AS QUATRO VERTENTES

June 4, 2017 | Autor: J. Pereira Moreira | Categoria: Research into Freemasonry
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AS QUATRO VERTENTES

João José Pereira Moreira



Sem que fosse meu propósito a princípio, tenho consagrado meus
escritos nas Edições Universum à pesquisa profunda daquele que possa ser o
último e verdadeiro sentido da Maçonaria Especulativa. Esta linha
investigativa deu-se como encadeamento natural de resultados e não obedeceu
a um plano que pautasse estudos e pesquisas. Neste sentido, houve em toda a
realização das investigações e mesmo na maneira de expor seus produtos uma
espontaneidade que não admitia instruções, nem mesmo aquelas que eu teria
gostado de dar a mim mesmo. Minha intenção, como pesquisador, era única e
simplesmente encontrar subsídios que amparassem minha convicção de que a
moderna Maçonaria e sua estrutura de conceitos metafísicos não poderia ser
apenas a evolução natural de uma sociedade de pedreiros iletrados.

Firmei este entendimento na Loja Simbólica e com ele cheguei, em
1996, aos atos de fundação desta Loja Universum de Estudos e Pesquisas,
campo adequado para dar seguimento e profundidade às investigações. Já de
começo aprendi que uma coisa é formar convicção, outra, muito diferente, é
encontrar subsídios que a nutram e a suportem no universo das ideias
lógicas. À míngua de bases sólidas para comprovação, acabei impondo
bastantes reservas à exposição do tema, objeto de ligeiros comentários no
curso de palestras e de tímidas alusões em trabalhos escritos. Era final do
século XX e prevalecia, soberana, a chamada Teoria da Transição
(Transitional Theory) do Irmão Harry Carr, expoente da Loja de Pesquisas
Quatuor Coronati 2.076, filiada à Grande Loja Unida da Inglaterra,
defendendo a tese de uma pura e simples transformação (transição) de maçons
operativos para maçons especulativos.

Os primeiros pilares de sustentação de minhas ideias chegaram com o
novo século: David Stevenson (The Origins of Freemasonry), 2001, e Margaret
C. Jacob, (The Radical Enlightenment), 2003, foram obras que confortaram
plenamente aquele entendimento. Logo depois, tive acesso ao trabalho
apresentado, em 09 de novembro de 2000, pelo Irmão Roeinton B. Khambatta,
perante sua Loja de Pesquisas Quatuor Coronati nº 2076, uma peça que
analisava as teorias sobre a história do surgimento dos trabalhos
especulativos em nossa Sublime Ordem. Neste ensaio, o Irmão Khambatta
sepultou a Teoria Transicional do Irmão Carr e, hoje, já não subsiste entre
os pesquisadores maçônicos a crença na evolução natural de operativos para
especulativos.

Infelizmente, nós, maçons brasileiros, estamos distantes das melhores
fontes de pesquisa e, por isto, foi recente meu encontro com a obra de
Frank C. Higgins (The Beggining of Masonry), publicada em 1916, na qual
consta (pg.33) o seguinte: "Isto foi realmente o que constituiu a Maçonaria
especulativa, a partir de visionários dos velhos tempos, e mostra que ela
se manteve muito além do alcance mental dos analfabetos cortadores de
pedra, aos quais muitos de nossos Irmãos gostam de atribuir a autoria de
nossa fraternidade." Fico a pensar no tempo que meus estudos teriam ganhado
se esta obra tivesse chegado antes às minhas mãos...

Os estudos que pratico perseguem duas linhas principais, intimamente
imbricadas: a que cuida do início dos trabalhos especulativos (onde e
quando) e a que investiga as fontes alimentadoras de seu arcabouço
conceitual (origens e conteúdos). A primeira conduz ao Reino da Escócia,
fins do século XVI, e a um grupo de intelectuais capitaneados pelo Rei
James Sexto; a segunda, nos leva pelos metafísicos caminhos da Filosofia,
retrocedendo pelas vias da Cabala Hebraica, da Alquimia, do Hermetismo e do
Neo-Platonismo, até a essência do pensamento de Platão e da sua formação
nas Escolas de Mistérios do Egito.

Sobre os Antigos Mistérios, Higgins escreveu, na mesma obra antes
citada (pg. 14): "Antigos Mistérios é uma expressão inventada com o
propósito de reunir sob uma única classificação específica todos os ritos
curiosos, cerimônias e alusões ritualísticas das eras pré-cristãs que nos
são descritas em obras clássicas. Nenhum desses documentos nos esclarece
sobre outras coisas que não sejam aparências exteriores. Dizem-nos muito
menos, sobre o que acontecia nos antigos Templos de Iniciação, do que
aquilo que um espectador atento pode aprender da Maçonaria Moderna pelo
mero esforço de manter seus ouvidos abertos."

A imensa novidade contida no texto de Higgins é que ele faz enfim a
cultura
maçônica sair de seu círculo mortal e inconseqüente da suposta continuação
do esforço operativo. Ele rompe os vínculos que a mantinham presa ao plano
material da existência laboriosa, com sua recompensa no social, construída
sobre uma base moral composta pela solidariedade, a fidelidade, a
honestidade e outros atributos virtuosos. Em termos bem explícitos, Higgins
afirma que a Maçonaria Moderna reproduz as práticas cumpridas nos antigos
Templos de Iniciação, o que significa reconhecer nela a sua verdadeira
identidade como escola iniciática, sociedade capaz de oferecer a seus
filiados o ambiente metafísico propício aos sucessivos rompimentos de nível
ontológico que levam das trevas à Luz.

Surpreende que maçons estudiosos não tenham avaliado, com precisão,
já nas primeiras décadas do século vinte, a clareza que irradiava de The
Beggining of Masonry, no que concerne aos fins da Sublime Ordem. Com esta
visão, não teria sido difícil traçar o curso histórico do acervo cultural
que viria consolidar, no século dezesseis, aquilo a que chamo "a estrutura
de conceitos" em torno da qual se associaram os homens de cultura que
fundaram a Maçonaria especulativa. Este acervo é constituído pelas mesmas
ideias e valores que são dados como prêmio aos que sabem resgatar suas
fontes, ou, por outras palavras, àqueles que querem entender a própria
Iniciação.

A tentativa de remonte às fontes subsidiárias de tais conteúdos
permitiu-me identificar como principais contribuintes imediatos a Alquimia,
a Cabala Hebraica, o Neo-Platonismo e o Hermetismo, para cuja celebração
está dedicado este trabalho. Nestas quatro vertentes, pode-se identificar o
substrato filosófico que abastece e inspira o processo iniciático maçônico.
Cada uma traz em si um plano completo e acabado de aperfeiçoamento do
homem, embora esta suficiência particular não impeça recíproca
complementaridade, na qual a Maçonaria especulativa veio assentar um
sistema de Moral, velado por alegorias e ilustrado por símbolos.

Gosto de pensar que a síntese programática de uma escola de iniciação
esteve sempre inscrita na fachada do Templo de Apolo, em Delfos, na Grécia.
Ali permaneceu durante centenas de anos, até que Sócrates a interpretou e
iniciou a aplicação de sua primeira parte. Singelamente, era um sumário da
vida iniciatória: "Se quiseres conhecer os deuses, o universo e os homens,
conhece-te primeiro a ti mesmo." Os graus simbólicos da Maçonaria
especulativa absorveram a fórmula de um modo bastante evidente: para o
conhecimento pessoal, a fase de Aprendiz; para conhecer a humanidade e o
universo, o estágio como Companheiro, e, finalmente, para conhecer os
deuses, o sublime grau de Mestre.

Do que acima consta, obtém-se um primeiro e valioso extrato,
considerando-se que a iniciação traça um roteiro retilíneo que leva o
iniciado das trevas à luz. Por ser um processo individual, quem se desloca
sempre para frente, ao longo de uma via reta, é o agente da própria
iniciação. Para sumariar as etapas, o simbolismo definiu as marchas de cada
grau, fazendo destas um desenho prévio daquilo que será cumprido em cada
nível. Os passos que o Aprendiz dá foram inspirados pela parelha de cavalos
do diálogo Fedro, de Platão: o cavalo xucro, atrelado no lado esquerdo,
representa as paixões, enquanto o corcel posto na direita, manso, de andar
seguro, representa a razão. Este ajuda o cocheiro (a consciência) a
conservar a carruagem na estrada, apesar de que os saltos temerários do
outro sejam ameaça constante de acidentes. A única vez que o iniciado se
afasta, ligeiramente, do rumo previsto é na sua estância como Companheiro,
quando retira o olhar de si mesmo e se volta para os outros homens e para o
universo; após este rápido desvio, retorna ao rumo pessoal retilíneo. No
terceiro grau, o iniciado triunfa da Morte, ultrapassa a degradação da
sepultura e vai juntar-se ao Logos (por fim encontrado), momento culminante
da longa caminhada iniciatória.

A pesquisa que realizei sobre o tema causou-me a impressão inicial de
que o seu objeto era relativamente novo. Minhas primeiras abordagens foram
titubeantes, para não dizer receosas de pecar pela extravagância. Aos
poucos, porém, conheci os trabalhos dos Irmãos Kirk McNulty, Fábio Venzi,
Roeinton Kambatta e Stephen Michalak, cujas formas de enfrentar o tema
sugeriam, também, a ideia de novidade. Mesmo sabendo que o campo do
pensamento não conhece limites geográficos nem temporais, foi uma grata
surpresa encontrar, na obra de Robert Freke Gould, A Concise History of
Freemasonry, publicada em 1904, o texto que a seguir reproduzo:

"Apresentarei a seguir a transcrição chocante de um trabalho anônimo,
intitulado Uma Pergunta Sugestiva, concernente ao Mistério Hermético, que
apareceu em 1850, mas que pouco depois foi retirado de circulação, por
razões que permanecem desconhecidas: [A Ciência Moderna até agora não tem
lançado qualquer luz sobre a Sabedoria da Antiguidade...os antigos não
foram iluminados sozinhos sobre o terreno a priori, mas o mesmo poder da
Sabedoria foi confirmado em muitos efeitos que superaram a química
espiritual e no milagre afirmado da Pedra Filosofal. Com esta doutrina da
Sabedoria teosófica, a tradição da Alquimia correu de mão em mão. Foi isto
que inspirou Alberto Magno, Aquino, Roger Bacon, Ficino, Pico De La
Mirandola, Spinoza, Reuchlin, Cornelius Agrippa e toda a subsequente escola
de Paracelso. Ela foi aquela que, sob outro título, Platão celebrou como a
mais eficaz de todas as artes, chamando-a Teurgia e a adoração dos deuses;
esta mesma que Pitágoras praticou em sua escola e que os Oráculos Caldeus
proclamaram abertamente, anunciando a eficácia dos ritos materiais na busca
da assimilação divina: aquela que os Platônicos Alexandrinos continuamente
perseguiram em seus Mistérios, a qual Proclo, Plotino, Jâmblico e Sinésio
têm explanado em seus registros, rastreando a mesma desde a mais remota
antiguidade no Egito, como sendo a primeira fonte e santuário da Arte
Hermética. É possível que alguma parte do 'Pensamento Antigo' de épocas
sucessivas, que remonta à antiguidade de Zoroastro e da Cabala Judaica,
preservada nos enigmas e fábulas dos Egípcios, nos Mistérios Órficos e
Eleusinos, nos símbolos de Pitágoras, nos ensinamentos da Escola
Alexandrina e na Filosofia dos Místicos Medievais, pode ter sido herdada
pelos Maçons. Eu não posso fazer disto matéria inquestionável, mas eu
gostaria de atirar, embora possa ser em vão, uma aleatória seta do
cérebro]. Este é um curioso relato figurativo, contido numa carta que
circulou sob o nome da Irmandade dos Rosacruzes, a qual parece fazer
referência ao progresso iniciatório nos Antigos Mistérios".

Em que pese o modo oblíquo de expressar-se, o panfleto nos permite
saber que, pelo menos até o ano de 1850, a Maçonaria conservava o foco em
seus verdadeiros objetivos iniciáticos e mantinha reconhecíveis as
vertentes culturais de sua formação constitutiva. A seta aleatória "deu na
mosca". Fez até mais: no percurso do arco ao alvo, apesar da desordem
cronológica, ela recuperou etapas do itinerário perseguido pelo pensamento
hermético até desaguar nos rituais da Maçonaria especulativa, resultado que
anunciou, timidamente: "pode ter sido herdada pelos Maçons". A despeito do
impressionante acerto desta suposição, pode-se perceber insegurança e certa
hesitação do redator. Isto me permite conjeturar sobre seu vínculo com o
pensamento da já então extinta Grande Loja dos Antigos, remanescente após
quarenta anos da fusão com a Premier Grand Lodge (dita "dos Modernos), eis
que no seio desta fora sempre prestigiada a fantasiosa versão do Irmão
James Anderson sobre a História da Maçonaria, tal como consta no preâmbulo
do Livro das Constituições de 1723.

Neste ponto, faz-se impostergável adiantar uma das muitas conclusões
extraídas dos estudos e pesquisas que realizei sobre o tema: na Maçonaria,
as inovações sempre denunciam afastamento/desconhecimento dos contextos de
onde se originaram os símbolos e as alegorias empregados no estudo
iniciático. Digo isto porque o pesquisador aplicado se impõe a obrigação de
consolidar os frutos colhidos na busca, mediante sua compatibilização com
os conhecimentos informados pelas fontes originárias, sob pena de extravio
do rumo iniciático. Por ter-se afastado das fontes, a Primeira Grande Loja
perdeu-se, também, dos contextos que faziam possível compreender os
objetivos iniciatórios. Isto repercutiu, negativamente, em todo o universo
maçônico para o qual ela foi paradigma. A rota somente seria corrigida,
embora não completamente, em 1813, com a unificação das duas Potências e o
surgimento da Grande Loja Unida da Inglaterra.

Tudo mostra que as tradições iniciatórias têm um padrão subjacente
comum, constituído por ritualizações do ciclo morte-renascimento. Este
modelo foi adotado pela doutrina e pelas liturgias maçônicas para cumprir
seus próprios ritos de iniciação. É de notar que uma iniciação maçônica
guarda traços vívidos das cerimônias e do simbolismo dos antigos ritos de
passagem que marcaram sucessivas culturas na história da humanidade. Da
mesma forma, são perfeitamente reconhecíveis, nos Mistérios de eras
passadas, as mesmas expressões mitológicas que, em nossos dias, ilustram e
velam a tradição secreta nos cerimoniais maçônicos. Tenha-se em mente que a
Maçonaria, na forma que assume em nossos dias, é a expressão externa e
visível de uma realidade espiritual interna que só está acessível aos que
viram a verdadeira Luz.

No curso das transferências de características, de uma para outra
cultura humana, é possível identificar estruturas e conceitos, permitindo
observar-se, com nitidez, o desenho da árvore genética que as transmite de
uma para outra geração. O ponto de partida comum é a ideia do combate
travado pela Luz (símbolo do conhecimento, da inteligência divina) contra
as Trevas da ignorância. Desta genealogia farei, a seguir, ainda que em
apertada síntese, um quadro demonstrativo.

Eu diria de bom grado se fosse fácil cumprir o proposto, tendo em
conta a exiguidade de espaço disponível neste trabalho. Contudo, as
vertentes sob exame oferecem vastíssimo campo de pesquisas, sendo todas
merecedoras de longas dissertações, aqui impossíveis. Usarei a estratégia
de tratar do essencial para apresentá-las e economizarei nos exemplos da
poderosa influência que todas exerceram sobre os rituais maçônicos. Espero,
assim, alcançar o propósito desta peça de arquitetura.

HERMETISMO.

"Olhai para o alto com os olhos do coração. E se não o podeis todos,
pelo menos os que o podem. Pois o mal da ignorância inunda toda a terra,
corrompe a alma aprisionada no corpo, sem permitir-lhe lançar âncora no
porto de salvação. Não vos deixeis arrastar pela violência da onda, mas,
aproveitando-vos da contra-corrente, vós que podeis aportar ao porto de
salvação, lançai a âncora e buscai um guia que vos mostre a rota até as
portas do conhecimento, onde a luz brilhante brilha, livre de toda
obscuridade, onde ninguém está embriagado, mas todos permanecem sóbrios,
elevando o olhar do coração para Aquele que quer ser visto. Pois não se
deixa ouvir nem descrever e não é visível para os olhos corporais, mas
somente ao intelecto e ao coração." (Hermes Trismegistos, Corpus
Hermeticum, pg. 37)

A escolha do texto acima não é casual. Com ele, quero assinalar
fortemente o fato primacial de que as vertentes do pensamento esotérico,
sem exceção, fincam seus marcos iniciais na concepção de um Ser Superior,
Deus, cuja conscientização só é possível através das luzes do intelecto.
Esta necessidade é de tal forma fundamental que, ao longo da história
humana, assumiu condição de cláusula pétrea (quer dizer, irremovível) no
ideário de formação das escolas de iniciação. Identifica-se, assim, o
princípio do genoma sócio-cultural transmitido para a Maçonaria como
herança, alicerce de sua formação como escola de mistérios iniciáticos.
(Vide Landmarks 19 e 20 e Os Oito Pontos de Regularidade, 2)

Não quero aqui, repetitivamente, comentar os elementos constitutivos
de meu raciocínio, na medida em que vou escrevendo. Gostaria, no entanto,
de não deixar qualquer trecho obscurecido ou carente de explicitação. É
assim que, em relação ao parágrafo anterior, preciso dizer que há nele duas
referências filosóficas fundamentais que, por vezes, parecem ser
determinantes para concretude do próprio processo de iniciação: tomando-se
o surgimento do universo, decidamos se foi fato espontâneo ou objeto de
vontade; se optarmos pela segunda alternativa, a pergunta seguinte será
pela vontade de quem?; desde as sociedades arcaicas, a resposta foi a de um
Ser Superior, criador do universo e dos homens; mais tarde, os filósofos
aperfeiçoaram a ideia para conceber Deus como Uno Absoluto, integrado pela
Díade Indeterminada (Suas tendências para o infinitamente grande e para o
infinitamente pequeno) e pelo Logos (inteligência, vontade e ação).

Em novo parágrafo, tratarei exclusivamente do Logos, pela sua relação
imediata com as sociedades de iniciação e, via de consequência, com a
Maçonaria. Nada melhor, para começo, do que transcrever o prólogo do
Evangelho de São João (lido no início dos trabalhos nas Lojas francesas,
para abertura do Livro da Lei):

"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele: e
nada do que foi feito, foi feito sem ele. Nele estava a vida, e a vida era
a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas, mas as trevas não a
compreenderam. Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele e o mundo não o
conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam". (Bíblia
Sagrada)

A hermenêutica do texto (produção correta dos platônicos
alexandrinos) permitiu saber que o Verbo (dito no original Logos), sendo
"inteligência-vontade-ação" de Deus (portanto, atributos Seus) estava com
Ele e que era o mesmo que Ele. Mais, que o Verbo estava no princípio de
tudo com Deus. Ainda mais, que o Verbo foi responsável pela Criação e que
nada foi feito sem ele. Nele estava a vida e, com a vida (outorgada ao
homem) veio junto a luz da inteligência (o homem é a única criatura dotada
de capacidade intelectiva, i.é. "criado a imagem e semelhança de Deus"...).
E a inteligência brilha na mente ignorante e escura do homem, mas este não
a utiliza devidamente, ou seja, não reconhece nela uma centelha do Logos,
que estava no mundo e este não o conheceu: veio para o que era seu e não
foi recebido.

As escolas de mistérios têm dedicado todos os esforços para, através
de processos iniciatórios, oferecer a seus filiados a possibilidade de
conhecer o Logos e, por ele empreender o retorno ao Criador.(A propósito,
Jesus Cristo, o Verbo Encarnado, lecionou: "Só através de mim se vai ao
Pai.") No princípio, o Logos projetou as energias divinas num arco
descendente (involutivo) até alcançar o ponto de maior densidade na criação
do Universo, o reino mineral. A partir deste ponto, começou o processo de
retorno dessas energias, as quais, a cada vez mais sutis, foram definindo o
arco ascendente (evolutivo) pelos reinos vegetal e animal, até alcançar, no
topo da escala zoológica, o próprio homem. Será pela evolução do homem,
primeiro, física, depois pela expansão da consciência, que as energias
divinas retornarão ao Logos Criador. As escolas iniciatórias estão
dedicadas ao cumprimento desta etapa final, abastecendo suas bases
doutrinárias em fontes filosóficas como a Hermética.

Há pouco espaço aqui para se ensaiar um demorado estudo sobre o
Hermetismo. Ficarei limitado a pinçar traços de sua história, dos quais se
possa inferir sua posição inequívoca como transmissor do código genético
maçônico. Para começar, Hermetismo deriva do nome do deus grego Hermes
(Thoth para os egípcios) e permite compreender o significado do nome Hermes
Trismegistos, vinculado ao corpo de textos inspirados por aquela corrente
filosófica. Para prosseguir, relembro que o deus Thoth, tal como a arte
sacra egípcia apresenta sua imagem, aparece portando na mão esquerda o Olho
de Horus, símbolo da Divina Inteligência do Logos, que a Maçonaria adotou
sob a denominação de "O Olho que Tudo Vê", para significar a assimilação
hereditária do culto que celebra o Intelecto, maior dádiva divina concedida
ao Homem para basear a construção do pensamento racional e lógico.

De outra parte, com a permissão dos leitores, reproduzirei
comentários que fiz sobre o trabalho "Hermes Trismegisto Seus Princípios e
Relações com a Maçonaria", do Irmão José Luiz Thomé Bornéo[1], para
registrar, como
absolutamente necessário, que a literatura trismegística trazida no Corpus
Hermeticum, primeiro, não é obra de um só autor, depois, que o nome Hermes
Trismegistos constitui um pseudônimo, nunca o nome de algum escritor e,
finalmente, que o acervo literário não foi escrito pelo próprio deus Thoth-
Hermes.


George Robert Stowe Mead, autor da obra Thrice-Greatest Hermes,
escreveu, valendo-se dos estudos cumpridos pelo alemão R.Reitzeinstein,
que a preservação do Corpus Hermeticum é devida a um simples manuscrito,
encontrado em péssimas condições, no curso do século XI. Transcrevo:
"Todas as folhas não encadernadas e algumas páginas tinham sido
extraviadas, tanto no início (cap. I), quanto no fim (após o cap. XVI);
mesmo nas páginas remanescentes, em especial na última terça parte, o
texto não era legível em alguns pontos".

O professor Mead, pesquisador erudito nas áreas da Gnose, da
Hermética e do neo-Platonismo, nos legou, na referida obra, um alentado
trabalho com 864 páginas (publicado em 1903 pela KKII-L Company Ltd.-
Edinburgh-Scotland; recente edição pela Weiser Books, 2001, Boston-USA).
Esta obra teve profunda influência sobre o trabalho realizado por Carl
Gustav Jung na área da psicologia profunda. Na descrição exemplificativa do
arquétipo do velho sábio, Jung o inclui como algo que se apresenta de um
modo personificado na experiência direta de cada um de nós: "Na vivência
deste arquétipo, o homem moderno experimenta a forma mais arcaica do
pensar, como uma atividade autônoma cujo objeto somos nós mesmos. Hermes
Trismegisto, ou o Thoth da literatura hermética, Orfeu, o Poimandres e seu
parentesco com o Poimen de Hermes, são outras formulações da mesma
experiência." (Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, pg.47).

Mead sustenta que sob o pseudônimo Hermes Trismegistos abrigaram-se
os escritos de inúmeros autores gnósticos, herméticos e neo-platônicos, nos
quais procurou-se preservar a transmissão de conhecimentos advindos do
antigo Egito, recolhidos em manuscritos ou mantidos pela tradição oral e
conservados, assim, pelos pensadores da Grécia Antiga. Hermes Trismegistos,
como sábio-professor, influenciou fortemente o Cristianismo e o Islamismo.
Ademais de seu cânon dogmático, os primeiros cristãos foram influenciados
pelo neo-platonismo e pelo estoicismo, ligados ao hermetismo alexandrino e
às noções pagãs do Demiurgo, reavivados pela filosofia clássica grega.
Através da Turquia, Hermes veio ocupar um lugar nas Ciências islâmicas, as
quais, em contrapartida, ajudariam a iniciar o Renascimento Europeu na
Itália do século XIII. Neste ponto, uma nova fusão foi consumada, a qual
ficou conhecida como sendo um Hermetismo egípcio "re-Platonizado" que viria
a conquistar a Europa e, mais adiante, o Novo-Mundo.

Mead ensina que o Manuscrito do século XI, peça inicial desse
resgate, foi parar nas mãos de Michael Psellus, o grande revitalizador dos
estudos platônicos em Bizâncio, nas mesmas condições em que foi encontrado.
O escrito obteve amplo interesse com o crescimento do Humanismo no
Ocidente. Georgius Gemistus Pletho, no final do século XIV/começo do século
XV, trouxe o neo-Platonismo de Bizâncio para a Itália como uma espécie de
religião e causou profunda impressão em Cosimo Médici, mecenas do
conhecimento humanístico em Florença. Marsiglio Ficini, que fora escolhido
por Cosimo para dirigir a futura Academia de Florença (guardiã da filosofia
de Platão), fez a tradução do Corpus para o latim e a publicou em 1463,
para servir como primeiro fundamento de sua incumbência.

No ponto final deste itinerário, identifica-se a primeira ligação da
obra trismegística com a Maçonaria, cumprida através da poderosa influência
do pensamento humanista - a partir de Florença - sobre os pilares de
construção desta moderna Escola de Mistérios Iniciáticos, delineada na
Escócia ao encerrar-se o século XVI. É de lamentar que, ao longo do tempo,
os maçons tenham perdido de vista os fortes traços da Hermética nos seus
rituais e nas suas instruções.

Enquanto os maçons se esqueciam, um grande número de filósofos,
cientistas e artistas creditavam seus trabalhos aos estudos da Hermética:
Roger Bacon, Agrippa, Paracelso, Isaac Newton, Kepler, Copérnico, Leonardo
da Vinci, Botticelli, Victor Hugo e Carl Gustav Jung. Por este motivo, a
Hermética é conhecida como a Pedra Fundamental da cultura no Ocidente. Em
menos de 200 anos, contados de 1492, a Renascença tomou conta da Europa,
carregando um patrimônio cultural que se tornou predominante nas áreas da
arte, da literatura, da escultura e da filosofia. Esta onda humanística
avassaladora deve ter alcançado, igualmente, os homens cultos que
organizaram a versão especulativa da Maçonaria.

A mesma inundação cultural trouxe a essência nuclear das escolas de
iniciação, representada pela mítica e simbólica morte-ressurreição do
personagem central, que foi prontamente replicada nos rituais
especulativos. Assim como Osíris, no Egito, Dionísio, na Grécia, Mithras,
na Pérsia, e outros tantos nas demais culturas celebrantes dos Pequenos e
Grandes Mistérios, também na Maçonaria atual encontramos o personagem
mítico Hiram-Abiff, centro de uma culminante cerimônia iniciática. Como
parece que este é um exemplo muito particular, devo insistir sobre aquilo
que é ínsito a qualquer plano iniciatório: o ciclo "morte-renascimento" faz
parte constante do processo, desde sua inauguração até o último estágio e,
assim, estará presente em todas as etapas. Na Maçonaria, já surge na Câmara
de Reflexões.

Esta breve exposição tem, seguramente, pelo caráter forte de suas
informações, a capacidade de mostrar o essencial, a despeito dos obstáculos
que a economia de espaço lhe opôs. Creio que numa visão justa das coisas,
ficaram aqui assinaladas três contribuições fundamentais da Hermética para
a construção da Maçonaria especulativa, ausente, para bem longe, qualquer
tom de religiosidade. Primeira, a indispensável crença em Deus (como
criador do universo e dos homens, mais a tarefa de retorno destes ao seu
Seio); segunda, o culto filosófico à Inteligência Divina (Logos, tb. dito
Verbo), autora operacional da Criação; e, terceira, a representação do
Logos pela imagem pictórica de "O Olho que Tudo Vê".

Para marcar com absoluta clareza a presença da primeira contribuição
hermética, levanto aqui o véu que a disfarça no ritual maçônico: perguntado
sobre o que se faz em sua Loja, o Mestre Maçom responde com mecânica
firmeza, usando a fórmula prescrita, sem deter-se sobre o real significado.
Uma breve meditação sobre conteúdos do Hermetismo lhe permitiria recordar
que somente através do encontro com o Logos há de completar-se a iniciação.
Sem esquecer que Logos é o termo grego para Verbo, em latim,
ou Palavra, em português. Estamos afastados do Logos, do qual nos perdemos,
desde a Criação, e não o reconhecemos quando sua centelha fez brilhar nosso
dom da inteligência, razão pela qual continuamos a procurá-lo. A cerimônia
iniciatória da Exaltação cumpre nossa unio mystica com o Logos (por fim
achado), consagrando uma fusão simbólica do exaltando com a divindade, para
completar a última etapa do retorno perseguido pelas escolas de mistérios.

É assim que as três contribuições destacadas são importantes,
especialmente pelo fato de serem muito explícitas, o que nem sempre
acontece no ritual maçônico. Há uma outra referência hermética tão
fundamental que, por vezes, chega a parecer tão determinante quanto as
citadas: "o que está em cima é igual ao que está embaixo". Todo um edifício
de conhecimentos filosófico-iniciatórios assenta alicerces neste aforismo,
cujo profundo conteúdo alcançou também a Maçonaria. Para que sua citação
não reste fora de contexto, transcrevo os dois primeiros períodos do
escrito de onde ela foi extraída:

"É verdadeiro, completo, claro e certo. O que está embaixo é como o
que está em cima e o que está em cima é igual ao que está embaixo, para
realizar os milagres de uma única coisa. Ao mesmo tempo, as coisas foram e
vieram do Um, desse modo as coisas nasceram dessa coisa única por adoção."
(Tábua de Esmeralda, H. Trismegistos,
Corpus Hermeticum)

NEO-PLATONISMO

Quero salientar, de começo, que a essência do ramo filosófico neo-
Platonismo se esparrama, abundante, pelas estruturas doutrinárias da
Maçonaria especulativa, em cujo contexto subjaz como agente de coesão entre
todas as formas de conhecimento que concorrem para consolidação daquele
arcabouço. O homem tricotômico (considerado em suas três partes
constituintes, corpo, alma, espírito) forma o alicerce do plano iniciatório
que a Maçonaria desenvolve. A fonte de irradiação deste conhecimento está
localizada em Plotino, fundador do neo-Platonismo, filósofo grego que
construiu profícua existência na cidade de Roma.

Por indispensável, faço um retrato a carvão de Plotino, em poucos e
ligeiros traços: nasceu na Grécia, em 205 D.C., faleceu em 270 D.C., nos
arredores de Roma. Seu precoce interesse pela Filosofia o encaminhou em
busca dos melhores professores que pudessem existir em Alexandria. Tinha
vinte anos de idade, quando começou seus estudos com o mestre Ammonius
Saccas. O filósofo e escritor G. R. S. Mead, em sua obra Plotinus, não
hesita em afirmar que ele está para Saccas assim como Platão está para
Sócrates. De fato, Sócrates e Ammonius Saccas não deixaram legado escrito,
sendo que Platão e Plotino foram, respectivamente, tanto expositores quanto
divulgadores de suas doutrinas e, seja-me permitido opinar, estes
discípulos superaram seus mestres no esplendor das idéias e no toque de
genialidade.

Aos quarenta anos de idade, Plotino passou a residir em Roma e ali
fundou a Escola de Atenas, na qual reuniu a elite social e intelectual do
Império. Um relato completo deste período pode ser encontrado na obra de
Porfírio, seu sucessor.[2] Este nos dá conta de que Plotino escreveu, em
Roma, os cinqüenta e quatro tratados contendo a essência do pensamento neo-
platônico. O filósofo era muito sensível aos infortúnios humanos e havia em
Roma, naquela época, um grande número de problemas sociais que o comoviam.
O único conforto para as populações sofridas era o misticismo e, este,
oferecia sempre as mesmas esperanças que nunca eram cumpridas. Ciente de
que o forte poder da religião e do misticismo, quando derramado sobre o
pensamento dos homens de forma desordenada, pode causar mais danos do que
soluções, Plotino resolveu reviver a dialética de Platão e resgatar a
filosofia pura de sua prisão nos caminhos tortos da falsa religiosidade. Ao
mesmo tempo, passou a defender com brilhantismo aquilo que de melhor
ofereciam as correntes místicas da época.

Nesse propósito, deu forma final à Trindade platônica (alma, mente e
Uno), encaminhando a concepção de Deus e do Universo que subsidiou
elementos básicos ao substrato filosófico da Maçonaria. Plotino conciliou
três conceitos históricos da Filosofia: o Espírito platônico, a Divindade
aristotélica e a Mônada pitagórica, o que quer dizer que o neo-Platonismo
resulta da fusão de três escolas de pensamento. O Irmão W. Kirk McNulty, em
palestra que proferiu na "Loja de Pesquisas A. Douglas Smith Jr.", na
cidade de Alexandria, Virginia, Estados Unidos, em 30 de janeiro de 1999,
conseguiu sintetizar, com muita felicidade, a linha de raciocínio inicial
perseguida por Plotino:

"Ele não estava, penso eu, tentando ser desrespeitoso com o Divino;
ele estava simplesmente comentando aquilo que ele tinha percebido como
sendo uma real dificuldade no texto do Velho Testamento; A dificuldade é
esta: Admite que Deus criou o Universo. Então, temos Deus, o Criador, e o
Universo, Sua Criação; e estas são duas coisas separadas. Com certeza, o
Antigo Testamento fala delas como se o fossem. Mas, se Deus e Sua Criação
são separados, há um lugar (criação) onde Deus não está; e isto significa
que Deus é limitado. Isto pode não parecer grande coisa hoje, mas é o tipo
de problema com o qual os gregos cultos normalmente se preocupavam no Mundo
Clássico. Para Plotino, a idéia de um Deus limitado era impensável. Ele
estabeleceu uma alternativa para a Criação; ele sugeriu que havia um Deus,
tudo bem; mas Deus não "existe" no sentido em que nós entendemos o termo.
Plotino sugeriu que, por sua própria natureza, Deus, que está "além da
existência", irrompeu na existência como o Universo. Esta ideia foi chamada
emanação (em contraste com a Criação) e a filosofia que cresceu em torno
dela foi chamada neo-Platonismo."

O conceito fundamental emanação receberia a mais perfeita e inspirada
ilustração, no século XV, através do gênio de Proclo, o último dos neo-
platônicos. Ele usou os fundamentos matemáticos da progressão geométrica
para fazer a representação de Deus por um ponto, sinal gráfico sem
dimensões; a seguir, o deslocamento da posição deste ponto, numa direção
retilínea, resulta no traçado da linha, que representa o Espírito; em
sequência, o deslocamento contínuo da linha, num sentido paralelo à si
mesma, define a superfície, que representa a Psique; por fim, a superfície
se desloca em rumo paralelo e gera o sólido, que representa o Mundo Físico.
É de suma importância notar que, ao longo da progressão "ponto-linha-
superfície-sólido", não há criação de novo material, pois é o ponto que faz
a linha, esta define a superfície através de replicação e, por último,
materializa-se o sólido pela multiplicação da superfície. Na conclusão do
processo, pode-se dizer que o sólido foi feito com o mesmo material do
ponto inicial.

É bem verdade, como escrevi há pouco, que a influência do neo-
platonismo perpassa a doutrina maçônica completa, mas o faz de maneira
sutil e quase oculta. Talvez essa presença possa ser percebida mais
claramente através da transcrição que faço agora de um longo trecho da 3ª
Instrução do Grau de Companheiro: "Geometricamente, um representa o ponto,
dois a linha, três a superfície e quatro o sólido, cuja medida é o cubo.
Um, o ponto sem dimensões, é, porém, o gerador abstrato de todas as formas
imagináveis. É o nada contendo o todo em potência, digamos Criador, o
Princípio anterior a toda manifestação, Arqueo, o Obreiro por excelência.
Dois, a linha nada mais é que um, o ponto, em movimento, portanto a ação, a
irradiação, a expansão ou a emanação criadora, o Verbo ou o Trabalho. Três,
a superfície, se apresenta como o plano em que se precisam as intenções, em
que o ideal se determina e se fixa. É o domínio da lei necessária que
governa toda a ação, impondo a toda a arte suas regras inevitáveis. Quatro,
o sólido ou, mais especificamente, o cubo, mostra a Obra realizada, através
da qual se nos revela a Arte, o Trabalho e o Obr:. Em todas as coisas é
preciso descobrir um quaternário, uma vez que nos coloquemos sob o ponto de
vista objetivo, porque o ternário nos basta se ficarmos no domínio do
abstrato ou do subjetivo." (Ritual REEA, C:.M:., pg. 89)

O trecho transcrito, extraído de um Ritual da Maçonaria, é tão
explicitamente neo-platônico que poderia ter sido redigido pelo próprio
Proclo. O ensinamento nele contido diz respeito ao surgimento do Universo,
através das fases de emanação das Energias Divinas (1), conduzidas pelo
Logos (2), para formação da intelecção humana Psique (3), que ocupará
posição de destaque no Mundo Físico (4). Nada mais adequado ao proveito de
um Companheiro Maçom, a quem compete "conhecer os homens e o universo",
segundo proclamado no frontispício do templo de Apolo. É a mesma informação
cifrada no prólogo do Evangelho de São João, na versão de outra cultura,
com vestimentas de uma linguagem diferente.

A CABALA HEBRAICA

A visão que, a partir de uma perspectiva muito popular, faz da Cabala
um conhecimento vindo do início dos tempos, passado de geração a geração
até nossos dias por um secreto grupo de sábios, dá ênfase ao supérfluo e
ignora o essencial. Seria um erro adotar a perspectiva desta visão, eis que
ela pratica a redução da Cabala a um tipo de "revelação feita por Deus para
os homens, capaz de esclarecer todos os mistérios que rondam a humanidade."
Não há dúvidas de que podemos encontrar na Cabala um completo sistema de
ordem moral e espiritual, mas, a despeito disto, ela não pode ser
considerada uma filosofia, nem uma religião.

Para contemplar o interesse histórico, anoto que modernos
pesquisadores admitem o início dos estudos cabalísticos acontecendo numa
época muito próxima ou coincidente com o cativeiro babilônico do povo
judeu. Com vistas à sua posição no mundo cultural, é pacífico que ela não é
produto exclusivo da razão, nem da inspiração intuitiva. Melhor seria, até
por comodidade, vê-la como resultado da harmonização dessas duas
potencialidades intelectuais. Ao depois, quero contornar a dificuldade para
explicá-la em seus meandros, sub-divisões, tendências e configurações, para
saltar, de imediato, ao exame de sua influência sobre a Maçonaria, a qual,
conforme GOULD (A Concise History...), teria recebido "um toque não muito
leve" dos numerosos cabalistas iniciados no alvorecer da Ordem, além
daqueles identificados no grupo de líderes que trabalharam na fundação da
Primeira Grande Loja.

A Cabala já foi definida como "tradição oral judaica", "interpretação
mística", "doutrina esotérica" ou, simplesmente "conhecimento oculto". Acho
que todas estão certas, embora muito vagas para permitir a compreensão
exata daquilo a que se referem. Fujo, intencionalmente, de ensaiar qualquer
tentativa para defini-la. Prefiro entender com clareza a área do
conhecimento no qual ela opera e, por aí, dizer que o objetivo da Cabala é
obter um completo entendimento de Deus, do universo e dos homens e de suas
recíprocas relações. Neste propósito, ela se esforça para alcançar tal
entendimento através do emprego de símbolos e alegorias, especialmente por
meio daqueles contidos nos livros sagrados judaicos. Este enquadramento me
interessa porque coloca os fins precípuos da Cabala em paralelo com aqueles
das escolas de mistérios iniciatórios.

Para explorar essa identidade e, deste modo, também, contemplar o
objetivo aqui visado, vou lembrar que já examinei antes o empenho aplicado,
na mesma busca, pelo Hermetismo e pelo neo-Platonismo, ramos do Saber que
esquematizaram a Verdade oculta através do Prólogo de São João e da
ilustração de Proclo, respectivamente. Posso acrescentar a Tetrakdys
pitagórica, base dos raciocínios de Platão ao escrever o diálogo Timeu, um
exemplo a mais na galeria de expressões de uma mesma verdade em linguagens
diferentes. Quero lembrar que a Tetrakdys é elemento de composição do selo
desta Loja Universum e pode ser vista na capa deste opúsculo; é o triângulo
azul, contendo dez pontos amarelos (forma de ocultação da Verdade sobre a
formação do universo, segundo Pitágoras).

A maravilhosa criação da Cabala, para ocultar a descoberta da mesma
Verdade, foi a Árvore Sefirótica, na qual encontramos a versão judaica do
ato divino que deu nascimento ao universo, aos homens e às relações entre
os respectivos níveis, Divindade, Espírito, Psique e Mundo Manifestado.

A Maçonaria especulativa, que desde a gênese
tem compromisso com essa busca, espelhou-se nos antigos conhecimentos
dessas civilizações para modelar os rituais de seu plano iniciatório,
adotando as linguagens esotéricas que as mesmas tinham usado com êxito. A
Árvore da Vida cabalística é um diagrama para representar a descida das
energias ou atributos divinos, as sefiroth, que a percorrem de cima para
baixo, a partir do nível mais sutil até o plano mais denso, formando o
Universo com os quatro níveis que citei no final do parágrafo anterior.
Este desenvolvimento constitui o que a Cabala denomina "Árvore das
Emanações"
(impossível não lembrar Plotino) e seu resultado inspira a concepção do
homem tripartite, chamado noopsicossomático (nous=divino, psico=alma e
soma=corpo).

Sei perfeitamente que a presença de traços das vertentes, em
princípio, não são fáceis de detectar, a menos que sejam usadas as chaves
certas. Estou me referindo aos vestígios não-aparentes, porque os
explícitos não reclamam maior esforço. Um meio muito eficaz será perseguir
a linha descendente definida no parágrafo anterior, considerado o fato de
que todas as escolas do pensamento esotérico têm os próprios modelos
alegóricos para explicar a formação do universo e, invariavelmente,
coincidem quanto a origem divina e suas energias construtoras, seguidas
pela atuação inteligente da divindade na gerência dessas energias, a
formação material do ambiente para a existência física, a dotação de
intelecto ao ser mais evoluído e a presença, em toda esta manifestação, de
um desejo irrefreável de voltar ao começo, ou seja, à divindade. Todo o
corpo doutrinário, teórico e prático, por mais sofisticado que essas fontes
o elaborem, só existirá para dar sustento e viabilidade ao cerne da
estrutura, endurecido em torno do eixo vertical traçado pela descida das
energias divinas e pelo qual será empreendido o retorno destas ao seio do
Divino.

Atentas ao aforismo hermético, as escolas de iniciação espelham-se no
que está em cima para entender as réplicas que estão embaixo. Nesta razão,
assimilam o ser humano tripartido em corpo, alma e espírito, onde radica o
sistema iniciatório da Maçonaria: o corpo, representando toda manifestação
física, constitui o objeto de estudos do Aprendiz, enquanto a Psique ou
Alma, sede da intelecção e da apreensão sensorial, abrange as áreas de
investigação do Companheiro, ao passo que o Espírito é o âmbito em que se
realiza a sabedoria do Mestre.

Além destes subsídios puramente conceituais, a presença da Cabala
Hebraica nas estruturas maçônicas se dá, também, de forma muito aparente.
Ao descer da área em que opera com tantas abstrações, a Cabala enseja o
estudo prático da Árvore Sefirótica: partindo do princípio de que Deus,
pela sua transcendência, não pode ser concebido pela mente humana, prefere
optar por descrevê-Lo pelo que Ele "não é". O Supremo é considerado, então,
em Sua essência mais pura, sob a denominação de Ein Soft (Sem Fim), para
significar que não possui limites físicos nem temporais, mas ainda tão
transcendente que não pode interagir com o universo, só o fazendo através
de dez emanações de Sua essência, as séfiras, que formam a Árvore
Sefirótica. Elas representam as qualidades de Deus.

Penso que o leitor me dispensará de incluir a reprodução gráfica do
diagrama da Árvore Sefirótica neste trabalho. A imagem é, certamente, muito
bem conhecida por todos. Tendo-a na memória ou diante de imagem impressa,
torna-se fácil perceber que a posição das séfiras serviram de modelo para
marcar os lugares dos Oficiais nas Lojas maçônicas. Quero lembrar que
"Loja" é a reunião de maçons em recinto "a coberto", sob o governo trino de
Venerável Mestre e de dois Vigilantes, realizada, de preferência, em templo
apropriado para tal fim. Esta importante presença da Cabala na organização
da Maçonaria é bastante explícita, embora relegada ao esquecimento.

Antecipo a objeção de que sendo dez séfiras, a correspondência
exigirá dez oficiais, presença incomum na composição habitual das oficinas.
Esta inobservância já se transformou em praxe, autorizando a crença de que
não é exigível tal número de Irmãos. Isto me obriga a expender ponto de
vista pessoal sobre a matéria, com a obrigatória ressalva de que não
represento a posição da Grande Loja, nem de qualquer Loja Maçônica e nem,
muito menos, desta Loja Universum de Estudos e Pesquisas. Aproveito o
ensejo para praticar um estudo hermenêutico do conhecido e mal interpretado
texto "três a governam, cinco a compõem e dois a completam."

Começo pela força legal do 9º Landmark, que impõe a realização de
qualquer reunião de maçons (para tratar de atos maçônicos litúrgico-
ritualísticos) em recinto de Loja; continuo pelo 10º Landmark e pela
determinação nele contida de que a Loja só pode reunir-se sob governo
trino, ali previsto (três a governam); prossigo pelo 11º Landmark, cujo
texto comanda a obrigatoriedade da Loja trabalhar a coberto. Só pela
exegese desses preceitos legais já temos cinco oficiais obrigatórios,
Venerável Mestre, 1º e 2º Vigilantes, Cobridor e Guarda do Templo. Os
demais são reclamados pelo Ritual de Abertura (conforme REAA): o Venerável
Mestre (já presente, 10º landmark) quer saber do primeiro dever do 1º
Vigilante (idem, l0º) e, na resposta, aparecem dois oficiais, Cobridor e
Guarda do Templo (11º landmark); seguem-se Orador (sexto Oficial),
Secretário (sétimo), Mestre de Cerimônias (oitavo), 2º e 1º Diáconos (nono
e décimo). Para prevenir dúvidas, esclareço desde logo que o Chanceler é um
auxiliar da Secretaria da Loja, cujo titular se manifesta na ordem regular
de verificação da legalidade da reunião.

Para concluir esta digressão imprevista, vou ao texto infelicitado
pelas más interpretações: a) três a governam, Venerável Mestre, 1º e 2º
Vigilantes, b) cinco a compõem, Orador, Secretário, Mestre de Cerimônias,
Cobridor e Guarda do Templo, e c) dois a completam, 1º e 2º Diáconos.
Chegamos aos dez oficiais que se equivalem ao número das casas sefiróticas.
Foi com esta assimilação que os especulativos incluíram o estudo
cabalístico (parte explícita) como objeto de investigação maçônica. A
própria Loja aberta constitui um painel que traduz os dois arcos traçados
pelas energias divinas (descendente e ascendente), com ênfase especial para
o arco de retorno ao Logos, que parte de Malkut (Cobridor) para alcançar
Keter (Venerável Mestre). Por oportuno, repito que a Divindade e o Ein Soft
não estão na Árvore, composta, exclusivamente, pelas dez emanações que
interagem com o Universo.

O filósofo maçom Martinez de Pasqually, de origem judaica, demonstrou
um exercício matemático pelo qual se revelam os números sagrados do
denário, exposto de uma forma que os ordinais de 1 a 10, em sequência, são
somados aos produtos de uma adição que os inclui. Nesta demonstração, o 1 é
o ponto inicial das emanações, Deus. Assim, o número 1 soma-se ao 2, o
resultado soma-se ao 3, e o novo resultado soma-se ao 4 e, sucessivamente,
até o l0. Aqui a demonstração: (1+2=3), (3+3=6), (4+6=10), (5+10=15),
(6+15=21), (7+21=28), (8+28=36), (9+36=45), (10+45=55). Disto, Pasqually
extraiu (4+6=10) e 10 sendo igual a 1 é igual a Divindade; daí, 4 é o
primeiro número sagrado do denário; a seguir, (7+21=28) cujo resultado é
composto por 2+8=10 e, pela mesma razão, 7 é o segundo número sagrado e,
por fim, (10+45=55), onde 5+5=10, o que indica o 10 como terceiro número
sagrado do denário.

A aparente divagação de Pasqually acaba por fazer muito sentido
quando posta ao lado da tetrakdys de Pitágoras: o 1 pode ser o ponto
isolado no vértice superior do triângulo, representando Deus; o 2
corresponde aos dois pontos na segunda linha, ou seja, à Díade
Indeterminada; o 3, indica os três pontos da terceira linha e representa o
Logos Criador, enquanto o 4 corresponde aos quatro pontos da linha
inferior, representação do Mundo Físico. Observe-se que o Universo
Manifestado (4 pontos) somado ao Logos Criador (3), completam 7 pontos;
ambos, adicionados à Díade (2) e ao Uno (1), totalizam 10. Resumindo: os
números sagrados correspondem aos três níveis, Corpo (Universo Físico) 4,
Psique (Logos) 7 e Espírito (Uno e a Díade) 10. Este estudo cabalístico
constitui uma forma de expressão (linguagem de uma cultura) para velar a
mesma Verdade, tal como São João (Prólogo), Proclo (Emanações), Cabala
(Árvore da Vida), Pitágoras (Tetrakdys), fontes nas quais a Maçonaria
especulativa bebeu ensinamentos que conformam seu projeto iniciatório.

A ALQUIMIA

Na mira deste trabalho está a revelação limpa e clara dos muitos
subsídios esotéricos, incorporados pela Maçonaria especulativa ao seu corpo
doutrinário, cuja base de conhecimentos se localiza em quatro fontes
culturais bem identificadas. De todas essas tributárias, a Alquimia é
aquela que se apresenta de forma mais aparente, tornando mais fácil
evidenciar a sua participação nesse concurso. Antes de incursionar pelo
objetivo precípuo deste estudo, abro espaço para apresentar, sucintamente,
esta importante fonte de conhecimentos esotéricos.

John Edward Mercer, em sua obra Alchemy its Science and Romance,
deixou-nos comentários a respeito do tema, que me permito transcrever: "Se
nos perguntarmos quais seriam os objetivos que esta arte tinha procurado
tão arduamente atingir, as respostas não são tão simples como muitos
poderiam imaginar. Um deles se destaca na mente popular com relevância, a
descoberta da Pedra Filosofal, capaz de transformar metais menos nobres em
ouro. Mas, os alquimistas visavam muito mais do que isto. Em constante
rivalidade com a esperança de fazer ouro e prata estava a de descobrir uma
cura para doenças, um remédio universal. Os dois objetivos tenderam a
correr juntos, tendo em vista a frequente identificação da Pedra com o
Elixir. Este último, por uma extensão natural da idéia de um 'poder-
mestre', foi procurado para renovar o vigor e as graças da juventude, ou
melhor, ele seria empregado para levar a efeito o prolongamento indefinido
do prazo da vida. Além disso, seus adeptos alegavam que seu maravilhoso
remédio daria excelência intelectual e moral, felicidade, influência no
espírito do mundo, comunhão com o Criador. Assim, foram expandidas as metas
da arte até que eles abraçaram as transmutações, não apenas dos metais, mas
de seres humanos e de controle de poderes que estenderam a mão para a
grandeza do universo". (Ob. cit., pg. 21)

Claro que tais objetivos eram frutos de muita imaginação e
criatividade e, para desilusão de seus adeptos,
nunca foram alcançados. No entanto, a bem da verdade, na busca pela Pedra e
pelo Elixir, substâncias reais tinham sido manipuladas e experiências reais
foram realizadas. É difícil avaliar a quantidade e o valor das
contribuições deixadas pela Alquimia, em favor de um leque de ciências
positivas de nossos dias. Estou recolhendo aqui a imensa contribuição
alquímica em favor da Maçonaria, junto a um esforço para particularizar
essa tão ampla influência, o que ilide a possibilidade de demora no exame
dessa repercussão sobre outras especialidades.

Abro uma exceção à essa ressalva, para citar a relação da Alquimia
com a Psicologia Profunda, passando a palavra de imediato ao Professor
Doutor Carl G. Jung: "Com esta constatação que talvez pareça estranha ao
leitor, chegamos a um axioma central da alquimia, ou seja, ao aforisma (sic
) de Maria Prophetissa: "um torna-se dois, dois torna-se três e do três
provém o um que é o quarto". Como o leitor já percebeu pelo título deste
livro, ocupa-se ele com o significado psicológico da alquimia e portanto
com um problema que, salvo raríssimas exceções, tem escapado à pesquisa
científica até o presente. Até há bem pouco tempo, a ciência se ocupava
apenas com o aspecto que a alquimia desempenhava na história da química e
em pequena medida com seu lado filosófico e histórico-religioso. A
importância da alquimia na história do desenvolvimento da química é
evidente. Seu significado para a história do espírito humano, no entanto,
ainda é tão desconhecido que é quase impossível precisar em poucas palavras
em que consiste." (Psicologia e Alquimia, p.34)

O escopo desta peça é precisar o significado da vertente alquímica
para a escola maçônica de iniciação. Ensaio aqui uma pequena contribuição
específica em busca de seu significado para a história do espírito humano:
o primeiro contato do candidato à admissão na Ordem com a Alquimia, tem
lugar na Câmara de Reflexões. De forma direta e imediata, sem notícia
prévia, o iniciando enfrenta o desafio de compreender o significado
conjunto ou não, de um ambiente decorado por estranha combinação de
variados elementos. Na remota hipótese de que o candidato conheça
simbolismo alquímico, fará proveitosa leitura da mensagem que seus
anfitriões quiseram transmitir-lhe. As imagens da morte, o enxofre, o
mercúrio, o sal, a vela, o galo, a divisa V.I.T.R.I.O.L., a caveira, a
ampulheta e até os etcétera, são símbolos do processo de transmutação
desenvolvido pela Alquimia. Encerram a ideia de transformação evolutiva.

Esse hipotético recipiendário alquimista teria ciência imediata de
que a Maçonaria espera dele intensa participação num projeto de
aperfeiçoamento pessoal e, já como neófito, poderia antecipar o
desvendamento de cada etapa do processo. Perceberia que, para escolas
iniciáticas como a Maçonaria, o uso dos quatro elementos reveste uma
importância idêntica à que lhes confere o seu conhecido processo alquímico:
neste, um elemento sempre vai da terra para a água (digestão), da água para
o ar (destilação), e do ar para o fogo (calcinação). Nada demais, porque o
mesmo uso dos quatro elementos era adotado nas antigas escolas de mistérios
do Egito e, mais tarde, nas primeiras escolas gnósticas do Cristianismo.
Tudo muito semelhante ao que a Maçonaria enfatiza nos graus de Aprendiz
(água), no de Companheiro (ar) e no de Mestre (fogo).

Para que melhor se compreenda a presença da Alquimia nos cerimoniais
maçônicos, faz-se inadiável um breve estudo do Processo Alquímico. Segundo
a literatura alquímica, o primeiro passo no processo para a obtenção da
Pedra Filosofal exige a colheita, pelo alquimista, de uma erva que tenha
particular afinidade com aquela que se acredita seja uma boa influência
planetária. Após encontrar a erva certa, deve arrancá-la pelas raízes e, na
medida do possível, com todas as partes intactas; em seguida, deve colocá-
la num vaso com orvalho recolhido na manhã ou com espírito de vinho (o
orvalho ou o vinho servem para separar os óleos da erva); a erva,
mergulhada no líquido, é levada a fogo brando por vinte e quatro horas e,
neste período, o recipiente que a contém é agitado vigorosamente por duas
vezes, de modo a separar os óleos da matéria vegetal; como a erva se torna
gradualmente preta, os alquimistas chamam os resíduos de "caput mortum"
(cabeça morta, em latim). Esta é a primeira parte do processo.

No segundo estágio, os líquidos obtidos são destilados sete vezes e
se tornam avermelhados por efeito do calor, depois transformam-se em vapor
e logo depois caem purificados como uma substância clara e fluida; os óleos
retirados em cada destilação são chamados "enxofre", o líquido remanescente
é o "mercúrio" e os resíduos da erva são chamados "sal". A combinação de
óleo e ervas e, então, chamada "orvalho celeste". Ao final, a erva
remanescente deixa de ser "caput mortum" e passa a ser o que chamavam
"resíduos fecais".

Na segunda parte do processo, a destilação, os óleos vitais e a
essência da erva são aquecidos e sobem até o ponto mais alto do aparelho de
destilação, na forma de vapor (ar), condensando-se em outro frasco.
deixando a parte material para trás. No último estágio, os resíduos da erva
são queimados até as cinzas (fogo), no processo da calcinação, para
obtenção do sal; este sal precisa ser logo "despertado" (ou "levantado") e,
após revivido com ajuda do Sol e da Lua, passa a ser o "leão vermelho";
este será erguido com "a garra do leão", formada pelos quatro elementos e a
adição de um quinto, o éter. Esta passagem alquímica se associa,
imediatamente, com a cerimônia da exaltação, na qual os elementos e o éter
se equivalem aos cinco pontos.

Simbolicamente, os alquimistas concebiam o homem composto por três
principais partes alquímicas: o fogo ou enxofre, da cabeça, o ar ou
mercúrio, do peito, e a água ou sal, do abdômen. São o fogo, o ar e a água
que, no processo alquímico, precisam ser redescobertos a fim de "levantar"
da morte ou, em outras palavras, transmutar a matéria da morte para um
estado de vida espiritualizado. A alquimia considera o corpo do homem como
dividido em três partes principais, a do fogo, do ar e da água, e não por
coincidência, a Maçonaria as vinculou aos graus de Mestre, Companheiro e
Aprendiz. A caminhada iniciatória começa pela base instintual, situada na
região abdominal, para o domínio das paixões, prossegue ascendendo para
peito, onde residem as emoções, concluindo o processo na sede espiritual do
intelecto.

CONCLUSÃO

O neo-platônico Pico Della Mirandola, que foi membro da Academia
Platônica de Florença, discípulo de Marsiglio Ficino, destacou que toda
tradição filosófica e religiosa tem uma referência comum, a verdade
universal. Na proposição de suas teses, Pico incluiu as opiniões de todos
os autores que o precederam, e escreveu que sua intenção era ilustrar a
universalidade da verdade, por onde justificou seu esforço para defender
doutrinas das mais diferentes origens. Pico forneceu a base para uma ampla
tolerância religiosa e filosófica, estabelecendo o conceito básico de seu
pensamento, "a consciência da aproximação a Deus através dos símbolos." A
Maçonaria foi concebida para pensar através de símbolos e, através da
linguagem simbólica, compartilhar com outras culturas e assimilar delas a
verdade universal comum. Grande parte do material incorporado pela
Maçonaria tem origem nas vertentes que inspiraram este trabalho, cujo
contexto pode servir aos propósitos investigadores de meus Irmãos.

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[1] Publicado em Edições Universum nº 30, dezembro/2011
[2] A biografia de Plotino, de autoria de Porfírio, constitui preâmbulo da
edição que possuo da obra Plotinus The Ethical Treatises (vide
Bibliografia, no final).
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