As Politicas Publicas de D. João VI para ampliar a Instrução Pública no Brasil

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As Políticas Públicas de D. João VI para ampliar a instrução Pública no Brasil e a interferência das Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa

Autora; Daniela Almeida Tonholli – doutoranda em Educação pela PUC Minas, advogada, professora, Mestre em Educação. ([email protected]) Grupo temático: Programas socioeducativos e políticas de ampliação do direito à educação. Palavras-chave: Instrução Pública Imperial; Políticas Públicas, Liberdade de ensino; ensino oficial.

Resumo: O presente trabalho se constitui como Comunicação no VIII Colóquio Nacional de Educação da PUC Minas. Comunica-se aspectos extraídos da pesquisa realizada para a construção de dissertação de Mestrado em Educação da PUC Minas cujo objetivo foi levantar toda a legislação brasileira entre 1808 e 1834 e nela localizar todas as normas referentes à instrução pública para então realizar a leitura, análise, classificação e interpretação delas. Esta dissertação recebeu o título de A Instrução Pública no Brasil de 1808 a 1834 - Levantamento e análise da legislação. Desta pesquisa foram extraídas as políticas de ampliação do direito à educação existentes no Brasil Imperial, sob o governo de D. João VI, específicamente no período em que enfrentava a pressão política de transição do fim de seu reinado e seu retorno a Portugal em 1821. Quais medidas tomou, suas motivações, os reflexos delas na realidade da instrução pública, os aspectos políticos do período que intensificaram as tensas relações do Brasil com Portugal estão retratadas pela ótica das normas e revelam características e eventos que merecem maior atenção e contribuem para a correta construção da evolução do direito à educação no Brasil.

Comunica-se no VIII Colóquio Nacional de Pesquisa em Educação parte extraída da pesquisa realizada para a construção de dissertação de Mestrado em Educação da PUC Minas cujo objetivo foi levantar toda a legislação brasileira entre 1808 e 1834 e nela localizar todas as normas referentes à instrução pública para então realizar a leitura, análise, classificação e interpretação delas. A motivação para a pesquisa realizada no mestrado surgiu da hipótese de que, tendo-se em vista o extenso volume de normas existentes e o pequeno número de normas referidas pelos estudos já realizados em matéria educacional até o momento, haveria de existir muitas que não tivessem sido consideradas e incluídas nas leituras sobre o tema educacional. Para que fosse possível executar a proposta de forma eficiente foi imprescindível delimitar o período a ser pesquisado. O marco inicial foi 1808, ano em que chega ao Brasil a Família Real Portuguesa, sob a regência de D. João VI, que inaugurou a produção legiferante brasileira feita no próprio Brasil, deixando de ser a nossa legislação aquela chamada Ultramares em Portugal. O marco final foi a reforma da

Constituição de 1824 ocorrida em 1834. Este período pesquisado permitiu um conhecimento minucioso, praticamente diário, de todas as políticas de D. João VI enquanto esteve na administração do Brasil presencialmente, incluindo a educação. A forma como o monarca se expressou em seus atos normativos e suas decisões permitiu conhecer suas motivações e tudo o que aconteceu para que ele fosse modificando as características da instrução no Brasil está bem evidenciado. Por isto a possibilidade de recortar um ponto tão específico da história e, através das normas, mostrar as políticas públicas de D. João VI para ampliar o direito à educação no Brasil a fim de enfrentar a pressão política de Portugal para que ele devolvesse o Reino à origem. O levantamento das normas foi realizado nos bancos de dados do Senado Federal, Presidência da República e Câmara do Deputados. O primeiro meio de pesquisa foi a ferramenta virtual. No Senado Federal (www.senado.gov.br), na Câmara dos Deputados (www.camara.gov.br) e na Presidência da República (www.presidencia.gov.br). Na Câmara do Deputados as normas objeto da pesquisa formam uma Coleção de Leis do Império, documento que no site é disponibilizado por imagens digitalizadas dos originais das publicações feitas pela Imprensa Oficial do período, formando, assim, um bloco indissociável. No Senado Federal, estava em andamento a digitação de cada uma das leis que ainda não se encontravam individualizadas o que foi feito dos tempos mais recentes para o mais remoto, de forma que no momento da pesquisa o período de 1808 a 1834 não estava digitado por completo. Quanto à Presidência da República, o arquivo foi abandoando para conferência tendo em vista que mantém disponibilizados apenas as normas com relevância atual. Foi necessário fazer uma consulta direta a esses órgãos governamentais, primeiro por correspondência eletrônica e, depois, pessoalmente. Junto ao arquivo da Câmara foi constatado que a segurança se daria com a leitura de todas as publicações ocorridas a partir de 1808, pois que os arquivos criados pelo Senado Federa l não obedeciam a um critério rígido e coerente quanto à denominação dada ao campo catálogo, que identifica o assunto principal tratado no ato normativo. Assim, todos os índices da legislação foram lidos e impressos para que na leitura das ementas das normas fossem localizadas as de importância educacional e então aquela norma era acessada virtualmente através do índice e sua imagem era impressa. Isso era feito até que se reunisse um ano dentre 1808 a 1834, quando então, as normas eram lidas, delas surgiam pontos a serem pesquisados, a bibliografia era mais uma vez revista e ampliada conforme os elementos ali trazidos, e então acresciam a dissertação buscando a contextualização histórica e política do momento. Findo isto, reiniciava-se a leitura do índice da Coleção de Leis da Câmara do Deputados referente ao ano seguinte até que fossem percorridos todos os anos propostos. Além dos arquivos oficiais, buscou-se nas obra escritas naquele período sobre o assunto a indicação ou referência de os atos normativos que pudessem ser importantes. A obra mais antiga que encontramos que registra a legislação educacional é intitulada de Instrução pública regulamentos: 1827 – 1821. Tratase de um livro manuscrito, no qual diversas normas do período mencionado no título foram copiadas manuscritamente e encontra-se na biblioteca da Câmara

dos Deputados. O rigor na cópia é primoroso, mas não contém todas as normas existentes. Nessa obra foi possível verificar a existência de normas que não foram vistas nos arquivos oficiais em um primeiro momento e com isto ampliou-se o material a ser trabalhado e reforçou-se o rigor na busca, pois foi necessário busca-las nos arquivos oficiais, e todas foram encontradas ao final. Além deste livro manuscrito, foram lidos Primitivo Moacyr (1869–1942) e José Ricardo Pires de Almeida (1843–1913), que exploraram a legislação do período imperial. São autores que viveram no período mais próximo das primeiras fases do império. Cada qual à sua maneira, ambos realizaram a leitura de muitas normas. O primeiro (1940), focando a transcrição dos textos sem, contudo, emitir muito juízo de valor. O segundo (2000) mencionando norma a norma e buscando relacioná-las a acontecimentos da época, bem como analisando muitos questionamentos e exposição de suas ideias. Contudo, em nenhum foi encontrada a totalidade das normas. Luiz Antônio Cunha (2007), autor mais recente, na obra Universidade Temporã, muito menciona sobre a legislação imperial, porém seu foco é o ensino superior, deixando-nos sem sua preciosa análise quanto aos demais níveis, além de se utilizar daquelas normas que configuraram criações ou transformações do ensino e não tendo sido necessário para sua análise se preocupar com cada uma das normas, independentemente de seu conteúdo. Assim, depois de ser adotada uma sistemática rotina de análise direta das normas constatou-se que o muito que esses autores estudaram não chegou a abranger a totalidade das normas disponíveis. Em razão disso, a fonte para obter as normas continuou sendo os órgãos oficiais, especificamente a Câmara dos Deputados e estes autores contribuíram com o trabalho na medida em que nos foi possível muito aprender com suas maneiras de sobre elas refletir e referi-los, quando necessário. Estabelecidos os critérios e a fonte, buscou-se esclarecer as espécies de atos existentes no período delimitado, bem como seu objeto, forma e estrutura, na medida do possível, já que os atos normativos do período pesquisado não se apresentam sistematizados, não tendo sido encontrada referência na doutrina jurídica quanto aos aspectos que foram analisados no trabalho. A fim de organizar a fonte a ser consultada, foi criado um quadro seguindo a construção cronológica das normas, o qual identifica o ano, a data, a espécie de ato, o nível de ensino a que se refere e sua ementa, material que foi colocado ao fim do trabalho. Os atos normativos analisados e por fim elencados no referido quadro não são apenas aqueles que se referem à instrução pública e ao professor, mas também aqueles que confirmam afirmações que foram feitas ao longo do trabalho e que demonstram situações importantes para a análise do período em questão. São cerca de 440 normas que se referem à educação. A compreensão sobre a formação dos atos normativos se pautou inicialmente nas informações levantadas no trabalho que ainda está sendo realizado pela Presidência da República através da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil em atenção à Lei Complementar 95/982, que visa a conhecer todos os atos normativos vigentes para que então sejam consolidados, o que colaborou com a identificação e compreensão de espécies de normas, que, como já explicitamos, até então não haviam sido identificadas na doutrina.

O acesso ao conhecimento acerca da realidade vivenciada na época da vigência de cada ato normativo verificado foi um dos caminhos a trilhar, em que se buscou primeiro, na própria norma, a verificação dos efeitos dos atos que realmente interessaram ao trabalho. Em razão disto, inclusive, também se justifica a necessidade de ter sido formado o quadro dos atos normativos analisados, não como coletânea de tudo o que há, mas como resguardo do material e demonstração do esforço em verificar o quanto possível foi se nenhum ato normativo estava sendo ignorado. Uma opção feita foi quanto a repetir sempre o ano de publicação de cada norma mencionada. Embora pudesse tornar o texto mais cansativo, diante de tantas normas essa seria a melhor forma de manter o leitor sempre situado no tempo, sem a necessidade de retornar constantemente a um ponto anterior para que recordasse o ano que era referido. Para compreender como no Brasil, a partir da chegada da Família Real em 1808 considerou a Instrução Pública, a dissertação é iniciada com um prólogo que resgata a legislação portuguesa a partir de 1759 e segue até 1808, onde as normas, a Instrução Pública, os fatos políticos e históricos e as características da sociedade da época são considerados e avaliados. As fontes desta normas foram arquivos oficiais portugueses. São muitos os elementos levantados na pesquisa. Para fins da comunicação a ser feita no VIII Colóquio Nacional em Educação é destacado o momento em que o governo de D. João VI realizou políticas de ampliação do direito à educação existentes no Brasil Imperial, quando enfrentava a pressão político de transição do fim de seu reinado e seu retorno a Portugal em 1821. Quais medidas tomou, suas motivações, os reflexos delas na realidade da instrução pública, os aspectos políticos do período que intensificaram as tensas relações do Brasil com Portugal estão retratadas pela ótica das normas e revelam características e eventos que merecem maior atenção e contribuem para a correta construção da evolução do direito à educação no Brasil. Ao chegar ao Brasil, D. João VI precisou adaptar a colônia às realidades da corte e do reino. Imediatamente tomou medidas de ordem administrativa que singularizaram seus efeitos para o Brasil colônia. A primeira medida foi a abertura dos portos do Brasil ao comércio direto estrangeiro, com exceção dos gêneros estancados, o que foi feito 28 de janeiro de 1808. Quatro dias depois, regulou a cobrança do subsídio literário da aguardente. Em 18 de fevereiro de 1808 criou uma escola de cirurgia no Hospital Real da Bahia. Em 22 de fevereiro, mandou que fossem observadas as propostas feitas pelo cirurgião mor do Exército e da Armada acerca de seus serviços. Em 23 de fevereiro de 1808 criou uma cadeira de ciências econômicas no Rio de Janeiro. Essas foram as cinco primeiras regulamentações criadas por D. João VI no Brasil. Se considerarmos essa primeira amostragem, podemos dizer que, na ordem das preocupações do monarca, a instrução pública foi manifestada em segundo, terceiro e quinto lugar, representando 60% das normas produzidas nos dois primeiros meses da corte na colônia.

Quanto às normas referentes à Instrução Pública, tudo que se pode observar desde a legislação portuguesa mostra que existiam dois níveis de ensino: os menores, que se destinavam à instrução da mocidade, e os maiores. A situação em que se encontravam esses dois níveis de estudos foi estabelecida pelas reformas que ocorreram em ambos, ainda em Portugal, tendo os estudos menores sido reformados em 28 de junho de 1759, e os maiores em 6 de novembro de 1772. Os estudos menores consistiam inicialmente, ainda em Portugal, em aulas de gramática latina, grego, hebraico e retórica. No Brasil, pelo Decreto de 14 de julho de 1809, os estudos menores foram constituídos por gramática latina, geometria, inglês e francês. Contudo, ao longo do tempo foi sendo ampliado por cadeiras que eram propostas por professores interessados em assumi-las. O primeiro ato normativo voltado para os estudos menores e feito no Brasil foi a Decisão de 2 de fevereiro de 1808 que regulava o subsídio literário da aguardente, reiterando a Carta de 30 de janeiro de 1807 que revogava uma Provisão de 16 de outubro de 1805. O Decreto de 17 de janeiro de 1809 se apresentou como o primeiro ato normativo com referência à instrução pública e regulava o provimento de cadeiras. Nele foi determinado que seriam observadas as imposições da Carta Régia de 19 de agosto de 1799. Pela Carta Régia de 19 de agosto de 1799, os governadores e bispos eram responsáveis pela nomeação privativa dos professores. Mas essa determinação não pôde ser cumprida sempre. Extrai-se, em síntese de todo o período de 1808 a 1821 que em razão desta regulamentação ocorreu que, uma vez provido, o professor deveria requerer que o ato fosse confirmado pela mesa do Desembargo do Paço. Na prática, o cumprimento do mencionado decreto ocasionou representações para serem criadas cadeiras e, consequentemente, solicitado que para elas fosse nomeado certo professor. A análise dessas representações com cunho de requerimento era feita pela mesa do Desembargo do Paço, que emitia parecer, posteriormente analisado pelo príncipe regente, que resolvia se concordava ou não com o parecer. Se concordasse, a resolução era publicada como decisão. Assim, as representações deveriam ser feitas pelos próprios providos nas cadeiras. Mas existiram aspectos que fugiram da formalidade do Decreto de 17 de janeiro de 1809, uma vez que a criação de algumas cadeiras de primeiras letras ocorreu por decretos, que eram resultantes da vontade de Sua Alteza Real, que passava a conhecer a necessidade da criação dessas cadeiras por meio de pareceres que buscavam justificar tais criações, o que era feito e apresentado pelos governadores e capitães generais das capitanias existentes. Em tais decretos não havia, necessariamente, a nomeação de um professor. Ainda, nem todos os requerimentos foram feitos pelos providos. Decidiu-se criar cadeiras de primeiras letras tanto em razão do requerimento de oficiais como em razão de requerimento feito pela população. Muitas vezes o interessado em ser provido na cadeira fazia o requerimento e ao ser feita a análise chegava-se à conclusão de que seriam criadas outras que não aquela solicitada. O inconveniente maior que foi visto quanto a essa extrapolação dos fins determinados para o procedimento dos provimentos dos professores nas cadeiras é, de um lado, a banalização de tais formalidades e prejuízo de certas

medidas, e, de outro lado, a banalização da necessidade de ser o professor formalmente provido nas cadeiras, já que grande parte apenas criou as cadeiras e não realizou o provimento do professor nela. Assim se constituiu a política de ampliação da instrução pública no que tange as primeiras letras nas duas primeiras décadas do século XIX no Brasil, o que foi alterado pelo cenário político que se desenvolveu ao longo destes primeiros quase vinte anos em que D. João VI estava domiciliado aqui com toda a família real, a corte e o Reino - a partir de 1815. Aproximando mais dos fatos históricos para compreender as modificações que ocorreram nas políticas públicas da instrução no Brasil após este período, recordamos que em 19 de fevereiro de 1810, D. João VI assinou no Rio de Janeiro três tratados com o príncipe Jorge III do reino unido da Grã-Bretanha, vindo a ser ratificados no Brasil por meio de três Cartas de Lei de 26 de fevereiro de 1810. O primeiro deles, de amizade e aliança selando definitivamente seus laços, no qual ratificaram o artigo 6º do tratado assinado em 22 de outubro de 1807 se comprometendo a Inglaterra a nunca reconhecer outro rei de Portugal que não fosse o próprio D. João VI ou seu sucessor, mencionando que a sede da monarquia portuguesa estava estabelecida no Brasil. O segundo deles, de amizade e comércio, adotara um sistema liberal de comércio fundado sobre as bases de reciprocidade e mútua conveniência ou pela descontinuação de certas proibições e direitos proibitivos para que ambas as partes tirassem vantagens na produção e industrias nacionais, bem como proteger a renda pública e os interesses do comércio justo e legal. O terceiro e último tratado criou regras para que fossem estabelecidos paquetes entre os domínios das duas nações amigas a fim de que efetivassem as relações comerciais. Desde que D. João VI transferiu seu domicílio para o Brasil que foi iniciado um processo de sua descolonização. Norma a norma,i desde a primeira publicada em solo brasileiro, se vê a evolução desta desconstrução enquanto se desenvolvia paralelamente aos acontecimentos locais uma política no seu solo original. Os tratados mencionados evidenciaram a desvantagem de Portugal em relação às suas relações com a colônia, o que já havia sido desenhado desde a abertura dos portos em 1808, e a movimentação portuguesa se intensificava em querer retomar sua condição primária de reino, com corte, rei, autonomia e poder. Considerando que D. João VI estava entre os interesses do Brasil e de Portugal e que tais interesses eram divergentes, a presença do monarca com toda a corte e sua família aproximou-o de uma realidade que anteriormente ele sequer conhecia de perto e possivelmente quisesse saber. Assim, não foi sem razão que o Brasil alcançou a sua elevação a Reino Unido de Portugal e Algarves em 16 de dezembro de 1815.

O ato de elevação do Brasil a reino já vinha sendo desenhado por diversos fatores mencionados e somou-se à ocorrência do Congresso de Viena, que se realizara entre 1º de outubro de 1814 e 9 de junho de 1815, organizado pelas grandes potências com o fim de reformular o mapa político da Europa do período pós-expansão napoleônica. Pautados nos princípios da legitimidade, restauração e equilíbrio, os congressistas de Viena não deixaram opção a D. João VI, que instalado no Brasil, que era colônia, contrariava a lógica da restauração e legitimidade, uma vez que deveriam os governantes retornar a seus tronos legítimos, no caso, Portugal. O caminho era tornar o Brasil seu reino. Em 20 de março de 1816 falece a rainha D. Maria, dando a D. João VI a sucessão hereditária da coroa. Contudo, apenas em 6 de fevereiro de 1818 foi efetivada a sua coroação no Rio de Janeiro. A realidade portuguesa se deteve por certo tempo em se ver livre, primeiro do exército francês, com apoio dos ingleses. Depois de bem-sucedida empreitada queriam se ver livres dos próprios ingleses, que permaneceram no controle militar, o que levou ao movimento de 1817 conhecido por Conspiração de Lisboa, formando-se o Supremo Conselho Regenerador de Portugal e Algarves. Contudo, foram duramente reprimidos, deixando, apesar disto, o embrião da Revolução do Porto. No Brasil, também em 1817 foi revelada a insatisfação com todo esse cenário em desenvolvimento. Em Pernambuco a revolta era com a presença dos portugueses que dominavam o comércio, a política e a administração, além de fatores econômicos criados pela tributação imposta pela coroa, a queda do escoamento do açúcar e algodão, somados às ideias liberais que eram difundidas na região. Assim, buscando a independência do Brasil e a proclamação da República eclodiu a revolução em 6 de março de 1817. Contudo, os pernambucanos não obtiveram o apoio desejado de outras províncias e D. João VI mandou buscar tropas e armas em Portugal, que desembarcaram na Bahia e no Rio de Janeiro somando-se ao efetivo brasileiro, pondo fim ao movimento em 19 de maio de 1817. Apesar de bem-sucedida repressão, a revolta constituiu um abalo na estrutura imperial. Do lado de Portugal surge a necessidade de pressionar D. João VI a manter-se fiel à causa de sua pátria, buscando seus compatriotas atuar sobre sua administração com vista em manter a situação colonial do Brasil. Com a Revolução do Porto, ocorrida em 24 de agosto de 1820, passou Portugal a exigir o retorno da corte a Portugal para que fosse restaurada a dignidade da metrópole e a restauração da exclusividade do comércio com o Brasil. Com a adesão de Lisboa ao movimento a revolução se consolidou em toda parte, tendo sido possível depor os regentes e em seu lugar constituir um governo interino. Em 28 de setembro de 1820 os governos de Lisboa e do Porto se reuniram em uma junta provisional do supremo governo do reino para serem organizadas as eleições das cortes constituintes. Em 1820, em Portugal, foram convocadas as cortes gerais e extraordinárias da nação portuguesa, das quais restou inserido na legislação brasileira em 1821 e

1822 um bloco de legislação extravagante. Nesses dois anos veremos, então, os decretos, cartas régias e alvarás de D. João VI, as decisões das secretarias de estado e os decretos, portarias e leis das cortes gerais e extraordinárias da nação portuguesa. No Brasil, a compreensão dessa política instalada e que tanto nos será recorrente a partir de 1820 pode ser mais bem compreendida se acrescermos a análise feita por Hilsdorf (2003) quando trata da escola brasileira no império quanto aos aspectos do liberalismo:

Para entender a organização escolar do Império Brasileiro podemos começar pensando quem fez a independência e ocupou o poder de décadas de 1820 e 1830. Ao redor de 1820 desenhava-se a seguinte configuração para os agrupamentos políticos (mais “correntes de opinião” do que partidos) atuantes no país: - o “partido português”, dos absolutistas ou restauradores. Para eles o poder do Soberano está no rei. Sua base social é composta de militares e comerciantes portugueses mercantilistas, que tinham como programa manter a união Brasil-Portugal, como reconversão à situação de colônia; - o “partido radical”, dos exaltados ou democratas. Têm o povo como soberano. Sua base social é formada de pequenos comerciantes adeptos do livre comércio, artesãos, funcionários públicos, padres, advogados, jornalistas e letrados, como Januário Cunha Barbosa da Fonseca e outros. Têm um programa liberal e democrático, com reinvidicação de reformas políticas, do tipo descentralização político-administrativa, federação das províncias e sufrágio universal, além de reformas sociais, como abolição, trabalho livre e divisão das terras (reforma agrária) com extinção dos latifundios; - o “partido brasileiro”, dos moderados. É composto de grandes proprietários de terras, comerciantes ingleses, portugueses e brasileiros adeptos do comércio livre, a alta administração, jornalistas e outros letrados, cujo programa é liberal-conservador, ou seja, aplica o princípio liberal dos direitos individuais à preservação da propriedade escrava, o que mantém a ordem social escravista. Para eles o Soberano é a lei, ou seja, a Constituição. Defendem a independência da colônia, a monarquia constitucional e centralizadora, a Igreja oficial (com a manutenção do regalismo) e o sufrágio indireto censitário, de base econômica. (Hilsdorf, 2003, p. 41 e 42).

O Decreto de 18 de fevereiro de 1821 determinou que D. Pedro fosse a Portugal munido de autoridade e instruções para que fossem colocadas em prática as medidas e providências que julgou D. João VI convenientes para que fosse restabelecida a tranquilidade geral daquele reino, ouvindo as representações e queixas do povo português e para estabelecer reformas e melhoramentos, bem como as leis que pudessem consolidar a Constituição Portuguesa. Ainda considerou o próprio D. João VI:

Exigindo as circumstancias em que se acha a Monarchia justas e adequadas providencias para consolidar o Throno, e assegurar a felicidade da Nação Portugueza, Resolvi Dar a maior prova do constante desvelo que Me anima pelo bem dos Meus Vassallos [...] [...] e tendo sempre por base a justiça e o bem da Monarchia, procurar a estabilidade e prosperidade do Reino Unido; devendo ser-Me transmittida pelo Príncipe Real a mesma Constituição, afim de receber, sendo por Mim Approvada, a Minha Real Sancção. Não podendo, porem, a Constituição, que, em consequência dos mencionados poderes, se há de estabelecer e sanccionar para os reinos de Portugal e Algarves, ser igualmente adaptável e conveniente em todos os seus artigos e pontos essenciaes á povoação, localidade e mais circumstancias tão poderosas como attendiveis deste Reino do Brazil, assim como ás das ilhas e Domínios Ultramarinos que não merecem menos a Minha Real Contemplação e Paternal Cuidado: Hei por bem Mandar convocar a esta Corte os Procuradores que as Camaras das Cidades e Villas principaes, que tem Juízes Letrados tanto do Reino do Brazil, como das Ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde elegerem.

A eleição mencionada que visava a acompanhar a produção das leis com vista nas peculiaridades do Brasil veio a se concretizar em 23 de fevereiro de 1821, com a formação de uma comissão presidida pelo Marquês de Alegrete encarregada de preparar as leis constitucionais, em que também se convocou os procuradores das cidades e Vilas do Reino do Brasil e ilhas para representarem os interesses do país. D. Pedro, contudo, não foi a Portugal nos termos determinados. Um dia após a formação da mencionada comissão, D. João VI certificou ao povo sua decisão de jurar e sancionar a Constituição que estava sendo feita em Portugal por meio do Decreto de 24 de fevereiro de 1821. O compromisso de D. João VI com Portugal exigia-lhe atitudes mais concretas e seu retorno a Portugal se tornou iminente. Em razão dessa situação política estabeleceu-se um alvoroço normativo, em que muitos atos eram feitos e imediatamente revogados, bem como se tentava regulamentar certas questões rapidamente. E assim ficou decidido que o príncipe ficaria no governo provisório do Brasil enquanto seu pai retornaria com sua corte para Portugal.

Monteiro (1994) menciona uma situação de extrema coação exercida por parte dos portugueses sobre D. João VI:

O absolutismo da família Bragança e da velha aristocracia lusitana sofre forte abalo quando, a 26 de fevereiro de 1821, a tropa aquartelada no Rio de Janeiro obriga o rei a jurar a Constituição “que se está fazendo” em Portugal, no que é acompanhado pelos príncipes e altas autoridades. (Monteiro, 1994, p.5).

Em verdade, em 26 de fevereiro foi efetivado o compromisso já assumido pelo decreto do dia 24 lavrando-se o auto de juramento, que foi ditado pelo príncipe D. Pedro depois de ter feito a leitura do decreto na casa do teatro onde estavam reunidas a câmara e a corte do Rio de Janeiro, da varanda, perante o povo e as tropas que estavam presentes. Antes da partida de D. João VI, novos princípios foram assegurados por uma Constituição Provisória, assim considerado o conteúdo do Decreto de 10 de março de 1821 das Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa como reconhecimento das bases da Constituição Política que seria criada e para estabelecer a organização e limites dos poderes políticos do Estado. A Instrução Pública foi tratada como uma obrigação do Governo. O direito à instrução pública, portanto, era algo que se deduzia, uma vez que não foi declarado. A instrução pública estava estabelecida em lei, seria oferecida pelo Estado, contudo, limitava-se a fazer e dotar os estabelecimentos nos quais deveria ser efetivada, apenas. Para avaliar a importância desta Constituição Provisória faz-se necessário compreender que as ideias que foram colocadas para o Brasil eram aquelas que prestavam a Portugal. Assim, houve uma grande preocupação de D. João VI em desonerar os cofres públicos e muitas medidas foram tomadas nesse sentido, O Decreto de 16 de março de 1821, extinguiu todos os ordenados, pensões, gratificações, propinas e outras quaisquer despesas que não estivessem estabelecidas por lei ou decreto, inclusive de professores. As Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes determinaram o Decreto de 30 de junho de 1821 permitindo que qualquer cidadão ensinasse e abrisse escola de primeiras letras e tal permissão se justificou pela necessidade que se viu de facilitar, de todos os modos, que fosse dada instrução das primeiras letras à mocidade, diante da impossibilidade de estabelecer escolas em todos os lugares do reino por conta da Fazenda Pública. Para tanto, não era preciso nenhum exame ou licença, nem mesmo precisava ser feito por qualquer ato normativo e a Instrução Primária estava absolutamente a cargo do cidadão comum, neste momento, e completamente distante dos olhos do Governo. Tudo indica que D. João VI, sabendo que não mais retornaria e que deixaria o Brasil sem reservas financeiras, entre tantas questões a pensar e sabendo também que a tradição da monarquia de sua família os fazia extremamente obedientes à leis, deixou regulamentada uma fórmula de garantir que a instrução não fosse impedida, pois, não sabia ao certo o que ocorreria depois de sua ida a Portugal e diante do caus que poderia se instalar as

regulamentações até então obedecidas e já citadas poderiam oferecer dificuldades aos indivíduos para que fosse possibilitada. Contudo, a reação foi mais eficiente e as leis passaram a registrar transformações ainda mais importantes. A Constituição Brasileira de25 de março de 1824 onde o cidadão, para exercer direitos pertinentes à instrução, deveria proceder por intermédio dos Conselhos Gerais de Províncias, e isso incluía tanto o direito à instrução primária quanto aos colégios e universidades. Os agentes Públicos, porém, tinham responsabilidade pessoal, assim também considerado o professor, que assumia função pública enquanto inserido no sistema da instrução pública. A instrução foi tratada pela Constituição de 1824 como um direito individual. Antes disso, como vimos anteriormente, as Cortes Constitucionais Portuguesas, pela Constituição Provisória, haviam estabelecido a instrução como dever do Estado. Por se tratar de instrução pública, vê-se que o Estado naturalmente se coloca como seu provedor. Contudo, pelas disposições constitucionais analisadas em 1824, pode-se concluir que no processo de instrução o responsável direto seria o professor, já que um empregado público. Desde o Decreto de 10 de março de 1821 que a instrução já vinha sendo tratada de forma expressa como um dever do Estado. E foi somente com o advento da Constituição de 1824 que veio a ser classificado expressamente como um direito individual. De um lado a Constituição havia garantido ao cidadão o direito de intervir nos negócios da província quando o assunto lhe fosse peculiar por meio dos Conselhos de Províncias, como o caso do ensino. Contudo, de outro lado, não tratou expressamente sobre a quem cabia o dever de regulamentar tal direito, de forma que, por fim, sabemos, toda a regulamentação passava pelo crivo do Imperador. Elencando um dos projetos constitucionais, os estudos menores careciam de ser regulamentados. Em que pese não ter sido efetivamente aplicada a excessiva liberdade que D. João VI deixou à instrução no Brasil, a idéia de liberdade de ensino, nunca mais abandonou o curso do desenvolvimento da educação no Brasil, ainda que tenha tido outras motivações e finalidades. REFERÊNCIAS TONHOLLI, Daniela Almeida. A instrução pública no Brasil entre 1808 e 1834: levantamento e análise da legislação / Daniela Almeida Tonholli. Belo Horizonte, 2010 319f.: il. Orientador: Carlos Roberto Jamil Cury. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação NOTAS 1 Este é o título que consta na lombada do volume e não tem autor. Encontra-se no arquivo de livros raros da Câmara dos Deputados sob os seguintes códigos de registro: CAM V 37(8)(094) INSTR-PR INSTR e No.sist. 000184231. 2 Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. O trabalho foi coordenado pelo professor Ives Gandra e, em razão do levantamento que foi feito, escreveu um artigo sob o título “O Ordenamento Jurídico Brasileiro” publicado na

Revista Jurídica Virtual. Brasília, vol. 1, n. 3, julho 1999. Desse artigo extraímos diversos conceitos que serão tratados adiante. 4 Lê-se quinhentos mil réis. 5 Casa de habitação; lar, residência. (Houaiss, 2001, p. 1.363.) 6 Depois, Rio Grande do Sul. 7 Existe o registro dessa norma no Senado Federal, contudo, não obtivemos seu conteúdo. 69 Assim mencionado pelo decreto. Contudo, a expressão Indiana se referia aos índios. 8 As referências bibliográficas da dissertação de Mestrado ocuparam 59 páginas, de forma que esta comunicação se baseou em toda a referida dissertação, e, por esta razão, não se viu necessidade de destacar uma ou outra referência bibliográfica além da própria dissertação, pois nenhuma foi mais importante que outra e colocar todas faria com que fossem extrapolados os limites de formatação impostos a esta comunicação. Assim, para conhecer toda bibliografia utilizada na construção deste texto, e por conseguinte da dissertação que o origina, é imprescindível consultar esta última.

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