As Políticas Comerciais Do Brasil e Seus Reflexos No Comércio Com a Argentina

June 7, 2017 | Autor: Luciane Rubin | Categoria: International Trade, Trade Liberalization, Structural Change
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R E P P I L @ AS POLÍTICAS COMERCIAIS DO BRASIL E SEUS REFLEXOS NO COMÉRCIO COM A ARGENTINA Adayr da Silva Ilha1 [email protected] Luciane da Silva Rubin2 [email protected] Olinda Barcellos3 [email protected] Resumo: Ao longo das últimas décadas, muitas economias vêm implementando reformas estruturais, a liberalização de comércio em geral e de acesso a mercados preferenciais, em particular. O presente artigo visa discutir instrumentos de política comercial utilizados pelo Brasil, visando uma maior inserção ao comércio internacional e o processo de abertura econômica na década de 90. Faz-se, ainda, algumas considerações a respeito do Mercosul como um bom instrumento de ampliação nas relações comerciais entre ArgentinaBrasil. Com isso, defende-se o aprofundamento dos acordos, não só econômicos, mas, principalmente, institucionais capazes de fortalecer as relações entre os países membros e superar as ameaças internas e externas face às turbulências hoje vividas. Palavras-chave: abertura econômica brasileira; acordos comerciais; comércio Argentina-Brasil . Abstract: Through the last decades lots of economies have been implementing structural changes: the trade liberation on the whole and the access to preferential markets in particular. This article has the aim of discussing the instruments of commercial politics used by Brazil to be inserted in the international trade and the process of economic opening in the 90th. It is also done some considerations about “Mercosul” as a good instrument to increase the commercial relation between Argentina and Brazil. It is getting deeper into politics agreement, not just economic but institutional to fortify the relations among countries members and overcome the internal and external threats faced the problems of the present time. Key-words: Brazilian economic opening, commercial agreement, Argentina-Brazil trade.

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Prof. Adj. do Departamento de Ciências Econômicas e Coordenador do Curso de Mestrado em Integração Latino-Americana da Universidade Federal de Santa Maria. 2 Economista, Coordenadora do CEDOS da UFSM, aluna do Mestrado Integração LatinoAmericana da UFSM. 3 Economista pela UFSM, aluna do Mestrado Integração Latino-Americana da UFSM.

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R E P P I L @ INTRODUÇÃO Ao longo das últimas décadas, o mundo vem experimentando uma nova ordem econômica internacional: a liberalização dos mercados e a formação de blocos econômicos. Tal caráter pode ser observado pela competição econômica e tecnológica entre os países e pela assinatura de diversos tratados comerciais internacionais. Diferentes países têm buscado parceiros comerciais privilegiados ou acordos regionais. Diante deste panorama, o Brasil vem implementando reformas estruturais, liberalização do comércio em geral e liberalização de acesso de mercados preferenciais, com ênfase no Mercosul. Desde abertura da economia, a política comercial brasileira foi de estímulo ao comércio exterior; primeiro com um grande volume de importações no início da década e, após a desvalorização do real, o interesse voltou-se para o setor exportador. O governo buscou alavancar esse setor através de diversas medidas de incentivo às exportações. Num contexto caracterizado por grandes avanços nas relações comerciais, principalmente entre a Argentina e o Brasil, a partir das negociações do Mercosul, questiona-se o desinteresse por parte das autoridades em aprofundar essas relações mediante estratégias comuns de desenvolvimento que permitam uma maior inserção no mercado mundial. Apesar das barreiras tarifárias zeradas, outras barreiras, menos visíveis, começaram a serem utilizadas pelos países do Mercosul, contribuindo para um retrocesso ao processo de integração. Ainda, pela falta de uma coordenação nas políticas macroeconômicas, é deflagrada uma crise no Mercosul mediante a desvalorização do real, afetando de forma significativa às relações comerciais entre os principais parceiros. Para maior compreensão do assunto, o presente trabalho dividese em três seções, sendo esta introdução, a primeira delas. Na segunda seção, procura-se abordar as políticas internas e externas de liberalização adotadas pelo Brasil, em especial as de integração regional. Na terceira seção faz-se um breve comentário a respeito do comércio Argentino a partir da formação do Mercosul. Por fim, na última seção faz-se as considerações finais. Política Comercial Brasileira Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 31-46, 2003.

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R E P P I L @ A década de 80 foi caracterizada por dois aspectos econômicos: primeiro, pelo desenvolvimento de acordos e mecanismos de integração econômica entre países e regiões, tanto nas economias mais desenvolvidas como em desenvolvimento; segundo, pelas limitações de acesso ao comércio exterior através da utilização de barreiras nãotarifárias4 (um modo de proteger a indústria doméstica). No Brasil, a abertura comercial iniciada a partir de 1990 tenta inserir o país no cenário do comércio internacional. Os instrumentos utilizados passam pela formação de acordos regionais, redução tarifária e pela desregulamentação das operações de comércio internacional. O resultado imediato dessas medidas é o crescimento no volume das importações e, conseqüentemente, o aumento da concorrência para as indústrias nacionais que se vêem obrigadas a adaptar-se ao mercado. O aumento na qualidade e na produtividade reflete ganhos de bem-estar da população. Segundo Krugman & Obstfeld (2001), existem dois motivos principais pelo qual os países participam do comércio internacional. Primeiro, porque os países são diferentes, e podem usar esta diferença para beneficiarem-se, uma vez que cada Estado pode se especializar naquilo que realmente faz bem; segundo, para obter rendimentos crescentes ou economias de escala na produção, é preferível para cada país especializar-se na produção de apenas uma variedade limitada de bens e serviços. Para Salvatore (1998, p.131), “o livre comércio maximiza a produção mundial e beneficia todas as nações”. Porém, a maioria dos países impõe algum tipo de restrição ao livre comércio: as chamadas políticas comerciais. Por outro lado, o comércio internacional pode também implicar custos para a economia, como por exemplo, a redução da produção doméstica com quedas no emprego e na renda. É importante que as nações considerem os custos e os benefícios do comércio exterior para a sua inserção no mercado internacional. Com a Rodada do Uruguai, iniciada em 1986, acreditava-se que o mundo caminharia para a eliminação das barreiras em nível multilateral, no entanto, para Gonçalves (1994, p. 96), “a conclusão da Rodada Uruguai não envolve nenhuma ruptura no sistema econômico internacional”. O grande determinante das relações comerciais será a 4

Barreiras não-tarifárias são normas técnicas, administrativas e outras, bem como àquelas advindas dos cartéis internacionais, dumping e subsídios às exportações (Salvatore, 1998, P. 423). Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 31-46, 2003.

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R E P P I L @ revitalização dos blocos regionais. Liberalização e Acordos de Integração De um modo geral, nos anos 90, a América Latina liberalizou seu mercado em busca de novas oportunidades de comercialização para seus produtos. A profundidade dessa reforma pode ser percebida a partir dos índices de tarifas médias praticadas na América Latina. Conforme tabela abaixo, em 1985, a média tarifária praticada pelos países era de 40% e, em 2000, cai para 11%. Neste mesmo período, o Brasil apresenta percentual de 55,1%, em 1985, e recua para 15,8%, em 2000. A Argentina, em 1985, já apresentava um grau de abertura maior que o Brasil, com taxas médias tarifárias de 39,3%, em 1985, e apresenta uma acentuada redução ficando com 14,2%, em 1991, permanecendo quase estável para os demais períodos. Tabela 1. Tarifa média (não ponderadas). 1985 1988 1991 1994 1997 Argentina 39,3 30,8 14,2 15,4 14,1 Brasil 55,1 41,5 20,4 9,7 14,9 América Latina 38,8 33,0 15,1 11,7 11,7

2000 15,5 15,8 13,5

Fonte: Estevadeordal, 2002.

O que mais chama a atenção neste processo é que o Brasil, em menos de dez anos (período 85-94), reduziu suas tarifas em 70%, recuando um pouco em 1997 e 2000. Essa redução tarifária é característica da América Latina como um todo após quase uma década de negociações e de acordos da Rodada do Uruguai (19861994). A principal política adotada foi a de acordos preferenciais de comércio, também chamado de regionalismo, num contexto de iniciativas antigas que, embora tiveram algum sucesso, apresentaram vida curta. Entre elas estão a Associação Latinoamericana de Livre Comércio (ALALC) que, após uma década de negociações, é lançada oficialmente em 1960; no mesmo ano, o Mercado Comum Centroamericano (MCCA) e, em 1969, o Pacto Andino. No entanto, esses esforços de políticas adotadas pelos países latino-Americanos vão contribuir para a consolidação dos acordos regionais de comércio, definido pela CEPAL como Regionalismo Aberto.

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R E P P I L @ O Brasil, como um dos mais importantes atores desse processo, adota uma série de iniciativas de integração, formando uma complexa rede de Acordos Regionais de Comércio que vão além do próprio nome, são exemplos os chamados acordos inter-regionais (acordos com Mercosul-África do Sul e Mercosul-UE). No âmbito de acordos com a América Latina, o Brasil formou uma rede de acordos5, descritos a seguir: - Mercosul O Mercosul, Mercado Comum do Sul, foi instituído pelo tratado de Assunção, assinado em 26.03.91, pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com o objetivo de promover o desenvolvimento dos quatro países, mediante a conformação de um espaço econômico ampliado e, conseqüentemente, por uma inserção mais competitiva na economia internacional (MDIC, 2001). Inicialmente, surge como uma zona de livre-comércio através do estímulo a eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias no comércio entre os países membros. No entanto, para que os produtos circulem entre os quatro países livres de tarifas de importação, devem preencher requisitos de regras de origem, isto é, um percentual de índice de nacionalização de 60%. Hoje, o Mercosul caracteriza-se por um ARC do tipo União Aduaneira, com metas de Tarifa Externa Comum (TEC) e a coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais. A TEC é um dos pilares da União Aduaneira e foi implementada em 1995, na qual todos os produtos importados de países não-parceiros estão sujeitos a mesma tarifa de importações, exceto a chamada lista de exceções, em que os quatro países excluem uma lista de até 100 produtos que não estão em condições de fazer parte da TEC. O Mercosul, com uma dimensão de 12 milhões Km2 e com um mercado potencial de 200 milhões de habitantes, constitui um importante pólo de atração de investimentos do mundo. Também, possui a principal reserva de recursos naturais em energia do planeta, em especial reservas de minério e hidroelétricas. Em apenas uma década de existência, o Mercosul produziu benefícios significativos na ampliação de comércio entre os países participantes e extra-bloco. Neste contexto, o Mercosul tem sido cada vez mais percebido como um bom instrumento para promoção da produção regional e como forma de articulação para uma nova modalidade de inserção internacional à luz dos princípios do regionalismo aberto. 5

Todas as informações sobre acordos regionais de comércio do Brasil constam em documentos do site oficial do MDIC: www.mdic.gov.br. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 31-46, 2003.

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R E P P I L @ - Chile-Mercosul Na agenda sub-regional, em junho de 1996, o Chile firmou com o Mercosul o Acordo de Complementação Econômica (do tipo PaísARC) visando à futura formação de Área de Livre Comércio aplicado aos produtos originários da partes signatárias. Quanto ao Regime de Origem, obedece à mesma taxa de 60% entre os países do Mercosul. - Bolívia-Mercosul É acordo de complementação econômica, assinado em dezembro de 1996, objetivando a formação de uma Área de Livre Comércio com liberalização progressiva das tarifas de importação para um prazo de 10 anos. Este acordo está composto por diversas listas de produtos, mais de 1.400 itens, com seus respectivos cronogramas de desgravação. A regra de origem é idêntica ao Acordo Chile-Mercosul. Entretanto, para um grupo reduzido de produtos, as regras são mais flexíveis por se tratar de país de menor desenvolvimento econômico relativo. - Brasil-países da Comunidade Andina O acordo de comércio, como primeiro passo para uma futura zona de livre comércio, assinado em agosto de 1999 estabelece preferências fixas pelo prazo de dois anos entre o Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. A Bolívia, uma vez que firmou acordo com o Mercosul, não é signatária deste acordo. O regime de origem é de 50% de conteúdo nacional, exceto países com menor grau de desenvolvimento econômico, que poderão ter 40%. - Brasil-Cuba Acordo firmado em dezembro de 1999 entre Brasil e Cuba, com vigência de três anos, a partir de janeiro de 2000. Trata-se de um acordo de cooperação econômica parcial de produtos. O índice de nacionalização estabelecido é de 50%. - ALADI A Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), assinado em agosto de 1980 é um acordo comercial que visa a implantação, de forma gradual e progressiva, de um mercado comum latino-americano, caracterizado pela adoção de preferências tarifárias e pela eliminação de restrições não-tarifarias. Os países que compõem a ALADI estão classificados em três categorias:  de menor desenvolvimento econômico relativo: Bolívia, Equador e Paraguai;

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R E P P I L @  de desenvolvimento intermediário: Chile, Colômbia, Cuba, Peru, Uruguai e Venezuela;  demais países: Argentina, Brasil e México. Os acordos da ALADI podem ser do tipo bilateral, em que seus direitos e obrigações são aplicados exclusivamente aos países que os subscrevem e, de nível regional em que todos os países participam. Ainda a nível Regional, tem o chamado Lista de Abertura de Mercado (LAMs) que visa promover um nivelamento econômico regional por meio de concessões unilaterais outorgadas aos países de menor desenvolvimento econômico relativo, pelos demais. Para que os produtos possam fazer parte do acordo, o índice de nacionalização tem que ser no mínimo de 50% e para países de menor desenvolvimento econômico é de 40%. - ALCA Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) foi formalizada em 1994, com a reunião de 34 países do hemisfério, menos Cuba, na chamada Reunião de Cúpula das Américas. A finalidade era de elaborar metas e definir prazos para a concretização de um projeto de integração comercial em nível continental, que já iniciara com mais ênfase no final da década de 80. O resultado dessa reunião foi uma Declaração de Princípios e um Plano de Ação para formação de uma área de livre comércio que entrará em vigor até 2005. Além disso, foram definidos nove grupos de negociações (acesso à mercados; agricultura; serviços; investimentos; compras governamentais; solução de controvérsias; direitos de propriedade intelectual; subsídios, antidumping e medidas compensatórias e políticas de concorrência). Cada grupo tornou-se responsável em compilar informações, identificar problemas e fazer recomendações de como proceder nas suas respectivas áreas. Essa rede de acordos, acima descritos, pode ser mais bem visualizada na Figura 1.

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R E P P I L @ Figura 1

Rede de ARC do Brasil na América Latina ALCA Mercosul Outras redes envolvendo demais países e ARC da América

Cuba(*)

Argentina Paraguai Uruguai

Brasil

ALADI Comunidade Andina

Chile•

Colômbia,Venezuela,Peru Equador • Bolívia

Acordo sob Negociação

ALADI

União Aduaneira

Acordo tipo País-ARC

Acordo entre países

Fonte: Elaborado a Partir do trabalho de Estevadeordal, 2002, p.4. (*) Cuba não faz parte da ALCA.

Nota-se que o Brasil está comprometido com uma União Aduaneira (Mercosul), quatro acordos de Cooperação Econômica, com objetivação futura de Livre Comércio (Bolívia e Chile com o Mercosul; Cuba, Colômbia, Venezuela Peru e Equador com o Brasil), ALADI que é um acordo eminentemente comercial e visa a formação de um Mercado Comum latino-americano, a ALCA ainda em negociação, visa a formação de uma Área de Livre Comércio. Além dos ARC de iniciativa latino-americanas, acima descritos, o Brasil, através do Mercosul, encontra-se em negociações com novos acordos além-continente que incluem iniciativas do tipo Inter-regional com a União Européia e a África do Sul. Políticas Comerciais Internas Os incentivos às exportações têm sido um dos elementos fundamentais da política comercial brasileira, destinado em parte a compensar as insuficiências nacionais. O desenvolvimento do processo de integração no Mercosul se apresenta como um dos principais objetivos no plano de acordos regionais. Em 1998, o antigo Ministério da Indústria e do Comércio (MIC) Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 31-46, 2003.

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R E P P I L @ foi transformado em Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), com objetivos voltados para o crescimento da competitividade. As atribuições do novo MDIC, são as seguintes:  Política de desenvolvimento da indústria, do comércio e dos serviços;  Propriedade intelectual e transferência de tecnologia;  Qualidade industrial;  Políticas de comércio exterior;  Aplicação dos mecanismos de defesa comercial;  Participação em negociações internacionais e;  Execução das atividades de registro do comércio. Foram desenvolvidos diversos programas no âmbito do MDIC com vistas ao aumento da competitividade. Entre elas estão as medidas de incentivo às exportações brasileiras, adotadas a partir de 2001:  Implantação do Comitê de Gestão do Comércio Exterior – GECEX: tem o objetivo de implantar uma política de estímulo às exportações através do esforço conjunto de órgãos públicos e setores privados;  Defesa Comercial: tem o objetivo de investigar ocorrência de dumping/subsídios e de dano nas exportações para o Brasil;  Avaliação sobre barreiras: tem a finalidade de identificar e listar as barreiras às exportações brasileiras nos EUA, UE e no Japão;  Convênio de Crédito Recíproco – CCR: conta com recursos do tesouro;  Suplementação Orçamentária para o Programa de Financiamento às Exportações – Proex;  Divulgação do Sistema Geral de preferências – SGP  Missões comerciais ao exterior: têm o objetivo de promover o comércio e os investimentos;  Estudos de mercados;  Criação do Programa de Mercados e Produtos Prioritários para Exportação: tem a finalidade de incentivar os produtos que o Brasil possui vantagens comparativas;  Portal de Exportador6 e Alice Web7, entre outras medidas. Mas, apesar do esforço da política comercial brasileira, a mudança da política cambial, em 1999, desvalorizando a moeda, a 6 Portal do Exportador: disponível em www.portaldoexportador.gov.br – tem o objetivo de incentivar as exportações brasileiras através de informações e serviços. 7 Alice Web: disponível em www.aliceweb.desenvolvimento.gov.br – sistema de informação de dados estatísticos do comércio exterior brasileiro.

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R E P P I L @ crise da Argentina, o aumento do preço do petróleo e a falta de crédito externo, ocasionaram alterações nas previsões sobre juros e crescimento interno. De acordo com MDIC (2001), um acompanhamento da situação econômica do Brasil e da América Latina feito pelos principais órgãos multilaterais, tais como BIRD, OMC e CEPAL acabam conseqüentemente interferindo no nosso comércio exterior. As principais idéias são: Para o Banco Mundial (BIRD), em decorrência de uma possível crise americana, combinando queda na demanda e um aumento das taxas de juros, a América Latina é a região que mais seria afetada devido à elevada vulnerabilidade externa típica dos países desta região. O BIRD também aponta como fator restritivo do crescimento dos países da AL, as barreiras comerciais às importações de produtos agrícolas, nos países industrializados. Para a Organização Mundial do Comércio (OMC), 20% do valor exportado entre 2000/2001, na América Latina, vem do setor agrícola. Os países exportadores agrícolas, como é o caso do Brasil, estarão em melhores condições quando os preços forem determinados por condições mais justas de concorrências, devido ao elevado uso de subsídios à exportação por parte dos países centrais. Segundo a OMC o ideal seria que fosse dado um tratamento especial para os produtos agrícolas procedentes dos países em desenvolvimento. Já, para a Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), o Brasil, em 2001, como também a Argentina, tiveram uma redução no nível de crescimento em relação a 2000. Essa redução foi ocasionada principalmente pelo menor acesso ao financiamento externo. No Brasil, destaca-se a crise energética e na Argentina a grave crise na política econômica. Comércio com a Argentina O Brasil tem um papel fundamental no Mercosul, é a maior economia e o principal país comerciante da região em produtos agrícolas. Os mercados mais importantes para o Brasil são os Estados Unidos e o Mercosul, a Argentina principalmente, depois vem a União Européia. Neste contexto, o Mercosul tem sido cada vez mais percebido como um bom instrumento para promoção da produção regional e

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R E P P I L @ como forma de articulação para uma nova modalidade de inserção internacional para os países membros. Em apenas uma década de existência, o Mercosul produziu benefícios significativos na forma de criação de comércio, acelerou e ampliou as relações comerciais entre os países participantes. Machado (2000) analisa o impacto do processo de integração no Mercosul através de uma simulação que define o indicador agregado dos fluxos comerciais intra-regionais entre Argentina-Brasil, para o período que vai de 1985 a 1997, no qual ele chama de “efeito integração”. Os resultados obtidos desta simulação mostram que os acordos Argentina-Brasil e a implementação do Mercosul permitiram multiplicar por três o comércio bilateral entre os principais países da região. Ainda, ressalta a importância do Mercosul como negociador à crescente abertura comercial em relação a terceiros mercados. O gráfico a seguir revela o importante papel que as importações brasileiras tiveram no desempenho comercial argentino. As exportações da Argentina para o mundo, exceto Brasil, não ultrapassaram o índice de 186,7%, no período de 1990 a 2001. Já, no que se refere às exportações para o Brasil, atinge um índice acumulado de exportações de 573,8%, até o final de 1998. Este percentual representa um total aproximado de exportações Ar-Br de US$ 1,4 bilhões, em 1990, para US$ 8,0 bilhões, em 1998. Nos anos seguintes, apresenta uma queda ficando em US$ 6,2 bilhões. Esta queda reflete o abalo nas relações comerciais entre os dois países e um retrocesso nos acordos do Mercosul, ocasionados pela mudança do regime cambial brasileiro. Gráfico 1- Exportações Argentinas - 1990-01 700 600

Índice

500 400 300 200 100 0 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1988 1999 2000 2001 Exp.Mundiais da Argentina menos Brasil

Exp. da Argentina para Brasil

Fonte: Sistema Alice

Mas, para Machado (2000), o Mercosul já apresentava sinais de deterioração nas relações intra-regionais e uma falta de avanço nas negociações entre os quatro países. Medidas unilaterais de Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 31-46, 2003.

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R E P P I L @ licenciamento prévio e de restrições às importações e de subsídios, por parte dos gestores da política econômica, abalavam as relações e os fluxos de comércio intra-Mercosul dos maiores parceiros. Segundo Pereira (2000), o comércio entre Argentina-Brasil em 1999 caiu US$10,44 bilhões, uma queda de 20,5% nas exportações e de 27,6% nas importações brasileiras com a Argentina, numa comparação de 1998 e 1999. As importações diminuíram nesses dois anos, de 16,3% para 13,7%. A desvalorização do real contribuiu para acirrar a crise da Argentina e aumentar as dificuldades nas indústrias, porém não pode limitar somente a este fator. Para as empresas exportadoras, a existência de barreiras não-tarifárias tem dificultado o comércio entre os países-membros, diminuindo o nível de venda das empresas do bloco. O cenário de crises no Mercosul acaba por abalar de forma mais profunda a economia da Argentina, pois apresenta uma maior dependência das suas exportações em relação ao Brasil. Observa-se, conforme Gráfico 2, no final de 1990 o mercado brasileiro representava em torno de 11,3% das exportações da Argentina e passa a representar 30,4%, no final de 1998. Nota-se um alto grau de dependência em relação ao comércio brasileiro. No mesmo período, o índice de dependência das exportações brasileiras em relação ao mercado Argentino é de 13,2%, que, apesar de apresentar um índice inferior, não deixa de ter uma importância significativa quando compararmos com 1990, que representava apenas 2,0%. Gráfico 2 - Participação das Exportações - 1990-01 35 30 25 20 15 10 5

Participaçãodas Exp. da Ar. no Br.

2001

2000

1999

1998

1997

1996

1994

1994

1993

1992

1991

1990

0

Participação das Exp. Br. na Ar.

Fonte: Sistema Alice

Ainda, além de o mercado brasileiro representar um índice elevado no destino das exportações argentinas, aquele país é um dos poucos parceiros comerciais importantes com o qual a Argentina apresenta superávits comerciais (Pereira, 2000). Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 31-46, 2003.

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R E P P I L @ De acordo com o quadro abaixo, a participação da Argentina na balança comercial brasileira, em 2000, apresentava um déficit de US$610 Milhões; em 2001, um déficit de US$1204 Milhões e; em janeiro de 2002, os dados mostram um déficit de US$228 Milhões. O endividamento interno, a crise da Argentina e a falta de crédito exterior podem ser os motivos do déficit comercial. Quadro 1. Intercâmbio Comercial Brasileiro com a Argentina – em US$ Milhões FOB 2000 2001 2002* Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Saldo Argentina 6.233 6.843 -610 5.002 6.206 -1.204 143 371 -228 Fonte: Secex * Apenas o mês de janeiro

Pela importância comercial que o Mercosul representa para os países-membros, em nosso caso Argentina-Brasil, faz-se necessário um empenho ainda maior, por parte das autoridades competentes, no sentido de fortalecer, ampliar e aprofundar o acordo de integração, através da coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, da harmonização da legislação e a conquista de novos sócios. Embora existam muitos desafios a serem superados, o Mercosul possui vários fatores que convergem a seu favor. O bloco possui as duas bacias hidrográficas mais caudalosas do planeta: a da Amazônica e a da Prata. A Bacia da Prata abriga duas importantes hidrovias, a Paraná-Paraguai e a Paraná-Tietê, importantíssimas para a circulação de bens e a promoção do desenvolvimento econômico regional, Balloussier (2002). Atualmente, o maior desafio do Mercosul é coordenar as estratégias de desenvolvimento entre os países do bloco. Ainda existe grande divergência nos produtos agrícolas, na tarifa externa comum, os Estados atuam individualmente, e não como entidade única representativa. O Mercosul não chegou ao estágio de integração em todos os níveis, por isso é considerada uma união aduaneira imperfeita. Mas, se não houver esse aprofundamento, o Mercosul corre o risco de ser substituído por um acordo mais amplo, é o caso da ALCA que entra em vigências em 2005, deixando de ser um importante, talvez a função mais importante, instrumento de negociação junto aos demais países e blocos.

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R E P P I L @ CONSIDERAÇÕES FINAIS Após quase uma década de negociações multilaterais, o mundo opta por formar acordos regionais de comércio, bilaterais ou plurilaterais, com as mais variadas características e níveis de aprofundamento. Os Acordos Regionais de Comércio tornaram-se um processo efetivo para aumentar a competitividade dos países participantes e cultivar novos mercados através de políticas de integração preferenciais e por outras políticas de liberalização e de desregulamentação gradual de suas economias. O Brasil, no contexto América Latina, está envolvido em um processo de redes de acordos comerciais de convergência entre iniciativas de Acordos regionais e sub-regionais, com preferências ao Mercosul e de alianças menos rígidas e não exclusivas com os demais acordos. No entanto, as negociações com a ALCA, que prevêem uma área de livre comércio em 2005, podem gerar disputas internas com o Mercosul e inconsistências nas ligações do Mercosul e demais blocos que estão sendo pretendidos. Quanto às políticas do MDIC, o Brasil, procurou desenvolver diversos instrumentos visando aumentar o nível de crescimento do setor comercial. Nossos produtos, como o suco de laranja, açúcar e carnes em geral, tem barreiras por parte dos EUA, UE e Japão que vão desde imposição de tarifas, concessão de subsídios, medidas sanitárias, até quotas de exportação. O caso do açúcar é um dos mais preocupantes. O MDIC adotou algumas medidas de incentivo às exportações, como a Implantação do Comitê de Gestão do Comércio Exterior e a Defesa Comercial que tem o objetivo de investigar a ocorrência de dumping nas exportações para o Brasil. O Mercosul ainda não está consolidado e as políticas comerciais com os membros do bloco e com outros países necessita de vários ajustes. Estas inconsistências nas regras e procedimentos adotados podem agir como barreiras à ampliação do comércio brasileiro, mas também, vir a anular os esforços de integração já alcançados pelos quatro países. O surpreendente incremento nas relações comerciais ArgentinaBrasil confirma a importância do Mercosul para países que buscam uma inserção ainda maior junto ao mercado mundial, ao contrário do

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R E P P I L @ que muitos imaginavam de que o Mercosul serviria como um entrave à liberalização e ampliação do comércio. Para finalizar, percebe-se o Mercosul como um importante instrumento de política de negociação junto aos grandes blocos internacionais e como um alicerce para a inserção ao livre-comércio de forma gradual. Com isso, defende-se o aprofundamento dos acordos, não só econômicos, mas, principalmente, institucionais capazes de fortalecer as relações entre os países membros e com isso superar as ameaças internas e externas face às turbulências hoje vividas. BIBLIOGRAFIA ANDERSON, Patricia. Barreiras não-tarifárias às exportações brasileiras no Mercosul: o caso de calçados. Rio de Janeiro: Ipea, 2000 (Texto para discussão, 791). BALLOVSSIER, Marco A. Dez anos que confirma o potencial do Cone Sul. Revista do Mercosul. Ano 11 – nº 83, 2002. BIELSCHOWSKY, Ricardo et al. O regionalismo Aberto na América Latina e no Caribe: A Integração Econômica a serviço da transformação produtiva com eqüidade. In: BIELSCHOWSKY, Ricardo. (Org.). Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de Janeiro: Record, v. 2, 2000, p. 937-958. BONELLI, Regis. Políticas de competitividade industrial no Brasil – 1995/2000, Rio de Janeiro: Ipea, 2001 (Texto para discussão nº 810). GONÇALVES, Reinaldo; BAUMANN, Renato; PRADO, Luiz Carlos Delorme e CANUTO, Otaviano. A nova Economia Internacional – uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1998, 392p. ESTEVADEORDAL, Antonio. Traditional Market Access Issues In Rtas: An Unfinished Agenda In The Americas? Washington, D.C., 2002. GONÇALVES, Reinaldo. Ô Abre-alas – a nova inserção do Brasil na economia mundial. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

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