As representações sociais da seleção argentina e de sua torcida pelos jornais impressos brasileiros na Copa do Mundo 2014

July 15, 2017 | Autor: Fernanda Beirão | Categoria: Football (soccer), Social Representations, Argentina, Brazil, 2014 FIFA World Cup, Brazil
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As representações sociais da seleção argentina e de sua torcida pelos jornais impressos brasileiros na Copa do Mundo 20141 Fernanda Beirão2 Resumo O objetivo deste estudo é mostrar um panorama de como foi a cobertura realizada sobre a seleção de futebol da Argentina nos jornais brasileiros das cidades por onde a seleção jogou durante Copa de 2014. A intenção é avaliar se houve ou não tratamento preconceituoso por parte da mídia brasileira para com os torcedores e esportistas do país vizinho. Nos concentramos nos seguintes periódicos: O Globo, Estado de Minas, Zero Hora, Folha de S. Paulo e Correio Braziliense. Os jornais são considerados os mais importantes de seus respectivos estados. Foram analisadas todas as reportagens do dia posterior à passagem da seleção Argentina pelo estado. No total, foram coletados 50 textos. A metodologia de estudo do objeto conjuga análise quantitativa e qualitativa. Palavras-chave representação, futebol; seleção argentina; cobertura midiática; copa do mundo O campo jornalístico como um lugar de construção do real Entendendo que os enquadramentos adotados por determinados veículos ajudam diariamente na construção de uma percepção da realidade, tomamos por base neste trabalho a Teoria das Representações Sociais que surgiu com muita força nas Ciências Sociais a partir da Psicologia Social. A teoria tem suas origens na sociologia e na antropologia (PEREIRA JUNIOR, 2005). O conceito é citado pela primeira vez por Moscovici (1978) a partir da noção de Durkheim de representações coletivas: Em resumo, a sociedade não é de maneira alguma ser ilógico ou alógico, incoerente e caprichoso que muito se comprazem em ver nela. Muito pelo contrário, a consciência coletiva é a forma mais elevada da vida psíquica, já que é uma consciência das consciências (DURKHEIM, 1996, p.494).

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Trabalho apresentado no GT 4 do VII Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UFRJ, Rio de Janeiro, 15 a 17 de outubro de 2014. 2 Mestranda em Comunicação pela Universidade Católica de Brasília. Membro do Observatório Latino Americano de Indústrias de Conteúdo Digital (Olaicd). Especialista em Comunicação Pública, Graduada em Letras pela Universidade de Brasília e em Jornalismo pelo Centro Educacional Instituto de Educação Superior de Brasília.

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Para Moscovici (1978), o fenômeno da absorção da ciência pelo senso comum, através da comunicação e da linguagem, não é, como se crê, uma vulgarização das partes de uma disciplina, mas sim a formação de um outro tipo de conhecimento, adaptado a outras necessidades e obedecendo a outros critérios. Para ele, as sociedades modernas são bem mais complexas. Leme (1995), vê as representações sociais como equivalentes modernos dos sistemas de crenças e aos mitos de sociedades tradicionais, sendo versão contemporânea do senso comum. Arruda (2002) conta que a perspectiva moscoviciana permaneceu encerrada no Laboratório de Psicologia Social da École de Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, e nos laboratórios de colegas como Claude Flament, Jean Claude Abric, no sul da França, e outros também interessados por ela, de forma mais dispersa, na Europa. A teoria aparentemente não vinga de imediato, fazendo sua reaparição com força total no início dos anos 80. Como outras contribuições importantes, ela surge antes do seu tempo, contrariando o paradigma dominante na época, na Psicologia e nas Ciências Sociais. Na Psicologia, o enfoque sintetizado no behaviorismo, com o imperativo experimental a estabelecer os limites do que era considerado científico, ainda prevalecia, embora seu longo ocaso já houvesse iniciado. A pesquisa de Moscovici é voltada para fenômenos marcados pelo subjetivo, captados indiretamente. Moscovici ainda afirmou nos seus estudos que existem duas formas de representação social, a objetivação e ancoragem. A primeira desenvolve novas imagens de um assunto e propicia a criação de novos conceitos a partir de um assunto. Ele afirma sobre esse processo que: A objetivação une uma idéia de não-familiaridade com a realidade, torna-se a verdadeira essência da realidade. Percebida primeiramente como um universo puramente intelectual e remoto, a objetivação aparece, então, diante de nossos olhos, física e acessível. (MOSCOVICI, 2003, p.71).

Já a segunda forma de representação, a ancoragem , faz referência às idéias abstratas que ganham um formato real. Para Moscovici (2003) ancorar é: ...classificar, e dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras. Nós experimentamos uma resistência, um distanciamento, quando não somos capazes de avaliar algo, de descrevê-lo a nós mesmos ou a outras pessoas. (p.62)

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Levando-se em conta esses dois processos, Jodelet (2001), uma das principais colaboradoras de Moscovici, propõe que as representações sociais nascem da necessidade do homem em estar informado sobre o mundo que o cerca e de como agir nesse mundo, dando sentido a sua existência. Sempre há necessidade de estarmos informados sobre o mundo à nossa volta. Além de nos ajustar a ele, precisamos saber como nos comportar, dominá-lo física e intelectualmente, identificar e resolver os problemas que se apresentam: é por isso que criamos representações. (JODELET, 2001, p. 17)

Em resumo, a sociedade é um produto humano, uma realidade objetiva, um produto social (PEREIRA JUNIOR, 2005). Dessa forma, consideramos que no jornalismo podemos encontrar pistas de como o mundo é representado. Entedemos que na medida em que o discurso da mídia articula determinados significados aos fatos enquanto oculta outros, acaba por “definir a realidade” para a sociedade. Essa “realidade” criada pela mídia, somado à imensa difusão social dos veículos de informação da grande mídia acaba por tornar-se hegemônica, colaborando assim de modo ativo na manutenção de uma dada relação de forças no interior da sociedade. Bourdieu (1997) teorizou sobre a influência do jornalismo na formação da sociedade. Para ele, “o jornalismo impõe sobre os diferentes campos de produção cultural um conjunto de efeitos que estão ligados à sua estrutura própria, isto é, à distribuição dos diferentes jornais e jornalistas segundo sua autonomia com relação às forças externas” (BOURDIEU, 1997, p. 102). O sociólogo francês critíca a imprensa como um todo mas se debruça principalmente sobre a influência da televisão, que ele afirma ser regida pelo índice de audiência e contribuir para exercer sobre o consumidor supostamente livre e esclarecido as pressões do mercado, que não têm nada da expressão democrática de uma opinião coletiva esclarecida, racional. A força do futebol O esporte brasileiro desenvolveu-se através de divulgação pelos meios de comunicação, especialmente na segunda metade do século XX. Primeiro, o esporte apoiou-se no jornalismo impresso e depois no radiofônico e televisivo. Até a década de 40, de acordo com Carvalho e Hatje (2001) o crônista esportivo ocupava a posição

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mais baixa na hierarquia dos jornais, e o futebol mantinha discreto destaque na imprensa escrita. Hoje, o futebol no Brasil é uma atividade de enorme importância social, cujas consequências transcendem as linhas do campo de jogo, tornando-se mesmo questões de Estado (GASTALDO, 2009). O futebol tem significado social para o brasileiro. Carvalho e Hatje (2001) entendem que o futebol faz parte de sua cultura e junto com o Carnaval expressa parte dela, constituindo-se ambos nos aspectos que mais identificam o brasileiro, especialmente no exterior. Roberto DaMatta (1994) acredita que no Brasil é pelo futebol, que se junta os símbolos do Estado nacional (a bandeira, o hino, as cores nacionais). Para ele, o esporte libera as emoções mais contidas do cidadão. O esporte “também oferece uma oportunidade para a demonstração de nosso patriotism. Outros autores também vêem o futebol como simbolo de identificação nacional: O futebol faz o brasileiro mais patriota, o faz amar o País, especialmente em época de Copa do Mundo. O Brasil tem tradição no futebol e, sobretudo, no evento. É através dele que o brasileiro se identifica e se sente identificado. A identificação é um mecanismo de atuação inconsciente que se instala entre o que seduz e o seduzido. Nesse sentido, o indivíduo se reconhece ou, ainda, se projeta. (CARVALHO e HATJE, 2001)

Devido a toda importância que o futebol tem na cultura brasileira, é de se supor que a Copa do Mundo, maior evento relativo ao esporte, tenha grande atenção da população e mídia brasileira. A Copa do Mundo é indiscutivelmente um fato social de enorme importância na cultura brasileira contemporânea. Gastaldo (2009) lembra que o acesso ao evento está estreitamente vinculado a seu caráter mediatizado. “Desde as primeiras transmissões internacionais de jogos de futebol por rádio, nos anos 1950, a cobertura dos jogos do Brasil na Copa do Mundo tem sido fenômeno de audiência”. Pallarés (1997) afirma ainda que competições esportivas, devido a sua lógica antagônica, produzem processos de identidade. Entedemos que com o futebol no Brasil, esse sentimento se intensifica, pois o evento possui um status ainda maior. Pallares diz ainda sobre eventos esportivos: O mecanismo psicológico faz com que uma multidão de pessoas, por exemplo, sinta representada pelos jogadores e ao mesmo tempo se sinta

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também protagonista do evento, esse sentimento chega muitas vezes a níveis de implicação extremas. (PALLARÉS, 1997)

O esporte pode provocar diversas reações nos indivíduos, sejam elas de excitação, paixão, ódio, rivalidade ou violência. De alguma forma, o futebol desperta uma gama de reações boas e más.

Brasil e Argentina O Brasil não é o único país que tem uma tradição no futebol. Itália, França, Alemanha, Argentina, Espanha, Inglaterra e Uruguai já foram ao menos uma vez campões mundiais no esporte. Nestes e em outros países também existem torcidas muito apaixonadas e numéricamente grandes. (CARMONA e POLI, 2006) No entanto, a imprensa brasileira parece dedicar-se especialmente a uma rivalidade entre Brasil e Argentina. Este trabalho pretende observar como a imprensa brasileira apresenta a figura do torcedor argentino a partir de matérias veiculadas no país a respeito deste grupo durante a Copa de 2014. Ferreira e Kowalski ao buscarem entender a origem da rivalidade existente no futebol entre os país, contam que ao se observar as histórias de ambos países, os pontos em que Argentina e Brasil se envolvem ou distanciam tem relação com a colonização destas terras e a independência de cada país e seus reflexos na formação de uma ordem política, econômica e cultural. Elas destacam três pontos: O primeiro ponto de envolvimento a ser destacado seria que ambos os países foram colônias, foram usurpados pelas suas metrópoles a fim de tirarem todo aproveito das riquezas que estes países teriam para oferecer. Mas teriam de fato para distanciar a forma como foram explorados por suas metrópoles. Sendo que Brasil fora colônia de Portugal e Argentina colônia de Espanha. O segundo ponto que leva ao distanciamento dos dois países, foi à maneira que eles responderam a sua independência. Na Argentina, foi proclamada a Independência em 9 de julho de 1816. O país dominando pelo sentimento de uma identificação nacionalista e a influência dos ideais iluministas era o alicerce para tal evento. A ex-colônia da Espanha, já era independente e começa a trilhar caminhos por si só. Já tinha enfrentado um clima de desavenças, como a disputa entre unitarista e

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federalista, termos estes que eram designados a duas facções políticas de diferentes idéias. Tais No Brasil a independência chegou um pouco mais tarde (como o futebol). A Independência aconteceu no dia 7 de Setembro de 1822 e sem conflito de guerra civil. Foi uma independência de caráter político, não mudando bruscamente a esfera socioeconômica que continuava a ser colonialista. As alianças que Brasil e Argentina estabeleceram após serem libertados de suas metrópoles mostraram uma relação de distanciamento - os países tomaram rumos diferentes na organização política. A Argentina com seus conflitos internos estabeleceu laços com Inglaterra, enquanto o Brasil iniciou gradativamente sua aproximação aos Estados Unidos da América, ou seja, a Argentina aproxima-se da Metrópole e o Brasil da Ex-Colônia Britânica. Os dois países foram tomados por extremo nacionalismo, efeito que expandiu pelo mundo a fora depois das Revoluções Industrial e Francesa. Já o terceiro argumento que poderia juntar-se nas contribuições para estabelecer a rivalidade entre Brasil e Argentina, é a maneira em que estes organizaram a forma educacional, política e econômica. O Brasil de certa forma cresceu coeso, enquanto a Argentina passou por processos de grande instabilidade, além da fragmentação territorial e política. Entretanto, o Brasil torna-se reconhecido com grande força dentro da América Latina, impondo-se aos seus vizinhos. Para Elias (1997, pág. 17), “dentro de uma sociedade encontraremos estados de envolvimento e distanciamento. Entre os indivíduos que comportam nela tendem a se instalarem ao meio dos dois extremos”. Ronaldo George Helal, professor de comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que estuda a relação da mídia e do esporte, explica em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em 11 de julho de 20143 que os argentinos costumavam torcer para os brasileiros em eventos esportivos de futebol até pelo menos 1998, quando a internet alcançava poucos lares no país platino. Com o advento da internet a população argentina descobriu que para o brasileiro, ganhar da Argentina é melhor do que ganhar de outras seleções.

Matéria da Folha de S. Paulo: Copa mostra acirramento da rivalidade Brasil-Argentina, afirma sociólogo. Disponível em: Acesso em: 29 jul. 2014. 3

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Em seus artigos científicos Helal (2009, 2007) corrobora com o que disse à Folha de S. Paulo durante a Copa do Mundo. Até relativamente pouco tempo atrás, argentinos não costumavam ver os brasileiros como rivais, só o passaram a fazer ao notarem que os brasileiros não o queriam vitoriosos em nenhuma hipótese. Para eles, o rival costumava ser a Inglaterra, devido à Guerra das Malvinas. A imprensa argentina, como conta Helal (2009, 2007) tratava a seleção brasileira de forma respeitosa, normalmente exaltando seus êxitos e qualidades futebolísticas. A exceção ficaria por conta do diário espórtivo Olé, que é um jornal especializado, quase todo voltado para o futebol e que trata, não só à seleção brasileira mas diversas outras equipes, mesmo nacionais, de forma jocosa. Para Helal, a imprensa brasileira erra ao dar demasiada atenção ao que é dito pelo periódico Olé. “Quem tem que responder ao deboche do Olé são os jornais esportivos brasileiros. Não é a Folha, O Globo, o Estadão”, conta em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Neste artigo pretendemos observar como os grandes jornais brasileiros tratam a seleção e a torcida argentina em suas páginas, a fim de entender se dão a eles tratamento negativo, preconceituoso ou se tratam a seleção vizinha de forma respeitosa. Com isso tentamos entender também quais as representações sociais são criadas na população brasileira acerca da torcida e time argentino.

Metodologia Neste trabalho utilizamos a análise de conteúdo como método de análise, com isso tentamos mostrar um panorama de como foi a cobertura realizada sobre a seleção de futebol da Argentina e a torcida do mesmo país nos jornais brasileiros das cidades por onde a seleção jogou durante a Copa de 2014. Usamos como ponto de partida a análise das matérias da editoria de esportes dos principais jornais dos estados onde jogou a Seleção Argentina de Futebol. Foram analisadas todas as matérias posteriores ao dia da partida, que mencionavam a seleção e/ou a torcida argentina. A seleção argentina jogou duas vezes no Rio de Janeiro, duas vezes em São Paulo, e uma vez em Porto Alegre, Belo Horizonte e Brasília. Os jornais escolhidos para o estudo de caso foram O Globo dos dias 16 de junho e 14 de julho, Estado de Minas de 22 de

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junho, Zero Hora de 26 de junho, Folha de S. Paulo de 1º a 9 de julho e Correio Braziliense de 5 de julho. Com a observação das matérias buscamos ver como é a representação da Seleção Argentina e da torcida (hinchada) na mídia brasileira. Foi feita uma Análise de Conteúdo (AC), técnica que agrupa temas, expressões, discursos, modos de interação, entre outras particularidades, permitindo o entendimento do que ocorre em grupos reais a partir de inferência frequencial ou estatística. A AC possibilita observar os dados por meio de uma visão ampla, na qual a totalidade do material coletado permite levantar categorias do grupo. De acordo com Bardin (1978), a análise de conteúdo apresenta duas funções complementares: a tentativa exploratória que amplia a descoberta dos conteúdos aparentes e a confirmação ou informação das hipóteses. A análise de conteúdo se faz pela técnica de codificação. Esta transforma os dados brutos do texto ou discurso, por recorte, agregação e enumeração, permitindo atingir uma representação do conteúdo. A técnica compreende três escolhas: a unidade de registro (o recorte), as regras de contagem (a enumeração), as categorias (a classificação e a agregação). A unidade de registro apresenta natureza e dimensões variáveis, podendo ser o tema, a palavra ou a frase (BARDIN, 1978) Partindo dos questionamentos anteriormente citados fizemos uma análise matérias da editoria de esportes dos jornais supracitados e contabilizamos, inicialmente, a quantidade de matérias, notas, crônicas e artigos de opinião publicados no jornais citados que faziam referência à seleção e sua torcida. Optamos por contabilizar todos juntos, pois entendemos que para esta pesquisa o formato da notícia não é relevante. Tabela 1. Número de textos geral O Globo

O Globo

Estado de

Zero

16 de

14 de

Minas 22

Hora 26

junho

julho

de junho

de junho

3

4

10

12

Folha

Folha de

de S.

São

Paulo 2

Paulo 10

de julho

de julho

4

5

Correio Braziliense de 5 julho 9

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No total foram 50 textos sobre a seleção nos jornais selecionados. Por meio dessa tabela é possível notarmos que o número de matérias sobre o jogo ocorrido em cada uma das cidades teve mais relevância dentro do caderno de esportes dos “jornais locais”, Estado de Minas, Zero Hora e Correio Braziliense. O O Globo e a Folha de São Paulo, jornais de estados mais populosos – Rio de Janeiro e São Paulo – e que tem uma abrangência maior que os outros, não deram tanta importância ao jogo ocorrido em sua cidade quanto os jornais do Distrito Federal, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Com relação ao enfoque da matéria, as dividimos em duas categorias, aquelas matérias cujo o enfoque é sobre a torcida e aquelas que tratam apenas de questões relativas à seleção e seus atletas. Os gráficos abaixo demonstram sobre qual tema tratavam as matérias analisadas. Gráfico 1. Número de textos geral: Torcida e Seleção

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A relevância dada à torcida e à seleção teve praticamente o mesmo peso no âmbito geral. Se observamos os dados jornal por jornal notaremos que apenas nos jornais Correio Braziliense e nas edições de O Globo as matérias tratavam mais da seleção e do jogo em si que da torcida. Acreditamos que essa diferença nestes jornais se deve ao fato de que estes dois periódicos publicaram matérias referentes ao comportamento das torcidas em ambientes fora do estádio em seus cadernos locais, mas, estes textos não estão incluídos na pesquisa. Posteriormente dividimos as matérias sobre a seleção em duas categorias, aquelas de aspecto positivo e aquelas de teor negativo. Entendemos como negativas matérias que focaram nos problemas da seleção, abordando problemas técnicos e atestando uma baixa qualidade dos jogadores. Como positivas entendemos matérias que frisam as habilidades dos jogadores e os aspectos positivos da técnica da seleção.

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Gráfico 3. Teor dos textos sobre a Seleção

Como a seleção argentina chegou até a final da Copa do Mundo de 2014, sendo vitoriosa em seis dos sete embates, perdendo apenas para a Alemanha, esperava-se que o tratamento positivo dado à seleção fosse ainda maior. No entanto, mesmo em dias de vitória foi comum matérias de enfoque crítico. Observou-se ainda que a maioria das matérias tratavam exclusivamente de um único jogador, Lionel Messi, a estrela da seleção albiceleste. O nome “Messi” aparece 75 vezes nas matérias desta categoria, quantidade maior do que palavras como “seleção” , 19 vezes “equipe” 13 vezes. Até mesmo o termo “Argentina”, 61 vezes, aparece menos do que o nome do futebolista. Outras palavras bastante usadas pelos impressos nas matérias sobre a seleção foi “craque”, 19 vezes, que também faz referência ao jogador Lionel Messi. Isso demonstra que a percepção dos jornais impressos brasileiros sobre a seleção de futebol vizinha é voltada para seu jogador mais famoso. Pouco se fala sobre técnica, estratégias de jogo, posicionamento em campo, ou quais as habilidades dos outros membros da equipe, apenas importa o que é relativo a Messi. Surpreende também o fato de o nome “Neymar”, jogador que não competiu contra a seleção argentina nem assistiu a jogos em estádio aparecer 12 vezes. Normalmente o nome do brasileiro aparece em contraponto ao de Lionel Messi. “Não se sabe o que será do novo Barcelona, esse em que Messi tem Neymar como companhia, mas nesta Copa do Mundo vê-se que o principal investimento do craque, hoje, é a seleção de seu país natal”. (ZERO HORA, 26 de junho)

Quanto às matérias sobre as torcidas, estas foram divididas também em duas categorias, positivas e negativas. Entedemos como positivas matérias que ressaltassem união da torcida, organização e habilidade em apoiar os jogadores. Enquadramos como negativas matérias que dessem prioridades a questões de violência, provocações, reclamações e outros aspectos ruins.

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Gráfico 5. Teor dos textos sobre a Torcida

Podemos observar que os jornais de maior porte, O Globo e Folha de S. Paulo dão tratamento diferente à torcida da seleção argentina em relação aos jornais mais locais. Enquanto Zero Hora e Estado de Minas destacam aspectos positivos dos torcedores vizinhos, O Globo sequer cita a torcida em seu caderno esportivo de 14 de julho, um dia após a final do torneio mundial, enquanto a Folha prioriza os aspectos negativos da torcida. Essa conotação positiva vem principalmente dos elogios tecidos à animação e força que os argentinos dão a seus compatriotas em campo. Apesar de elogiarem a torcida como um todo, a forma como os impressos se referem aos “hinchas” argentinos, é controversa. Dentre as palavras que mais apareceram no conjunto de matérias sobre a torcida analisadas neste trabalho se destaca a palavra “brasileiros”, que apareceu em 39 ocasiões. O termo só aparece menos que palavras como “estádio”, 50 vezes, e “argentinos”, 67 vezes. O nome “Maradona”, antigo jogador e técnico da seleção albiceleste também teve frequência grande entre os textos que tratavam sobre as torcidas aparecendo em 25 ocasiões. O ex futebolista, no entanto, só esteve presente no estádio em um jogo da seleção de seu país, em Belo Horizonte. Em geral, quando aparece, o nome de Maradona é citado em como símbolo da rivalidade existente entre as duas seleções, muitas vezes sendo acompanhando do nome Pelé, 15 vezes. Como no exemplo:

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“E, claro, diversos grupos cantavam a plenos pulmões o tradicional “Vamos, vamos Argentina, vamos vamos ganhar" e as já esperadas provocações aos brasileiros: “Maradona é maior Pelé*. Animados quando se juntavam, os argentinos também mostravam certa timidez e alguma frieza. Crianças brasileiras, encantadas com aquelas cores diferentes, tentavam alguma aproximação, mas nem sempre recebiam atenção”. (O GLOBO, 16 de junho)

Entendemos que isso é reflexo do fato de a maior parte dos textos sobre torcida focarem na rivalidade com o Brasil. A Argentina não disputou nenhuma partida contra a seleção brasileira e ainda assim os textos que tratam sobre a torcida tem forte destaque para seleção canarinho. Inclusive, há 14 menções a palavras como “rival”, “rivalidades” “rivais” nos textos desta categoria. Palavras como “invasão”, “invasores”, “invadiram” apareceram 12 vezes nos textos estudados. Normalmente a mídia se refere assim à chegada dos argentinos às cidades. “Os brasileiros saem primeiro. Aliviados, percebem que os invasores ficaram nas arquibancadas, agitando camisas, celebrando a própria devoção”. (ESTADO DE MINAS, 22 de junho)

Considerações finais O pesquisador de esporte e comunicação, Ronaldo Helal, popularizou no Brasil uma frase atribuída a Pablo Alabarces, um dos fundadores do diário esportivo Olé, de Buenos Aires “Os brasileiros amam odiar os argentinos. Os argentinos odeiam amar os brasileiros”. Esta pesquisa indica que pelo menos a primeira parte da frase pode ser verdadeira. No Brasil, muito se elogia o talento do argentino Lionel Messi e a torcida que veio para a Copa pareceu encantar os brasileiros. No entanto a rivalidade nunca é esquecida e mesmo quando gosta a mídia brasileira é cruel com os vizinhos. Aqui, aprova-se o futebol da seleção argentina, mas apenas se fruto do talento de um único jogador. Admira-se a torcida, mas a esta é tratada como inimiga que “invade” a pátria. Relembram, a cada matéria, em cada jogo, que o argentino é o outro, o oposto. Reforçando, portanto, o sentimento de rivalidade dos brasileiros para com os argentinos. Entendemos que este sentimento é criado de forma forçada pela mídia. Se não houve nenhum embate contra a seleção argentina por que a extensiva referência à seleção brasileira nas matérias? Por que o uso de palavras como “rival” para se

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refererir aos vizinhos? Não acreditamos que o tratamento dado à torcida e seleção argentina seja puro reflexo do acaso. Como dito anteriormente, entedemos que na medida em que o discurso da mídia articula determinados significados aos fatos enquanto oculta outros, acaba por “definir a realidade” para a sociedade. A mídia, ao reforçar a rivalidade entre argentinos e brasileiros, acaba colaborando na manutenção de relação de forças no interior da sociedade. Ela corrobora para a criação de uma representação social do argentino como inimigo. Analisando o material, notamos muita riqueza de conteúdo para futuras pesquisas. Seria interessante a realização de um estudo apenas sobre as capas, parte de maior destaque do jornalismo impresso. Também seria relevante um estudo sobre o conteúdo publicado sobre a seleção argentina em outras editorias que não a de Esportes, pois alguns veículos trataram de assuntos referentes aos argentinos em visita ao Brasil durante a Copa em editoriais locais.

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