AS ORDENS MILITARES PORTUGUESAS ATÉ AO REINADO DE D. JOÃO VI | BOSQUEJO HISTÓRICO

September 23, 2017 | Autor: Jose de Bragança | Categoria: History, Phaleristics, Military Orders, Orders of Knighthood, Portuguese Orders Insignia
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«…mas tanto que os Reis tiveram mais para dar que as terras da Coroa; tanto que tiveram Comendas, Governos e Cargos lucrativos, tanto nas Conquistas, como no Reino, logo os Fidalgos começaram a cercar os Reis, e ficaram na Corte; porque pela adulação, pelo agrado, e pelas artes dos Cortesãos sabiam ganhar as vontades dos Reis, não tendo aquelas ocasiões forçosas de obrarem acções ilustres para serem premiados por elas» Ribeiro Sanches, Cartas sobre a educação da mocidade, 1757 As ordens militares peninsulares criadas no âmbito da Reconquista viriam a sofrer ao longo dos séculos uma lenta evolução metamorfoseando-se em ordens de cavalaria de tipo híbrido em finais de oitocentos e, em ordens de mérito, na sociedade saída das cinzas da Revolução Francesa e das Guerras Napoleónicas. De insígnias da luta armada pela defesa da Igreja e da Fé e de símbolos do ideal medieval da Cavalaria, as ordens transformaram-se em Símbolos ou Moedas de Honra sempre muito apetecidos recompensando o mérito civil ou militar e sobrevivendo mesmo à queda da monarquia em 1910.

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1. Ordens militares e ordens de cavalaria As origens em Portugal As ordens militares criadas na Terra Santa para a defesa dos peregrinos e dos Lugares Santos no âmbito das Cruzadas – como a Ordem dos Templários e a do Hospital de S. João de Jerusalém – cedo se instalaram na Península Ibérica a fim de prestar auxílio na Reconquista1. Na segunda metade do século XII e, a par destas, foram surgindo nos reinos peninsulares novas ordens militares, de início confrarias de cavaleiros laicos apostados em seguir um modelo de vida monástica e de combater pela Fé de Cristo e, que mais tarde, sob protecção régia e querendo adoptar uma Regra monástica – a Beneditina ou a dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, obtiveram a confirmação e aprovação do Papa, transformando-se em ordens monástico-militares. Foi o caso das Ordens de Calatrava, de Santiago e de Alcântara, em Leão e Castela e da Milícia de Évora em Portugal. A Ordem de Santiago da Espada foi fundada no Reino de Leão, com origem numa confraria de cavaleiros criada para protecção e defesa dos peregrinos do Caminho de Santiago, tornou-se activa em Portugal cerca de 1172 cons-

1 A. Forey, The Military Orders and the Spanish Reconquest in the Twelfth and the Thirteenth Centuries, in «Military Orders and Crusades», Variorum, 1994, publicado originalmente em Traditio, XL, New York, Fordham Univ. Press, 1984, pp. 197-234 e pp. 198-199; Malcom Barber, The origins of the Order of the Temple, «Studia Monastica 12», Barcelona, Abadia de Montserrat, 1970, reprint in «Crusaders and Heretics, 12th-14th Centuries», London, Variorum, 1995., p. 236237 e, Paula Maria de Carvalho Pinto Costa, Ordens Militares e Fronteira: um Desempenho Militar, Jurisdicional e Político em Tempos Medievais, in «História - Revista da Faculdade de Letras», Porto, III Série, vol. 7, 2006, pp. 79-91. 2 Cf. M. Barber, The New Knighthood - A History of the Order of the Temple, Cambridge University Press, 1995, pp. 280-335 e The Trial of the Templars, Cambridge, 1978; Alain Demurger, Les Templiers. Une Chevalerie Chrétienne au Moyen Âge, Seuil, Paris, 2005. 3 Após complicadas negociações os embaixadores do rei D. Dinis obtiveram do papa João XXII, a bula Ad ea ex quibus, de 14 de Março de 1319, confirmando a criação da nova ordem de Cristo, com sede em Castro Marim; sobre a ordem de Montesa cf. Luís García-Guijarro Ramos, Los Origenes de l’Orden de Montesa, in «Las Ordénes Militares en el Mediterráneo Occidental (siglos XII-XVIII)», Casa de Velázquez, Madrid, 1989; Montesa foi fundada pelas bulas Pia Martis e Ad fructus uberes de 10 de Junho de 1317; cf. Charles-Martial De Witte (O.S.B.), Une Tempête sur le Couvent de Tomar, «Arquivos do Centro Cutural Português», vol. XXV, F. C. Gulbenkian, Paris, 1988, p. 307 4 D’Arcy Jonathan Dacre Boulton, The Knights of the Crown. The Monarchical Orders of Knighthood in Later Medieval Europe 1325-1520), The Boydell Press, 2000; Baron Hervé Pinoteau in preface - Comte Garden de Saint Ange, Code des Ordres de Chevalerie, Guy Trédaniel, Ed. de la Maisnie, 1979; Professor J. Riley-Smith, Introduction - Confraternal Orders of Religious-Military Origin, in «World Orders of Knighthood & Merit», Vol. 1, Burke’s Peerage & Gentry, 2006, pp.3-6. 5 Sobre a natureza das ordens de cavalaria e a sua tipologia cf. D’Arcy J. Dacre Boulton, The Monarchical (And Curial) Orders of Knighthood Before the Reformation: A Reassessment In the Light of Recent Research, in Les Ordres de Chevalerie, Fondation Singer-Polignac, Paris, 1999, pp. 85-136. 6 Nestes traços, enunciados genericamente, se distinguem das modernas Ordens de Mérito nascidas após a Revolução Francesa e, de que a Legião de Honra – fundada por Napoleão, em 1802 – e mantida na Restauração por Luís XVIII, foi o paradigma. 7 Em 1249-50, o rei D. Afonso III lançou uma ofensiva militar com a ajuda da Ordem de Avis visando a conquista das praças do Algarve ainda em poder dos muçulmanos e que culminou com a tomada de Faro. A conquista do Algarve provocou porém um conflito com Castela que só solucionado em 1297 com a assinatura do Tratado de Alcanizes. 8 Cf. Isabel Luísa Morgado Sousa e Silva, A Ordem de Cristo durante o mestrado de D. Lopo Dias de Sousa (1373?-1417), in «Analecta Ordinum Militarium» – As Ordens Militares no reinado de D. João I, vol. 1, Porto, Fundação Engº António de Almeida, 1997, p. 5-126; Maria Cristina Gomes Pimenta, A Ordem de Avis durante o Mestrado de D. Fernão Rodrigues de Sequeira, ibidem, pp. 127 – 242. 9 Vários filhos do Rei D. João I foram nomeados para administradores e governadores das ordens militares: o Infante D. Henrique, duque de Viseu da Ordem de Cristo (1420); o Infante D. João da Ordem de Santiago (1418) e o Infante D. Fernando, o Santo, que morreu cativo em Fez, governador da Ordem de Avis (1434). Na ordem de Santiago sucederia o Infante D. Fernando, duque de Beja que, em 1460, sucederia igualmente no governo da Ordem de Cristo a seu tio o Infante D. Henrique. Na ordem de Avis, sucedeu o Condestável D. Pedro, filho do Regente Infante D. Pedro, duque de Coimbra. No reinado de D. Afonso V, o príncipe D. João (1455-1495), futuro D. João II, acabou por reunir nas suas mãos os cargos de governador da Ordem de Avis (1468) e da Ordem de Santiago (1472). Finalmente, o bastardo de D. João II, Dom Jorge, duque de Coimbra, foi investido no governo das ordens de Avis e de Santiago em 1492. 10 Para uma síntese sobre as ordens militares na Península Ibérica na Idade Média cf. Carlos de Ayala Martínez, Las ordenes militares hispânicas en la Edad Média (siglos XII-XV), Madrid, Marcial Pons, 2003 11 Fernanda Olival na sua tese de mestrado sublinha a forma como o processo de secularização havia transformado a natureza das ordens e, não ser fruto do acaso, a política seguida pelas Coroas de Castela e Portugal para a obtenção do controlo sobre os mestrados das ordens, cf. Para uma Análise Sociológica das Ordens Militares no Portugal de Antigo Regime (1581-1621), Lisboa, mimeo, 1988.

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tituindo de início uma Comenda da ordem castelhana. A Milícia de Évora teve origem numa confraria de cavaleiros fundada cerca do ano 1170 ao tempo da reconquista de Évora e que tendo adoptado a Regra da Ordem de Calatrava viria a ser conhecida como Ordem de Avis após a sua instalação nesta vila do Alentejo. Com a extinção dos Templários em 13122 e a fim de impedir que os seus bens fossem integrados na Ordem do Hospital de S. João de Jerusalém ou apropriados por outras entidades fora do controlo da Coroa, o Rei D. Dinis promoveu e negociou com Roma a criação da Ordem de Cristo em 1319 e, o Rei de Aragão criou no reino de Valência, a Ordem de Montesa em 13173. As ordens de cavalaria As ordens de cavalaria criadas na Europa a partir do século XIV tinham por fim reforçar o prestígio e o poder do Príncipe e perpetuar o espírito da Cavalaria constituindo um meio para recompensar a lealdade ou serviços prestados ao Príncipe4. Contrariamente às ordens militares, as ordens de cavalaria eram corporações ou «companhias» de laicos, se bem que de natureza confessional, que adoptavam um Santo como patrono e que obtinham até, nalguns casos, a confirmação do Papa5. O fundador – rei, príncipe ou grande senhor feudal – era comummente designado como Chefe e Soberano. Os Estatutos mencionavam por vezes a existência de um Capítulo Geral à imitação das ordens militares e prescreviam cerimónias de investidura e de recepção na Ordem com rituais de iniciação, profissão de votos e o juramento de fidelidade e de obediência ao soberano. A insígnia era constituída por um colar. Estas ordens multiplicaram-se na Europa do antigo regime transformando-se, lentamente, com o decurso dos tempos e a evolução das sociedades, em “ordens de mérito” embora, de início ainda de carácter exclusivista, confessional e aristocrático, servindo como instrumento para os príncipes recompensarem serviços e amiúde acarretando a outorga de privilégios para os seus membros, submissão a foro especial e, confirmador de nobreza ou constituindo factor de nobilitação6. Acabaram assim por se converter em símbolos de honra e de prestígio social em sociedades fortemente hierarquizadas. 2. A submissão das ordens militares ao poder régio O fim da Reconquista em Portugal, em meados do século XIII no reinado de D. Afonso III7, criou condições favoráveis ao incremento da política de fortalecimento

do poder real, no plano interno face ao Clero e à Nobreza e, no plano externo face a Castela. No tocante às ordens militares essa política orientou-se no sentido de as submeter ao poder régio promovendo a sua autonomização face às ordens castelhanas e, de reorientar a sua missão de acordo com os interesses da Coroa, como o povoamento e a integração política dos territórios sob sua administração, a qual implicava a defesa das fronteiras em disputa. A partir da segunda metade do século XIV, a intervenção da Coroa nas ordens militares prosseguiu com a «eleição» de Mestres da sua confiança. A crise de 1383-1385, a entrega da Coroa nas Cortes de Coimbra a D. João I e a vacatura dos mestrados das Ordens por morte dos mestres eleitos em capítulo, permitiu uma escalada na política de controlo das milícias pela Coroa8. Deu-se assim início ao processo de nomeação de membros da Família Real para a administração e governo das ordens9, com aprovação papal, sem observância dos Estatutos – eleição dos Mestres em Capítulo Geral (ou pelos Treze, no caso de Santiago) e provimento do cargo em freires cavaleiros das ordens. Com esta medida as ordens perderam o que restava da sua autonomia institucional e quedaram virtualmente na dependência da Coroa. Processo este que culminaria no século XVI, com a incorporação dos mestrados na Coroa10. A submissão das ordens à Coroa e, a progressiva alteração do estatuto dos cavaleiros, ocorrida com a sua laicização – dispensa de votos monásticos – que teve lugar no decurso do séc. XV e início do séc. XVI, atenuou não só o carácter religioso das ordens, no que concerne aos cavaleiros e comendadores, bem como os elos de dependência da Santa Sé, embora formalmente se tenha mantido a natureza jurídica destes institutos religiosos11. 21

3. A incorporação dos mestrados na Coroa e as reformas quinhentistas Executado D. Diogo, 3º duque de Beja e Governador da Ordem de Cristo, às mãos de seu cunhado o rei D. João II, este houve por bem, nomear D. Manuel (1469-1521), 4º duque de Beja, para suceder a seu irmão no cargo. Após a sua ascensão ao trono em 1495, D. Manuel I compreendendo a importância da ordem de Cristo, negou-se a dar cumprimento à vontade de D. João II no sentido de entregar o governo da ordem a D. Jorge, duque de Coimbra, mantendo-o nas suas mãos e, em 1516, viu o Papa Leão X confirmar-lhe o governo da ordem pela Bula Constante fide, de 30 de Junho. O rei D. João III (1521-1557) seu filho e sucessor foi confirmado como administrador vitalício da ordem de

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Cristo pelo Papa Adriano VI – pelo breve Eximiae devotionis, de 14 de Abril de 1522. E logo que vagaram os mestrados das ordens de Avis e de Santiago da Espada, por morte de D. Jorge, Duque de Coimbra, o Papa, acedendo aos insistentes pedidos de D. João III, concedeu in perpetuum à Coroa Portuguesa o mestrado das três antigas ordens militares, pela bula Praeclara charissimi, de 4 de Janeiro de 1551. O Priorado do Crato da Ordem de Malta manteve-se autónomo integrado na Língua de Castela e Portugal e dependente do Grão-Mestre em Malta, se bem que D. João III houvesse em 1522, após a morte do Prior D. João de Meneses, conde de Tarouca, impetrado a Roma a nomeação de seu irmão o Infante D. Luís, 5º duque de Beja para Prior, o que foi obtido após longas negociações em 153212. Também em 1551, D. João III obtém bula papal confirmando a sucessão no priorado do Crato para quando este vagasse, a favor de D. António, filho do Infante D. Luís. Após a incorporação dos mestrados, o controlo das ordens militares passou a constituir um poderoso instrumento de poder nas mãos da Coroa, possibilitando a atribuição de mercês à nobreza e ao clero por serviços prestados quer, através da admissão como cavaleiro com tença ou, da atribuição de comendas com os inerentes rendimentos e, de nomeação para benefícios e cargos eclesiásticos inerentes às Ordens13. A concessão de comendas em vida constituiu uma política seguida pela Coroa até ao fim da ancien regime, como forma de recompensar serviços no vasto Império que se estendia

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da Índia ao Brasil, sem necessidade de recorrer ao sempre exaurido Tesouro e como instrumento de «domesticação» da nobreza tornando-a dependente do rei. A nobreza sobretudo os Grandes, a partir do início do século XVII acentuou esta dependência ao assegurar para as suas Casas o usufruto quase hereditário de comendas com beneplácito régio14. Por outro lado, as reformas efectuadas no final do século XVI com sanção papal, introduzindo o requisito de limpeza de sangue na senda do espírito de intolerância religiosa surgido em Portugal com a criação do Tribunal da Inquisição, bem como o da ausência de mecânica para admissão nas ordens, fizeram aumentar a apetência pela aquisição do estatuto de cavaleiro das ordens, como meio de prova da condição de cristão-velho e a de aumentar ou consolidar o estatuto social dos requerentes, alguns suspeitos de serem cristãos-novos15. A proliferação de concessão de hábitos e de dispensas, em épocas como a do início do reinado de Felipe I ou na época da Restauração e, os abusos nas práticas de renúncias em terceiros e na concessão de dispensas por mecânica, aceites com alguma displicência pela Coroa em momentos de apertos financeiros, conduziram porém gradualmente a algum desprestígio das ordens 16. No entanto, a existência das três ordens militares, na dependência da Coroa a partir de 1551, tornou supérflua, pelo menos até setecentos como se dirá, a necessidade de se criar uma nova ordem segundo o modelo das ordens de cavalaria europeias, como a Jarreteira, o Tosão de Ouro ou a do Espírito Santo.

12 Cf. Paula Pinto Costa, A Ordem do Hospital em Portugal: da Idade Média à Modernidade, in «Militarium Ordinum Analecta», nº 3 / 4. Porto, Fundação Engenheiro António de Almeida, 2000, p. 229-240; e, Os Bens da Igreja de S. João de Castelo de Vide à morte de Fr. João Balieiro, in «História», Faculdade de Letras da Universidade do Porto, p. 284. 13 António Manuel Hespanha, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político Portugal – século XVII, Coimbra, Almedina, 1994, pp. 341-342 14 Nuno G. Monteiro, As comendas das Ordens Militares do séc. XVII a 1830 – algumas notas, in «Militarium Ordinum Analecta», # 3-4, Fundação Eng. António de Almeida, Porto, 2000, pp. 595-606. 15 Fernanda Olival, Rigor e interesses: os estatutos de limpeza de sangue em Portugal, in «Cadernos de Estudos Sefarditas», nº 4, 2004, pp. 151-182 e, Juristas e mercadores à Conquista das Honras quatro processos de nobilitação quinhentistas, in Revista de História Económica e Social, nº 4, 2ª série, 2002. 16 Fernanda Olival, As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789), Lisboa, Estar Editora, 2001, pp. 447-476; sobre a Ordem de Cristo nos séculos XVI e XVII cf. Francis Dutra, Membership in the Order of Christ in the sixteenth century: problems and perspectives, «Santa Barbara Portuguese Studies», 1:1, Santa Barbara, Califórnia, 1994, pp. 228-239 e, Membership in the Order of Christ in the seventeenth century: its rights, privileges and obligations, in «The Americas», 27:1, Washington DC, 1970, pp. 3-23. 17 Fernanda Olival, ibidem, pp. 495-496; um estudo preliminar do colar para a nova ordem, sob a invocação da Santíssima Trindade, chegou a ser feito pelo arquitecto João Frederico Ludovice (1670-1752), cf. António Filipe Pimental, A Honra e os seus Ícones. Sobre a Joalharia de função, in Ourivesaria Luso-Brasileira, do ciclo do ouro e dos diamantes, in «Revista «Oceanos», Lisboa, Nº 43, Julho/Setembro 2000, p.100; com ilustrações pertencentes ao Museu Nacional de Arte Antiga, p. 104; F. Olival, Uma Ordem de Cavalaria projectada por um homem de negócios da primeira metade do século XVIII, comunicação ao «XXII Encontro Associação Portuguesa de História Económica e Social, “Empresas e Instituições em Perspectiva Histórica”», Aveiro, 15-16 de Novembro de 2002. 18 Sobre a política Joanina nas relações com o Papado cf. Nuno Gonçalo Monteiro, Relações de Portugal com a Santa Sé no reinado de D. João V, «Janus 19992000», ed. on-line em http://www.janusonline.pt/1999_2000/1999_2000_1_18.html#dados 19 Cf. Alvará de 21 de Maio de 1765, de D. José I. 20 D. Luís da Cunha, Instruções Inéditas de D. Luís da Cunha a Marco António de Azevedo Coutinho, [revistas por Pedro de Azevedo e prefaciadas por António Baião], Academia das Sciências de Lisboa, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1929. Agradeço ao Dr. Pedro Leite Faria a consulta desta edição que pertenceu à Biblioteca de seu distinto avô, o Embaixador Dr. António Leite de Faria; Isabel Cluny, D. Luís da Cunha e a Ideia de Diplomacia em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1999. 21 Isabel Cluny sublinha que as Instruções embora hajam sido solicitadas em 1736 por Marco António, a sua redacção final só foi enviada a D. Luís da Cunha Manoel pouco antes de 1747, cf. O Conde de Tarouca e a Diplomacia na Época Moderna, Lisboa, Livros Horizonte, 2006, p. 183. 22 D. Luís da Cunha, Instruções…, p. 201; ver F. Olival, Uma Ordem de Cavalaria projectada por um homem de negócios da primeira metade do século XVIII... 23 Ibidem p 202. 24 Ibidem, pp. 202-203; e, como exemplo da falta de critério na concessão do hábito de Cristo, apontava o caso de Affonço da Silva – escudeiro do Conde de Tarouca e cavaleiro de Cristo como o seu amo, que lhe calçava os sapatos, facto que terá levado o Embaixador a repreender o Conde como conduta imprópria!

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4. Tentativas de «reforma» joaninas Em Portugal há notícia de no reinado de D. João V (16891707-1750) se ter pensado na criação de uma ordem de cavalaria exclusivamente dependente do Soberano, à semelhança da Ordem do Espírito Santo17, possivelmente como emulação do Rei Sol e de outros soberanos europeus e para aumento do prestígio da Coroa portuguesa18 ou como reacção aos problemas que vinham sendo sentidos nas ordens militares. Como exemplo destes problemas poder-se-ão apontar as dificuldades sentidas em restringir a concessão de hábitos, com o resultante aumento dos seus membros, as tentativas nem sempre bem sucedidas de controlar e reprimir o uso abusivo de insígnias de falsas ordens ou de ordens estrangeiras, tornado ilegal desde 1710, como também a prática ilegal de usar insígnia de outra ordem de maior prestígio19. Porém, como iremos ver, o projecto joanino foi abandonado mas não sem que tivesse sido alvo de críticas. 5. Propostas do Embaixador Dom Luís da Cunha D. Luís da Cunha que se distinguiu como diplomata nos reinados de D. Pedro II e de D. João V deixou manuscritas umas Instruções Inéditas de D. Luís da Cunha a Marco António de Azevedo Coutinho20. Escritas cerca de 1738, após Marco António de Azevedo Coutinho ter sido nomeado Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros saindo de Paris onde esteve com D. Luís da Cunha, foram enviadas a seu sobrinho D. Luís da Cunha Manoel para que este as guardasse21. Neste admirável opúsculo, D. Luís da Cunha discorrendo sobre os meios que a realeza dispunha para remunerar serviços e engrandecer a Nobreza e após se referir aos governos ultramarinos e ao das províncias e praças do Reino, lembrava «...que significando alguma couza pella representação, valem muito pouco pelo rendimento». E, comentando as comendas das ordens militares concluía que, «... sendo muitas se reduzem a poucas, porque algumas famílias gozão de duas e de três e emfim os officiais da Caza Real, que sendo tão bem muito honoríficos de nenhuma maneira são lucrosas e se tem feito quazi hereditários, quando V. Exa. sabe que em França, Espanha e Inglaterra he tudo pelo contrario, porque as honras vão hombro a hombro com as utilidades»22. Comparando as ordens militares com as ordens de cavalaria de outros reinos, dizia que «o fundo que V. Sª apontou das três ordens militares he tal que nenhum outro príncipe o tem, porque as ordens, com que honrão os seus sugeitos, depois de muitos annos de serviço, não são acompanhadas, nem de tantas nem de tão fortes comendas como as nossas;

antes se lhes põem pensoens, a que dão este nome, bem entendido, se Sua Magestade as quizer pôr no predicamento das suas instituiçoens, porque este fundo se diminue á proporção, que ellas perdem a sua estimação, como com effeito tem perdido, sem exceptuar a de Cristo, que o dito Senhor honra pondo o seu habito». Acerca do projecto régio de criação de uma ordem de cavalaria à semelhança das existentes na Europa, como forma de ultrapassar os problemas detectados, D. Luís da Cunha manifestava a sua oposição a tal ideia, dizendo: «Daqui proveio ouvirmos, que Sua Magestade cuidava em crear outra ordem, de que ele somente puzesse o habito, e as pessoas que escolhesse para lho conferir; e supposto, que as primeiras pessoas, a quem o destinava fossem os embaixadores, em cujo numero eu me encontrava, confeço a V. Sª que me fazia grande dor, ver que por este modo ficaria mais prostituída e desprezada a Ordem de Cristo, de que V. Sª e eu temos a honra de ser comendadores.»23. E, permitia-se lembrar, os motivos que davam prestígio às ordens, pensando certamente nas ordens da Jarreteira, do Tosão de Ouro ou do Espírito Santo: «V. Sª sabe que são quatro os motivos que illustrão as ordens: o primeiro he o objecto da sua fundação e a de Cristo não pode ser nem mais nobre nem mais religiosa, pois foi o de defender e propagar as verdades evangélicas contra os infiéis. O segundo he o da sua antiguidade e a de Christo foi erigida pelo Senhor Rey Dom Dinis sobre as ruínas da do Templo, que o Papa Clemente V, e Felipe O Belo, Rey de França ímpia e barbaramente abolirão e assim se pode dizer que tem a mesma ancienidade. O terceiro hé, a condição das pessoas a quem se conferiu na sua criação e V. Sª, sabe que forão as primeiras do reino e dali por diante não só se armavão os cavaleiros á vista dos inimigos, ou em consideração das suas acçõens sendo depois a regra armara cavaleiro em Africa para hir servir na Índia e a inobservância deste bom costume foi a que perdeo a mesma Índia e tem prostituido tão antiga, tão christã e tão ilustre ordem, porque o Snr. Rey Dom Pedro a deo e Sua Magestade, a dá sem attenção á nobreza, nem aos serviços dos que a pedem, antes despenssa para trazer o habito pendendo ao peito em hum listão encarnado a quem não tem huma nem outra couza; e o pior, hé que permite que elles se vendão e se comprem por pouco mais de nada, de que se segue que todos os que sahem de Portugal com o habito de Christo pendurado ao peito no listão encarnado e bordado na casaca, logo dizem ainda que lho não perguntem, que tal he o habito que Sua Magestade traz e os estrangeiros, que de Portugal voltão para os seus paizes, em verdade afirmão o mesmo, acrescentando que são infinitos, como assim he so que se vem andar a pé pellas ruas de Lisboa com o dito habito.»24.

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O espanto dos estrangeiros era natural pois nos seus estados as ordens de cavalaria tinham admissão mais restrita ou, em que havendo vários graus como a Ordem de S. Luís, existiam insígnias diferenciadas para cada grau. No caso das ordens militares portuguesas, mormente na de Cristo, dada a sua natureza de ordem religiosa, uma vez admitidos na ordem os cavaleiros gozavam todos do mesmo estatuto de freires laicos, só existindo distinção para os comendadores na medida em que usufruíam por mercê do mestre de rendimentos da ordem, ao contrário dos simples cavaleiros. Logo, todos incluindo o grão-mestre – o rei – usavam a mesma insígnia como símbolo de pertença à ordem, não havendo necessidade de distinção. O mesmo aliás acontecia há muito nas ordens de cavalaria, ditas de Colar, que tinham por insígnia comum um colar. Portanto, as críticas assentavam mais no facto de haver cavaleiros de baixa condição social do que no uso indistinto da insígnia, como no exemplo citado pelo Embaixador D. Luís da Cunha. Algumas décadas mais tarde, também o marquês de Bombelles referia na entrada do seu diário de 11 de Novembro de 1786, que «… on voit aussi nombre de chevaliers de l’ordre du Christ attachés au service des grands comme intendants, écuyers, valets de chambre, porter la même décoration que leurs maîtres et la souveraine du royaume». E, William Beckford, relatando uma refeição servida no Palácio do Marquês de Marialva, em 27 de Junho de 1787, dizia que «The dinner was served in plate, and the huge massy dishes brought up by a vast train of gentlemen

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and chaplains, several of them decorated with the Order of Christ»25. Era o elitismo aristocrático afectado. O quarto motivo apontado pelo Embaixador D. Luís da Cunha era o de nunca se dever exceder o número limitado de cavaleiros prescrito nos estatutos da ordem, seguido o exemplo das ordens de cavalaria estrangeiras e, ao contrário no que sucedia nas ordens militares portuguesas, onde esse número era praticamente ilimitado26. E, a seguir, D. Luís da Cunha tece comentários sobre as razões que terão levado o rei D. João V a abandonar o projecto de criação de uma nova ordem de cavalaria: «Mas como se tenhão passado tantos annos, sem o dito Senhor ter executado o seu projecto, parece que nelle encontrou alguns insurmontaveis inconvenientes, sendo o primeiro, conforme posso julgar, que viria em consideração que logo que Sua Magestade trouxesse outro habito que não fosse o de Christo, poucos o terião por premio ou por favor, se não fosse acompanhado de alguma commenda, como a experiência nos mostra, sendo esta a razão, porque são raros os que se contentão com o habito de São Tiago, ou de Avis; e assim faltaria a Sua Magestade, com que gratificar a pouco custo os que os servem.»27. No entanto, D. Luís da Cunha avançava com uma sugestão para contornar este problema, restabelecendo o prestígio da Ordem de Cristo, rareando a sua concessão e sem haver necessidade de se recorrer à criação de outra ordem, como fez Luís XIV com a criação da ordem de S. Luís28. No fundo, propunha que, à semelhança da referida ordem francesa, se estabelecessem graus diferenciados com o uso

25 Marquês de Bombelles, Journal d'un ambassadeur de France au Portugal, org por Roger Kann, Paris, PUF, 1979, p. 34 ; William Beckford, The Journal of William Beckford in Portugal & Spain 1787-1788, ed. by Boyd Alexander, publ. em 1954, ed. Nonsuch, 2006, p. 76; Francis Dutra, por seu turno, referindo-se à Ordem de Santiago apelida a situação de irónica dizendo: «One of the great ironies of the Order of Santiago during the Age of Pombal was to see a handful of Dukes, Marquises and Counts wearing the same cross as those whose social background were so distant from theirs» cf. The Order of Santiago in the Age of Pombal, in «Actas Congresso - O Marquês de Pombal e a sua Época…», C.M. de Oeiras e Pombal, 2002, p. 15. 26 Não era inteiramente exacta esta afirmação pois a ordem de S. Miguel tinha-se desprestigiado precisamente por ter sido largamente distribuída a partir do reinado de Carlos IX, o que levou Luís XIV a reforma-la radicalmente cf. Barão Hervé Pinoteau, Le Saint-Esprit, un ordre novateur, in «Bourbons Magazine», # 21, Nov.-Décembre 1999, pp. 10-11. 27 D. Luís da Cunha, Instruções…, p. 204. 28 O fim visado por Luís XIV ao criar a ordem de S. Luís foi o de poder recompensar os Oficiais não nobres que combatiam nos seus Exércitos envolvidos em longas guerras na Europa. 29 D. Luís da Cunha, Instruções…, pp. 204-206. 30 D. Luís da Cunha, Instruções…, p. 206, confirmando a ideia de que tal prática seguida em Roma, não era considerada legítima nem era reconhecida pela Coroa portuguesa como válida, por contrária aos estatutos da ordem e à bula da União dos Mestrados à Coroa, de 1551, pela qual o Papa atribuiu à Coroa in perpetuum o mestrado das ordens militares portuguesas. 31 Em Novembro de 1591, Papirio Picedi teria recebido a «croce di Cristo» concedida pelo Papa Inocêncio IX O caso seria comentado por D. Jorge de Ataíde – antigo presidente da Mesa da Consciência e Ordens e membro do Conselho de Portugal, em Madrid, que num relatório (sem data) para o rei, recomendava que este protestasse de imediato e solicitasse ao Papa para se abster de tais práticas. (BNP, Reservados, Col. Pombalina, 641, fl. 586, documento citado por Fernanda Olival, Para uma Análise Sociológica das Ordens…, ibidem, I Vol., nota 72, p. 148, 32 Fernanda Olival, As Ordens Militares e o Estado Moderno…, pp. 495-501. 33 Fernanda Olival, ibidem, p. 496; Manuel Bernardo Lopes Fernandes, Memórias das Medalhas e Condecorações Portuguesas e das Estrangeiras com Relação a Portugal, in «Memórias da Academia Real das Sciências de Lisboa», Nova Série, Tomo III, Parte II, Lisboa, 1854, p. 43; e António Filipe Pimental, ibidem, p. 100. 34 Antes de suceder a seu pai Felipe V, no trono de Espanha, Carlos III havia reinado em Nápoles e na Sicília (1735-1759) como Carlos VII. E, em 1738, fundou a ordem de S. Januário limitada a 60 cavaleiros, de origem nobre e católicos de religião, a fim de emular a Ordem de Tosão de Ouro de que era Chefe e Soberano, seu pai e, a Ordem do Espírito Santo do rei de França, seu primo. De notar que após abandonar Parma, de que foi Duque por herança de sua mãe Isabel Farnésio, de 1731 a 1735, levou consigo para Nápoles a ordem Constantiniana de S. Jorge criada em 1698, por Francisco Farnésio, duque de Parma (1678-1717) com aprovação papal, em 1718; sobre as ordens de cavalaria fundadas após 1693 e até 1802, tendo como modelo a Ordem de S. Luís, v. Prof. J. D’Arcy Boulton, The Curial Orders of Knighthood of the Confraternal Type. Their Changing Forms, Functions and Values in the Eyes of Contemporaries – 1325-2006, in «World Orders of Knighthood & Merit», Burke’s Peerage & Gentry, Vol. 1, pp. 231 e ss.

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de insígnias diferentes: grã-cruzes, em número de 25 escolhidos de entre os comendadores da ordem, que usariam a insígnia pendurada numa banda do cor da ordem posta a tiracolo e uma placa de ouro bordada nas casacas; os comendadores, que trariam a banda somente; e, finalmente os cavaleiros, que para se habilitarem necessitariam de «...dez anos de serviços na qualidade de officiaes ou no mar ou na terra» e que trariam apenas a insígnia pendente de uma fita da cor da ordem atada na casaca. Além disso propunha que se juntasse o privilégio dos grã-cruzes, conforme a sua antiguidade, «...assistissem nas audiências públicas que Sua Magestade desse aos ministros estrangeiros...» ostentando as insígnias de grã-cruz29. Por outro lado, e numa alusão à velha vexata quaestio da concessão por Roma de “hábitos de Cristo”, que remontava ao reinado dos Áustrias em Portugal, D. Luís da Cunha propunha que se ponderasse o «...negocear em Roma que o Papa não desse o habito de Christo a quem na Dataria paga o valor de duas moedas de ouro sem o consentimento do Grão Mestre e sem as provanças passem pela Meza da conciencia na forma dos estatutos»30 . Convirá a propósito sublinhar, que o primeiro caso documentado em fontes portuguesas de concessão por Roma de «hábitos» de Cristo à revelia de Lisboa, é o de Papirio Picedi (1528-1614), embaixador dos Farnese, duques de Parma, em Roma e em Madrid e, que em 1614, seria nomeado bispo de Parma31. Para as restantes ordens militares de Santiago da Espada e de Avis, D. Luís da Cunha propugnava uma reforma segundo idênticos princípios, criando-se 12 grã-cruzes a escolher de entre os respectivos comendadores e estes, de entre os cavaleiros. A concessão do hábito só poderia ser feita após cinco anos de serviços. Quanto às insígnias deverse-ia observar o mesmo do proposto para a Ordem de Cristo com as bandas e as fitas de cores diferentes. As propostas de D. Luís da Cunha congeminadas no segundo quartel do século XVIII viriam, no fundamental, a servir de inspiração para a reforma das ordens de D. Maria I, em 1789, como bem intuiu a Doutora Fernanda Olival na sua brilhante tese de doutoramento, já várias vezes citada32. 6. Reforma de D. Maria I de 1789 No reinado de D. Maria I (1777-1792-1816) a ideia da criação de uma ordem de cavalaria parece ter sido retomada favorecendo a Rainha a criação de uma ordem sob a invocação do Sagrado Coração de Jesus33. Foi o que ocorreu também na vizinha Espanha onde o rei Carlos III (1716-1788), tio de D. Maria I, seguindo o que havia feito em Nápoles e na Sicília34, resolveu criar, em

Rainha D. Maria I Gravura. ”Em caza de Fran.cº M.el Pires” “Lx.” (1760-1783) Papel: 350x240mm Colecção particular

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Ordem Militar de Cristo Placa de peito bordada Fio de prata e ouro Fim do séc. XVIII / início do séc. XIX Colecção particular

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1771, uma nova ordem de cavalaria com vários graus, a que chamou – a Real e Distinta Ordem de Carlos III 35. Porém, apesar do exemplo espanhol, o projecto de D. Maria I foi igualmente posto de lado e, em vez disso, optouse por promover a Reforma das antigas ordens militares seguindo de perto, as recomendações formuladas meio século antes pelo Embaixador Dom Luís da Cunha36. Logo no preâmbulo da carta de Lei de 19 de Junho de 1789, se aludiam aos objectivos da Reforma: «Vendo que de muitos annos a esta parte se tem de maneira confundido, e perturbado a Dignidade, e Consideração Civil, e Temporal das ditas Ordens, principalmente no Provimento dos Cavalleiros dellas, que a Eu não auxiliar com Providencias próprias, e accomodadas a tanta desordem, e relação, se chegaria por fim ao ponto extremo de ellas não serem, nem consideradas, nem estimadas, como Insígnias de honra, e de dignidade...». A Reforma de 1789, que não abrangia os clérigos e conventuais das ordens como bem sublinhou Fernanda Olival,

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em traços gerais consagrou as seguintes medidas37: O uso, pelo Soberano Grão-Mestre das Ordens Militares, das «Veneras, Medalhas, ou Insígnias» das Três Ordens a fim de «honrar e prezar todas» e, não somente, como até aí era uso, a insígnia da Ordem de Cristo. Esta a origem da Banda das Três Ordens que reúne numa só insígnia as das três antigas ordens militares para uso do Soberano e do Príncipe do Brasil38; A atribuição da Dignidade de Comendador-Mor das Três Ordens, prevista nos antigos Estatutos e Definições, ao Príncipe do Brasil que como tal deveria também usar as veneras das Três Ordens; A criação nas ordens militares de um grau superior – o de Grã-Cruz – com precedência sobre os comendadores e cavaleiros; Os grã-cruzes seriam em número de 6 na Ordem de Cristo e, de 3 na Ordem de São Bento de Avis e de 3 na Ordem de Santiago da Espada; os Infantes seriam Grã-Cruzes de direi-

35 E isto, não obstante a Coroa espanhola deter a administração das ordens militares de origem medieval – Santiago, Calatrava, Alcântara e Montesa – e a Chefia de uma ordem de cavalaria de grande prestígio: o Tosão de Ouro, herança dos Habsburgos. 36 Fernanda Olival, As Ordens Militares e o Estado Moderno…, pp. 495 e ss., referindo e analisando testemunhos coevos que atribuem a autoria da Reforma ao Visconde de Vila Nova de Cerveira, Secretário de Estado dos Negócios do Reino, pese embora à data da Carta de Lei já ter sido substituído na pasta pelo Doutor José de Seabra e Silva. 37 Sobre o alcance da reforma de D. Maria I, v. Fernanda Olival, ibidem, p. 483-518. 38 No Almanach de Lisboa de 1793, editado pela Academia das Ciências, já se refere a Banda das Três Ordens como sendo a insígnia trazida pelos soberanos (rainha D. Maria I e D. Pedro III), com a fita em 3 cores, o mesmo se passando com o Príncipe do Brasil (futuro D. João VI) que era Comendador-Mor das 3 ordens. Na literatura estrangeira é frequentemente referida, ainda hoje, como uma «ordem», quando mais não é do que uma insígnia de grã-cruz das Três Ordens Militares de Cristo, de Avis e de Santiago da Espada, reunida numa só. 39 A Ordem do Espírito Santo, fundada em 1578, por Henrique III (1551-1574-1589), rei de França e da Polónia (1573-1574), foi a primeira a adoptar nos Estatutos o uso da insígnia pendente de uma Banda. Luís XIV na reforma de 1665 da ordem de S. Miguel, estabeleceu também expressamente uma Banda de cor negra para esta ordem, embora já fosse usada mas sem estar prevista nos estatutos. Inicialmente usada à volta do pescoço (em sautoir), a Banda passou gradualmente a ser usada a tiracolo sobre o ombro (en écharpe), no tempo de Henrique IV e de Luís XIII, dado ser mais prático o seu uso desta forma quando os cavaleiros montavam a cavalo, cf. Barão Hervé Pinoteau, Études sur les Ordres de Chevalerie du Roi de France, Paris, Le Léopard d’Or, 1995, pp. 32 e 59; The Order of the Holy Spirit, in «World Orders of Knighthood & Merit», Vol. 1, Burke’s Peerage & Gentry, 2006, pp. 323-331. A Banda acabou por ser adoptada pela maioria das ordens de cavalaria europeias designadamente, pela Ordem do Tosão de Ouro, no início do século XVI, no reinado do Imperador Carlos V e, pela Ordem da Jarreteira no reinado de Carlos II (1630-1649-1685), rei de Inglaterra, Escócia e Irlanda, cf. Marqués de La Floresta (dir.), La Insigne Orden del Toisónde Oro, Madrid, Palafos & Pezuela, 2000, pp. 118-119; P.J Begent & H. Chesshyre, The Most Noble Order of the Garter: 650 Years, Spink & Son Ltd. 1999; Peter Galloway, The Most Noble Order of the Garter, in «World Orders of Knighthood & Merit», Vol. 1, Burke’s Peerage & Gentry, 2006, pp. 251-255. Sobre as insígnias e distintivos das ordens de cavalaria ou ordens monárquicas no período até 1520, cf. D’Arcy J. Dacre Boulton, The Knights of the Crown…, ibidem, pp. 478-489. 40 Termo usado em sentido diferente das modernas placas, de ouro ou prata dourada com esmaltes, das ordens de mérito posteriores. E, que também não deve ser confundido com o termo placard muito usado no século XVIII, denotando geralmente uma insígnia usada em forma de broche para uso na lapela dos vestidos. 41 As placas das ordens de cavalaria foram também introduzidas pela Ordem do Espírito Santo sendo inicialmente bordadas e sobrepostas aos vestidos, imitando a prática seguida nas ordens militares com as suas Cruzes cozidas sobre os mantos. A Ordem da Jarreteira adoptou esta prática no século XVII seguindo-se-lhe quase todas as restantes ordens de cavalaria, cf. Barão H. Pinoteau Études sur les Ordres de Chevalerie du Roi de France…, p. 59; D’Arcy J. Boulton, Belts, brooches, collars and crosses: the development of the insignia of the Monarchical Orders of Knighthood, 1325-1693, in «Heraldry in Canada», vol. XXI, #5, Dec., 1987, pp. 9-39; e, The influence of the Religious Orders on the Monarchical Orders of knighthood: ranks, titles and insignia, 1325-1918, in «Heraldry in Canada», vol. XXXII, #3, Sept. 1998, pp. 22-32; #4, Dec., 1998, pp.22-32 e #5, March 1999, pp. 21-29. 42 A extrema devoção da Rainha D. Maria I pelo Sagrado Coração de Jesus levou-a a formular um voto de edificação de um templo ainda antes de casar com seu tio o Infante D. Pedro em 1760. E, segundo Manuel Bernardo Lopes Fernandes, D. Maria I teria tido o projecto de criar uma nova ordem militar sob a invocação do Coração de Jesus «mas conhecendo o inconveniente de aumentar as ordens, limitou-se depois a reformar, e ampliar as três ordens já existentes...», determinando que no caso dos grã-cruzes e os comendadores se acrescentassem às antigas insígnias um coração (cf., Memórias das Medalhas e Condecorações Portuguezas e das Estrangeiras com Relação a Portugal, in «Memórias da Academia Real das Sciências de Lisboa, Nova Série, Tomo III, Parte II, Lisboa 1984, p. 43. 43 De notar que as placas da Ordem de Cristo sem o S. Sagrado Coração de Jesus posteriores a esta época, que por vezes surgem no mercado e em colecções de falerística, não são mais do que insígnias da apócrifa «ordem de Cristo» papal. Há notícia de que alguns recipiendários desta distinção papal – a croce di Cristo – no século XIX, terão começado a usar abusivamente placas com a cruz da ordem portuguesa, mas sem o Sagrado Coração de Jesus; Pietro Giacchieri reproduzindo as ‘informações’ de Giuseppe de Michieli, de Andrea de Mendo e de Giustiniani sobre as origens da ordem de Cristo papal, afirma que os “cavaleiros” terão começado a usar uma placa à semelhança da ordem de Cristo portuguesa, in Commentario Degli Ordini Equestri essistenti negli Stati di Santa Chiesa, Roma, 1853, ed. Facsmile, PHV Phaleristischer Verlag Michael Autengruber, 1998, pp. 87-88. 44 In Collecção de Legislação. Trigoso, vol. 25, ano 1789, Academia das Ciências de Lisboa. 45 Daí que, membros da Grandeza como o Almirante Marquês de Niza ou o 8º Conde dos Arcos, último Vice-Rei do Brasil tivessem sido agraciados com a Grã-Cruz de Avis embora, o 4º Marquês de Marialva, também Tenente-General, tivesse sido agraciado com a Grã-Cruz de Santiago da Espada.

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to da ordem ou ordens em quer fossem providos, sem requisito de idade, que foi fixado em 40 anos; Em memória das antigas dignidades das ordens militares, estabeleceu-se que em cada ordem, um dos grã-cruzes seria o Claveiro e, outro, o Alferes que precediam todos os outros grã-cruzes; entre estes, a precedência estabelecia-se pela antiguidade; Entre os comendadores a lei estabeleceu a regra da precedência segundo a antiguidade sem distinção entre ordens; A concessão da dignidade de grã-cruz, como lhe chama o diploma legal, ficava ao arbítrio do Grão-Mestre, em pessoa que por «qualidade preeminente, ou por Serviços Militares, ou Políticos se faça recommendavel, e benemérito dela»; O diploma julgou oportuno sublinhar que a concessão de grã-cruzes era vitalícia e insusceptível de renovação como acontecia até aí frequentemente com as comendas; A outorga de grã-cruz pressupunha em regra que o agraciado já fosse comendador sendo portanto promovido na ordem; porém, em casos excepcionais, a lei previa a possibilidade de atribuição de grã-cruz a quem ainda não fosse comendador da ordem, sendo neste caso provido numa comenda que lhe serviria de título para a promoção; Instituição de insígnias diferenciadas para os vários graus: os grã-cruzes usariam a insígnia pendente de uma Banda39 com as cores da ordem posta a tiracolo e uma placa40 ou sobreposto bordado sobre o vestido; os comendadores usariam a insígnia pendente de fita ao pescoço e placa ou sobreposto bordado sobre o vestido41; os cavaleiros trariam a insígnia pendente de simples fita da cor da ordem; Como novidade, assente na devoção da rainha, as insígnias dos graus de grã-cruz e de comendador passaram a ser encimadas pelo S. Sagrado Coração de Jesus42, o que aditava mais um traço distintivo entre estes graus e o de cavaleiro43; Anexa à carta de Lei vinham publicados os desenhos dos hábitos ou veneras e das chapas, ou sobrepostos, de que deviam usar os Grã-Cruzes e os Comendadores, mas só da Ordem de Cristo44; Estabelecia-se que, de futuro, a Ordem de Avis seria destinada a premiar o Corpo Militar «... de sorte que despachando-se os Serviços Militares, Políticos, ou Civis, deverá ser o Despacho em lugar de outro como até agora com Habito de São Bento de Aviz...» 45; Em relação aos militares o diploma previa expressamente a dispensa de todas e quaisquer inquirições e habilitações, revogando-se nesta parte os Estatutos até aí em vigor; A Ordem de Santiago por seu turno seria dada a pessoas que servissem na Magistratura até ao lugar de Desembargador dos Agravos da Casa de Suplicação inclusive e, a outras pessoas cujos serviços parecessem dignos dela;

Ordem Militar de Cristo Insígnia para Banda de Grã-Cruz Ouro e esmalte. Fundo em marfim. Fim do séc. XVIII / início do séc. XIX. Colecção particular

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Ordem Militar de Santiago da Espada Insígnia para a Banda de Grã-Cruz Ouro e esmalte. Fim do séc. XVIII / início do séc. XIX Colecção particular

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A Ordem de Cristo estava reservada para os Serviços prestados pelos «....maiores Postos, e cargos Políticos, Militares e Civis». A fim de prestigiar as ordens, determinou-se a proibição de requerimento de mercês de hábitos com a faculdade de renunciar indefinidamente. A falta das veneras, entretanto encomendadas em Londres46, levou porém, a que pelo Decreto de 20 de Julho de 1789 se diferisse a entrada em vigor da carta de Lei para data posterior47 e, por Aviso de 9 de Novembro, do Secretário de Estado José de Seabra e Silva48 dirigido ao Conde de Resende, Presidente da Mesa da Consciência e Ordens aquela foi fixada em 15 de Novembro, antevéspera da sagração da Basílica da Estrela49. Assim, as primeiras nomeações só tiveram lugar em 9 de Novembro de 1789. Mais tarde, já na Regência de D. João, Príncipe do Brasil50, pelo Alvará de 10 de Junho de 1796, foi elevado o número de grã-cruzes das ordens de Avis e de Santiago da Espada para 6, devido a pressões e dúvidas que subsistiam sobre a «igualdade» decretada entre as mesmas ordens, pese embora o Alvará de 15 de Setembro de 1789 ter estabelecido expressamente a perfeita igualdade entre todos os Grã-Cruzes. Pelo citado Alvará de 10 de Junho foi decretada igualmente a alteração para violeta da cor das bandas e fitas da Ordem de Santiago da Espada a fim de não serem

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confundidas com as da ordem de Cristo51. Em relação ao priorado do Crato, também em 1789 a rainha D. Maria I solicitou e obteve de Roma a sua anexação à Casa do Infantado, constituída em 1655 como apanágio dos filhos segundogénitos dos reis de Portugal, com base, designadamente, nas rendas do ducado de Beja e dos bens confiscados à Casa dos Duques de Caminha, Marqueses de Vila Real, em 164152. 7. As insígnias As insígnias da Banda das Três Ordens para a rainha – distintivo e placa – em ouro, com brilhantes, rubis e esmeraldas terão sido executadas em Portugal, pelo Joalheiro da Coroa David Ambrósio Pollet53 e estão hoje no Palácio Nacional da Ajuda54. Em 1790, João António Pinto da Silva terá encomendado outro hábito das Três Ordens para a rainha D. Maria I, também atribuído a Ambrósio Pollet55. Há também notícia de outras insígnias de Grã-Cruz das Três Ordens executadas em 1790 e 1791, decerto para uso da Rainha ou de D. João, Príncipe do Brasil e Comendador-Mor das Três Ordens Militares56. E conforme sublinha o Prof. Gonçalo de Vasconcelos e Sousa as alterações introduzidas às insígnias das ordens

46 Cf. Fernanda Olival, As Ordens Militares e o Estado Moderno…, p. 499, citando recibo do Palácio da Ajuda. Não deixa de ser estranha, esta encomenda já que em Portugal existiam à época excelentes ourives e joalheiros experientes na execução de veneras das ordens militares. 47 In Collecção de Legislação. Trigoso, ibidem.25, ano 1789, Academia das Ciências de Lisboa. 48 Secretário de Estado dos Negócios do Reino viria a ser nomeado Grã-Cruz da Ordem de Cristo, em 13 de Junho de 1796, no mesmo dia em que o 5º Marquês de Marialva, Dom Diogo de Meneses era agraciado com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago. 49 Gazeta de Lisboa nº 46, de 17:XI.1789 com relação dos grã-cruzes. 50 O Príncipe do Brasil em 1792 havia assumido de facto o governo, após deliberação do conselho de estado mas sem no entanto assumir a regência, à semelhança do que ocorria na Grã-Bretanha. Somente em 1799 resolveu o Príncipe assumir a Regência, tendo José de Seabra e Silva votado contra, o que lhe valeu ser demitido e desterrado como havia acontecido no tempo de Pombal. 51 Gazeta de Lisboa, Suplemento, nº XXIV, de 18 de Junho de 1796. 52 Cf. Mafalda de Noronha Wagner, A Casa de Vila Real e a Conspiração de 1641 contra D. João IV, Lisboa, eds. Colibri, 2007. 53 Nuno Vassallo e Silva, Os Pollet, Joalheiros de D. Maria I, Fundação das Casas Fronteira e Alorna, Junho de 1993, policopiado. 54 «Placa e Insígnia das 3 Ordens» - PNA, inv. 4777 e 4784, Lisboa, 1789, atrib. Ambrósio Pollet, Catálogo nº 248, p. 147-148-151 cf. Catálogo da Exposição «Tesouros Reais» - Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa, IPPC, 1991; e, G. Vasconcelos e Sousa, Reais Jóias no Norte de Portugal, Porto, Palácio da Bolsa, 1995, p. 14,15. Há recibo de A. Pollet datado de 14.XI.1789, referente à insígnia; e, G. Vasconcelos e Sousa, A Joalharia em Portugal 1750-1825, Porto, Livraria Civilização Editora, reimp., 2006p.118, datando a placa de 1790. 55 Hábito das 3 Ordens – Catálogo nº 249, PNA, inv. 4772, Catálogo da Exposição «Tesouros Reais», p. 250. 56 Gonçalo Vasconcelos e Sousa, A Joalharia em Portugal…, p. 121. 57 Ibidem, p. 123-136. 58 Por exemplo, a Ordem do Banho, fundada em 1725, previa uma «star» ou «ensign», bordada a fios de ouro e prata para ser usada sobre os mantos ou vestidos cf. James C. Risk, The History of the Order of the Bath and its Insignia, London, Spink & Son, Ld., 1972, p. 110. Após o Congresso de Viena em 1815 terão começado também a surgir placas bordadas mas tendo o centro em prata e ouro, com ou sem esmaltes (vg. Placas da Ordem da Águia Vermelha, da Prússia, Legião de Honra e da Coroa de Ferro, do Império Austríaco), que se vulgarizariam após 1830; cf. Les Distinctions Honorifiques de la Collection Brouwet au Muséé Royal des Armées à Bruxelles, Bruxelles, MRA, 2006,pp.57, 105, 120-124, 150, 152, 153 e 273. 59 Cf. Guy Deploige, ibidem, p. 28. 60 Cf. verbete #11, in Catálogo da Exposição Francesco Bartolozzi e os seus Discípulos, Sociedade Martins Sarmento, Agosto-Setembro 2004. 61 Cf. Pedro Vila Franca, Alguns Documentos da Casa Pombal do final do antigo regime (1783-1812), Sep. «Armas e Troféus», IX série 2006-2007, Lisboa, Instituto Português de Heráldica, 2007, p. 85. 62 Da colecção do Marquês de Rio Maior, cf. Gonçalo Vasconcelos e Sousa, A Joalharia em Portugal…, p. 157-159. No caso da ordem da Torre e Espada, por outro lado, à excepção das placas em ouro e pedras preciosas feitas para o Príncipe-Regente D. João, no Brasil logo, em 1808, são raríssimas as placas em metal desse período, comprovadamente feitas em Portugal ou no Brasil. As maisconhecidas são de fabrico Inglês já da segunda década de oitocentos, encomendadas por oficiais Ingleses condecorados com a ordem pela sua participação da Guerra Peninsular (cf. insígnias de comendador da ordem da Torre e Espada - placa e fita com distintivo - do Brigadeiro Dennis Pack, executadas pela firma Rundell Bridge & Rundell, Lote #483, do Catálogo do Leilão de 05.Nov.2003, da Spink’s de Londres.

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militares pela Reforma de 1789, terão levado à «renovação dos hábitos» para acrescentamento do Sagrado Coração de Jesus com o «…emprego de rubis e de esmeraldas»57. As inovações introduzidas pela reforma mariana relativas às insígnias – as bandas e as placas ou sobrepostos – constituíram deste modo, um marco que permite distingui-las das insígnias usadas no período anterior. No caso das «placas» o que se sabe ao certo é que nas ordens europeias contemporâneas as mesmas eram geralmente bordadas em fio de ouro e de prata para serem apostas sobre as vestes, como acontecia com as cruzes das antigas ordens militares sobrepostas nos mantos58. Uma excelente e raro exemplar desta época relativa à Ordem de Cristo, que fazia parte da colecção Brouwet, pode hoje ser admirada no Musée Royal de l’Armée de Bruxelas – placa bordada a fio de prata e aplicações em madrepérola, conhecendo-se ainda outras peças em colecções privadas portuguesas59,como as que ilustram a presente obra. Entre as primeiras representações iconográficas do uso da Banda após a Reforma destacam-se os retratos do 4º Marquês de Marialva (1713-1799), Tenente-General e Estribeiro-Mor, ostentando a Banda de Grã-Cruz da Ordem de Santiago, delineados por Joaquim Carvalho da Silva e gravados por Gaspar Fróis Machado, que ilustram a obra de Manuel Carlos de Andrade, Liberal Luz da Nobre Arte da Cavalaria, editada em 1790. Um outro exemplo é o retrato de Luís Pinto de Sousa Coutinho, 1º Visconde de Balsemão, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, ostentando a Banda de Grã-Cruz da Ordem de Avis, em desenho de Domingos Sequeira (1797) e gravura de Francesco Bartolozzi60. Outro testemunho do uso das novas insígnias é o retrato a óleo do 2º Marquês de Pombal, Henrique José de Carvalho e Melo (1748-1812), Presidente do Senado da Câmara de Lisboa, pintado por Domenico Pellegrini em 1805. O marquês, que acompanhou a Família Real na viagem para o Brasil onde viria a falecer, veste casaca ostentando as insígnias de Grã-Cruz da Ordem de Cristo – a banda e, ao que tudo indica, um sobreposto bordado no lado esquerdo61. Tal parece ser corroborado por outro retrato do 2º Marquês de Pombal onde este é representado também com um sobreposto bordado da ordem de Cristo de grande formato e com uma cruz da ordem pendente de uma fita presa à lapela (moda que se inicia a partir da primeira década de oitocentos)62. A transição para o uso de placas metálicas não está ainda estudada mas deve ter surgido apenas no final de setecentos, início de oitocentos, sendo raros os exemplos anteriores. Os estudos de falerística em Portugal estão na infância já que pouco ou nada se tem publicado acerca da matéria

Ordem Militar de S. Bento de Aviz Placa de peito bordada Fio de ouro e prata Fim do séc. XVIII / início do séc. XIX Colecção particular

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Ordem Militar de S. Bento de Aviz Insígnia para Banda de Grã-Cruz Ouro e esmalte. Fim do séc. XVIII / início do séc. XIX Colecção particular

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8. Consequências da Reforma mariana

8º Conde dos Arcos, D. Marcos de Noronha e Brito. Gravura. “Gulielmus Skelton sculpsit, Londini 1816”. Papel: 495x352mm Colecção particular

desde os trabalhos de Artur Lamas, do Coronel Henrique de Campos Ferreira Lima ou de Carlos Ary dos Santos relativos a medalhística. Os escassos estudos que se debruçaram sobre insígnias das ordens portuguesas fizeram-no na óptica da joalharia já que muitas das peças anteriores ao século XIX eram feitas com metais preciosos, diamantes, brilhantes, rubis e outras pedras preciosas63.

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Com estas medidas, contemporâneas do início da Revolução Francesa, procuravam-se atingir tardiamente os objectivos a que aludia também D. Luís da Cunha, promovendo o prestígio das ordens militares, disciplinando os requisitos para a sua mais criteriosa concessão e aproximando-as das suas congéneres europeias – as ordens de cavalaria. Para a reforma também terá porventura contribuído o facto de, por iniciativa do 1º Marquês de Pombal se terem abolido, em 1773, as discriminações jurídicas contra os cristãos-novos, tornando obsoletas as provanças de limpeza de sangue para admissão às ordens64. No entanto, para além da introdução do grau de grãcruz em número restrito e das alterações relativas às insígnias pouco se rompeu com o modelo tradicional, que implicava a realização de habilitações e a inerente fruição de um estatuto social, jurídico e fiscal privilegiado. Dada a natureza jurídica religiosa das ordens militares desfrutando de rendimentos eclesiásticos e com obrigações tributárias para com Roma, a reforma de 1789 só abrangeu, reitera-se, os freires comendadores e cavaleiros, não se aplicando aos clérigos e aos freires conventuais65. Não deixa de ser sintomático, o facto da Reforma de 1789 se ter realizado sem recurso à Santa Sé, com quem Portugal teve relações diplomáticas cortadas de 1760-1770, e que poderá ser interpretado como mais um sinal de reafirmação da tendência Regalista da segunda metade do séc. XVIII66. Foi também a partir desta data que autores estrangeiros

63 Por exemplo, os estudos citados de Nuno Vassalo e Silva e Gonçalo Vasconcelos e Sousa. 64 Com efeito, por Decreto de 25 de Maio de 1773 foram finalmente abolidas as distinções entre cristão-velho e cristão-novo em Portugal, seguindo uma ideia formulada, entre outros, por D. Luís da Cunha. 65 Segundo a Profª Fernanda Olival, no caso da Ordem de Cristo, D. Maria I havia nomeado, em 1787, uma Junta que se reuniu em casa de José Seabra da Silva (1732-1813) e que desencadeou o processo de reforma do Convento de Tomar através de um pedido de autorização a Roma. Tratava-se de pôr termo à reforma de Frei António de Lisboa que, em 1529, transformara os freires clérigos em monges obrigados à clausura. Em 11 de Agosto de 1789, pelo Breve Quaecumque a maioribus, o papa Pio VI autorizava a reforma do convento de Tomar, tendo a mesma sido concluída em três anos por D. Francisco Rafael de Castro (1750-1816), reformador e reitor da Universidade de Coimbra, cf. As Ordens Militares e o Estado Moderno…, pp. 494 e ss. 66 Sobre o Regalismo cf. Zília Osório de Castro, O regalismo em Portugal. António Pereira de Figueiredo, Separata da Revista Cultura, História e Filosofia do Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, Tomo IV, 1987; José Eduardo Franco, Quem Influenciou o Marquês de Pombal? Ideólogos, ideias, mitos e a utopia da Europa do Progresso, in Actas do 3º Colóquio do Pólo de Pesquisa sobre Relações Luso-Brasileiras, 24-25 Abril de 2006, Centro de Estudos do Real Gabinete Português de Leitura, in http://www.realgabinete.com.br/coloquio/3_coloquio_outubro/paginas/12.htm#_ftn9 67 F. Olival, As Ordens Militares e o Estado Moderno…, p. 493. 68 Ibidem, p. 494. 69 Foi isso, precisamente, que impediu o Príncipe Regente D. João, ao chegar ao Brasil em Janeiro de 1808, de recompensar Oficiais Britânicos da Royal Navy com hábitos das antigas ordens militares e, que esteve na base da «renovação» da ordem da Torre e Espada, em Maio de 1808, cf. José Vicente de Bragança, The Order of the Tower and Sword. II Centenary (1808 – 2008), March 2008, em http://www.jvarnoso.com/orders/ordertower.html 70 D’Arcy J. Dacre Boulton, The Curial Orders of Knighthood of the Confraternal Type..., p. 223. 71 Ibidem, p. 232; convirá lembrar que, mesmo após a reforma de 1789, a admissão nas ordens acarretava para quem não o tivesse já, a aquisição do estatuto de nobre. 72 De realçar que os novos Poderes, instalados em 1834 – que haviam decretado a extinção das ordens religiosas e a nacionalização dos seus bens – não sentiram sequer necessidade de alterar a legislação mariana, continuando a aplicá-la em conjunção com os preceitos da Carta Constitucional, sem mais. 73 No quadro europeu, as Guerras Napoleónicas e o elevado número de combatentes envolvidos teve como consequência o aumento considerável de condecorações concedidas a oficias estrangeiros por feitos em combate por parte dos soberanos envolvidos no conflito, designadamente Ingleses, e até à criação de três novas ordens: a Ordem do Crescente fundada pelo Sultão Otomano, após a expulsão dos Franceses do Egipto pelas Forças Britânicas, a Ordem de S. Fernando e do Mérito, criada por Fernando, Rei de Nápoles e da Sicília, em 1800 em reconhecimento do apoio Britânico, atribuída entre outros a Lord Nelson e, a Ordem da Torre e Espada, fundada em 1808, pelo Príncipe-Regente D. João (cf. Francis Townsend, Calendar of Knights: Containing Lists of Knights Bachelors, British Knights of Foreign Orders, Also Knights of the Garter, Thistle Bath, St. Patrick and the Guelphic and Ionian Orders; from 1760 to the Present Time, W. Pickering, 1828, pp. XI-XII & José Vicente de Bragança, ibidem, in http://www.jvarnoso.com/orders/ordertower.html).

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acentuaram o carácter «secular» das antigas ordens militares portuguesas67. Porém, nunca houve a preocupação de explicar o alcance da expressão, remetendo-se no fundo para o facto de os laços com Roma se terem atenuado, ao ponto da reforma ter sido efectuada sem recurso à Santa Sé. Não era portanto, por acaso, que as cartas de concessão das grã-cruzes das três ordens militares eram assinados pelo monarca enquanto tal e não, como governador e administrador das ordens militares, e depois registadas na Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, como bem sublinhou a Doutora Fernanda Olival68. A partir da reforma de 1789, as antigas ordens poderse-ão pois caracterizar como ordens de cavalaria de tipo híbrido, já que mantinham requisitos de nobreza, com excepção da Ordem de Avis, e de confissão religiosa para admissão ao grau de cavaleiro, a par de formalmente continuarem a ser ordens religiosas69. Neste ponto, não seguimos pois o Prof. D’Arcy Boulton para quem as antigas ordens militares se tornaram ordens de cavalaria monárquicas a partir da união dos mestrados à Coroa no século XVI70 e, com a reforma de 1789, se transformaram em multi-class orders of Merit (ordens de mérito com vários graus), segundo o modelo da Ordem de S. Luís71. A reforma de 1789 não veio contudo a ter os resultados esperados já que depressa se verificou uma proliferação de concessão de hábitos, sobretudo sob a Regência do Príncipe D. João e após a sua subida ao trono, o que é explicável pelos tempos conturbados que se viveram na agitada transição para o século XIX e pela sempre crescente apetência pelas honras que a monarquia dispensava. De qualquer modo, a Reforma Mariana desempenhou um papel chave na longa evolução das ordens militares constituindo como que um elo de ligação entre as vetustas ordens militares e as modernas ordens de mérito que começaram a brotar com o Primeiro Cônsul Napoleão Bonaparte e a generalizar-se após o Congresso de Viena de 181572.

Ordem Militar de Cristo Placa de peito Prata, ouro e esmalte 1º quartel do séc. XIX Museu Militar do Porto

Ordem Militar de Cristo Placa de peito Prata, ouro e esmalte. 1º quartel do séc. XIX. Colecção particular

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9. Renovação do sistema de Honras – as novas ordens de mérito joaninas (1801-1818) Em Portugal, o dealbar do século XIX veria assim surgir novas ordens de mérito fundadas ainda durante a Regência de Dom João, Príncipe do Brasil. A primeira, em 1801 – Ordem de Santa Isabel, exclusivamente destinada a Senhoras e a segunda, a Ordem da Torre e Espada fundada no Rio de Janeiro, para comemorar a chegada da Família Real ao Novo Mundo e destinada a galardoar os Oficiais da Marinha de Guerra Britânica73. E, para comemorar a sua aclamação em 1818, D. João VI criaria, também no Rio de Janeiro, a Ordem de Nossa

Ordem Militar de Cristo Placa de peito. Note-se os furos nas extremidades da estrela, para permitir que seja cosida . Prata, ouro e esmalte1º quartel do séc. XIX Colecção particular

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Ordem Militar de Cristo. Insígnia para pendente de pescoço (grau de Comendador). Prata, ouro e esmalte. 1º quartel do séc. XIX. Colecção particular

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Senhora da Conceição de Vila Viçosa. A persistência de velhos conceitos, outrora julgados caducos, e a sua recuperação por uma nova classe dominante, permitiram que com o advento do Liberalismo se adoptassem as velhas formas e designações às novas instituições, mas ora despidas de conteúdo confessional e sem qualquer conotação espiritual. Sobre estas novas ordens e sobre as demais medalhas e condecorações criadas no início do século XIX, para fazer face à exigência de premiar feitos e serviços militares e civis durante a Guerra Peninsular e nas Campanhas Militares nas quais Portugal se viu envolvido em vários teatros de operações, trata porém em detalhe, o distinto Autor deste livro. Paulo Estrela, há muito apaixonado pela temática Falerística, coleccionador e investigador probo, conseguiu reunir nesta obra a história e a descrição das insígnias das ordens, das medalhas e das condecorações portuguesas do tempo de D. João VI, de forma sistematizada e alicerçada em fontes, algumas oportunamente transcritas. Com interesse para o período estudado, o Autor incluiu igualmente um historial das condecorações estrangeiras atribuídas a Portugueses que combateram na Guerra Peninsular e nos Exércitos

Napoleónicos, com destaque para as condecorações Britânicas. A obra tem o mérito acrescido de ser acompanhada de excelentes e úteis ilustrações com exemplares das várias insígnias e medalhas sobre as quais o estudo se debruça, bem como de listagens de condecorados – «Medal Rolls» – facto de assinalar pelo seu ineditismo em Portugal e de suma importância para o estudo das ordens, medalhas e condecorações portuguesas. Trata-se sem dúvida de um valioso contributo que Paulo Estrela presta à Falerística e à história conturbada do primeiro quartel do século XIX, fértil em acontecimentos provocadores de rupturas na ordem estabelecida, como a partida e permanência da Corte no Brasil, as Invasões Francesas, a permanência em Portugal das tropas Britânicas, a Revolução de 1820, a outorga da Carta Constitucional e a Guerra Civil, culminando com a instauração de jure do liberalismo, em 1834.

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CARTA DE LEI DE 19 DE JUNHO DE 1789 Dona Maria, por graça de Deus, Rainha de Portugal e dos Algarves, de aquém e além-mar em África, Senhora de Guiné, e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia, etc.: faço saber a todos os que esta carta de lei virem, que, pertencendo-me, assim como aos Senhores Reis meus augustos predecessores, desde o Senhor Rei D. João III, o mestrado das três Ordens Militares de Cavalaria de Cristo, S. Bento de Aviz e S. Tiago da Espada, pela bula de união do Santo Padre Júlio III, dada em Roma aos 4 de Janeiro do ano da encarnação de Nosso Senhor de 1551, no segundo ano do seu pontificado; pertencendo-me como Grão-Mestre prover dentro das mesmas ordens tudo quanto parecer conveniente, não só à guarda e observância dos estatutos delas, mas o que for próprio ao seu bem e melhoramento espiritual e eclesiástico, como o praticaram os sobreditos Senhores, movidos da mudança e alterações dos tempos, que faziam necessárias essas providências, ou pelo meio dos capítulos gerais, ou por outros praticados com muito acordo e circunspecção; e pertencendome igualmente como Soberana, pelas mesmas razões da mudança e alteração dos tempos, auxiliar com providências civis e temporárias o bem, melhoramento e autoridade das mesmas Ordens; vendo que de muitos anos a esta parte se tem de maneira confundido e perturbado a dignidade e consideração civil e temporal das ditas ordens, principalmente no provimento dos cavaleiros delas, que a eu não auxiliar com providências próprias e acomodadas a tanta desordem e relaxação, se chegaria por fim ao ponto extremo de elas não serem nem consideradas nem estimadas como insígnias de honra e de dignidade: resolvi com o parecer de muitas pessoas das ordens, do meu Conselho, e outras muito doutas e zelosas do serviço de Deus e meu, e da causa pública do Estado, que nisto se interessa, ordenar aos ditos respeitos, para bem, melhoramento e dignidade civil e politica das três Ordens Militares de Cristo, Aviz e S. Tiago da Espada, o seguinte: I Sendo prática dos Senhores Reis grão-mestres, meus augustos predecessores, usar somente de venera e insígnia da ordem da cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, como eu mesma até ao presente tenho praticado: hei por bem usar daqui em diante distintamente das veneras, medalhas ou insígnias de todas três; não havendo razão para que, sendo Grão-Mestre das três, pareça pela insígnia que o sou somente de uma, devendo antes honrar e prezar a todas. E confio que assim o hão-de observar e guardar os Senhores Reis grão-mestres meus sucessores, pelas mesmas justas e urgentes razões sobreditas, que a mim me movem e obrigam. II Outrossim hei por bem que o Príncipe meu muito amado e prezado filho, como herdeiro do Reino, e os que depois dele o

Bernardim Freire de Andrade e Castro.“G. F. de Queirós gravador de S. Mag. fez”. Papel: 380x285mm. Colecção particular

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Ordem Militar de S. Bento de Aviz. Placa de peito Prata, ouro e esmalte 1º quartel do séc. XIX Colecção particular

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Coronel Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira “Des. Francisco António Silva Oeirense” “Grav. J.V. Sales” Papel: 480x355mm. Colecção particular

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forem, seja Comendador Mor de todas as três Ordens, em razão de ser a dignidade de Comendador Mor, na ordem civil, temporal e politica, a primeira depois do grão-mestre e ser a pessoa a quem toca pelos estatutos governar o mestrado por falecimento do Grão-Mestre, como é expresso no capitulo 30° das definições do Senhor Rei D. Manuel, substanciado no capitulo 34° § 1° da parte I dos estatutos da ordem de Cristo. III Em consequência, hei por bem que o Príncipe Comendador Mor use como tal das veneras e insígnias de todas as três Ordens, por ser de todas Comendador Mor. IV Depois do grão-mestre e do Comendador Mor, as dignidades e distinções nas três Ordens serão gradualmente os Grã-Cruzes, os Comendadores e os Cavaleiros. V Os Grã-Cruzes, que por esta Carta de Lei sou servida criar, serão doze: seis da Ordem de Cristo, três da Ordem de S. Bento de Aviz e três da Ordem de S. Tiago da Espada. VI Os Infantes serão Grã-Cruzes da Ordem ou Ordens em que forem providos, sem que se espere pela idade, nem se entenda que entra no número dos doze.

VII À dignidade de Grã-Cruz somente será promovida pessoa que por qualidade preeminente, ou por serviços militares ou políticos, se faça recomendável e benemérito dela, devendo reservarse ao supremo arbítrio do grão-mestre o pesar individualmente e com a maior circunspecção as circunstâncias dos que se propuser honrar com esta distinção, considerando que deixará de ser prezada logo que se facilitar sem toda a prudência. VIII Ninguém será promovido antes da idade de quarenta anos. IX Nunca se dará senão em vida, nem se entenderá feita mercê de Grã-Cruz em mais da vida do provido, ainda que pelos seus serviços relevantes se lhe conceda, com os termos mais expressos, mercê de vidas em todos os bens das ordens que tiver. X Nenhum será Grã-Cruz sem ser Comendador, pelo que, sendo, algum já Comendador promovido a Grã-Cruz, se concederá a mercê designando-se a comenda que tem, ou uma das que tem, e denominando-se por ela Grã-Cruz da Ordem, por exemplo: “Hei por bem elevar a F..., Duque, Marquês, Conde, Tenente-General, etc., Comendador, à dignidade de Grã-Cruz da Ordem...na dita Comenda”. XI Não tendo porém comenda aquele que, por qualidade, serviços e merecimentos se faz digno da honra e dignidade de Grã-Cruz, deverá juntamente fazer-se-lhe mercê de uma comenda, que lhe sirva como de título ou grau para a promoção. XII A insígnia ou venera de Grã-Cruz será mandada pelo GrãoMestre ao provido, acompanhada de uma Carta Régia, que lhe servirá e título. Por morte do Grã-Cruz, se restituirá a medalha, entregando-se ao Secretário de Estado dos Negócios do Reino, para a apresentar ao Grão-Mestre. XIII A insígnia, venera ou medalha de Grã-Cruz será a mesma em substância que por esta carta deverá ser a dos Comendadores, com a diferença porém aqui declarada. XIV Os Grã-Cruzes, somente à diferença dos Comendadores, poderão trazer a medalha pendente em banda lançada do ombro direito ao lado esquerdo sobre o vestido. A banda deverá ser da cor distintiva da ordem em que cada um for Grã-Cruz. XV Poderá contudo o Grã-Cruz usualmente deixar de trazer a medalha em banda sobre o vestido, substituindo-lhe nesse caso a fita sem medalha por baixo do vestido e sobre a veste lançada do ombro ao lado, como se pratica em outras ordens. Deverá porém neste caso usar do distintivo da ordem, ou em medalha pendente ao pescoço, ou do vestido ou na chapa, que deverá sempre trazer em publico.

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XVI Os Grã-Cruzes terão sempre preferência aos Comendadores, ainda que estes sejam mais antigos na ordem. XVII Além das prerrogativas e honras que como Grã-Cruzes lhes ficam pertencendo, sou servida que se lhes dê tratamento de Excelência, quando por outro título lhes não pertença, bem entendido que, atenta a qualidade, graduação, merecimentos e serviços que devem verificar-se no provido, será muito raro que estas circunstâncias concorram em pessoa que não tenha já por outro título o dito tratamento. XVIII Querendo conservar na memória as antigas dignidades das Ordens, quais eram depois do Comendador Mor, o Claveiro e o Alferes, ordeno que dos Grã-Cruzes um seja o Claveiro e o outro o Alferes, e que como tais tenham cada um preferência aos outros Grã-Cruzes. XIX Entre as dignidades e Grã-Cruzes, havendo concorrência, se observará a ordem seguinte: o Grã-Cruz Claveiro, e depois dele o Grã-Cruz Alferes, terão preferência aos outros GrãCruzes, e a preferência destes será regulada pela antiguidade da sua criação. XX Todos os Grã-Cruzes da Ordem de Cristo precederão em concurso aos de Aviz, e estes aos de S. Tiago, entendendo-se que esta precedência é ordenada em beneficio da regularidade e ordem, sem que dela se possa concluir nem pretender que os Grã-Cruzes de S. Tiago são inferiores aos de Cristo. XXI Os Comendadores das três Ordens, concorrendo como tais, precederão sem divisão de ordem, segundo a antiguidade de Comendadores. XXII Os Comendadores serão os mesmos que até agora, devendo distinguir-se dos Grã-Cruzes somente em não poderem trazer a venera ou medalha em banda, mas somente ou pendente do vestido ou ao pescoço. Porém, tanto os Grã-Cruzes como os Comendadores deverão trazer sempre em público a chapa ou sobreposto bordado sobre o vestido. XXIII As medalhas ou veneras dos Grã-Cruzes ou dos Comendadores deverão ser diferentes dos cavaleiros, da maneira seguinte: XXIV Propondo-me estabelecer e deixar à posteridade um monumento da minha particular devoção ao Santíssimo Coração de Jesus, trazendo à memória que o Senhor Rei D. Sebastião, para demonstração da sua ao santo do seu nome, tinha resoluto ornar a ordem de Cristo com a insígnia de uma seta atravessada sobre a cruz: hei por bem que os Grã-Cruzes, os Comendadores das três

Ordem Militar de Santiago da Espada Insígnia para pendente de pescoço (grau de Comendador). Prata, ouro e esmalte 1º quartel do séc. XIX Colecção particular

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General Pedro Folque.“St.ª Barbara, 1843” “Lith. de M.L. da C.ª” Papel: 355x325mm. Instituto Geográfico Português

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Ordens e nenhuns outros Cavaleiros tragam para se distinguirem sobre a cruz das suas veneras um coração e que também o tragam na chapa ou sobreposto bordado no vestido. XXV Tanto os Grã-Cruzes como os Comendadores que estiverem na Corte no dia do Coração de Jesus assistirão à festividade que se faz na igreja do Santíssimo Coração de Jesus do Convento da Estrela. XXVI Da mesma sorte que os Grã-Cruzes e Comendadores de cada uma das Ordens, devem assistir à festividade do seu orago, como está mandado nos estatutos das mesmas ordens. XXVII Os Cavaleiros das três ordens guardarão em tudo na observância, insígnias e veneras o mesmo que até agora. XXVIII Quanto porém à criação e provimento deles, para desterrar confusões e restituir quanto for possível estas coisas a melhor ordem que deve haver, ordeno o seguinte em regra: XXIX Que a Ordem de S. Bento de Aviz seja destinada para premiar e ornar o corpo militar, de sorte que despachando-se os serviços militares, políticos ou civis, em beneficio de militar, que sirva no exército da terra ou mar, deverá ser o despacho

em lugar de outro, como até agora, com o Hábito de S. Bento de Aviz. Tendo-se entendido que para este efeito se não devem considerar do corpo militar os Oficiais dos Auxiliares que não servirem em tempo de guerra. Em atenção ao corpo militar e aos serviços militares, hei por bem dispensar a todos os do corpo militar a quem for servida premiar com o Hábito de Aviz, do todas o quaisquer inquirições e habilitações que até agora se requeriam pelos estatutos, que nesta parte hei por revogados. XXXI Outrossim, em regra, os despachos em benefício de pessoa que sirva na magistratura até o lugar de desembargador dos agravos da Casa da Suplicação inclusive, será o Hábito de S. Tiago. XXXII Alem dos magistrados, serão premiados com esta ordem outros serviços que parecerem dignos dela, segundo a qualidade e importância das pessoas, dos empregos e dos serviços. XXXIII Os maiores postos e cargos políticos, militares e civis serão ornados, havendo serviços, com o Hábito da Ordem de Cristo. XXXIV Bem entendido que a qualidade das pessoas e dos serviços despachados e outras particulares circunstâncias que ocorram, deverão fazer excepção e alterar esta regra. XXXV Os Cavaleiros das três Ordens não poderão usar do distintivo do coração, somente apropriado às medalhas dos GrãCruzes e Comendadores. XXXVI Estabeleço que daqui em diante se não pretenda mercê de hábito das Ordens, com faculdade de renunciar infinitamente; tendo entendido e resoluto abolir estas renuncias como destrutivas da decência e dignidade das ordens, e somente será permitido impetrar o despacho para certa e determinada pessoa, de cuja qualidade e circunstâncias se tome exacto conhecimento antes de se deferir ao impetrante. XXXVII Declaro que é incontestável o poder e autoridade do GrãoMestre, para conferir a dignidade de Grã-Cruz ao Comendador ou Cavaleiro da Ordem, fazendo passar, por exemplo, um Cavaleiro da Ordem de Aviz a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Pelo que mando à Mesa do Desembargo do Paço, Mesa da Consciência e Ordens, Presidente do meu Real Erário, Regedor da Casa da Suplicação, Conselhos da minha Real Fazenda e do Ultramar, Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação destes Reinos e seus Domínios, Governador da Relação e Casa do Porto, ou quem em seu lugar servir e a todos os Vice-Reis, Capitães-generais, Governadores do Reino e Domínios Ultramarinos, Desembargadores, Corregedores,

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Provedores, Ouvidores, Juízes e mais Oficiais, a quem o conhecimento desta Carta de Lei pertença e haja de pertencer, que a cumpram, guardem, hajam de cumprir e guardar tão inteira e inviolavelmente como se contém, sem dúvida ou embargo algum, qualquer que ele seja. E ao Doutor José Ricalde Pereira do Castro, do Meu Conselho, Meu Desembargador do Paço e Chanceler Mor destes Reinos, ordeno que a faça publicar na Chancelaria, passar por ela e registar nos livros dela a que tocar, remetendo os exemplares dela, impressos debaixo do meu selo e seu sinal, a todos os lugares e estações a que se costumam remeter semelhantes cartas de lei e guardandose o original desta no meu Real Arquivo da Torre do Tombo. Dada no Palácio de Lisboa, em 19 de Junho de 1789. = A Rainha, com guarda. =José de Seabra da Silva. Carta de Lei pela qual Vossa Majestade há por bem ordenar novas providências e regulamentos para bem, melhoramento e dignidade civil e politica das três Ordens militares de Nosso Senhor Jesus Cristo, S. Bento de Aviz e S. Tiago da Espada, criando Grã-Cruzes, regulando as insígnias e distintivos delas, dos Comendadores e Cavaleiros, e dispondo a este respeito o mais que nela vai declarado. — Para Vossa Majestade ver. – Francisco José de Oliveira a fez. DECRETO DE 20 DE JULHO DE 1789 Não sendo praticável que a Carta de Lei de 19 de Junho do presente ano, sobre a reformação das três ordens militares de Nosso Senhor Jesus Cristo, de S. Bento de Aviz e de S. Tiago da Espada possa ter execução imediatamente que for publicada, em razão de faltarem aos Grã-Cruzes e Comendadores as veneras e insígnias de que, segundo a carta, devem usar: por isso, e para lhes dar o espaço de tempo necessário, e também por outros justos motivos que tenho presentes, sou servida ordenar que a dita carta não principie a ter execução antes do mês de Novembro e no dia que eu houver por bem insinuar. E para vir à notícia de todos, ordeno que este com a dita carta se publique na Chancelaria Mor do Reino, e que no fim dela se imprima. Palácio de Lisboa, em 20 de Julho de 1789.= Com a rubrica de Sua Majestade. ALVARÁ DE 15 DE SETEMBRO DE 1789 Eu a Rainha faço saber aos que este Alvará de declaração com força de Lei virem, que, tendo resoluto na Carta de Lei de 19 de Junho deste ano, cuja execução deferi pelo Decreto de 20 de Julho para o mês de Novembro, ou para o dia que eu fosse servida insinuar, que entre os Grã-Cruzes das três diferentes Ordens de Cristo, Aviz e S. Tiago, novamente criados, se considerasse uma tal igualdade, que os de uma ordem se não pudessem entender inferiores ou superiores aos da outra; e tendo

Ordem de Santiago da Espada Placa de peito Prata, ouro e esmalte 1º quartel do séc. XIX Colecção Dr. Fernando Mascarenhas Cassiano Neves

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Ordem Militar de S. Bento de Aviz Placa de peito Prata, ouro e esmalte 1º quartel do séc. XIX Colecção particular

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ORDENS E CONDECORAÇÕES PORTUGUESAS

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outrossim resoluto suscitar as antigas dignidades das ditas ordens, como Claveiro e Alferes, anexando-as aos ditos GrãCruzes, sou servida com o mesmo espírito e fim declarar e fixar as ditas resoluções, para que distinta e precisamente tenham a sua devida execução no tempo e dia que eu insinuar, na maneira seguinte: hei por bem declarar e ordenar que entre todos os doze Grã-Cruzes que fui servida criar pela referida Carta de Lei, haja uma perfeita igualdade, sem diferença de ordem, isto é, ou sejam de S. Tiago, ou de Cristo, ou de Aviz, e sejam ou não sejam decorados com as dignidades de Claveiro ou de Alferes; devendo-se entender que nos actos e festividades em que concorrerem todos como Grã-Cruzes, não há-de haver outra precedência que não seja a da Corte; observando-se entre todos os ditos Grã-Cruzes das diferentes ordens a regularidade e etiqueta que na minha Corte em solenidade se guarda e deve guardar. Nos actos, porém, e festividades em que represente cada uma das três Ordens, singularmente, sem concurso necessário das outras, deverá ser a ordem preceder a todos o Grã-Cruz Claveiro e depois dele o Alferes, seguindose os Grã-Cruzes ou Grã-Cruz, aos quais precederão as ditas dignidades, posto que sejam mais modernas na criação, guardando-se nestes casos a regularidade estabelecida nos Estatutos de cada uma das ordens a respeito das dignidades delas, e não a etiqueta e ordem da minha Corte. Pelo que mando à Mesa do Desembargo do Paço, Mesa da Consciência e Ordens, Presidente do meu Real Erário, Regedor da Casa da Suplicação, Conselhos da minha Real Fazenda e do Ultramar, Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação destes Reinos e seus Domínios, Governador da Relação e Casa do Porto, ou quem em seu lugar servir, e a todos os Vice-Reis, Capitães-generais, Governadores do Reino e Domínios Ultramarinos, Desembargadores, Corregedores, Provedores, Ouvidores, Juízes e mais Oficiais a quem o conhecimento deste Alvará com força de Lei pertença e haja de pertencer, que o cumpram, guardem, hajam de cumprir e guardar tão inteira c inviolavelmente como nele se contém, sem dúvida ou embargo algum, qualquer que ele seja. E ao Doutor José Ricalde Pereira do Castro, do Meu Conselho, Meu Desembargador do Paço e Chanceler Mor destes Reinos, ordeno que a faça publicar na Chancelaria, passar por ela e registar nos livros dela a que tocar, remetendo os exemplares dela, impressos debaixo do meu selo e seu sinal, a todos os lugares e estações a que se costumam remeter semelhantes cartas de lei e guardando-se o original desta no meu Real Arquivo da Torre do Tombo. Dado no Palácio de Queluz, em 15 de Setembro de 1789. = Rainha, com guarda. = José de Seabra da Silva. Alvará com força de Lei, pelo qual Vossa Majestade há por bem declarar e ordenar que entre os doze Grã-Cruzes das três Ordens Militares de Cristo, Aviz e S. Tiago, que foi servida

criar pela Carta de Lei de 19 de Junho do presente ano, haja uma perfeita igualdade, observando-se sobre isto a regularidade e etiqueta estabelecida na Corte, exceptuando os casos das festividades singulares de cada uma das ditas Ordens, nos quais se determina outra ordem de precedência, tudo na forma acima declarada. – Para Vossa Majestade ver. = Francisco José de Oliveira o fez. ALVARÁ DE 10 DE JUNHO DE 1796 Eu a Rainha faço sabor aos que este Alvará de declaração com força de Lei virem, que, tendo estabelecido na Carta de Lei de 19 de Junho de 1789, que entre os Grã-Cruzes das três diferentes Ordens de Cristo, Aviz e S. Tiago, novamente criados, se considerasse uma tal igualdade, que os de uma Ordem se não pudessem entender inferiores ou superiores aos da outra; e havendo pelo Alvará de 15 de Setembro do dito ano de 1789 declarado mais expressamente que entre todos os doze GrãCruzes houvesse uma perfeita igualdade sem diferença de ordem, isto é, ou fossem de S. Tiago, ou de Cristo, ou de Aviz, fossem ou não fossem decorados com as dignidades de Claveiro ou Alferes: sou informada que a desigualdade do número nas Grã-Cruzes das duas Ordens de S. Tiago e de S. Bento de Aviz, havendo em cada uma delas só três, a respeito da Ordem do Cristo, em que há seis, dava lugar ainda a questionar-se sobre a igualdade entre as mesmas Ordens; para terminar estas escrupulosas questões, e por outras considerações mais ponderosas e dignas da minha real atenção e serviço: hei por bom criar novamente seis Grã-Cruzes, três na Ordem de S. Tiago da Espada e três na de S. Bento de Aviz, ficando assim cada uma destas Ordens com seis Grã-Cruzes, como há na Ordem de. Cristo. E porquanto depois de estabelecida a igualdade entre as GrãCruzes, e depois de regulada pela dita Carta de Lei de 19 de Junho de 1789 a distinção entre Grã-Cruzes e Comendadores, tem havido alguma confusão entro os Comendadores e os Cavaleiros, entendendo-se mal o disposto principalmente nos § XXII, XXIII e XXIV da Carta de Lei: hei por bem declarar, se necessário é, que a Chapa ou bordado, ou qualquer outra coisa que afecte distinção de Ordem, sobreposta no vestido, somente é mandada e permitida aos Grã-Cruzes e aos Comendadores na forma ordenada, e proibida aos Cavaleiros debaixo das penas e multas que, segundo as circunstâncias, deverão aumentar-se à proporção dos abusos. Para evitar outra confusão que de mais antigo tempo tem havido entre a Ordem de S. Tiago e de Cristo, e que de pouco tempo a esta parte se tem feito mais reparável, em razão de serem uniformes na cor as bandas e fitas da Ordem do Cristo e da Ordem de S. Tiago: hei por bem ordenar, para distinção entre estas Ordens, que a cor da Ordem de S. Tiago seja violeta daqui em diante, e que de fitas e bandas desta cor, segun-

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do os padrões que estão determinados, pendam as medalhas e veneras. Pelo que mando à Mesa do Desembargo do Paço, Mesa da Consciência e Ordens, Presidente do meu Real Erário, Regedor da Casa da Suplicação, Conselhos da minha Real Fazenda e do Ultramar, Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação destes Reinos e seus Domínios, Governador da Relação e Casa do Porto, ou quem em seu lugar servir, e a todos os Vice-Reis, Capitães-generais, Governadores do Reino e Domínios Ultramarinos, Desembargadores, Corregedores, Provedores, Ouvidores, Juízes e mais Oficiais a quem o conhecimento deste Alvará com força de Lei pertença e haja de pertencer, que o cumpram, guardem, hajam de cumprir e guardar tão inteira c inviolavelmente como nele se contém, sem dúvida ou embargo algum, qualquer que ele seja. E ao Doutor José Alberto Leitão, do Meu Conselho, Meu Desembargador do Paço e Chanceler Mor destes Reinos, ordeno que a faça publicar na Chancelaria, passar por ela e registar nos livros dela a que tocar, remetendo os exemplares dela, impressos debaixo do meu selo e seu sinal, a todos os lugares e estações a que se costumam remeter semelhantes cartas de lei e guardandose o original desta no meu Real Arquivo da Torre do Tombo. Dado no Palácio de Queluz, em 10 de Junho de 1796. = Com a assinatura do Príncipe com guarda.

D. Miguel Pereira Forjaz Coutinho Gravura. ”D. Esquioppeta pinxit” “F. T. de Almeida sculp” “F. Bartolozzi corregio” Papel: 200x170mm Colecção particular

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