As origens da agricultura na América do Sul

June 22, 2017 | Autor: Charles R. Clement | Categoria: Amazonia, Historical Ecology, Domestication
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In: Veiga, Renato Ferraz de Arruda & Queiróz, Manoel Abilio (Eds.) 2015. Recursos fitogenéticos: a base da agricultura sustentável no Brasil. Editora da Universidade Federal de Viçosa, Viçosa. pp. 30-38 As origens da agricultura na América do Sul Charles R. Clement, Fábio de Oliveira Freitas, Roberto Lisbôa Romão 1. Introdução Qualquer resumo do estado atual dos recursos fitogenéticos no Brasil e no mundo (o objetivo deste livro) deveria incluir um resumo das ideias sobre as origens da agricultura (o objetivo deste capítulo), pois são nestas origens que a maioria dos recursos genéticos foi criada. A agricultura é um sistema de produção de alimentos e outros produtos úteis que surgiu independentemente em diversas regiões do mundo, tendo no Oriente Médio seu local de surgimento mais antigo, onde sua expressão mais clara é o cultivo dos campos, a origem etimológica do termo (Harlan, 1992). Nas Américas, como em outras partes do mundo, a horticultura (o cultivo de jardins) e a arboricultura (o cultivo de árvores) foram tão ou mais importantes que a agricultura durante a coalescência dos sistemas de produção. Essa coalescência é algo recente na historia humana (Rindos, 1984), pois ocorreu na primeira metade do Holoceno, entre 9.000 anos atrás no Oriente Médio e 5.000 anos atrás na Amazônia (Piperno & Pearsall, 1998). Para um sistema coalescer, os componentes precisam existir de antemão, ou seja, as origens das populações de plantas domesticadas e das práticas de manejo destas espécies antecederam aos sistemas. Essas origens são parte do conjunto de comportamentos que permitiram aos humanos dominar o mundo. 1.1. Os comportamentos: ferramentas, artes, deuses e domesticações O Homo sapiens sapiens se originou na África entre 300.000 e 200.000 anos atrás, mas foi somente com o aparecimento de humanos anatomicamente modernos que nossa espécie adquiriu o conjunto de comportamentos que permitiu a expansão por todo o planeta (Rito et al., 2013). Entre 100.000 e 50.000 anos atrás diferentes populações de humanos anatomicamente modernos em diversas partes de África desenvolveram novas técnicas de fabricar ferramentas cada vez mais sofisticadas, e aparecerem a arte rupestre, esculturas e ornamentos pessoais, demonstrando um aumento na importância de símbolos. Estas novidades sugerem mudanças cognitivas, provavelmente incluindo linguagem mais sofisticada e crenças no sobrenatural (Rito et al., 2013). É muito provável que este conjunto de comportamentos inclua também as práticas que resultariam na domesticação de paisagens e populações de plantas e animais (Rindos, 1984). 1.2. A domesticação da paisagem e a domesticação de populações de plantas A domesticação de paisagens é um processo tanto inconsciente como consciente, onde a intervenção humana na paisagem resulta em mudanças na ecologia da paisagem e na demografia de suas populações de plantas e animais, resultando numa paisagem mais produtiva e „segura‟ para humanos (Clement, 1999a; Clement et al., 2009). Por ser um processo, a intensidade de intervenção pode variar e é útil definir algumas categorias de paisagens ao longo de um contínuo, desde intocada à cultivada:  Intocada: uma paisagem na qual humanos não tem manipulado o ambiente, nem as populações de plantas ou animais;



Promovida: uma paisagem na qual plantas individuais e/ou populações de plantas úteis são favorecidas por meio de eliminação ou poda de algumas plantas competidoras ou pela expansão da transição florestal;  Manejada: uma paisagem na qual a abundância e diversidade de populações de plantas úteis são favorecidas por meio de redução de competição, expansão da transição florestal, e melhoria do ambiente para seu crescimento e reprodução;  Cultivada: uma paisagem totalmente transformada pela eliminação, por meio da derrubada e queima, do ecossistema original, aração localizada ou extensiva, gradeação do solo, capina ou roçagem de ervas daninhas, poda, adubação e uso de coberturas mortas ou vivas, irrigação e outras técnicas em qualquer combinação para favorecer o crescimento e reprodução das plantas cultivadas. A domesticação de populações de plantas é um processo coevolucionário em que ocorre a seleção humana, inconsciente e/ou consciente, nos fenótipos de indivíduos ou populações de plantas silvestres, promovidas, manejadas ou cultivadas, que resulta em mudanças nos genótipos das populações que as tornam mais úteis aos humanos e melhor adaptadas às suas intervenções na paisagem (Clement, 1999a; Clement et al., 2009). A ênfase na palavra populações é importante, pois a evolução, a coevolução e a domesticação atuam ao nível destas, antes de espécies, embora seja comum dizer que uma espécie é domesticada. Por ser um processo evolucionário, o grau de mudança fenotípica e genotípica na população pode variar, e é útil definir algumas categorias de populações ao longo do contínuo de silvestre à domesticada:  Silvestre: uma população naturalmente evoluída cujos genótipos e fenótipos não têm sido modificados pela intervenção humana;  Incidentalmente coevoluída: uma população voluntária que se adapta em ambientes perturbados por humanos, possivelmente sofrendo mudanças genéticas, mas sem seleção ou outra intervenção humana (estas populações são chamadas de ervas daninhas pelos agrônomos e são muito importantes na origem de plantas cultivadas (Harlan, 1992);  Incipientemente domesticada: uma população que tem sido modificada pela seleção e intervenção humana, cujo fenótipo médio ainda está dentro da variação encontrada na população silvestre para os caracteres sujeitos à seleção; a variância deste fenótipo médio poderá ser menor do que o da população silvestre, pois a seleção já começou a reduzir a variância genética;  Semidomesticada: uma população que tem sido modificada de forma significante pela seleção e intervenção humana, cujo fenótipo médio provavelmente extrapola a variação encontrada na população silvestre para os caracteres sujeitos à seleção; a variância deste fenótipo médio pode ser maior que a da população silvestre porque a variação agora inclui tipos comuns e tipos novos; a variação genética terá sido reduzida ainda mais pela seleção; no entanto, as plantas mantém suficiente adaptação ecológica para sobreviver no ambiente caso cesse a intervenção humana;  Domesticada: uma população similar à anterior, mas cuja adaptação ecológica tem sido reduzida a tal ponto que somente poderá sobreviver em paisagens criadas por humanos, especificamente em paisagens cultivadas ou intensivamente manejadas; a variação genética terá sido reduzida ainda mais por seleção, especialmente a parte da variação genética responsável pela adaptação ecológica.

Nem todas as espécies com populações domesticadas por humanos contêm exemplos de todas essas categorias. Em espécies com populações domesticadas espera-se encontrar exemplos em todas as categorias, embora algumas possam estar extintas atualmente e apenas serem identificáveis nos registros arqueológicos. Espécies que contêm apenas populações incipientemente domesticadas são comuns na Amazônia e algumas são muito importantes, como a castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa Kunth) e os açaís (Euterpe oleracea Mart. e E. precatoria Mart.). Entre as mais de 3.000 espécies com populações domesticadas em algum grau a nível mundial é esperado que haja mais nas categorias menos modificadas e menos nas categorias mais modificadas, uma vez que existem espécies cujo uso cultural não exige maior domesticação. 1.3. As síndromes de domesticação Os caracteres que mais interessam aos humanos variam de espécie para espécie e sempre são pequeno em número. Em qualquer população domesticada o conjunto de caracteres modificados compõe sua síndrome de domesticação (Meyer et al., 2012). Os caracteres modificados mais frequentes nas síndromes descritas até o momento incluem aumento de tamanho da parte útil, mudanças no teor de metabolitos secundários nocivos, perda de mecanismos de dispersão, perda de mecanismos de defesa física, mudanças no hábito, mudanças na estratégia de reprodução e mudanças na adaptação ao meio natural (Meyer et al., 2012). A intensidade de seleção destes caracteres pode ser forte, o que reduz dramaticamente a variabilidade genética no loco responsável pela expressão do caráter ou, mais frequentemente, nos locos reguladores da expressão do caráter (Pickersgill, 2009). Mudanças nos caracteres da síndrome ao longo do tempo arqueológico também permitem determinar o tempo mínimo de duração do processo de domesticação (Piperno, 2011), embora muito tempo certamente passasse antes que as primeiras mudanças pudessem ser visíveis no registro arqueológico (Rindos, 1984). 2. A linha do tempo na América do Sul As Américas foram os últimos continentes ocupados por humanos anatomicamente modernos, mas existem controvérsias sobre quando, quantas vezes e a origem das populações que chegaram. Não vamos examinar este assunto, porque não é central a nossa discussão, mas vale mencionar que os primeiros humanos chegaram à América do Sul entre 20.000 (Lahaye et al., 2013) e 15.000 anos atrás (Dillehay et al., 2008). Quando chegaram, parte seguiu os Andes na direção Sul, e foi ocupando regiões mais elevadas e mais austrais conforme o clima melhorou após 11.000 anos atrás (Pearsall, 2008), e outra parte adentrou pelas terras baixas (Keyeux et al., 2002). Esta diferenciação entre os grupos em termos genéticos e linguísticos permanece até o presente, embora sabe-se que intercambiaram recursos fitogenéticos e outras tecnologias. Vale ressaltar que os grupos que chegavam se comportavam como humanos modernos, incluindo os comportamentos envolvidos com as domesticações, o que contradiz o estereotipo de caçador-coletor citado na maioria das publicações sobre a ocupação das Américas. 2.1. As primeiras domesticações - no final do Pleistoceno Quando grupos humanos chegam em uma nova área comumente estabelecem um acampamento em um local estratégico, que tenha água e recursos naturais nas proximidades para sua subsistência. Logo em seguida, começa a surgir uma lixeira, que também se torna o palco para a iniciação de plantios e a domesticação de populações de

plantas úteis (Anderson, 2005; Clement et al., 2009). O primeiro registro de domesticação de plantas na América do Sul aparece no litoral Pacifico do Equador ao redor de 12.000 anos atrás (Piperno & Stothert, 2003), e sua domesticação provavelmente se deu mais cedo ainda devido ao intervalo que sempre ocorre entre o evento fundador e modificações morfológicas (Rindos, 1984). A espécie alvo foi Cucurbita ecuadorensis Cutler & Whitaker, que deveria ter crescida com facilidade nas lixeiras dos primeiros assentamentos humanos. No entanto, mesmo sendo comuns na época, suas populações em vias de domesticação foram abandonadas com a chegada das aboboras mais domesticadas de outras localidades (Piperno & Stothert, 2003). É esperado que outras origens de domesticação também fossem associadas com os primeiros sinais de domesticação da paisagem, tanto na forma de uso das lixeiras, como da horticultura, mesmo que incipiente. 2.2. Espécies domesticadas na América do Sul A América do Sul contem numerosos biomas, a maioria com um conjunto de espécies factíveis de domesticação. No entanto, os Andes e a Amazônia foram os principais locais de domesticação de plantas e animais (Clement, 1999b), com menos espécies domesticadas ao norte e ao sul da Amazônia. No início do século passado, Vavilov (1992) identificou e mapeou centros de diversidade de plantas cultivadas na região Andina do Peru e Bolívia, e também da Colômbia. No fim do mesmo século, Clement (1999a,b) identificou e mapeou centros de diversidade na Amazônia, com algumas concentrações de diversidade em outras partes de América do Sul (Figura 1), sempre usando os mesmos métodos de Vavilov para identificar concentrações de diversidade, assim como as ideias de Hawkes (1983) para mapear o mosaico hierárquico das concentrações. É importante reconhecer que centros de diversidade não são necessariamente centros de domesticação; portanto, as escassas informações sobre os centros de domesticação a seguir sempre devem ser comparadas com os centros de diversidade para compreender como os cultivos foram dispersos na América do Sul após suas domesticações.

Figura1. Biogeografia dos recursos genéticos de América do Sul em 1500 dC (Clement, 1999b). Centros de diversidade: 1. Noroeste da Amazônia; 2. Amazônia Central; 3. PeruBolívia; 4. Colômbia. Centros de diversidade menores: 5. Ilha de Marajó; 6. Llanos de Mojos; 7. Médio Orinoco; 8. Guiana; 9. Litoral Peruano. Regiões de diversidade: 10. Altitudes médias Andinas Colômbia-Equador-Peru-Bolívia; 11. Guarani; 12. Estuário Amazônico; 13. Solimões; 14. Alto Negro/Orinoco; 15. Alto Amazonas; 16. Litoral das Guianas; 17. Norte de Argentina; 18. Mata Atlântica; 19. Litoral do Nordeste Brasileiro.

2.3.1. Os Andes A região andina engloba a cordilheira dos Andes e áreas imediatamente adjacentes, que incluem desertos, principalmente ao longo do litoral de Peru e Chile, e florestas tropicais, tanto do litoral norte de Peru até Colômbia, como do lado oriental. É raro identificar uma domesticação nos registros arqueológicos, como foi o caso da C. ecuadorensis mencionada anteriormente. O mais comum é se encontrar materiais parciais que não permitem detectar o local exato do início da domesticação. Na região andina do Equador e Colômbia, Cucurbita moschata (Duchesne) Duchesne ex Poiret, Calathea allouia (Aublet) G. Meyer, Maranta arundinacea L., Dioscorea trifida L., aparecem entre 11.000 e 7.000 anos atrás, junto com Lagenaria siceraria (Molina) Standley, da África, Persea americana Miller, da América Central, Manihot esculenta Crantz, do sudoeste da Amazônia e, finalmente, Zea mays L., do México (Pearsall, 2008; Piperno, 2011). Na região andina do Peru, Phaseolus vulgaris L., Inga feuillei DC., Gossypium barbadensis L. e Erythroxylum spp. aparecem no mesmo intervalo, junto com Lagenaria siceraria, da África, Ipomoea batatas (L.) Lam., do noroeste da Amazônia e sudoeste da bacia do rio Orinoco, Arachis hypogaea L. e M. esculenta do sudoeste da Amazônia, e Z. mays de México (Pearsall, 2008; Piperno, 2011). Conforme os grupos humanos subiram na cordilheira entre 10.000 e 7000 anos atrás começaram a domesticar as espécies mais conhecidas da região (Pearsall, 2008): Solanum tuberosum L., Oxalis tuberosa Molina, Tropaelum tuberosum Ruiz & Pavon, Ullucus tuberosus Loz, e Pachyrhizus ahipa (Wedd.) L. Parodi, bem como Chenopodium quinoa Willd., C. pallidicaule Aellen e Amaranthus caudatus L.. Todas são dos Andes peruanos e formam o núcleo dos cultivos que chamou atenção de Vavilov (1992). Nos Andes bolivianos, aparecem Capsicum baccatum L. e C. pubescens Ruiz & Pavon, a segunda de altitudes maiores. Ao longo da cordilheira, em altitudes moderadas as fruteiras Annona cherimolia Miller, Carica pubescens (A. DC.) Solms-Laub., Solanum muricatum Aiton, Cyphomandra betacea (Cav.) Sendtner e Pouteria lucuma O. Ktze., foram domesticadas, e outras aparecem trazidas das terras baixas, como Bunchosia armeniaca Rich. ex Kunth, Psidium guajava L. e Bixa orellana L. (Pearsall, 2008). As expedições do grupo de Vavilov (1992) identificaram 67 espécies com populações domesticadas no centro de diversidade dos Andes. 2.3.2. A Amazônia A região amazônica engloba uma diversidade de ecossistemas, incluindo florestas abertas e densas, áreas de cerrado e savana, principalmente no sul, mas também no noroeste e centro norte, e grandes áreas úmidas. Uma das características mais marcantes da região é a diversidade de tipos de água nos rios: água branca, ricos em sedimentos e nutrientes descendo dos Andes; água preta, ricos em ácidos húmicos e pobres em nutrientes descendo do escudo das Guianas e se originando também dentro da bacia sedimentar; e água clara, pobre em nutrientes descendo do escudo de Brasil Central. Os ecótonos entre as florestas abertas e os cerrados do sul e do norte da Amazônia, como também as florestas abertas altamente dinâmicas do oeste da bacia, ofereceram numerosas espécies úteis e são justamente nestas periferias da Amazônia que as domesticações se iniciaram (Clement et al., 2010). Embora exista pouca informação arqueobotânica sobre as plantas domesticadas na Amazônia, é possível supor que as domesticações se iniciaram muito cedo, já que populações em vias de domesticação desta região aparecem na cronologia arqueológica da região andina entre 10.000 e 7000 anos atrás (Clement, 1999a; Pearsall, 2008; Piperno, 2011).

A lista de espécies com populações domesticadas nativas da Amazônia é maior que a lista andina, com pelo menos 83 espécies (Clement, 1999a). Três das mais importantes já foram mencionadas, M. esculenta, A. hypogaea, e I. batatas; outras incluem Theobroma cacao L., Ananas comosus (L.) Merr., Capsicum chinense Jacq., Bactris gasipaes Kunth e Paullinia cupana Kunth (Clement et al., 2010). Entre as espécies com populações de domesticação incipiente, três palmeiras – Oenocarpus bataua Martius, Euterpe oleracea e E. precatória – e uma dicotiledônea – Bertholletia excelsa – foram manejadas para criar populações oligárquicas com ampla distribuição nas áreas florestais da bacia. 2.3.3. Outras locais das terras baixas As regiões ao norte e ao sul da Amazônia têm sido menos estudadas e, portanto, a informação disponível é mais dispersa. No Brasil, Dalmo Catauli Giacometti (1993) levantou informação sobre fruteiras nativas, identificando numerosas espécies com populações de domesticação incipiente e talvez semidomesticadas: 17 do Nordeste; 13 do Cerrado; 10 do Sul e Sudeste. Diversas destas espécies, como Anacardium occidentale L., Hancornia speciosa B. A. Gomes, Caryocar coriaceum Wittm. no Nordeste, Caryocar brasiliense Cambess e Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart., no Cerrado, e Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze, no Sul e Sudeste ocorrem em extensas populações oligárquicas com altas probabilidades de serem antropogênicas, de forma que podemos assumir que essas populações são de domesticação incipiente. Mais recentemente, o projeto “Plantas para o Futuro”, do Ministério do Meio Ambiente, fez um levantamento nacional das espécies úteis, sempre que possível identificando aquelas que poderiam ter populações domesticadas. Até agora, somente os dados referentes ao Sul do Brasil foram publicados (Coradin et al., 2011). 3. O patrimônio genético perdido e conservado A conquista das Américas praticamente dizimou suas populações humanas e, por tabela, provocou uma erosão genética em suas populações de plantas domesticadas, especialmente naquelas mais modificadas pela domesticação (Clement, 1999a), além de ter interrompido ou prejudicado o processo de domesticação que ocorria com algumas espécies, uma vez que muitos dos agricultores que as manejavam também desapareceram. É impossível saber a extensão das perdas, mas suficientes recursos genéticos sobraram para permitir os resultados apresentados neste capítulo. Como no resto do mundo, estudos sobre a origem e domesticação de plantas cultivadas estão em expansão no Brasil e na América do Sul em geral. Nas duas últimas décadas os arqueólogos passaram a oferecer grandes contribuições e estão ampliando informações por meio de suas parcerias. O desenvolvimento de novas tecnologias em diversas áreas da ciência, principalmente a da genética, estão contribuindo de forma cada vez mais robusta na elucidação da história da relação do homem com as plantas e os processos evolutivos desta interação (Clement et al., 2010; Pearsall, 2008; Piperno, 2011). Novas tecnologias de resgate de material genético de amostras arqueológicas estão cada vez mais sensíveis e informativos (Piperno, 2011). Amostras arqueológicas que até pouco tempo atrás eram pouco informativas, hoje podem nos trazer esclarecedoras informações. Isto ocorre porque muito dos estudos eram baseados em morfologia e, deste modo, muito das amostras eram de pouco uso, uma vez que raramente uma amostra arqueológica está completa; entretanto, com as novas técnicas de genética molecular, basta que na amostra ainda reste alguma porção preservada de material genético que o mesmo pode ser resgatado e comparado com outras amostras, tanto modernas como do passado, e até

mesmo comparadas com outras espécies parentais, a fim de construir sua árvore genéticoevolutiva (Palmer et al., 2012). 4. Referências ANDERSON, E. Plants, man and life. Mineola, New York: Dover Publ., 2005. 251p. CLEMENT, C.R. 1492 and the loss of Amazonian crop genetic resources. I. The relation between domestication and human population decline. Economic Botany, New York, v.53, n.2, p.188-202, 1999a. CLEMENT, C.R. 1492 and the loss of Amazonian crop genetic resources. II. Crop biogeography at contact. Economic Botany, New York, v.53, n.2, p.203-216, 1999b. CLEMENT, C.R.; BORÉM, A.; LOPES, M.T.G. Da domesticação ao melhoramento de plantas. In: BORÉM, A.; LOPES, M.T.G.; CLEMENT, C.R. (Eds.). Domesticação e melhoramento: espécies amazônicas. Viçosa, MG: Editora da Univ. Fed. Viçosa, 2009. p.11-38. CLEMENT, C.R.; CRISTO-ARAÚJO, M.; D‟EECKENBRUGGE, G.C.; ALVES PEREIRA, A.; PICANÇO-RODRIGUES, D. Origin and domestication of native Amazonian crops. Diversity, Basel, v.2, n.1, p.72-106, 2010. CORADIN, L.; SIMINSKI, A.; REIS, A. (Eds.) Espécies nativas da flora brasileira de valor econômico atual ou potencial: plantas para o futuro - região Sul. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2011. 934p. DILLEHAY, T.D.; RAMIREZ, C.; PINO, M.; COLLINS, M.B.; ROSSEN, J.; PINO-NAVARRO, J.D. Monte Verde: seaweed, food, medicine, and the peopling of South America. Science, Washington, v.320, n.5877, p.784–789, 2008. GIACOMETTI, D.C. Recursos genéticos de fruteiras nativas do Brasil. In: Simpósio nacional de recursos genéticos de fruteiras nativas, 1992, Anais... Cruz das Almas, BA: Embrapa-CNPMF, 1993. p.13-28. HARLAN, J.R. Crops and man, 2nd ed. Madison, WI: American Society of Agronomy/ Crop Science Society of America, 1992. 284p. HAWKES, J.G. The diversity of crop plants. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1983. 184p. KEYEUX, G.; RODAS, C.; GELVEZ, N.; CARTER, D. Possible migration routes into South America deduced from mitochondrial DNA studies in Colombian Amerindian populations. Human Biology, Detroit, v.74, n.2, p.211-233, 2002. LAHAYE, C.; HERNANDEZ, M.; BOËDA, E.; FELICE, G.D.; GUIDON, N.; HOELTZ, S.; LOURDEAU, A.; PAGLI, M.; PESSIS, A.-M.; RASSE, M.; VIANA, S. Human occupation in South America by 20,000 BC: The Toca da Tira Peia site, Piaui, Brazil. Journal of Archaeological Science, Amsterdam, v.40, n.6, p.2840-2847, 2013. MEYER, R.S.; DUVAL, A.E.; JENSEN, H.R. Patterns and processes in crop domestication: an historical review and quantitative analysis of 203 global food crops. New Phytologist, Lancaster, v.196, p.29-48, 2012. PALMER, S.A.; CLAPHAM, A.J.; ROSE, P.; FREITAS, F.; OWEN, B.D.; BERESFORD-JONES, D.; MOORE, J.D.; KITCHEN, J.L.; ALLABY, R.G. Archaeogenomic evidence of punctuated genome evolution in Gossypium. Molecular Biology and Evolution, Oxford, v.29, n.8, p.2031-2038, 2012. PEARSALL, D.M. Plant domestication and the shift to agriculture in the Andes. In: SILVERMAN, H.; ISBELL, W. (Eds.) The handbook of South American archaeology. New York: Springer, 2008. p.105120. PICKERSGILL, B. Domestication of plants revisited–Darwin to the present day. Botanical Journal of the Linnean Society, London, v.161, n.3, p.203-212, 2009. PIPERNO, D.R. The origins of plant cultivation and domestication in the New World tropics. Current Anthropology, Chicago, v.52, n.S4, p.S453-S470, 2011. PIPERNO, D.R.; PEARSALL, D.M. The origins of agriculture in the lowland Neotropics. San Diego: Academic Press, 1998. 400p. PIPERNO, D.R.; STOTHERT, K.E. Phytolith evidence for early Holocene Cucurbita domestication in Southwest Ecuador. Science, Washington, v.299, n.5609, p.1054-1057, 2003. RINDOS, D. The origins of agriculture: an evolutionary perspective. San Diego: Academic Press, 1984. 325p. RITO, T.; RICHARDS, M.B.; FERNANDES, V.; ALSHAMALI, F.; CERNY, V.; PEREIRA, L.; SOARES, P. The first modern human dispersals across Africa. PLoS ONE, Seattle, v.8, n.11, e80031, 2013. VAVILOV, N.I. The phyto-geographical basis for plant breeding. In: Dorofeyev, V.F. (Ed.) Origin and geography of cultivated plants. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1992. p.316-366.

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