com Castro (1990, p.22): Um capitão, um coronel ou um general já foram cadetes; pode-se dizer que, de certa forma, eles são cadetes com alguns anos de experiência e de idade a mais. Todos são oficiais e comungam o mesmo espírito militar. Os cadetes sabem que, ao concluírem o curso da Academia, passarão a ter a mesma condição social que seus superiores e que a distância entre as posições hierárquicas ocupadas por uns e outros será, basicamente, uma questão de quantidade de tempo: os generais de hoje foram os cadetes de 1945-55. Neste sentido, pode-se chamar a hierarquia do corpo de oficiais de “hierarquia quantitativa”, uma hierarquia que pressupõe a possibilidade de ascensão para todos os seus membros, a partir de uma situação inicial de igualdade formal de condições.

3. Na discussão antropológica o ethos de um povo faz referência a um conjunto de princípios ou valores, como o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético, que regulam a conduta cotidiana. O ethos se opõe à ética, e representa um tipo de vida implícito no estado de coisas do qual esse é uma expressão prática (GEERTZ, 1973; BONNEWITZ, 2003). O ethos não compõe exclusivamente um povo, para uma interpretação ampla o habitus – a exteriorização das disposições morais, e a héxis – a postura, os gestos e as verbalizações, são outros dois importantes elementos (ROSA, 2007).

No entanto, a obediência hierárquica está atrelada a uma boa conduta do oficial que deve perceber aquilo que o compete ordenar, bem como a maneira correta de fazê-lo, prezando pelo tratamento com humanidade de seus subordinados (CASTRO, 1990). Igualmente, procura-se preservar uma postura ética e moral calcada na disciplina, o que os tornaria, em suas concepções, melhores que os paisanos. Desta maneira, a estrutura hierarquizada das relações internas dos militares transborda para suas relações com o meio civil. Isto é, a interação dos militares com o mundo externo segue as regras de conduta presentes internamente na organização. Os papéis e status estruturam as relações de comando e obediência, a partir das quais é constituída a visão de mundo dos militares. Com isso, concebe-se uma fronteira clara entre os de “dentro” e os de “fora” (LEIRNER, 1997). Consequentemente, “tornar-se militar significa, acima de tudo, deixar de ser civil” (CASTRO, 2009, p.24). Constantemente frisa-se que os militares são diferentes dos paisanos, 47

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4. Por responsabilidade entende-se uma relação que não deve ser marcada por uma superioridade civil e, consequente, uma inferioridade militar (OLIVEIRA, 2005, p.81). São complementares, porém, com o reconhecimento militar de que cabe ao âmbito da política um grande número de decisões do meio castrense (SOARES, 2006).

5. Ressalva-se que esta característica masculina do ethos militar não é universal e presente em todos os momentos da história, ela se acentua em determinadas épocas e países, muitas vezes como uma reprodução das demais instituições sociais.

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o termo civil conota o que é, meramente, não-militar e impõe uma lógica binária estrategicamente utilizada para a construção da identidade militar. A ética profissional militar, fundamental para a consolidação do controle civil sobre os militares, possui como elementos centrais a honra e a lealdade. Neste sentido, elencam-se três responsabilidades dos militares diante do Estado4: função representativa (representar as demandas da segurança militar dentro da máquina estatal, implicando limites no exercício dessa função), função consultiva (analisar e informar sobre as implicações dos cursos alternativos) e função executiva (colocar em prática as decisões estatais) (SOARES, 2006, p.40). A família militar é outro importante aspecto do seu ethos. A comunidade militar tradicional moldava a família de acordo com as necessidades da profissão (JANOWITZ, 1967, p.187). Com deveres que ultrapassavam a criação dos filhos, as mulheres estavam presentes em atividades recreativas, ao mesmo tempo em que influenciavam decisões secundárias da instituição. As esposas eram integralmente envolvidas pelas carreiras de seus maridos, responsáveis por gerir a logística familiar, os deslocamentos de cidades e os reajustamentos constantes. Os oficiais deveriam escolher, prioritariamente, suas noivas nas famílias militares, para assim possibilitar a extensão dos laços de parentesco além da família nuclear. Tendo em vista o escasso contato com as famílias de origem e o círculo social da profissão militar, há um sentimento de união e solidariedade entre as famílias que residem nas residências militares. A camaradagem e a coletividade são características intencionalmente promovidas, consideradas fundamentais para o bom funcionamento da caserna (CHINELLI, 2009). Com isso, nota-se que as forças armadas apresentam uma estrutura androcêntrica5, a qual falha em oferecer igualdade de oportunidades e desenvolvimento pleno de capacidades profissionais para as mulheres (ROSA, 2007). Afinal, há uma constante apreensão de que a própria identidade combatente seja ameaçada pela flexibilização dos valores. A presença feminina, mesmo nos setores administrativos, é considerada uma fonte de distúrbio, por despertar a libido masculina e afetar a ordem e a hierarquia (CHAMBOULEYRON, RESENDE, 2006). De acordo com Britton (apud CARREIRAS, 2010), para uma organização ser entendida como gendrificada ela deve se estruturar a partir de uma oposição entre as categorias de feminino e masculino, presumindo uma reprodução destes estereótipos. Ademais, deve ser dominada por homens ou mulheres e ser concebida sob discursos de masculinidade ou feminilidade hegemônica. Por esta lógica, a organização militar está claramente baseada em uma distinção de gênero, na qual as oportunidades, o poder (divisões hierárquicas) e a estrutura ocupacional (divisão sexual do trabalho) estão vinculadas aos homens. As mulheres são excluídas de certas especialidades e os postos centrais da instituição são dominados, em termos numéricos, por homens - justamente nas funções que garantem maior prestígio e possibilidade de ascensão. Atrelado a isto, a cultura e a ideologia foram desenvolvidas por concepções tradicionais e masculinas (CARREIRAS, 2010).

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No entanto, como expõe Janowitz (1967), apesar das normas tradicionais de comportamento social permanecerem presentes na comunidade militar, elas já não são tão rígidas como no passado. Novos modelos são essenciais para os novos papéis. “Numa sociedade democrática é totalmente impróprio que a honra seja o único, ou mesmo, o mais importante, valor dos militares profissionais” (JANOWITZ, 1967, p.223). Evolução da estrutura militar Com o fim da Guerra Fria e a ascensão do multiculturalismo, da era informacional, das novas tecnologias e com a emergência de uma força com multimissões, ocorreu uma importante alteração no modelo e na organização das forças armadas (HAJJAR, 2014, p.119). Mudanças externas e nas tradicionais características da guerra desencadearam uma modificação na estrutura militar. As profundas transformações sociais exerceram influência nos papéis e atribuições militares e, fundamentalmente, influenciaram a profissão militar, sua organização e valores (JANOWITZ, 1967). A guerra que na era moderna pautou-se pela racionalidade econômica, eficiência e baixo interesse nos meios empregados para alcançar os fins (resultando no desenvolvimento da bomba atômica), sofreu um processo de remodelamento. A partir da cobertura midiática, realizada no primeiro conflito da era pós-Moderna - a Guerra do Golfo (1990-1991), a racionalidade ganhou aspectos reflexivos. Com a possibilidade de ter imagens reais das atrocidades cometidas em campo de batalha, a sociedade passou a se confrontar com questionamentos de ordem moral. A mídia teria, neste sentido, a capacidade de tornar evidente aspectos que os governos, até então, esconderiam de suas nações (COKER, 2012). Ao mesmo tempo, o espaço digital, com a atuação de computadores e drones, alterou não apenas o meio utilizado para se guerrear, mas, e, principalmente, aqueles que fazem a guerra. Assim sendo, a espécie humana deixou de ter exclusividade sobre o campo de batalha, compartilhando-o hoje em dia com robôs monitorados remotamente. Salienta-se que, tais especialistas em informática não estão fisicamente presentes no ambiente de conflito o que os exime de riscos, sendo assim a coragem não é mais um atributo essencial ao soldado (SINGER, 2009). Igualmente, o espaço de combate que antes era primordialmente militar, atualmente conjuga uma multiplicidade de atores, entre eles organizações não governamentais e empresas privadas (COKER, 2012). Estas modificações são parte de um processo no qual os Estados modernos evoluíram de um estágio de prontidão para a guerra a um momento de dissuasão, até atingirem sociedades com baixa incidência de conflito. Tendo em vista que a probabilidade da guerra é um fator de grande influência na sociologia militar, por meio da qual a instituição se adapta, uma sociedade onde a ocorrência de guerra é menor propiciaria a mudança e a inovação dos objetivos da organização militar (MOSKOS, 1992). Embora a guerra clássica, a qual utiliza-se da força militar como principal estratégia, não tenha desaparecido, ela diminuiu de intensidade. Em uma escala reduzida, os micro-conflitos ou conflitos intra-estatais 49

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(KALDOR, 2006; DURIEUX, 2012) demandam estratégias distintas na contenção de ameaças assimétricas. A percepção de vulnerabilidade e insegurança tornou-se a tônica para as ações estatais. Neste cenário:

6. “The overall lesson seems to be that the more a threat diverges from the typical features of attack by a Westphalian state, the less likely it is that the supreme weapons of defense by such a state – i.e. military assets designed originally for seizing land – will be the right ones to counter it”.

7. “If war is everywhere, it is nowhere”.

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[...] quanto mais uma ameaça diverge das características típicas do ataque de um Estado Westfaliano, menor a probabilidade de que as armas supremas de defesa deste Estado (ex.: instrumentos militares desenhados originalmente para a conquista de territórios) sejam as corretas para combatê-lo (BAILES, 2012, p.152, tradução nossa)6.

Logo, cada era possui sua própria gramática da guerra, com seus princípios e características norteadoras (CLAUSEWITZ, 1976, p.593), fazendo com o que ocorreu no passado não necessariamente se repita no futuro. Ainda que a defesa territorial e dos recursos estratégicos permaneça sendo um motivo universal e forte para a guerra, cabe a cada Estado elencar as suas questões de segurança, em uma abordagem ampliada da segurança e da defesa. No século XXI, a aversão às perdas humanas e o avanço da tecnologia são marcos da dinâmica da guerra; tais características favorecem, por um lado, a aproximação entre a sociedade e as forças armadas já que a última tende a se assemelhar, cada vez mais, com a profissão civil, em um processo cunhado de civilinização (JANOWITZ, 1967). Por outro lado, esta aproximação entre civis e militares obsta uma definição objetiva sobre a guerra “se a guerra está em todos os lugares, ela não está em lugar nenhum” (DURIEUX, 2012, p.145, tradução nossa)7. Originalmente, as forças armadas estavam vinculadas ao Estado-nação e atinentes à missão de defesa da pátria, eram pautadas pela ordem e obediência e organizadas por um sistema de recrutamento obrigatório. Já, após a Guerra-Fria, tornam-se mais flexíveis, com objetivos variados, de recrutamento voluntário e maior inclusão social, pondo fim ao exército de massas (MOSKOS, 1992). Alicerçado na experiência norte-americana, Moskos (1992) propõe uma tipologia para compreensão da evolução histórica das forças armadas. A principal divisão aloca-se entre um período moderno, comumente percebido como uma era de crenças absolutas, planejamentos racionais, progresso linear; contraposto à pós-modernidade, na qual privilegia-se a heterogeneidade, a diferença e a descrença em discursos universais e totalizantes, a partir da introdução de um constante relativismo. Estes novos ideais influenciaram na cultura militar, atrelado ao impacto do crescimento global, do multiculturalismo, da era informacional e das novas tecnologias e da emergência de um exército multitarefas, com missões não tradicionais (HAJJAR, 2014, p.122). Moskos (2001) defende que o pós-modernismo - era de pluralismo, fragmentação e ambiguidade -, produz uma alteração nos valores militares, nas ameaças percebidas e na missão principal, às quais não são mais definidas como militares em um sentido tradicional. Seriam contemplados, por exemplo, desastres naturais, epidemias, combate aos regimes autoritários, entre outros. As forças militares começaram a atuar, também, em operações internacionais geridas por entidades outras que não o seu próprio Estado-Nação (CARREIRAS, 2004), dentre elas destacam-se as operações de paz.

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A partir de 1989, a participação neste segmento aumentou, houve um maior engajamento dos países, os quais passaram a operar em ambientes complexos envoltos por realidades, até então, desconhecidas, em conjunto com outras forças com culturas e costumes distintos. O intercâmbio com exércitos mais avançados facultou o aprimoramento de táticas e treinamentos, possibilitando uma modernização dos critérios organizativos. Como consequência desta nova atribuição constitui-se uma estratégia de ação original entre os soldados. A estratégia do guerreiro, na qual o sentido da missão é atribuído através da definição de um inimigo por meio da construção de imagem e estereótipo negativos da população, alterna-se para uma estratégia humanitária baseada na tentativa de explicar o comportamento agressivo de determinada população, através do estabelecimento de uma distinção entre o clã de guerreiros e a população carente (mulheres, crianças e refugiados). Com vistas à esta distinção, soldados negros, mulheres e não combatentes tendem a adotar a estratégia humanitária e se comportarem de forma menos agressiva com a população local, do que soldados homens, brancos e em funções de combate (CARREIRAS, 2010). Portanto, o envolvimento das forças armadas em atividades não tradicionais permitiu uma maior aceitação e integração de grupos minoritários no âmbito castrense, como foi o caso das mulheres, negros e homossexuais8. Enquanto que, na era pré-moderna, as mulheres eram excluídas do serviço militar, no período moderno ocorreu uma integração parcial, com restrições de funções e hierarquias, atingindo, na pós-modernidade uma abertura de mais especialidades e unidades (MOSKOS, 1992). A incorporação feminina nas forças armadas De acordo com Janowitz (1967), a instituição militar se articula como um sistema social no qual as características profissionais do corpo de oficiais se alteram ao longo do tempo. Dada a atual diversidade de missões e a atuação em ambientes culturais múltiplos, distintas habilidades interpessoais a exemplo da tolerância, flexibilidade, capacidade de negociação, compreensão e facilidade de adaptação, passaram a ser exigidas deste novo militar, o qual deixou de ser um simples soldado, acatador de ordens, para tornar-se um promotor da paz, que dialoga com líderes nacionais, forças de segurança e populações (HAJJAR, 2014, p.124). Em paralelo, o maior investimento e emprego de tecnologias tornou a administração do uso legítimo da força fortemente baseado em uma racionalidade burocrática e técnica (CARREIRAS, 2004). Nas forças armadas pós-modernas os soldados não são, exclusivamente, combatentes; a necessidade do manuseio de novas ferramentas tecnológicas promoveu uma crescente valorização da racionalidade. Tal cenário configurou um desafio à masculinidade hegemônica prevalente no meio militar (MANJIKIAN, 2016, p.106). Em decorrência de uma concepção civil e militar, dualística do gênero, na qual características como a passividade e a pacificidade são atribuídas à gama feminina da sociedade (STACHOWITSCH, 2013, p.158), as atividades que requerem maior compaixão e altruísmo não pertencem ao

8. Como por exemplo, a decisão dos Estados Unidos em abolir a política cunhada como “Don’t Ask, Don’t Tell”, em 2011, representa um importante marco da alteração da conduta militar norte-americana (HAJJAR, 2014, p.123). Esta política de restrição do Exército estadunidense proibia qualquer um que demonstrasse propensão ou intenção de se envolver em atos homossexuais de permanecer nas forças armadas.

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espectro masculino, abrindo uma oportunidade para a inclusão feminina (LOPES, 2011; PEACH, 2001). O estereótipo que associa a mulher à paz e o homem à violência, explica o pacifismo feminino como resultado da capacidade de conceber a vida e preservar a espécie. Confere-se de forma inerente às mulheres o cuidado, tanto com a família quanto com a comunidade. Todavia, tal versão não deixa de ser bastante contestada ao compreender o gênero como uma categoria biológica, não considerando a interferência dos fenômenos sociais. Esta dicotomia seria responsável por marginalizar as mulheres da tomada de decisões, bem como vitimá-las (OTTO, 2006, p.121-122). Neste sentido, Dharmapuri (2011, p.59) afirma que a presença das mulheres nas organizações militares aumenta a eficácia operacional em pelo menos três áreas: melhor captura de informação; maior credibilidade; melhor proteção da força. De acordo com a autora, quando as mulheres são incluídas em operações táticas observa-se maior possibilidade de conquistar a confiança das populações em conflito. Consequentemente, a forma como o gênero é integrado nas unidades militares e nas áreas de conflito associa-se com o sucesso da operação. Na Libéria, por exemplo, onde há um contingente de mulheres atuando como oficiais da ONU, na operação UNMIL, elas são consideradas mais acessíveis e sensíveis às necessidades da população local, principalmente, no que tange à violência cometida contra as mulheres (DHARMAPURI, 2011). As mulheres apresentariam, em comparação com os seus colegas do sexo masculino, taxas inferiores de denúncias de conduta inapropriada, abuso do poder ou uso indevido de armas, além disso, são mais responsáveis e menos autoritárias nas relações interpessoais. As soldadas são melhores articuladoras em sociedades conservadoras, em específico na sociedade muçulmana, como se observou na Bósnia, Camboja, El Salvador e Namíbia, nas quais os líderes preferem interagir com representantes do sexo feminino (DHARMAPURI, 2011). No Líbano (UNIFIL) constatou-se que as soldadas contribuem para um ambiente mais sadio da missão e com maior informação da população local. A presença de um contingente feminino, especialmente nos casos em que detenha postos mais elevados, desencoraja explorações sexuais e abusos da população local (CARREIRAS, 2010). Desta maneira, a presença de mulheres no ambiente de conflito torna-se uma vantagem estratégica para as forças. A inclusão das mulheres nestes cenários é considerada um sinal de progresso (DHARMAPURI, 2011, p.62). A “orientação para a paz” atribuiu às mulheres um papel especial na erradicação de conflitos (SALLA, 2001). Ou seja, características identificadas como femininas estão, hoje, sendo utilizadas para legitimar a inclusão de mulheres, enquanto que em outros momentos elas foram e ainda continuam sendo, utilizadas para apoiar o seu banimento. A ampliação da participação das mulheres teve seu início na década de 1980, com adequações das instituições em termos físicos e regulamentares. No âmbito internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu a década de 1975 a 1985 como a Década da Mulher, a partir de então foram realizadas Conferências em diferentes países para o forta52

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lecimento da questão de gênero. O objetivo central era o empoderamento feminino, através da formulação de políticas públicas que atendessem às demandas das mulheres e estivessem pautadas nos Direitos Humanos (FRIEDMAN, 2003). Os resultados iniciais destas discussões foram reunidos na Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), de 1979, e colhidos ao longo da década de 1980, com a implantação das primeiras políticas públicas com recorte de gênero. Neste cenário as forças armadas não poderiam ficar alheias à mudança da mentalidade social (MARTÍNEZ, 2009). Portanto, em 1995, na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim, as discussões sobre a potencialização do papel das mulheres na sociedade contemporânea permitiram que muitos governos decidissem por incorporar as mulheres na profissão militar. Na redação final do texto da reunião torna-se explícito, no parágrafo 18, o posicionamento da ONU quanto à participação feminina: “A paz local, nacional, regional e global é alcançável e está necessariamente relacionada com os avanços das mulheres, que constituem uma força fundamental para a liderança, a solução de conflitos e a promoção de uma paz duradoura em todos os níveis”9 (IV CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE A MULHER, 1995). Cinco anos mais tarde, em 2000, esta perspectiva foi incorporada como uma Resolução do Conselho de Segurança da ONU, número 1325. O texto reafirma a importante participação de forma igualitária das mulheres na prevenção e solução dos conflitos, na construção e promoção da paz e da segurança (CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS, 2000). A adoção desta Resolução foi histórica, pela primeira vez o Conselho de Segurança tratou, especificamente, das questões de gênero e das experiências das mulheres em contextos de conflito e pós-conflito, reconhecendo-as como importantes agentes no processo de construção da paz. Foi, ainda, responsável por impulsionar novos programas e medidas para a área (PRATT, RICHTER-DEVROE, 2011). Entre os objetivos elencados pela Resolução estão o de aprimorar a representação feminina, quantitativamente e qualitativamente, tanto nas operações da ONU, quanto nos processos de tomada de decisão nacionais, regionais e internacionais, ademais, solicita aos Estados que adotem medidas para protegerem mulheres e crianças da violência de gênero, violações e outros abusos sexuais. Por fim, demanda que os Estados e a ONU adotem em suas práticas operacionais uma perspectiva de gênero (CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS, 2000). Contudo, tal Resolução não foi suficiente para alterar, significativamente, a presença feminina nas forças. A despeito da carência de dados desagregados de gênero neste segmento, constatou-se que, entre o período de 1957 a 1989 apenas vinte mulheres integraram as missões de manutenção da paz, em sua maioria médicas e enfermeiras. A partir de 2006, quando se coletou a primeira estatística desagregada, até os dados mais recentes computados em agosto de 2016, as mulheres não ultrapassaram a marca de 3 por cento, com pouca evolução nesta década (DHARMAPURI, 2013; ONU, 2016). Uma das razões para isto, diz respeito à marginalização dos fatores estruturais que têm constrangido a participação feminina. Há uma clara

9. Disponível em: Acesso em: ago 2016.

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distinção entre a agência feminina e a sua real capacidade de atuação, que, normalmente, se pauta em visões idealizadas e utópicas, a qual não garante uma atitude transformadora às mulheres (PRATT, RICHTER-DEVROE, 2011). Não há a integração de uma perspectiva de gênero nas missões, tampouco uma educação que promova a conscientização e alteração dos paradigmas. Atrelado ao fato de que, as lideranças das missões de paz permanecem sendo concedidas aos homens, reafirmando a concepção de que eles seriam melhores em posições de chefia e tomada de decisão (DHARMAPURI, 2013; LOPES, 2011). Isto posto, duas visões se contrapõem, por um lado estão aqueles que acreditam que a Resolução representa a conquista de uma agenda mais inclusiva e sensível ao gênero, por outro, há aqueles que a veem como uma mera retórica, sem resultados expressivos (PRATT, RICHTER-DEVROE, 2011). Ao mesmo tempo em que as mulheres estariam limitadas às tarefas femininas, conduta que é reflexo, entre outros, de uma crença social de que o gênero é um fator biológico, e que, portanto, justifica-se a divisão social do trabalho e a reserva de determinados papéis aos homens (MATHIAS, 2005, p.6). Sob outra perspectiva houve avanços, tanto no que diz respeito ao reconhecimento e a problematização das questões femininas, que nem sequer eram tangenciadas algumas décadas antes, quanto da inserção militar (CHARLESWORTH, 2008, p.349). Gráfico I - Porcentagem de mulheres nas forças armadas das nações membros da OTAN, de 1999 a 2014 10%

8%

10,2%

10,2%

10,2%

2006

2007

2008

9,6%

7,1%

8,8%

8,7%

8,9%

2002

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9,9%

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2009

2010

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2001

2005

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Fonte: NATO HQ, Summary of the National Reports of NATO Members and Partner Nations 2014.

Independentemente das limitações impostas, pode-se observar no Gráfico I o aumento da participação feminina nas forças armadas dos países membros da OTAN, em especial no ano de 2001, com a adoção de um pensamento com viés de gênero, atrelado a um momento de readequação das forças armadas em face de uma nova conjuntura global. Afinal, mesmo que a mulher, ao longo da história, estivesse presente nas forças armadas, na maior parte dos casos, elas estavam restritas ao ambiente doméstico, no qual exerciam papel de apoio na composição da família militar. A exclusão das demais atividades era justificada por aspectos de ordem física, principalmente, devido à capacidade reprodutiva feminina, que in54

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viabilizaria a prática de atividades de risco e de rigor disciplinar (CHAMBOULEYRON, RESENDE, 2006). Não obstante, as mulheres permanecem enfrentando dilemas sociais que colaboram para manutenção de sua subjugação, tais como: o exercício das responsabilidades familiares e a hierarquização social. No que tange às tarefas do lar, uma vez que elas não sejam divididas equitativamente com os demais membros da casa, a atuação das mulheres em empregos com maior complexidade e que exijam maior disponibilidade fica comprometida. Acresce-se a isto a imposição de barreiras invisíveis, institucionalizadas pelo universo masculino, que impedem a ascensão profissional do segmento feminino, ou refletem na atribuição de menores salários e na privação da possibilidade de promoções (CALÁS, SMIRCICH, 1998). Na instituição militar observa-se a exclusão, consciente ou inconsciente, das mulheres das redes de influência. Essas políticas discriminatórias, permeadas por um sexismo institucional, são responsáveis por limitar os planos de carreira, ou, até mesmo, fazer com que elas desistam de seus cargos, por indiretamente consentirem com essa cultura. Para que uma mulher seja respeitada no meio militar, ela deve demonstrar muita competência, do contrário, a ideia de que são protegidas ou recebem privilégios é a que prevalece. Como afirma Enloe (2014, p. 150-151, tradução nossa)10: As mulheres militares são quase sempre uma minoria entre o pessoal uniformizado [...], por vezes uma minoria muito pequena. Com o ajuste dos governos, ao final da Guerra Fria, para o fim da conscrição obrigatória masculina, estrategistas de defesa e seus aliados legislativos tiveram de criar formas de aumentar o número de mulheres em suas forças sem colocar em risco a valiosa imagem do meio militar como um lugar onde o homem pode provar sua masculinidade.

Depreende-se então que, a incorporação efetiva das mulheres às forças armadas ainda não foi concluída. A ética militar, guiada por preceitos conservadores, impede que este processo avance com maior rapidez. As normas pautadas no gênero permanecem moldando a maneira com que os militares se organizam (BASHAM, 2016, p.30). Entretanto, “a experiência mostra que a integração efetiva diminui os preconceitos e promove a coesão mais efetivamente que qualquer outro fator” (PEACH, 1994, apud CARREIRAS, 2013, p.488). Outrossim, o domínio da tecnologia avançada torna os processos de sociabilidade humana de menor relevância (JENKINS-HARRIES, 2002), assim como a maior pluralidade das tarefas militares abre espaço para novas imagens de gênero.

10. “Military women are virtually always a minority of all the uniformed personnel on any of their country’s military bases, sometimes a very small minority. With many governments adjusting to the end of the Cold War by ending male conscription (what Americans call “the draft”), defense strategists and their legislative allies have had to devise ways to increase the numbers of women recruited into their government forces without jeopardizing the military’s valuable image as a place where a man can prove his manliness”.

Conclusão Na elaboração deste artigo tomou-se como ponto de partida o reconhecimento de um ethos militar, através do qual descortinou-se um tipo de vida implícito com uma gama de símbolos, rituais, valores, condutas, que orientam as ações individuais e colaboram para o estabelecimento de uma cultura militar. Adere-se a este perfil a característica monossexual em que se pautou o desenvolvimento desta instituição. Entretanto, no transcorrer dos anos viu-se uma alteração importante que perpassou tanto as atividades exercidas pelas forças armadas, quanto sua organização interna. Com o fim da necessidade de um exér55

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cito de massas, os investimentos em tecnologia e a aproximação com a sociedade civil conferiu-se maior atenção à gama feminina da população que, até então, era mantida distante dos quadros efetivos e exercia funções subsidiárias. Salienta-se a importância da Década da Mulher, das Conferências Mundiais, em especial a de Pequim, e da Resolução 1325, que fomentaram discussões sobre o papel feminino na sociedade abrindo espaços de atuação. Em decorrência delas foi imprescindível que a organização militar se atualizasse, mantendo uma postura aberta à incorporação efetiva das transformações sociais. Faz-se mister destacar diante do exposto, no entanto, que a análise aqui realizada restringe-se a um conjunto de países específico, entre eles os Estados Unidos, não se observando as mudanças propostas em sua integralidade nos países sul-americanos, por exemplo. Além disso, há uma distância perceptível entre retórica e realidade, enquanto que no nível de documentos políticos e iniciativas se propõe uma nova concepção do gênero, a implementação não progride da mesma forma. E, por fim, mas não menos importante, os novos papéis atribuídos às mulheres estão associados com estereótipos da pacificidade feminina, inerente a sua condição de mãe e protetora. A ideia de que as mulheres são predispostas, naturalmente, a serem pacíficas e vulneráveis perpetua a imagem de que elas estão deslocadas no ambiente militar. Desconstruir esta relação é condição para maior equidade nas forças. Deste modo, ainda que a incorporação das mulheres nas forças armadas ocorra em baixas porcentagens e a equiparidade esteja distante de ser atingida, os avanços observados nas últimas décadas são um aspecto chave no processo de modernização da instituição militar. Ao amparar-se em uma evolução tecnológica e das atribuições militares, as mulheres penetraram um espaço de atuação dominado por homens e, a fim de que possam coabitá-lo carecem de uma reavaliação de paradigmas e estereótipos fundacionais. Referências BAILES, Alyson. The Strategic Object of War. In: BOYER, Yves; LINDLEY-FRENCH, Julian (orgs.) The Oxford Handbook of War. London: Oxford University Press, 2012, p. 148-161. BASHAM, Victoria. Gender and militaries: the importance of military masculinities for the conduct of state sanctioned violence. In: SHARONI, S. WELLAN, J., STEINER, L., PEDERSEN, J. (eds.). Handbook on Gender and War. Cheltenham: Edward Elgar Publishing Limited, 2016, p. 29-46. BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu. Trad. De Lucy Magalhães. Petrópolis: Vozes, 2003. CALÁS, M. B.; SMIRCICH, L. Do ponto de vista da mulher: abordagens feministas em estudos organizacionais. In: CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. R. (orgs.) Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1998, p. 275-329. CARREIRAS, Helena. Diversidade Social nas Forças Armadas: Género e Orientação Sexual em Perspectiva Comparada. Nação e Defesa, n. 107 (2), 2004. p.61-88. CARREIRAS, Helena. Gendered Culture in Peacekeeping Operations. International Peacekeeping, v. 17, n. 4, 2010, p.471-485. CARREIRAS, Helena. Mulheres, direitos e eficácia militar: o estado do debate. Revista Militar, n. 2536, 2013, p.477-495. CASTRO, Celso. O espírito militar: um estudo de antropologia social na Academia Militar das Agulhas Negras. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.

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