As raizes do autoritarismo no executivo acreano - 1921/1964

May 27, 2017 | Autor: F. da Silva | Categoria: Autoritarismo, Clientelismo, Acre
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH

FRANCISCO BENTO DA SILVA

AS RAÍZES DO AUTORITARISMO NO EXECUTIVO ACREANO – 1921/1964

RECIFE PERNAMBUCO

UFPE Universidade Federal de Pernambuco

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

AS RAÍZES DO AUTORITARISMO NO EXECUTIVO ACREANO — 1921/1964

FRANCISCO BENTO DA SILVA

RECIFE – 2002

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

FRANCISCO BENTO DA SILVA

AS RAÍZES DO AUTORITARISMO NO EXECUTIVO ACREANO – 1921/1964

Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em História, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Martinello.

RECIFE – PE 2002

Tipologia do texto: Times New Roman Fonte do texto: letra 12 Espaço: 1,5 ® Francisco Bento da Silva e-mail: [email protected]

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFPE SILVA, Francisco Bento da. As raízes do autoritarismo no executivo acreano - 1921/1964. Recife – PE. UFPE/Programa de PósGraduação em História, 2002. 123 pp. Dissertação de Mestrado S_____R Universidade Federal de Pernambuco. Orientador: Pedro Martinello. Dissertação de Mestrado Universidade Federal de Pernambuco. Departamento de História.

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1. Política - Acre – Ditadura militar, 2. Autoritarismo – Acre, 3. Política governamental, 4. Poder executivo. I. Título.

CDU—____________

FRANCISCO BENTO DA SILVA FRANCISCO BENTO DA SILVA

AS RAÍZES DO AUTORITARISMO NO EXECUTIVO ACREANO 1921/1964 Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em História do Brasil, área de concentração: História do Norte e Nordeste do Brasil, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Martinello.

BANCA EXAMINADORA ________________________________________________ PROF. DR. ANTÔNIO TORRES MONTENEGRO MEMBRO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIA HUMANAS _______________________________________________ PROF. DRA. SILVANA MARIA BRANDÃO DE AGUIAR MEMBRO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS _______________________________________________ PROF. DR. GÉRSON RODRIGUES ALBUQUERQUE MEMBRO UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA _____________________________________________ PROF. DR. LUIZ ANASTÁCIO MOMESSO (SUPLENTE) MEMBRO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO ____________________________________________ PROF. DRA. MARIA DO SOCORRO FERRAZ BARBOSA (SUPLENTE) MEMBRO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação de Mestrado defendida por Francisco Bento da Silva e aprovada pela Banca Examinadora em 21 de março de 2002.

RECIFE – PE 2002

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Dedico aos meus pais, Raimundo e Maria, figuras impares em minha vida e que sempre deram apoio e compreenderam a seus modos minhas aspirações; Aos meus irmãos: João, Manoel, Carlos e Cláudio, como exemplo simplório. Para os meus sobrinhos Rodrigo, Bruna, Bianca e Camila, certeza de futuro. Para meu amado filho João Marcos e minha querida Cláudia, pessoas que comigo sofreram a distância, que separa fisicamente mas que une no coração e na saudade.

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Agradecimentos Às universidades federais do Acre - UFAC e de Pernambuco – UFPE, pela oportunidade desta pós-graduação e à Coordenação do mestrado interinstitucional, na pessoa do professor Carlos Alberto Alves de Souza; Ao amigo e mestre maior Elder Andrade de Paula, não só pelo apoio inestimável na consecução deste trabalho mas, na minha formação acadêmica. No entanto eximo-o dos erros aqui cometidos, sua contribuição foi nos acertos; Ao meu dileto amigo Sérgio Roberto Gomes de Souza. Que o espírito epicurista prevaleça, que a sanha dionisíaca nunca acabe e que a razão pessimista nos guie. Obrigado por tudo, em Rio Branco e em Recife; Ao meu prezado amigo Mauro César pelas divagações e preocupações compartilhadas entre nós; Ao meu orientador, professor Pedro Martinello pela liberdade e confiança que me deu nos caminhos que escolhi e ao meu dileto e diletante amigo Gérson Albuquerque, pelo apoio de sempre e por tecer observações substanciais ao trabalho; À minha amiga professora Alderlândia Maciel e sua família, — em especial D. Linei — amigos em todas horas durante minha jornada em Cruzeiro do Sul. Obrigado pelo apoio, sem vocês tudo seria mais difícil; Ao professor Mark Clark e ao professor Vicente Cerqueira, obrigado pela dileta amizade forjada na luta sincera e honesta. A este último, agradeço ainda pela tradução do Resumo para a língua de Shakespeare; Aos colegas do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais: Sérgio Roberto dos Santos, João Lima, Coracy Sabóia, Marcos Inácio, Elane Correia e Eloísa Winter; Aos professores José Porfíro e Sheila Palza, pela paciência e compreensão em me acolherem em sua casa, onde parte deste trabalho foi escrito; A Jorge Félix e Teresa Ribeiro, em Epitaciolândia, que sempre me ofereceram acolhida carinhosa quando lá estive e onde finalizei este trabalho; Aos meus amigos de todas as horas: Marineide, Tinho, Jô Luís, Lenira Pontes, Vanessa Paula, Julliana Paula e Josenilda (Pio); Enfim, à todos meus colegas de mestrado com quem convivi durante alguns meses na “stressante” cidade de Recife: Hélio, Teresa, Geórgia, Nilda, Michele, Ormifran, Orlandine, Eldo, Ialdo, Valmir, Fátima e Euzébio.

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―Os vivos se vêem no meio-dia da história. Eles se sentem obrigados a oferecer um banquete ao passado. O historiador é um arauto que convida os mortos para a mesa‖. Walter Benjamin

―Articular o que se passou na história não significa reconhecê-lo como ele de fato ocorreu. Significa apropriar-se de uma reminiscência, como ela lampeja num momento de perigo‖. Walter Benjamin

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―Há 500 anos caçamos índios e operários há 500 anos queimamos árvores e hereges há 500 anos estupramos livros e mulheres Há 500 anos sugamos negros e aluguéis Há 500 anos dizemos: que o futuro a Deus pertence, que Deus nasceu na Bahia, que são Jorge que é guerreiro, que o amanhã ninguém sabe, que conosco ninguém pode, que quem não pode se sacode. Há 500 anos somos pretos de alma branca, não somos nada violento, quem espera sempre alcança e quem não chora não mama ou quem tem padrinho vivo não morre nunca pagão. Há 500 anos propalamos: este é o país do futuro, antes tarde do que nunca, mais vale quem Deus ajuda e a Europa ainda se curva. Há 500 anos: Somos raposas verdes Colhendo uvas com os olhos, Semeando promessas e vento Com tempestade na boca, Sonhamos com uma paz da Suécia Com suíças militares, vendemos siris na estrada E papagaios em Haia, Senzalamos casas-grandes E sobradamos em mucambos, Joaquim Silvério e derrama, A polícia nos dispersa e o Futebol nos conclama, Cantamos salve-rainhas E salve-se quem puder, Pois Jesus Cristo nos mata Num carnaval de mulatas".

Que país é este? Afonso Romano de Sant’ana

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RESUMO

Procuro neste trabalho intitulado As raízes do autoritarismo no executivo acreano – 1921/1964, discutir as bases formadoras de práticas políticas de cunho autoritário e personalistas existentes durante o período acima citado. É a partir de 1921 que o Acre consegue sua unificação administrativa, já que antes predominava a descentralização administrativa, com a existência de Departamentos situados nos vales geográficos do território acreano. Com a unificação, aparece a figura do governador territorial, indicado pelo Ministério da Justiça e confirmado pela presidência da República. Estes governadores forâneos, geralmente portadores de patente militar, irão comandar a política local durante décadas, pois enfeixavam em suas mãos poderes amplos e comumente exorbitavam a liturgia do cargo. O poder executivo predominava com uma ascendência impar e única, pois o judiciário era muito fragilizado e incipiente, já o legislativo se mostrava inexistente devido a própria forma como a esfera pública no Acre foi implementada. Foi dado um poder público ao Acre que obedecia acima de tudo interesses externos, caucionados localmente por oligarquias internas em consonância com a ingerência da União. Discuto também as várias fases do movimento autonomista, que com suas diversas faces procurou dar ao Acre o status de Estado federado, em substituição a figura do Território Federal. Enfocamos ainda, as práticas políticas de cunho personalista presentes na política acreana, que aliadas à uma rede de corretagem clientelistas, proporcionada pelo uso da máquina estatal tornaram se comum. E por último, abordo o governo de José Augusto, primeiro governador constitucionalmente eleito após a elevação do Acre a Estado. Teve um governo conturbado e fragilizado por uma série de fatores e antes de terminar seu mandato, foi deposto com interferência do ordenamento político que se instaurou com o golpe militar de 1964.

PALAVRAS-CHAVE: Autoritarismo, Acre, clientelismo, democracia, ditadura militar, autonomia, Território, Estado.

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ABSTRACT This work aims at discussing the bases that modeled the authoritarian and person-centered political practices in vigor during the period from 1921 to 1964. It is only after 1921 that Acre gains administrative unification; before that its administration comprised several Departaments located in the geographical valleys of its territory. This unification brings into being the figure of territorial governors nominated by the Ministry of Justice and confirmed by the Presidente of the Republic. Those governors, usually military officers, will control the local politics for decades, for they had the power in their hands and often exerted it beyond legal limits. The executive power prevailed in a singular manner, for the Judicial power was fragile and incipient, and the legislative power was almost non-existing due to the way public administration was implemented in Acre; Acre was given a public power thet obeyed the interests of the Federation above all and was backed by the local oligarchies it also seeks to discuss the various phases of the autonomy movement which, in its diverse faces, struggles to given Acre the status of federated state in place of federal territory. In this respect, some light is shed on the person-centered political practices held in the state, favored by the state administrative machinery. Finally it focus on the period of Governor José Augusto, the first constitutionally elected governor after Acre gained federative status; its mandate was disturbed and weakened by several factors, and he was impeached by the interference of the new political re-ordering established with the military dictatorship installed after the 1968 coup d’état.

KEY WORDS: Acre, Authoritarianism, clientelism, democracy, military dictatorship, autonomy, Territory, State.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................... CAPÍTULO I: A PRESENÇA DO ESTADO E SUA CONFORMAÇÃO COMO CENTRO DE PODER POLÍTICO: A HIPERTROFIA DO EXECUTIVO. 1.1 — ESTADO E TERRITÓRIO: UMA DISCUSSÃO PRELIMINAR SOBRE O CASO ACREANO. 1.2 — UM POUCO ANTES: A GÊNESE POLÍTICA DO TERRITÓRIO DO ACRE — 1904/1920. 1.3 — A CENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA TERRITORIAL E OS GOVERNOS A PRESTAÇÃO. 1.3.1 — A PRIMEIRA FASE DOS GOVERNADORES NOMEADOS — 1921/1930. 1.3.2 — O PERÍODO DOS INTERVENTORES FEDERAIS — 1930/1937.

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1.3.3 — A SEGUNDA FASE DOS GOVERNADORES NOMEADOS — 39 1937/1962. 1.4 — OS FESTEJOS DE POSSE DOS GOVERNADORES: A 40 TEATRALIZAÇÃO DO PODER. 1.5 — A FORÇA POLICIAL TERRITORIAL COMO BASE DA BUROCRACIA 45 COERCITIVA. CAPÍTULO II: O MOVIMENTO AUTONOMISTA E A ELEVAÇÃO DO ACRE A 48 ESTADO: MUDANÇAS E CONTINUÍSMOS. 2.1 — A GÊNESE E AS VÁRIAS FACES DO MOVIMENTO 48 AUTONOMISTA ACREANO. 2.2 — OS EMBATES EM TORNO DO PROJETO AUTONOMISTA DE 58 GUIOMARD SANTOS. 2.3 — GUIOMARD SANTOS VERSUS OSCAR PASSOS: APOGEU DO 66 PODER PERSONALISTA E DO CLIENTELISMO POLÍTICO. 2.4 — AS ÚLTIMAS CENAS DO REGIME TERRITORIAL E A TRANSIÇÃO 70 PARA ESTADO. CAPÍTULO III: DE JOSÉ AUGUSTO AO CAPITÃO CERQUEIRA: FRAGILIDADE 72 POLÍTICA, FALTA DE HEGEMONIA E EXACERBAÇÃO DO AUTORITARISMO NO EXECUTIVO. 3.1 — ELEIÇÃO E QUEDA DE JOSÉ AUGUSTO: LUTA PELO PODER E A 72 BUSCA FRUSTRADA DE UMA NOVA HEGEMONIA. 3.2 — A DITADURA MILITAR NO ACRE: UM NOVO RÓTULO EM UM 79 VELHO CONTEÚDO. 3.3 — OS VÁRIOS GOLPES: CASUÍSMO DO PODER LEGISLATIVO, 80 TRAIÇÃO PARTIDÁRIA E INSTAURAÇÃO ―LEGAL‖ DO ARBÍTRIO E DA EXCEÇÃO. 3.4 — (O)CASO DO ACRE: GOLPE MILITAR, HIPERTROFIA DO 86 EXECUTIVO E ―CAÇA ÀS BRUXAS‖. 3.5 — O AUTORITARISMO E A DITADURA MILITAR NO PANAROMA BRASILEIRO. 100 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 105 BIBLIOGRAFIA...................................................................................................... 110 APÊNDICES .......................................................................................................... 118

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INTRODUÇÃO ―Desde que há mundo, nenhuma autoridade ainda teve boa vontade para se deixar tomar como objeto de crítica‖. Nietzsche, Aurora.

Ao se tomar contato com a discussão em torno do autoritarismo é comum vincular a sua manifestação como sendo algo que se identifica somente com regimes de força oriundos da caserna ou de ditaduras civis. Especificamente sobre a ocorrência das ditaduras militares, há um vasto olhar acerca deste fenômeno, principalmente em relação à América Latina e ao Brasil, seja no volume de obras ou nas 1

distintas visões interpretativas . Em parte, isto contribui de maneira significativa às várias tentativas que buscam compreender tal questão. Mas é meu intento fazer uma discussão mais ampliada sobre os pressupostos teóricos e conceituais que dizem respeito a esse problema. Pois, embora toda ditadura — civil ou militar — careça do componente autoritário, o autoritarismo político não se expressa somente em uma situação de ditadura. Nesta, ele se exacerba. Tanto o adjetivo autoritário, quanto o substantivo autoritarismo, são empregados regularmente em três contextos a saber: estruturas de sistemas políticos, disposições psicológicas de 2

certos indivíduos ou para ressaltar determinadas ideologias políticas . Na perspectiva política que irei trabalhar, são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a autoridade governamental e declinam em gradações diferenciadas o consenso, mantendo o poder político nas mãos de uma só pessoa, de um órgão ou de um grupo específico, colocando em posição secundária as instituições representativas e exacerbando de maneira significativa o predomínio do poder executivo. Para melhor compreensão é necessário afirmar, que mesmo fora de situações específicas relacionadas aos acontecimentos que discuto neste trabalho, a possibilidade de ocorrência dos conflitos abertos — bem como a adoção de procedimentos autoritários na esfera pública — estão presentes na própria formação dos Estados Nacionais no ocidente, que comporta a idéia de uma ordem essencialmente de origem burguesa. Uma Razão de Estado construída a partir de meados do século XVII para combater a ―desordem‖, impedir e controlar os conflitos originários das classes em luta, garantindo assim a reprodução de uma ordem idiossincrática, baseada objetivamente nas doutrinas legitimadoras do status quo do chamado Estado Moderno. Ao tratarem especificamente do caso brasileiro e de suas peculiaridades, autores das mais variadas matizes ideológicas e interpretativas sugerem em seus estudos, que o fenômeno autoritário é algo intrínseco ao Estado erguido no período colonial/escravista, marcado sobremaneira por uma rede variada de relações sociais complexas que envolviam personalismo, autoritarismo, clientelismo, patrimonialismo,

1Ver 2Cf.:

capítulo III, tópico 3.3. Stoppino (1993), pp. 94 e ss.

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corporativismo e compadrio . Este legado perdurou posteriormente, sofrendo somente alterações e recombinações; mas, na sua essência, permaneceu sendo um elemento duradouro e indelével na formação 4

e desenvolvimento da ―sociedade nacional‖ . Florestan Fernandes (1975) ao estudar alguns processos sociais brasileiros demonstra que eles sempre ocorreram pelo alto, sem participação ou clamor popular que pudessem dar a estes acontecimentos, um verniz de autonomia e mobilização das classes sociais subalternas. Para ele, a revolução burguesa ocorrida no Brasil aconteceu sem rupturas políticas fortes, não sendo capaz de construir uma institucionalidade democrática com incorporação social. A guisa de ilustração, assim foi com a abolição da escravidão, — que embora extremamente necessária e justa, foi resolvida por um Decreto-Lei — e, com a adoção do regime republicano, implantado através de um golpe militar. Partindo destes pressupostos, isto reforça ainda mais a característica excludente, hierárquica e centralizadora do exercício do poder existente na formação da Nação brasileira e em particular, do Estado Nacional. Analisando as experiências do período pós 1930, comumente batizado de Segunda República, Wanderley G. Santos (1988) destaca três formas de experiências autoritárias na política brasileira: a primeira seria o Integralismo, que oriundo do império, sobrevive na República e é baseado nas desigualdades naturais entre os homens e no direito diferenciado; a segunda é caracterizada pelo Estado Novo, que é marcado pela acentuada intervenção e uso de mecanismos regulatórios do Estado, no intuito de disciplinar as questões sociais e assegurar certos níveis de eficácia econômica através do processo de industrialização. Conjugando ainda um grau acentuado de paternalismo e a busca de subordinação dos trabalhadores urbanos, ao chefe político; por último, o autoritarismo instrumental com seu viés pragmático e temporário — geralmente de cunho militar —, onde os procedimentos autoritários visam edificar uma sociedade liberal, estabelecendo mecanismos de um Estado forte como sendo momentâneos e necessários para corrigir, dissolver desvios, fragilidades e tendências de desagregação da ordem social e nacional. A partir dessa sumária exposição, quero apontar para questão de que no Brasil se conviveu muito pouco com a manifestação e prática democrática. Deixando de lado o período anterior a 1889, e concentrando o enfoque nestes poucos mais de cem anos republicanos, percebe-se que até os anos trinta o conceito de democracia também não se aplica aos procedimentos e práticas políticas existentes até então. Entre 1931 e 1934 passa a funcionar um regime provisório muito frágil do ponto de vista político e institucional; somente de 34 a 37 há a primeira e breve experiência de democracia formal de fato, substituída pela ditadura estadonovista que subsiste até 1945. Na seqüência, ocorreu a

3Interessantes

reflexões acerca dos conceitos destes termos, podem ser encontradas em Faoro (2000); Prado Júnior (2000); Holanda (1976); Freyre (1973); e, Leal (1997). Cf. Bibliografia. 4O termo ―sociedade nacional‖, remete a um conjunto de universais abstratos muito próximos: Estado, Nação, Povo, País e Identidade nacional. Vistos como totalidades uniformes onde as pessoas se sentem ligadas por uma rede de vínculos percebidos como sendo comuns, que os mantém unidos e os fazem sentirem se diferentes dos ―outros‖, provocando uma alteridade coletiva. Estes termos, geralmente estão ligados à idéia de uma sociedade sem oposição, na qual os conflitos foram dissimulados na identidade da sociedade consigo mesma, produzindo ideologicamente uma fusão que procura coincidir indivíduo, sociedade e Estado.

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implementação da chamada democracia populista (45/64) , rompida com o golpe de 1964 e legando a ditadura militar que perdurou até metade dos anos oitenta. Ou seja, durante todo o último decênio do século XIX e todo o século XX, conviveu-se de forma alternada pouco mais de trinta anos com a 6

democracia representativa em seu sentido moderno e universalista . Levantadas essas questões preliminares e de ordem mais geral, quero deixar patente que são a partir destas considerações maiores que irei discutir, dentro da temática do autoritarismo político, o assunto que abordarei neste trabalho. Do ponto de vista pessoal, a escolha e os caminhos a serem percorridos estão ligados à minha formação acadêmica. Por isso, estas problematizações advêm de 7

reflexões sobre as quais me debrucei durante a minha graduação em Ciência Política , ao abordar dentro desta perspectiva, a transição política de 1982 no Acre. Nesta monografia, ficou a preocupação de que práticas autoritárias também eram comuns e se explicitaram durante o interstício em que vigorou a ditadura militar no período pós 64 e a chamada abertura política. A princípio, a meta para o mestrado era fazer uma abordagem que englobasse somente os anos em que vigoraram os governos biônicos indicados pela ditadura militar (64/82). Mas ao olhar para o caso acreano, me deparei com a presença destas práticas como já presentes no período de formação política do Território do Acre, no início do século passado. É em função disto, que o trabalho aqui apresentado busca modestamente discutir as ―As raízes do autoritarismo no executivo acreano — 1921/1964‖. Passarei agora para o ponto fulcral deste trabalho, que procurará colocar em relevo algumas questões – tanto de ordem geral quanto específica – sobre como se deu no Acre a convivência da 8

sociedade com procedimentos de cunho autoritário emanados a partir do Estado , onde este passa a conformar e dominar os espaços públicos através de suas instituições. O Acre como Unidade da Federação brasileira se insere no contexto nacional — geográfica e politicamente — de forma gradativa, conflituosa e tardia. Contribuíram para isto acontecimentos como 9

a República independente de Luís Galvez ; o levante liderado por Plácido de Castro visando a anexação, 10

posteriormente ratificada com o Tratado de Petrópolis; a luta autonomista ; a unificação departamental e 5Cf.

entre outros, Weffort (1980); Ianni (1988) e, Ianni (1989). este caso, e a título de didatismo, explicitarei alguns elementos mínimos, sine qua non, apontados por diversos autores para se caracterizar, sem definir, a existência da democracia: eleições livres e regulares para cargos executivos e legislativos, sufrágio universal, universalização do direito, liberdade de expressão e de associação a todos cidadãos. Como não cabe fazer aqui uma discussão acerca da democracia representativa, indicarei aqui apenas alguns autores que lançam distintos enfoques sobre esta questão: em um plano mais geral Sartori (1986), Hirst (1992), Bobbio (1986) e Dahl (2001). Sobre as democracias latino-americanas ver, entre outros, O’ Donnell (1993) e O’ Donnell (1997). Cf. Bibliografia. 7Cf.: Silva (1998). 8Reporto-me aqui ao sentido amplo de Estado, que engloba tanto o poder público federal (União); quanto territorial (Acre). 9Luiz Galvez Rodrigues de Árias, espanhol que trabalhou na embaixada de seu país em Buenos Aires; depois seguiu para o Brasil e se estabeleceu em Manaus, onde trabalhou primeiramente como jornalista e depois no Consulado boliviano em Belém, quando toma contato com a ―Questão acreana‖. Figura folclórica e controversa que em 14 de julho de 1899, proclamou o Acre Independente (Governo do Estado do Acre, 1999). A intencionalidade da data coincidindo com a revolução francesa de 1789 e as compras adquiridas previamente em Manaus não foram por acaso. 10Embora o Projeto de Lei nº 4.070 que redundou na elevação do Acre a Estado tenha sido apresentado em 6Para

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a elevação a Estado federado ocorrida somente em 1962. Acontecimentos complexos e de abordagens amplas, que acabaram forjando a ―invenção‖ de uma certa identidade ao Acre e aos acreanos. Mesmo após sua inserção no mapa brasileiro, os desígnios políticos-administrativos do Acre ficaram sob a incumbência da União, representada pelas oligarquias

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dirigentes da chamada

República Velha e seus pares locais. Estas oligarquias, se expressavam na concentração do poder nas mãos de um grupo restrito de pessoas, ligadas entre si por interesses ou privilégios particulares, que se serviam de todos os meios ao seu alcance para conservá-los através de influências conjugadas com o apoderamento da máquina estatal. Com a revolução de 30 e a posterior instauração do Estado Novo varguista, o Acre, na condição de Território Federal, não teve essa característica alterada: continuou sob governos que não expressavam a vontade manifesta dos governados. Todos estes sendo todos formados basicamente por militares ou profissionais liberais, — como médicos e advogados — até mesmo durante a fase da chamada democracia populista brasileira. Somente no ocaso do período conhecido por populismo democrático é que ocorre a elevação do Acre a Estado federado (15/06/62), se efetivando, de fato e de direito, algo que já existia em forma de luta primária desde o momento da anexação do território à União. Ou seja, a busca de uma maior autonomia política do Acre e sua formal independência administrativa, que se implementou, permeada de contradições e peculiaridades, a partir do Projeto de Lei apresentado na Câmara Federal pelo 12

então deputado José Guiomard Santos . No seu conjunto, a proposta desta dissertação é colocar em relevo essas questões, procurando evidenciar alguns aspectos sobre a gênese da formação política do Acre e das práticas autoritárias presentes no seio do poder executivo, como marca singular da faceta do Território acreano. Inicio minha análise traçando um panorama mais amplo sobre as bases formadoras do autoritarismo no Acre, percebendo-o como sendo uma prática originária de um processo longo e duradouro, indelevelmente associado à própria formação política desta unidade federativa. Tendo prevalecido como algo constante ao longo do seu desenvolvimento, exacerbando-se de maneira mais evidente no período posterior a 64 com a instituição do autoritarismo militar explícito. Intenciono analisar, na esfera do poder executivo estadual, as características mais gerais das adoções de medidas políticas de cunho autoritário durante o período compreendido entre os anos de 1921 e 1964. Este recorte temporal se justifica por englobar um período bastante significativo do ponto de vista da organização burocrática e administrativa do Acre.

1957; muito antes, em 1908, o deputado cearense Francisco Sá já tinha apresentado semelhante Projeto na Câmara Federal, depois reapresentou com algumas alterações o mesmo Projeto no Senado Federal em 1915, ambos foram rejeitados. Somente em 1919 seu Projeto é reapresentado e aprovado com substanciais alterações, dando ao Acre a centralização administrativa, mas negando-lhe o estatuto de Estado. Cf. Craveiro Costa (1974). 11Semânticamente deriva do grego e significa governo (arché) de poucos (oligos). Para Ianni (1989), as oligarquias no Brasil são compostas por lideranças políticas e econômicas onde o poder é exercido pelo mesmo grupo e pessoas interpostas, em nome ou em benefício de uma classe social bastante reduzida e solidária no controle do poder (ibidem, p. 47). 12Cf. Costa (1998).

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Se entre 1904 e 1920 o Território era dividido em Departamentos administrativos, é a partir de 1921 que ocorre a unificação de fato do Território e a centralização do poder executivo. Os anos 40 e 50 são marcados pelas disputas entre Guiomard Santos e Oscar Passos e, a posterior elevação do Acre a Estado federado em 1962 coincide com as primeiras eleições diretas para governador, tendo sido eleito o professor José Augusto de Araújo. Em seguida vem o golpe militar, marcado pela vigência de governos biônicos impostos pela ditadura, tanto no plano nacional quanto local. Procuro acompanhar ainda, questões relacionadas à forma de atuação e o papel desempenhado pelo Estado a partir do norte que as classes dirigentes lhe imprimiram. Este Estado procura acima de tudo assegurar uma ordem vigente, intencionando manter sob seu controle o conflito entre grupos e interesses antagônicos. Consignado a isto, busco identificar também os interesses, as principais forças e atores políticos envolvidos no período citado, mostrando ainda o impacto do 13

autoritarismo e do burocratismo

e o ―legado‖ que ambos deixaram a posteriori no conjunto da

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―sociedade acreana‖ . Por fim, me baseio em um entendimento ex-anti e empírico que me leva a dizer que no Acre, pelas suas características peculiares, as práticas de cunho autoritário remontam o Território, sobrevivem no momento em que este se eleva a Estado e se reforçam com mais intensidade a partir do golpe de 64. Por isso, o meu interesse em problematizar estas questões circunscritas no período supra citado. Acredito que as questões levantadas aqui como relevantes, já servem como base para justificar o meu interesse pelo assunto proposto, buscando uma reflexão e uma compreensão mais acurada a respeito dessa temática. Por outro lado, o presente trabalho se constitui e se insere numa perspectiva que busca dialogar e refletir, com e sobre a história política acreana, a partir das questões preliminarmente apontadas. Procuro trilhar em uma linha historiográfica voltada para uma abordagem política, no intuito de interpretar as relações e contradições existentes entre as oligarquias dirigentes e outros grupos sociais que compuseram e construíram a ―sociedade acreana‖. Sem com isto me pautar em determinismos, dogmatismos ou em uma visão maniqueísta do problema. Ao fazer preliminarmente essas digressões mais gerais, ressalto que a discussão dessas categorias e conceitos até agora citados devem ser considerados antecipadamente de acordo com o sentido que eles possuem no seu contexto histórico, bem como suas transformações e a incorporação de novos significados que passam a adquirir. Considero de suma importância fazer estas ressalvas para melhor caracterizar os constructos utilizados na análise interpretativa.

13Para

Saes (1992), em A formação do Estado burguês no Brasil, o “burocratismo” é um sistema de organização dos servidores do Estado (civis e militares) que os enquadra em determinadas práticas e regras jurídicas, construindo uma tendência ideológica própria desta categoria, baseada na impessoalidade e não-monopólio das funções, hierarquia vertical. Ou seja, qualquer um a partir da competência profissional pode desempenhar as mais variadas funções dentro do aparelho estatal; com isto, procura-se descaracterizar o caráter de classe do Estado. 14 O termo sociedade acreana encontra-se ao longo do trabalho ―aspado‖ devido ser muito amplo e vago conceitualmente, assemelha-se ao termo sociedade nacional, já comentado na nota 04 desta introdução.

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A intenção é não concebê-los como sendo abstratos e deslocados de materialidade, nem destituí-los de estarem intimamente ligados a modos de vida distintos. Portanto, não tendo eles uma aplicabilidade automática sem que se faça uma discussão entre o referencial teórico e os processos históricos que estão em análise Mesmo assim, se os múltiplos paradigmas estão postos, talvez seja preciso abordá-los tendo como pressuposto que eles não explicam nem atribuem conexões absolutas, que tornem a compreensão imediata e total entre o sujeito e o anacrônico ―objeto‖. Isso ocorre porque os sujeitos históricos, e o historiador em particular, não chegam nunca a finitude da narrativa e da interpretação a respeito do passado. Não são dados a conhecerem todas as alternativas possíveis do amanhã e não têm controle sobre as situações do presente. Com isto, o saber histórico se torna o singular e o relevante de um passado reconstruído a posteriori. Desta forma, embora o presente temporalmente seja um produto do passado, inversamente o passado ao ―ser dito‖ se torna algo construído a partir do presente, através das múltiplas visões daqueles 15

que procuram interpretá-lo . Segundo José Luiz Fiori (1995), ―são as expectativas que fazem do futuro um elemento ativo no presente, possibilitando a coexistência de uma dimensão que embora não seja ainda vivida e conhecida, comporta uma certa lógica e é fundamental para a compreensão daquilo que está sendo vivido‖ (idem, p.17). Assim, o presente está sempre ―prenhe‖ de uma perspectiva futura que já existe como potestade neste mesmo presente sem, no entanto, este futuro ser conhecido e entendido antecipadamente. Talvez devido a essas complexidades o fardo da história seja tão pesado. No tocante ao processo de pesquisa, me ative fundamentalmente em leituras de jornais e documentos dos Arquivos do CDIH/UFAC, Museu da Borracha, Instituto Lígia Hammes, Arquivo Geral do Estado do Acre, Assessoria de Comunicação da Policia Militar do Acre, Biblioteca da Assembléia Legislativa do Acre e Biblioteca do Tribunal de Justiça do Acre, além de acervos em Cruzeiro do Sul e da Biblioteca Nacional (RJ). Como fica evidente nesta relação, todos os Arquivos notadamente estão vinculados a órgãos estatais, construídos e mantidos pelo Estado e pelos poderes constituídos. Lugares por definição, que guardam certas ―memórias‖, que estabelecem o que deve ser preservado e lembrado; por oposição, o que deve ser silenciado e esquecido. Além, do material bibliográfico — geral e regional — em que me apoiei para discutir os princípios teóricos-metodológicos que nortearam e fundamentaram este trabalho. Junto a estas observações, tenho a compreensão de que os documentos e outras fontes não ―falam por si mesmo‖, contém intencionalidades subjetivas e objetivas, silêncios, leituras invertidas e discursos de práticas sociais permeados de interesses, estratégias e propósitos. Um outro ponto a ser explicitado na decorrer da pesquisa, refere-se a dois problemas que se colocaram a priori como entraves na consecução deste trabalho. O primeiro deles se configurou na escassez de fontes escritas. Além dos jornais, não há quase nada escrito e desconheço a existência significativa de documentos oficiais disponíveis. Devido essas singularidades, fui levado em certa medida a dialogar e discutir as interpretações destes acontecimentos, a partir de relatos jornalísticos, entrevistas e

15Discussão

levantada por Carl Becker, in Wehling, (1994, p. 128).

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depoimentos. No caso destes últimos, isto foi proporcionado por aqueles que, em maior ou menor grau, vivenciaram estes eventos e processos sociais em graus diferenciados de atuação e olhar interpretativo. Desta forma, um alento para esta deficiência documental primária nos é dada por Fustel de Coulanges (apud Paz, 1996) ao afirmar que embora o historiador deva permanecer próximo ao documento, alerta que o mundo histórico não pode necessariamente ser reduzido a um texto. Contudo não se pode abrir mão, como ressaltou Michel de Certeau (1995, p. 19), de um sistema de referências. Sistema este que sempre contém uma filosofia implícita e particular que remete à subjetividade do autor. Esse entendimento se aproxima em muito da visão de Hayden White, (1994) que afirma ser o ―fato histórico‖ algo que não é antecipadamente dado, mas que elaboramos a partir de certas indagações que fazemos ao passado. Outro fator está relacionado com os marcos temporais, que embora do ponto de vista macro já estejam delimitados, existem micro-tempos que evidenciam a indefinição clara de limites. Simultaneamente, isto leva a optar em reduzir fatores e atores, implicando assim que se considera a priori alguns, dentre muitos, como efetivamente significativos em relação a um determinado acontecimento a ser analisado. Inspirado em Fernand Braudel, José Luís Fiori (1995) indaga, ―se os inúmeros ‗rios do tempo‘ correm de forma integrada, conquanto estabeleçam curvas e confluências não coincidentes, será possível a cada navegante descobrir a lógica de sua vertente sem que conheça a dos demais?‖ (idem, p.32). Certamente, este é um problema que aflige a todos aqueles que se voltam para o interpretar das ações humanas. Uma resposta metafórica e pessoal a esta pergunta, seria afirmar que nos é dado a conhecer apenas trechos ínfimos de alguns dos inúmeros ―rios do tempo‖ e as águas estão sempre turvas, onde cada um observa e analisa aspectos singulares dentre os diversos existentes. Compreendo que a abordagem é complexa e a diversidade de interpretações que ela comporta é muito grande. Isto também ocorre pelas implicações e injunções de ordem teórico/metodológica que se inserem em tal abordagem, como também pelas singularidades presentes em qualquer evento histórico e pelas escolhas das veredas que foram feitas. Concomitante a isto, entendo que a percepção do social não pode ser encarada como sendo neutra, sem produzir estratégias e práticas pelo historiador, pelos sujeitos e pelos diversos grupos sociais envolvidos. Assim, ―fugirei‖ das prenoções rankeanas de uma história isenta, de falar do passado pelo passado, como se este não tivesse uma conexão com o presente e com aquele que a escreve. Contrapondo-se a esta ótica, parecem ser bastante apropriadas as observações de Michel de Certeau (1995, p. 17) ao afirmar não existir considerações e leituras capazes de apagar as particularidades do tópos de onde falo, domino e conduzo minha investigação. Porque na escrita da História, e para o historiador, o sistema de pensamento está intimamente ligado a ―lugares‖ que englobam aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais. Os tópicos levantados aqui não comportam explicações definitivas, nem é minha pretensão procurá-las. Isso recoloca todos aqueles que lidam com a dimensão humana, inclusive o historiador, em uma posição de construtores de visões particulares e interpretações que jamais podem adquirir a etiqueta de absolutas.

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No entanto, deve-se tomar cuidado com as visões enviesadas como a de White, que concebe a história como sendo feita da forma que o historiador achar melhor e que este faça dela o que quiser (apud Paz, 1996, p. 194). Não concordo com esta assertiva da negativa radical de um mínimo de pressupostos no estudo da História. Entendo que é somente a busca do conhecimento, a problematização e a dúvida metódica que constroem algumas certezas, que embora parciais e discutíveis são necessárias. Como afirma Agnes Heller (1981) com bastante propriedade, compreender a história significa trazer os fenômenos e as experiências vividas para dentro do nosso mundo, procurando explicar e conhecer o que antes era obscuro e com isto, promovendo uma certa inteligibilidade sobre o passado. Traçadas estas observações, considero de vital importância discutir o contexto histórico dos acontecimentos a serem analisados em meu estudo, articulando-os com os constructos que também são comuns a outras ciências, notadamente a Ciência Política e a Sociologia. Pois, dialogando com as suas respectivas categorias e paradigmas, entendo que se possa fazer uma análise fundamentada em torno do político e do social de maneira mais consistente. Como bem observou Fernand Braudel (1980), ―todas as ciências sociais se contaminam umas com as outras; e a História não escapa a estas epidemias. Daí, essas transformações de ser, de modos ou de rostos‖ (p. 125). Após essas explanações e considerações em torno da história enquanto área de produção e entendimento dos acontecimentos, e das múltiplas visões dos determinados autores aqui citados, ressalto que procurei me ater e manter uma proximidade maior com aqueles autores que considero importantes para o desenvolvimento, tanto teórico quanto metodológico, de meu estudo. Reconheço, como já foi antecipadamente colocado, que há uma proximidade argumentativa com a Sociologia e a Ciência Política, que contribuíram para a execução deste trabalho proposto. Assim como Carr, entendo que ―quanto mais sociológica a História se torna, e quanto mais histórica a Sociologia se torna, tanto melhor para ambas‖ (in Hunt, 1992, p. 02). Acredito que essa percepção da contribuição e das trocas entre as disciplinas são essenciais para o surgimento de novas abordagens e perspectivas analíticas, que em vez de anular, somam e tornam o conhecimento sobre os eventos passados mais ricos através dos múltiplos olhares. Talvez haja aí a complementaridade que Max Weber achava existir entre as ciências humanas, que segundo ele se orientam em duas direções: uma relacionada às causalidades históricas, daquilo que só ocorre uma única vez; e a outra seria a causalidade sociológica, que reconstruiria funcional e conceitualmente as instituições sociais. Estruturalmente este trabalho está organizado e dividido em três capítulos, a saber: — Capítulo I – A presença do Estado e sua conformação como centro do poder político: a hipertrofia do executivo — Procuro neste tópico ressaltar o caráter autoritário da formação e o direcionamento político 16

do Território do Acre nas suas diversas fases, que vai desde sua anexação ao Brasil em 1903 , passando

16Após

a vitória do exército liderado por Plácido de Castro contra os bolivianos, o governo federal temendo uma retomada dos conflitos, envia para o Acre um destacamento militar comandado pelo general Olímpio da Silveira, que obriga os acreanos a deporem as armas e leva a questão para o âmbito diplomático. Do momento em que termina o conflito armado entre brasileiros e bolivianos e a assinatura do Tratado de

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pelas várias organizações administrativas, dando maior ênfase no período após 1920, quando ocorre a unificação administrativa. Para efeito didático, compreendo este período como sendo composto de quatro 17

fases: a primeira está circunscrita entre 1904

e 1920, quando o poder executivo era descentralizado nos

Departamentos; a segunda entre 1921 e 1930, quando os governadores (Delegados da União) passam a ser nomeados; a terceira vai de 1930 até 1937, com a figura dos Interventores Federais e a última de 1937 a 1962, quando novamente os governadores voltam a serem nomeados; — Capítulo II – Do Movimento Autonomista à elevação do Acre a Estado: mudanças e continuísmos — procuro colocar em evidência a luta do Movimento Autonomista, que desde os primórdios da anexação do Acre ao Brasil começou a tentar elevar o Território à condição de Estado federado. Ressaltando aspectos relevantes que marcaram a trajetória dos grupos em luta, contra ou a favor da autonomia; incluindo ainda as disputas políticas entre Guiomard Santos e Oscar Passos. Entendendo por princípio, que o desfecho desta contenda pouco acrescentou para diferenciar o legado autoritário oriundo dos tempos do Território; — Capítulo III – De José Augusto ao capitão Cerqueira: fragilidade política, falta de hegemonia e exacerbação do autoritarismo no executivo — Aqui ressalto alguns aspectos relacionados aos conflitos e embates, — de cunho partidário e de busca de hegemonia política — enfrentados pelo governo de José Augusto. Este foi o primeiro governador constitucionalmente eleito e logo deposto pelo golpe de 64 em virtude do rearranjo político que ocorreu em âmbito nacional, açodado mais ainda pelas peculiaridades da política local. Após sua queda, assume o poder o capitão do Exército Edgard Pedreira Cerqueira, que imprime inicialmente uma série de medidas, visando punir os atos ―subversivos‖ praticados por José Augusto e seus auxiliares durante o curto mandato frente ao executivo acreano.

Petrópolis, o Acre foi dividido em duas zonas administrativas: o Acre Setentrional (Juruá/Tarauacá), governado pelo general Olímpio da Silveira e o Acre Meridional (Acre/Purús), governado por Plácido de Castro. Cf. Souza (1994, p. 134). 17Tenho como ponto de partida o Decreto 5.188, de 07 de abril de 1904 que instituiu a criação dos três Departamentos administrativos (vide mapa 01 em Anexos).

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Capítulo I – A presença do Estado e sua conformação como centro do poder político: hipertrofia do executivo. ―A região e o Estado são uma loucura coletiva que penetram no público e privado, nas dimensões de existência social de um povo‖. Mikhail Bakhunin.

1.1 - Estado e Território: uma discussão preliminar sobre o caso acreano.

Primeiramente, a título de demarcar algumas terminologias e conceitos utilizados, procurarei situar alguns termos para uma melhor compreensão acerca da definição de Estado e território explicitados no decorrer do texto. Basearei-me na definição de Estado em seu sentido amplo. Entendendo-o como o conjunto dos meios de direção e dominação, que exercidos por uma classe — ou frações de classes —, possibilitam o exercício da hegemonia 18 dentro de uma determinada sociedade e a sua manifestação se dar através de equilíbrios e compromissos, que visam salvaguardar o controle e o exercício do poder político. Desta forma, o Estado é percebido como portador de um conjunto de atividades teóricas e práticas, possibilitando que a classe dirigente — ou fração dela — busque exercer uma dominação e um consenso sobre os governados através dos seus instrumentos de controle. Consenso e dominação que por definição são permeados de fissuras e contradições, nunca são plenos nas suas formas idealizadas (Buci-Glucksmann, 1980, pp. 128/129). Empregarei para o termo território, dois sentidos ao longo do trabalho: a) Território entendido enquanto campo político e administrativo, dotado de prerrogativas jurídicas e constitucionais específicas, que se assemelha também com a idéia de Estado em seu sentido abordado anteriormente; b) território designando eminentemente uma figura geográfica, delimitada espacialmente com suas fronteiras externas e internas. Embora reconheça que a discussão sobre o termo pode ser pensada em outras perspectivas analíticas, me limitarei em ressaltar estas duas. 18Sem

querer ser profundo e prolixo, o termo hegemonia se insere neste contexto, próximo as concepções de Gramsci, que entende o conceito como sendo o exercício da dominação (força) e direção (consenso) de uma classe – ou fração dela – sobre o restante da sociedade. Esta hegemonia procura se estabelecer tanto no campo político, quanto moral, cultural e ideológico. Cf.: Portelli (1977).

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Desta maneira, entendo que na região acreana a presença do Estado se fez presente desde o primeiro momento quando, após a anexação do Acre ao Brasil através do Tratado de Petrópolis (1903), o poder público federal organizou e assumiu a direção administrativa através dos dirigentes nomeados pela presidência da República 19. Assim, a figura do Território Federal antes de tudo está subordinada ao Estado Nacional, que através de suas prerrogativas passa a instituir e designar administradores de sua inteira confiança para dirigir a nova unidade federativa. Este Estado Nacional procurará se colocar no papel de promotor da integração nacional, agente por excelência da formação da nação brasileira. ―Euclidianamente‖ falando, dar uma história a quem estava à margem dela nos confins da Amazônia. Esta é a base em que se fundamenta a gênese do autoritarismo político no Acre, emanado a partir de vontades externas e sem ligação mais forte com o lugar em que elas se realizam. Para exercer a administração nos diferentes níveis, pessoas sem ligação nenhuma e conhecimento idem, são enviadas para a região e, em uma composição necessária e tensa com os grupos ―hegemônicos‖ locais — comerciantes, seringalistas e militares —, passam a exercer o domínio político de forma plena, marcado por práticas desenfreadas de autoritarismo (Calixto et alli, 1985, p. 129). Esta característica já tinha sido ressaltada por Craveiro Costa (1974), ao afirmar que na fase do Acre territorial ―os homens do sul monopolizaram desde então, os cobiçados cargos da administração e da justiça: alguns mesmo se aboletaram nele vitaliciamente. Fazem e desfazem, impunemente. Exorbitam e prevaricam sem que ninguém lhes vá às mãos‖ (Idem, p. 131). Nestes termos parece ser lícito afirmar comparativamente, de acordo com Murilo de Carvalho 20 (1996), que a elite política local — que prefiro conceitualmente chamar de oligarquia — se confundia ao mesmo tempo com a alta burocracia, composta de letrados e militares 21, que influenciavam e eram influenciados pelos setores dominantes da ―sociedade acreana‖ ligados ao comércio e a extração da seringa. 19Entre

1904 e 1920 o Acre era administrado pelos prefeitos departamentais, que exerciam o poder de forma descentralizada e extremamente autoritária nos Departamentos do Território. 20O estudo de Carvalho — A construção da ordem: a elite imperial/Teatro das sombras: a política imperial — é referente ao período imperial brasileiro. 21Faziam parte de uma elite rebuscada nos saberes acadêmicos da ilustração e do pensamento positivista, que ganha prestígio com a implantação da República em 1889. Segundo o escritor Márcio Souza (1994), na Amazônia, os mandatários da República,“instalaram militares no poder, já que eles aparentemente encarnavam o ideal positivista, rápido e regenerador, inexistente nos políticos locais (idem, p. 137).

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Usarei como ponto de partida e para dar maior clareza a este intento analítico, a unificação administrativa do Acre ocorrida em 1921 22. É a partir deste momento que começa a se delinear um corpo burocrático mais consistente, uma ascendência impar dos governadores (Delegados da União) sobre as prefeituras municipais e uma cristalização maior dos atos destes, expressos na figura do chefe, do mandatário maior que era o dirigente do executivo acreano. Em certo sentido, isso explica a opção de centrar a análise no período após esta unificação, mesmo reconhecendo que as práticas personalistas e autoritárias remontam a própria formação e organização política do Acre na sua fase embrionária do regime de Departamentos. Onde para Craveiro Costa, os munícipes e as cidades nada mais eram do que ―presas do mandonismo de autoridades arbitrárias ou de chefes detestáveis, teatro de cenas degradantes (...) burgos que apodrecem corroídos pela politicagem‖ (idem, p. 193). A título de exemplo, é significativo um ―entrevero‖ ocorrido em princípio dos anos dez em Sena Madureira, entre o então prefeito e os representantes da Justiça Federal23 que trabalhavam naquela cidade. Consta no relatório, publicado em forma de livro24, que o então prefeito José Inácio da Silva, em conjunto com o seu filho, Luiz Ignácio da Silva (tesoureiro), e o seu genro Luiz Americano da Costa (oficial de gabinete), foram denunciados por ex-funcionários da prefeitura junto a Justiça Federal pelo crime de peculato, após estes anexarem uma farta documentação que comprovava tais denúncias. Como forma de se opor às determinações judiciais, os acusados não compareceram à sessão de audiência e passaram a fazer pressão em cima do Juiz Federal. De acordo com o relatório, o prefeito colocou em estado alerta a Força Policial e soltou alguns presos para servirem-lhe de capangas. Em função destes acontecimentos, os magistrados dizem que ―a justiça não capitulou, mas não podia deixar de retirar-se, em presença da polícia prefeitural, armada até os dentes e 22Através

do Decreto n.º 14.383, de 1º de outubro de 1920, o poder político-administrativo do Território do Acre passa a ser centralizado. Sendo que o primeiro governador desta fase foi o médico e veterano da insurreição acreana, Epaminondas Jácome, que assume em janeiro de 1921. 23Os representantes da magistratura em Sena Madureira nesta época eram: Alberto Augusto Diniz, Alfredo Curado Fleury, Antônio Cesário de Faria Alvim Filho, José Lopes de Aguiar e Jorge Serpa. Sobre a relação entre executivo e judiciário, Craveiro Costa (1974) faz o seguinte comentário: “prefeitos e juízes chocavam-se constantemente. Pelo critério de alguns prefeitos, os juízes lhes eram inteiramente subordinados. E se juntarmos a tudo isso as ausências constantes e prolongadas dos juízes preparadores e promotores públicos, a incompetência dos substitutos leigos, a corrupção que raros magistrados escapam, teremos no quadro as verdadeiras cores” (idem, p. 151).

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predisposta a toda sorte de attentados, inclusive as eliminações pessoaes‖ 25. É citado também, o fato de dois oficiais de justiça que, ao tentarem cumprir suas obrigações, foram presos pela policia local a mando do prefeito. Os ecos destes acontecimentos chegaram a ser registrados pelo jornal O Paiz no final daquele ano, após telegrama expedido de Manaus, da seguinte maneira: ―notícias chegadas do Departamento do Alto Purus referem que ali reina a mais completa anarquia. As famílias estão abandonando Senna Madureira. O desembargador Távora está sendo esperado aqui [em Manaus] a toda hora. A força federal está anarchisada. A justiça acephala‖26 Qualquer chefe do poder executivo parecia ter nas paragens acreanas um poder com o qual ele achava-se capaz de tudo. De acordo com um cronista da época, os prefeitos departamentais se assemelhavam aos donatários das capitanias hereditárias, pois ―enfeixavam em suas mãos poderes ditatoriais‖. (Craveiro Costa, 1974, p. 137). Eram próximos daquilo que o historiador Perry Anderson (1988) nominou de ―governos de caudilhos de origem militar‖, pessoas propícias para lugares onde as práticas democráticas ainda não haviam emergido, nem na sua mais fugídia forma.

1.2 – Um pouco antes: a gênese política do Território do Acre — 1904/1920.

Após a assinatura do Tratado de Petrópolis que põe termo diplomático ao conflito entre brasileiros e bolivianos, a inserção do Acre no mapa brasileiro ocorre de fato e de direito. No entanto, um problema precisava ser resolvido: que estatuto jurídico aplicar na nova unidade federativa que se anexava à Nação? Três alternativas estavam postas para aquela questão: a) ser o novo território administrado pela União; b) anexá-lo ao Estado amazonense; ou, c) elevá-lo à condição de Estado autônomo da Nação brasileira27. Prevaleceu a primeira alternativa, uma saída que antes de tudo beneficiava o poder federal no âmbito econômico e político, desagradando por sua vez tanto às oligarquias locais quanto as regionais, ligadas ao extrativismo da borracha e que tinham enorme interesse em ter o controle sobre o novo território. 24Justiça

Federal do Acre, (1917) - Desmandos de um prefeito. p. 05. 26 Jornal O Paiz, ano XXVII, nº 9570, 18 de dezembro de 1910, p. 04. 27Estas questões estão mais detalhadas na obra de Craveiro Costa, Op. Cit. 25Idem,

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Por um lado, as oligarquias locais desejavam que o Acre fosse elevado a condição de Estado para conformarem e exercerem o poder de uma maneira mais autônoma entre seus membros28; já os dirigentes e comerciantes amazonenses estavam, sobretudo ávidos pelos lucros advindos da exploração gumífera e dos impostos que seriam incorporados ao tesouro do Amazonas29caso se efetivasse a segunda alternativa. Com a implementação da administração via União, esta passou a indicar os governantes territoriais e os membros do corpo judiciário, centralizando e mantendo sob seu controle o recolhimento dos impostos advindos da produção de borracha, que à época representava uma fonte de divisas considerável na balança comercial brasileira 30. Segundo Craveiro Costa, ―ao Acre foi imposta a simples vida política de Território unicamente porque o governo federal queria reaver, do próprio Território, o dinheiro gasto com as despesas feitas com a incorporação‖ (idem, p. 121). Por isso, a necessidade de um controle sobre o território recém adquirido a partir do Tratado de Petrópolis. Mas a adoção da figura do Território Federal era algo estranho a Constituição republicana de 1891, pois a mesma não versava sobre a possibilidade dessa entidade político-administrativa31. A discussão em torno da validade jurídica desta ação rendeu debates calorosos entre os vários juristas e parlamentares da época, seja criticando ou defendendo o aspecto legal do estatuto outorgado ao Acre. Nessa querela o presidente Rodrigues Alves foi um árduo defensor do domínio da União sobre o novo território, onde a fonte matriz e inspiradora que permitiu a criação do Território do Acre foram os EUA, que adotavam no seu direito constitucional, unidades federativas com esta denominação, mas como algo excepcional e não regular. Porém, lá os Territórios tinham autonomia para elaborarem uma constituição própria, através do princípio Enabling Act. Como se percebe, vem de longe 28Aqui

poderemos ressaltar essas oligarquias como sendo composta de grupos políticos e econômicos inseridos, ou não, dentro da burocracia do aparato administrativo: sendo os grupos mais significativos formado por comerciantes, militares, profissionais liberais e seringalistas. Segundo Carvalho (1996), — no seu estudo clássico das elites imperiais no Brasil, — o ponto central da análise deve ser sobre ―quem manda?‖. Por isso, devemos nos ater sobre dois princípios básicos: posição e decisão. A posição está relacionada com as pessoas que ocupam os espaços formais de poder; já decisão, tem a ver com o poder real e concretamente exercido. (idem, p. 55). 29A Constituição Federal determinava que qualquer solo público salvo o Distrito Federal, deveria pertencer a algum Estado da Federação. Por isso, a tentativa do Amazonas em anexá-lo. 30O volume em impostos arrecadados pela União na região acreana era apenas menor que dos Estados de Minas Gerais e São Paulo (Craveiro Costa, ibidem). 31Território era entendido unicamente como expressão geográfica para designar espaços físicos dos municípios, estados e do próprio País.

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o velho axioma já repetido inúmeras vezes: o que é bom para os EUA é bom para o Brasil32. Esta discussão se alongou por muito tempo. Em 1909, políticos ligados ao Acre, procuram justificar a legalidade da nova condição acreana, apelando para a opinião de dois renomados juristas americanos conhecidos como George F. Curtis e Thomaz Coolley. Curtis afirmava em seu relatório o caráter de exceção a respeito do caso americano, pregando a necessidade de uma progressiva autonomia institucional, política e econômica para os Territórios; Coolley, por sua vez, entendia ser uma anomalia democrática a existência de Territórios nos EUA: eram apenas uma exceção, algo transitório (Craveiro Costa, 1974, p. 120). Mas o governo central se mostrou resoluto em manter o regime instituído em 1904, por entender que o Acre, devido algumas peculiaridades idiossincráticas, não poderia ser elevado ao grau de Estado. Entre as questões alegadas configuravam o aspecto territorial, considerado muito amplo; baixa densidade populacional; a cultura local, ainda vista como ―atrasada‖ e ―despreparada‖ para se inserir nos moldes do sul do país; deficiência de comunicação; falta de organização social, entre outros fatores que seguiam esta mesma ótica. É a partir deste ponto de vista, que o sociólogo Oliveira Viana, em sua obra ―Pequenos Estudos de Psicologia Social‖, faz referência à questão acreana de maneira bastante contundente, defendendo este quadro instaurado pelo governo federal, ao dizer que no Acre: ―O recente de sua história, as origens e a índole de sua população, a sua extrema rarefação demográfica, e a regressão evidente de sua cultura; a única forma de poder público apta a realizar, dentro de alguns decênios, esse alto objetivo educacional, seria, não um governo livre, autônomo, descentralizado, emanado do próprio escrutínio da soberania local. Mas, ao contrário, feito e aparelhado aqui (no Distrito Federal), absolutamente estranho àquela população: governo marcial, à Lacedemônia, espécie de czarismo legal ou estado de sítio permanente‖ (apud Craveiro Costa, idem, p. 130). Esta referência ao caso acreano retrata, em um sentido mais amplo, as leituras que Oliveira Viana 33 fez do processo de formação da Nação brasileira. No seu 32É

lícito informar também que a própria Carta republicana brasileira é inspirada na Constituição norteamericana, bem como a primeira bandeira da República.

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entendimento, existiria um determinismo sociológico e cultural que condicionaria o desenvolvimento democrático das sociedades. Como este componente não estava presente em nosso país, houve uma disfunção na implantação das instituições republicanas pós 1889. Por isso, a solução seria uma política autoritária, implantada de cima para baixo como ele preconizara para o caso acreano. Ou seja, a democracia futura dependeria do autoritarismo no presente (Bastos & Moraes, 1993). O mesmo Oliveira Vianna preconizava ainda ―uma organização vigorosa do poder, educação civil e legal para o seringueiro da Amazônia — o mais rebelde, o mais indisciplinado, o mais apolítico dos brasileiros‖ (ibidem, p. 130). Durante este período, a administração fragmentária do Território acreano fazia jus ao famoso axioma de ―dividir para governar‖ 34. O exercício do poder executivo, nos três Departamentos, era realizado pelos prefeitos departamentais, designados pelo presidente da República. Esta fórmula permaneceu inalterada até 1912, quando há uma nova reorganização administrativa (vide mapa 02, em Anexos). Assim, passam a existir quatro Departamentos com a criação do Alto Tarauacá35 e a presença de cinco municípios, cada um com a figura dos chamados Intendentes Municipais, que tinham o status de prefeitos locais, sendo vedado a estes a implementação de quaisquer tipos de tributos. Passam também a existir em cada um deles os chamados Conselhos Municipais — espécie de câmara municipal controlada pelo intendente de plantão —, sendo seus membros escolhidos pelo presidente da República a partir de uma lista prévia enviada por cada Intendente Municipal 36, bem como a criação de um Tribunal de Apelação em Rio Branco. 33Mais

tarde, Oliveira Vianna se aproxima de algumas idéias arianas e passa a ver no Estado Novo varguista um modelo de democracia autoritária (sic) como ele preconizara (Bastos & Moraes, 1993, pp. 87 e ss). 34Esta fórmula no principio serviu para desestabilizar a organização dos movimentos autonomistas que estavam surgindo. A criação do Departamento do Alto Tarauacá se insere nesta ótica, pois vinham do Alto Juruá as mais fortes oposições enfrentadas pelo governo em relação ao modelo político adotado. Confira capítulo II e mapas em Anexos. 35O Acre entre 1904 e 1912 teve três Departamentos administrativos com suas respectivas sedes: Alto Acre (Rio Branco); Alto Juruá (Cruzeiro do Sul); Alto Purús (Sena Madureira) e após 1912, um novo Departamento é criado em conjunto com a figura dos municípios: Alto Tarauacá, cuja sede ficava na vila Seabra (atual Tarauacá), que recebeu este nome em homenagem ao Ministro da Justiça Joaquim J. Seabra. O quinto município era Xapuri, que ficava no Alto Acre. Em relação às homenagens personalistas, outras nomeiam os principais municípios acreanos, denotando esta característica como sendo uma constante ao longo da história: Rio Branco (Barão do Rio Branco), Sena Madureira (general homônimo), Manuel Urbano (desbravador da região), Rodrigues Alves, Epitaciolândia (Epitácio Pessoa), Senador Guiomard (Guiomard Santos), Plácido de Castro, Assis Brasil (diplomata) e Marechal Thaumaturgo (fundador da cidade de Cruzeiro do Sul). 36Cf. Calixto (1985); SEPLAN/DGE (1971). As primeiras eleições para os membros dos Conselhos Municipais só irão ocorrer no início dos anos 20.

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Em 1920, é instalada a Mesa de Rendas Federais, ficando a cargo da União o controle sobre a cobrança e recolhimentos de impostos oriundos, principalmente da exploração da borracha37. Dessa forma, com os tributos centralizados pelo governo federal, o Território não tem orçamento próprio para as despesas administrativas, que são controladas pelo Ministério da Justiça, que fiscaliza os gastos através das prestações de contas oriundas dos relatórios produzidos pelos intendentes municipais e prefeitos departamentais, até o ano de 1920. Depois desta data, pelos governadores nomeados. Isso faz com que os interesses federais sejam garantidos através dos organismos da administração pública federal que se instalam e são controlados exclusivamente pela União através dos seus prepostos locais.

1.3 – A centralização administrativa territorial e os governos a prestação.

Para efeito analítico, este período das nomeações de governadores compreende o momento que vai da posse de Epaminondas Jácome 38 em 1921 até a administração de Aníbal Miranda, em 1963, último governador indicado pela presidência da República para governar o Acre, quando o antigo Território já configurava como Estado da federação brasileira. Neste intervalo de 42 anos passaram pela cadeira do executivo acreano nada menos que 41 governadores, sendo 16 efetivos, 18 substitutos39, 05 interventores e 02 provisórios. Alguns, como Francisco de Oliveira Conde e o major João Câncio Fernandes, chegaram a ocupar a cadeira de governador em três momentos diferentes como chefes substitutos. Embora no geral a média de tempo de governo seja em torno de 01 ano, Epaminondas Martins (1937/1941) e José Guiomard Santos (1946/1950) conseguiram completar mais de 04 anos de mandato, cada um (vide em Anexos). Esta alta rotatividade denota o caráter instável dos

37No

final do século XIX somente a região do Purus, ―uma das mais ricas da Amazônia‖, chegou a exportar 5.423.164kg de borracha, 40.749hl de castanha, 34.253kg de óleo de copaíba e 307.103kg de pirarucu (Cunha, 1998, p.184). 38Sobre a escolha de Epaminondas Jácome, Craveiro Costa (1974) faz o seguinte comentário sarcástico: “O Sr. Epitácio Pessoa lembrou-se de pôr na cabeceira do moribundo (o Acre) um médico, acreano honorário, clínico de escassa ciência (...). Nada se sabia da capacidade administrativa do facultativo nomeado governador. A inferir pela sua ciência, não deveria ser grande coisa (...)” (Idem, p. 203). 39Quando o governador se encontrava impedido ou licenciado, era substituído pelo secretário-geral ou alguém indicado pelo presidente da República. Em caso de renúncia ou abandono, assumia o presidente da Corte de Apelação ou o Desembargador que estivesse no exercício do cargo.

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administradores executivos, que na sua maioria assumiam sem saber quando seriam substituídos. Quando não tomavam a rara iniciativa de deixarem o cargo, eram demitidos ad nutum. Isto geralmente era algo determinado pelos arranjos políticos emanados da capital federal, muitas vezes pautados pelos momentos instáveis da República e consignados aos interesses localizados nas unidades federativas. Este fator relacionado à alta rotatividade do cargo, foi levantado na imprensa acreana em 1953 em um artigo do advogado Mário de Oliveira 40, onde ele ressaltava o aspecto da nomeação dos governantes e a intermitência da permanência no cargo, que ele alude como ―governos a prestação‖. Alguns administradores que subiram e desceram escadas do palácio Rio Branco 41, praticamente ―sem ter tido tempo de abrir suas malas‖42. Mas o objetivo aqui não é fazer uma análise sobre a administração de cada um desses governantes e sim, realçar alguns aspectos significativos que se inserem dentro dos propósitos que já foram especificados.

1.3.1 - A primeira fase dos governadores nomeados — 1921/1930. A ―sociedade acreana‖ que se inseriu neste novo ordenamento institucional, continuou sendo marcada, indubitavelmente, por uma falta significativa de organicidade, regulada por um arcabouço legal instável e pouco independente nos seus destinos. Contava com governos de baixa legitimidade, onde os atores políticos e sociais encontravam-se fragmentados, desestruturados e portadores de uma inconstância visível; como no caso dos partidos políticos, fluídos e regionalizados. A efetivação das Intendências Municipal era deficiente; as Comarcas e as Varas de Justiça estavam fora do seu local devido; ocorrência de eleições idiossincráticas, raras e inconstantes; e, partidos políticos capengas, regionais e com uma dinâmica sem correspondência com seus conteúdos programáticos. Ou seja, no 40Era

filho do coronel João Donato de Oliveira, seringalista (dono do seringal Amapá) ex-comandante da Força Policial do Território do Acre - FPTA e ex-intendente de Rio Branco. ―Governos intermitentes‖. O Acre, n° 1119, p. 01. 03/05/53. 41Sede do poder executivo acreano. 42Varadouro, ano I, n° 06, p. 03, dezembro de 1977.

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território acreano as instituições ditas formais (parlamentos municipais, partidos, tribunais), basilares no tradicional modelo de democracia representativa, eram difusas, errôneas e mutáveis. Desse modo, são a partir destes elementos singulares, que passo a discutir a formação política do Acre, inserindo este debate dentro da abordagem do autoritarismo. Tenho como ponto de partida a administração do primeiro governador, Epaminondas Jácome, que é descrito por seus opositores como sendo um administrador relapso e pouco afeito às suas obrigações e ainda, avesso às representações partidárias. Epaminondas Jácome — embora não fosse acreano nato, — há muito tempo estava Acre, tendo inclusive participado do movimento irredentista contra os bolivianos na qualidade de médico 43. Por outro lado, seus correligionários com exacerbada obviedade e truísmo, destacam-no como um dirigente excepcional e exemplar. Mas o intento não é discutir o caráter e as qualidades destes homens e sim, seus atos enquanto governantes. A imprensa desde aquele período, como ainda é de praxe, já se caracterizava por estar a serviço de grupos e interesses políticos estabelecidos, onde cada grupo tinha um órgão de comunicação para atacar seus desafetos políticos. Uma pincelada nos jornais da época atestam estas afirmações, como no caso das publicações oficiais ―O Acre‖ e ―Diário Official‖, descritos pelo jornal ―O Norte‖, como tendo a função primordial de ―queimar incensos e entoar louvores ao budha ou christo que estiver no altar‖44. Isto significava dizer, que qualquer governante de plantão, não importando quem fosse, controlava uma parte significativa da imprensa. Existia à época, um outro jornal, intitulado A Capital45, que era essencialmente governista e aliado de Epaminondas Jácome, servindo como contraponto aos que se opunham ao governador e seus correligionários. Mesmo assim, este jornal enfatizava em editorial de um ano que 43Epaminondas

Jácome, juntamente com Francisco Mangabeira (autor do hino acreano), era auxiliar médico do Chefe de Saúde do exército irredentista acreano, Dr. Batista de Moraes. 44O Norte, n° 12, p.01, 08/01/22. Este jornal, ligado aos comerciantes de Rio Branco, tinha em seu frontispício a seguinte frase: “Orgam dos interesses comerciaes” e era ferrenho opositor de Epaminondas Jácome. 45Órgão oficioso de Epaminondas Jácome. Seu proprietário legal era o coronel Manoel Vasconcellos, tendo como redator chefe o jornalista e advogado Porto da Silveira (oficial de gabinete do governador) e redatorsecretário o advogado Francisco Pereira. Manoel Vasconcellos era ainda proprietário da fábrica de cigarros Victória e da casa noturna High Life. Foi acusado pelos seus opositores de se beneficiar da amizade com Jácome, sonegar impostos e não ter alvará de funcionamento de seus empreendimentos comerciais. Este jornal mantinha um contrato com o governo para a publicação das mensagens e atos administrativos, circulou somente durante o mandato de Epaminondas Jácome, quando foi fechado a pedido deste em 10/12/22.

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se afirmava como ―sem compromissos partidários, prestigiando apenas uma situação administrativa altamente operosa e patriótica‖46. Esta oposição embora existisse em Rio Branco, era muito mais ferrenha em Cruzeiro do Sul, cidade situada no Alto Juruá e que se sentia preterida pelo governo de Jácome. A oposição cruzeirense acusava-o de se voltar somente para as regiões do vale do Acre-Purús, principalmente para a capital Rio Branco. Tornou-se ainda mais ferrenha quando Epaminondas Jácome demitiu o funcionário público em Cruzeiro do Sul, João Craveiro Costa47, que exercia também as atividades de jornalista e escritor. Este escreveu um artigo contra Epaminondas Jácome intitulado ―O coveiro do Acre‖, em função disto foi demitido e acusado de ―fazer no Território uma política de prevenção ao governo constituído‖48. Como se percebe, liberdades de imprensa e de opinião nada valiam. Em 21 de julho de 1921, ocorrem em todos os municípios as primeiras eleições para escolha dos conselheiros municipais 49, agora eleitos. Em cada município, era composto de sete membros, cargo que correspondia ao de vereador e servia para ―auxiliar‖ o prefeito na sua administração. Em Rio Branco, administrada pelo Intendente e coronel da Força Policial do Território do Acre - FPTA João Donato de Oliveira, foram escolhidos três representantes do Partido Construtor Acreano – PCA; três da União Operária – UO; e um do Partido Republicano do Acre Federal - PRAF50. Na prática, os Conselhos Municipais na sua grande maioria eram peças fantasiosas subordinadas aos prefeitos, que regiam a orquestra do poder nos municípios acreanos. É com o advento da unificação que começam a se estruturar os primeiros partidos políticos no Acre, sendo inicialmente organizado o Partido Evolucionista Acreano - PEA em 28 de agosto de 1921. Este partido é o primeiro a ter uma penetração 46A

Capital, p. 01, 28/07/22. natural de Alagoas, mas residia em Cruzeiro do Sul desde o momento de sua fundação em 1904. Exerceu no Departamento do Alto Juruá diversos cargos públicos. Entre eles o de presidente do Conselho Municipal (equivalente a presidente da câmara), foi inspetor de ensino, fundou o jornal O Cruzeiro do Sul, que circulou entre 1906 e 1918, foi um dos membros fundadores do Partido Autonomista do Juruá em 1910 e, escreveu o livro “O fim da epopéia” em 1924, mas publicado em 1936 com o famoso título: “A conquista do deserto ocidental” (vide bibliografia). 48A Capital, n° 43, p. 04, 18/06/22. Após estes acontecimentos, Craveiro Costa retornou para Alagoas. O jornal Folha do Acre (ano XII, n 411, p. 01, 11/05/22) acusou-o ainda de ser fugitivo da justiça paulista. 49Segundo palavras do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, os conselhos municipais eram uma forma de ―preparar o Território para constituir futuramente o Estado, o que seria um grande inconveniente no momento‖. A Capital, n° 23, p. 01, 08/01/22. 50A Capital, p.01, nº 01, 29/07/21. O PRAF foi fundado no dia 06 de agosto de 1918, sua convenção ocorreu no Cine Éden onde compareceram 427 pessoas. Sua primeira diretoria era constituída de 27 pessoas, sendo 19 militares, 04 médicos e os restantes, comerciantes (Costa, 1992, p. 48). 47Era

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em todo Território, já que ele surge da fusão do PCA, de Rio Branco; do Partido Republicano Juruaense - PRJ, de Cruzeiro do Sul e do Partido Democrata - PD, de Tarauacá. Estes dois últimos partidos, do vale do Juruá, embora com pouca expressão regional, estavam ao largo do movimento separatista liderado pelos membros do Partido Autonomista do Juruá - PAJ. Segundo documento divulgado no dia de sua fundação, o PEA tinha como meta ―substituir os grupos desconexos e sem ligação com outros do Território (...) nada mais representando do que pequenos aglomerados de sympathias pessoaes‖ 51. A matéria parecia fazer referência indireta aos membros do Partido Autonomista do Juruá. Desde seu primeiro momento o PEA foi um aliado fiel do governador Epaminondas Jácome, pois no ato de sua fundação, foi divulgada uma moção de solidariedade ao governador em virtude dos ―ataques‖ que estes sofria da oposição. A composição de seus quadros era majoritariamente de militares, alguns profissionais liberais e comerciantes da elite política, econômica e social local52. De acordo com Costa (1992), em um estudo sobre os partidos no Acre, após 1945, surgiu no Território ―um sistema partidário que sempre excluiu os trabalhadores de participação, tanto no nível de direção quanto de participação como candidatos em pleitos eleitorais‖. Se nos anos 40 prevalecia esta prática excludente, podemos fazer uma ilação mais aguda da situação nos anos 20, —momento da unificação —, quando se formaram de fato as primeiras agremiações partidárias no Acre. Quando ocorre a unificação departamental em 1921, no Território já haviam sido instalados os seguintes órgãos públicos federais, todos em Rio Branco: Justiça Federal; Tribunal de Apellação; Mesa de Rendas Federaes; Capitania do Porto; Collectoria Federal; Assistência Pública; Agência Postal; Estação Rádio-telegráphica e Quartel da Força Policial. Nesta situação, ―o mais comum é o poder central dar a sua população os órgãos de sua administração‖ (Oliveira Vianna, 1987, p. 221). Foi o que ocorreu: uma forte presença do Estado Nacional e o poder político nas mãos de pessoas com pouco ou nenhum compromisso com a administração pública 51A

Capital, p.01, 28/08/21. parte do primeiro diretório as seguintes pessoas: coronel Honório Alves, Paulino Pedreira (presidente e secretário da chefatura de polícia), coronel João Donato (presidente de honra e Intendente de Rio Branco), coronel Francisco Manoel, major Campos Pereira, Dr. Francisco de Oliveira Conde (secretário de governo), coronel José Pereira, Raymundo Viera, Dr. Mário Alvarez, Dr. Francisco Pereira (advogado), coronel Joaquim Victor (dono do Seringal Bom Destino), Luiz Barreto de Menezes, Porto da Silveira (advogado), Nahum Vieira (dentista), coronel Silvino Coelho, coronel Sérvulo do Amaral e coronel Antônio 52Fizeram

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e sim, mais preocupados em agradar quem lhes nomeou e voltarem ao fim do mandato para ―merecidas‖ férias na capital federal. Era o que acontecia com todos os governadores e a maioria dos seus secretários, que ao chegar um novo governador nomeado, com sua troupe, os que aqui estavam faziam imediatamente o caminho inverso dos adventícios. Assim, todos mais pareciam aves de arribação que ao Acre chegavam somente para se acasalarem com o poder e garantir uma gorda aposentadoria em função de servirem em local tão ermo e rarefeito de ―civilização‖, como alguns afirmavam. Assumir qualquer compromisso no Acre era um meio de ―consertar as avarias financeiras, um estágio para promoção de oficiais com o soldo dobrado pelo doloroso sacrifício de viver entre os índios‖ (Craveiro Costa, ibidem, p. 148). Mas o sonho de todos, quando acabava o prazo da nomeação era baixar o rio 53. A partir da nomeação de Epaminondas Jácome54, tornou-se norma o governador trazer consigo o restante do corpo administrativo auxiliar, que lhe acompanhava desde o Rio de Janeiro até ao Acre. Aos governadores competia ainda, nomear e expedir licenças para os praças e oficiais da Força Policial do Território. Este tipo de ação remonta à época do poder descentralizado, quando os prefeitos tinham a prerrogativa de exercício amplo do poder político. Era comum o conflito entre o poder judiciário e poder executivo no Acre Território, que advinha do fato de em alguns momentos o prefeito ou governador não aceitarem submeter-se aos ditames da lei. Um prefeito, segundo Craveiro Costa (1974), era no Acre uma autoridade maior do que aquela que a nomeava — o presidente da república —, ―pois enfeixava em suas mãos os três poderes soberanos‖ (P. 140) e, como já foi visto no exemplo de Sena Madureira, no Acre nada significavam os aludidos poderes soberanos. Esta afirmativa é corroborada por um prefeito local da época, que em seu relatório enviado ao ministro da justiça, assume categoricamente: ―os prefeitos enfeixam em suas Pereira Brasil. A Capital, ibidem. 53Talvez o termo ―descer a balsa‖, usado no Acre a cada eleição como pilheria e ironia com os candidatos derrotados remonte esta época, já que aqueles que deixavam o poder desciam o rio para retornarem de onde vieram. 54Todos os governadores, nomeados pelo presidente da república e empossados no Rio de Janeiro, estavam subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores - MJNI. Ao serem nomeados e empossados, deslocavam-se de navios pela costa brasileira até Belém (PA), de lá subiam em embarcações da companhia inglesa“The Amazon Rivers Steam Navegation” até Manaus e posteriormente à Rio Branco. A viagem demorava em média cerca de quatro semanas e quando chegavam a capital acreana, assumiam o cargo em meio a efusivas festas que duravam até três dias seguidos (ver tópico 1.4 neste capítulo). Anualmente eram obrigados a enviar ao MJNI um relatório de suas atividades administrativas.

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mãos presentemente, e enfeixarão porventura, por longos meses, os poderes executivo, legislativo e judiciário‖ (apud Craveiro Costa, p. 144). Isto remete às discussões levantadas por Oliveira Vianna (1987), acerca do mandonismo local, presente na política brasileira. Diz ele que ―os prefeitos chamam para si a execução da lei e a nomeação dos empregados, duas atribuições que figuravam como a base da sua força e do seu prestígio‖ (p.191). Longe de ser uma crítica, é uma defesa que o autor faz desta prática. Isso levava a uma confluência do poder público com o privado, permitindo que ocorressem as mais variadas práticas políticas por aqueles que estavam na posição de mando. No caso acreano, isso se explicitava quando ocorriam denúncias de nepotismo, corrupção e desvios de dinheiro público. Embora nas raras vezes em que tais denúncias vinham a público, elas só ocorriam quando o governador acusado já não tinha mais o poder nas mãos. O primeiro governador do Acre unificado não ficou imune. Epaminondas Jácome fora acusado de desviar o dinheiro do pagamento do funcionalismo público e pagá-lo com verbas oriundas da rubrica ―socorro público‖. Descoberta a fraude, e para regularizar os gastos indevidos, foram feitas novas folhas de pagamentos e ficou determinado que os funcionários devolvessem dois meses de salários. Quem não tinha dinheiro, era aconselhado a dar uma procuração em branco dos seus vencimentos vindouros para a casa comercial Sadalla Khoury e Cia, que se tornou procuradora de boa parte dos funcionários públicos para salvar a pele do governador 55. Um outro caso semelhante, relatado na imprensa carioca — no jornal Diário do Rio — dava conta que o ex-governador Cunha Vasconcelos (1923/1926)56 fora acusado pelo jornalista Augusto Pamplona de enriquecimento ilícito e de ter vários imóveis no Rio de Janeiro. O ex-governador processou o jornalista e exigia uma indenização por danos morais de 766$000 contos de réis. Posteriormente, ele retirou o processo quando o caso passou a ser utilizado pelos seus adversários locais como um fato para capitalização política.

55O

Norte, n° 20, 25/02/22. Vasconcelos, que tinha o sugestivo apelido de ―Surucucu‖, antes de assumir o governo do Território tinha sido juiz de direito no Paraná, deputado federal (PE), delegado no Rio de Janeiro, prefeito do Alto Acre, do Alto Purús e intendente de Tarauacá. Quando veio do Rio de Janeiro para assumir o governo, trouxe junto o Secretário geral de governo e o chefe de polícia. 56Cunha

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O governador Hugo Carneiro (27/30)57, doou ao referido jornalista 200$000 e o prefeito Flávio Batista, 100$000, para ajudá-lo no pagamento da indenização requerida. Mas deixando de lado qualquer ação altruísta, o que interessava para ―os doadores‖ era criar um fato político com repercussão local em cima do ex-governador e dos seus aliados 58. Estando no Rio de Janeiro, pouco tempo depois, Cunha Vasconcelos foi acusado ainda, de ter agredido um condutor de bonde e para livrar-se da prisão resolveu passar por senador da república, cargo que nunca exerceu. Mas, estas denúncias só vinham a público quando o administrador da hora deixava o poder, pois durante seu mandato não havia nenhum tipo de desconfiança ou desabono acerca da honestidade e comportamento do governador, nem mesmo por parte de seus adversários. O próprio Cunha Vasconcelos, só passou a ser denunciado pela imprensa local após deixar o cargo e mudar-se para o Rio de Janeiro, pois segundo um jornal da época, tratava-se de ―um homem intolerável, que aqui nada mais fez do que sugar os cofres públicos em proveito próprio e dos seus, saindo rico da administração acreana. (...) Nós os acreanos temos elementos sobejos para amaldiçoar o senhor Cunha Vasconcelos‖ 59. Estas denúncias tardias só eram divulgadas quando havia a certeza, por parte do denunciante, de não sofrer sanções advindas do acusado.

O último governador da primeira fase política foi o major João Câncio Fernandes, que assumiu o restante do mandato de Hugo Carneiro, quando este pediu exoneração em julho de 1930. Em virtude dos acontecimentos nacionais e das acomodações políticas que se iniciavam no país, em outubro deste ano ocorreu um levante, que partindo do município de Xapuri, objetivava derrubar o governador substituto, este não ofereceu nenhum tipo de resistência ao intento de depô-lo do cargo. De pronto, se constitui uma ―Junta Revolucionária‖, composta pelo juiz de direito Jayme Mendonça; Delegado de Hygiene Heitor Gomes de Almeida; Intendente em Comissão Aldeziro Leite; e, o tenente Ildefonso Araruna, comandante da Força Policial naquela cidade. Imediatamente eles enviaram um radiograma ao então 57Governador

do Acre entre 1927 e 1930. Na sua administração foram construídos diversos prédios públicos, como o mercado municipal, o quartel da FPTA e o atual palácio Rio Branco. Antes de assumir, foi deputado federal pelo Ceará e superintendente da cidade de Manaus (AM). 58Folha do Acre, n ° 660, 20/09/28 e n° 661, 23/09/28. 59 ―A queda de um régulo‖. Folha do Acre, n° 531, 10/06/26. Este jornal, a partir de 1925, passou a ser administrado pelo coronel Sérvulo do Amaral e Flávio Batista, membros do PEA. Este último, em 1926, foi

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governador, intimando-o a desocupar o posto que diziam não mais lhe pertencer e delegam os poderes governativos do Território ao desembargador José Martins de Souza Ramos, presidente do Tribunal de Appellação. O desembargador assumiu imediatamente o posto, em caráter provisório, e exigiu que não acontecesse nenhum tipo de solenidade de posse, fato único dentre todos que assumiram o poder executivo no Acre. 60

1.3.2 - O período dos Interventores Federais — 1930/1937.

Estas injunções políticas ocorridas com o fim da Primeira República 61, os reflexos da chamada ―Revolução de 30‖ e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, propiciaram um novo ordenamento político no país e fez surgir, — também no Acre, — a figura dos Interventores Federais 62, chefes executivos com poderes semelhantes aos governantes anteriores. Os Interventores podiam, demitir, promover e nomear funcionários. Escolhiam diretamente o prefeito da capital e influenciavam na escolha dos prefeitos do interior, já que todos prefeitos dependiam do governo territorial e eram obrigados a lhe enviar balancetes semestrais63 de receitas e despesas das verbas liberadas pela União, via administração territorial. Pouco tempo depois, em 1933, no âmbito legislativo, o Acre elege seu primeiro representante para a Câmara Federal: o ex-governador Hugo Carneiro, da Legião Autonomista Acreana e, um ano depois, o advogado Mário de Oliveira, pela mesma facção política. Foram estes dois parlamentares que participaram como membros da Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou a carta de 1934.

indicado prefeito de Rio Branco pelo major João Câncio. 60―O novo governador do Território: movimento que precedeu sua posse‖. O Acre, p. 02, 06/11/30. 61Para Saes (1985) a ―revolução de 1930‖ corresponde uma segunda etapa da transição burguesa no Brasil e teve como conseqüências políticas a liquidação da hegemonia política da burguesia mercantil agroexportadora; instauração de uma crise no interior das classes dominantes e orientação de uma política econômica e social pelo Estado nacional. 62 “Para substituir os „carcomidos‟ e governar os estados, os interventores tiveram de firmar coalizões com facções das oligarquias estaduais, o que enfraqueceu o ímpeto revolucionário das novas administrações”. Nunes (1997, p. 51). 63Para Craveiro Costa (1974), “prefeitos desfrutáveis e perdulários apresentam relatórios pomposos (...) para justificar seus esbanjamentos” (idem, p. 195).

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O primeiro Interventor acreano foi Francisco de Paula Vasconcelos (30/34), que, no momento de chegada ao Acre, recebe um telegrama enviado pelo então general Juarez Távora64, com algumas recomendações: ―o governo federal confiando vos a gerência dos negócios do Acre, nesta phase de dictadura, espera que sabereis cumprir inflexivelmente o programa revolucionário mandando abrir rigorosa sindicância na sede do governo e prefeituras a fim de apurar os deslizes políticos administrativos.‖ 65 O certo, é que não se sabe de nenhum resultado prático das orientações dadas pelo general Juarez Távora. Mas dar para perceber que o governo central tinha conhecimento dos atos políticos e das condutas desabonadoras dos seus comandados enviados ao Acre, principalmente no que tange as improbidades administrativas. Martiniano Prado (35/37), o segundo Interventor nomeado para o Acre, no dia 1º de maio de 1935, ―dia do trabalho‖, lançou a pedra fundamental de construção do Aeroporto de Rio Branco e um ano depois, ironicamente, pousa o primeiro avião no Acre, no rio homônimo: o anfíbio Taquary. Para construir o campo de aviação o interventor Martiniano Prado dividiu uma área em 600 lotes, com cada um deles medindo 400m². Sorteou os lotes em solenidade pública no dia do trabalho, onde cada ―beneficiado‖ se comprometia em entregá-lo limpo dentro de um prazo determinado. Um mês após este ato, em seu discurso, o Interventor afirmava que ―desde o funcionário de categoria mais elevada, até o mais humilde operário; do oficial ao soldado ali estiveram ombro a ombro empunhando ferramentas de trabalho‖66. Mas em uma breve análise na listagem do sorteio dos terrenos, percebe-se que o discurso pomposo não corresponde à realidade, pois entre os militares quanto menor a patente maior o ônus: 73 lotes foram sorteados para soldados, 15 para sargentos, 09 para cabos, 02 para capitães, para um solitário major 01 lote e o coronel João Donato ficou com 11 para ―distribuir‖ aos amigos67. Para os civis, foram destinados 116 lotes e 156 ficaram sem interessados, já os cerca de 30 restantes não há referência sobre o que foi feito. Mais uma vez a ―casa-grande‖ dava ordens e a senzala obedecia, aceitando a contragosto o que lhe determinavam. Mais uma demonstração 64Denominado

o ―imperador do norte‖ (ou vice-rei do norte, conforme o escritor Márcio Souza, [1994]), pela influência que tinha para nomear e indicar seus amigos de confiança para cargos nos Estados e Territórios da Amazônia e do nordeste, em geral militares. Iglésias, (1993, p. 234). 65O Acre, 1930. 66O Acre, n° 280, 09/06/35.

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clara da delimitação dos espaços e das obrigações estabelecidas de forma descendente e hierárquica. Com a finalização das obras do aeroporto, o Acre passa a ser atendido por vôos aéreos, que embora irregulares, significava que os governantes já não precisavam mais viajar durante semanas, nos gaiolas, pelos rios inconstantes da Amazônia.

1.3.3 – A segunda fase dos governadores nomeados — 1937/1962.

Esta fase compreende, no cenário político brasileiro, ao período do chamado Estado Novo (1937/1945) e da Democracia populista (1945/1964), que marcaram momentos de transformações e mudanças significativas no interior do Estado brasileiro. Com o advento da ditadura varguista, finda a fase dos Interventores Federais. Porém, o Acre permaneceu sendo governado por indicações emanadas do palácio do Catete, mesmo na fase de ocaso do Estado Novo. Contudo, é neste período, após o fim do Estado Novo, o Acre passa ter partidos políticos68 de expressão nacional organizados em todo o Estado69. Sendo que os de maior significado e peso serão o Partido Social Democrático - PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, tendo a frente figuras que serão sem dúvidas as maiores referências personalistas da política local nos anos 40 e 50: José Guiomard Santos70 (PSD) e Oscar Passos71 (PTB). Ambos irão travar juntamente com seus seguidores disputas acirradas não só em épocas de eleições, como também nas indicações dos 67O

Acre, n° 279, 02/06/35. “Terminado o Estado Novo, os Interventores nos Estados e seus prefeitos nomeados se reuniram para dar forma ao PSD, enquanto os burocratas do sindicalismo e do sistema previdenciário oficiais formaram o PTB. Eram partidos que dependiam essencialmente, para subsistir, da companhia do poder, e que desagregaram tão logo perderam o controle do Estado”. Schwartzman (1982, p. 136). 69Nesta época também se organizaram os seguintes partidos: Partido Democrático Cristão – PDC; Partido Republicano Progressista – PRP; Partido Social Progressista – PSP; União Democrática nacional - UDN e Partido Comunista do Brasil - PCB. Cf. Costa (1992). 70 Major, depois promovido a coronel, governou o Acre entre fevereiro de 1946 e junho de 1950, depois foi eleito deputado federal por três mandatos (1951/1962) e senador eleito em 1962 e 1970, em 1978 foi escolhido senador biônico e faleceu em 1982. Ou seja, ficou no poder durante 36 anos. Foi o autor do Projeto de Lei que elevou o Acre a Estado. 71Oscar Passos nasceu no Rio Grande Sul e era militar. Quando veio para o Acre assumir o cargo de governador (agosto de 1941 a agosto de 1942) tinha a patente de coronel. Após deixar o governo, ficou cerca de sete anos fora do Acre e retorna em 1949 para candidatar-se a deputado federal. Eleito, dedica-se ao parlamento federal de 1950 a 1962. Foi eleito senador em 1962 e posteriormente presidente nacional do MDB. Em 1970 não é eleito e desiste da vida partidária. Irá ser durante cerca de duas décadas o principal adversário político de Guiomard Santos e a figura central do PTB acreano. 68

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cargos federais para seus correligionários e na luta pela viabilidade, ou não, da autonomia acreana (vide capítulo II). Em abordagem sobre a escolha dos chefes executivos enviados para o Acre, Barros (1981) enfatiza que a listagem dos governadores acreanos parecia algo emanado a partir do Ministério do Exército, devido a constante da patente militar marcar os ombros dos governantes. O referido autor procura fazer uma referência direta ao modelo paternalista imperial, que na sua opinião se transferiu para o presidente da república, com a política dos governadores, durante a ―Primeira República‖. Segundo esse autor, em sua alusão comparativa, o titulo de nobreza imperial passou a dar lugar a patente militar no período republicano, como elemento característico das benesses do poder, outorgada a uma camarilha apta a bajular e apoiar qualquer governante. No Acre, esta característica sempre foi uma marca constante durante toda sua vida territorial, tanto entre governadores e interventores, quanto entre prefeitos e intendentes. Entre 1921 e 1964 a regra era encontrar tais homens exercendo os mais diversos cargos na vida administrativa territorial, suas ausências eram exceções

1.4 - Os festejos de posse dos governadores: a teatralização do poder.

A chegada de um governador ao Acre, era um acontecimento singular que alterava o cotidiano da cidade de Rio Branco. As expectativas eram geradas desde a possível nomeação de uma determinada figura política, que ao se confirmar era fonte de comentários contínuos na imprensa local. Esta passava a relatar desde a saída do navio, com a comitiva, do Rio de Janeiro até sua chegada ao Acre. Os jornais, oficial e oficiosos, passavam a tratar com distinção única o novo governante, exaltando sua personalidade e suas ―qualidades‖ como homem público. O governador substituído ficava no cargo apenas esperando o nomeado chegar para voltar, o mais breve possível, no trajeto inverso, rumo ao Rio de Janeiro e ser alvo de comentários nada abonadores sobre sua administração pregressa, tanto na imprensa como no meio político local.

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Os festejos já começavam com a chegada da comitiva executiva à montante do rio Acre, quando salvas de fogos de artifícios e apitos da Usina anunciavam a embarcação, apontando nas curvas do rio, e esta era ladeada até o porto por uma comitiva de ―figuras importantes‖ que iam ao encontro do governador, antes do desembarque. Ao desembarcar, este era recepcionado pelas autoridades locais, pela banda de música da FPTA e pelos alunos das escolas locais. Logo após, dirigia-se à residência oficial ou ao palácio para a cerimônia de posse e os festejos oficiais. Quando Cunha Vasconcelos chegou ao Acre, em 1923, para assumir o governo, ocorreram festas durante três dias seguidos para homenageá-lo e dar-lhes as ―boas vindas‖, num misto de festa cívica, demonstração de servilismo e apoio irrestrito. Tudo era promovido pela oficialesca ―Comissão Central de Festejos‖, encarregada de preparar e programar todos os detalhes dos festejos, que incluíam queima de fogos, paradas militares, convite aos correligionários do interior do Acre, jantares, festas dançantes e outros salamaleques imprescindíveis, bancados em boa parte por alguns comerciantes de Rio Branco e pelos políticos locais, que tinham a partir daquele momento um novo chefe para beijar a mão. Ser próximo do governador, não importando qual, era fundamental para muitos comerciantes manterem seus negócios particulares, bem como para os tradicionais políticos darem continuidade a seus projetos de poder e ao mesmo tempo garantirem os empregos de seus afilhados na máquina estatal. Na verdade, o Estado se configurava como o pai e a mãe de todos72. A posse do governador Hugo Carneiro 73 em 1927, ocorrida um dia após sua chegada, e relatada em pormenores pelo jornal Folha do Acre, com o seguinte título

72Confira

artigo de Guiomard Santos, intitulado “O Estado socialista do Acre” e reproduzido parcialmente no capítulo II. 73Logo que assumiu o governo, Hugo Carneiro imprimiu uma série de medidas para ordenamento do espaço urbano da cidade de Rio Branco, capital do Território. Construiu vários prédios públicos em alvenaria, adotou um código de posturas para o município e procurou ―higienizar‖ a cidade com suas medidas profiláticas. Sua meta era exatamente circunscrever, ordenar, classificar e delinear a vida em sociedade. Durante seu governo, foi criada a agência local do Banco do Brasil. A partir daquele momento, o governador passou a controlar de forma direta os recursos enviados pela União. Outro acontecimento importante no seu governo foi a criação do Tribunal de Contas local, livrando o governador de ser fiscalizado pelo Tribunal de Contas do Amazonas. Assim, passa o governador a enfeixar um poder muito maior do que seus antecessores. Sobre estas afirmações, agradeço as conversas que tive com o professor e historiador Sérgio Roberto Gomes de Souza (2002), que escreve dissertação de mestrado, intitulada Fábulas da modernidade: a utopia modernista de Hugo Carneiro – 1927/1930, onde aprofunda estas questões.

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abrindo a matéria: ―Apotheose glorificadora‖74, é um outro exemplo significativo destas festividades rotineiras que marcavam a troca de poder local. E este jornal relata que cerca de cinco mil pessoas, se aglomerava na praça Tavares Lyra (atual Eurico Dutra), em frente ao Palácio Rio Branco para recepcionar o governador, todos antecipadamente cônscios das atividades oficiais programadas com antecedência 75. Este mesmo jornal, afirmava ainda, que o povo ao receber carnes, cigarros e pães, ―bendiziam o nome do benemérito governador‖, com louvor e entusiasmo. Era comum também, o envolvimento da Associação Comercial através de seus dirigentes e da própria Igreja Católica nos festejos, esta última também uma ―eterna‖ aliada do poder político. O médico Epaminondas Martins (37/41), primeiro governador nomeado após o período dos Interventores Federais, resolveu inovar nos festejos, realizando três grandes festas em dias alternados. O primeiro evento foi denominado de ―Festa das Classes Laboriosas‖ e aconteceu no salão de festas da Polícia Militar, quando foram distribuídos diversos brindes, gelados doces e teve seu encerramento marcado com um baile dançante para os populares. A segunda atividade foi chamada de ―Festa da Mocidade Acreana‖, onde a grande atração foi à exibição de diversos filmes na praça em frente ao Palácio Rio Branco. Por último, ocorreu a ―Festa da Sociedade Riobranquense‖, marcada pôr um baile a rigor no Palácio Rio Branco somente para o denominado ―alto escol social local‖76. Um evento exclusivo para determinados segmentos sociais, onde ficava claro a delimitação dos espaços que cada um podia freqüentar: festas distintas para os populares, em ambiente da ―ordem‖, que era o clube militar; para a juventude, na praça; e, o interior do Palácio Rio Branco, somente acessível à autodenominada ―sociedade acreana‖, a ―nobreza das selvas‖. Era a expressão máxima da velha fórmula tantas vezes repetida pelos políticos: dar pão e circo aos governados, como maneira de amainar certos conflitos 74Folha

do Acre, p. 01, n 636, 21/03/37. atividades programadas eram: 5:30 – alvorada da FPTA no palácio do governador; 6:30 – distribuição de carnes (500 kg) e de pães aos pobres, aos presos e ao colégio Servos de Maria, distribuição de cigarros (5000un) aos presos, pobres e internos do leprosário; 7:30 – missa campal na praça Tavares Lyra; 8:30 – parada militar e desfile das escolas; 9:30 – cumprimentos do governador; 10:30 – inaugurações; 12:00 – almoço íntimo oferecido pelo governador; 16:00 – jogo de futebol (taça Hugo Carneiro); 19:00 – retreta pela banda da FPTA; 20:00 – cinema ao ar livre e fogos de artifício; 21:00 – passeata cívica. Folha do Acre, ibidem. 75As

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silenciosos e buscar tê-los sob controle. É ainda, a busca de introjetar nos governados, e levá-los a acreditar nisso, que eles devem gratidão àqueles que têm atos ―generosos‖ para com eles. Mas mesmo com o advento do transporte aéreo, todos os governadores posteriores, ao pousarem no antigo aeroporto, — onde fica hoje o bairro do Aeroporto Velho — localizado na margem oposta do bairro Quinze, desciam o porto e seu séqüito seguia em embarcações do SNAPP77 e da flotilha do governo. Seguiam o trajeto soltando rojões, que anunciavam a chegada do governador, até aportarem nas proximidades do mercado municipal, onde a recepção oficial era recomeçada com os salamaleques de sempre pela chegada de uma nova troupe, ou mesmo devido apenas o retorno do governador de uma viagem ao sul do país. Ou ainda, como na época de Guiomard Santos (46/50). Toda vez que este chegava de viagem ao sul, desembarcava com sua comitiva e atravessava o rio Acre até o Porto do bairro Quinze, e seguiam todos caminhando pelas ruas do Segundo Distrito 78 até ao antigo centro comercial na proximidade da Tentamem79 e do Cine Recreio (antigo Cine Éden). Daí, atravessavam novamente para o Primeiro Distrito, em direção ao Palácio Rio Branco, onde o ritual de sempre era repetido. Outra novidade festiva introduzida durante o governo de Guiomard Santos foi à comemoração do ―Aniversário do governador‖, realizado com todas as pompas, com direito a feriado estadual e com o comércio fechando as portas como atitude cívica e respeitosa80. Era o poder sendo posto em evidência perante a população, transfigurado na figura do ―líder popular‖ e ―bem quisto‖ pela população, através de uma série de atos destituídos de espontaneidade e organizados pelo aliados do homenageado. Durante o governo de Guiomard Santos, mais precisamente no ano de 1948, foi instituída a disputa futebolística anual no dia do funcionalismo, denominada ―Taça 76O

Acre, p. 06, 28/03/37. de Navegação e Administração dos Portos do Pará. 78A cidade de Rio Branco, capital do Acre, é composta de dois Distritos, delimitados pelo rio Acre. Na margem esquerda, o Primeiro Distrito, antigamente denominado de Penápolis, fica o centro administrativo e para onde a cidade mais se expandiu. No Segundo Distrito, ficava o antigo centro comercial e foi onde cidade se originou a partir do antigo seringal Empresa, depois elevado a condição de vila e posteriormente, Rio Branco. 79Clube social fundado nos anos 20 e freqüentado pela elite acreana da época. 80Eram realizados torneios de futebol, festas dançantes e distribuição de brindes. “Tais manifestações revelam que Guiomard Santos tinha o apoio dos coronéis seringalistas e dos altos comerciantes”. ―A herança dos caciques‖, Varadouro, n° 06, p. 03, dezembro de 1977. 77Serviço

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Governador do Acre‖. Neste dia, jogava o time dos funcionários do Território contra a equipe da Guarda Territorial. O troféu em disputa, confeccionado no Rio de Janeiro, era de posse transitória e sempre entregue após o jogo pelo governador, que o assistia como ―convidado‖ ilustre81. No entanto, festas pôr motivos opostos também ocorriam, embora com menos freqüência. É o que se percebe de algo ocorrido em 1946, durante a partida de alguns membros da extinta Polícia Militar do Território do Acre - PMTA, que rumavam com destino ao Rio de Janeiro após o ―exílio‖ em terras acreanas. De acordo com a imprensa da época, oficiais militares ao embarcarem na chata ―Sapucaia‖, soltavam rojões para demonstrarem a alegria incontida diante da partida do Acre, que levava somente um acreano como passageiro 82. A Folha do Acre, uma semana depois, afirmava que o foguetório fora providenciado pelo ex-intendente de Rio Branco, major João Donato de Oliveira, e pelo tenente Francisco Costa. Este último, ao tomar conhecimento da matéria mandou ao diretor do jornal, Wilson Aguiar, um telegrama da cidade de Boca do Acre (AM), com o seguinte teor de ameaças: ―cachorro, sua raça só morde pelas costas e a pequena altura só alcança calcanhar. Para ajustes de contas das notícias infamantes, aviso que até as pedras se encontram. Espero vê-lo o mais breve possível‖83. Comemorações e arrogâncias em um mesmo barco. Esses badulaques festivos sempre ocorreram e foram uma constante no meio político acreano. Ao recuar nos eventos comemorativos, vê-se que o próprio Luiz Galvez, ao proclamar em 14 de julho de 1899 o ―Acre Independente‖, gastou mais de seis mil contos de réis em três dias de festas, regadas a cerveja americana, champagne Veuvet Clicquot e charutos Daneman, para a Junta Governativa. Enquanto o restante se esbaldava com cachaça, vinhos Collares, cerveja Rifle e charutos Vilar. Para ―os de cima‖ tudo importado, para o ―populacho‖, tudo nacional, previamente adquiridos na casa comercial amazonense Martin Calveras & cia 84.

81―Taça

governador do Acre‖. O Acre, n° 908, p. 08, 30/01/49. foguetórios pôr ocasião da saída da sapucaia‖. Folha do Acre, 24/03/46. Nesta época, a Folha do Acre, cujo slogan era ―porta-voz das aspirações coletivas‖, tinha como diretor Wilson Aguiar, que exerceu a chefia do Departamento de Transportes Públicos (DTP) no governo de Silvestre Coelho (42/46). Este último descrito como ―nordestino de fibra, homem de têmpera rija e de costumes severos, disciplinado e disciplinador‖. O Acre, n° 664, p. 01, 18/10/42. 83Folha do Acre, n° 70, p. 01, 31/03/46. 84Ao todo foram gastos 6:550$000 e teve ainda um banquete para 107 pessoas, cujo cardápio era feijão, arroz, carne seca e bananas. Para a junta, lanches mais refinados. Tudo isso financiado pelos comerciantes de 82―Os

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Tudo isso me leva a concordar com Balandier (1981), quando afirma que o mundo político comanda o real através do imaginário social, por meio de um teatro que regula a vida cotidiana e aproxima a arte de governar, que Maquiavel preconizava, da arte da encenação. Pois, ―o poder só se realiza e se conserva pela transposição, pela produção de imagens, pela manipulação de símbolos e sua organização em um quadro cerimonial‖ (idem, p. 07). Ou seja, o poder só adquire sentido se for exercido, mostrado e divulgado.

1.5 – A Força Policial do Território como base burocracia coercitiva.

A origem do aparelho militar no Território do Acre se assenta a partir dos veteranos da insurreição acreana, liderada por Plácido de Castro. Vem daí o núcleo formador do aparelho policial militar, que marca de forma indelével as bases do poder político no Acre. Tendo inclusive uma presença incisiva e permanente na estrutura burocrática de poder que se formou no Território. A grande maioria dos chefes executivos — governadores, prefeitos, intendentes e interventores — acreanos do período territorial era composta de militares e juristas, ligados ao chamado Aparelho Repressivo do Estado, para usar uma expressão empregada amiúde por Louis Althusser (1989). Em grande medida estavam preocupados em defender e reproduzir uma ordem estabelecida, um modelo político-governamental forâneo e caucionador de um status quo que interessava a um circuito fechado de beneficiados e beneficiantes. Mesmo excetuando os Intendentes e os prefeitos departamentais, todos os catorze governantes da primeira fase se enquadram nesta situação, bem como a maioria da segunda fase e dos Interventores Federais. Era difícil não existir a presença da toga e da farda no curriculum dos chefes executivos acreanos, eram acima de tudo homens da ―lei e da ordem‖ e que transfiguravam isso de maneira visível em muito dos seus atos administrativos.

Manaus, que deram apoio logístico à empreitada de Luiz Galvez. Cf. Tocantins (1979, p. 280).

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Esta característica se reforça com a centralização do poder político em 1921. É de acordo com a resolução n° 59, que a FPTA85 começa a ser regulamentada com normas estatutárias. A partir deste momento cabia ao governador nomear o comandante86 da FPTA, que precisava ser oficial do Exército ou da Polícia Militar do Distrito Federal (RJ). Assim, os comandantes da FPTA, eram pessoas que vinham do Rio de Janeiro acompanhando cada novo governador indicado. Além de controlar o executivo, o governo federal mantinha ao lado deste, e controlava, a força militar. A partir de 1926, em ato assinado pelo marechal Setembrino de Carvalho, a FPTA passou a ser considerada como força auxiliar, legalmente subordinada ao Exército brasileiro. Em 30 de junho de 1934 a FPTA deixou de existir e surgiu a Polícia Militar do Território do Acre – PMTA, que em 06 de setembro de 194587, adquiriu um novo nome: Guarda Territorial – GT. Em 1962 com a criação do Estado, a GT passou a ser designada Polícia Militar do Estado do Acre – PMAC88. Alteravam-se os nomes, mas as características mais gerais de simbiose com o poder executivo eram a tônica predominante. No entanto, a partir da análise de alguma documentação existente, foi possível perceber esporádicos relatos de sublevações de oficiais da Polícia Militar, em função de se sentirem desprestigiados diante de alguns governadores. Neste sentido, chama a atenção um caso ocorrido quando o desembargador Alberto Augusto Diniz 89 — recém nomeado — trouxe, como era de praxe, vários oficiais para ocuparem postos de comando na sua breve administração. Este acontecimento foi relatado pela imprensa, em tom apocalíptico e irreal, da seguinte maneira: ―está prestes a irromper um movimento subversivo contra as atividades administrativas e judiciárias, visando o saque das casas comerciais e do Banco do Acre, a proclamação da autonomia, bem como a eliminação de membros da

85Oficialmente,

a data de fundação da Polícia Militar do Acre – PMAC é 25 de maio de 1916, quando são formadas as chamadas Companhias Regionais – CR’s, localizadas em cada Departamento e subordinadas aos Intendentes. Em 1921, com a unificação departamental, as CR`s dão origem a FPTA. Cf. Aguiar (1998). 86O primeiro comandante da FPTA foi o major Duarte de Menezes, designado pelo general Silva Pessoa para organizar a Força Policial no Território do Acre. A Capital, 25/06/22. 87Com a criação dos Territórios do Guaporé, Rio Branco, Foz do Iguaçu e Amapá, o decreto do presidente Getúlio Vargas alterou a denominação anterior. 88“Polícia Militar do Estado do Acre: história e ação. Vídeo VHS. 1997. 89Foi governador entre julho e dezembro de 1926.

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magistratura‖90. Os possíveis saques ao comércio e ao Banco do Acre não passavam de subterfúgio do jornal, para colocar em descrédito o movimento e tirar dele o aspecto político e a insatisfação de alguns membros do oficialato, imputando-lhe algo que não fazia sentido. Por sinal, o Banco do Acre pertencia a Flávio Batista, intendente de Rio Branco e proprietário do jornal Folha do Acre. Frente a este quadro, as declarações do chefe de polícia (civil) do governador asseguravam que as medidas preventivas seriam duras ―para assegurar a ordem em qualquer emergência‖ 91. Dois meses depois, em outra notícia, o mesmo jornal voltava a atacar dizendo que o ex-governador ―governou o Acre despoticamente, transformou os elementos da FPTA em capangas armados para empreitadas sinistras‖ 92. Era uma clara alusão ao princípio de insubordinação ocorrido em julho de 1926 e da possível utilização de membros da FPTA para atos de vinganças pessoais, oriundas das brigas e disputas políticas nas hostes do Estado, que vez ou outra se exacerbavam no uso abusivo do poder pôr parte de algumas autoridades investidas momentaneamente em algum cargo de comando.

90―Movimento

subversivo?‖ Folha do Acre, n° 537, p. 01, 25/07/26.. governador ao tomar conhecimento, mandou prender o comandante da FPTA, Affonso de Azevedo, juntamente com outros oficiais (dois capitães, um tenente e um sargento), um suplente de Juiz, um comissário de polícia chamado Pedro Guerra e um tal Dr. Ganot. 92Folha do Acre, n° 538, p. 01, 08/08/26. 91O

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Capítulo II – O movimento autonomista e a elevação do Acre a Estado: mudanças e continuísmos. ―Quanto mais um poder dura, maior é a parte irreversível com a qual terão de contar aqueles que conseguirem derrubá-lo‖. Pierre Bourdieu. 2.1 – A gênese e as várias faces do movimento autonomista acreano. Desde a epopéia de Luiz Galvez no apagar do século XIX, e a partir dos primeiros momentos em que o Acre se constituiu como membro do território nacional, a questão autonomista foi algo que sempre se aventou como uma necessidade por certos grupos internos. Muitos autonomistas começam a se organizar, nesse contexto, no intuito de requererem um direcionamento político da ―sociedade acreana‖ de maneira mais autônoma, que passasse preferencialmente por uma decisão final das oligarquias locais e o controle do poder executivo sendo decidido a partir de uma escolha emanada pelos auto-intitulados homens das ―classes conservadoras‖ do Acre. Internamente, as maiores brigas se estabeleceram entre os grupos políticos e econômicos dos vales do Acre - Purús e do Juruá. Onde neste último, ocorreram as mais fortes tentativas de contraposição à unificação departamental e intentos separatistas em relação ao vale do Acre - Purús. Em princípio, não havia um movimento autonomista unificado e sim, vários focos autonomistas que foram surgindo ao longo dos anos: nos seus primórdios são movimentos dispersos e inconsistentes, em alguns momentos exacerbados em revoltas nos Departamentos — como as ocorridas no Alto Juruá e no Alto Purús — onde predominavam como justificativa os elementos políticos — principalmente ligados às diversas concepções de autonomia; — e, econômicos — vinculados à taxação elevada de impostos sobre a exportação de borracha. Somente a partir dos anos 20 é que irão surgir, com certa regularidade, os jornais e panfletos autonomistas; nos anos 30 surgem os partidos e associações autonomistas e, a partir de meados dos anos 40, já com o fim do Estado Novo, a tese ganha força através de Guiomard Santos, dos seus partidários do PSD e alguns poucos membros do PTB, não alinhados a figura de Oscar Passos. Todavia, já em 1904, surge na cidade de Cruzeiro do Sul, o chamado Movimento Autonomista do Alto Juruá, composto pelos comerciantes e personalidades

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locais. Estes primeiros ecos contestatórios conseguiram chegar à capital federal e ―sensibilizar‖ algumas vozes parlamentares acerca da causa acreana. Pouco tempo depois, dois Projetos de Lei foram apresentados no Congresso Nacional, levantando a questão da autonomia dentro do ambiente legislativo brasileiro. Como o Acre não contava com representantes legislativos, o primeiro Projeto autonomista foi apresentado em 1908 pelo deputado cearense Francisco Sá e um outro, em 1910 por Justiniano Serpa, ambos foram devidamente ―esquecidos‖ e engavetados no Congresso Nacional. Pois não havia interesse nenhum do poder central em dar a pretendida autonomia política ao Território do Acre. Mas, umas das primeiras medidas, coletiva e organizada, ocorreu em 1910, quando vários comerciantes de Sena Madureira enviaram uma carta, datada em 11 de abril, tratando da questão autonomista, ao presidente Nilo Peçanha. Esta missiva, que foi publicada na íntegra na Folha Official, abria com um texto da seguinte forma: ―mensagem

da

maioria

dos

proprietários

e

commerciantes

e

industriaes,

representantes da classes conservadoras do Alto Purús‖ e era assinada por 7893 personalidades, os auto-intitulados ―homens de bem daquela localidade‖. Como fica claro, o texto ressalta acima de tudo a condição econômica e a posição social daqueles que se consideravam ―homens de bem‖. Proprietários e, portanto, no entendimento deles, detentores de direitos que lhes eram negados enquanto cidadãos de fato. Isto relembra as bases do liberalismo clássico inglês, baseado no famoso lema ―no representation, no taxation‖. Nesta acepção, aqueles que pagam impostos e que têm propriedade a zelar, devem em correspondência ter seus direitos políticos assegurados e a cidadania apta a ser exercida em sua plenitude. Se isto não acontece, ocorre um cerceamento e uma incompletitude a partir da não correspondência entre direitos e deveres do cidadão. Acima de tudo, era isso que estava posto por essas vozes dissonantes do Território acreano. Contudo, no período em apreço ocorreu um dos mais significativos levantes com signo autonomista. Foi a chamada ―Revolta do Alto Juruá‖, que teve seu início em

93Examinado

o conjunto da lista que compunha estas 78 assinaturas, existem nada menos 49 militares de altas patentes, 42 seringalistas, 38 comerciantes, 01 capitalista, 03 advogados, 01 tabelião, 01 agrimensor e 02 industriais. O número evidentemente excede as 78 assinaturas e se explica devido ao fato de muitos se autointitularem como pertencentes a mais de uma categoria profissional e/ou social. Folha Official, p. 04, abril de 1910. (este jornal era o órgão oficial da prefeitura do Alto Acre).

50

01º de junho de 1910, quando uma Junta Governativa 94 toma o poder e declara criado o Estado do Acre. Este movimento teve seu estopim quando chega à Cruzeiro do Sul, o novo prefeito nomeado pelo governo federal, João Cordeiro, ―que a população recebeu com desagrado, acirraram os ânimos dispostos à insuflação de idéias subversivas‖ (Craveiro Costa, 1974, p. 164). Diante do quadro de animosidade que se instaurou, o prefeito, que só existiu formalmente no papel, embarcou de volta para o Rio de Janeiro. O movimento era composto basicamente por seringalistas e comerciantes locais, ligados ao chamado Partido Autonomista do Juruá – PAJ. Teve inclusive o apoio inicial da Força Policial Federal, comandada pelo então capitão Fernando Guapindaia. O movimento contou ―com apoio de todos os proprietários, dirigidos pelo venerado Francisco Freire de Carvalho‖ (ibidem, p. 164), presidente da Associação Comercial do Alto Juruá. Para tentar ganhar apoio do Departamento do Alto Purús, os insurretos do Alto Juruá propuseram nomear Sena Madureira capital do ―Estado do Acre‖ e ainda, o coronel Antônio Antunes de Alencar, então prefeito do Alto Acre, governador do aludido Estado. Este, encontrava-se em viagem à Manaus e se mostra pouco interessado em assumir a cadeira de governador que lhe ofereceram, preferindo ficar ao largo do movimento juruaense. Com esses entraves iniciais, provocados pela indiferença dos outros Departamentos, o movimento cruzeirense começou natimorto, pois fragmentado e sem o apoio dos dois co-irmãos era impossível lograr êxito nos seus intentos autonomistas. Mesmo assim, levaram-no adiante isoladamente. Abaixo está transcrito fragmentos do intitulado Manifesto Autonomista, apresentado pela Junta Governativa em 01º de junho de 1910: ―É conhecida do país inteiro a situação humilhante e excepcional que o poder legislativo entendeu de criar para os brasileiros que habitam o Acre (...) banidos da constituição; relegados ao tempo da treda justiça d‘El-Rei; considerados incapazes de intervirem nos negócios nacionais; exilados dentro da pátria; carecidos de tudo os acreanos (...) vêem o produto do imposto que pagam — o mais exorbitante do mundo

94A

Junta Governativa foi formada pelos coronéis Francisco Freire de Carvalho, João Bussons e Mâncio Lima. Tinha como suplentes o major Francisco Borges de Aquino, coronel Alfredo Teles de Menezes e o major Glicério de Vasconcellos Pessoa (Cf. Craveiro Costa, 1974, cap. 18).

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inteiro — aplicar-se em serviços que não lhes aproveitam, em melhoramentos que não lhes beneficiam, em prazeres de que não gozam, em suntuosidade, que nem sequer imaginam. (...) Se todos os brasileiros são iguais perante a lei, não deve haver exceção para os 120.000 homens que habitam as terras acreanas (...) e se o governo, cerrando os ouvidos ao julgamento nacional, pretender impedir esse grande movimento de liberdade, que sobre ele recai a responsabilidade do que acontecer; que o sangue que se derramar fique como um estigma eterno na história da nossa nacionalidade95‖.

Este levante durou cerca de três meses, com intensas negociações entre os segmentos políticos dos Departamentos acreanos. Causou ainda fortes preocupações junto aos comerciantes de Belém e Manaus, que se manifestaram contrários ao movimento96 após a interrupção do envio da produção de borracha 97 dos seringais acreanos para estas praças, um duro golpe ao sistema de aviamento 98. De acordo com um conhecido comerciante e seringalista da época chamado Gentil Norberto99, residente no Alto Acre, esta ―revolução visa escangalhar o fabrico e dar enorme prejuízo às praças do Pará e Manaus‖ (apud Craveiro Costa, p. 170). O governo federal, preocupado com os acontecimentos, através do presidente da República Nilo Peçanha, envia à Manaus um telegrama datado de 13 de julho e endereçado ao prefeito destituído do cargo, com o seguinte teor: ―o governo da República está disposto a agir resolutamente no sentido de fazer respeitar a autoridade federal e manter as leis vigentes. Convém aconselhar nossos compatriotas, cessarem o 95Craveiro

Costa (1974, p. 170). dia 14 de junho de 1910 o jornal carioca A Gazeta de Notícias publica as reivindicações dos autonomistas do Juruá: “entre essas medidas há notícias da prohibição da saída de borracha até a confirmação da autonomia; creação de vários cargos judiciários; organização de um novo corpo de segurança; (...) imposição para que o imposto de 20% sobre a exportação da borracha seja reduzido a 15%, cobrado na alfândega de Manáos e Pará e, pela União até o praso de 05 annos; creação de uma câmara de deputados com 20 membros (...). 97“A vida do Acre era a borracha. Em torno dela gravitavam todos os interesses, todos os labores, todas as ambições”. Craveiro Costa (1974, p. 185). 98O sistema de aviamento era toda uma cadeia de relações que envolvia a produção de borracha na Amazônia. Genericamente era baseado numa pirâmide de relações e compromissos que envolvia de forma descendente grandes empresas européias que importavam a borracha amazônica, as casas comercias e exportadoras de Belém e Manaus, que supriam os seringais com as mercadorias, o seringalista e por último, o seringueiro, imprescindível para a extração do látex e quem menos se beneficiava dele. 99Formado em engenharia, Gentil Tristão Norberto veio para o Acre em 1900, fazendo parte da famosa ―expedição Floriano Peixoto‖, patrocinado pelo governo do Amazonas para dar combate aos bolivianos. 96No

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movimento insurrecional com o qual o governo não transigirá‖ (ibidem, p. 170). Esta questão só chegou ao fim na primeira semana de setembro, quando o movimento foi sufocado pela Força Policial Federal, que no início tinha dado apoio aos chamados autonomistas. Mais uma vez, a força se sobrepôs ao consenso e a fugaz autonomia, sem alicerces sólidos, ruiu ao primeiro confronto. Ruiu porque, do ponto de vista econômico, estava causando um enorme prejuízo ao comércio local e regional pela interrupção da comercialização da borracha. Pelo viés político, causava intranqüilidade ao governo federal, que não poderia acatar movimentos de cizânia que colocassem em xeque sua autoridade. Pouco tempo depois, o exemplo vindo do Alto Juruá reaparece no Alto Purús, cuja sede era a cidade de Sena Madureira. Em 1912 cerca de 350 pessoas, segundo relatos da época, se insurgiram contra o prefeito Tristão de Araripe, incendiaram a prefeitura, depuseram-no e proclamaram o Estado Livre do Acre. A insurgência contra a municipalidade foi deflagrada pelos ―coronéis‖ e homens de poder da localidade, que forneceram todo apoio logístico para tal intento, mas o movimento logo foi sufocado e os insurretos foram obrigados a se refugiarem no seringal Oriente100. Este embate terminou com dois soldados mortos, um tenente e nove soldados feridos (Barros, 1981, p. 71). Mais uma vez, as aspirações autonomistas, isoladas e esparsas, foram reprimidas e momentaneamente controladas. Com estes acontecimentos, a questão acreana ganha cada vez mais amplitude. No âmbito legislativo, em 1921, o deputado amazonense Aristides Rocha apresentou um Projeto na Câmara Federal, onde visava anexar o Acre ao Amazonas. O deputado Juvenal Antunes, do Rio Grande do Norte, apresentou parecer favorável ao referido Projeto. É o estopim para a fundação em 17 de novembro daquele ano da Liga contra a anexação do Acre101, composta pelos chamados homens de bens e dignos representante das classes ―conservadoras‖, como se auto-denominavam. Frente a esta oposição, o referido Projeto não foi adiante. Este procedimento reforça mais ainda a idéia de que o governo federal não queria abrir mão do controle sobre o Território do Acre, dando lhe a autonomia.

100A

Gazeta do Purús, 1981. primeira reunião ocorreu no Cine Éden e tinha como participantes os membros do PRAF e do PEA. A Capital, nº 16, p. 01, 27/11/21. 101A

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No ano de 1927, em um artigo intitulado ―Pró-alforria‖ e assinado pelo Juiz de Direito Giovanni Costa, a questão autonomista foi mais uma vez colocada em evidência. Dentre outras coisas, ele afirmava nos seguintes termos: ―somos cerca de 100 mil brasileiros sem direitos políticos, sem dispor de nossas rendas, lutando com toda sorte de agressividades, atrophiados pela indifferença da união, reduzidos a mera condição de colonos na própria pátria. Nunca tivemos a gestão de nosso bens, organização agrícola, formação industrial, estímulo para applicação das nossas atividades; pelo contrário, temos sido sempre um povo infelicitado pelas imposições do governo central, impingindonos governantes, sem capacidade econômica e social, sem amor pelos irmãos na raça‖102.

Um ano depois, no dia 08 de julho, foi organizado no Rio de Janeiro o Comitê Pró-autonomia do Acre, sendo eleita na ocasião a primeira diretoria cujo presidente era Octávio Steiner, que tinha como vice Paulino Pedreira. Os demais membros da direção eram Pedro Timótheo, Povoas de Siqueira, Laudelino Benigno 103 e Clodoveu Gadelha.104 Todos eles considerados personalidades do meio político-social acreano, embora morassem na Capital Federal. Mas, nem todos sem colocavam como defensores do intento autonomista de forma contundente. Em seu relatório de governo 105, apresentado ao Ministro da Justiça, Augusto Vianna do Castello, o governador Hugo Carneiro (27/30) afirma que a questão da autonomia não era oportuna, pois só uma diminuta parte dos habitantes acreanos aspirava tal intento e que ―a maioria não está preparada para recebê-la e exercitá-la‖. No entanto, em seu relatório ele advoga que sejam dados para acreanos os mesmos direitos políticos que ao restante dos brasileiros: o voto para elegerem os seus representantes legislativos federais e escolherem o presidente e o vice-presidente da república.

102Folha

do Acre, nº 565, p.01, 27/03/27. interino, vide em Apêndices. 104―Comitê pró-autonomia‖. Folha do Acre, n° 642, 12/07/28. 105―Governo do Território do Acre‖, (1930, pp. 126/134). 103Ex-governador

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Ironicamente, ele foi o primeiro parlamentar do Acre no Congresso Nacional, representando a facção política Legião Autonomista Acreana. Embora fosse advogado, Hugo Carneiro não encarava a figura do Território Federal como algo inconstitucional ou extra-constitucional, como muitos à época viam a questão. Para ele, ―a organização política do Acre tem sido e continua a ser uma instituição tutelar e de estágio, pela qual se vae preparando a formação de um futuro Estado autonômo na grande pátria commum‖ (ibidem, p. 128). Sua justificativa era eminentemente política, em consonância direta com a postura do governo federal. Como chefe do executivo designado pelo poder central, seu discurso não poderia ser diferente. Era natural que todo e qualquer governador estivesse afinado com os ordenamentos vindo da capital federal, a quem deviam prestar contas do cargo que exerciam e gratidão política. Este ponto de vista se opondo à criação do Estado do Acre, Hugo Carneiro manteve muito tempo depois. Em 1958, ao conceder entrevista ao jornal carioca O Globo106, o mesmo defende a manutenção do instituto do Território e faz criticas ao Projeto de Guiomard Santos, acusa-o ainda de pretender ser senador com a criação do Estado. Além destas questões colocadas anteriormente, no seu entender a criação do Estado do Acre serviria antes de tudo, para benefício político do seu autor. Mas recuando um pouco no tempo, um limitante às pretensões autonomistas se deu com um entrave jurídico criado em 1934, quando foi aprovada a nova Constituição Federal. Versava a Carta em seu artigo 16, parágrafo 1°, que para ser eregido a Estado, o Território Federal teria que ter no mínimo 300 mil habitantes e recursos suficientes para manutenção dos seus serviços públicos107. Um duro golpe aos propósitos autonomistas, pois o Acre tinha menos de um terço da população mínima exigida. Passou ainda, ter taxas decrescentes de crescimento demográfico (vide em Apêndices, Tabela III), provocadas pela crise no volume produtivo da borracha amazônica e a derrocada do seu preço no mercado internacional, produto este que sempre foi o principal elemento impulsionador da economia local e o atrativo que fixou as bases colonizadoras da região acreana. Com a crise extrativista dos anos 20 e 30, conseqüentemente, a dependência dos recursos repassados pela União se agravou ainda mais. Um alento fugaz à crise da

106Apud

Bezerra (1992, p. 197). parágrafo terceiro, deste mesmo artigo, denominava constitucionalmente a figura do governador do Território de ―Delegado da União‖. 107O

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borracha foi o advento da Segunda Guerra Mundial, ao permitir que a Amazônia, — e o Acre em especial —, adquirissem por razões estratégicas uma importância impar, após o domínio dos países do Eixo sobre os seringais de cultivo da Ásia. Desta forma, o Brasil e os EUA pactuam os famosos ―Acordos de Washington‖, que visavam acima de tudo a produção de borracha para atender a demanda dos países aliados no conflito. Novamente vêm para Amazônia uma leva nordestinos trabalhar como ―soldados da borracha‖ nos declinantes seringais nativos nortistas (Martinello, 1988). Com o fim da Segunda Guerra, as pressões locais frente ao governo federal sobre ―a questão acreana‖ surgem novamente como assunto primordial. O setor do comércio, — que sempre foi um elemento importante na economia acreana —, em meados dos anos 50, também se manifestou no intento de requerer ao presidente da república um governador autóctone, não no sentido de nascimento; mas que residisse e não fosse uma pessoa estranha às hostes locais. Em uma carta enviada em 1953 ao presidente Getúlio Vargas, a Associação Comercial do Acre reforça esta tese ao afirmar ser que ―o referido governador seja escolhido entre os homens aqui radicados para atender um pedido justo e um apelo angustioso‖108. As vozes contrárias, embora em menor número e com menor intensidade e eco, também se manifestavam em âmbito local e nacional. Em Rio Branco, no final de 1960 o jornalista Foch Jardim, do jornal O Liberal, defendia em editorial a inconveniência da tese autonomista ao afirmar que ―somos de opinião que na atual conjuntura política e econômica do Acre, governador a ser nomeado pelo presidente da República deverá ser um estranho ao nosso meio e pessoa de inteira confiança, para que possa haver modificações na máquina administrativa, para que possa ser consertada muita coisa errada, o que qualquer pessoa ligada ao Acre não fará por questões de ordem política e social‖109.

108―Pede

a Associação Comercial do Acre‖. O Acre, n° 1118, p.01, 26/04/53. Liberal, datado de 24/12/60. Era um semanário irregular auto-intitulado ―um jornal em defesa dos interesses populares‖ e que fazia oposição a Guiomard Santos. Foch Jardim era militante da UDN e por ―coincidência‖ Jânio Quadros assumiria a presidência da República alguns dias depois. 109O

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De acordo com esse jornalista udenista, por mais paradoxal que possa parecer — já que todos governadores anteriores eram forâneos — somente um governador com total desvinculação com as questões políticas locais poderia romper com uma ordem de coisas que foi construída ao longo dos anos, por esses mesmos governadores em consonância com grupos locais. Para mudar, era preciso continuar aquele modelo. Naquela conjuntura, talvez um udenista de inteira confiança de Jânio Quadros, recém eleito presidente. Na mesma época, em Cruzeiro do Sul, o jornal O Juruá110 reproduziu uma reportagem originária do jornal carioca Tribuna da Imprensa cujo título era: ―porque ainda é cedo para o Acre ser Estado‖. Mas divergia deste em alguns pontos do referido artigo, principalmente no tocante a honestidade dos ex-governantes vindos para o Acre, pois segundo a Tribuna ―era difícil apontar qual governador menos roubou‖ e ainda, ―as verbas que o governo federal enviava para o Acre nunca chegavam lá‖. O Acre era para o Diário de Noticias, um outro jornal carioca, retratado como ―um Marrocos mal disfarçado‖, talvez para fazer alusão ao aspecto colonizador e tendo no Acre uma situação semelhante111 com a existência de governos intermitentes, quase rotativos e, vindos de fora. Em editorial, o jornal O Juruá concordava com a tese da inconveniência do Acre ser elevado a Estado, pois segundo sua avaliação não haviam ainda condições para alcançar tal objetivo se não fosse modificada a forma de administração territorial. De acordo com o artigo, o Acre deveria ser dividido 112 em dois governos regionais devido as suas peculiaridades geográficas: Bacia do Juruá–Tarauacá e Bacia do Acre– Purús. Administrativamente os juruaenses requeriam uma atenção maior, sentiam-se diminuídos em relação ao Vale do Acre–Purús, região mais beneficiada devido facilidade de acesso e por ser a sede do governo territorial. Preconizavam que ao se bipartir administrativamente o Acre, cada Departamento teria dois municípios com seus respectivos prefeitos e Câmara de vereadores, e o Território passaria a ter representantes nas duas casas do Congresso Nacional. Defendiam que todos os cargos administrativos fossem preenchidos a critério 110O

Juruá foi fundado no ano de 1953 em Cruzeiro do Sul. Seu proprietário era João Mariano da Silva. Na Tribuna da Imprensa a matéria foi publicada dia 10/04/61 e n’ O Juruá dia 28/06/61, n° 116, pp. 01/03/04. 111Diário de Noticias, 28/03/56. 112Esta proposta tardia soava como café requentado. Em 24 de maio de 1927, o coronel Mâncio Lima, então Intendente de Cruzeiro do Sul (1927/1934), envia telegramas ao Senado e à Câmara Federal, pedindo a

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do Ministério da Justiça, com pessoas residentes há pelo menos dois anos no Acre e, após decorridos dois anos da implementação desse sistema, os Departamentos se tornariam Estados federados da República brasileira (Barros, 1981). Como se percebe, não houve interesse nenhum da União de atender tal proposta. Em Cruzeiro do Sul, um sujeito chamado Aluísio de Carvalho e alcunhado de Lulu Parola113, fez em forma de versos nas páginas de O Cruzeiro do Sul114 uma crítica ao intento da autonomia. Dizia o seguinte, o verso Cantando e Rindo: ―Não sei como é que vão reorganizar O Território do Acre tão falado Há vontade autônomo o tornar? Querem fazê-lo Estado? Dar-lhe assento na câmara e no senado Por si mesmo, fazer-se governar? Se é isso: oh! Território celebrado, Que presente de grego vão te dar! Não queiras não! Prefere essa tutela em que estás, da união!‖115 Soberania hoje é muito melhor passar sem ela. Sim! Que mal sabes tu, Acre inocente Quanto custa hoje em dia Viver qualquer Estado.... independente!‖

No tom hilário e gozador do autor destes versos, percebe-se que a discussão autonomista era também vista com ressalvas, principalmente pelas obrigações constitucionais que ela trazia embutida, caso acontecesse. Mas, uma questão que sempre vinha à tona para os autonomistas cruzeirenses era optar entre Estado ou Território, e como promover a integração entre os dois vales distintos que eram separados por dificuldades geográficas imensuráveis. Por isso, no Alto Juruá sempre vingou e veio à divisão do Acre em duas administrações (Alto Tarauacá e Alto Juruá/Alto Acre e Alto Purús). 113 Parola vem do verbo parolar e significa sujeito falastrão, tagarela. 114Órgão oficial do Departamento do Alto Juruá, criado na administração do marechal Gregório Thaumaturgo de Azevedo. Circulou entre os anos de 1906 e 1918. 115In Barros (1982, p. 72). O autor do livro não faz referência à data de publicação no jornal O Cruzeiro do Sul,

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tona a possibilidade de separação em relação ao restante do Acre. Esta propalada e necessária integração não era uma novidade naquela época de acontecimento insurretos que explicitei anteriormente. Euclides da Cunha (1998), quando empreendeu viagem de reconhecimento à região acreana em 1906, ressaltava este aspecto limitante entre as duas regiões. Como engenheiro que era, propõe a construção de uma estrada de ferro, chamada Transacreana116, que ligaria os Vales do Juruá e do Acre-Purús entre si. Serviria no seu entender como uma via auxiliar aos rios da Amazônia Ocidental, cortando-os de forma transversal e reduzindo a viagem entre Cruzeiro do Sul e Rio Branco para apenas um dia. Já que pelo deslocamento fluvial, era necessário um mês de navegação para ir de Tarauacá à Rio Branco, percorrendo quase sete mil quilômetros de águas. Era preciso para isso encampar uma verdadeira odisséia, descendo o rio Tarauacá até entrar no rio Juruá, depois sair no Solimões baixá-lo até encontrar as águas do Purús em viagem até a foz do rio Acre e subir para Rio Branco (Tocantins, 1998). Era a natureza imprimindo seu ritmo e suas dificuldades aos homens 117. Sem cair em determinismos geográficos, sou tentado a concordar que o tempo nestas paragens se exacerba e adquire contornos próprios, a geografia se apresenta adversa ao homem em todo instante. O tempo geográfico braudeliano parece ser vivido cotidianamente. Os rios sinuosos eram e ainda são as medidas de distâncias das viagens que ligam locais isolados pela floresta, onde para os ―intrusos impertinentes‖ de Euclides da Cunha, a forma mais usual de percorrer a distância entre dois pontos não é seguindo uma reta, mas através das curvas dos rios.

2.2 – Os embates em torno do Projeto autonomista de Guiomard Santos.

A luta pela integração e emancipação acreana, se origina nos primeiros anos do século XX, depois se implementa dispersa e fragmentada em movimentos isolados nos Departamentos do território. Só tardiamente parece interessar aos representantes do certamente ocorreu após a revolta do Juruá, provavelmente entre os anos 1912 e 1915. 116Pelos cálculos de Euclides da Cunha a estrada teria 29.040.000m² (726 mil metros de extensão com 40 metros de largura) com um custo aproximado de 1:1:452.000$000. Cunha (1998, p. 133). 117Para Euclides da Cunha, o homem amazônida “é um intruso impertinente. Chegou sem ser esperado e querido –

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Acre na Câmara Federal. É somente no final de 1950 que o ex-governador Guiomard Santos, num tino de oportunismo político, adota para si a bandeira da elevação do Acre a Estado e tenta capitalizar o êxito desta empreitada a seu favor no campo político local. É dele a autoria do Projeto de Lei n°2654/57, que originou a ―emancipação política‖ do Acre. Este Projeto foi apresentado em 1957, tendo sido aprovado e sancionado em 15 de junho 1962 por força do Decreto n° 4070/62, após discussões acaloradas no Acre e no Congresso Nacional. Mas a gênese deste Projeto pode ser encontrada em um discurso proferido pelo então deputado federal Guiomard Santos, no dia 17 de novembro de 1953, em alusão ao cinqüentenário do Tratado de Petrópolis 118. Isto demonstra que na maioria das vezes, uma mudança para se realizar necessita produzir no imaginário coletivo algo que encontra no passado as bases de sua coerência ou justificativa. Assim, se meio século antes o Acre se tornara brasileiro, agora precisava deixar o estatuto de Território e se igualar às demais unidades federativas. Nesse discurso, recheado com apartes de apoio, o ex-governador defende a criação de um Território Federal Independente. Território porque, segundo ele, não podia o Acre abrir mão das verbas federais que lhes sustentavam. Independente, porque deveria ter os mesmos direitos políticos que os outros Estados da União. No plano político, isto daria ao Acre o direito de eleger seu governador e dispor de uma Assembléia Legislativa, três senadores e sete deputados federais no Congresso Nacional, todos escolhidos de forma direta pelos acreanos. Mais tarde, ao apresentar seu Projeto de Lei, Guiomard Santos passa a defender a idéia de um Estado federado à nação brasileira e afirma em defesa de seu intento, que o Território não possibilita um caminho para a democracia e sim, ―conduz a fórmulas totalitárias‖ e que o fato do governador não depender do povo, ―tudo estimula a prepotência e a arbitrariedade‖ 119. É em cima de um discurso prometendo novos horizontes para o Acre, que Guiomard Santos consegue arrebatar na mesma intensidade apoiadores e críticos ao seu Projeto. Dentre os críticos, alguns correligionários seus como João Mariano — ligado a Associação Rural e dono do jornal O Juruá —, residente em Cruzeiro do Sul e que através de algumas cartas enviadas120 ao próprio Guiomard Santos explica o porquê quando a natureza ainda estava arrumando o seu luxuoso e vasto salão” (idem, p. 66). 118Bezerra {(coord.) 1993, p. 50}. 119O Jornal, 10/02/57. 120Datada de 03/03/57, apud Bezerra, 1992, p. 77.

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de sua oposição ao Projeto. Para João Mariano, Guiomard Santos deveria insistir na saída mais sensata para aquele momento: elevar a região do Acre-Purús a Estado e que o Juruá em separado formasse um outro Território. Para sustentar sua opinião, afirma textualmente: ―seria oportuno que se fizesse o Território do Juruá, uma vez que nossa condição não nos permite continuar unificados a Rio Branco, nem como Estado, nem como Território‖. Em Cruzeiro do Sul esta concepção também foi adotada pela Associação Comercial do Juruá, Associação dos Seringalistas, Centro Operário e Associação Rural, que criam em 1957 o Comitê Pró Território do Juruá para rivalizar com o Comitê Pró Autonomia do Acre, este último ligado à defesa do Projeto de Guiomard Santos. Os juruaenses inclusive, mandam uma carta ao presidente da República e outra ao relator do Projeto na Comissão de Constituição e Justiça, deputado Tarso Dutra. Ambas as cartas121, com o mesmo teor e, intituladas ―Memorial das classes conservadoras do Juruá Federal‖, estavam assinadas pelos presidentes122 das organizações classistas e patronais acima citadas, onde estes expressavam suas preocupações com a possível autonomia acreana e dos problemas advindos dela. Os comerciantes e seringalistas, tanto do vale do Acre quanto do Juruá tinham um receio em comum, que fazia sua grande maioria ser contra ou ver com certa desconfiança a possibilidade do Acre ser elevado a categoria de Estado. Este receio era em relação a um possível aumento dos impostos sobre as mercadorias que comercializavam e sobre a industria extrativa da borracha. Em um evento ocorrido em Rio Branco, patrocinado através da Associações Comercial e Associação dos Seringalistas, que reuniu os dois grandes opositores políticos — Guiomard Santos e Oscar Passos, — isto fica patente quando os dois grupos patronais manifestam suas preocupações diante de ambos deputados. O próprio presidente da Associação Comercial, Abrahim Isper Júnior, ao abrir a solenidade ressaltava que

―o grande medo são os impostos que fatalmente surgirão com a transformação do nosso Território em Estado. Medo também da 121Datadas

de 30/04/57, apud Bezerra, 1992, pp. 148/150. Borges de Paiva - Centro Operário; Raimundo Quirino Nobre – Associação Comercial; Moacir Rodrigues – Associação Comercial e João Mariano – Associação Rural. 122Manoel

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burocracia, de uma máquina estatal que trará para aqui Alfândega, Ministério do Trabalho, Delegacia do Imposto de Renda, Capitania dos Portos, Instituto de Previdência Social, Sindicatos e quanta coisa mais que das vezes dificulta, embaraça e por demais aperreia os homens que querem liberdade de trabalho, liberdade de ação‖123.

Como fica evidente nesta fala, o maior temor para a maioria dos comerciantes e seringalistas era que o Estado traria novos ordenamentos fiscais e jurídicos através de órgãos reguladores e burocráticos. Isto iria alterar de sobremaneira toda estrutura na qual se assentavam os procedimentos comerciais e as relações de trabalho não formalizadas em contrato. Além da diminuição da suas margem de lucros, bem como a possibilidade de uma fiscalização sobre suas atividades econômicas, que durante longo tempo permaneceram ao largo de qualquer injunção estatal de caráter regulatório. Liberdade era ficar livre de qualquer ingerência do poder público que pudesse ―prejudicar‖ seus negócios. Quando a palavra é passada ao deputado Guiomard Santos, ele afirma categoricamente: ―tenho a coragem de defender de público o imposto. Há quem queira passar por cima do assunto‖. Era indubitavelmente uma alfinetada indireta ao deputado Oscar Passos, seu ―inimigo‖ fidalgal, que se encontrava presente. E complementa tentando acalmar os ―intranqüilos‖ homens de negócios: ―não vou enganar o povo dizendo que não haverá imposto. Haverá, mas certamente pequeno e não será para já, mas para quando for possível, para quando se puder taxar‖ e de forma direta se dirige a platéia dos ―homens de bem‖ e representantes das ―classes conservadoras‖, continuando o seu discurso nos seguintes termos: ―afirmo aos seringalistas: quem vai pagar o imposto não é o seringalista acreano, e sim quem consome, quem compra a borracha.(...) Não creio, seringalistas e comerciantes, que numa hora em que o Acre deseja ser progressista, deseja

123

Este debate aconteceu no ano de 1957, não sabemos precisar o dia. Apud Bezerra (1992, pp. 290/291).

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avançar, que vossas senhorias, por medo, por carrancismo124, não queiram colaborar com o Estado do Acre. Não quero acreditar que nenhum acreano, em sã consciência, diga ‗não pago, porque só quero viver para minha família‘, quando devia dizer: ‗pago, com prazer, porque posso pagar, porque estou ganhando mais e, por conseguinte, devo um tributo também ao povo e à coletividade‘‖125

O discurso de Guiomard Santos deixa claro que na sua visão, a permanência do estatuto do Território, bem como aqueles que se colocavam contra seu Projeto, estavam presos e situados a um passado superado. Era agora momento de uma nova etapa para o Acre, de novos horizontes, um caminho rumo ao ―progresso‖ e para isso, era necessário a negação da velha ordem que claudicava. Guiomard Santos parece apelar para um fraternalismo e um espírito público dos comerciantes, em torno do seu Projeto, que talvez nem ele acreditasse ser possível angariar. Oscar Passos por sua vez, utilizava como justificativa em sua oposição ao Projeto de Guiomard Santos, o subterfúgio de que o Acre não tinha recursos econômicos para caminhar em direção a uma autonomia nos moldes que seu opositor desejava. Com isso, ele procurava granjear para si o apoio dos seringalistas e comerciantes acreanos, que nas suas palavras ―desde muito há essa mania de perseguir esses homens sem os quais o Acre não seria nada‖126. Mas ressalvava que não era um opositor da autonomia acreana e sim, contra a proposta de Guiomard Santos. Na sua contradita, dizia ele em tom indagativo: ―que vantagem advirá da imediata autonomia do Acre? Positivamente nenhuma. Vantagens terão os mandões atuais, que tudo farão para se manter no poder e sugar mais e mais a anemia (sic) da economia acreana‖. Nestas duas falas percebe-se que embora ambos façam a defesa dos seus pontos de vista, também procuram deixar margem para relativizar os pontos mais polêmicos. Há uma certa dubiedade para não desagradar pôr completo os ânimos inquietos de uma platéia tão especial.

124Apego

ao passado. ibidem, pp. 313/320. 126Idem, ibidem, p. 344. 125Idem,

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Excetuando a oposição mais ferrenha dos membros do Partido Autonomista do Juruá - PAJ, na verdade, a elevação do Acre a Estado era algo que todos concordavam. Mas esta era obstaculizada por interesses pessoais e de grupos: os comerciantes e seringalistas devido o medo de sentirem no próprio bolso uma sensível avaria nos seus lucros e uma mudança em torno das relações de trabalho que se encontravam baseadas em um certo tradicionalismo 127; a turma do PTB liderada por Oscar Passos, porque se opor ao PSD e a Guiomard Santos significava acima de tudo sobrevivência política e a manutenção de uma aura de confronto perante parte da população. Assim, as oposições estavam pautadas em interesses imediatistas e pragmáticos, jamais ideológicos. Para ilustrar, de antemão, destaco quase na integra, um artigo do deputado Guiomard Santos que considero bastante relevante. Importante acima de tudo pelos aspectos, abordados pelo seu autor, a respeito de como ele via o Acre nas suas diversas variantes, principalmente em relação a hegemonia plena do poder público. Afirma ele em seu texto intitulado o Estado Socialista do Acre, que ―o governo é tudo; é infelizmente, o dono de tudo. Eis, pois, um pequeno Estado socialista. A telha, o cimento, os caminhões são do governo. Todos os estabelecimentos de instrução são do governo. Todos os trabalhadores da cidade ganham pelo governo. Quem não trabalha nas obras do governo, é funcionário do governo, que detém assim, todos os empregos, quase sem exceção. Acrescentemos o avião, a Guarda Territorial, os médicos, os dentistas, os agrônomos, os mecânicos, os choferes, os eletricistas, os carpinteiros, os pedreiros, os pintores, os encanadores, etc. tudo está engrenado ou depende do governo.

Relevando um pouco o tom hiperbólico do seu texto, de certa maneira, era isso o que acontecia. Existia no Território do Acre um poder público que abarcava quase todas as dimensões da existência social, constituído-se em uma seara privilegiada

127O

uso deste termo remete a Weber (1998). Para ele, a dominação tradicional ocorre quando a legitimidade repousa nos poderes senhoriais em virtude de regras tradicionais não inclusas em estatutos universalizantes, impessoais e abstratos. Neste caso, não existe a figura do ―funcionário‖, mas do ―servidor‖ (idem, p. 148).

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para a manutenção de interesses restritos a grupos reduzidos de pessoas, que amealhavam todas as vantagens e prerrogativas que este modelo possibilitava. É substancial aqui aludir, de modo paralelo e comparativamente, à uma passagem em que Marx (1997) comenta algo similar sobre o mesmo fato, acerca da nação francesa em meados do século XIX. Diz ele que lá ―o poder executivo controla um exército de funcionários e portanto mantém uma imensa massa de interesses e de existências na mais absoluta dependência, onde o Estado, enfeixa, controla, regula, superintende e tutela a sociedade civil desde suas mais amplas manifestações de vida‖ (idem, p. 66). Sem cair em anacronismos, era isso que ocorria no Acre comentado por Guiomard Santos em seu artigo. Ao fazer esta constatação tardia, talvez Guiomard Santos não quisesse destruir esse modelo que o beneficiava politicamente, mas reduzi-lo à esfera do essencial, de uma pretensa res publica palidamente liberal, sem destruir estruturalmente a galinha dos ovos de ouro que era a máquina executiva estatal. Liberar o poder público do fardo de ter que se ater com tudo e todos. Parecia querer que o Estado passasse a se preocupar com as suas funções básicas enquanto tal, porque

―o povo está de fato convencido que o governo é para guardar, cuidar, limpar, curar, dar, melhorar, resolver ou salvar tudo! E sozinho! Uma letra protestada, uma desavença entre amigos, alguém que ficou sem casa, um pobre que não encontra comida, uma tábua que faltou na construção particular, uma viagem imprevista por motivo de saúde, enfim até uma carta que desgostou o seu destinatário, qualquer coisa assim pode originar consultas a sua excelência o mais atribulado dos governadores, o governador designado da União no Território Federal do Acre.

Mas como já foi ressaltado, era assim que os governadores territoriais comandavam o poder local. Exorbitavam nas suas funções ao agirem através de uma rede variada de compromissos que assumiam diante de seus apadrinhados. Por isso o executivo parecia, para todos, ser apto a resolver os interesses mais comezinhos, ser

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capaz de delegar, mandar, manter e concentrar para si as ações mais elementares de regulamentação do cotidiano. Essa capacidade exacerbada de atos do chefe executivo era oriunda do modelo de governo territorial implantado décadas antes: um poder executivo forte, sem o elemento legislativo presente e um sistema judiciário deficiente, geralmente atrelado ao primeiro. Expressado ainda no fato do chefe executivo ser uma escolha do presidente da República e que só a ele prestava conta dos seus atos. A sua lealdade era mais significativa com os interesses da União do que com os governados e com a unidade federativa. Junto a isso, os órgãos federais instalados no Acre Territorial foram desde o início transformados em agências de empregos, de locus para a troca de favores políticos e econômicos. Tudo bem articulado, contando com o beneplácito do governo federal e das oligarquias locais. Depois de já ter sido governador e ocupando uma cadeira no parlamento federal, Guiomard Santos reconhece tardiamente que o modelo implantado em 1921 era de um ―Estado árbitro, o Estado intervencionista, coordenando e burocratizando a sociedade, a economia, as finanças e a vida material do Território. Sistema patriarcal com suas pequenas vantagens e as suas grandes desvantagens de carregar o peso monstruoso de todos os interesses particulares e particularistas. Do lado de fora restam apenas uma dúzia de seringalistas – comerciantes e a massa de seringueiros párias. Estes são compradores forçados de seus patrões, assim como os patrões se acham algemados aos bancos e as casas aviadoras. Do panorama acima deduzem-se os malefícios de semelhante estado de coisas. Todas as pessoas que vieram para o Acre, desde o seringueiro aos governadores e magistrados traziam a idéia de voltarem aos seus estados no mais curto espaço de tempo‖128.

O emprego público era a vocação de todos e o Estado o elemento que possibilitava essa realização. Este discurso contém um elemento central, que o explica 128―O

Estado socialista do Acre‖. O Rebate, n° 1011, pp. 02/04. 18/05/52.

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parcialmente: a partir da decadência do modelo extrativista, grupos hegemônicos da economia acreana, tanto empresários seringalistas quanto os grandes comerciantes urbanos, inclinam-se em influir diretamente na máquina estatal. Passam a ver este espaço como um locus privilegiado para manutenção dos seus negócios e imprimem um direcionamento que passou a visar o poder político como garantidor de interesses particularistas. Isso nos leva a concordar, que no Acre ocorreu também o caso clássico em que ―a partir da decadência econômica de seus empreendimentos, a elite local inclina-se por substituir as externalidades econômicas por externalidades políticas‖ (Souza, 1999, p. 68). Ao se adotar essa prática, ficava explícito que o importante era continuar expressando a distinção e o poder, seja no âmbito privado ou público; que no caso acreano, não estava claro onde terminava um e começava o outro. Antes, a máquina pública estava em um patamar secundarizado em relação ao modelo econômico, depois gradativamente passa a ser o inverso que interessa: os próceres do modelo econômico, baseado no comércio capenga e no extrativismo decadente, passam a ver no Estado uma arena crucial que daria possibilidade de sobrevivência de seus negócios, poder e status. O concreto é que a organização do aparato público e do aparelho de Estado, não era universalista nos seus procedimentos, nem meritocrático na arregimentação dos servidores. Por não existir concurso público, predominava o esquema de conexões políticas em detrimento à competência, o Título e o saber. Era um modelo acima de tudo com fortes cores clientelistas, baseado no compadrio e nos interesses das oligarquias — internas e externas — que o comandavam.

2.3 - Guiomard Santos versus Oscar Passos: apogeu do poder personalista e do clientelismo político.

Durante cerca de duas décadas (40/60), estes dois personagens que militavam em campos partidários opostos, irão monopolizar a vida política acreana. Tanto Oscar Passos como Guiomard Santos, foram primeiramente governadores nomeados do Território do Acre, depois passaram a dedicar-se ao parlamento federal e se tornaram-se as principais lideranças de seus partidos — respectivamente PTB e PSD —, sendo que, em torno de ambos tudo e todos gravitavam. Enquanto estiveram em

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cena, procuraram monopolizar as indicações dos principais cargos federais, inclusive influenciando na escolha dos governadores indicados para o Acre neste período. Personalizaram em suas pessoas as vantagens do poder, mantendo sobre controle os seus apadrinhados subalternos, todos inseridos em uma rede de relações fisiológicas e clientelistas, explicitadas nos recursos estatais. Para Edson Nunes (1997), em um estudo singular sobre esta temática, o clientelismo é um processo de troca de favores que impregna as instituições formais do Estado, através de uma burocracia que opera este sistema de trocas e que suplanta o sistema partidário, colocando-o em posição secundária (idem, p. 33). No Acre, esses homens estavam acima dos partidos e estes, a serviço de seus intentos políticos, que se confundiam ao ponto de não se separar os interesses públicos dos privados. Em períodos eleitorais, as disputas eleitorais entre Guiomard Santos e Oscar Passos eram sempre acirradas e com acusações de ambas as partes dando o tom. Em 1954, quando ocorreram a eleições para a escolha dos dois únicos representantes acreanos para a Câmara Federal, eles lançam-se candidatos pelos seus respectivos partidos. Oscar Passos (PTB) concorre em uma chapa tríplice, que era complementada por Ruy Lino (PTB) e Adalberto Sena (UDN). Guiomard Santos, do PSD, encabeça a chapa Coligação Democrática Acreana, tendo ainda como candidatos — apenas para lhe ―puxar votos‖ — Manoel Fontenele de Castro (PSP) e frei Peregrino Carneiro (PDC), o primeiro tenente-coronel e o outro ligado a Igreja Católica. Aliança nada inusitada em se tratando da política brasileira. Em um dos panfletos de propaganda da chapa, publicado no jornal O Rebate, estava estampado: ―o comunismo lutará e empregará todas as forças para impedir a nossa eleição. Eleitor acreano, pensa na tua família, no futuro dos teus filhos, na tranquilidade do teu lar, votando nos candidatos que acima de tudo obedecem o lema: Deus e família"129. Em um outro panfleto, estampado no mesmo jornal e na mesma data, lia-se: ―empunhando em uma mão a arma branca do voto e na outra a cruz de cristo, haveremos de expurgar de uma vez por todas a horda vermelha‖ 130. Estes slogans visavam minar a candidatura de Oscar Passos, ligado a PTB, partido cujo o epíteto à época era de ter em seus quadros partidários do ―credo comunista‖, um bom

129O

Rebate, nº117, p. 01.

130Idem.

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elemento naquele período para tentar colocar adversários em descrédito. Oscar Passos era acusado ainda de ser favorável ao divórcio, tese combatida principalmente por grupos conservadores e pela Igreja Católica através do jornal ―Mensageiro cristão‖. Com as eleições finalizadas, mais uma vez estavam eleitos Guiomard Santos e Oscar Passos131. Mas os acordos entre os dois grupos políticos132 também eram comuns, principalmente quando era para conformar certos arranjos políticos que beneficiavam um e outro. Em 1953, o PSD e o PTB pactuam um acordo amplo que visava a nomeação do novo governador que substituiria João Kubitschek, que pedira exoneração do cargo. O próprio presidente do PTB acreano, Wagner Eleutério, em entrevista 133 confirmou de forma detalhada as bases dessa combinação, que estava estruturada da seguinte maneira: o PSD indicaria o governador 134 e teria ainda ao seu dispor os Departamentos de Obras e Viação, Educação e Cultura, Produção, Chefia do Gabinete e as prefeituras de Cruzeiro do Sul, Tarauacá e Brasiléia. Com a partilha acertada em comum acordo, coube ao PTB a Secretaria Geral, os Departamentos de Saúde, Administração, Geografia e Estatística e ainda, as prefeituras de Rio Branco, Feijó, Xapuri e Sena Madureira. Era a explicitação do chamado ―Estado de compromisso‖ originado no Brasil a partir do período Vargas, caracterizado pelo fato de nenhum ator ou facção política ter uma supremacia clara sobre os outros e não poder sobreviver isoladamente e sem dispor da corretagem estatal (Nunes, 1997, p. 26). Desta forma, constituía-se um círculo fechado e restrito, que embora marcado por contradições internas, se mantinha no poder através de acordos e compromissos. Após aparar as arestas e feito os acertos locais, era a vez de Guiomard Santos e Oscar Passos usarem de suas influências e bom trânsito junto ao MJNI para a concretização daquilo que beneficiava além de ambos, os dois maiores grupos políticos 131Pela

chapa de Guiomard Santos, este obteve 4.178 votos, frei Peregrino 1.185 e o coronel Fontenele 1.755. Já Oscar Passos teve 3.998 votos, Adalberto Sena 1.174 e Ruy Lino 234. Votaram ao todo 12. 551 eleitores. O Juruá, ano 02, n° 35, p. 03, 01/01/55. 132Em âmbito nacional também ocorriam acordos semelhantes entre esses partidos. Nunes (1997) ao analisar o governo de Juscelino Kubitschek neste mesmo período afirma que: “João Goulart (vice-presidente) controlava a política trabalhista através do Ministério do Trabalho e de uma rede corporativista que unia sindicatos, institutos de previdência social. O PSD controlava outras redes clientelistas na administração, através de ministérios como Viação e Obras Públicas, Justiça, Agricultura e Fazenda” (p. 109). 133―Acordo amplo‖. O Acre, nº 1119. P. 01, 03/05/53. 134O PSD indicou o nome do major Adolfo Barbosa Leite, como segunda opção tinha o do coronel Manoel Fontenele de Castro. Getúlio Vargas acabou indicando Abel Pinheiro para o cargo (vide em Apêndices,

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do Acre que estavam sob seus domínios. O próprio Guiomard Santos comentou de forma clara este conluio político ao dizer que ―fez-se apenas um esquema interpartidário visando os cargos em comissão‖135. Afirmava ainda de maneira incisiva que o esquema ―não envolve compromissos eleitorais futuros (...) mas reforça muito a autoridade dos partidos e o nobre gesto do governador (indicado por eles!) em conceder aos partidos de expressão eleitoral no Território, o direito natural de pleitearem os altos posto políticos, está sendo mal interpretado pelos saudosistas‖ 136. Eis a admissão de um poder centralizado nas mãos de grupos restritos, que vêem com uma ―naturalidade orgânica‖ o enfeixamento e a partilha do poder sob seus domínios. Com isto, estes acordos pragmáticos e momentâneos, procuram colocar à margem outras forças políticas, que ficam impossibilitadas de emergirem diante de tal quadro. Por sua vez, Oscar Passos corrobora o que Guiomard Santos dissera e coloca a questão da seguinte forma: ―não há nada de indecoroso e humilhante no acordo para governador (...) esses acordos incluem, obrigatoriamente, cláusulas de distribuição equitativa de postos de governo, para evitar o que se passava anteriormente, quando um só partido monopolizava todos os cargos‖ 137. Formava-se assim um rede ampla de ―corretagem política‖ 138 que se espraiava por toda máquina governamental e prefeituras dos municípios acreanos, pautada na distribuição de cargos entre partidários do PTB e PSD. É evidente que além dos cargos de comissão no primeiro escalão, haviam também acertos para cargos do segundo escalão, bem como os cargos nas prefeituras. Era a cristalização da utilização da máquina pública ―com bastante eficácia nas disputas eleitorais do mercado político para garantir a continuidade dos detentores do poder‖ (Schwartzman, 1982, p. 67). ―Governo‖ e ―oposição‖ eram termos sem grandes significados de conteúdos que indicassem e demarcassem campos claros de ação política ou consistência ideológica, o que importava antes de tudo era o ―controle das agências governamentais para o exercício do clientelismo‖ (idem, p. 136), que ocorria uniformemente em todo o Território. Sem sombra de dúvida, o que existia era uma teia ampla de acomodações políticas e compromissos que eram essenciais existirem para Tabela V). No entanto, isto não redundou em nenhum empecilho para o acordo previamente estabelecido. 135―Exploração em torno do acordo político no Acre‖. O Acre, nº 1134, p. 01. 06/09/53. 136 Ibidem. Os grifos são meus. 137 ―Desmascaramento‖. O Acre, nº 1135, p. 04. 13/09/53. 138Termo cunhado por Nunes (1997).

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conformar grupos e sujeitos hierárquicos e diferenciados, que não conseguiam subsistir fora desta ordem de coisas que era vista como ―natural‖ e necessária. 2.4 – As últimas cenas do regime territorial e a transição para Estado.

Com o modelo territorial em vias de extinção e as turbulências e tensões políticas que aconteciam no país, agravadas mais ainda pela renúncia do presidente Jânio Quadros no segundo semestre de 1961, o quadro político local também sofre alterações no seu tabuleiro. Logo que recebe a notícia relatando o cenário político nacional, o governador Altino Machado, junto com seu secretário imediato, que exercia também o papel de vice-governador, ―solidariamente‖ renunciam e o presidente interino, Ranieri Mazzili indica, também interinamente, Oswaldo Pinheiro de Lima para o cargo de governador do Acre. Ao se acomodarem momentaneamente as turbulências nacionais, no Acre a pauta volta ser novamente a procura para uma definição da questão da autonomista. Após aprovação do Projeto no Congresso Nacional e assinatura de João Goulart, novo presidente que assumia a vaga do renunciante, o Decreto que elevou o Acre a Estado determinava que as eleições para governador e cargos legislativos deveriam ocorrer em um prazo de três meses. Ficava aos deputados estaduais eleitos e empossados, a função de Constituintes e o governador tomaria posse somente no dia da promulgação da nova Constituição Estadual. Caso a Constituição não fosse promulgada quatro meses após a posse dos deputados, o Acre passaria a fazer uso da Constituição do Estado do Amazonas até a aprovação da sua carta magna. Nesse período de transição, era governador do Acre o agrônomo e Delegado da União Ruy da Silveira Lino, que além de ser o primeiro governante nascido no Acre, assumiu o poder em 29/10/61 quando ainda predominava o regime territorial e deixou-o em 06/07/62, — quando o Acre já tinha sido elevado à categoria de Estado, — por força e necessidade de desincompatibilização para candidatar-se a deputado federal. Com isto, o último governante nomeado para o período de transição foi Aníbal Miranda, que assume durante sete meses até a posse do primeiro governador eleito 139.

139Confira

nos Apêndices a Tabela V.

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Esta decantada autonomia, requerida durante décadas, foi um parto difícil e implementada após longos embates entre grupos privilegiados, internos e externos. Foi acima de tudo uma transição passiva e controlada pelas mesmas pessoas que se beneficiavam no regime anterior, foi uma mudança de cunho conjuntural e permeada por exclusões. Organizada e conduzida de forma descendente e que trouxe consigo as entranhas do modelo territorial, baseado em práticas autoritárias e personalistas. Uma mudança com continuísmos, vícios e sem rupturas, características que sempre predominaram na política brasileira, no Acre não foi diferente. Este longo e duradouro parto autonomista, embora necessário, ocorreu de cima para baixo, sem participação ou clamor popular e dirigido por grupos políticos internos, que viam na autonomia o deslocamento e a definição do poder para a esfera local. Deve-se pensar que junto a isto, houve vontade do governo federal em mudar o estatuto acreano. Também não parecia ser mais interessante à União manter e administrar os problemas acarretados pelas demandas acreanas, Território cujo modelo econômico já não justificava mais a tutoria exercida durante mais de meio século. Foi dada ao Acre uma alforria semelhante àquela concedida aos escravos em 1888: paradoxalmente ser ―livre‖ para se submeter às novas amarras, tirando o peso da responsabilidade do seu então tutor, o Estado nacional.

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Capítulo III – De José Augusto ao capitão Cerqueira: fragilidade política, falta de hegemonia e exacerbação do autoritasimo no executivo. ―Não há forma de poder que não se baseie em último recurso no domínio físico‖. Hans Ulrich Gumbrecht.

3.1 – Eleição e queda do governo José Augusto: luta pelo poder e a busca frustrada de uma nova de hegemonia.

Logo após a elevação do Acre a Estado, são realizadas as primeiras eleições diretas para governador, senadores, e deputados estaduais 140. Excetuando a novidade da escolha direta dos seus representantes, isto significou ainda a continuação da restrição participativa de grande parte da população local141, que em 1960 despontava com um índice absurdo de analfabetismo para 68,6% dos acima de 05 anos. Em 1962, quando ocorre a primeira eleição (07/10/62), o número de eleitores representava somente 12%142 da população acreana; e destes, 24% não compareceram para votar nas primeiras eleições gerais do novo Estado da federação brasileira (Oliveira, 2000). A recém adquirida autonomia trouxe em seu bojo as eleições gerais, permitindo que as forças políticas locais passassem a se organizar no sentido de conduzirem politicamente os destinos do Estado e da construção de uma ordem política legitimada nas urnas, via voto popular. Não se deve esquecer que o resultado disso foi a efetivação continuada dos mesmos

segmentos políticos hegemônicos anteriores.

Ligados ao latifúndio extrativista e ao comércio, ou indissociavelmente caudatários desses grupos. Para Oliveira (2000), isto propiciou a ascensão de uma sociedade civil representada pela oligarquia rural, decadente economicamente e que procurava ascendência política (idem, p.40), possibilitando comparativamente a reprodução, em

140

Antes, só haviam eleições para a escolha dos deputados federais. Formalmente, para votar era preciso ser alfabetizado. Na prática, para obter o Título eleitoral era só preciso ―saber assinar‖ o nome, declarar a profissão e o local de residência. 142 Cerca de 20 mil eleitores, dos quais cerca de 15 mil votaram (vide Tabela V em Apêndices). 141

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âmbito urbano, da relação de compadrio e dependência entre patrão/seringueiro, oriunda dos seringais. A efetivação dessas mudanças trouxeram consigo práticas políticas de longa data, travadas a partir daquele momento em um novo ambiente institucional. Isto leva o poder privado, ligado principalmente aos interesses econômicos, a se opor com uma forte resistência à formação e desenvolvimento de um Estado com autonomia relativa enquanto poder público. O poder pessoal do seringalista, com a criação do espaço público — Estado — passa a ser transfigurado no chefe político local, que encastela em sua pessoa poderes e compromissos que o colocam em uma posição privilegiada e de destaque perante aqueles que lhe são próximos, seja por dependência ou redes variadas de compromissos e prodigalidades. Aos agregados havia a dispensa de diversos ―favores‖; em contrapartida, exigia-se fidelidade e retribuição pela ajuda concedida. Isto de certa maneira impediu a formação de uma relação baseada em estatutos universalizantes entre o governante e os governados, ou para usar uma expressão weberiana143, a implementação de um poder pautado no princípio racionallegal. Questões estas que já foram levantadas no capítulo anterior, especificamente sobre o período de Oscar Passos e Guiomard Santos; mas, podem muito bem ser pensadas com existentes antes e depois de ambos como uma constante na política local, sofrendo apenas mutação de grau, mas não de rosto. Certamente isto acabou travando e obstaculizando a formação de uma relação impessoal entre estas duas categorias e consequentemente, a formação do Estado e do cidadão. O Acre Estado trouxe em seu bojo um poder público tutelado e fraco; no oposto, um poder privado fortalecido pelo domínio da máquina pública, onde as oligarquias lutavam para manter as estruturas e práticas políticas e econômicas preexistentes, sem concessões aos grupos alijados de participação no poder estatal. Ou seja, o Estado federado, criado em 1962, se assentou na herança do arcabouço territorial e nas práticas idiossincráticas presentes anteriormente. Resumindo, nasceu fraco e conservou um poder executivo forte — exceto José Augusto, por razões aqui colocadas —, poder este que se exacerbou ainda mais com o golpe militar.

143

Cf. in Max Weber, (1998, pp. 142/148).

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Na zona urbana esta relação se dava de forma incipiente entre o chefe político e o eleitor, geralmente vindo dos seringais — mal sabendo assinar o nome — e morador de bairros periféricos, onde o primeiro reproduzia na política, práticas de dominação e subordinação aos que lhe serviam como base de apoio e sustentação, alicerçada em laços de amizade, promessas atendidas e, em contrapartida, gratidões devidas. Essas práticas eram mais incisivas ainda, entre os membros das categorias intermediárias, expressas na figura dos servidores públicos. Estes além de simples eleitores lhe deviam o emprego adquirido na máquina administrativa e, em épocas eleitorais, eram convocados a trabalhar para determinados candidatos. E como já foi ressaltado antes, o emprego na máquina pública do Estado era uma espécie de ―vocação‖ de todos, onde um funcionalismo geralmente inerte e apegado à redes de lealdades, se encastelava no aparelho estatal. Formava-se assim uma rede corporativa, limitada em certas categorias hierárquicas dentro da burocracia do estatal, ―que são permitidas e subsidiadas pelo Estado‖ (Nunes, 1997, p. 37). É neste quadro mais geral, que acontece a eleição do primeiro governador escolhido de forma direta. O candidato José Augusto de Araújo era da coligação União Social Trabalhista (PTB/UDN/PSP/PP), cujo slogan ―O Acre para os acreanos‖, agradava aos brios daqueles que durante muito tempo tiveram seus destinos traçados pelo poder político da República e ao mesmo tempo, ele era o primeiro acreano nato que poderia ser eleito de forma direta para o cargo de governador. Este fator faz com que a candidatura de José Augusto passe a ser defendida pelos seus partidários como um embate entre um acreano de fato, contra um outro candidato — Guiomard Santos, que embora há muito tempo no Acre exercendo cargos públicos e sendo autor do Projeto de Lei que elevou o Acre à categoria de Estado, não era acreano ―autêntico‖, ou seja, de nascimento. Talvez este fator tenha influenciado de alguma forma no resultado eleitoral, pois no imaginário local estava posto de maneira incisiva, ao longo de décadas, a questão de jamais um acreano 144 ter exercido o poder

144

Esta questão foi colocada, entre outros, por Eloy Abud, membro do antigo PSD e do movimento autonomista. Foi eleito deputado estadual em 1962 e se pautava por uma ferrenha oposição a José Augusto, tornou-se defensor imediato do golpe de 1964. Por ironia do destino, teve seu mandato cassado pelos militares. Entrevista realizada pelo autor em 24/08/01.

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executivo. Ampliada ainda mais, através da possibilidade de elegê-lo de forma direta e sem interferência da União na escolha do nome. José Guiomard Santos (PSD), ex-governador territorial, era considerado antecipadamente pelos seus correligionários como imbatível nas urnas, pelo fato de ter sido o autor do Projeto autonomista sancionado pelo presidente João Goulart e também, porque quase todos os governos anteriores foram de pessoas ligadas ao PSD. Mas pela primeira vez, o seu partido não contava com a máquina administrativa nas mãos. Os últimos governantes do Acre Território foram pessoas ligadas ao PTB e alinhados ao governo do então presidente Jango. Embora os dois candidatos militassem em partidos diferentes no espectro político local, — e como já foi ressaltado, — estas agremiações não tinham diferenciações substanciais de ordem ideológica e doutrinária, mas diante da população os dois grupos políticos demonstravam ser ferrenhos opositores145. No plano individual, José Augusto tinha concepções políticas e ideológicas que divergiam em muito da postura política de Guiomard Santos. Mas ele e seu grupo político, eram vistos com ressalvas dentro do próprio PTB, pelos grupos mais conservadores liderados por Oscar Passos. Isto se corrobora, pelo próprio fato de mais tarde o PTB entrar em confronto com José Augusto e fazer à revelia dele, conluio com o PSD e abandonar o então governador à própria sorte. Mas realizadas as eleições, a hegemonia do PTB e PSD ficou cristalizada pela votação que esses partidos receberam. Na eleição 146 para governador esses dois partidos tiveram juntos 92,92% dos votos, sendo que a diferença entre o candidato do PTB e do PSD foi de 4,98% em favor do primeiro. Na escolha dos deputados estaduais o PSD elegeu oito deputados e obteve 47,82% dos votos, o PTB ficou com seis deputados e 46,94% dos votos e a UDN elegeu apenas um deputado. Para a Câmara Federal das sete cadeiras, ao PTB coube três e o PSD arrebatou o restante e juntos obtiveram 95,27% da preferência do eleitorado. No Senado, o PTB emplaca ocupando duas cadeiras e o PSD uma somente. Já Guiomard Santos, pela primeira vez não logrou êxito em uma eleição e conseguiu somente se eleger para o Senado Federal, pois a legislação eleitoral permitia um mesmo candidato disputar cargos legislativos e 145 146

Cf.: Mendes (1996). Os números percentuais foram realizados a partir de dados levantados por Mendes (1996). Nos cálculos

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executivo simultaneamente. Este resultado deixa transparecer que os dois partidos, por uma longa tradição segmentada durante quase duas décadas, eram as únicas agremiações hegemônicas na política acreana. Em 01º de setembro de 1963, quase um anos depois deste pleito eleitoral, ocorrem as eleições para a Câmara Municipal e Prefeituras. Contando com a máquina pública sob seu domínio, o PTB sai amplamente favorecido deste processo eleitoral e conquista todas as sete prefeituras acreanas, elege também vinte e três vereadores em todo Estado. O PSD conseguiu ainda eleger dezesseis vereadores e o PSP, juntamente com a UDN, apenas um cada. Aqui, o quadro já se altera um pouco. O conservador PSD e a aura poderosa de Guiomard Santos, que tiveram suas estruturas abaladas um ano antes, agora pareciam entrar em declínio. José Augusto ao ser eleito e tomar posse, teve sua administração marcada por conflitos dentro e fora de seu partido, onde jamais encontrou neste o apoio necessário para realizar seus intentos governamentais. Internamente os empecilhos se davam, principalmente, entre os ―históricos‖ do PTB, ligados a Oscar Passos e a Goldwasser Santos, este último derrotado por José Augusto na convenção do partido antes do pleito eleitoral para governador. Parecia haver um certo ressentimento, originado pelo surgimento de uma nova liderança no interior do PTB, que indubitavelmente colocava em xeque o poder de Oscar Passos. Essas eleições parecem ter sido o começo do fim do apogeu de Oscar Passos e Guiomard Santos, que embora tenham conseguido mandatos parlamentares, foram os grandes derrotados nestes dois processos eleitorais. Externamente, a base de apoio do governador encontrava-se mais segmentada em estratos sociais da classe média urbana, seringueiros, posseiros e colonos. Neste plano, buscava em outros atores sociais sua referência. Devido esta característica, procurou realizar um governo de bases populistas, vinculando-o às reformas de base de João Goulart. Voltando-se para o atendimento de certas demandas daqueles que historicamente ficaram à margem de interesses dos grupos dirigentes do período territorial. Essa matriz populista, comum durante muito tempo e ainda presente na política brasileira, aparece com força, segundo Octávio Ianni (1989), quando ―os humilhados e os ofendidos, os homens simples, os esquecidos, adquirem alguns estão inclusos os votos nulos e brancos.

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direitos‖ (p. 89). Estes direitos geralmente não são conquistados e sim, outorgados pelas classes dirigentes — através de um poder público paternalista — como um favor àqueles que estão a margem do processo político, social e econômico. De acordo com Marcos Aurélio Nogueira (1998, p. 55), o populismo brasileiro visava de maneira geral incluir os trabalhadores, — embora passivamente, — dando-lhes ares de atores relevantes da política brasileira e fundar utopicamente uma pretensa democracia política e social. O intuito político de José Augusto parecia estar voltado para uma nova relação com a denominada sociedade civil, por isso o interesse em se voltar para novos objetivos e demandas até então esquecidas, e a tentativa de implementá-las via Estado. O novo governador do Acre, logo após tomar posse, passou a sofrer oposição interna — por parte de segmentos do PTB — e externamente, pôr grupos que não viam com bons olhos a ação político-ideológica de alguns assessores e secretários do governador, principalmente Hélio Khoury (assessor político), Luís Cláudio (Educação) e Ariosto Miguéis (SUPRA). Os três ligados a concepções consideradas de esquerda e acusados pelos seus opositores de serem comunistas. O primeiro, era sociólogo e o principal interlocutor intelectual e político com quem José Augusto mantinha conversas; o segundo, à frente da SEC procurou uma política de alfabetização popular e utilizava semanalmente a Rádio Difusora Acreana 147 para se comunicar com a população, principalmente colonos e seringueiros. Isto vai desagradar de maneira geral os seringalistas, que se mostram contrários à instalação de escolas alfabetizadoras em seus seringais. Pois para eles, isto tornava mais complicado continuar mantendo uma série de práticas antigas de subordinação e logro, diante de um seringueiro que soubesse ler e fazer as operações matemáticas básicas. Logo, esse programa de alfabetização, ligado ao método Paulo Freire 148, encontrou fortes resistências junto aos homens que exerciam o domínio nos vastos seringais acreanos. Por sua vez, estes confrontos também encontram ressonância na zona urbana juntos aos opositores de José Augusto.

147

Rádio estatal pertencente ao governo do Estado do Acre. Em entrevista concedida ao autor, Hélio Khoury afirmou que ele antes de vir para o Acre fez um curso sobre o método Paulo Freire na cidade de São Paulo. Ao chegar ao Acre, assessorou a SEC neste projeto. Entrevista concedida no dia 21/10/2001. 148

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Outra centelha de conflito político foi a criação da Superintendência da Reforma Agrária - SUPRA, que tinha a frente Ariosto Pires Miguéis 149. Este afirmava contar com apoio do PTB nacional para implementar no Acre, uma política fundiária que alterasse a estrutura agrária, baseada então no latifúndio extrativista. Esta perspectiva, necessariamente causava medo aos grandes latifundiários locais, principalmente os seringalistas. Estes por sinal, eram freqüente e publicamente nominados pelo superintendente como alvos da política fundiária 150. Com estes descontentamentos internos e externos, José Augusto inicia um governo fragilizado e instável. Para completar, logo no início de seu mandato é acometido com problemas de saúde e, é obrigado a viajar para o Rio de Janeiro em tratamento médico. Antes de partir, tentou costurar a eleição do deputado Francisco Thaumaturgo (PTB) para a presidência do parlamento estadual. Logo, parte da sua frágil base de apoio no legislativo se alia a oposição e juntas, elegem o deputado José Akel Fares (PTB) presidente da Assembléia Legislativa. Em troca, Akel Fares se compromete em ceder as secretarias de Educação e Segurança Pública ao PSD151, quando assumisse interinamente o governo na iminente viagem de José Augusto. Estes eram exatamente postos chaves no processo de disputa interpartidárias: a primeira pelo controle ideológico e direcionamento do saber formal, onde certamente se visava barrar ou implementar políticas educacionais em sentido oposta à implantada na SEC por Luís Cláudio e seu grupo; a segunda, representava o controle sobre a força repressora do Estado (polícia), através dos órgãos ligados a manutenção da ordem. Foi o que aconteceu. Feito isto, José Augusto interrompe seu tratamento de saúde e volta imediatamente ao Acre para reassumir o governo. Além disso, como inexistia a figura do vice-governador, Akel Fares como presidente do legislativo tornava-se automaticamente governador na ausência de José Augusto, causando um embate entre os dois poderes agora em oposição, que vai

149

Era Diretor da SUPRA e foi indicado para o cargo através de J. Augusto. Era ainda dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Branco, sindicato este criado e instrumentalizado pelos dirigentes de esquerda do PTB na época. 150 Quem confirmou isto foi Hélio Khoury. Entrevista citada. 151 Segundo Hélio Khoury, pelo acordo a SEC ficaria com o deputado Omar Sabino de Paula (PSD) e a SEJUSP com o também deputado, Aluízio Queiroz (PSD). Entrevista citada.

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configurar de forma indelével o curto mandato de José Augusto 152 e impedindo-o de governar com tranqüilidade. O conluio firmado entre o PSD e o PTB foi um duro golpe contra o governador, que já vinha enfrentado pedidos de intervenção federal e solicitações de CPI por partes de seus opositores, sem no entanto estes lograrem de forma definitiva o seu desejado afastamento pela via constitucional. Isto só veio acontecer com o golpe militar ocorrido no país em 1964, que serviu como catalisador para pôr fim a querela acreana e, em princípio, facilita os intentos da oposição e altera o quadro político estadual.

3.2 – A ditadura militar no Acre: um novo rótulo em um velho conteúdo.

Nas plagas acreanas, como nas demais unidades federativas, os reflexos da ditadura militar foram simultâneos ao golpe sofrido pelo governo central. José Augusto de Araújo — primeiro governador eleito de forma direta em 1962 e empossado em 1963 —, após uma conturbada administração, foi deposto em maio de 64 por um golpe implementado pela 4ª Cia. do Exército, tendo a frente capitão Edgard Pedreira de Cerqueira Filho, que obriga-o a entregar sua carta de renúncia à Assembléia Legislativa153 e este assume o executivo estadual154. Vale aqui fazer um parêntesis e ressaltar que as questões políticas locais, as disputas travadas entre o PSD e o PTB, a briga entre Guiomard Santos e José Augusto iam além das querelas locais. Estavam antenadas com os embates em âmbito nacional, que remetiam ao oposicionismo ferrenho dos grupos mais conservadores ao governo de João Goulart, visto como representado no Acre pelo então governador José Augusto. O golpe e sua justificativa vieram abreviar e por termo a estas questões, tanto de ordem nacional quanto local.

152

José Augusto tomou posse em 01º/03/63 e foi deposto em 08/05/64. Cf. Mendes op.cit. Para maiores informações cf.: Mendes (1996). 154 Cerqueira governou o Acre de 08/05/64 até 14/08/66. Cf. Silva (1998). 153

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3.3 – Os vários golpes: casuísmo do poder legislativo, traição partidária e instauração ―legal‖ do arbítrio e da exceção

O golpe militar dado no Brasil em 01º de abril de 1964 teve conseqüências imediatas Estado do Acre, pois aprofundou ainda mais a oposição ao governo de José Augusto, que desde o dia 25 de fevereiro tinha se ausentado do Acre e estava de licença médica por 25 dias, fazendo tratamento de saúde no Rio de Janeiro. De imediato, no dia 31 de março, o médico Aarão Burlamaqui Benchimol lhe concede alta médica e o governador retorna imediatamente ao Acre para reassumir o governo, antes do tempo previsto155. De imediato, seus adversários passaram a ser mais incisivos nas suas acusações e tentativas de abreviar seu mandato legitimado via urnas. Mas frente ao novo rearranjo nacional, a legitimidade e o direito constitucional dos adversários pouco valia. Pouco mais de um mês após o golpe que derrubou João Goulart, na tarde do dia 08 de maio, às 14:35 horas, o então governador José Augusto, que de antes já vinha sofrendo acusações perante os setores militares, feitas principalmente por seus opositores na ALEAC, envia um telegrama 156 ao comandante da 8ª Região Militar em Belém (PA), general Orlando Ramagem, se dizendo sabedor das denúncias feitas pelos deputados estaduais Aluízio Queiroz (PSD) e Eloy Abud (PSD) 157, que acusavam-no de comunista. Na sua defesa, o governador atribui as denúncias ao ódio político cultivado pelos seus adversários e afirma que se dispõe a um exame minucioso dos seus atos frente à administração pública acreana. Este telegrama talvez represente a última tentativa institucional do governador, junto às autoridades militares, para buscar reverter ou adiar o que se mostrava cada vez mais como inevitável: o abreviamento do seu mandato e sua conseqüente substituição frente ao executivo acreano. Esgotava-se a cada hora que passava as exíguas possibilidades de sustentação diante do quadro político cada vez mais adverso desde o golpe de 01º de abril. Horas depois, por volta das 21:00 horas158 (Diário Oficial, pp. 02/03, 1964), cai também o governo de José Augusto, que é obrigado a entregar sua carta de renúncia a 155

Atestados médicos do Fundo documental de José Augusto de Araújo (códigos de identificação nº JA064 e nº JA067). 156 Telegrama nº 290, 08/04/64 (JA077). 157 Estes dois deputados eram também militares de carreira (o primeiro do exército, o segundo da polícia). 158 Os horários foram extraídos das Atas das referidas sessões legislativas, constantes no Diário Oficial da

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ALEAC, que de imediato então empossa, em menos de 12 horas, o capitão do Exército Edgard Pedreira Cerqueira Filho como governador do Acre (1964/1966). O deputado Adonay Santos, do partido do governador, duas décadas depois em entrevista, disse que no dia da renúncia, horas antes da entrega do Ofício à ALEAC, presenciou quando o governador José Augusto foi procurado pelo capitão Cerqueira, até então apenas o recém nomeado comandante da 4ª Companhia Militar. Este então disse: ―governador, estou no comando há alguns dias e não o visitei devido que (sic) a minha missão é difícil. Eu vim para Rio Branco para esperar este movimento (golpe militar) e, quero mostrar para o senhor que sou seu amigo, mas que sua bancada, que agora está reunida com o PSD em sessão secreta para votar seu impeachment. Eu quero demonstrar minha lealdade. Se o senhor renunciar, cai mas cai de pé e eu lhe dou toda a minha proteção. Agora, se a bancada votar seu impeachment, não vou lhe garantir‖159. Se verídicas as afirmativas tal qual lembrou o deputado, o capitão Cerqueira veio ao Acre com uma missão clara: o objetivo principal não foi para assumir o comando da 4ª Companhia do Exército e sim, o governo do Acre. Neste aludido dia, a ALEAC estava em sessão permanente desde as 14:00 horas de um 08 de maio atípico e fatídico, tanto para o governador José Augusto como para aqueles que tinham votado nele nas primeiras eleições formalmente livres da história do Acre. Um dia em que os deputados acreanos e todas as forças políticas e sociais que apoiavam o infante regime militar, estavam empenhadas em agir para obterem a renúncia forçada do governador José Augusto de Araújo. Nos bastidores aconteciam as pressões e ameaças contra o governador; às claras, a oposição procurava dar ares de formalismo e legalismo ao arbítrio, ao exigirem por escrito uma carta renúncia do governador. Ou seja, teatralmente a deposição precisava parecer renúncia, fundamentada nos rearranjos jurídicos e institucionais criados ad hoc. Seria, na expressão feliz do jornalista Élio Gaspari, a fase da ―ditadura envergonhada‖, ainda em ciosa de dar um verniz de ―legalidade constitucional‖ aos seus atos iniciais. O primeiro ato deste teatro começou com a abertura da sessão extraordinária pelo presidente da ALEAC, o deputado José Akel Fares (PTB), que constatando haver

ALEAC. 159 Entrevista citada.

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quorum regimental160 declarou aberta a sessão para apreciação da matéria referente à proposta de Emenda Constitucional nº 03. A matéria propunha que em caso de vacância definitiva do cargo de governador do Estado do Acre, a ALEAC elegeria, em um prazo máximo de dois dias, por maioria absoluta de votos, um novo governador para terminar o mandato tornado vago. Vale ressaltar que não existia o cargo de vice-governador e na ausência do governador, quem assumia era o presidente da ALEAC. Para esta Emenda passar a vigorar, a matéria teria que ser aprovada em dois turnos de votação. Aberta a primeira sessão para discussão da matéria, nenhum deputado fez uso da palavra. Instaurou-se um silêncio tumular no plenário: provocado talvez pela vergonha e constrangimento de uns; possivelmente pelo medo em outros das possíveis conseqüências e, desnecessário dizer, da alegria contida de outros. Com o início da votação nominal e declarada, todos os deputados presentes votaram pela aprovação da matéria e quarenta e cinco minutos depois de iniciada a sessão, casuisticamente estavam dados os primeiros passos, através de um expediente jurídico, para ―legalmente‖ exigir que o governador José Augusto renunciasse. Quinze minutos depois, foi aberta a segunda sessão extraordinária para a votação em segundo turno da mesma matéria. Era só para ratificar o que já tinha ocorrido na primeira sessão. Desta vez ocorrem manifestações, os deputados parecem mais a vontade, e quem pede a palavra é o deputado Eloy Abud, que começa sua fala afirmando da satisfação dos acreanos diante da Emenda proposta pela ALEAC, e que a partir daquele momento os ―deputados acreanos e o Acre estavam amoldados ao Movimento Revolucionário de 01º de abril, bem como proporcionando um grande benefício em prol do povo acreano‖(Diário Oficial, pp. 02/03, 1964). O deputado Joaquim Cruz também não destoa e segue na mesma linha laudatória do seu antecessor, ao afirmar que ―após o triunfo da revolução de 01º de abril tem havido um saneamento, reparo e ajuste por parte do Movimento Revolucionário‖(Idem, Ibidem). Em seguida, quem faz uso da tribuna para tecer suas considerações é o deputado Benjamim Ruella161, do partido do governador, que não só vota a favor da 160

Estavam presentes em ambas sessões extraordinárias os deputados José Akel Fares (PTB), Geraldo Fleming (PTB), Augusto Hidalgo (PSD), Benjamin Ruella (PTB), Carlos Afonso (PSD), Francisco Taumaturgo (PTB), Aluízio Queiroz (PSD), José Fonseca (UDN), Joaquim Cruz (PSD), Eloy Abud (PSD), Omar Sabino (PSD), Adonay Santos (PTB), José Chaar Filho (PSD) e Antônio de Barros (PTB). O único ausente em todas as sessões foi o deputado Guilherme Zaire (PTB). 161 Candidata-se a deputado pelo PSD e fica como primeiro suplente. Com a morte do deputado Milton de

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emenda como faz loas ao golpe militar recém instalado no país. Diz o deputado que não poderia se furtar em cooperar naquele momento com as forças revolucionárias, para que o Acre tivesse dias melhores. Como diz um velho ditado na política brasileira: ―em tempo de murici, cada um por si‖. Às 13:55 horas, após estas três manifestações, o presidente colocou novamente em votação a matéria, que foi aprovada outra vez por unanimidade162. Após aprovarem o expediente para resolver o problema da vacância do cargo de governador, os deputados ficam de ―vigília‖ aguardando o envio da carta renúncia do governador para ser votada de imediato. A terceira sessão extraordinária começou então às 22:00 horas, com os quatorze deputados presentes para ratificarem a destituição forçada e arbitrária de um governador constitucionalmente eleito pelos acreanos. Quem leu a carta renúncia em plenário foi o deputado Geraldo Fleming, primeiro-secretário da Mesa Diretora da ALEAC. Na verdade, a carta era um Ofício circular sintético, com o seguinte texto encaminhado em nome do governador, pelo chefe da Casa Civil capitão Sebastião Farias de Araújo: ―De acordo com a alínea B, item II, do artigo 24, da Constituição do Estado, comunico a esta Assembléia que, nesta data, renuncio ao cargo de governador do Estado do Acre, para o qual fui eleito em 07 de outubro de 1962‖163. Após a leitura da carta, o presidente da ALEAC fazendo o uso da palavra declarou vago o cargo de governador do Estado do Acre e facultou a palavra ao demais deputados, mas ninguém quis se pronunciar, nem para indagar talvez, porque o governador tinha renunciado. Certamente esta seria uma indagação pueril, e o que menos tinha ali naquele momento eram pessoas agindo com inocência. Todos se calaram, não houve manifestação de nenhuma ordem. Ocorreu uma renúncia onde os motivos dela não aparecem nos documentos oficiais, nas falas dos deputados e das outras pessoas envolvidas. Um ato onde se negou inclusive o direito à explicação dos porquês pela vítima.

Matos Rocha, assume e muda-se em seguida para o PTB. Era próximo ao governador José Augusto. Este, junto com sua esposa Maria Lúcia, era padrinho de uma de suas filhas. 162 Note-se que o Telegrama de José Augusto para o comandante da 08ª Região Militar é enviado as 14:35 horas. Ou seja, depois de encerrada a aprovação da Emenda nº 03 na ALEAC. Nestas alturas, não havia mais possibilidade de mudar o quadro que se encaminhava para interrupção de seu mandato. 163 Ofício nº 180/64, 08/0564, (JA113).

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Dando continuidade ao jogo de cartas marcadas, o presidente José Akel Fares comunica ao plenário que recebeu, através dos lideres de bancadas, o nome de Edgard Pedreira Cerqueira como candidato ao cargo de governador. Feita a chamada nominal de cada deputado, todos votaram afirmativamente, elegendo de forma unânime, indireta e casuística o novo governador do Acre. Resumindo, a ALEAC já tinha um nome para substituir o governador José Augusto muito antes de sua renúncia e os deputados só foram imbuídos, e se imbuíram, de fazer a Emenda Constitucional para permitir e dar posse imediata ao capitão Cerqueira. Com isto, o Executivo encampa o Legislativo. Novamente, não houve nenhuma manifestação dos deputados ao ser facultada-lhes a palavra. Então, o presidente designou os lideres das bancadas parlamentares, Carlos Afonso (PSD) e Antônio Barros164 (PTB), para comunicarem ao capitão Cerqueira que este tinha sido eleito para exercer o cargo de governador do Acre. A sessão é suspensa para que os dois deputados se desloquem até a residência do capitão Cerqueira, onde comunicam formalmente a este de sua eleição e pedem para que o mesmo se dirija até a Assembléia para tomar posse. O capitão-governador então sugere que a posse seja transferida para o dia seguinte, às 11:00 horas da manhã, na ALEAC. Os deputados voltam então à Assembléia legislativa com a posição de Cerqueira, de imediato o plenário acata a proposição e assim, a sessão se encerra às 23:40. O último ato do dia anterior tem continuidade numa manhã de sábado, quando ocorre a posse de Cerqueira e assim, o desfecho do casuísmo perpetrado pelo legislativo estadual. A posse transcorreu também de forma célere, como os outros atos do poder legislativo do dia anterior. Diante de autoridades representativas dos poderes municipais, religioso, judiciário e militar, a sessão foi aberta para a leitura do Termo de Posse lido pelo deputado Geraldo Fleming. Facultada a palavra, o formalismo da casa parlamentar exigia que os representantes das bancadas partidárias se pronunciassem: pelo PSD a palavra coube ao deputado Carlos Afonso e pelo PTB ao deputado Benjamin Ruella. O deputado Carlos Afonso, entre outras coisas, destacou que o governador-capitão representava naquele momento a esperança de reformas políticas,

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Era suplente do deputado Nabor Telles da Rocha Júnior, que se afastou inexplicavelmente do legislativo acreano naquele momento conturbado.

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instauração da moralidade e da justiça. Encerrou seu discurso dando vivas ―ao Brasil, ao Acre e a democracia cristã‖ (Diário Oficial, p. 06, 1964). O representante da ―oposição‖, procurou deixar claro que a eleição do capitão Cerqueira significava uma reafirmação dos elevados propósitos democráticos (sic) e encerrou desejando que um governador fizesse uma administração que agradasse ―gregos e troianos‖ (Idem, Ibidem), subliminarmente isto significava o desejo de que todas as forças partidárias fossem ―lembradas‖ no novo rearranjo institucional e de poder, inclusive a ―oposição‖. Complementado e na seqüência, o deputado Eloy Abud afirma que a posse de Cerqueira significava a ―adaptação tardia do Acre ao regime democrático e de plena liberdade que há pouco vigorava no país pelo Alto Comando Revolucionário‖ (Idem, Ibidem). Talvez o deputado-miltar acreditasse piamente nestas palavras que proferiu, mas por ironia do destino ele também teve seu mandato cassado menos de um ano depois quando se indispôs com o governador Jorge Kalume, substituto de Cerqueira. Discursando por último, o governador empossado cumpriu as formalidades e foi sintético na sua breve fala, pois afirmou ser um homem de poucas palavras. Com ênfase, prometeu um governo de honestidade e trabalho, que seria formado por um corpo de secretários ―escolhido sem distinção de cores políticas‖ e, que manteria ―as portas do palácio Rio Branco abertas para todos, sem distinção de raça, credo ou cor‖. Finalizou lembrando (ou exigindo), que assumia o governo do Acre com carta branca e o apoio irrestrito de todos os partidos políticos (Idem, Ibidem). Esta pretensa busca de unidade e união de todos, era uma forma de demarcar claramente que o seu governo não admitiria oposição, divergências partidárias ou ideológicas. E foi o que aconteceu.

3.4 – (O)caso do Acre: golpe militar, hipertrofia do executivo e a ―caça as bruxas‖

Logo que assume com plenos poderes o cargo de governador, Cerqueira Filho e sua base parlamentar na ALEAC iniciaram uma ―caça as bruxas‖, reavivando as denúncias e implementando as perseguições contra o ex-governador José Augusto, alguns de seus assessores, parte de sua base partidária na ALEAC (que meses antes

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votou favorável à Emenda 03 e acatou a renúncia de José Augusto) e funcionários públicos acusados de serem comunistas. Em um plano mais geral, como é de praxe, as liberdades de expressão e manifestação passaram a sofrer injunções do novo poder instituído, que procurou calar até os comentários mais banais da oposição ao governo Cerqueira e à ―Revolução de 64‖. Um exemplo prosaico: em novembro de 1964 o funcionário público Estanislau Siqueira foi preso acusado de ―destratar‖ publicamente o governador e ser também comunista (Silva, 2002, p.98). Na articulação com as autoridades nacionais, o próprio governador Cerqueira, através de vários telegramas 165, se encarregava de comunicar imediatamente aos militares do Comando Militar da Amazônia – CMA (sediado em Belém) do Grupamento Especial de Fronteiras – GEF (sediado em Manaus) a situação da oposição no Acre, dos chamados ―anti-revolucionários‖ e ―inimigos da revolução de 64‖. A maior quantidades de telegramas enviados aos seus superiores foram registrados nos dias 12 (cinco), 13 (um) e 16 de novembro de 1965 (dois), tendo como destinatários o presidente da república, o ministro da Justiça, o ministro da Guerra, o Conselho de Segurança Nacional - CSN, o comandante do GEF, a bancada parlamentar do Acre no Congresso Nacional e o CMA. As querelas locais logo eram transformadas em informações denuncistas que, travestidas de importância nacional e dramatizadas pelo medo comunista, oportunamente chegavam aos superiores militares e aliados do capitão Cerqueira em Brasília. Pelos telegramas, percebe-se que o governador passou a exercer com mais intensidade, e praxe, o papel de delator oficial do regime militar no Acre, do que ter preocupações com as atribuições litúrgicas do cargo que ocupava. No dia 12 de novembro de 1965, em um comunicado telegráfico com as principais autoridades nacionais, o governador-capitão entra em contato com o então presidente da república, marechal Castelo Branco, com o presidente do CSN (coronel Wilberto Luiz Lima), com o comandante do GEF (general Lauro Alves), com o comandante do CMA (general Jurandir Bizarria Mamed), com o ministro da Guerra 165

Estes telegramas, bem como os demais documentos citados, encontram-se sob guarda do Centro de Documentação e Informação Histórica – CDIH e fazem parte do Fundo Documental pertencente ao exgovernador José Augusto de Araújo, doado pela sua família para UFAC. Neste texto utilizo apenas os

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(general Costa e Silva) e o ministro da Justiça (Juracy Magalhães), informando a todos que a ALEAC causava tumulto à vida do Estado através da bancada de ―antirevolucionários‖, composta por deputados do ex-PTB. Expostas as suas considerações, ele sugestiona então ao presidente da república, com base no AI-2166, a cassação dos deputados de oposição e o ―recesso‖ (na verdade, o fechamento) da ALEAC. A quantidade de telegramas expedidas no dia 12 é sintomática por que foi neste dia, que a bancada de oposição 167 apresentou à Mesa Diretora da Assembléia o pedido de impeachment168 do governador Cerqueira, que só não entrou em votação porque sua bancada de apoio (Arena) levantou questão de ordem e conseguiu através dessa manobra suspender a sessão 169. Mas com os ânimos exaltados, se aprofundaram ainda mais as fissuras entre o governo e a oposição, que naquele momento estava restrita a um grupo parlamentar que ainda tinha voz, mas que meses antes tinha elegido, através do casuísmo jurídico-político, o próprio capitão Cerqueira governador do Acre. Mesmo com a metade dos 14 deputados da ALEAC contra, se o pedido de impedimento fosse posto em votação, seria derrotado porque ele precisava ter no mínimo 10 votos para ser aprovado. Mas o que o governador não admitia era a ―oposição‖ — mesmo sendo cerceada, fluida e pragmática — exercer o seu papel constitucional, permitido quando da existência de regimes formalmente democráticos. Tornou-se a comum remessa de informações e de denúncias contra os ―inimigos‖, como atestam as correspondências enviadas para o comandante militar do GEF, general Lauro Alves Pinto. Em um desses telegramas 170, o governador Cerqueira acusa deputados estaduais do ex-PTB de causarem tumultos nas sessões parlamentares, confundirem a opinião pública e de terem medo do AI-2. Tudo teria começado quando em uma sessão legislativa, o líder do governo perguntou aos deputados do MDB se eram verdades algumas afirmações atribuídas a eles e, se fossem homens respondessem: telegramas relacionados à temática em discussão. 166 O pluripartidarismo foi extinto em 27/10/65, através do AI-2, que passou a permitir a existência apenas de duas agremiações políticas: a ARENA e o MDB. Estabelecia ainda outras restrições: decretar Estado de Sítio sem consulta prévia ao Congresso, intervenção federal nos Estados, recesso do Congresso e demissão funcionários civis e militares ―incompatíveis com a revolução‖. 167 A bancada de oposição era formada pelos deputados ―emedebistas‖ Nabor Júnior, Guilherme Zaire, Adonay Santos, José Akel Fares, Benjamin Ruella, José Fonseca de Araújo e Francisco Taumaturgo. 168 O pedido de impeachment, consubstanciado pela denúncia crime, foi formalizado pelo advogado Eduardo Assef e apresentado em plenário pela bancada do PTB. 169 Telegrama nº 518, 12/11/65, (JA080). 170 Telegrama nº 586, 12/11/65, (JA073).

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―ter chamado os generais lideres do ‗movimento de 64‘ de gorilas e de estarem ―a soldo de grupos internacionais‖ (deputado Geraldo Fleming); do governador ―ter feito uma revoluçãozinha‖ (deputado Nabor Júnior); de incitar o povo ―à luta armada contra o governo estadual e fazer justiça com as próprias mãos‖ (deputado Benjamin Ruela). O capitão Cerqueira finaliza o telegrama em tom de quem sabe mais coisas, afirmando que mantém um serviço de informações sobre os seus adversários e alerta ao seu interlocutor hierárquico que possui dossiês completos contra vários prefeitos, vereadores e deputados. Reitera, novamente, que vê com bons olhos uma possível decretação do ―recesso‖ na ALEAC, metáfora para o fechamento do legislativo acreano. Em outra correspondência171 sobre o mesmo assunto, Cerqueira comenta com o general Lauro Alves que possuía informações seguras que os deputados do ex-PTB intencionavam votar seu impeachment, inclusive estes deputados tinham, em reunião com o capitão Bustamante, da 4ª Companhia de Fronteira172, prometido-lhe o cargo de governador caso o impedimento do capitão Cerqueira fosse aprovado no parlamento acreano. Para reforçar esta tese, o governador afirma que o capitão Bustamante tinha ido a sessão da ALEAC para assistir a votação, que não ocorreu, do pedido de impeachment. Em outro telegrama173, ainda no dia 12 de novembro de 1965, é a vez dos deputados situacionistas — que se intitulam ―bloco parlamentar revolucionário‖ — praticarem a caça às bruxas e o exercerem o denuncismo, ao enviarem ao ministro da justiça, Juracy Magalhães, acusações contra a bancada de oposição. Acusavam seus ―pares‖ de estarem atrapalhando a vida administrativa do Estado; de terem dado apoio ao governador José Augusto, um ―comunista e corrupto‖ e terem aceitado denúncias contra o governador Cerqueira na ALEAC, com o intuito de tirá-lo do poder. É o mesmo teor e tom utilizado pelo governador Cerqueira em suas correspondências, do qual os parlamentares situacionistas tinham virado bedéis. Os deputados finalizam em tom laudatório ao ministro, chamando-o de ―ilustre nordestino que bravamente participou da revolução de 1930‖ e afirmam que, ―como revolucionários, não permitirão que o Acre volte a domínio daqueles que vinha comunizando a mocidade‖. O telegrama é assinado pelos deputados estaduais Eloy 171 172

Telegrama nº 519, 12/11/65, (JA079). Secção militar do Exército brasileiro situada na cidade Rio Branco - AC.

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Abud, Carlos Simão, Chaar Filho, Omar Sabino, Joaquim Cruz, Aluízio Queiroz e Gesner Lemos, eleitos pelo PSD e membros recentes da Arena, agremiação política criada para apoiar a ditadura militar. Novamente, em outro telegrama174, expedido quatro dias após o citado acima, Cerqueira comunica ao comandante do GEF que os deputados da oposição foram, no dia anterior (15/11/65), até a 4ª Companhia do Exército e se reuniram com o capitão Bustamente, que numa atitude ―esquisita‖, recebeu-os. Mais uma vez, o uso do arbítrio se justifica pela tese de uma possível conspiração. Ameaça ainda prender os deputados da oposição, por fazerem um movimento ―anti-revolucionário e subversivo‖, caso a ALEAC não cumpra o mandado de segurança expedido pela justiça, que deu lhe deu ganho de causa, obrigando a ALEAC trancar a denúncia contra o governador. Neste mesmo dia, o próprio Cerqueira, através de um telegrama, comunica em tom febril e exultante ao comandante do CMA que a ―paz e a tranqüilidade voltaram a reinar no Acre‖ e que ele tinha obtido liminar da justiça suspendendo o processo de impeachment que estava em curso na ALEAC. Comunica que devido a ―extinção dos partidos‖ provocada pelo AI-2, os parlamentares do antigo PTB não poderiam mais constituir maioria na Mesa Diretora, fato que tornava nula a composição da Mesa e passível de cassação os mandatos dos deputados que acataram o pedido de impeachment175, pois não tinham mais respaldo regimental para isto. No mesmo dia o governador Cerqueira também envia telegrama ao representante do governo Acre em Manaus, Luis Higino, onde relata os problemas com a ALEAC e afirma que a vinda do general (provavelmente Lauro Santos) ao Acre seria a ―pá de cal em todas agitações‖ 176 existentes. Ou seja, a vinda de um general era simbolicamente um ato de apoio e desagravo ao governador pelos seus superiores hierárquicos e ainda, a demonstração do suporte que ele contaria caso fosse preciso tomar medidas mais duras frente aos opositores e, conseqüentemente inimigos do regime militar instaurado no Acre e no Brasil. Em mais um telegrama enviado aos parlamentares acreanos em Brasília pela bancada do PSD na ALEAC, os parlamentares estaduais se auto-intitulam novamente de 173

Telegrama nº 521, 12/11/65, (JA075). Telegrama nº 591, 16/11/65, (JA074). 175 Telegrama nº 595, 16/11/65, (JA084). 174

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―Bloco Parlamentar Revolucionário‖ e através do radiograma fazem denúncia contra os parlamentares da ALEAC pertencentes ao extinto PTB. A acusação era em relação ao apoio que esses últimos tinham dado ao ―governo comunista e corrupto de José Augusto de Araújo‖177. No dia seguinte ao imbróglio na ALEAC, já com as questões resolvidas ao seu favor, o capitão Cerqueira envia um telegrama 178 ao presidente da república, marechal Castello Branco, onde procura demonstrar a inconsistência das acusações que lhe foram imputadas na denúncia crime apresentada à ALEAC. As acusações eram várias, eis as principais: não ter passado o governo para o presidente da ALEAC (Guilherme Zaire), quando se ausentava do Estado; ter empregado dez parentes no executivo estadual e o fato do PTB ter proposto a cassação de seu mandato. Justificava o primeiro questionamento da denúncia afirmando que o próprio Tribunal de Justiça do Acre amparava-lhe ao ter dado parecer favorável a não transmissão do cargo para o presidente da ALEAC. Nada mais óbvio, pois em um regime de exceção o aparato judiciário é de imediato encampado e tutelado pelo executivo. Em relação aos parentes, admite ter empregado-os, mas apenas a metade anunciada pelos denunciantes. Ou seja, o problema do nepotismo era de grau quantitativo e não de ordem legal e moral. E por último, alegava que o quorum regimental da ALEAC tinha sido alterado com o fim dos partidos políticos no Brasil, faltando pois a Constituição acreana ser adequada ao AI-2 e portanto, a composição da ALEAC não deveria ser mais aquela em voga quando os parlamentares foram empossados, quando vigorava o pluripartidarismo. Era o recomeço no Acre dos governadores eleitos/escolhidos de forma indireta, que vigorou até 1982 quando novamente ocorreram eleições que permitiram aos acreanos, depois de duas décadas, escolherem novamente o governador do Estado via processo eleitoral direto. Pois de 1904 até 1962 o Acre, como Território Federal, sempre teve governos forâneos, indicados pelo governo central através do Ministério da Justiça, denotando o caráter de tutela que o Estado brasileiro mantinha não só sobre o Acre, mas sobre outros Territórios criados posteriormente na região amazônica.

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Telegrama nº 593, 16/11/65, (JA089). Telegrama s/n, 12/11/65, (JA085). 178 Telegrama s/n, 13/11/65, (JA091/091a). 177

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Portanto, as práticas restritivas à participação nas escolhas eleitorais via processo eletivo, não eram de todo estranhas aos acreanos, já estavam presentes e arraigadas no próprio processo de inserção do Acre, em particular (e da Amazônia de uma maneira geral) ao Brasil, como partes integrantes da Nação e do Território nacional. Uma integração marcada pela instauração de governos e estruturas de poder controladas pelo Governo Federal (União), politicamente caracterizada pelo envio de pessoas — geralmente militares — para exercerem o poder político principalmente na esfera executiva, o que não excluía-os de estarem presentes nos demais poderes. Outro aspecto é que o próprio termo designativo do governador Territorial era ―Delegado da União‖, o que reforça ainda mais o que chamamos aqui do predomínio de uma hipertrofia do executivo, que existia antes de 1962 e teve continuidade com o golpe militar de 1964. Coube então ao capitão Cerqueira como governador, dar continuidade ao papel exercido pelos ―Delegados da União‖ no executivo acreano, mandatários não eleitos e que exerciam o poder de forma extremamente autoritária. Depois da única sua experiência eletiva para governador e da fugaz administração de José Augusto, o Acre se vê novamente diante de um chefe executivo que caiu de pára-quedas e que trazia outra vez o signo militar, que tanto marcou as administrações da época territorial, só que agora indisfarçável e às claras. Para Guiomard Santos deve ter ficado a certeza tardia de que, com o estatuto do Estado, o poder executivo também pode se efetivar sem consentimento público 179. As cassações logo são implementadas e atingiram ainda uma gama de deputados federais e estaduais, vários membros da equipe de governo de José Augusto e pessoas ligadas aos movimentos sociais campesinos e urbanos. Os direitos democráticos de liberdade de imprensa, de reuniões, de contestação política, de partidos de esquerda e de associações sindicais foram proscritos e, suas lideranças presas ou colocadas sob vigilância contínua pelos aparelhos repressivos. A restrição à liberdade de expressão, como é típico em uma ditadura, logo de início limitou a já não tão livre imprensa acreana, que passou a sofrer injunções com este cenário estabelecido pelo novo governo que se instalou no poder (Silva, 1998).

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Em discurso na Câmara Federal no ano de 1952, ao defender a autonomia acreana, Guiomard Santos afirmava que a diferença entre Estado e Território era que neste o poder executivo era nomeado sem consentimento público. O Povo, nº 02, p. 03, 28/12/52.

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As Ligas Camponesas, que de maneira incipiente começava a ter uma penetração no meio rural, teve seu jornal Liga fechado e suas atividades políticas suspensas. 180 De imediato estas são as medidas tomadas pelo regime militar que se implanta no Acre, um regime de exceção nos moldes e, em perfeita sintonia com o modelo federal. Dentro deste novo ordenamento institucional, com forte verniz autoritário e repressivo, as forças de contestação só começarão a se organizar tardiamente, por volta dos anos setenta. Resumiam-se inicialmente a setores da Igreja Católica no vale do Acre, dos recém fundados sindicatos de trabalhadores rurais e de outros movimentos urbanos. Estes atores sociais, conjuntamente, irão se constituir em elementos fundamentais de apoio e defesa da democracia, construindo resistências contra o arbítrio que se estabelecera a partir de 1964. É dentro deste panorama mais abrangente, que se inserem os acontecimentos acreanos, que não podem ser dissociados do contexto nacional para não se incorrer em erros maiores. No caso acreano, o golpe militar veio antecipar, de forma prematura, aquilo que as forças oposicionistas, principalmente ligadas ao PSD, não tinham conseguido: abreviar o governo de José Augusto. Por isso, estas forças são desde o primeiro momento entusiastas do regime de exceção instalado no país e no Acre em 1964. O novo poder instituído passa a fazer uma ampla investigação em torno do breve governo de José Augusto, principalmente procurando apresentar ―provas‖ irrefutáveis dos seus deslizes administrativos e ideológicos. Pôr sua vez, José Augusto foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional - LSN, acusado de não coibir os ―excessos‖ de seus auxiliares; ao contrário, ter facilitado-os. Como no caso da SUPRA, ao permitir que seu diretor, Ariosto Pires Miguéis utilizasse a rádio Difusora Acreana para ―insuflar‖ os trabalhadores rurais, — geralmente posseiros e seringueiros —, com questões ligadas a transformações de uso e posse da terra. De permitir que fosse publicado no Diário Oficial do Estado, o estatuto das Ligas Camponesas, considerada pelas forças militares como organização de dissensão no campo181. Estes elementos 180

Cf.: Costa Sobrinho (1992). O Estado, nº124, ano VI, pp. 03/04, 19/07/64. Este jornal, de linha conservadora e pertencente a pessoas ligadas ao PSD, tinha como proprietário José Guiomard Santos. Os redatores eram Omar Sabino, Augusto Hidalgo, Joaquim Cruz, Chaar Filho e Elóy Abud, personalidades políticas que faziam oposição ferrenha a José Augusto e que mais tarde, no bipartidarismo, se alojaram na Arena. 181

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acusatórios, diante do ordenamento político autoritário que se instaurou, eram por si só suficientemente graves e ―justificavam‖ as medidas implementadas. A restrição à liberdade de expressão, como é de praxe nestes casos, atingiu logo de início a imprensa acreana. Jornais como O Rio Branco e A Tribuna do Povo, — este último pertencia a pessoas ligadas ao PTB, — passam a sofrer limitações com este novo quadro político estabelecido pela ditadura. Contudo, outros órgãos de imprensa acreanos aderiram de imediato ao golpe militar, louvando-o como sendo necessário para o restabelecimento da ordem, que estava passando naquele momento por uma momentânea perda de legitimidade. Quase de forma unânime, o golpe militar foi tratado como uma revolução, que restabeleceu o principio da autoridade, colocado em risco pelas forças oposicionistas que defendiam ideologias ―socializantes‖. Esta visão não ocorreu de forma isolada. Na verdade, a grande imprensa nacional também viu o golpe militar como portador de um conteúdo moralizador e ordenador, em um ambiente de conflito político latente, que poderia redundar em quebra da legitimidade e do status quo vigente no país. Logo após o golpe, noticias veiculadas no Jornal O Estado182 informavam que o exército tinha realizado prisões e aberto inquéritos policiais contra prováveis comunistas, entre eles estavam Ariosto Pires Miguéis 183, Hélio Khoury, ambos membros da equipe administrativa do ex-governador José Augusto e acusados de realizarem ―atividades comunistas‖ durante o governo do petebista. Entre os enquadrados também estavam João Moreira de Alencar (vice-presidente das Ligas Camponesas) e Guilhardo Geraldo Gonçalves, acusados de distribuírem o folhetim João Boa Morte e o jornal Terra Livre, considerados panfletos de agitação das ―massas camponesas‖. O próprio jornal afirmava ainda que não podia acrescentar mais detalhes sobre a referida matéria, o que demonstra a filtragem e controle de informações nos poucos meios de comunicação que não foram fechados e que tornaram-se subservientes aos ditames dos caudatários do regime militar.

182

183

O Estado, nº 116. Ano VI, 26/04/64.

Ariosto Miguéis, junto com Hélio Khoury, foi preso quando embarcava em direção a Brasiléia, portava passaporte e pretendia ir para a Bolívia. Lá, seu contato seria com Eliseo Aguillar (Palomita). Entrevista realizada pelo autor no dia 14/08/01.

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O Jornal de Guiomard Santos, alguns dias após o golpe, em matéria intitulada ―liberdade pela democracia‖, tecia loas ao ―principio de autoridade restabelecido‖ e ao freio colocado às ―ações corrosivas‖ e às ―agitações‖ que não foram reprimidas pelo ex-presidente Goulart, tachado pelo referido diário de governante omisso e reticente. O semanário informava ainda, de um suposto apoio prometido por Jango à direção local da SUPRA, no sentido de garantir, através do Exército, as desapropriações de terras para fins de reforma agrária. A referida matéria finalizava nos seguintes termos: ― parabéns aos chefes do movimento pela legalidade, pela democracia, restituindo a ordem ao país, combatendo os comunistas que desejavam implantar em nossa pátria cristã o credo moscovita, e que pretendiam, como os assalariados de Cuba, subtrair ao povo brasileiro os direitos que ele já conquistou184‖. Como já foi colocado, estes setores que se denominavam e se assumiam como forças conservadoras, se expressavam com mais nitidez no meio político, entre os comerciantes e os seringalistas. Esse conservadorismo era um ato acima de tudo de oposição a qualquer tipo de mudança, um receio em relação a qualquer alteração do status quo e da ordem que estava posta, na qual esses grupos se beneficiavam. O temor agora encontrava uma justificativa para se apoiar: a possibilidade de ―contaminação‖ da sociedade pela ideologia de cunho socialista, que causava temor em todos os grupos conservadores. Qualquer proposta mais incisiva de mudança, logo era vista como sendo tentativas ―esquerdizantes‖ de aproximação com movimentos comunistas. O jornal O Estado, em matéria intitulada ―como as coisas mudam!!!‖ 185, faz um comentário irônico a respeito de como a Rádio Difusora era utilizada antes do golpe militar. Segundo a matéria, durante o governo de José Augusto, a rádio era usada para desagregar a população rural e tecer elogios ao governo de João Goulart e Miguel Arraes, considerados políticos com princípios ideológicos de esquerda e defensores do comunismo. O golpe militar, por parte das forças que o implementaram, foi designado como ―revolução‖ e José Augusto, de vítima, passou a ser réu diante dos golpistas

184 185

O Estado, ano VI, nº 116, p.01, 26/04/64. Idem, 26/04/64, p.03.

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locais. Isto está retratado nas páginas d’O Estado186, que afirmava ter José Augusto trazido para o Acre ―um bom número de comunistas‖. dando à eles polpudos cargos na administração pública e hospedado-os às custas do erário público. Segundo a tese do referido Jornal, o ex-governador ao se aliar aos ―comunistas‖, intencionava dar um golpe e permanecer no governo após o término do seu mandato constitucional. Tendo inclusive o apoio de Carlos Lacerda e da UDN, que no Acre estava coligada com o PTB. Os embates e perseguições políticas eram comumente mostradas nas páginas da imprensa ―oficial‖, que antenada e subalterna com às ações do executivo, relatava os casos que considerava mais exemplares. Essas punições chegaram inclusive para alguns membros do poder judiciário. O caso mais notório aconteceu com Juiz da comarca de Xapuri, Daniel Israel, colocado em disponibilidade pelo capitão Cerqueira. Eis o relato da imprensa sobre este caso: ―atendendo inúmeras denuncias contra o juiz de Xapuri, o governador Edgard Cerqueira enviou para àquela cidade uma Comissão Especial de Inquérito. A comissão julgou procedentes as denúncias devido ter ouvido inúmeras pessoas, que assinaram e reconheceram a firma em documentos comprometedores contra aquele juiz187‖. Este juiz, segundo afirmação altiva do mesmo semanário, foi a primeira pessoa a sofrer as conseqüências do AI-1 no Estado do Acre. As perseguições iam desde juiz, deputados até pessoas de ocupações simples como o marreteiro e ex-seringueiro Estanislau Siqueira 188, preso no 1º Distrito Policial acusado de ter sido ―flagrado‖ detratando o governador e capitão, Edgard Cerqueira. Na verdade, e certamente o principal motivo para tal ocorrência policial, era o fato de Estanislau Siqueira ser ligado ao proscrito Partido Comunista e as Ligas Camponesas. Nesta mesma época foi instalado um Inquérito Policial Militar - IPM na 4ª Cia. de Fronteira do Exército, tendo a frente o coronel Thales da Paz Monteiro. O referido inquérito tinha como objetivo fazer um levantamento das ―atividades subversivas‖ que ocorreram até então no Acre. Dentre os Investigados estava Hélio Khoury, um dos membros mais notórios do governo de José Augusto, acusado de ter 186

―Golpe do Governador José Augusto‖. O Estado, 26/04/64, p.04. ―Juiz de Xapuri fora do Acre‖. O Estado, ano VI, nº 120, 14/06/64, p.01. 188 Estanislau Siqueira era ligado ao PC e as Ligas Camponesas de Francisco Julião. ―Comunista recolhido ao xadrez‖. O Estado, nº 139/ano VI, 14/11/64, p.01. 187

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sido enviado ao nordeste189 pelo governador, com financiamento público, para se atualizar em técnicas de ―agitação‖, além de ter fundado no Acre um núcleo do Movimento de Cultura Popular - MCP e de possuir obras literárias consideradas subversivas, apreendidas no ato de sua detenção. As obras eram: ―Que são Ligas Camponesas‖; ―Como atua o imperialismo ianque‖; ―Porque os ricos não fazem greve‖; ―Como agem os grupos de pressão‖, livros que Hélio Khoury tinha conseguido junto a uma universidade carioca e trazidos para o Acre para divulgá-los. Além de correspondências que Hélio Khoury mantinha com aludidos comunistas da Bolívia, entre eles Eliseo Aguillar Alvarez, conhecido pelo codinome de ―Palomita‖. Em uma dessas cartas, enviadas por ―Palomita‖, o mesmo faz referências elogiosas a duas pessoas que ele apresenta a Hélio Khoury, por meio da referida carta apreendida: são os bolivianos Guido Saucedo e Geraldo Giralles 190, que portavam também outros documentos destinados a Hélio Khoury. Na missiva, Eliseo Aguillar finaliza dizendo que ―qualquier ayuda que pueda proporcionarle no será estéril, mas beneficiosa para la marcha de liberacion que hemos emprendido. Le ruego disculparme, y le pido se digne aceptar los saludos revolucionários de quien lo aprecia muy deveras191‖. De acordo com informações da imprensa, os referidos documentos eram relações de seringueiros e colonos, que seriam arregimentados para as hostes das Ligas Camponesas, entidade da qual Hélio Khoury seria conselheiro. Hélio Khoury confirma em grande medida os fatos arrolados na imprensa. Mas nega que participasse ativamente das Ligas Camponesas e segundo ele, Guido Saucedo era membro do Partido Comunista Boliviano e Geraldo Girales, um dentista prático que trabalhava com seringueiros. A tal lista, de acordo com sua versão era composta de pessoas que Geraldo Girales tinha feito atendimento dentário.

189

Em entrevista, Hélio Khoury confirmou que antes de vir para o Acre passou alguns meses em uma fazenda de maracujá, no Estado de Alagoas. Idem. 190 Em meu trabalho de campo, procurei por estas pessoas nas cidades de Brasiléia (Brasil) e Cobija (Bolívia), no entanto sem lograr êxito, pois todos já estão falecidos. Segundo informações dos familiares de Eliseo Aguillar, que moram Cobija, este pertencia ao Partido Comunista Boliviano, tendo inclusive passado algum período na então URSS. 191 Esta carta, datada de 06/0164, foi enviada para Hélio Khoury aos cuidados de Guido Saucedo e Geraldo Giralles, também identificados pela imprensa e pelos militares como ligados a atividades comunistas. ―Agitação e subversão‖. O Estado, nº 124, ano VI, p. 03-04, 19/07/64.

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Como se pode perceber, o teor das cartas a luz de hoje não contém elementos que resultassem em ações de tamanha dimensão. Mas levando em consideração o contexto político nacional e a correlação das forças políticas locais na luta pelo poder, pela busca de espaços e de influências, qualquer elemento acusatório que pudesse enfraquecer o inimigo era usado com ênfase e rigor, como ficou demonstrado, em muitos atos implementados pelos militares e o seus aliados nos âmbitos dos poderes executivos, legislativos e judiciários. Esta intencionalidade era clara: quando convenientes, estas medidas eram divulgadas pela imprensa como atitudes exemplares contra aqueles que procuravam trilhar um caminho diferente daquele defendido pelas forças conservadoras que se estabeleceram no poder após o golpe militar. Outras pessoas também foram investigadas no IPM realizado pela 4ª Cia. do Exército, dentre elas Lourival Messias do Nascimento, funcionário público federal e secretário das Ligas camponesas. Ele era o responsável pela publicação do jornal ―Vanguarda‖, que segundo o Exército, seria subversivo por publicar artigos como: ―Os ricos fazem greves?‖, ―O socialismo é a única maneira de devolver ao Brasil a sua liberdade‖ e ―Saudações aos estudantes‖. Para o exército, artigos subversivos que buscavam de forma clara incitar à violência e para completar, foram impressos na gráfica da Imprensa Oficial, órgão de divulgação estatal. Tudo isso, fazia com que se traçasse um paralelismo entre estas pessoas incriminadas de ações subversivas e o exgovernador José Augusto, acusado de ser conivente com os atos destes durante a sua administração. Até mesmo o deputado José Akel Fares, presidente da Assembléia Legislativa e que por força constitucional era vice-governador, sofreu perseguição política, quando o poder judiciário solicitou à Assembléia Legislativa licença para processá-lo em face da queixa crime apresentada contra aquele pelo governador Edgard Cerqueira192, que se sentiu melindrado pôr alguns atos tomados pelo referido deputado. Em matéria que seguia sua tônica editorial de apoio ao regime militar, o jornal O Estado, fazendo um balanço destes acontecimentos iniciais, afirmava que a ―revolução‖ não tinha ainda parado e deveria continuar ―na sua marcha vitoriosa,

192

―Licença para processar‖. O Estado, nº 136, ano VII, p. 01. 24/10/64.

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combatendo corruptos e comunistas (...) pois a obra ainda não foi concluída e aqui no Acre há ainda muito o que fazer193‖. Em uma matéria mais incisiva afirmava textualmente nos seguintes termos:

―caminha a revolução democrática de 1º de abril para a fase que reputamos mais importante no seu processo revitalizador e moralizador: o julgamento dos criminosos comuns. Sabe o povo, pelos amplos noticiários da imprensa, dos nomes daqueles que desmereceram sua confiança. Dos nomes daqueles que procuraram nos dias negros do desgoverno de João Goulart, conturbar a nação, levando-a a beira de um abismo vermelho de sangue, foices e martelos. (...) terá ido a revolução por água abaixo se a justiça não proceder com rigor. Será o fim de tudo de bom que em tão boa hora veio revitalizar o país. O povo espera que a justiça, à maneira dos outros poderes, saiba cumprir com seu dever revolucionário. Do contrário será o fim. Restará apenas uma luta aberta. Será melhor, então, chamarmos de volta os comunistas e ladrões, e acabarmos com eles no peito e na raça. A bala, porque por bem não terá dado certo194‖.

Neste relatos percebe-se que havia a intenção de querer um aprofundamento investigativo e punitivo para todos os envolvidos em denúncias de insubordinação e de crimes políticos. Para os defensores da ―revolução‖, não bastava somente alijar do poder seus inimigos. Era necessário silenciá-los, dar uma reprimenda exemplar que os afastasse de vez com suas idéias e posturas políticas, consideradas um anátema para uma sociedade ―ordeira, progressista e democrática‖. É no bojo dessas características mais gerais, que se implanta, no Acre, um regime de exceção nos moldes do que estava ocorrendo em todo o país. Porém, de

193 194

―A revolução não parou‖. O Estado, ano VII, nº 137, p. 01. 31/10/64. ―Balança aferida‖. O Estado, nº 140, ano VII, p.01. 21/11/64.

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acordo com Abrahim Farhat Neto195, só vai ocorrer uma repressão mais incisiva quando o Serviço Nacional de Informação - SNI e a Polícia Federal se instalam no Acre. O jornal Varadouro, alguns anos depois, em matéria intitulada ―quem são os ‗secretas‘ no Acre‖, traça mais detalhadamente quem eram e como agiam os órgãos de repressão no Estado do Acre. Segundo o jornal, atuavam no Estado os seguinte órgãos: SNI, Polícia Federal - PF, Exército, Polícias Civil e Militar, e Assessorias de Informações de alguns órgãos federais. Sendo os setores mais visados a Igreja, os Sindicatos Rurais e a Universidade.196 Exatamente onde as forças de contraposição e resistência procuraram abrigo e para se organizarem de forma coesa contra o arbítrio estabelecido pelos militares. Todos esses componentes, dependendo do viés que se queira analisar, indicam um feixe inesgotável de caminhos e campos analíticos diferenciados. Como bem afirma Anderson (1988) com propriedade, os golpes militares foram medidas de prevenção para colocar freios nos movimentos de esquerda no continente e eliminar a perspectiva socialista, deter o populismo em suas formas pré-socialistas. No caso acreano, esses elementos foram usados como subterfúgio para resolver uma disputa de poder oriunda da fraqueza política dos grupos em luta e competição, onde nenhum conseguia predominar e imprimir um poder hegemônico sobre os demais, instalando-se um vazio conciliatório onde foi impossível pactuar a partir das normais institucionais vigentes. Como eles não tinham internamente as bases sólidas em torno de uma hegemonia para suplantar seus adversários, — principalmente porque durante muito tempo predominou no Acre a política dos acertos clientelistas, — quando surgiu no horizonte a possibilidade de resolver a questão pela via externa, ela foi utilizada e aceita sem ressalvas. O golpe militar veio servir para isso: funcionou como um catalisador, que abreviou uma disputa entre duas frentes que se mostravam extremamente fragilizadas no arcabouço institucional implementado pelo Projeto autonomista. Somente o surgimento de um terceiro elemento — externo e militar—, consegui estabelecer o 195

Abrahim Farhat Neto é militante antigo das lutas populares no Acre. Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores no Acre. Fez parte do 01º Diretório Nacional do PT e foi candidato ao senado nas eleições de 1982. Entrevistado pelo autor em 28/10/97. 196 Varadouro, ano IV, n.º 21, p.04, dezembro de 1981.

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diferencial e conformar novamente os interesses contrariados dos setores conservadores da política acreana. Assim, velhos atores políticos bastantes conhecidos dos acreanos, passam a atuar numa arena política que passava por transformações; senão radicais, mas que incutiam incertezas entre eles. Por isso, o golpe militar foi tão louvado e apoiado pelos opositores de José Augusto, pois se fossem depender de suas próprias forças não teriam imaginado um cenário como o que se configurou com a deposição do governador petebista. Um cenário de açodamento exacerbado, onde todos perderam, inclusive a infante democracia representativa que tardiamente tentava se implantar no Acre. Se houve alguma vitória, foi de Pirro. Do ponto de vista político-administrativo, logo após o golpe, o Acre volta a ser governado por dirigentes designados pelo poder central. Condição semelhante à época do Território, só que agora sob uma ditadura militar. Era o que se poderia chamar de um novo rótulo em um velho conteúdo.

3.5 – O autoritarismo e a ditadura militar no panorama político brasileiro.

Em se tratando de Brasil, o período em que vigorou a ditadura militar foi de aproximadamente duas décadas (1964/1985). Com advento da ditadura militar em 1964, chega ao fim a experiência política comumente denominada de democracia populista, que teve seu apogeu circunscrito no período entre 1945 e 1964. No Brasil, bem como na maioria dos países latino-americanos197, foi implantado e instituído um poder político que tinha como principal objetivo reprimir e acabar com quaisquer tipos de ações contestatórias vindas da chamada sociedade civil. De antemão, vale ressaltar que em cada um desses países que passaram por experiências ditatoriais, estas variaram e adquiriram especificidades próprias em relação às outras, que aqui não cabe pormenorizá-las por não ser o intento, pois são irrelevantes no esboço traçado ao longo do trabalho. Mas como característica básica de todas as ditaduras latino americanas, pode-se afirmar de forma resumida, que elas apresentaram certos pontos homogêneos entre si: os espaços governamentais que antes eram ocupados 197

Na Argentina, Onganía ascende ao poder em 1966 e após um breve intermezzo peronista, ocorre um novo golpe militar em 1976 que se alonga até 1983; Na Bolívia Ovando Candiá sobe ao poder em 1969 e é sucedido por Torres (70/71), Banzer (71/78) e Meza (79/82); No Uruguai o golpe é dado em 1973 e perdura até 1984; No Chile, em 1973, Allende é derrubado pelo general Pinochet que governa até 1988; No Paraguai, sobe ao poder Alfredo Stroessner em 1974 e governa até 1989. Cf. Borges (1999).

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por civis eleitos de forma direta, passaram a dar lugar a sucessivos governos militares, que durante boa parte das décadas de 60 e posteriores, implementaram uma nova ordem interna respalda pelo uso arbitrário da força e de expedientes contestáveis do ponto de vista democrático-institucional. Para efeito analítico passarei a explicitar resumidamente, algumas concepções sobre a temática aqui em discussão, procurando situar à luz destes acontecimentos certos olhares lançados por alguns dos diversos teóricos, acerca do autoritarismo e de outros procedimentos correlatos. Uma interpretação bastante utilizada ad hoc é a análise estratégica ou teoria dos jogos, que vê o campo político como uma arena de conflitos e interesses divergentes, no qual os oponentes buscam sempre maximizar ganhos e minimizar perdas. Onde o importante na análise é identificar o porque e interpretar as motivações que levam determinados protagonistas em pugna a tomarem certas decisões e, se poderiam implementar outras que porventura também as dispusessem. É neste sentido que Argelina Chebuib Figueiredo (1993)198 procura analisar a fragilidade do governo de João Goulart (61/64), frente às disputas políticas que marcaram seu conturbado e curto mandato encerrado com o golpe militar. Para esta autora o compromisso democrático no Brasil se esvaneceu frente aos interesses conflitantes dos atores políticos, que em determinado momento não conseguiram mais estabelecer o consenso em torno de um ideal: no caso a democracia representativa, secundarizada pelas chamadas reformas de base. Configurado este quadro, os conflitos existentes não poderam mais ser dirimidos dentro das normas do aparato institucional vigente, instaurou-se então, um vazio conciliatório 199 que abriu possibilidades a um golpe de baixo custo200, em relação ao rompimento das regras institucionais vigentes à época. Dentro de uma perspectiva instrumental, a ditadura militar, implantada após a deposição de João Goulart, teve como foco central à busca de uma estabilização 198

Sobre esta temática ver, entre outros, a interpretação dos seguintes autores: Przeworski (1984); Stepan (1975); Dreifuss (1981) e Zaverucha (2000). 199 O "vazio conciliatório" surge quando a possibilidade de pactuar deixa de existir entre os atores sociais em conflito. 200 A idéia de baixo custo refere-se a ação dos setores golpistas das Forças Armadas brasileiras, que aproveitaram o momento de crise para surgirem como guardiões de uma ordem que estaria em xeque. Figueiredo (ibidem) afirma que o golpe militar foi tentado em 1961, mas como o vazio conciliatório não

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conservadora e coercitiva através do aparelho estatal para responder a uma crise de dominação que a burguesia estava passando naquele momento (Oliveira 1994, p. 28). Assim, percebe-se o golpe militar como uma resposta que os grupos dominantes usam para situações congêneres: quando há possibilidade da perda de hegemonia e se porventura a democracia necessite ser suprimida para conformar certos arranjos, esta se torna desnecessária. Além do mais, setores das Forças Armadas com suas tendências conservadoras e direitistas tinham um projeto de reorganização da sociedade e de modernização do Estado brasileiro através de fortes vínculos com o sistema capitalista internacional. Complementando esta interpretação, existiam ainda os fatores de ordem exógena, que Francisco Weffort (1989) ressalta ao observar que a ditadura militar foi também, no princípio, uma reação a possibilidade de implantação do projeto histórico que os movimentos populares e revolucionários de inspiração socialista, propuseram aos países da América Latina nos anos 60/70. Consubstanciados pela bipolaridade da ―guerra fria‖ entre URSS e EUA, ambos países com seus projetos hegemônicos que se estendiam em escala global. O advento e consolidação das ditaduras militares foi, nessa época, uma marca constante não só nos países do chamado Terceiro Mundo, mas inclusive em alguns países europeus, — Grécia, Espanha e Portugal especificamente. Sobre esses países, Nicos Poulantzas (1976) desenvolve uma análise sobre aquilo que ele designou de ―Estados de exceção‖, marcados por algumas similaridades: violação do regime jurídico; os partidos políticos são suprimidos ou condicionados; o princípio do sufrágio universal é suprimido ou aceito com certas restrições; há um deslocamento do papel dominante do aparelho de Estado para o aparelho repressivo – força se sobrepõe ao consenso; reforço do centralismo burocrático no âmbito executivo; adoção da hierarquia e recuperação dos centros de poder real do Estado (Idem, pp.72/73). Com a implantação da ditadura militar reduz-se a participação formal das oposições partidárias, o voto se torna restrito e há um crescente reforço do poder executivo. Genericamente isto vai caracterizar os procedimentos do Estado autoritário, denominado por Poulantzas (1981) de estatismo autoritário. Ou seja, o Estado passa a

estava instalado a saída foi a adoção momentânea do parlamentarismo.

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ter o controle do conjunto da vida econômico-social, articulado com o declínio e o esgarçamento das instituições da democracia representativa. Estas concepções são abonadas por Fernando H. Cardoso (1975), quando ele comenta as características do modelo político, burocrático e repressivo implantado pelos militares no Brasil pós 64. Cardoso (Ibidem) 201 explicita pontos semelhantes àqueles já alencados por Poulantzas e afirma que esse modelo possibilitou uma reorganização do aparelho de Estado ao liquidar o sistema partidário 202 e incorporar, no seu interior, o processo político sob novas condições, assumindo a forma burocráticoautoritária e tendo dois eixos não excludentes: um tecnocrático e outro militar. Isso possibilitou a ocorrência de uma centralização crescente do poder político, com preponderância do executivo sobre o judiciário e o legislativo; convivência entre a ordem jurídica e o arbítrio corporificado no interior do aparelho de Estado; censura à liberdade de imprensa e condicionamento da cultura à aprovação prévia do Estado. Para resumir, um regime de liberdades restritas e prescritas, cujas arbitrariedades se tornaram rotineiras (Idem, p. 188). Ao abordar o fenômeno do autoritarismo, Adam Przeworski (1989), afirma que a principal característica de todos os regimes autoritários, ―qualquer que seja a combinação de induções e limitações que utilizem, é a de que não toleram, nem podem tolerar, organizações independentes. Pois o que ameaça os regimes autoritários não é a quebra da legitimidade, mas a organização da contra-hegemonia‖ (Idem, p. 23). Isso porque, logo após o rompimento com a ordem vigente, os regimes autoritários também procuram tornar

suas ações

legitimas,

construindo

expedientes

jurídicos e

constitucionais que dêem base para o uso da força, como por exemplo: lei de segurança nacional, estado de sítio, decretos extemporâneos e medidas provisórias. Estes instrumentos servindo como forma de neutralizar e impedir a ascensão de quaisquer forças opositoras e questionadoras; ou senão, mantê-las sob controle contínuo. No caso brasileiro, alguns intelectuais irão falar da ocorrência de uma crise de hegemonia no bloco de poder203, que possibilitou a ruptura com os pactos existentes e as regras democráticas consensualmente aceitas, abrindo espaço no seio das elites para 201

Embora a obra de Poulantzas (1976) tenha sido lançada no Brasil posterior a de Cardoso (1975), a obra do primeiro era conhecida na França, onde Cardoso se auto-exilou, desde a segunda metade dos anos 60. 202 No Brasil o pluripartidarismo foi extinto por força do AI-2 em 27/10/65. 203 Para Poulantzas (1977), o bloco de poder constitui uma unidade contraditória de classes politicamente dominantes, que se efetiva sobre a égide da sua fração hegemônica na sua relação com uma forma

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a adoção do autoritarismo como elemento regulador do cotidiano e o uso da força como fundamento de estabilização da ordem política 204. Por outro lado, ao se explicitarem as ações dos grupos sociais e políticos que estavam em luta, eles refletem a condensação de um passado. Essas mesmas forças em oposição, também planejavam construir um futuro que desejariam prever e antecipar. Ao mesmo tempo, retratam uma luta que busca construir uma possível hegemonia — que não deixa de estar atravessada por contradições, relações de poder diferenciadas e resistências entre os diversos atores sociais. Com isto, as estratégias e projetos entram em choque e não se chega a um denominador comum devido o aparecimento de um vazio conciliatório, determinando a quebra daquilo que Bobbio (1986) chama de ―regras do jogo‖. Posteriormente, se estabelece um grau baixíssimo de reconhecimento legal — por parte dos indivíduos e grupos afetados negativamente — frente a nova ordem estabelecida. A estabilização resultante, baseada no arbítrio e na força, necessariamente leva ao estabelecimento de um clima de incertezas e receios, fazendo com que a antecipação e o conhecimento prévio dos passos do ―inimigo‖, seja uma procura incessante dos grupos em luta, cada um visando alicerçar uma pretensa hegemonia. Isto leva a uma crescente belicização da política, como afirmaria Clausewitz 205.

particular de Estado capitalista. 204 Fiori, ibidem, (1995, p. 14). 205

Karl Von Clausewitz (1780-1831), militar e escritor prussiano. É considerado o grande teórico da estratégia militar moderna. Escreveu a obra Da guerra.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ―Onde existe poder, existe resistência‖. Michel Foucault. Neste balanço final do trabalho, ressalto antecipadamente que este opúsculo contém erros e acertos, reconhecidos e de inteira responsabilidade deste autor. Considero que de modo deliberado, muitos outros aspectos importantes foram deixados de fora desta exposição. Pois o intento foi enfocar de maneira mais incisiva questões em torno da disputa política das frações de grupos dirigentes em luta pelo poder no Acre, dando ênfase na forma como se estabeleceram e que contornos adquiriram as práticas políticas no executivo acreano durante o momento que vai da unificação departamental até a deposição do governador José Augusto de Araújo. Por isso, procurei nesta modesta dissertação levantar algumas questões relativas às preocupações e indagações que nortearam a construção e consecução do referido trabalho. Pautei-me principalmente descrevendo e analisando, a partir de certos referenciais, elementos que foram colhidos através de entrevistas, leituras de jornais antigos, depoimentos e trabalhos acadêmicos. Ao fazer estas considerações prévias, reconheço que há necessidade de um aprofundamento analítico maior sobre esta temática abordada, inclusive com novos olhares e significados de outros trabalhos que venham somar ou contrapor o que aqui acabei de explicitar. Porém, considero o que aqui foi modestamente apresentado nestas páginas configura-se em subsídios extremamente estimulantes para se pensar novas abordagens e, talvez seja, o ponto de partida para uma elaboração teórica mais acurada sobre eventos e práticas tão singulares, e ao mesmo tempo marcantes na história política e social do Acre. Singular, porque todo acontecimento por definição é único. Por sua vez, tornam-se instigantes e adquirem significâncias porque podem ser pensados em suas múltiplas dimensões através de recortes e dos distintos caminhos escolhidos. Como me centrei em discutir a questão da presença do componente autoritário na política acreana, realcei que este traço se expressava ainda, senão pelos seus atributos clássicos, através das deficiências do seu oposto — ou seja, a democracia.

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Isto se evidenciava de forma incisiva como algo constante nos atos das autoridades públicas durante este período abordado, que na sua totalidade eram indicações externas. E como é sabido, quanto maior um poder, mais perigoso é o seu abuso. Não haviam eleições livres e limpas; o sufrágio era limitado; o direito de competir pelos cargos públicos era rarefeito, já que a maioria do corpo burocrático do Estado era preenchido por indicações políticas. Havia ainda pouca liberdade de expressão e inexistência de órgãos de informações alternativas ou livre das injunções do poder estabelecido, já que a imprensa sempre esteve aliada aos grupos políticos, herança que perdura claramente nos dias atuais. Havia ainda, pouca liberdade de associação classista dos grupos subalternos ou, para usar uma expressão de Gramsci, ―dos debaixo‖. Os próprios movimentos organizados — notadamente os autonomistas — aconteceram de forma bastante restritiva e elitista, conduzidos e feitos por setores reduzidos e estabelecidos de alguma forma nas estruturas de poder, seja econômico ou político, que por sua vez se caracterizavam por serem fechados em torno de uma pequena clientela. Traçado este quadro, pareciam ser incapazes de se universalizarem, de se democratizarem e absorverem demandas dos setores majoritários que se encontravam alijados deste quadro como sujeitos ativos. Era uma sociedade cindida em uma ampla base destituída de tudo e no vértice, uma espécie de aristocracia que tutelava e conduzia ao seu modo o chamado ―interesses público‖, geralmente conjugado com os particulares. Nesse processo de continuísmos erráticos e tortuosos, a formação do Acre enquanto unidade federativa e brasileira, dificultou e inibiu uma tradição democráticorepresentativa de linhagem universalista. Sempre predominou a cooptação, a regulação da cidadania em uma cultura política impregnada de procedimentos autoritários, clientelistas e troca de favores como forma de se sobressaírem de situações adversas ou, para reforçar determinadas práticas. Os governantes indicados para governar o Acre tinham suas lealdades e fidelidades orientadas para o governo central, que controlava essas pequenas confrarias rotineiras de poder, onde esses homens ora eram prefeitos, em outras eram governadores e terminavam geralmente como deputados ou senadores na dolce vita da capital da

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República. Estas práticas têm forte semelhança com algumas questões analisadas por Schwartzman (1982), quando ele aborda a mesma temática em âmbito nacional e afirma que esses mandatos executivos eram espécies de degraus que os homens públicos compartilhavam e que não dependiam, no caso do executivo, acreano, de ―bases locais de sustentação para subsistir e se firmar‖ (idem, p. 106). O golpe militar ocorrido em 1964, contribuiu em muito para dar continuidade a uma série de processos oriundo do período territorial, que a breve e fugaz experiência eleitoral e administrativa iniciada dois anos antes não conseguiu interromper, e nem poderia pelos fatos alencados no último capítulo deste trabalho. O Estado que emergiu dos estertores do Território trouxe e conservou em seu bojo, essa tradição política cultivada e arraigada desde a integração ao território nacional, tradição esta que se espraiava por todos alicerces da máquina pública. Se antes havia um autoritarismo mais fluído, com o golpe militar ele se exacerba e mostra-se em sua plenitude. Já o clientelismo e o personalismo presentes na política acreana e brasileira, parecem ser uma constante que acompanha todos nós há muito tempo, tornando-se ―naturalizados‖ e aceitos por muitos. Com a elevação do Acre a Estado, a idéia era que ele passasse de objeto a sujeito — ou de tutelado a autônomo — construtor da sua própria história. Ao adquirir a ansiada autonomia, se pensara que o filho problemático e enjeitado da nação ganharia liberdade. Foi uma breve liberdade interrompida pelo golpe militar, que novamente lhe outorgou governos indicados. Gerou-se, de fato, como bem afirmou o pensador Karl Marx, ―uma sociedade atormentada pelos vivos e pelos mortos, presa de um passado que não se consome, porque continua‖ (in Nogueira, 1998, p. 12). Parecer haver um encadeamento não linear de coisas que emergem hora ou outra, colocando sempre diante de todos velhos problemas que parecem recentes, porque ressurgem geralmente com uma nova roupagem e adquirem o caráter de novidade. Em certo sentido, procurei neste trabalho de análise política, levantar alguns pontos sobre certas características de cunho estrutural e conjuntural da formação do poder autoritário e personalista no Acre, demonstrando como este sistema políticoadministrativo perdurou durante tanto tempo. Abordando ainda as disputas, negociatas, composições e polarizações ocorridas dentro deste sistema político que acabei de enfocar.

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Como é sabido, a própria inserção do Acre como parte integrante da nação brasileira se deu através de conflitos abertos, onde o uso da força se sobrepôs ao consenso. Foi herdado e legado um forte viés autoritário, que permeou as estruturas de mando e os centros de poder e que acabou sendo o signo maior dos atos implementados pelos mandatários locais. Essas práticas ocorreram tanto no espaço dos Departamentos, Intendências e Prefeituras no período pré anos vinte; como também no Território unificado, onde me debrucei de maneira mais acurada. Junto a estes procedimentos de autoridade exacerbada, surgiram suas congêneres políticas: práticas personalistas, corporativistas e clientelistas que visavam garantir e manter certos procedimentos, declinando e impedindo o florescimento de ações democráticas no seio do poder público e também da ―sociedade acreana‖. Durante todas suas trajetórias política, — Brasil e Acre — houve esta marca que imprimiu de maneira indelével um rosto pouco julgado, geralmente visto como glorioso, ufanizante e aceitável pelo orgulho que pretensamente causa a todos. De sermos diferentes e, em grande medida, melhores que o ―outro‖. De uma maneira geral, talvez isso tenha ocorrido porque é comum não olharmos de maneira crítica para nossas imperfeições, preferimos sempre ver no outro aquilo que negamos e discordamos. Somos narcisistas, inclusive no campo da história, com datas comemorativas, heróis e passados gloriosos. Ao falar isto, não quero e nem pretendo silenciar estes eventos e personagens, mas ter a possibilidade de questioná-los. Metaforicamente, nas análises historiográficas tradicionais é isso que ocorre: procura-se glorificar e realçar aspectos formadores de uma identidade uniformizante, de uma história homogênea e pasteurizada pelos grupos majoritários e pôr intelectuais compromissados com o status quo. Para se contrapor a isso, é necessário olhar da periferia para o centro, debaixo para cima, da planície para a montanha, fazendo o caminho inverso que sempre predominou e ainda predomina em muitas análises sociais. E aqui, não estou querendo estabelecer um debate entre ―verdade‖ e ―falsidade‖ mas, que outras perspectivas analíticas possam surgir e revisitar determinados processos históricos. A este respeito, o filósofo alemão Nietzsche, tem um aforismo que se enquadra no que estou falando. Textualmente ele afirma que, daquilo que nós julgamos

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conhecer e amar, é preciso que nos afastemos pelo menos uma vez na vida, pois ―é somente ao sairmos da cidade que veremos a que altura se elevam suas torres‖. Ou seja, procurar ver estas novas perspectivas nos incute a necessidade de movimentar-se, não se engessar, inclusive nos julgamentos e nas leituras que fazemos dos outros e de nós mesmos. Em época de comemoração de centenários acreanos é preciso repensar se fomos e somos aquilo que achamos ser. Questionarmos primeiramente a nós mesmo é um exercício que somente nos fará bem, pois alimenta o debate onde existe a harmonia silenciosa.

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c) Periódicos/Revistas/Relatórios/vídeos

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Relatório apresentado a

Augusto Vianna do Castello (Ministro da Justiça e negócios Interiores) por Hugo Ribeiro Carneiro. Período: 01/1928 - 10/1930. Rio Branco. mimeo;

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PREFEITURA MUNICIPAL DE CRUZEIRO DO SUL/UFAC. (1994), A cidade de Cruzeiro do Sul. Rio Branco. Gráfica Estrela; POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO ACRE: HISTÓRIA E AÇÃO. Vídeo VHS. 1997.

d) Jornais 

Folha Official; 

O Juruanse; 

O Varadouro; 

O Acre; 

Tribuna do Povo; 

O Rio Branco; 

O Liberal; 

O Estado; 

O Rebate; 

O Juruá; 

O Norte; 

Folha do Acre; 

A Capital; 

Diário do Rio; 

Diário Official; 

Estado do Acre; 

A Gazeta do Purús; 

Jornal do Povo.

c) Entrevistados 

Ariosto Pires Miguéis; 

Abrahim Farhat Neto; 

Eloy Abud; 

Hélio Khoury.

117

d) Acervos consultados 

Biblioteca Pública Estadual (Rio Branco); 

Museu da Borracha (Rio Branco); 

Instituto Lígia Hammes (Rio Branco); 

Arquivo Geral do Estado do Acre (Rio Branco); 

CDIH/UFAC (Rio Branco); 

Assessoria de Comunicação da PMAC; 

Biblioteca dom José Hascher (Cruzeiro do Sul); 

Biblioteca padre Trindade (Cruzeiro do Sul); 

Biblioteca da Assembléia Legislativa do Estado do Acre; 

Biblioteca do Tribunal de Justiça do Estado do Acre; 

Associação Comercial do Alto Juruá – ACAJ (Cruzeiro do Sul); 

Biblioteca Nacional (RJ).

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APÊNDICES Tabela I – Governadores nomeados – 1ª fase (1921/1930) Nome

Função

Formação/ocupação

Epaminondas Jácome207 GE médico-militar Major Manoel Duarte de Menezes GS militar/cmdte.FPTA/1º vice-gov. Francisco de Oliveira Conde GS jurista Major João Câncio Fernandes208 GS militar Major Ramiro Guerreiro GS militar/Intendente da capital José T. da Cunha Vasconselos GE jurista Cel. Antônio Ferreira Brasil GS militar/Intendente da capital Major João Câncio Fernandes GS militar/1º vice-governador Alberto Augusto Oliveira Diniz209 GE desembargador Major João Câncio Fernandes GS militar/2º vice-gov. Cel. Laudelino Benigno GS militar/advogado/1º vice-gov. Hugo Ribeiro Carneiro GE advogado/engenheiro Major João Câncio Fernandes GS militar José Martins de Souza Ramos GP desembargador Fonte: jornais O Acre, O Norte, Folha do Acre e A Capital. Calixto (1997). Legendas: GE-Governador Efetivo; GS-Governador Substituto; GP-Governador Provisório * dados não encontrados 206

Nascimento

RN BA * RN * PE * RN MG RN CE PA RN *

Período206

01º-01-21/13-11-22 26-05-22/23-06-22 23-06-22/13-11-22 13-11-23/17-02-23 12-02-23/17-02-23 17-02-23/19-05-26 19-05-26/22-05-26 22-05-26/26-07-26 26-07-26/16-12-26 16-12-26/06-01-27 06-01-27/15-06-27 15-06-27/03-07-30 03-07-30/29-10-30 29-10-30/08-12-30

Tempo de governo

39 meses e 03 dias 28 dias 04 meses e 21 dias 02 mês e29 dias 05 dias 39 meses e 02 dias 03 dias 02 meses e 04 dias 04 meses e 20 dias 21 dias 05 meses e 10 dias 36 meses e 18 dias 03 meses e 26 dias 02 meses e 09 dias

O período refere-se a data que cada governante assumiu e deixou efetivamente o governo, pois antes disso existia a nomeação pelo presidente da república e em seguida a posse se dava no Ministério da Justiça em Negócios Interiores, só após estes dois atos é que a viagem para o Acre era empreendida. 207 No período de 26/05/22 à 23/06/22, realizou viagem ao Alto Juruá via Manaus e foi substituído por Duarte de Menezes. Posteriormente, pediu licença do cargo e empreendeu uma viagem à capital federal que se estendeu até o fim do seu mandato, neste período foi substituído por Oliveira Conde. 208 Foi presidente do Tribunal de Apellação em Sena Madureira (Alto Purus) em 1908. 209 No dia 16/12/26 parte para o Rio de Janeiro no intuito de buscar sua família. Chegando a capital federal pede renúncia do cargo, que não é aceita pelo ministro da justiça. Sua volta ao Acre estava programada para junho de 1927, mas em 08/03/27 pede novamente renúncia do cargo em caráter irrevogável, desta vez aceita. (Folha do Acre, nº 563, 14/03/27).

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Tabela II – Interventores Federais – (1930/1937) Nome

Formação/ocupação

Francisco de Paula Assis Vasconcelos José M. B. Castelo Branco Sobrinho João Felipe Sabóia Ribeiro Manoel Martiniano Prado210 Manoel Quintino Bezerra de Araújo211 Fonte: jornais O Acre.

Nascimento

Período

PE RN * SP *

08/12/30 – 21/09/34 21/09/34 – 11/02/35 11/02/35 – 14/04/35 14/04/35 – 11/02/37 11/02/37 - 15/03/37

Advogado Magistrado Médico bancário (BCESP) *

TEMPO DE GOVERNO

45 meses e 14 dias 04 meses e 21 dias 02 meses e 03 dias 21 meses e 28 dias 01 mês e 03 dias

* dados não encontrados TABELA III – ETAPAS DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DO TERRITÓRIO ACRE (1904-1920)

Organizações Data 1ª 07/04/04 2ª 26/03/08

Decreto nº 5188 6901

Presidente Rodrigues Alves Afonso Pena



23/10/12

9831

Hermes da Fonseca



28/02/17

13405

Wenceslau Brás



04/10/20

14383

Wenceslau Brás

Conteúdo Criou os três Departamentos administrativos Criação do 1º Tribunal de Apellação e da seção da Justiça Federal em Sena Madureira Criação do quarto Departamento (Alto Tarauacá), da figura dos Intendentes Municipais e dos municípios. Criação do Tribunal de Apellação em Rio Branco com jurisdição em todo Território e organização judiciária Unificação dos Departamentos e centralização do poder

Fonte: Craveiro Costa (1974).

Tabela IV – Evolução da população acreana (em mil hab.) 1920 1926 1940 % 1950 % 1960 % 1970 % 1980 % 1991 % 2000 % — — 65.631 82,28 93.483 81,46 126.210 78,77 155.992 72,45 169.134 56,07 159.198 38,11 187.541 33,65 Rural — — 14.137 17,72 21.272 18,54 33.998 21,23 59.307 27,55 132.169 43,93 258.520 61,89 369.796 66,35 Urban a 92.379 106.374 79.768 100 114.755 100 160.208 100 215.299 100 301.303 100 417.718 100 557.337 100 Total Fonte: IBGE (1980); IBGE (2001); Gonçalves (1998); O Acre, nº 1484, 26/03/61. 210 211

Pediu exoneração do cargo devido a demissão do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Vicente Rao; seu amigo particular. Era secretário-geral de Martiniano Prado.

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Tabela V – Governadores nomeados – 2ª fase (1937/1962) Nome Partido função Formação/ocupação Natural Período Tempo de governo Epaminondas de Oliveira Martins PP GE médico BA 15/03/37 – 21/08/41 52 meses e 06 dias Oscar Passos212 PTB# GE militar/capitão RS 21/08/41 – 22/08/42 12 meses e 01 dia Francisco de Oliveira Conde PTB# GS jurista * 22/08/42 – 25/10/42 02 meses e 03 dias Luis Silvestre Gomes Coelho PTB GE militar/coronel CE 25/10/42 – 14/02/46 39 meses e 20 dias José Guiomard Santos PSD GE militar/major MG 14/02/46 – 01/06/50 52 meses e 17 dias Raimundo Pinheiro Filho PSD GS militar/ten.-coronel MA 01º/07/50 – 31/01/51 05 meses e 30 dias Edson Stanilaw Afonso PSD GS médico AM 31/01/51 – 25/04/51 02 meses e 25 dias Amilcar Dutra de Menezes PSD GE militar/ten.-coronel RJ 25/04/51 – 04/01/52 08 meses e 10 dias Dehork de Paula Gonçalves213 PSD GS militar/major AM 04/01/52 – 29/01/52 25 dias João Kubitschek de Figueiredo214 PSD GE engenheiro-civil MG 29/01/52 – 25/05/53 15 meses e 26 dias Abel Pinheiro Maciel Filho215 PSD GE médico CE 25/05/53 – 14/09/54 15 meses e 20 dias Francisco de Oliveira Conde PTB GS jurista * 14/09/54 – 27/03/55 05 meses e 22 dias Paulo Francisco Torres216 GE militar/coronel/adv. RJ 27/03/55 – 11/04/56 13 meses e 09 dias Adilar dos Santos Teixeira * GS militar * 11/04/56 – 06/05/56 25 dias Valério Caldas Magalhães PSD GE agrônomo RR217 06/05/56 – 02/07/58 25 meses e 26 dias Manoel Fontenele de Castro218 PSD GE tenente-coronel CE 02/07/58 – 28/03/61 32 meses e 26 dias Jorge Félix Lavocat219 PSD GS advogado * 28/03/61 – 13/04/61 16 dias Altino Machado PTB GE advogado SP 13/04/61 – 25/08/61 04 meses e 12 dias Fernando Paulo Pessoa de Andrade * GS * CE 25/08/61 – 04/09/61 11 dias Oswaldo Pinheiro de Lima * GS * AC 04/09/61 – 29/10/61 01 mês e 25 dias José Ruy da Silveira Lino PTB GE agrônomo AC 29/10/61 – 06/07/62 08 meses e 23 dias Aníbal Miranda Ferreira da Silva220 PTB GP agrônomo AM 06/07/62 – 01º/03/63 07 meses e 24 dias Fonte: jornais O Acre; SEPLAN/DGE (1971); * Dados não encontrados; # A filiação partidária de ambos ocorre somente em 1949, quando o PTB é fundado. 212

Afastou-se do governo para assumir a direção do Banco de Crédito da Borracha – BCB. Era secretário geral do governador Amílcar Menezes e irmão do deputado federal Joaquim de Paula Gonçalves (AM). 214 Irmão de Juscelino Kubitschek, foi diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP, no Rio de Janeiro, até 1945. 215 Embora ligado ao PSD, foi indicado para o cargo após Getúlio Vargas ter vetado os nomes indicados por Oscar Passos e Guiomard Santos. No dia da posse se declarou apolítico. 216 Como militar, participou da campanha da FEB na Itália. 217 O atual Estado de Roraima chamava-se à época Território do Rio Branco. 218 Entre 02/07/58 e 10/11/58 foi governador substituto, posteriormente foi efetivado no cargo. 219 Ex-prefeito de Rio Branco e ex-presidente da Associação Comercial do Acre. 220 Exerceu o mandato em caráter provisório até a promulgação da Constituição estadual e da posse do novo governador. Nas eleições de 1963, foi eleito prefeito de Rio Branco . 213

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