As representações da importância e da utilidade do latim presentes em prefácios de obras metodológicas contemporâneas

July 31, 2017 | Autor: Shirlei Almeida | Categoria: Historia de la cultura escrita, Latim, Latim no Brasil
Share Embed


Descrição do Produto

1

As representações da importância e da utilidade do latim presentes em prefácios de obras metodológicas contemporâneas Shirlei Patricia Silva Neves Almeida1 Orientador: José Amarante Santos Sobrinho2

RESUMO: O presente estudo analisa as representações sobre a importância e as utilidades do latim em alguns prefácios de livros didáticos para o ensino da língua em circulação no Brasil desde a aprovação da LDB 9394/96, que desobriga as instituições de ensino superior a ofertar a disciplina em seus cursos. O trabalho se insere no projeto de pesquisa “Em busca de fontes para uma História Social do Latim no Brasil”, que se orienta pela linha de pesquisa da História da Leitura e da Escrita no Brasil. Na leitura dos prefácios dos métodos, busca-se observar, no período a que se dedica, a presença/ausência de justificativas para o ensino do latim, bem como a configuração do discurso das utilidades e da importância da disciplina. As análises feitas no material em foco permitem-nos observar manutenções e mudanças discursivas em relação a outros momentos da história da disciplina, quando outros dispositivos legais interferiram na oferta de cursos (Decreto-Lei nº 4.244, de 1942, conhecida como Lei de Capanema, e a LDB 4024, de 1961). Assim, os textos dos prefácios observados oferecem pistas para o entendimento dos juízos de valor dados à disciplina Língua Latina, demonstrando, através dessas representações, os avanços e retrocessos do latim enquanto objeto de estudo acadêmico. PALAVRAS-CHAVE: LATIM NO BRASIL, CULTURA ESCRITA, MÉTODOS

Introdução O presente estudo analisa as representações sobre a importância e as utilidades do latim em alguns prefácios de livros didáticos para o ensino da língua em circulação no Brasil desde a aprovação da LDB 9.394/96, que desobriga as instituições de ensino superior a ofertar a disciplina em seus cursos. O trabalho está inserido num projeto de pesquisa maior, “Em busca de fontes para uma História Social do Latim no Brasil”, que se orienta pela linha de pesquisa do HISCULTE (História da Cultura Escrita no Brasil). Na leitura dos prefácios dos métodos, buscase observar, no período a que se dedica, a presença e/ou ausência de justificativas para o ensino do latim, bem como a configuração do discurso das utilidades e da importância da disciplina.

1

2

Aluna do curso de Letras Vernáculas da Universidade Federal da Bahia. Monitoria de Língua Latina. Docente e Pesquisador de Língua e Literatura Latinas da Universidade Federal da Bahia.

2

Nessa busca por ‘possíveis pistas’ para o entendimento dos juízos de valor dados à disciplina Língua Latina, fez–se imprescindível e lógico passar por uma etapa de ‘olhar para trás’, ou seja, para uma melhor compreensão do momento que se faz presente, sobretudo, é preciso se voltar para o passado. Para tanto, elegeu–se dois outros momentos históricos importantes que interferiram na oferta de cursos de latim, o Decreto–Lei nº 4.244, de 1942, também conhecido como Lei de Capanema, e a LDB 4.024, de 1961 ou 1ª LDB.

Lei de Capanema (1942) - Vitalidade e crescimento O período de vigência da Lei de Capanema previu iniciativas educativas que transmitissem aos alunos uma formação moral e ética, consolidada na crença em Deus, na religião, na família e na pátria. Devido a esse caráter humanístico, ocorreu um prevalecimento das matérias relacionadas às humanidades, o que, por sua vez, promoveu o crescimento da presença/oferta das línguas (latim, francês e inglês) em todas as séries do curso secundário. Assim, as leituras dos prefácios desse período explicitam nos discursos autorais a vitalidade e o prestígio dos estudos da língua latina, demonstrando a representação de sua enorme importância para ‘educação do raciocínio e da capacidade reflexiva do aluno’, para ‘o auxílio nos estudos linguísticos (filológicos, sintáticos e fraseológicos) do português e demais línguas românicas e para ‘a compreensão das influências culturais romanas à formação da cultura ocidental’.

LDB 4.024 (1961) - Supressão e retrocesso Com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases para a Educação) de 1961, o curso de latim torna–se facultativo no país, o que acarretou a diminuição da sua carga horária e a sua extinção de quase a totalidade dos cursos ginasiais. O momento marcou o prenúncio do ‘desprestígio’, do ‘desapreço social’ aos estudos latinos, fato que se comprova nas análises dos prefácios de alguns livros didáticos do período, nos quais

3

não se percebe nenhuma menção direta à importância e a utilidade do estudo da disciplina. Por outro lado, encontramos expressões como “tamanho ódio”, “tamanha fama de cheiro de ranço” referindo-se à Língua Latina (MÜLLER, 1963). Esses discursos representam claramente o declínio dos estudos latinos que resultaram da supressão e do crescente desaparecimento da disciplina dos programas curriculares educacionais, e isso pode ser percebido na fala revoltada de alguns autores das obras pedagógicas publicadas durante a vigência dessa lei, que usam expressões como “inimigos do latim”, “ensino de latim se encontra ameaçado”, “leis indesejáveis”etc. (NÓBREGA, 1962, p. 22).

A NOVA LDB (1996) – Período crítico Após a compreensão dos juízos de valor dados à disciplina Língua Latina durante a interferência desses dois dispositivos legais, passaremos a tratar do período central da pesquisa, o foco principal do trabalho: A LDB 9.394, de 1996 ou Nova LDB. Essa lei mantém o curso de latim excluído dos cursos ginasiais, que passa a ser facultado aos cursos de nível superior, mas segundo Santos Sobrinho (2011) “seu ensino é mantido em instituições públicas, com pequenos e crescentes grupos de estudiosos”. Esse momento histórico foi escolhido com o intuito de se observar, nos prefácios das obras contemporâneas, como as manifestações discursivas dos autores dos métodos de ensino do latim se configuram enquanto representações da importância e da utilidade da língua como disciplina curricular de cursos de ensino superior. Dessa maneira, investigaremos se é possível perceber as mudanças ou permanências desses discursos relacionados à valorização do estudo da Língua Latina. Considerando o recorte feito, pontuaremos os principais aspectos dos discursos sobre a importância dada ao latim, que foram encontrados e posteriormente analisados. Então, uma das utilidades da disciplina seria por ser o

4

latim, a base, o instrumento para alcançar o aprimoramento nos estudos do português e das demais línguas românicas, “dada a relação de descendência histórica direta entre elas” (GONÇALVES, 2009), outra seria devido ao fato de o latim tornar “os alunos partícipes da cultura latina” e por fazer “reviver a beleza e o significado desta cultura” (GAIO, 2005). Porém, esses aspectos positivos atribuídos ao estudo da língua latina ficam para trás diante dos "Dez ótimos motivos” de Marcos Almeida, (2011, p. 20-22):

1. 2. 3.

Aprender o significado original das palavras, de forma fácil e divertida. “Falar bonito”. Facilitar o aprendizado de línguas modernas (alemão, russo, húngaro etc.). 4. Entender a civilização atual. 5. Para estudar, compreender e analisar as demais línguas, inclusive as primitivas. 6. Combater o envelhecimento cerebral e as demências senis (Mal de Alzheimer). 7. Possibilitar a leitura no original de grande parte do tesouro cultural da humanidade (Virgílio, Horácio, Cícero etc.). 8. Facilitar o entendimento de termos técnicos e científicos, que, em sua maioria, são oriundos do latim. 9. Aumentar o conhecimento, alargar o horizonte de compreensão, aperfeiçoar o senso crítico. 10. Sair da rotina. Conhecer gente diferente.

Desse modo, evidencia-se a manutenção discursiva de estereótipos resistentes, como por exemplo: ‘Latim é ótimo para se aprender o português e outras línguas modernas’; ‘É uma língua difícil, inacessível e complexa’; ‘Desenvolve o raciocínio lógico’; ‘ Amplia o saber, o conhecimento’ etc. Porém, surgem também excessivas utilidades atribuídas ao estudo de latim, que passa a servir para quase tudo: ‘Se divertir’; ‘Sair da rotina’; ‘Falar bonito’ entre outros usos, ao que se pode concluir: ‘Na atualidade, o latim não é útil para o quê? Por sua vez, esse discurso demonstra o desespero do autor, a tentativa de convencer o público da imprescindível importância e utilidade do estudo da língua latina nos dias atuais.

5

Considerações finais

Logo, o latim se mostra como uma disciplina desvalorizada, embora os discursos apresentados sugiram a representação de uma maior importância. Essa representação da elevada valorização da disciplina evidencia o ostracismo dado a ela, e as inúmeras dificuldades que são enfrentadas pelos mestres, estudantes e amantes do latim, atualmente. Daí, explicando–se a necessidade de se supervalorizar, de se engrandecer a língua latina. O recorte analisado nesse estudo é apenas uma centelha, a pontinha do iceberg de um todo muito maior, a que se denomina “Em busca de fontes para uma História Social do Latim no Brasil”. E como a presente pesquisa se realizou de forma breve e concisa, e o assunto abordado seja bastante abrangente, faz–se imprescindível o aprofundamento dos estudos das representações da importância e da utilidade da língua latina num corpus de prefácios mais ampliado e preciso.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Marcos. Latim para todos. 1. ed. 3. reimp. Aracaju: Edição do Autor, 2011. p. 19-22. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática Latina: Curso único e completo. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. BARATA, Fernando; SANTOS, Abílio dos. Curso de latim: Ciclo ginasial. 1ª série. Rio de Janeiro: Conquista, 1953. BERGE, Damião et alii. Ars Latina: Primeiro e segundo anos. 32. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 14 . CUNHA, Boaventura R.da. Latim para o colégio:1ªsérie. Rio de Janeiro: Melhoramentos, 1944. GAIO, Antônio Pereira. Em dia com o latim. Juiz de Fora: UFJF Editora, 2005. GARCEZ, Matheus Nogueira. Latim: 1ª série. Curso ginasial. 13. ed. São Paulo: Editora do Brasil, 1961. GARCIA, Janete Melasso. Introdução à teoria e prática do latim. 3. ed. rev. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. p. 10. GONÇALVES, Rodrigo Tadeu. Língua Latina. Curitiba: IESDE Brasil S.A, 2009. MASSIP, Vicente. Latim Instrumental. 1. ed. Recife: Edições Bagaço, 2002.p.8. MÜLLER, Germano.O latim para todos. 1. ed. São Paulo :J.Ozon+Editor, 1963.

6

NÓBREGA, Vandick Londres da. O latim do Colégio: Para o primeiro ano. 5. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956. p. 11. ______. A presença do latim I: Metodologia e instituições. 1. ed. Rio de Janeiro: INEP Editora, 1962. p. 19-22. RESENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: Preparação ao latim. 3. ed. rev. amp. Belo Horizonte: UFMG Editora, 2000. RODRIGUES, Jaime Fernandes. Roma Quartus. São Paulo: Saraiva, 1954. VALENTE, Milton S.J. Gramática Latina: Para as quatro séries do ginásio. 82. ed. Porto Alegre: Livraria Selbach, 1952. ______.Ludus Tertius: 3ª série ginasial. 23. ed. Porto Alegre: Livraria Selbach, 1953.

LEI Nº 4.024, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1961. Disponível em: . Acesso em: 12 setembro 2011. LEI Nº 9.394 - DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996 - DOU DE 23/12/96 - LEI DARCY RIBEIRO. Disponível em: . Acesso em: 12 setembro 2011. DECRETO-LEI N. 4.244 – DE 9 DE ABRIL DE 1942.Disponível em: e . Acesso em: 12 setembro 2011.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.