As Relações Internacionais e a diversidade brasileira: veredas

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Palestra proferida na X Semana de Relações Internacionais - UNESP

Franca, Mesa Redonda - 15/08/2012 – 09 h

As Relações Internacionais e a diversidade brasileira: veredas

Felipe Kern Moreira

I

Encontrei

uma

maneira

autoindulgente

de

falar

sobre

minha

participação na X Semana Acadêmica de RI de Franca. Lembrei do filme

“Um convidado bem trapalhão (The Party)”, de 1968, com o Peter Sellers. Olha, o filme já era antigo quando eu assisti na televisão, então tá todo mundo desculpado de não conhecer. O convidado trapalhão foi um personagem que acabou numa grande festa, na casa de um famoso diretor de cinema de Hollywood. O diretor, em vez de assinar a carta de demissão do funcionário, assinou o convite para a festa e o trapalhão acabou se dando bem. Eu sou um animal-professor do curso de RelaI em Boa Vista Roraima. Estava eu lá perto do Monte Roraima, batendo um papo com o Makunáima e recebo sinais de fumaça ao longe, assinados por Regina Laisner e Paula Pavarina. Conheci a profa. Regina Leisner, como diriam meus estudantes, “lá no Brasil”, em um encontro do FOMERCO em Aracaju, em 2007, e a profa. Paula no início de 2006 num curso de Active Learning em Brasília. Nos reencontramos rapidamente no encontro da ABRI, “lá no Brasil também”, na USP, ano passado, quando tive a oportunidade de conhecer mais alguns professores da UNESP Franca. Por sinal, dois colegas meus da UFRR são da primeira turma de RI da UNESP Franca que também com isto já faz história.

 

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As professoras convidavam-me para ir fazer uma preleção na UNESP Franca. – “Eu? Deve ser algum engano”. Vamos falar a verdade, em eventos acadêmicos, normalmente convidam pesquisadores já reputados, bem conhecidos ou os amigos ou os contatos políticos. Às vezes existem até sentimentos menores envolvidos. “E eu tenho somente o troco miúdo de meus estudos”. Pensei que era brincadeira e cousa e tal. Depois que vi na Programação que o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães iria fazer a Conferência de Abertura; que o meu mestre Estevão Chaves de Rezende Martins, fazia parte da lista de palestrantes. Tive certeza que era brincadeira. Era trote! Tentei argumentar com a professora Paula Pavarina. Coloquei a indiaiada para tocar tambor e comunicar à UNESP Franca que eu morava longe. Que eram dias na canoa e mais alguns no cipó. Já ouviram falar do “pobre que mora longe”? Pois é, eu sou o professor que mora longe. Aí eu batuquei para a Paula. – “Olha Professora, ano passado me convidaram pra Semana Acadêmica da Universidade Católica de Goiás. Contudo, uma semana antes – constrangidíssimos – me avisaram que não tinham recursos para pagar minha passagem.” “Ou a gente traz somente o senhor ou os outros palestrantes” Há pouco tempo eu falava com um professor da Universidade de Brasília e ele me contou que quase não autorizou a participação de um professor da UFRR numa banca em Brasília. “Olha - ele me disse - : o preço da passagem era o mesmo que de uma viagem para a China. Pra China, meus caros! Por estas e outras razões, posso dizer que me escondo

na

Conchinchina.

Sabe

a

Conchinchina?



onde

o

Makunáima perdeu as meias. Lá onde o gigante comedor de gente, Piaimã, encravou as unhas. Cheguei até a propor a ajuda com o pagamento das despesas de transporte. Isto tudo porque estar aqui nesta X Semana de RI da UNESP Franca seria o sétimo céu. Seria o cupom dourado para a Fábrica de Chocolates do Willy Wonka. Me distingue e me envaidece, muito.  

2  

Gostaria

de

registrar

nestas

notas

introdutórias

meu

agradecimento à UNESP Franca, aos alunos, ao Centro Acadêmico, funcionários e professores, em especial à Regina Leisner e è Paula Pavarina, pela confiança depositada na potencialidade de minha contribuição. Entendo que com eventos deste tipo e, em particular, com uma mesa redonda com estas características, existe um esforço meritório que merece ser registrado em compasso binário, como a música brasileira. Primeiro, esta Mesa Redonda não se trata de convite aos amigos ou aos contatos políticos naquele contexto universalmente conhecido como o “toma lá, dá cá”. O mundo acadêmico já está cheio de bancas dos amigos, livro dos amigos, jantares dos amigos, que infelizmente tentam dar a percepção de um grupo de eruditos e nada mais são – em boa parte das vezes - do que um... ‘grupo de amigos’. Um elogia o outro num processo mútuo e patético de anabolização intelectualóide. O sociólogo Pierre Bordieu fala disto magistralmente em seu “Homo Academicus”; do capital intelectual, de um sistema de trocas e maisvalia acadêmica. E se formos falar em termos brasileiros, Darcy Ribeiro nos ensina que no Brasil existem muito mais “cunhadismos” (termo indígena para as relações preferenciais de parentesco) do que pensamos. O segundo tempo, que em nossa música é o tônico, refere-se ao convite a um acadêmico da Universidade Federal da Grande Dourados, o meu caro e meio-conterrâneo, prof. Alfa Diallo, e eu da Universidade Federal de Roraima. Professores da periferia, das fimbrias, das margens. Não estranharia se alguém pensasse “Se este cara é tão bom assim, o que está fazendo em Roraima?”, ou mesmo, “pode vir alguma coisa boa de Roraima?”. Este tipo de questionamento parece-me semelhante à pergunta feita pelo Samuel Pinheiro Guimarães: se alguém hoje teria escutado em seu ipod música argentina, uruguaia, paraguaia, equatoriana, boliviana. Alguém conhece alguma notícia sobre as humanidades destes países (literatura, música, cinema, teorias  

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de RI)? Neste segundo tempo, além de romper com os ditames do capitalismo acadêmico, a que fiz referência há pouco, rompe-se com a falsa percepção de que a erudição, a inteligência, tem lugar certo para acontecer. Tenho certeza que eu e o professor Alfa temos muito a comunicar sobre um Brasil e uma América do Sul ainda pouco conhecidos. Mais ainda com o professor Alfa que nos traz de presente o conhecimento sobre integração africana e mundo islâmico. De minha parte trago las limosnas do meu conhecimento, mas sei que com estas moedinhas a gente pode fazer chover. Parabéns, parabéns à UNESP Franca pela ousadia, por tentar pensar as RI do Brasil de forma mais completa, diversa, plena de humanidades.

II

E é nestes contornos anedóticos que podemos falar sobre “As relações internacionais e a diversidade brasileira”. Bem, Paula, Regina e Alfa, é agora que vou começar a falar. Tudo bem? Olha o tema é tão sedutor, totêmico, que eu vou me restringir a tentar distrair vocês, como uma viagem de trem onde se olha a paisagem lá fora, que se quer conhecer, muito embora distraídos. Se aplicarmos o método genealógico do Nietzsche ao título desta Mesa Redonda seria possível perguntar o que se entende por “diversidade brasileira” e quais as relações possíveis com as “Relações Internacionais”. Isto parece ser um assunto sem fim. Fiquem calmos, vou terminar minha contribuição ainda hoje, mas podem pedir à cozinha para segurar o almoço para mais tarde. Não seria possível aqui dar a conhecer o quadro completo das RIs e da diversidade brasileira, somente transmitir alguns contornos, dar a conhecer algumas cores. Quem quizer saber um pouco mais, existe um Mini Curso sobre Identidade Internacional do Brasil. Minhas vítimas já  

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sabem que este Mini Curso vai mais confundir do que esclarecer, até porque o senso comum permite observar na linha da história que em ciência não existem respostas definitivas e certas e sim perguntas certas. A diversidade brasileira é bem conhecida: étnica, religiosa, linguística, climática, geográfica. Tenho experiência nisto. Nasci e cresci, perto do Chuí no extremo sul do Brasil, na cidade de Rio Grande, o porto do Mercosul, primeira capital do RGS, fronteira com Uruguay e Argentina. Fiz uma escala em Brasília – de 2002 a 2007 onde estudei o mestrado e doutorado. E hoje vivo e trabalho pertinho do Caburaí, extremo norte do Brasil (não é mais Oiapoque ein pessoal, agora é do Caburaí ao Chuí). E Roraima, terra de Makunaima, é a fronteira mais recente do Mercosul Continental. Tenho a dita de morar a três horas da Venezuela e a uma hora da República Cooperativista da Guyana. Vou seguido para Guyana curtir os transeuntes ouvindo reggae, alguns usando turbantes, comendo uma comida deliciosa com curry e pimenta e falando uma língua que eles dizem ser inglês. É uma mistura interessantíssima de ingleses, chineses, hindus, árabes, javaneses, holandeses, indígenas, afroamericanos e, é claro, brasileiros e castellanos. Essas experiências – e mais algumas que não cabem aqui - me deram credenciais para dizer que já pirei pensando em questões de diversidade brasileira. A

diferença

destacada

entre

a

diversidade

brasileira

e

a

diversidade dos nossos vizinhos é que nós miscigenamos mais. Boaventura Souza Santos, no “Pela mão de Alice” atribui isto à noção portuguesa de fronteiras que está mais para border que para frontier. Semana passada estive em Montevideo e mais uma vez constatei que lá existem poucos negros. Isto também ocorre em Buenos Aires. Os castellanos também miscigenaram menos com os indígenas em comparação com o Brasil. Fica parecendo o Cartaz da X Semana Acadêmica, uma índia bonita de um lado, o Marcos Chaib Mion de outro (e este tem ascendência árabe) e nenhum afro-americano. Vamos  

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colocar pelo menos um 3X4 do Alfa aqui neste cartaz que vai ficar mais bonito. Tem aí farta produção intelectual e evidência empírica (que é mais importante) sobre estas clivagens étnicas assépticas no Peru e na Bolívia. Os hermanos miscigenam menos e consequentemente trocam menos. Por estas e por outras, Darcy Ribeiro, diz que nas Américas somente os Araucanos e os Brasileiros são povos novos. Estão em rumo a algo diferente, a projetos societários inéditos. Os outros países são povos transplantados ou tributários de antigas civilizações, testemunho. Infelizmente também não dá tempo para explicar estes movimentos civilizacionais da América. A tempo, vocês sabem quem são os Araucanos? São os Chilenos. É isso aí mesmo, pré-civilização novinha em folha, cheirando a pezinho de nenê, somos nós e os chilenos. Os outros povos, para mal ou para bem são mal resolvidos etnicamente, societariamente, do Alasca à Patagônia. Ou tentam repetir o modelo societário europeu na América ou padecem de atavismos históricos. E vocês sabem o que é atavismo? É uma força que tenta constantemente trazer

de

volta

ao

estado

primitivo.

O

realismo

das

relações

internacionais – que de realista tem muito pouco – é cronicamente atávico, descrente de que o homem possa sair de suas inclinações primitivas de poder, egoicismos, desejos de glória e fortuna. Não há o que fazer para o pobre ser humano cooperar, sair de sua miséria. Isto seria para os fracos e por mais que se tente, os sentimentos menores tomam conta dos corações e mentes. Mas aqui eu reconheço que fugi do assunto e posso ser descontado na redação. Gente, povo novo, miscigenado – e não por isso sem problemas de diversidade – é o Brasil. É a maior pré-civilização miscigenada do mundo. Ponto. Por

ter

muitos

elementos

de

diversidade

gostaria

de

me

concentrar na diversidade cultural. E para isto é necessário tentar tocar nas ideias do que é cultura e a partir disto falarmos do mistério do multiculturalismo. Quanto a isto tenho outra história.

 

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No final do ano passado realizamos na UFRR a 1ª Semana de RI. E tentamos também inovar, com uma Mesa sobre “Povos Indígenas e Relações Internacionais”. E participou um jovem líder indígena chamado Maurício Yekuana. O Maurício ensinou para nós, que existem ideias prevalentes de que os povos indígenas teriam pouco a dizer frente à erudição dos acadêmicos universitários. Alguns de vocês podem até pensar que não mas na realidade visceral do nosso cotidiano, pensamos que a cultura indígena é a plumária, cocares, apitos, flautinhas, curare, plantas medicinais, dançar na volta da fogueira. Isto aí é uma concepção de Almanaque. O Maurício me ensinou – porque não saberia dizer se meus colegas e alunos aprenderam ou somente escutaram – que as RIs se arvoram o conhecimento geográfico do mundo, mas ninguém naquele auditório saberia dizer os nomes de todos os rios, montanhas e lugares sagrados da região do maciço das Guyanas (Extremo norte do Brasil, Venezuela, ‘Guyana Inglesa’, Suriname e Região Administrativa da Guyana Francesa). Nós nas Relações Internacionais nos arrogamos o conhecimento e o reconhecimento das línguas. E o Maurício explicou que diversos índios da região falam, o português, o inglês, o espanhol e mais uma ou duas línguas indígenas que são necessárias para eles cotidianamente desenvolverem suas atividades societárias. Nas relações internacionais estudamos as relações diplomáticas de guerra e paz, com ênfase naquilo que denominamos de sociedade pós-westfaliana. E o Maurício explicou que os ameríndios exerciam diplomacia muito antes de o branco chegar. O próprio Florestan Fernandes possui um livro sobre a função da guerra na sociedade tupinambá. Interesantíssimo. E a gente aqui lendo a Guerra do Peloponeso! Mas, para mim, o ensinamento mais expressivo da preleção do jovem Maurício Yekuana é ter a clara noção que o mundo é reinventado. Que o mundo não é uma ordem social dada e imutável. Os índios são construtivistas sem o saberem.

Às vezes tenho a impressão que

estudamos RI como se o sistema de Estados fosse universal e imutável.  

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Antes de os Estados nacionais chegarem à América, com as noções de soberania, nacionalidade, patriotismo, símbolos nacionais e diplomacia, os povos indígenas estavam lá e em algumas partes da América – onde vivem os sobreviventes deste holocausto - pouco mudou. Para determinados

Yanomamis,

dizerem

que

eles

são

brasileiros

ou

venezuelanos é um conhecimento descartável. Para eles, o seu mundo não obedece, nunca obecedeu e nunca obedecerá as fronteiras westfalianas. Gilbert Keith Chesterton escreve que a Igreja Católica é demasiada universal para ser chamada internacional, porque é mais antiga que todas as nações (Maestro de Cerimonias, 1950, 257). Os indígenas, mais do que nós, acadêmicos das RIs, sabem que um dia o mundo foi organizado de forma diferente. Chegou o europeu e ordenou uma nova ordem social que nunca afetou a vida de milhares de pessoas tanto no Altiplano Andino e nos povos do baixo plano amazônico. Novas formas de organização social e exercício do poder vão sobrevir, talvez muito mais rápido do que pensamos. Por sinal as grandes rupturas mundiais foram assim; aconteceram no plano fático enquanto os plenipotenciários e os eruditos continuavam com uma retórica e semântica anacrônica, ultrapassada; porque as ideias incrustam nos livros e nas mentes mas o mundo é constante devir. E tem uma hora que o mundo dos livros e da sala de aula já não explica o que vemos fora das salas, a partir das janelas de nossos laboratórios, gabinetes e chancelarias. O mundo muda mas nossa cabeça demora a assimilar. É a diferença assinalada por Jorn Rüssen sobre o tempo do homem e o tempo do mundo. Mas os povos indígenas sabem de tudo isso. Porque eles vêem que o branco pensa com a cabeça do padrão westfaliano que nunca explicou e - em alguns casos - nunca atingiu o mundo dele. Além do Florestan Fernandes também é interessante mencionar o Afonso Arinos. Vocês sabiam que o Afonso Arinos de Mello Franco escreveu um livro, publicado em 1937, chamado “O índio brasileiro e a revolução francesa” onde fala das origens brasileiras da teoria da  

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bondade natural que influenciou decisivamente pelo menos Morus, Montaigne e Rousseau. A obra não foi reeditada, até porque é muita petulância e desvario pensar que o indiozinho brazuca inspirou os iluminados da revolução francesa. Consegui fazer cópias desta obra no Itamaraty,

no

mês

passado

a

partir

de

um

livro

todo

roto,

esmulambado. A partir das contribuições da antropologia, de Claude LeviStrauss e mesmo antes com Franz Boas, Malinowisky, aprendemos que cultura são formas de organização social. Cultura não é conhecimento, erudição, isto já seria a sistematização da cultura. O Lévi Strauss - que é

considerado

o

inspirador

do

estruturalismo

francês

e

por

consequência do pós estruturalismo (e aí colocamos neste grupo o Foucault, o Derrida, o Deleuze) - aprendeu com os índios brasileiros que existiam por trás daquela aparência frágil, pobrezinha, minguada que existiam estruturas de parentesco refinadíssimas que relacionavam-se com os mitos, com os símbolos. Estruturas de organização social que atingiam ideias de paz, ordem e contentamento com mais eficiência que as modernas sociedades pós-westalianas. Isto me faz lembrar dos diários de campo de Darcy Ribeiro. Numa determinada etnia os homens “vestiam” somente uma fita específica na ponta do pênis. Se o índio estava sem a fita, estava nu. Isto não é tremendamente inspirador? Não a fita no pênis... mas o acordar que estamos embebidos em concepções culturais de nu, vestido, erotismo, belo e feio, primitivo e progressivo? Que nos achamos tão emancipados mas estamos na jaula da cultura, todos nós, atados aos gilhões das ordens e viabilidades societárias. Por estas e outras, alguns povos ameríndios possuem a concepção de refinamento cultural às avessas que nossas sociedades urbanas, cartesianas, weberianas, westaflianas. Eles são os civilizados, eles são os evoluídos e tem pena de nós que estamos nesta gaia, nesta vis dormitiva da ciência e do progresso. Escrevi no ano passado um paper para a ABRI com o título “Normas costumeiras indígenas e direitos humanos: apontamentos para  

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o debate” e foi recusado. E olha que eles aceitam todos os papers. A alegação de fundo é que não estava no campo. O campo das RI diz respeito ao internacional ou ao universal?

III

A

diversidade

brasileira

tem

muito

a

dizer

às

Relações

Internacionais. Hoje, o maior difusor da cultura brasileira nos EUA não está nas chancelarias, nas atividades dos adidos culturais e sim na capoeira, na capoeira de Angola. O Brasil é o contra-factual do Choque das Civilizações do Samuel Huntington. O pressuposto deste infeliz do Huntington é que existem civilizações e estas são diferentes e não dá para conciliar. Inevitavelmente vão entrar em choque. É o tipo de ideia abstrata e lógica – mas também rasteira - do tipo “os homens são de marte e as mulheres são de vênus”. Só que o cara que escreve isto não olha pra fora da janela pra ver que apesar disto as pessoas estão se amassando e se amando. O Huntington escreve para americano onde até 1956 os negros não podiam entrar no mesmo onibus que os brancos. E isto mudou de baixo para cima com uma decisão da Suprema Corte. Coitados destes americanos, tiveram pais tão ilustrados e altaneiros. Venceram o hitlerismo e o imperialismo japonês em 1945 e dez anos depois, dentro da própria casa não conseguiam andar negros e brancos dentro de um mesmo ônibus. E o Huntington escreve dentro desta redoma, para estes peixes dentro deste aquário, se achando tão universal. E nós aqui no Brasil, aprendemos a cartilha do Huntington, do Waltz, do desvairado do Mearsheimer, do Keohane e do Nye. E raramente lemos um livro de um teórico brasileiro porque esta coisa de teoria de brasileiro é papo de empreguete. Discurso teórico brazuca, tupiniquim, tibicuera, “se colocar na vitrine nem vai valer 1, 99”. É isso aí pessoal, diversidade brasileira, soa a “is mai lóvi”. O projeto societário brasileiro está ainda longe de ser concluído, por isso que é tão difícil compreender nossa diversidade. Mas  

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complexidade não significa inatingibilidade. E nosso ensino das RI que forma os tomadores de decisão está tão impregnado da pequenês de valores e interesses das grandes potências que o Brasil não cabe nestas molduras teóricas. Aprender sobre a diversidade do Brasil é aprender que somos a nação mais multicultural, mais miscigenada do mundo. E ao

mesmo

tempo

aprendemos

com

Pierre

Bodieu

que

o

Multiculturalismo é um termo perigoso, na Europa é um termo utilizado para designar pluralismo cultural na esfera cívica e nos EUA se refere tanto às sequelas da exclusão entre brancos e não brancos quanto à crise do mito do “american dream”. Na academia, ainda ensinado por Bordieu, a crise da palavra multiculturalismo diz respeito não ao reconhecimento de culturas marginalizadas pelos cânones acadêmicos mas o acesso ao instrumentos de reprodução da elite e dos emergentes mundiais (Bordieu et Wacquant, 1999, 42). não significa alguma potência

pode

ensinar

sobre

a

experiência

menos

falível

de

multiculturalismo, esta potência é o Brasil. Os outros devem aguardar na fila. Não pretendo com esta contribuição descrever as qualidades, as propriedades da diversidade brasileira. Acredito que não exibi a pintura pronta, como estamos acostumados a aprender as RIs. Procurei, ainda que de forma afoita evidenciar que as tintas, os pincéis e a tela estão ao nosso alcance. O Brasil é hoje a sexta potência econômica e o sétimo país em violência contra a mulher. Temos índices de corrupção semelhantes a países paupérrimos. E nossos índices de exclusão social e de fome são tristes. Alguém já ouviu falar da obra “Geografia da Fome” de Josué de Castro? Alguém já leu o Processo Civilizatório do Darcy Ribeiro? Qual o conteúdo de Teoria de Relações Internacionais. Nestes livros, alguns escritos pro brasileiros, existe alguma nota de rodapé sobre o Brasil, sobre o Senegal? Alguém gostaria de ler este livro sobre este universo de Ris chamado Brasil? Ler na íntegra. Nossos manuais acadêmicos

É disto que estou falando.

Persevera um rasgo de

impressão que temos acesso – e para nós como conhecimento erudito – somente à Forbes, à Revista Caras das Relações Internacionais. Tipo  

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assim, como o tadindo do Mersheimer, política externa das grandes potências, porque isto é o que importa, é o que faz diferença. O resto, este papo de diversidade brasileira, parece a família do Tufão. É atribuido ao grande humanista Leon Tolstoi a frase “Pinta tua aldeia e pintarás o mundo”, vamos pintar nossa aldeia. Conhecer nossas cores, nossa diversidade e certamente conheceremos bem mais sobre as Ris numa perpectiva no mínimo mais plena de humanidades e mais universal. Muito obrigado.

Franca, 15 de agosto de 2012.

 

 

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