As propostas da linha cientifico-filosófica transhumanista a partir de reflexões no pensamento kantiano acerca do destino da espécie humana

June 30, 2017 | Autor: L. dos Santos Junior | Categoria: Immanuel Kant, Transhumanismo, Tecnologia, Ser Humano
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As propostas da linha cientifico-filosófica transhumanista a partir de reflexões no pensamento kantiano acerca do destino da espécie humana

Luiz Carlos dos Santos Junior Graduando em Filosofia pelo Centro Universitário Salesiano de Lorena (Unisal) [email protected] Orientador: Marcius Nahur

Resumo: A ciência e a tecnologia como produtos da razão, proporcionaram ao ser humano meios de transpor barreiras a todo momento. O ser humano indaga as possibilidades do que pode realizar para com o mundo e ele mesmo, buscando responder perguntas sobre a origem do Universo e até mesmo a existência de Deus. Entre os diversos filósofos e linhas de pensamento disponíveis para a reflexão, o objetivo deste trabalho acadêmico será a partir de Immanuel Kant realizar reflexões sobre as possibilidades de ser da espécie humana como escolhida pela natureza para se emancipar e as perspectivas de futuro da linha cientifico-filosófica transhumanista.

Palavras-Chave: transhumanismo, espécie, tecnologia, ser humano, Kant, história.

Introdução

Se o ser humano for observado a partir da sua origem e do caminho que tem percorrido, será possível notar que ao longo da história há um progresso crescente à medida que esta é construída e a espécie da qual fazemos parte avança pela dimensão temporal. Mas para uma história ser construída e registrada como a da espécie humana, o primeiro atributo a ser notado nesta, seria aquele que nos diferencia de todos os demais seres vivos: a razão. A razão sendo o principal atributo do ser humano, é o que situa esta espécie como dominante no planeta. O cientificamente denominado “homo sapiens”, teria a capacidade de não apenas perceber o ambiente do qual faz parte, mas de adaptar-se a tal ambiente, fazer uso dos recursos disponíveis deste e até mesmo transformá-los a fim de que ele garanta a sua sobrevivência; ou seja, de um ponto de partida (a natureza), os seres humanos observam, se adaptam e dominam o que os cerca. Sendo assim, pela ótica metafísica e histórico-filosófica de Kant, podemos observar alguns pontos a respeito da história humana e o seu desenvolvimento, com foco em um

dos mais importantes resultados do desenvolvimento da razão da espécie: a tecnologia. A tecnologia não é uma descoberta recente do ser humano, o equívoco hoje é que esta definição é comumente usada para se referir a inovações na área da computação, engenharia, robótica, entre outras. A tecnologia no seu sentido originário, do grego “tekhne” e “logia”, se refere ao estudo da técnica, e por meio desta habilidade, foi possível ao ser humano descobrir, por exemplo, o fogo, sendo essa uma das descobertas mais importantes do “homo sapiens”. A tecnologia foi o que alavancou a vida do ser humano no planeta; citando brevemente, houve três grandes revoluções resultantes da tecnologia conjuntamente a capacidade cognitiva do ser humano: 

Revolução Agrícola – O ser humano não só apenas caça seu alimento e procura plantas e raízes, neste momento ele também cultiva seus alimentos e domestica animais.



Revolução Industrial – Há a aceleração da produção, surgem as fábricas, o ser humano não trabalha mais sozinho, mas também se torna uma força de trabalho.



Revolução Tecnológica – Novamente fazendo uso do termo que caracteriza todos os recursos criados pelo ser humano, esta revolução se caracteriza pelo uso dos computadores, da tecnologia digital em favor do progresso, o nascimento da robótica, etc. Para entender de maneira mais profunda os progressos dos avanços resultantes

do uso da tecnologia, principalmente no século XXI, há uma linha de pensamento científico-filosófica denominada Transhumanismo; esta linha nos permite refletir acerca dos avanços realizados até o momento e dos tomados como possíveis para ainda a primeira metade deste século. Apesar dos avanços do uso e aperfeiçoamento da tecnologia, possibilitando ao ser humano se tornar a espécie dominante do planeta e ainda assim ser parte de um caminho não traçado até o seu fim pelo homem, a posição do ser humano no mundo não é definida apenas pela esfera tecnológica. A vida humana além da tecnologia, é constituída também por esferas de outra ordem como religiosa e política. Sendo assim, tomando como base a linha de pensamento de Immanuel Kant, o objetivo deste artigo é analisar as perspectivas da linha de pensamento transhumanista para o futuro a partir do presente, com o suporte da visão para com a espécie humana do filósofo alemão Immanuel Kant.

1. A espécie humana como eleita pela natureza para a emancipação evolutiva Na obra “Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita”, KANT (2008) apresenta uma visão metafísica e histórica do fim para qual o homem foi criado. O homem, assim como os outros animais é uma criação da Natureza, no entanto possui uma característica particular e especial, a razão, que o faz ascender dentre as demais espécies. Kant ao longo de toda a sua obra, dividida em nove proposições, enfatiza a espécie humana como uma criação destinada a se libertar da sua origem natural e instintiva, e a razão será o seu principal instrumento de libertação e desenvolvimento na esfera social, artística, cultural e histórica criando um “registro” para a emancipação da espécie. A razão como atributo dado somente ao ser humano pela Natureza, é a característica principal que o diferencia das demais espécies e o principal meio pelo qual a espécie humana se tornará livre. Todas as espécies uma vez criadas pela Natureza, são ligadas e seguem o seu fio condutor, mas o ser humano possui a razão, e este dom com o tempo o libertaria desta ligação, permitindo à espécie caminhar rumo a sua perfeição ao longo do tempo e da transição de uma geração para outra. Ela (a razão) é por sua vez um instrumento que liberta o ser humano do instinto, também é o caminho pelo qual se pode alcançar a felicidade e partilhar dela somente entre os seus, indivíduos da própria espécie. No entanto, o ser humano só pode alcançar o pleno desenvolvimento de suas disposições por um grande esforço e superação das suas próprias limitações e falhas. A Natureza não teria qualquer intenção segundo o filósofo de facilitar este caminho a ser trilhado pelo ser humano. O ser humano sem os obstáculos estabelecidos pela natureza é uma espécie conformada e fadada a dormência, ela precisa da inquietude que a faça buscar soluções com a própria felicidade em vista, o que nos leva a considerar e refletir sobre os “progressos” realizados ao longo da história. A história também é um fator importante para o ser humano, ela somada a razão, serve para que o ser humano saiba das suas origens e decisões tomadas no passado, e assim com base nestas, decidir suas novas empreitadas na busca do desenvolvimento da espécie. Por meio da história, o ser humano transmite o seu “germe” ao longo das gerações, este germe seria uma disposição universal pelo qual a espécie se orientaria para o desenvolvimento pleno das suas capacidades. Como resultado, o ser humano passaria a se situar a partir de convenções. A partir da sociedade e de uma constituição justa, é que se ornamentariam na sociedade as artes, a cultura e a ordem social, desenvolvendo os

germes da Natureza. Na formação de uma sociedade, o ser humano tem como necessidade um governante, um líder que se responsabilizaria de representar os seus semelhantes e tomar decisões para o meio do qual faz parte de acordo com o que fosse melhor para todos. Porém o governante escolhido pela sociedade não é diferente dos seus, na verdade as mesmas disposições para falhas que cada indivíduo carrega também se apresentam no seu representante. Este fator do ser humano, embora negativo é também necessário. As más decisões, que acarretariam em prejuízos, consequências negativas e tentativas infrutíferas, são imperfeições longe de serem desnecessárias à espécie, estas fazem parte do germe constitutivo do ser humano, e o conhecimento destas são importantes para decisões futuras mais acertadas. Seguida da formação de uma comunidade, sociedade ou estado, regidos por uma constituição legal, a natureza novamente traz à luz outro problema: a insociabilidade de um estado em relação a outro. Estes estados se formam e não necessariamente partilham dos mesmos ideais e objetivos, o que acarreta na visão e interesses particulares de cada povo. A natureza faz uso desta incompatibilidade para tirar os seres humanos novamente do seu torpor de tranquilidade e novamente encarar os seus antagonismos por meio de guerras e conflitos, que consequentemente os levarão à busca de novos caminhos por meio do seu atributo de maior importância: a razão. A conscientização e reflexão pela razão levaria os estados a formar nações visando a tranquilidade e renúncia de uma certa liberdade por meio de uma constituição legal, que por sua vez defenderia de maneira justa os interesses do novo povo que surge. Sendo assim, as guerras são também um mal necessário, mal pelo qual os estados iniciam, mesmo que a princípio de maneira infrutífera suas relações e posteriormente alcançam um ordenamento de maneira que se mantenham como um autômato. Este processo não foge aos olhos da natureza que, não satisfeita, ainda apresentará ao ser humano todas as suas imperfeições. Embora sejamos civilizados ao excesso segundo KANT (2008), ainda assim temos muito o que observar e melhorar, de maneira alguma estamos moralizados ao ponto que a natureza tem como meta para a nossa espécie. Mesmo que o ser humano possa ser considerado moralizado no que remete à cultura e valores que ele carrega e alimenta individualmente, os estados ainda não possuem uma moral devidamente desenvolvida, afim de que o germe em cada indivíduo seja constitutivo também de cada estado e mais uma vez pelas nossas insociabilidades, diferenças e conflitos alcancemos a próxima curva de avanço. Tal como é imensamente difícil mensurar a dança detalhada dos astros no universo, também é este ciclo no qual a espécie humana se encontra e para que rumos

de fato irá seguir. No que diz respeito aos Estados, as relações destes seriam tão artificiais que dificilmente afetariam a cultura sem perder seu poder e influência para com um povo, e por fim isso assegura a manutenção das primeiras. Igualmente é apresentado na obra a respeito da liberdade civil, na qual novas liberdades ganham espaço, como a de ordem religiosa. Com relação aos Estados, ao longo da história que estes encontrariam suas vantagens em si, as guerras se tornariam empreendimentos artificiosos e as relações entre estados em suas tensões tenderiam a buscas por uma conciliação mundial; a manutenção do todo passa a ser o grande interesse humano e o propósito da natureza finalmente se apresenta: “um estado de cidadania mundial como o seio em que desenvolverão todas as disposições originárias do gênero humano” (KANT, 2008, p.16). Na última proposição de sua obra, apresenta-se a ideia de que mesmo que não exista tal propósito da natureza para a espécie humana, esta proposta nos sirva de fio condutor, afim de apresentar ao menos um sistema em conjunto sem plano das ações humanas. KANT (2008) também observa que ao longo da história, a partir do período da política grega, que houve uma melhoria regular da constituição estatal do mundo. Na medida que as constituições apresentam suas deficiências, um germe de ilustração se aviva a cada grande revolução, e percebemos um fio condutor que nos dá um vislumbrar de um futuro no qual todos os demais germes cultivados no ser humano alcançam o seu pleno desenvolvimento.

2. A linha cientifico-filosófica transhumanista e suas reflexões a respeito do futuro da humanidade

Desde que o ser humano, pelo desenvolvimento da razão e o uso da tecnologia tomou consciência da sua existência e passou a buscar meios de melhorar suas condições de vida e sua saúde; com isso, novas perguntas a respeito das suas limitações foram postas na tentativa de obter respostas. Entre essas perguntas surge a seguinte: até que ponto nossas limitações podem ser superadas? Como demonstrado no tópico anterior, Kant (2008) nos apresentou sua concepção do ser humano como um ser criado e escolhido pela natureza para superar não somente as suas condições e adversidades externas, mas também as internas, a fim de que a espécie humana alcançasse a sua condição perfeita. Séculos depois do pensamento kantiano ter surgido e deixado a sua marca na história da filosofia, no século XX, novas ideias de superação e transcendência das

limitações do ser humano voltam a ser levantadas e postas a reflexão. O biólogo Julian Huxley em 1957 na sua obra “New bottles for new wine [Garrafas novas para vinho novo]”, propôs que “a espécie humana pode, se quiser, transcender a si mesma – não apenas esporadicamente, uma pessoa aqui de um modo, um indivíduo ali de outro modo – mas em sua totalidade, como a humanidade. Precisamos de um nome para essa nova crença. Talvez transhumanismo sirva” (HUXLEY apud HAAG, 2013, p.187). A linha científico-filosófica transhumanista ou simplesmente transhumanismo, se trata de uma linha filosófica que propõe que pelo uso racional e responsável da ciência e da tecnologia, o ser humano supere suas limitações não apenas de condições de vida, mas de si próprio. A razão e a partir desta, a tecnologia, possibilitaram ao ser humano do que lhe foi dado, em outras palavras, a partir do mundo criar meios de “dominar” o ambiente no qual se encontra e melhorar à sua maneira de existir deste então. Na visão transhumanista, o ser humano poderá por meio da ciência e da tecnologia entre uma série de possibilidades, principalmente superar a morte, fator este inevitável até os dias atuais.

3. As revoluções de transição do século XXI

Todo o progresso alcançado pelo ser humano se dá pela capacidade de a partir da sua atual condição, criar meios de melhorar o seu modo de sobrevivência, de perceber o mundo à sua volta e procurar formas de superar suas limitações fazendo uso dos seus maiores recursos: a razão e o raciocínio. Desde um modelo novo de celular a um tipo mais potente e eficiente de computador, maneiras mais rápidas de transmissão de dados, meios de exploração de novos mundos ou a busca de planetas habitáveis, etc. Essas e um número a cada dia maior de avanços são realizados por homens e mulheres que imaginam meios de superar o que já foi alcançado ou de prover alguma solução ainda não pensada. Este avanço também tem se acelerado, o ser humano em cada progresso, em cada passo, o faz a partir da sua condição atual e mais rápido do que o anterior, os nossos próprios avanços nos permitem alcançar os futuros a um passo mais rápido, no qual dobramos, triplicamos, e eventualmente chegaremos a um ritmo no qual se tornará demasiado difícil acompanhar este crescente avanço. Sendo assim torna-se necessário que o ser humano desenvolva também novos meios que o possibilitem acompanhar este ritmo evolutivo.

As acelerações dos avanços realizados pelo ser humano podem talvez ser melhor refletidos a partir do gráfico abaixo, onde o historiador Ian Morris (2010) apresenta o salto exponencial do desenvolvimento social alcançado pela espécie humana no final do século XVIII, período em que ocorreu o desenvolvimento industrial e o uso de motores a vapor, ou seja, o uso de máquinas para atividades antes realizadas por seres humanos.

Figura 1. Figura publicada no livro Why the West Rules -- for Now: The Patterns of History, and What They Reveal About the Future.

Para a superação das limitações da espécie humana e o alcance do futuro mentalizado pelos cientistas e filósofos transhumanistas, estes mencionam três caminhos para o futuro ou também denominadas revoluções de transição, apresentadas como prováveis projeções já para a primeira metade do século XXI. A revolução genética trata das descobertas frequentes no campo do genoma humano. Os avanços realizados nesta área nos permitem esclarecer cada vez mais da composição dos nossos corpos e prever possíveis problemas ou doenças que possamos enfrentar. Já é possível hoje por um preço, solicitar o mapa do próprio código genético individual. Mesmo que um leigo no assunto não possa realizar o uso adequado de tal

item, já é possível pensar novas perspectivas para a saúde humana. A partir de descobertas como essa é possível a confecção de novas vacinas e medicamentos com o objetivo de potencializar o sistema imunológico humano. A revolução nanotecnológica visa o uso do potencial da engenharia e a robótica. Desenvolvendo minúsculos robôs numa dimensão de nanômetros, a estes seria possível fazer uso da matéria ao seu nível atômico e alterá-la, rearranjando-a e por fim criando o que fosse desejado. A nanotecnologia também possui aplicações no campo genético, uma vez que na nanomedicina estes nano-robôs também poderiam ser programados para atuar na nossa corrente sanguínea e combater mais efetivamente que qualquer droga ou analisar com mais precisão doenças de caráter degenerativo como câncer ou Alzheimer. Na terceira revolução de transição há os avanços da robótica e da inteligência artificial. Nesta revolução, são consideradas as possibilidades de se produzir uma inteligência sintética, ou seja, uma máquina com o potencial semelhante ao do ser humano de ser consciente e ainda de transcender a capacidade cerebral do homem. Logo a espécie humana não apenas seria superada por máquinas ou robôs nas atividades braçais, mas nas intelectuais, uma vez que um computador “consciente” seria capaz de executar atividades cognitivas a um ritmo muito superior que um ser humano. Muitos avanços já foram realizados nas áreas de aprendizado de máquina e já são visíveis no século em que nos encontramos, no entanto, não quer dizer que as descobertas neste campo se encerraram ou que restam poucas delas. Ainda são muitos os estudos realizados nessas vertentes, e somente o que já possuímos desses assim como na genética, já são suficientes para um grande número de reflexões, inclusive de ordem ética. Todas as três revoluções mencionadas estão de alguma maneira entrelaçadas, se complementam e teriam impactos significativos no modo de vida do ser humano, seja positivamente, possibilitando uma nova era de avanços e desenvolvimento em diversas esferas, ou negativamente, se o seu uso não fosse realizado em vista primária da preservação e desenvolvimento da espécie humana.

4. As perspectivas transhumanistas e as limitações desta para com a espécie humana a partir do pensamento kantiano

Pelo que Kant nos apresenta na sua obra (Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita), pode-se tomar em parte as propostas da linha transhumanista e

as considerarmos como elementos do conjunto que caracteriza a o caminho do ser humano na história. Boa parte dos progressos e também falhas da humanidade são resultados do uso da razão e da tecnologia. Os progressos são lembrados e pensados sem grandes dificuldades, as falhas são lembradas com certo pesar e como elementos de reflexão das nossas ações e decisões. A bomba atômica é um exemplo claro e notoriamente trágico na história da humanidade de no que o uso inadequado da tecnologia pode resultar. Mas, na perspectiva transhumanista, semelhante à kantiana, o ser humano com o tempo se tornará mais sábio a medida que avança pelo tempo com os seus progressos e paulatinamente resolve todos os problemas sociais e materiais que possam surgir. Das diversas possibilidades de recursos e soluções que podem ser imaginados e desenvolvidos a partir da capacidade tecnológica do ser humano, é válido e importante perguntar: o transhumanismo pensa no avanço da humanidade apenas na esfera científica e tecnológica? O ser humano é um ser composto; a razão embora um atributo que o tenha sempre acompanhado pela história, desenvolveu conhecimentos e progressos de outras ordens como a religiosa, política e social. Pensar no avanço da espécie parcialmente, ou seja, não considerar as outras áreas da qual ela faz parte e realiza transformações, não só pode ser uma maneira de raciocinar equivocada, mas também nociva. Há projeções futuras das quais ainda não possuímos qualquer noção de quais seriam os seus impactos. A visão kantiana a respeito do caminho ao qual a espécie humana está destinada e as perspectivas transhumanistas de certa maneira são semelhantes. O ponto de vista de Kant, no entanto é mais abrangente por não tratar da espécie apenas nas esferas científica e tecnológica. As relações desenvolvidas pela espécie também são consideradas.

5. A determinação do ser humano quanto ao seu caminho no avanço evolutivo e tecnológico Segundo o historiador Michael Haag, “de modo geral, os elementos comuns aos diversos esboços e manifestos apresentados incluem a adoção entusiasmada e otimista do potencial dos avanços científicos para melhorar a condição humana individual e coletiva” (2013, p.187). Embora os profissionais fortemente envolvidos com a linha transhumanista possuam modelos matemáticos que possam nos apresentar uma ideia do ritmo crescente de inovações e aceleração tecnológica, realizando assim suas projeções

de possibilidades para o futuro, também existem questões de grande importância e prioridade que não devem ser ignoradas. Estas “pontas soltas” levam ao surgimento de objeções à alguns dos avanços alcançados até o momento e o questionamento dos considerados para um futuro próximo, desde a questão prática – é realmente possível que os avanços tecnológicos nos levem ainda na primeira metade do século XXI a um novo patamar da espécie e a humanidade se tornando pós-humana como propõe os transhumanistas, ou se trata apenas de uma visão utópica? –, à questão filosófica – o que é ser humano, estaríamos abandonando nossa verdadeira natureza com a possibilidade de eliminarmos a inevitabilidade da morte e até mesmo a necessidade de nossos corpos orgânicos? –, à questão política – os avanços apresentados como possíveis também não resultariam em uma nova maneira de separar ricos e pobres, uma vez que no seu primeiro estágio somente os seres humanos com alto poder aquisitivo poderiam adquirir tais recursos? –, à questão religiosa – o fato dos transhumanistas afirmarem a possibilidade de o ser humano não estar mais destinado à morte futuramente, não seria uma postura carente de senso moral e até mesmo ateia, sendo a morte para as religiões de maneira geral uma passagem para a vida após a morte? A respeito desses questionamentos, os transhumanistas tentam respondê-los da melhor maneira que podem. Nas questões políticas – as novas tecnologias são pouco acessíveis no seu estágio inicial, à medida que avançam vão ficando menores e mais baratas segundo o engenheiro Raymond Kurzweil (2009) –, na questão filosófica – o ser humano não diferente de outras espécies, também está evoluindo, está em constante mudança e de forma alguma está completo –, nas questões religiosas – os filósofos transhumanistas em absoluto negam as diversas crenças religiosas existentes, eles buscam averiguar onde estão certos e errados e assim corrigirem seus pontos de vista e agirem de maneira mais acertada –, e por fim nas questões práticas, os transhumanistas consideram os avanços propostos como inevitáveis, não há como cessar o movimento exponencial de crescimento e inovação da ciência e da tecnologia, que mesclados à imaginação e perspectivas humanas, nos conduzirão a uma nuvem de possibilidades ainda não mensurada. Estes são passos necessários para a libertação do fio condutor da natureza; uma vez que somos ligados a ela, seguimos conforme suas orientações como nos é apresentado por Kant (2008, p. 9). O homem quer concórdia; mas a natureza sabe melhor o que é bom para a sua espécie, e quer discórdia. Ele quer viver comodamente e na satisfação;

a natureza, porém, quer que ele saia da indolência e da satisfação ociosa, que mergulhe no trabalho e nas contrariedades para, em contrapartida, encontrar também meios de se livrar com sagacidade daquela situação.

Portanto a libertação e maturidade da espécie como um todo só se dará a partir do momento que ela puder desenvolver plenamente os germes recebidos da Natureza.

Conclusão

No que diz respeito ao salto evolutivo da espécie humana, a partir da maneira como Immanuel Kant nos apresenta a sua noção metafísica e histórica, o ser humano ainda tem um longo e árduo caminho de avanços, erros e principalmente de autoconhecimento enquanto é ligado à natureza e orientado por ela; no entanto o ser humano com o seu principal atributo, que é a razão, desenvolveu a sua capacidade de se adaptar e criar técnicas que o possibilitaram aperfeiçoar o seu modo de se situar no planeta. A filosofia transhumanista explora esta miríade de possibilidades e perspectivas de futuro que inevitavelmente aguardam o ser humano enquanto este avança no tempo, e os categoriza com três principais ganchos ou revoluções de transição: a genética, a nanotecnológica e a robótica. Estas, que nos garantiriam melhores condições de vida e a transcendência de limitações até o momento consideradas intransponíveis. Como apresentado, é possível observar o desenvolvimento social da espécie humana até a atualidade e realizar projeções otimistas e pessimistas do futuro com base em dados e registros históricos que se encontram a disposição. Ainda assim, se tratando de projeções, estas não são perfeitamente acertadas e são fortemente questionadas por posições contrárias no que diz respeito à maneira como os avanços considerados possíveis serão apresentados à humanidade e utilizados para ela mesma. Logo o aperfeiçoamento do corpo humano por meio da engenharia genética, nanotecnológica e robótica, são ainda alvo de um grande número de debates de ordem ética, religiosa e política. A partir do ponto de vista de Kant, é possível afirmar que ainda estamos ligados ao fio condutor da natureza e a caminho de um futuro no qual os nossos germes se desenvolverão plenamente e alcançaremos estados de ser cada vez mais perfeitos. No entanto, em absoluto é certo afirmar que se as revoluções de transição de fato ocorrerem como os transhumanistas afirmam, que apenas estas serão responsáveis pela decisão do

destino de novos avanços do ser humano a caminho do seu estado pleno de ser, se tratando assim de um horizonte de possibilidades distante, mas a cada dia mais próximo.

Referências

Barry Ptolemy (2009). O Homem Transcendente (Transcedent Man). Ptolemaic Productions - Therapy Studios.

HAAG, Michael. Desvendando Inferno. São Paulo: Planeta, 2013. 272p.

JOHNSTON, Derek. História concisa da Filosofia: De Sócrates a Derrida. Tradução de Rogério Bettoni. São Paulo: Rosari, 2006. 191p.

KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita. Tradução de Artur Morão. Covilhã: Lusosofia, 2008. 19p.

MORRIS, Ian. Why the West Rules -- for Now: The Patterns of History, and What They Reveal About the Future. Picador, 2010. 768p.

THE FUTURIST (2006). The Singularity and Human Destiny.

Disponível em:

. Acesso em: 18 de maio de 2014.

WORLD TRANSHUMANIST ASSOCIATION. Transhumanism by Julian Huxley (1957). Disponível em: . Acesso em: 12 março 2014.

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