[As rimas da poesia trovadoresca] Introdução: Objecto, metodologia e estrutura do presente trabalho [2000]

July 6, 2017 | Autor: J. Montero Santalha | Categoria: Poesia trovadoresca
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Introdução

Objecto, metodologia e estrutura do presente trabalho 1. Objecto da investigação § 3. Este trabalho quer apresentar um catálogo global e sistemático das rimas de todas as cantigas trovadorescas, assim profanas como religiosas, e uma análise dos diversos aspectos que implica o mecanismo da rima no processo de criação poética dos trovadores. Tal catalogação inclui, pois, listas exaustivas –ou pelo menos pretendidamente tais na intenção do autor– tanto das rimas como das palavras rimantes, e uma apresentação dos diversos procedimentos poéticos baseados na distribuição das rimas ou das palavras rimantes dentro de uma mesma cantiga.

2. À maneira de justificação A-. Importância da rima na poesia trovadoresca § 4. É bem sabido que, embora não deva considerar-se uma criação original da poesia românica, a rima apresenta-se, já desde os mesmos inícios das literaturas românicas, como um dos elementos constitutivos do verso 1 . A rima como instrumento literário. No que diz respeito especialmente à poesia trovadoresca, que inaugurou a história literária na nossa língua, a rima, com efeito, desenvolve não só uma função de artifício ornamental, mas a de elemento literário fundamental na poética dos trovadores: da rima depende em grande medida a conformação dos versos, e, conseguintemente, a mesma estrutura global da cantiga. Podemos aplicar plenamente ao nosso trovadorismo o que Di Girolamo estabelecia para a poesia trovadoresca provençal 2 : 1) Em primeiro lugar, a reiteração fónica (homoeoteleuton) constitui um ornamento retórico: foi formulado já na retórica clássica greco-latina (embora limitado ali ao campo da oratória), e acabou sendo assumido pela poesia latina medieval de modo sistemático. Por jogar com elementos fónicos que podem ser muito variados, a rima resulta ser um instrumento retórico de grande versatilidade, pois combina em si os valores de identidade (com o que esta implica de relação de elementos diversos) e diversidade (com o que esta implica de ruptura da monotonia). Este equilíbrio entre identidade e diversidade ao longo de um poema constitui uma fonte de deleite estético. 2) Em segundo lugar, a coincidência parcial entre vocábulos estabelece uma relação particular entre eles e, ao mesmo tempo, infunde às palavras que aparecem em rima um especial relevo dentro do contexto.

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Sobre a possível origem da rima românica veja-se mais adiante (§ 125). Com a sua habitual mestria na síntese, resume bem o problema Di Girolamo nestes termos: “La rima é attestata in numerose tradizioni letterarie, non sempre comunicanti, e compare in prosa oltre che in poesia, sicché ne va ammessa in partenza la poligenesi: ma è con i trovatori, che la mutuarono dalla versificazione mediolatina, che essa raggiunge in Europa occidentale il massimo stadio di perfezione e di sofisticazione tecnica” (Costanzo DI GIROLAMO, Elementi di versificazione provenzale, Liguori Editore, Nápoles 1979, 132 pp., pág. 33). 2 Reformulo a seguir, com leves alterações, o apartado que Di Girolamo dedica a expor as funções da rima no trovadorismo provençal (obra cit. na nota precedente, núm. 31, pp. 33-34).

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3) Em terceiro lugar, a rima demarca o limite da unidade métrica fundamental (que é o verso); desse modo atrai sobre si o peso do último icto (que corresponde sempre ao fim do verso e é o mais marcado de todo ele). 4) E, em quarto lugar, graças especialmente ao seu papel na demarcação do verso e às várias potencialidades de repetição de unidades fónicas distintas, a rima vem a constituir-se em instrumento fundamental da organização estrófica de todo o poema. A rima desempenha, pois, não um mero papel de comparsa mas de protagonista na própria constituição da obra criativa dos trovadores 3 . A rima vista pelos trovadores. Da importância que os próprios trovadores atribuíam à rima na composição dos seus poemas dão-nos clara prova as várias cantigas que a ela fazem referência. No campo da poesia satírica, esse ponto era um dos que se prestavam para o ataque literário entre trovadores com a acusação de não dominar a técnica. Pode servir de exemplo a cantiga núm. 1595 [= Tav 2,22], «Sueir’ Eanes, um vosso cantar» (Bd 1585, V [1117]), de Afons’ Eanes do Cotom, que escarnece de um trovador chamado Sueir’ Eanes (de quem, talvez não por casualidade, não se nos conservaram composições). Simula, com ironia, louvá-lo porque “nunca cantar igual fez nem rimou” (v. 20): I

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II

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III

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Sueir’ Eanes, um vosso cantar nos veo ora um jograr dizer, e todos foram po-lo desfazer, e punhei eu de vo-lo emparar; e travarom em que era igual; e dix’ eu que cuidávades em al, ca vos vi sempre daquesto guardar.

[E-a] [ve-o]

10a 1 10b 1 10b 1 10a 1 10c 1 10c 1 10a 1

E outro trobador ar quis travar em u)a cobra (mais, por voss’ amor, emparei-vo-l’ eu, nom vistes milhor): “que a cobra rimava_em um lugar”; e diss’ el pois: “– Porque rimou aqui?” E dix’ eu: “– De pram, nom diss’ el assi, mais tenho que xa errou o jograr.

10a 1 10b 2 10b 2 10a 1 10c 2 10c 2 10a 1

E, amigos, outra rem vos direi: po-lo jograr a cantiga dizer igual, nom dev’ o trobador perder; eu por Sueir’ Eanes vo-lo hei: ca de-lo dia em que el trobou, nunca cantar igual fez nem rimou, ca todos os seus cantares eu sei”.

10a 2 10b 3 10b 3 10a 2 10c 3 10c 3 10a 2

[E-a] [di-a]

Significativa pode ser também a este respeito a cantiga 202 das Cantigas de Santa Maria (= núm. 2202), que nos conta, segundo a epígrafe, “como um crérigo em Paris fazia úa prosa a Santa Maria e nom podia achar u)a rima, e foi rogar a Santa Maria que o 3

Eis como resume Di Girolamo as funções da rima trovadoresca: “Se si sommano insieme le sue funzioni, la rima, che presto diventa sinonimo di ‘poesia’, viene dunque a essere l’elemento più in vista del verso e della stanza, congegno delicato e versatile, che ben si presta a essere assunto a esponente delle diverse poetiche, e a riflettere le variazioni individuali dello stile” (o. cit. na nota 1, pág. 34).

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ajudasse i, e acho’-a logo; e se enclinou a omagem ante ele e disse-lhe ‘Muitas graças’ porém”. Ainda que o relato se refere a um poema em latim, o contexto geral deixa claro que o autor atribuía a mesma importância à rima das suas próprias cantigas 4 . A rima nas artes poéticas medievais. Outra prova da importância atribuída ao mecanismo da rima é o tratamento que recebe por parte dos tratadistas teóricos: nas diferentes artes poéticas da época trovadoresca, especialmente provençais, o sistema de funcionamento das rimas tem sido tratado com especial atenção, por vezes até com uma minuciosidade que pode considerar-se excessiva 5 . Também a anónima e fragmentária Arte de trovar com que se inicia o códice B dedicou um dos seus breves capítulos a tratar da rima: o capítulo 2 do título quinto. E noutros capítulos ocupa-se de vários aspectos colaterais do mesmo artifício. Veremos mais adiante esses textos (§§ 122, 133, 889, 894, 896).

B-. Importância dos catálogos de rimas § 5. A catalogação das rimas constitui um capítulo interessante dos estudos sobre a nossa poesia trovadoresca medieval. A partir de um catálogo de rimas podem realizarse análises que encerram interesse particularmente em dois campos: para os estudos literários e para os filológicos. 1) Utilidade literária. No que diz respeito ao campo literário, é bem sabido que as rimas podem prestar ajuda para o estabelecimento do texto da edição crítica em passagens problemáticas, tal como já vêm fazendo os editores. Para além disso, o maior interesse literário está em que o artifício das rimas pode ajudar a conhecer melhor os mecanismos da técnica de criação poética, com os seus influxos ou dependências, factos estes que possuem especial significado por tratar-se das épocas inaugurais da nossa literatura, quando os poetas tinham que abrir caminhos num campo até então inexplorado –ou pelo menos escassamente explorado– na língua que manejavam. 2) Utilidade filológica. No terreno filológico o interesse principal reside em que uma catalogação global das rimas com a conseguinte análise comparativa pode prestar ajuda para definirmos o estado da língua nos séculos XIII-XIV e a cronologia de alguns fenómenos (por exemplo no que diz respeito ao timbre das vogais de grau médio e às modificações de índole metafónica, por citar só fenómenos do campo fonético). 4 O milagre aí narrado diz-se que “conteceu, nom há gram tempo, na cidade de Paris; / e veredes a imagem [...] / hoje dia enclinada estar dentr’ em Sam Vitor” (2202.43-45). 5 Eis os principais tratados poéticos provençais que se ocupam da rima (em ordem cronológica): [J. H. MARSHALL], The “Razos de trobar” of Ramon Vidal and associated texts edited by J. H. MARSHALL: Raimon Vidal, “Razos de trobar”; Terramagnino de Pisa, “Doctrina d’Acort”; Jofre de Foixà, “Regles de trobar”; “Doctrina de compondre dictats”; Two anonymous treatises from Ms. Ripoll 129, Oxford University Press (¤University of Durham Publications‹), Londres 1972, CII + 183 pp.; [J. H. MARSHALL], The “Donatz proensals” of Uc Faidit edited by J. H. MARSHALL, Oxford University Press (¤University of Durham Publications‹), Londres 1969, 420 pp.; [A. F.] GATIEN-ARNOULT (ed.), Las Flors del Gay saber, estiers dichas Las leys d’Amors, 3 volumes, Silvestre, Paris-Tolosa 1841-1843. [Reed. facsimilar: Slatkine Reprints, Genève 1977]; [Joseph ANGLADE], Guilhem Molinier, Las Flors del Gay Saber publiées par Joseph ANGLADE, Institució Patxot (¤Memòries, Institut d’Estudis Catalans, Secció Filològica, Vol.1, Fasc. 2‹), Barcelona 1926, 91 pp.; [Joseph ANGLADE], Las leys d’amors, 4 volumes, Tolosa 1919-1920. [Reedição facsimilar: Nova Iorque 1971]; A. GRIERA, Diccionari de Rims de Jaume March, Barcelona 1921 (¤Biblioteca Filològica‹); J. Mª. CASAS HOMS, “Torcimany” de Luis de Averçó, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Barcelona 1956, 2 volumes.

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C-. Oportunidade do presente trabalho § 6. Para além dos rimários que os editores da obra dos distintos trovadores costumam incluir, tem havido, especialmente em tempos recentes, tentativas de mais amplo alcance, que abrangem as rimas de um conjunto de cantigas de diferentes autores: as do Cancioneiro da Ajuda 6 , as Cantigas de Santa Maria 7 , as cantigas de amigo 8 ... Também alguma análise de carácter mais teórico 9 . Mas faltava ainda, que eu saiba, uma catalogação global das rimas de todo o nosso corpus trovadoresco, profano e religioso conjuntamente, que permita uma comparação dos usos do artifício da rima tanto entre ambos os blocos (profano e religioso) como entre os diferentes trovadores.

3. Metodologia A-. Duas secções fundamentais: rimas e palavras rimantes § 7. Os rimários que os editores de trovadores individuais costumam incluir nas suas edições estão normalmente constituídos por uma lista alfabética das rimas, assinalando para cada rima as correspondentes palavras rimantes, também em ordem alfabética. Os rimários de conjunto incluem também uma lista de rimas desse tipo, acrescentando outra lista geral alfabética de palavras rimantes 10 . Efectivamente, essas duas secções (lista de rimas e lista geral de palavras rimantes) não podiam faltar neste trabalho, e constituem, de facto, o seu núcleo fundamental.

6 Antonia VÍÑEZ [SÁNCHEZ], «Rimario del Cancioneiro da Ajuda», em: Cuadernos de Filología Románica I («Estudios gallegos»), PPU (Promociones y Publicaciones Universitarias), Barcelona 1989, pp. 55-143. 7 José-Martinho MONTERO SANTALHA, «Catálogo das rimas das Cantigas de Santa Maria», em: III Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, 1990: Actas; Mª do Carmo HENRÍQUEZ SALIDO, Editora, Associaçom Galega da Língua (AGAL), A Corunha 1992, 660 pp., pp. 429-463; Maria Pia BETTI, Rimario e lessico in rima delle “Cantigas de Santa Maria” di Alfonso X di Castiglia, Pacini Editore, Pisa 1996. 8 Antonia VÍÑEZ / Juan SÁEZ (Grupo ¤Retórica, Texto y Comunicación‹), ¤Un rimario de las cantigas de amigo‹, em: Actas del VI Congreso Internacional de la Asociación Hispánica de Literatura Medieval: (Alcalá de Henares, 12-16 de septiembre de 1995): Edición a cargo de José Manuel LUCÍA MEGÍAS, Universidad de Alcalá (Servicio de Publicaciones), Alcalá de Henares 1997, 2 volumes, vol. 2º, pp. 1589-1598. Neste caso a catalogação apresenta-se também em versão informática, que oferece mais possibilidades que a versão tradicional impressa: “el rimario se presenta en dos formatos distintos. Uno, más tradicional, en soporte de papel [...]. Este rimario se completa con otro, en versión informatizada” (pág. 1594). 9 José María GARCÍA MARTÍN / Antonia VÍÑEZ SÁNCHEZ, ¤Una aplicación del “Rimario del Cancioneiro da Ajuda”: Vaasco Praga de Sandin‹, em: Draco (Cádiz) 1 (1989), pp. 13-21. 10 Antonia Víñez formulava esse programa nos seguintes termos: “Un Rimario es un inventario de rimas. Estas van dispuestas alfabéticamente encabezando la lista posterior que consiste en todos y cada uno de los términos rimantes de la rima en cuestión. Estos términos van ordenados también alfabéticamente. [...] en la segunda parte de este Rimario presentaremos [...] una ordenación de palabras en la rima” (Antonia VÍÑEZ [SÁNCHEZ], «Rimario del Cancioneiro da Ajuda», em: Cuadernos de Filología Románica I («Estudios gallegos»), PPU (Promociones y Publicaciones Universitarias), Barcelona 1989, pp. 55-143; a citação, nas pp. 63-64). O mesmo esquema fundamental em duas grandes secções (rimas e palavras rimantes) aparece no rimário das cantigas de amigo, do qual é coautora a mesma Antonia Víñez: “el rimario se presenta [...] con rimas (ordenadas por frecuencia), y para cada una la relación de términos rimantes [...]. Dispone de una segunda parte que consiste en un repertorio de formas” (pág. 1594).

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B-. Modificações na metodologia habitual § 8. No entanto, considerei que era conveniente para uma ánalise mais rigorosa introduzir algumas modificações nessa pauta metodológica, pelas razões que a seguir explico brevemente. As modificações mais importantes são as três seguintes: 1) Rima consoante e assoante. Normalmente na lista de rimas não se distingue entre rima consoante e rima assoante mas incluem-se ambas indiscriminadamente numa mesma lista. Porém, essa distinção é de fundamental importância; por isso distribuí em dois capítulos diferentes as rimas consoantes (que são a maioria) e as rimas assoantes. 2) Palavras rimantes repetidas e isoladas. O conceito mesmo de rima implica coincidência fonética entre as terminações de pelo menos dois versos. Portanto, naqueles casos em que (quer por tratar-se de um refrão monóstico sem rima quer por faltar algum verso por lacuna nos mss.) a terminação rimante é exclusiva de um só verso, mal se pode falar propriamente de rima, pois não se dá o artifício da coincidência fonética. Outra situação especial convém ainda assinalar a este respeito: quando, apesar de ser dois ou mais os versos em rima, é uma mesma a palavra rimante. Também nestes casos falta algo ao artifício da coincidência fonética, pois é óbvio que não se pode falar de “coincidência consigo mesmo”, que é o que acontece no caso em foco. Vistos estes dois casos especiais (que podemos denominar «de rima monoléxica», passando por alto a contradictio in terminis implicada nessa denominação, pois a autêntica rima supõe pelo menos dois vocábulos diferentes), considerei mais rigoroso distingui-los, em cada rima, da situação normal de rima poliléxica. Por isso aparecem dentro da rima correspondente (para permitir assim mais facilmente a comparação com as rimas poliléxicas), mas em parágrafos especiais: em primeiro lugar o segundo caso explicado (que denomino «repetição da mesma palavra rimante» ou uma expressão similar), e em segundo lugar o primeiro (ao qual me refiro como «palavra rimante isolada» ou «palavra isolada em posição de rima» ou similar). 3) Palavras rimantes por categorias gramaticais. Como indiquei antes, nos rimários publicados a lista de palavras rimantes de cada rima ordena-se alfabeticamente; por vezes resulta assim uma lista heterogénea e confusa, sobretudo quando é longa. Para evitar isto, pareceu-me útil introduzir algo de ordem, distribuindo as palavras rimantes em grupos, por categorias gramaticais. Esta ordenação permite penetrar melhor nos mecanismos de natureza morfológica ou sufixal que servem de base a muitas rimas, e, ao mesmo tempo, identificar e apreçar melhor o valor dos casos especiais (como nomes próprios, palavras estrangeiras, rimas compostas por vários vocábulos, etc.). Naturalmente, isto não quer dizer que, ademais dessa lista por categorias gramaticais, não se inclua para cada rima a lista alfabética de todas as suas palavras rimantes. De facto, inclui-se sempre.

4. Estrutura do trabalho § 9. O trabalho estrutura-se em cinco capítulos, precedidos desta introdução e seguidos da conclusão e da bibliografia. O capítulo primeiro tem carácter preliminar: nele apresentam-se temas e dados gerais sobre a poesia trovadoresca, com o fim de que a parte restante do trabalho –a 7

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que se ocupa das rimas, objectivo fundamental da investigação– não resulte sobrecarregada de pormenores acidentais. Depois de uma perspectiva geral sobre a poesia trovadoresca galego-portuguesa, estabelece-se o sistema de referência numérica às cantigas que vai ser empregado ao longo do trabalho (que é, com alguma leve adaptação, o proposto por D’Heur): isto inclui o inventário geral de todo o corpus trovadoresco profano, por cantigas e por autores, e ademais a equivalência deste sistema com a catalagoção de Tavani, mais divulgada. Neste sistema foi fácil alvitrar um expediente para integrar nele também as Cantigas de Santa Maria. Prestei especial atenção a este ponto da catalogação, e dediquei-lhe um particular esforço, com a intenção de elaborar um inventário o mais rigoroso possível tanto do ponto de vista linguístico como do literário. Tratam-se ainda neste capítulo inicial outros assuntos que são quase tópico obrigado neste tipo de estudos: os critérios de transcrição e de edição dos textos, alguns conceitos fundamentais relativos ao tema em estudo (isto é, a rima), e alguns problemas de terminologia. O capítulo segundo entra já no campo específico das rimas. Passa revista a todas as cantigas do corpus, uma por uma, para determinar as rimas e as palavras rimantes (estas só nas cantigas profanas) que em cada uma aparecem. Pretende, pois, estabelecer o “material disponível”, que nos capítulos sucessivos será objecto de catalogação e análise. Será também aí o momento oportuno para as observações de índole textual e para as propostas de modificação das leituras divulgadas. O capítulo terceiro é o central, não só no sentido material mas também no sentido valorativo: recolhe a parte fundamental da investigação. Consiste num catálogo alfabético das rimas, distribuídas, como foi já advertido, em dois grupos: rimas consoantes (que são a maioria) e rimas assoantes. Os critérios de elaboração deste catálogo explicam-se no início do capítulo (§§ 152-161). O capítulo quarto detém-se a realizar algumas análises do fenómeno das rimas dos nossos trovadores, observado já no seu conjunto: a repetição de rimas, a reiteração de palavras rimantes, a rima derivativa, as rimas das findas, algumas deduções de natureza linguística e literária, as estatísticas de frequência, etc. Discute-se também a opinião, bastante estendida, de que existe na nossa poesia trovadoresca rima de vogais abertas com vogais fechadas, e de vogais orais com ¤vogais nasais‹. O capítulo quinto, e último, é a lista alfabética das palavras rimantes. A conclusão recapitula alguns pontos que me pareceu podiam ressaltar-se. E finalmente a bibliografia apresenta (ademais das siglas bibliográficas empregadas ao longo do trabalho) uma selecção de estudos relativos especificamente ao tema das rimas.

5. Um aspecto marginal: propostas de revisão textual § 10. O trabalho de catalogação e análise das rimas deu-me ensejo para realizar uma revisão do texto das cantigas trovadorescas. Poderia simplesmente ter tomado o texto das melhores edições publicadas, como fizeram, por exemplo, os editores de Lírica profana (1996), ou outros catalogadores de rimas 11 . Mas o labor de revisão textual 11 Assim, Antonia Víñez baseou a sua catalogação das rimas do Cancioneiro da Ajuda sobre a edição de Carolina Michaëlis (MICHAËLIS, CancioneiroA (1904): “un Rimario de las cantigas de amor del Cancioneiro da Ajuda, editado por Carolina Michaëlis de Vasconcellos en el año 1904”: art. cit., pág. 61), e adverte que intentou “reflejar lo más literalmente posible el inventario que ofrece la editora del CA. Aún así, las correcciones en muchos de los casos han sido inevitables” (referindo-se com estas últimas palavras à correcção de gralhas

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levou-me a adoptar leituras diferentes das comummente admitidas nalgumas passagens problemáticas: umas vezes com relativa segurança, segundo creio, e outras como conjectura que me parece mais provável do que a aceitada, ou, no pior dos casos, pelo menos digna de ser submetida a discussão. Cumpre porém advertir que, desses problemas de índole ecdótica que os textos apresentam, muitos não afectam propriamente as rimas. Por isso, aqui limitar-me-ei a assinalar expressamente esse tipo de incidências somente nalguns casos: especialmente quando afectam as palavras rimantes ou a estrutura das rimas (por exemplo, na ordem dos versos ou das estrofes), ou também quando modificam o texto comummente admitido dos íncipit das cantigas (devido a que este verso inicial desempenha a função de título identificativo da composição). Mesmo nalguns desses casos, no que diz respeito às cantigas profanas, as minhas leituras (relativas, como fica dito, aos íncipit, ou às palavras rimantes, ou à ordem de versos ou de estrofes) aparecem só tacitamente: isto é, quer nos mesmos íncipit, quer na lista das palavras rimantes, que se oferece sempre completa (e, para as cantigas profanas, repetidamente). Com um critério similar de economia de trabalho e de espaço, optei também por reduzir ao imprescindível a referência expressa às leituras de outros editores (mesmo quando a minha leitura se afasta de todos ou da maioria deles). A não ser ocasionalmente, nos demais casos dou por suposta a remissão, em cada cantiga, à leitura considerada vulgata ou comum ou mais admitida hoje (embora possa ter sido proposta por primeira vez recentemente, como acontece nalguns casos, poucos): pressupõe-se, pois, tacitamente, em cada composição, a referência às edições pertinentes; isto é, tanto às grandes colectâneas por géneros (Michaëlis 12 , Nunes 13 , Lapa 14 , que na maioria dos casos ofereou evidentes descuidos, mas não propriamente à revisão da edição dos textos poéticos: ibidem, pág. 63). Maria Pia Betti tomou como base do seu catálogo das rimas das Cantigas de Santa Maria a edição de Mettmann (METTMANN (1986-1989)). Víñez e Sáez, na elaboração do seu rimário das cantigas de amigo, embora tiveram hesitado sobre a conveniência de ter em conta outras edições, decidiram-se finalmente por tomar como base a edição de Nunes (NUNES, CantAmigo (1926)): “El rimario no contempla, por el momento, más que el corpus de cantigas de amigo editadas por Nunes, aunque hemos considerado la posibilidad de que se incluyan las principales enmiendas de las ediciones críticas existentes. El criterio que primó al elegir esa edición, problemática, como sabemos, por varias razones, fue exclusivamente pragmático” (art. cit., pág. 1591). 12 MICHAËLIS, CancioneiroA (1904) = [Carolina MICHAËLIS DE VASCONCELLOS], Cancioneiro da Ajuda: Edição crítica e commentada por Carolina MICHAËLIS DE VASCONCELLOS, Max Niemeyer, Halle a.S. 1904, 2 volumes: Volume I: Texto, com resumos em alemão, notas e eschemas métricos, 924 pp.; Volume II: Investigações bibliográphicas, biográphicas e histórico-literárias, 1001 pp. 13 NUNES, CantAmigo (1926) = José Joaquim NUNES, Cantigas d’ amigo dos trovadores galegoportugueses: Edição crítica, acompanhada de introdução, comentário, variantes e glossário, Imprensa da Universidade («Biblioteca de Escritores Portugueses, Série A»), Coimbra 1926-1928, 3 volumes: «Vol. I (Introdução)», 498 pp.; «Vol. II (Texto)», 472 pp.; «Vol. III (Comentário, variantes e glossário)», 730 pp. [Reedições facsimilares do conjunto da obra: Kraus Reprint Co., New York 1971; Centro do Livro Brasileiro, Lisboa 1973]; NUNES, CantAmor (1932) = [José Joaquim NUNES], Cantigas d’ amor dos trovadores galegoportugueses: Edição crítica, acompanhada de introdução, comentário, variantes, e glossário por José Joaquim NUNES, Imprensa da Universidade («Biblioteca de Escritores Portugueses, Série A»), Coimbra 1932, 564 pp. 14 LAPA, CantEsc 1ª ed. (1965), ou LAPA, CantEsc 2ª ed. (1970) = [Manuel RODRIGUES LAPA], Cantigas d’escarnho e de mal dizer dos cancioneiros medievais galego-portugueses: 2ª edição, revista e acrescentada pelo Prof. M. RODRIGUES LAPA, Editorial Galaxia, [Vigo; impressão em Coimbra] 1970, X + 654 + 112 pp. («Colección Filolóxica»). [A 1ª edição desta magna e magistral obra publicara-se em 1965 pela mesma editora. Reedição póstuma (não facsimilar): Ir Indo Edicións, Vigo / Edições João Sá da Costa, Lisboa 1995, 396 pp.].

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cem as leituras aceitadas geralmente, pelo menos no substancial, prescindindo de divergências de natureza puramente gráfica) como às abundantes edições de trovadores individuais 15 . A este propósito, pode servir de cómoda referência universal para as cantigas profanas a remissão aqui, uma vez por todas, à colectânea Lírica profana (1996) 16 , que apresenta, para cada composição, a versão do texto mais geralmente admitida, ademais de uma lista de edições precedentes e de outras referências bibliográficas. No que diz respeito às Cantigas de Santa Maria, dado que por motivos de espaço optei por prescindir do elenco das palavras rimantes em cada cantiga no capítulo segundo (mas não, naturalmente, nas correspondentes listas do catálogo de rimas do capítulo terceiro, nem na lista geral de palavras rimantes do capítulo quinto), as observações de índole textual são mais frequentes, aqui muitas vezes com referência expressa à edição vulgata de Walter Mettmann 17 . Propostas de revisão textual nas cantigas profanas § 11. Tendo em conta que, em qualquer caso, este aspecto ecdótico é marginal ao trabalho que aqui se empreende, enumero a seguir, na ordem numérica do catálogo de D’Heur, e sem incluir a fundamentação (que, para a maioria das passagens, embora muito resumida, pode achar-se no capítulo segundo, no lugar correspondente a cada cantiga), as mais importantes modificações textuais que julguei oportuno introduzir. Estas nas cantigas profanas: Cantiga 13: Na cantiga núm. 13 [= Tav 111,1], ¤Que me nom podesse forçar‹ [ms. «Cuidei eu de meu coraçom»] (Bc [39b]), de Osoir’ Anes, conjecturo, por razões de regularidade rimática, que os dois versos iniciais aparecem permutados no manuscrito, de modo que o que no ms. era o segundo verso passa agora a ser o íncipit (e, portanto, o título identificativo da composição). Os editores (Michaëlis, Lírica profana) conservam a distribuição do ms. Cantiga 113: No v. 9 da cantiga núm. 113 [= Tav 115,11 (= 135,3)], «– Vi eu donas encelado» (Bc 142), de Pero Velho de Taveiroos com seu irmão Paai Soárez, leio cousistes ‘observastes’, em vez do castelhanismo conhocistes que vêm adoptando os editores (Carolina Michaëlis, CAjuda; Gema Vallín; Lírica profana).

15 As principais edições monográficas da produção completa de trovadores individuais resenham-se mais adiante, no ¤Inventário por ordem alfabética de trovadores‹ (capítulo primeiro, secção B2d: § 85). 16 Lírica profana (1996) = [VÁRIOS], Lírica profana galego-portuguesa: Corpus completo das cantigas medievais, con estudio biográfico, análise retórica e bibliografía específica; Equipo de investigación: Fernando MAGÁN ABELLEIRA, Ignacio RODIÑO CARAMÉS, María del Carmen RODRÍGUEZ CASTAÑO, Xosé Xabier RON FERNÁNDEZ; Coordinado por Mercedes BREA; Equipo de apoio: Antonio FERNÁNDEZ GUIADANES, María del Carmen VÁZQUEZ PACHO, Centro de Investigacións Lingüísticas e Literarias “Ramón Piñeiro” (Xunta de Galicia), Santiago de Compostela 1996, 1072 pp. em 2 volumes com paginação continuada. 17 METTMANN (1959-1972), ou METTMANN (1986-1989) = AFONSO X, O SÁBIO, Cantigas de Santa Maria editadas por Walter METTMANN, 4 tomos (3 de textos e o quarto de glossário), Coimbra 1959-1972: vol 1, 1959, LXXXVIII [= 88] + 290 pp., cc. [0]A-100; vol. 2, 1961, 382 pp., cc. 101-250; vol. 3, 1964, 416 pp., cc. 251-427; vol. 4, 1972, glossário. [Reimpressão facsimilar em dois tomos por Edicións Xerais de Galicia, Vigo 1981]. Nova edição: ALFONSO X, EL SABIO, Cantigas de Santa María: Edición, introducción y notas de Walter METTMANN, Editorial Castalia, Madrid 1986-1989 («Clásicos Castalia», 3 tomos: tomo I, 1986, núm. 134 da colecção, «Cantigas 1 a 100»; tomo II, 1988, núm. 172, «Cantigas 101 a 260»; tomo III, 1989, núm. 178, «Cantigas 261 a 427»).

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Cantiga 115: No v. 30 da cantiga núm. 115 [= Tav 97,2 (= 115,1)], «– Paai Soárez, venho-vos rogar» (Bc 144), de Martim Soárez, leio grotom adj. m.; os editores têm proposto duas leituras fundamentais: ([a] gra[n] dom (Michaëlis, Bertolucci, Vallín, Lírica profana), e grodom (Lapa). Cantiga 124: No íncipit da famosa ¤cantiga da garvaia‹, núm. 124 [= Tav 97,20] (A [38]), de Paai Soárez de Taveiroos, em vez de “No mundo nom me sei parelha”, leio «No mundo nom me sei par[i]a», atendendo, entre outros elementos, à clara dependência métrico-rimática que esta cantiga tem com respeito à composição provençal ¤Ara no vei luzir solelh‹ (BdT 70,7), de Bernart de Ventadorn. ( aprox. 1175). Cantiga 229: No verso primeiro do refrão (v. 8) da conhecida como “cantiga de Leonoreta”, núm. 229 [= Tav 71,4], «Senhor genta» (Bb 244 + Bc [246b]), incluída no ms. entre as do trovador Joám Lobeira mas provavelmente de época posterior e portanto anónima, leio, por razões métricas, Lenoreta (mas poderia ser igualmente Lonoreta, ou mesmo Lionoreta), contrariamente ao Leonoreta que apresenta o ms. e oferecem os editores (Michaëlis, Nunes, Beltrán, Lírica profana). Cantiga 383: No v. 18 da cantiga núm. 383 [= Tav 9,2], «Conhocedes a donzela» (Bd 415, V [26]), de Dom Afonso Sánchez, proponho conjecturalmente como palavra rimante ode P3 pres. do verbo oder ‘atar’, de modo que o verso resulta que pode_e ode, supondo tratar-se de uma expressão ‘que pode e ata’, isto é, ‘que tem todo o poder’ ‘que ata e desata’. Lapa propõe para este verso que fede a bode, versão reproduzida em Lírica profana. Cantiga 429: Nos versos 5, 16 e 27 da cantiga núm. 429 [= Tav 136,1], «A Lobatom quer’ eu ir, ai Deus, e Tu me guia» (Bd 448), de Pero Viviãez, leio, embora com dúvidas, Dona Juiãa antrop.f., em vez de Dona Joana, que traz o ms. e aceitam os editores. No verso final do refrão (v. 11) desta mesma cantiga, em vez de sair mana ‘sair maná’ (como editam, por exemplo, Beltrami e Lírica profana), leio sa irmãa. Cantiga 479: Na cantiga núm. 479 [= Tav 18,21], «Joám Roiz foi desinar a Balteira» (Bb 481, V [64]), de Afonso X, em vez da leitura que dá Lapa (e igualmente Lírica profana) ao íncipit (“Joám Rodríguez foi osmar a Balteira”) leio “Joám Roiz foi desinar a Balteira”. Cantiga 489: Na cantiga núm. 489 [= Tav 18,28], «O genete» (Bd 491, V [74]), de Afonso X, considero que os seis versos primeiros constituem um refrão inicial hexástico, o qual portanto deve repetir-se também depois de cada estrofe. Cantiga 629: Na cantiga núm. 629 [= Tav 130,2], «Nom há meu padre_a quem peça» (Ba 613, V [215]), de Pero Larouco, ademais de dar ao íncipit uma pontuação diferente, no v. 2, em vez de “dun canelho” (Lapa, Lírica profana), leio “unt’ anelho”, isto é, ‘unto velho, anelho’, que é exactamente a lição dos mss. Cantiga 629b: No verso inicial da cantiga núm. 629b [= Tav 130,2], (Ba 614, V [215b]), de Pero Larouco, conjecturo que deve ler-se «O que me d’ ánsar corrudo», isto é, ‘o que me (tem) por pato corrido’. Cantiga 666: Para a cantiga núm. 666 [= Tav 74,7], «– Se eu, mià filha, for» (Ba 651, V [252]), de Joám Núnez Camanês, apresento uma estrutura em estrofes de 6 versos, em vez de 7 como se edita comummente (Tavani, Lírica profana), pois suponho um refrão monóstico e não dístico. Para além disso, no v. 12 proponho uma leitura diferente, que afecta especialmente a palavra rimante: em vez de por vós, e mort’ há i (Ta11

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vani, Lírica profana) leio por vós, e morr’; [e] ai, de modo que a palavra rimante é a interjeição ai. Cantiga 781: Para a cantiga núm. 781 [= Tav 9,4], «Dizia la fremosinha» (Bc 784, V [368]), de Dom Afonso Sánchez, proponho uma estrutura diferente da habitual (Nunes, Lírica profana): o verso final (= quinto) de cada estrofe não é idêntico em todas elas, e portanto não forma parte do refrão, enquanto para Nunes se repetia em todas as estrofes “Com’ estou d’ amor ferida!”. Cantiga 835: No segundo verso do refrão da cantiga núm. 835 [= Tav 114,7], «Disserom-m’ hoj’, ai amiga, que nom» (Bc 838, V [424]), de Paai Gômez Charinho, justifiquei já noutro lugar a leitura ca jogou, como apresentam os mss., em lugar de qu’ afogou, como se vem editando (Michaëlis, Cotarelo, Monteagudo, Lírica profana). Cantiga 865: No v. 8 da cantiga núm. 865 [= Tav 14,12], «Porque no mundo mengou a verdade» (Bd 871, V [455]), de Airas Núnez, leio negrados (“frades negrados”), como trazem os mss., em vez de regrados (Tavani, Lapa, Lírica profana). Cantiga 991: No v. 22 da cantiga núm. 991 [= Tav 120,42], «Que mal s’ este mundo guisou» (Be 988, V [576]), pranto de Pero da Ponte, leio xo amou ‘o amou, o quis para si’, em vez de xamou, que apresentam os editores (Panunzio, Aurora Juárez, Lírica profana) sugerindo tratar-se de variante de chamou, P3 do perf. do verbo chamar. Cantiga 1315: Na cantiga núm. 1315 [= Tav 38,6], «– Que adubastes, amigo, alá em Lug’, u andastes» (Ba 1299, V [903]), de Fernand’ Esquio, conjecturo que o texto da segunda parte do refrão, onde ambos os mss. apresentam esse me adugu e esse mha dugo, pode estar corrompido, e apresento uma proposta de nova leitura que faz aparecer na resposta do trovador o mesmo verbo (adubar) que a amiga usa na sua insistente pregunta “Que adubastes [...]?”: conjecturo que deve aparecer a forma adubei em rima com levei. Cantiga 1326: No v. 7 da cantiga núm. 1326 [= Tav 30,28], «Pois que te preças d’ haver sém comprido» (Be 1309, V [914]), de Estevam da Guarda, leio espartido ‘distraído’, em vez de espargido (Lapa, Lírica profana); e no v. 8, em vez de encividade (vocábulo não documentado) edito ensabidade (palavra que aparece recolhida no Elucidário de Viterbo sob a forma insabidade, com o significado de ‘ignorância’). Cantiga 1360: No verso segundo do refrão (v. 8) da cantiga núm. 1360 [= Tav 87,8], «Desto som os zevrões» (Be 1343, V [950]), de Dom Lopo Lias, em vez de cosedes (Pellegrini, Lapa, Lírica profana), leio odedes, P5 de pres. do verbo oder ‘atar’, de acordo com os mss. e com o paralelismo com atades no v. 10. Cantiga 1366: No v. 13 da cantiga núm. 1366 [= Tav 87,13], «O infançom houv’ atal» (Be 1349, V [956]), de Dom Lopo Lias, proponho ler sanci, P1 do perf. do verbo sancir ‘ratificar’, em vez das diversas leituras que oferecem os editores (por exemplo Pellegrini e Lírica profana “á sazon hi”). Cantiga 1405: Para a cantiga núm. 1405 [= Tav 148,7], «Dom Estevam, em grand[e] entençom» (Be 1386, V [995]), de Roi Queimado, propronho uma nova estrutura geral, em estrofes de sete versos, mais concorde, segundo creio, com a lição dos mss. Como consequência dessa estruturação aparece como nova palavra rimante açom s.m. no v. 18: “que assi veedes vó-lo açom”. Cantiga 1408: No v. 4 da cantiga núm. 1408 [= Tav 71,6], «Um cavaleir’ há ’qui tal entendença» (Be 1389, V [998]), de Joám Lobeira, leio entença s.f., em vez de en tença (Lapa, Lírica profana). 12

0. Introdução

Cantiga 1458: No verso inicial da cantiga núm. 1458 [= Tav 147,8], «– Maria Genta genta, da saia cintada» (Ba 1439, V [1049]), de Roi Páez de Ribela, em vez de “Maria Genta, Maria Genta, da saia cintada‹, como oferecem os mss. e conservam os editores (Lapa, Barbieri, Lírica profana), visto que esse verso assim resulta hipermétrico, conjecturo que se repetiu indevidamente Maria e que o texto original poderia ser “Maria Genta genta, da saia cintada”, onde o primeiro Genta será sobrenome, e o segundo, o adjectivo comum genta ‘gentil’ ‘formosa’; o sentido seria, pois, ‘formosa Maria Genta’. Cantiga 1459: No v. 9 da cantiga núm. 1459 [= Tav 147,9], «Meu senhor, se vos aprouguer» (Ba 1440, V [1050]), de Roi Páez de Ribela, parece-me aconselhável ler aloguer em vez de Alanquer como se vem fazendo (Lapa, Barbieri, Lírica profana). Cantiga 1471: Nos versos 4-5 da cantiga núm. 1471 [= Tav 66,3], «Eu convidei um prelado a jantar, se bem me venha» (Ba 1452, V [1062]), de Joám de Gaia, leio treivos (v. 4) e çofeivos (v. 5), em vez de trei-nos e çofeinos que apresentam os editores (Stegagno, Lapa, Lírica profana). Cantiga 1483: Nos versos 10-11 da cantiga núm. 1483 [= Tav 63,27], «Dom Beeito, home duro» (Ba 1464, V [1074]), de Joám Airas de Santiago, apesar de o sentido geral destes versos ser bastante claro, é duvidosa a forma literal, e têm sido propostas diversas leituras (Lapa, José Luís Rodríguez, esta reproduzida em Lírica profana); com muita incerteza optei por ler execo (v. 10) e bureco (v. 11). Cantiga 1484: No segundo verso do refrão (v. 4) da cantiga núm. 1484 [= Tav 63,76], «U com Dom Beeito aos preitos veérom» (Ba 1465, V [1075]), de Joám Airas de Santiago, leio feeito em vez de feito (José Luís Rodríguez, Lírica profana). Cantiga 1497: Na cantiga núm. 1497 [= Tav 16,1], «A lealdad’ é bezerra que pela beira muito_anda» (Ba 1477, V [1088]), de Airas Pêrez Vuitorom, proponho considerar refrão o dístico inicial e dou para ele uma leitura diferente da habitual: “A lealdad’ é bezerra” em vez de “A lealdade da Bezerra”, e no v. 2 “bem é que a mantenhamos” em vez de “ bem é que a nostra vendamos”. Cantiga 1572: No v. 24 da cantiga núm. 1572 [= Tav 49,1], «Ai amor, amore de Pero Cantom-e» (Ba 1553), de Fernám Soárez de Quinhones, leio vençom-e ‘venda’, em bez de bençone (Lapa, Lírica profana). Cantiga 1576: Na cantiga núm. 1576 [= Tav 49,5], «Rex Judaeórum, Jesu Nazareno» (Ba 1557), de Fernám Soárez de Quinhones, conjecturo que a rima é êno, e não e)o como edita Lapa (versão esta reproduzida em Lírica profana), e conseguintemente as palavras rimantes que proponho são distintas das que ele propunha: ademais de Nazareno (v. 1; Lapa Nazare)o), leio leno (v. 2; Lapa se)o), pam cenceno (v. 6; Lapa pan de cente)o) e cameno (v. 12; Lapa romeo). Cantiga 1629: Na cantiga núm. 1629 [= Tav 2,14 (= 136,3)], «Tenho_eu por desaguisado» [mss. «Marinha, ende folegares»] (Ba 1617, V [1150]), de Pero Viviãez, ofereço uma nova distribuição dos versos iniciais, supondo que o que nos mss. aparece como íncipit (tal como conservam os editores: Lapa, Beltrami, Lírica profana) é na realidade o verso quarto. Cantiga 1631: No v. 21 da cantiga núm. 1631 [= Tav 24,2], «U‡a donzela coitado» (Ba 1619, V [1152]), de Pero Viviãez, leio muit’ abre-forcada, que suponho teria o sentido ‘muito abre-pernas’ (aplicado à donzela escarnecida na cantiga), em vez de mui pobr’ e forçada (Lapa, Lírica profana). 13

0. Introdução

Cantiga 1634: No v. 5 da cantiga núm. 1634 [= Tav 10,1], «Porém Tareija Lôpiz nom quer Pero Marinho» (Ba 1622, V [1155-1156]), de Afonso Soárez Saraça, em vez de ardeiros (Lapa, Lírica profana) leio arteiros. Propostas de revisão textual nas Cantigas de Santa Maria § 12. Também nas Cantigas de Santa Maria considerei justificado introduzir algumas modificações textuais na edição vulgata –e excelente– de Mettmann. Eis as mais importantes: Cantiga 2007: No v. 11 da cantiga núm. 2007 [= CSM 7], «Santa Maria amar» (E 7, T 7, U 6), edito u)’ abadessa em vez de u)a badessa (Mettmann). Cantiga 2039: No v. 22 da cantiga núm. 2039 [= CSM 39], «Torto seria grand’ e desmesura» (E 39, T 39, U 43), leio como palavra rimante hebre’ o, em vez de hebreo (Mettmann). Cantiga 2047: No v. 23 da cantiga núm. 2047 [= CSM 47], «Virgem Santa Maria» (E 47, T 47, U 61), leio assair (ou assalir) ‘assaltar, atacar’ em vez de a sair (Mettmann). Cantiga 2136: No v. 19 da cantiga núm. 2136 [= CSM 136], «Poi-las figuras fazem dos santos renembrança» (E 136, T 136), leio Corrad’ e em vez de Corrade (Mettmann). Cantiga 2146: No v. 49 da cantiga núm. 2146 [= CSM 146], «Quem comendar de coraçom» (E 146, T 146), leio sandeu, em singular, em vez de sandeus (Mettmann). Cantiga 2185: No v. 43 da cantiga núm. 2185 [= CSM 185], «Poder há Santa Maria grande d’ os seus acorrer» (E 185, T 187), leio traer ‘atraiçoar’, em vez de trager (Mettmann). Cantiga 2192: No v. 104 da cantiga 2192 [= CSM 192], «Muitas vegadas o dem’ enganados» (E 192, E 397, T 192), edito cam o em vez de cão (Mettmann). Cantiga 2224: No v. 48 da cantiga núm. 2224 [= CSM 224]: «A reinha em que é comprida toda mesura» (E 224, F [3]), edito logo cura, em vez de log’ a ura (Mettmann). Cantiga 2380: No v. 61 da cantiga núm. 2380 [= CSM 380], «Sem calar» (E 380), edito marria P1 condic. do vrb. mãer ‘permanecer’ ‘pernoitar’, em vez de Maria (Mettmann). Cantiga 2423: No v. 26 da cantiga núm. 2423 [= CSM 423], «Como podemos a Deus gradecer» (U (FJC) 1), leio que luz (P3 pres. do verbo luzir), em vez de qu’ é luz (Mettmann).

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