As possibilidades da Arqueologia Pública

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http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=31 ISSN 1807-1783 As possibilidades da Arqueologia Pública

por Aline Vieira de Carvalho e Pedro Paulo A Funari

Ações do Núcleo de Estudos Estratégicos - Unicamp

Sobre a autora[1]

Sobre o autor[2]

Arqueologia Pública: as relações entre a academia e a sociedade

O que é uma Arqueologia Pública (AP)? Para o arqueólogo britânico Nick Merriman, a dificuldade encontrada para definir esse campo de atuação da Arqueologia advém da própria complexidade de se estabelecer o que é o público. Para ele, desde o século XIX estamos acostumados a assistir aos financiamentos estatais de trabalhos arqueológicos (Merriman, 2004:3). Motivados pelo interesse de construir e fortalecer identidades nacionais, os Estados vinculavam-se às pesquisas acadêmicas apoiando seus desenvolvimentos, através dos museus ou, posteriormente, das universidades (Bastos e Funari, 2008: 1128). O custeio destas pesquisas com fundos públicos, por si só, poderia transformá-las em algo público.

Acreditar, no entanto, que o sustento estatal seria suficiente para transformar uma pesquisa arqueológica em trabalho de Arqueologia Pública (AP) é uma premissa bastante reducionista. Desde a década de 1970, arqueólogos influenciados ou por teorias marxistas ou por teorias pós-modernas, passaram a se indagar sobre as funções sociais da Arqueologia e, principalmente, sobre como deveriam se estabelecer as relações entre os acadêmicos, suas investigações e a sociedade como um todo. A obra Public Archaeology (1972), do arqueólogo norte-americano Charles Robert McGimsey, professor de Antropologia da Universidade da Lousiana, é considerada um marco na inauguração deste novo campo da Arqueologia (Merriman, 2004:3).

A AP, portanto, é uma área da Arqueologia voltada para o interesse público em geral (Merriman, 2004: 2). Existem diversas vertentes de teorias e práticas dentro deste campo. O que tange todas essas discussões é a reflexão sobre como as pesquisas arqueológicas, realizadas dentro das academias ou mesmo pelas empresas de Arqueologia, se relacionam com a sociedade.

Para o professor de Arqueologia da Universidade de Lund, na Suécia, Cornelius Holtorf, existem três modelos gerais que caracterizam as atuações dos arqueólogos dentro do campo da AP: 1) o modelo da Educação; 2) o modelo da Relação Pública e, por fim, 3) o modelo Democrático (Holtorf, 2007:107). Cada um destes modelos traz embutido em si as próprias concepções dos arqueólogos a respeito da academia e da sociedade. Para o autor, todos os três vieses apresentam características interessantes, mas é necessário refletir sobre suas propriedades para escolher de forma consciente as ações para a AP, mesmo que isso implique misturar as vertentes mencionadas.

No primeiro modelo, o da Educação, Holtorf identifica uma permanência da tradição iluminista de se compreender a academia e a sociedade como duas esferas distintas. O arqueólogo, nesse viés interpretativo, se percebe como detentor de uma verdade: ele sabe como era a vida no passado. Há, portanto, a crença na possibilidade da reconstrução fiel de um tempo através da cultura material. A Arqueologia, creditada como ciência neutra e exata, torna-se um instrumento de educação das massas. A sociedade, através da AP, é instruída sobre o seu passado. Não há debates entre os arqueólogos e a sociedade como um todo: os únicos capazes de discutir o passado reconstruído pelos vestígios materiais, dentro do modelo da Educação, seriam os arqueólogos e seus pares (Holtorf, 2007:107).

Distanciando-se dos propósitos deste modelo, a vertente da Relação Pública almeja melhorar a imagem da Arqueologia na sociedade. Isso para garantir o aval social que permite a continuidade dos próprios trabalhos arqueológicos. Holtorf afirma que esse viés da AP compreende que muitas são as necessidades sociais não necessariamente ligadas à ciência: questões como alimentação, saúde, habitação, segurança entre inúmeros outros problemas, podem se configurar, na maioria das vezes, como mais urgentes em financiamentos do que um projeto arqueológico. Assim, por uma questão de sobrevivência, torna-se imperativo demonstrar para a sociedade o quanto os trabalhos arqueológicos, e as memórias deles derivadas, são relevantes e, por isso, podem ser financiados com fundos públicos ou apoiados das mais diversas maneiras (Holtorf, 2007:114-119).

A propaganda dos trabalhos arqueológicos, dentro do modelo Relação Pública, é feita através das mídias: da televisão, passando por filmes e documentários, até os jogos de computador, tudo é entendido como válido quando se trata de divulgação. Para Holtorf, o grande inconveniente desta vertente é a tendência à simplificação da Arqueologia e, principalmente,

do passado (Holtorf, 2007:114-119). Para vender a Arqueologia como um produto, na maioria das vezes, apaga-se uma série de relações que podem ter existido no passado e que poderiam ser debatidas no presente. O passado tende a ser transformado em algo simples demais; tudo para que ele seja consumido. Nesse contexto, poderiam ser citados documentários exibidos pelos canais pagos de televisões, que, na maioria das vezes, são vinculados aos arqueólogos e, mesmo assim, valorizam situações por demais peculiares.

O modelo Democrático configura-se como uma alternativa a esses caminhos da AP apresentados até agora. Em clara defesa aos ideais dessa vertente, Holtorf afirma que o maior pressuposto deste modelo é a valorização igualitária do conhecimento (Holtorf, 2007:119126). Em uma linha argumentativa muito semelhante à do educador brasileiro Paulo Freire (1980), Holtorf advoga que todas as pessoas são detentoras de conhecimentos válidos: esses saberes podem variar de acordo com a trajetória de vida de cada um dos indivíduos, mas possuem igual importância.

Como existe uma igualdade no valor das pessoas e de seus conhecimentos, todos podem ser estimulados a se relacionar com a Arqueologia. Não porque ela é detentora da verdade, ou está relacionada às aventuras Hollywoodianas, mas porque esse campo de pesquisa pode ser um fascinante instrumento para a leitura crítica do mundo que nos cerca; composto pela cultura material.

A cultura material é presente na vida humana. Nascemos, crescemos e morremos interagindo com as mais diversas materialidades, criadas dentro de diferentes propósitos. Mas como ler essas materialidades? Um exemplo da leitura da cultura material é o estudo realizado pelo arqueólogo inglês Matthew Johnson, professor de Arqueologia histórica na Universidade de Southampton, em sua obra An Archaeology of Capitalism (1996).

No livro, o autor traça um mapeamento das mudanças ocorridas na paisagem e na cultura material da Inglaterra durante a transição do final da Idade Média para o início da modernidade. A busca pelo nascimento do capitalismo é uma preocupação própria do autor, em seu tempo e contexto específicos. De forma bastante interessante, Johnson estuda estruturas como as de igrejas e, através da análise de suas distribuições espaciais, consegue propor uma relação entre as divisões sociais existentes naquele período e os usos dos espaços. Para o pesquisador, a cultura material seria produzida em uma sociedade desigual e acabaria por reproduzir e reforçar essas disparidades.

O exemplo da análise material feita por Johnson poderia ser extrapolado e trazido para o nosso tempo presente como, por exemplo, na investigação da materialidade das escolas. A

disposição das salas, carteiras dos alunos, mesa do professor, arquitetura do prédio da escola, entre outros elementos, facilitam alunos e professores a adotarem comportamentos socialmente aceitos (Funari & Zarankin, 2005).

A cultura material, portanto, é repleta de intencionalidade; ela é concebida, materializada e utilizada dentro de determinadas sociedades. Por isso, ela pode ser lida para a compreensão do funcionamento das regras culturais. É importante destacar que existem inúmeras maneiras de analisar os vestígios materiais e refletir sobre suas intencionalidades e efeitos. A leitura sobre o universo material, entretanto, é crucial para a compreensão das regras culturais e sociais em que estamos inseridos.

O conhecimento arqueológico é reconhecido, dentro do modelo Democrático, como múltiplo e não exato. Por isso, o arqueólogo não pode se identificar como um policial da verdade (Holtorf, 2007:119-126). Esses saberes com os quais a AP trabalha devem ser construídos de forma cooperativa e no sentido de fornecer instrumentos para que todos os envolvidos em um determinado projeto possam elaborar questionamentos e conclusões a respeito dos temas debatidos. Neste sentido, os diálogos, as críticas e as reflexões acerca da cultura material, entre os arqueólogos e os não arqueólogos, são as maiores responsabilidades da AP.

A Arqueologia Pública Democrática: o dever da educação patrimonial

Em outubro de 1990, o Comitê Internacional para a Gestão do Patrimônio Arqueológico (ICAHM – ICOMOS) publicou a Carta de Proteção e Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico. O texto, redigido de forma bastante genérica, e direcionado aos profissionais da área, almejava compor alguns parâmetros e diretrizes para a proteção específica dos vestígios arqueológicos considerados patrimônios.

A definição usada para o patrimônio arqueológico na Carta é bastante ampla. No texto, o patrimônio arqueológico é destacado como composto por patrimônios materiais passíveis de serem lidos ou analisados pela Arqueologia (ICAHM, 1990). De acordo com o texto, o patrimônio arqueológico engloba: “ (...) las huellas de la existencia del hombre y se refiere a los lugares donde se ha practicado cualquier tipo de actividad humana, a las estructuras y los vestigios abandonados de cualquier índole, tanto en la superficie, como enterrados, o bajo las aguas, así como al material relacionado con los mismos” (ICAHM, 1990)

Composta por nove artigos, a Carta traz referências específicas ao campo que hoje denominamos como AP. Em primeiro lugar, o texto afirma que a proteção do patrimônio

arqueológico deve ser compreendida como obrigação moral e de responsabilidade coletiva (ICAHM, 1990). É dado aos Estados à incumbência de providenciar fundos para embasar as atividades de proteção do patrimônio. A proteção efetiva e cotidiana, no entanto, é responsabilidade do Estado, mas, também, de toda a sociedade.

Para o envolvimento da sociedade nesta tarefa considerada moral, a Carta estabelece a necessidade de prover o público geral de informações acerca do patrimônio. Não são definidos os moldes da Educação patrimonial. A Carta indica que as especificidades locais devem ser sempre respeitadas e, por isso, não existem fórmulas para ação de preservação e de educação. O único imperativo proposto pelo texto é o de que o passado deve ser mostrado como multifacetado (ICAHM, 1990).

Parte-se do pressuposto, na Carta, de que só é possível preservar o patrimônio através do conhecimento e da afeição. Ao mostrar um passado múltiplo, composto por diversas identidades e passível de muitas interpretações, seria possível criar um número maior de aproximações entre a sociedade no presente e as imagens do passado, representadas pelo patrimônio. Para a Carta, com a identificação pressupõem-se a preservação.

Contudo, não é sempre que existe a possibilidade de valorização de um imenso leque de identidades relacionadas aos patrimônios, sejam eles arqueológicos ou não. O patrimônio, que é composto por um conjunto de bens de ordem material e imaterial, faz referências às identidades e memórias de diferentes grupos sociais (Soares: 2005). O que pode ser importante e gerador de afeição para um determinado grupo de pessoas, não necessariamente causa a mesma comoção em outro grupo social. Neste sentido, convém a pergunta: seria possível a preservação de um patrimônio por parte de pessoas que não se reconhecem nele?

Como não há reconhecimento entre o indivíduo e o patrimônio e, infelizmente, sentidos ou significados sobre a “coisa pública”, a resposta a essa pergunta seria: a princípio, não! E, exatamente por isso, a Educação patrimonial torna-se urgente. Dentro dos princípios da AP Democrática, é preciso construir junto com as comunidades o conceito de patrimônio e de bem público. Apenas quando esses conceitos tiverem sentidos para os indivíduos será possível alcançar uma preservação efetiva dos patrimônios, sejam eles de quaisquer espécies. O indivíduo precisa compreender que esse patrimônio é importante para alguém. Para Funari e Bastos, “através da educação patrimonial o cidadão torna-se capaz de entender sua importância no processo cultural em que ele faz parte, cria uma transformação positiva entre a relação dele e do patrimônio cultural” (Bastos e Funari, 2008: 1131).

A preocupação com a divulgação dos trabalhos arqueológicos no Brasil

As tentativas de defesa do patrimônio arqueológico brasileiro começaram na década de 1920. Naquele momento, o presidente da Sociedade Brasileira de Belas Artes e chefe do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Alberto Childe, propunha a nacionalização das “fontes culturais” (Bastos e Funari, 2008: 1128). A iniciativa não foi aprovada pelo Congresso, isto porque, a ação poderia significar a necessidade da nacionalização de propriedades privadas. Atitude nada interessante para os políticos do período.

A proposta de 1920 não assinalava a necessidade de uma divulgação ou de um programa educacional acerca dos patrimônios. Essa preocupação surgiu apenas em 1935, período anterior à fundação do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Naquele ano, Raimundo Lopes, arqueólogo maranhense, publicou um estudo sobre as fontes culturais nacionais e sobre a necessidade da elaboração de programas educacionais e da divulgação de informações sobre sítios arqueológicos (Bastos e Funari, 2008: 1128).

Mesmo com a publicação de Lopes, o grande passo para a preservação do patrimônio arqueológico nacional só seria dado na década de 1960. Uma comissão formada por arqueólogos, pesquisadores da Pré-História, conquistou a elaboração da lei n. 3924/61, aprovada pelo congresso em 1961. O maior objetivo da lei era definir o patrimônio arqueológico, regularizar sua propriedade e seus usos (Bastos e Funari, 2008: 1128).

Nela ficava estabelecida a guarda e proteção do patrimônio arqueológico pelo Poder Público. Por isso, a realização das escavações, tanto em terras públicas como nas particulares, só poderia acontecer mediante a permissão do Governo da União. As licenças para os trabalhos arqueológicos eram emitidas pela Diretoria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Proibia-se ainda a exploração comercial dos vestígios culturais, bem como sua destruição ou mutilação (Ojeda: sd). As preocupações com a divulgação das escavações arqueológicas, assim como os programas de educação patrimonial, não estão presentes na lei n. 3924/61.

Os debates sobre esses temas só voltariam ao centro do cenário político-acadêmico brasileiro após 1985, com o final da ditadura militar. A abertura política do país foi acompanhada pela elaboração de legislações estaduais de proteção dos sítios, monumentos e coleções arqueológicas (Bastos e Funari, 2008:1129), bem como pelo inicio das discussões sobre a Arqueologia Pública. No contexto internacional, no ano de 1986, surgia o Congresso Mundial de Arqueologia, cujas discussões se voltavam para os aspectos sociais da disciplina. Entender

as relações entre essa ciência e a sociedade tornava-se um dos pilares desse novo campo de atuação.

Entre os anos de 1961 e 1985, ocorreram inúmeras iniciativas de divulgação do conhecimento arqueológico no país. Essas ações, na maioria das vezes, estavam atreladas aos museus, como é o caso do Museu Imperial, em Petrópolis, Rio de Janeiro (Soares, 2005:20). Apesar da existência de uma preocupação em mostrar ao público o trabalho arqueológico brasileiro, apenas a partir da segunda metade da década de 1980, passou-se a refletir sobre os métodos, práticas, valores e significados dessa divulgação. Nascia, então, a AP brasileira.

Arqueólogos da academia, junto com arqueólogos das empresas privadas (recéminauguradas), inseridos nas discussões sobre a AP nos Estados Unidos e na Europa, fundaram novos museus com suas vertentes educacionais (um exemplo seria o próprio MAE, fundado em 1989). Além disso, foram planejadas ações inseridas nos trabalhos de campo da Arqueologia, voltadas para o envolvimento das comunidades com os vestígios materiais escavados e suas posteriores preservações e divulgações.

Mesmo que haja atividades em AP no presente momento, ainda se configura como emergencial a elaboração de outras ações e práticas neste campo. A pesquisa realizada por Ana Pinõn, mestra pela Universidade Complutense de Madrid, comprova essa necessidade. Ao indagar 821 alunos do Ensino Fundamental de escolas públicas, nos primeiros anos do século XXI, espalhados por todo Brasil, sobre quem eram os donos dos patrimônios nacionais, Pinõn recebeu 2/3 das respostas afirmando que os patrimônios pertenciam à “donos” específicos, fossem eles pessoas ou instituições (Pinõn e Funari, 2007: 298). Os estudantes não conseguiam identificar relações e aproximações entre os patrimônios e eles próprios.

Saul Milder, arqueólogo brasileiro e professor da Universidade Federal de Santa Maria, atestou a mesma situação no sul do país. Em um trabalho de consultoria realizado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas (LEPA), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), para a Empresa de transmissão do Alto Uruguai (ETAU), Milder afirma que: “Chamou a atenção do grupo, durante o processo , que muitos habitantes da região com as quais se fazia contato, ficavam absolutamente admirados e, em muitas ocasiões, simplesmente não compreendiam o que se estava realizando. Demonstravam um desconhecimento daquilo que, mesmo ignorado, fazia parte do seu cotidiano” (Milder, 2005:3).

O distanciamento entre a sociedade e seus diversos patrimônios pode ser superado através de ações sólidas da Educação patrimonial. Não se almeja atribuir à sociedade um conhecimento

enciclopédico sobre quais são seus patrimônios, datas de fundação, autores, características físicas, entre outros dados. Ao contrário, a Educação patrimonial deve agir no sentido de, democraticamente, construir diálogos entre a sociedade e seus patrimônios.

Estes diálogos devem ser constituídos para “permitir a realização de conexões entre a vida cotidiana das pessoas com o processo histórico relatado. Devem providenciar instrumentos para a reflexão” (Vargas e Sanoja, 1990:53). Assim, cada grupo social torna-se capaz de atribuir significados ao próprio patrimônio e ao bem público como um todo. Têm-se um cidadão crítico pronto para a preservação e, principalmente, para transformação tanto de seu entorno como da sociedade.

O Núcleo de Estudos Estratégicos e ações da Arqueologia Pública

O Núcleo de Estudos Estratégicos apresenta larga trajetória, dedicada a diversos aspectos relativos à reflexão científica. O NEE foi criado pela Portaria GR-59/85, de 28 de março de 1985, como órgão complementar da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, tendo por objetivos: a realização de estudos de natureza interdisciplinar; a participação sistemática no debate acadêmico nacional; e a divulgação de conhecimentos que possam contribuir para o desenvolvimento da Estratégia. Desde o início do século XXI, o NEE atua no campo das Estratégias em Arqueologia Pública. Os Estudos Estratégicos, oriundos das preocupações sociais já presentes em Von Clausewitz (Howard 2002), há dois séculos, fundam-se na percepção de que a sociedade está no centro das questões relativas à segurança e à defesa, presentes no étimo grego stratiá (exército). Por isso, o imperialismo e as relações de poder formam o cerne dos Estudos Estratégicos (pace Quartim de Moraes 2005, Cavagnari 2009), assim como a Arqueologia passou a ser, nas últimas décadas, o estudo não apenas do antigo, mas do poder, a partir do étimo grego arkhé, antigo, mas também poder (Shanks e Tilley 1987; Funari 2003). A convergência entre Estudos Estratégicos e Arqueologia, como estudo e ação relativas às relações sociais de poder, dá-se no campo das Estratégias em Arqueologia Pública, área de atuação levada adiante no NEE nos últimos anos.

No contexto brasileiro, tema estratégico de primeira ordem, desde a década de 1980, ao menos, consiste na diversidade:

“A Diversidade Cultural é tema estratégico para as políticas culturais no Brasil e no mundo. Com a entrada em vigor da Convenção da Diversidade, reafirma-se direito soberano dos Estados de implementarem políticas necessárias à proteção e promoção de suas expressões culturais. A nova concepção de Política Cultural implantada pelo Ministério da Cultura já incorpora grande parte dos objetivos da Convenção, porém surgem novos desafios. O MinC

utilizará este espaço para publicar e conversar, com vistas a aprofundar o debate sobre o assunto” (grifo no original)”. [3]

A diversidade é o princípio estratégico norteador da vida social brasileira, em ambiente livre e democrático. Como se ressalta na publicação do NEE:

“No Brasil, a expressão Arqueologia Pública, surgida em âmbito anglo-saxão, ainda é nova e pode levar a confusão. De fato, público, em sua origem inglesa, significa “voltada para o público, para o povo” e nada tem a ver, stricto sensu, com o sentido vernáculo de público como sinônimo de “estatal”. Ao contrário, o aspecto público da Arqueologia refere-se à atuação com as pessoas, sejam membros de comunidades indígenas, quilombolas ou locais, sejam estudantes ou professores do ensino fundamental ou médio. A ação do Estado dá-se, de maneira necessária, por meio da legislação de proteção ambiental e cultural que obriga os empreendedores – empresas privadas ou públicas – a custearem estudos de impacto ambiental e cultural”.

O NEE desenvolve ações com as comunidades, de modo que sua diversidade cultural possa se constituir em meio de fortalecimento estratégico. Essas atividades referem-se a grupos indígenas, mas também de grupos humanos variados, nos rincões mais recônditos, como em ambientes urbanos. Exploram-se, também, a diversidade das identidades humanas, com projetos e atuações em relação a grupos tão variados como os caiçaras, as mulheres e as crianças. Projetos de âmbito internacional, com a cooperação entre países como Cuba, GrãBretanha, Argentina, Estados Unidos, França, Colômbia, entre outros, inserem essas pesquisas e ações em uma perspectiva muito mais ampla e variada. Projetos envolvem o arquivo de Paulo Duarte, custodiado na UNICAMP (Funari e Silva 2007), ações patrimoniais estratégicas em portos como Havana, Cuba e Santos, Brasil (Funari e Domínguez 2002), o estudo das identidades e o imperialismo, a partir da cultura material (Garraffoni, Funari, Pinto, 2009; Hingley 2009), entre outros diversos. As perspectivas para o avanço da Arqueologia Pública no NEE são as mais amplas e variadas, de maneira a contribuir para o aprimoramento tanto de disciplinas como os Estudos Estratégicos e a Arqueologia, como da ação comunitária.

Agradecimentos

Agradecemos a Rossano Lopes Bastos, Geraldo Cavagnari, Lourdes Domínguez, Renata Senna Garraffoni, Richard Hingley, Cornelius Hortolf, Matthew Johnson, Nick Merriman, Saul Milder, João Quartim de Moraes, Ana Piñon, Renato Pinto, Erika Robrahn-González, Mario Sanoja, Michael Shanks, Glaydson José da Silva Helaine Silverman, Christopher Tilley, Iraida Vargas.

Mencionamos o apoio institucional do Núcleo de Estudos Estratégicos, FAPESP, CNPq, CAPES. A responsabilidade pelas idéias restringe-se aos autores.

Bibliografia

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[1] Pesquisadora colaboradora do NEE/Unicamp, pós-doutoranda.

[2] Professor Titular do Departamento de História, Coordenador do NEE/Unicamp.

[3] http://www.cultura.gov.br/foruns_de_cultura/diversidade_cultural/index.html.

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