As poesias de Crisálidas estampadas no Jornal das Famílias

June 29, 2017 | Autor: Audrey Ludmilla | Categoria: Machado de Assis, Adam Mickiewicz, Alpujarra, Crisálidas, Jornal das Famílias
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ANAIS DO IX SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS ISSN 2175-6082 AS POESIAS DE CRISÁLIDAS ESTAMPADAS NO JORNAL DAS FAMÍLIAS Audrey Ludmilla do Nascimento Miasso (IC – UNIANCHIETA/Jundiaí) Rutzkaya Queiroz dos Reis Este trabalho apresenta os resultados iniciais da pesquisa de Iniciação Científica intitulada Fontes de Leitura e uma biblioteca de Machado de Assis em Crisálidas (1864). Machado de Assis (1839 – 1908) escreveu ao longo de sua carreira poemas, peças de teatro, crônicas, críticas literárias, romances, contos e ainda nas formas poéticas incursou pelo campo da tradução, sendo as mais conhecidas: Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo, do Canto XXV do Inferno, da Divina Comedia de Dante Alighieri, da famosa cena 7 do ato 4, “To be or not to be”, de Hamlet , de Shakespeare e O Corvo, de Edgar Allan Poe. Em meio a toda essa produção, o livro de poemas Crisálidas nos lega o trabalho da pesquisa de fontes que dão origem as epígrafes dos poemas, ou seja, um trabalho de busca dos textos dos quais Machado retirou os trechos que lhe serviram de epígrafe para os poemas, numa tentativa de compreender não somente a escolha que fez a partir do texto, como também a composição dos textos que se dá a partir dele; isso por meio da leitura desses textos originários, as fontes, seguida da leitura do texto como parte do poema, resultando portanto, na compreensão das leituras de Machado e do trabalho realizado a partir delas. Ainda são poucos os estudos que se dedicam aos poemas de Machado de Assis, e sem a intenção de discutir ou explicar o pouco interesse pelo estudo da poesia machadiana, mas lembrando Manuel Bandeira em seu conhecido ensaio “O Poeta”: “o Machado de Assis poeta é sacrificado pelo Machado de Assis prosador”, ou seja, “Machado de Assis poeta tornou-se uma vítima de Machado de Assis prosador”. Assim como para Manuel Bandeira, outros leitores da poesia de Machado destacam dessa observação os versos das Ocidentais, pois “Há nas ‘Ocidentais’ uma dúzia de poemas que tem a mesma excelente qualidade dos seus melhores contos e romances” (BANDEIRA, 1939, p. 11-14). Somente a partir da década de 30 dos anos de 1900, para a primeira década dos anos 2000, o olhar dos estudos literários voltou-se também e um pouco mais que antes,

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ANAIS DO IX SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS ISSN 2175-6082 para a primeira fase da obra de Machado de Assis, o que inclui os estudos acerca dos poemas. Machado de Assis publicou quatro livros de poemas, a saber: Crisálidas, em 1864; Falenas, em 1870; Americanas, em 1875; e Poesias Completas, em 1901, que reúne alguns poemas dos livros anteriores e o livro inédito, Ocidentais. Vinte e nove poemas compõem Crisálidas, dos quais seis são traduções, treze contam com epígrafes e doze foram posteriormente publicados em Poesias Completas (1901). Além disso, o poema Embirração, que faz parte desse livro, é de autoria de Faustino Xavier de Novaes, que escreve em resposta ao poema Aspiração, de Machado de Assis, e que mais tarde se tornaria seu cunhado. As colaborações de Machado como tradutor, contista e até poeta se deram nas páginas dos principais periódicos que circulavam na corte de sua época, tais como o Correio Mercantil, Jornal das Famílias, Diário do Rio de Janeiro e tantos outros. Dentre todos esses periódicos, aquele que Machado colaborou por mais tempo, chegando a ser escritor exclusivo da Editora B. L. Garnier, foi o Jornal das Famílias, cuja circulação foi do ano de 1863 até 1878. Tal periódico fora fundado por Garnier em 1859, sob o nome Revista Popular, e se destinava mais exclusivamente ao público feminino, como podemos observar num dos textos introdutórios da publicação: (...) Não haverá pois na Revista parte alguma, que por qualquer princípio vos esteja vedada, formosas filhas de Eva; mas haverá uma privativamente vossa, pelo que ficareis melhor aquinhoadas. (Assinai pois ou fazei vossos pais, ou maridos, que é o mesmo.) Os trabalhos de agulha para as solteiras, a economia doméstica para as casadas, e as – modas para todas – tudo isto é do vosso exclusivo domínio e nós lhe reservamos um cantinho (PINHEIRO, 2007, p. 54).

A Revista pareceu dedicar-se mais exclusivamente ao público feminino, enquanto o Jornal, como anuncia o próprio nome, dedicou-se as famílias brasileiras, sendo essa a principal das características que marcam esses diferentes periódicos. Alguns dos estudos que se voltaram para o Jornal, apontam essa “escolha” do público como uma estratégia comercial de Garnier, posto que os mantenedores dos lares, a saber, os homens, compunham essas famílias a que se destinavam os jornais, e que poderiam vir a ser assinantes por meio dos pedidos de suas mulheres, pois o periódico oferecia assuntos de interesses variados: desde o que competia ao “belo sexo” até ao que tratava da políticasocial e econômica, do lar ou da nação, destinando-se portanto as mulheres, homens e

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ANAIS DO IX SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS ISSN 2175-6082 por que não as crianças e jovens, uma vez que a mulher poderia aproveitar algo dali daquelas páginas para administrar melhor seu lar e família. Porém, a revista perdurou até os anos de 1862, passando, já em 1863, a chamar-se Jornal das Famílias. E temos na apresentação desse novo periódico a informação que “(...) O Jornal das Famílias, pois, é a mesma Revista Popular d'ora avante mais exclusivamente dedicada aos interesses domésticos das famílias brasileiras.” (PINHEIRO, 2007, p. 53). E nas palavras de Machado de Assis: “Não deixarei de recomendar aos leitores fluminenses a publicação mensal da mesma casa, o Jornal das Famílias, verdadeiro jornal para senhoras (...)” (PINHEIRO, 2007, p. 58). Apesar de Salvador Mendonça, que fora companheiro de Machado de Assis entre os anos de 1861 e 1866, nos declarar que o escritor colaborou com Garnier desde a sua primeira realização, não devemos acatar tal testemunho como verdade absoluta, já que, a acreditar em Jean-Michel Massa, não existem textos assinados por Machado na Revista, não bastasse, a maioria dos textos de tal periódico eram assinados e daqueles que não o eram, poucos poderiam ser atribuídos ao autor em questão. Além disso, o nome de Machado de Assis não aparece na lista de colabores da Revista Popular, ao contrário do que acontece no Jornal das Famílias, no qual o nome do jovem poeta figura desde o primeiro número do periódico e os anos iniciais da publicação desse novo empreendimento de Garnier coincidem com os anos de produção da grande maioria dos poemas de Crisálidas. Apesar de Machado ter publicado poucos poemas no Jornal das Famílias se considerarmos o número maior que é da publicação dos contos, os poemas trazem traços interessantes e que também, de alguma maneira, vão de encontro ao perfil do periódico. Mais uma vez utilizando os estudos de Jean-Michel Massa como fonte de dados, tomamos conhecimento de que são cinco os poemas impressos no Jornal das Famílias e desses cinco, apenas um não consta em Crisálidas, a publicação em livro. Trata-se do poema Tristeza, publicado no jornal em agosto de 1866, cuja epígrafe tem como fonte um pequeno trecho de Otelo, de Shakespeare, e o poema trata da “tristeza” em que vive uma menina que teve seus sonhos de amor romântico não concretizados, e a única solução para tanto sofrimento é “o frio da sepultura”, a morte. Dos quatro restantes, notamos que três têm seu título alterado para publicação no periódico todas em 1869. Assim, em junho desse ano, temos a publicação do poema que é intitulado Erro, em

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ANAIS DO IX SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS ISSN 2175-6082 Crisálidas, e muda para Amor Passageiro no Jornal das Famílias. No mês seguinte é a vez de Fé, de Crisálidas, ser publicado sob o nome Hino do Cristão e, por fim, em outubro, há a publicação de Em sonhos, que denominara-se Visio no livro de poemas de 1864. Podemos inferir que a alteração nos títulos se deva especialmente ao perfil do jornal, já que um título como Erro, poderia ser menos adequado que Amor Passageiro e chocar o público de Garnier, ainda mais se nos atentarmos para fato de que os poemas do Jornal das Famílias eram, como atesta o já citado Jean-Michel Massa, “uma exigência do público feminino” (MASSA, 1971, p. 542). Resta-nos ainda Alpujarra, que, diferentemente dos poemas anteriores, foi publicado a princípio no Jornal, em 1863, e mais tarde aproveitado no livro, sem alteração em seu título, a não ser a exclusão do nome do poema do qual fora extraído, Conrad Wallenrod, de J. F. Mickiewicz. O termo “extrair”, utilizado por Machado de Assis nas notas tecidas em Crisálidas, nos faz perceber que temos aqui apenas uma parte do poema original Conrad Wallenrod, de maneira que a parte aproveitada por Machado de Assis é justamente a balada intitulada Alpuhara. Diz a nota: “Este canto é extraído de um poema do poeta polaco Mickiewicz, denominado Conrado Wallenrod. Não sei como corresponderá ao original; eu servi-me da tradução francesa do polaco Christiano Ostrowski.” (ASSIS, 1864, 171). Alpujarra é composto por dezesseis quadras de versos decassílados e brancos, e o poema não nos chama atenção apenas por certa regularidade formal em pleno romantismo e abolição das regras do fazer poético – se considerarmos que somente com o advento do Parnasianismo é que o rigor formal e toda a formulação poético-clássica ganha espaço novamente, mas também pelo fato de ter sido publicado primeiro no periódico e depois no livro ou ainda por sua quase “ausência” de variação no título. Mas há mais, e o que pode ser para nós motivo de debate é o conjunto desses elementos mais a temática do poema, que foge ao típico amor ou cristianismo, como é o caso dos poemas publicados em 1869. Alpujarra traz um fundo histórico para nos contar uma das batalhas entre mouros e castelhanos pela dominação das terras de Alpujarra, de modo que foram esses últimos que invadiram o território mouro. O eu lírico do poema parece partidário dos mouros e, portanto, do herói do poema e da batalha, o fero Almansor. Vale, a título de curiosidade,

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ANAIS DO IX SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS ISSN 2175-6082 citar que, atualmente, Alpujarra de La Siera é um município pertencente à Espanha, localizado na província de Granada, que também é citada no poema. Segundo o olhar de Jean-Michel Massa, Machado de Assis produziu alguns poemas tidos como patrióticos e Alpujarra é o primeiro desse ciclo. Assim sendo, levanta-se a hipótese de que por meio dele o autor se faz partidário de seus compatriotas que primavam por defender e propagar a nação brasileira e é justamente ao identificarse com o herói mouro que o eu lírico de Machado de Assis se alista no campo dos defensores do Brasil durante a Questão Christie. Esse fato histórico dá-se no âmbito das relações entre o Brasil e a Grã-Bretanha, no período de 1862 a 1865. Resumidamente, o acontecimento inicia-se com a detenção de alguns marinheiros ingleses que circulavam bêbados pela cidade do Rio de Janeiro. Assim que se soube que se tratavam de marinheiros britânicos, os homens foram soltos, porém, o embaixador William Dougal Christie, daquele país, exigiu a indenização pela carga do navio Prince of Wales, que naufragou na costa do Rio Grande do Sul um ano antes e sobre o qual o embaixador declarou que fora roubada parte da carga e mortos alguns tripulantes. Com tais alegações, Christie exigiu indenização do governo brasileiro. Já em 1863, uma esquadra de guerra britânica prendeu cinco navios brasileiros na costa da capital do país, na época o Rio de Janeiro. Diante desses fatos e sem estrutura para encarar uma guerra contra um país como a Grã-Bretanha, o Brasil cedeu e pagou o montante exigido como indenização, para seu adversário. Porém, o Brasil também exigiu que lhe fosse paga uma indenização por conta das cinco embarcações presas em 1863, mas não obteve sucesso. Assim, cortou a relação com a Grã-Bretanha, restabelecida somente em 1865, quando o governo britânico enviou um pedido formal de desculpas ao nosso país. Ao mostrar-se partidário de seu país, podemos inferir que esse eu lírico tenha tentado despertar o mesmo sentimento nos leitores do periódico. Essa é uma hipótese que nos serve como justificativa para a presença de um poema como esse no Jornal das Famílias, que costumava trazer obras mais “lúdicas” e “amenas”. Sob tal perspectiva, o eu lírico trabalha sob uma veia ufanista e alega que todas as vias são válidas para defender sua pátria, a exemplo de Almansor, que em última instância derrotou seus inimigos transmitindo-lhes a peste. Isso pode responder antecipadamente às críticas endereçadas à Machado anos mais tarde, com a publicação de Falenas e Americanas.

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ANAIS DO IX SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS ISSN 2175-6082 Principalmente no que diz respeito a esse último livro, os críticos literários oitocentistas não deixaram de expressar seu descontentamento pela falta de uma cor local naquelas poesias, embebidos que estavam de um romantismo que propunha a formação de uma literatura nacional que tinha como elemento básico a natureza, o clima, a religião, a história e os costumes de seu povo. Porém, houve uma voz amiga de Carlos Ferreira, que no Correio Paulistano de 16 de janeiro de 1876, deu seu parecer acerca da contribuição da obra poética machadiana para a literatura nacional: “(...) é pelo menos muito mais aceitável e curial do que a infeliz tentativa de alguns poetas brasileiros que, a pretexto de fazerem poesia nacional, foram imitando a torto direito o gênero quase selvagem iniciado por Gonçalves Dias.” (MACHADO, 2003, p. 103-104). Mas Machado parece preferir a discrição e usando um poema de cenário estrangeiro, demonstra seu patriotismo diante da situação que seu país vivia mesmo sem recorrer à explicitação disso, lembrando que foi no mesmo ano da publicação desse poema que as embarcações brasileiras foram presas pela esquadra de guerra britânica. Apesar de esse poema atingir um grau de violência não habitual nas obras poéticas machadianas, a violência do texto original não está toda na tradução. Talvez por cuidado com o público do Jornal, Machado suprime duas estrofes do poema de Mickiewicz, nas quais a cena de violência poderia chocar os leitores brasileiros. O excesso de violência nesse poema também é uma hipótese que pode justificar sua ausência da edição das Poesias Completas. Não se pode esquecer que Machado de Assis não dominava o idioma polaco e sua tradução foi feita do francês, mais precisamente de Christiano Ostrowski (Paris, 1845). Logo, temos a tradução da tradução, que por sua vez, distancia-se ainda mais do texto original. Alpujarra é o primeiro poema de Machado de Assis no Jornal das Famílias e é exclusivo desse periódico. E mesmo sendo um poema de tema tão “assustador” e inadequado para o “belo sexo”, em 1866 e 1869, Machado publica mais quatro poemas no periódico, completando o pequeno grupo dos cinco poemas, já citados acima, publicados no Jornal, porém, desta vez os temas são mais amenos.

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ANAIS DO IX SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS ISSN 2175-6082 REFERÊNCIAS ASSIS, J. M. M. de. Introdução crítico-filológica. In: ______. Poesias completas: Crisálidas, Falenas, Americanas, Ocidentais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p. 31-122. ______. Chrysalidas. Rio de Janeiro: Garnier, 1864. BANDEIRA, M. O poeta. Rio de Janeiro, 1939, p. 11-14. GLEDSON, J. Machado de Assis e confrades de versos. São Paulo: Minden, 1998. LEAL, C. M. (Org.). Toda poesia de Machado de Assis. São Paulo: Record, 2008, p. 719-721. MACHADO, U. Poesias Completas. In: ______. Machado de Assis: roteiro da consagração. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003, p. 235-258. MASSA, J. M. Machado de Assis Contista (1864 – 1869): Os Enigmas do Jornal das Famílias. In: ______. Juventude de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971, p. 531-565. ______. Machado de Assis tradutor. Belo Horizonte: Crisálida, 2008. PINHEIRO, A. S. Para além da amenidade: O Jornal das Famílias (1863-1878) e sua rede de produção. 2007. 278 f. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.

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