As sacristias barrocas da Sé e do Colégio jesuítico do Funchal

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ISBN 978-989-680-132-8 xxx-x

9 78 989 6 801 328

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H i stó r i a , C u lt u r a e E s p i r i t u a l i da d e s

INTERVIR+ para uma região cada vez mais EUROPEIA!

DIOCESE DO FUNCHAL A P r i m e i r a D i o c e s e G l o b a l

Além de uma cultura de cunho franciscano, marcada por uma espiritualidade de ligação profunda entre o homem, a natureza e Deus, a Igreja madeirense viria a tornar-se formadora de missionários que participaram de muitos modos da dinâmica da evangelização em diversos cenários do globo.

vo lu m e I

A Diocese do Funchal foi a primeira diocese portuguesa da Igreja Católica instituída fora da Europa, na sequência das viagens marítimas de descoberta que potenciaram a experiência de globalização. Esta diocese pioneira, que se estruturou no contexto da expansão portuguesa, foi erigida na capital do Arquipélago da Madeira, o primeiro território ultramarino a ser descoberto oficialmente pelos portugueses. Sediada num dos pontos gravitacionais do processo de globalização comercial, cultural e religiosa em curso, a Madeira afirmar-se-ia como um ponto nevrálgico do concomitante processo de universalização do Cristianismo que as viagens de descoberta, pelos territórios africanos, asiáticos e americanos, proporcionaram à Cristandade europeia.

diocese do Funchal A Primeira Diocese Global

História, Cultura e Espiritualidades DIREÇÃO

José Eduardo Franco João Paulo Oliveira e Costa

As sacristias barrocas da Sé e do Colégio jesuítico do Funchal Isabel Mendonça1

Espaços discretos, sempre presentes nas igrejas cristãs, algumas sacristias são no entanto lugares magníficos onde as várias artes se conjugam de forma harmónica e complementar. Verdadeiras “casas do tesouro”, têm à sua guarda as alfaias e os paramentos necessários ao culto divino, convenientemente dispostos em móveis específicos. Não faltam na Madeira belos exemplares de sacristias, sobretudo barrocas, que não se limitam à mera funcionalidade de bastidores do cerimonial litúrgico que se desenrola no espaço da igreja. Entre elas, porém, há duas que se destacam pelo seu interesse histórico e valor artístico: a sacristia da Sé episcopal, cuja obra, bastante bem documentada, decorreu entre 1733 e 1736, e a sacristia do colégio dos jesuítas no Funchal, um notável exemplo de “obra de arte total”, realizada, ao que tudo indica, entre os últimos anos do século XVII e os finais da década de 1730, em que se conjugam a marcenaria e o entalhe, a pintura decorativa, os azulejos e notáveis embutidos de pedraria, com pormenores de escaiola.

A “sacristia nova” da sé do Funchal A sacristia da sé do Funchal, também conhecida como “sacristia nova” ou “sacristia maior”, está hoje separada do corpo da igreja por um pequeno pátio acessível pela rua do Aljube, atrás da cabeceira manuelina. Originalmente, porém, integrava-se num conjunto de construções que rodeavam totalmente a abside e a torre sineira, em grande parte demolido nas décadas de 1950 e ‘60 pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monu2 mentos Nacionais (DGEMN) . A sacristia foi edificada na década de 1730, durante o episcopado do 15.º bispo do Funchal, D. frei Manuel Coutinho (1673-1742). Quando tomou posse do cargo em 1725, após um longo período de sé vacante, o novo prelado, que comungava os ideais da espiritualidade reformista da Jacobeia, empreendeu várias obras na sua sede episcopal, para dar maior dignidade ao culto e responder às necessidades funcionais do prin3 cipal templo da ilha da Madeira . !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1

Universidade Nova de Lisboa. Esta demolição, cujo processo se arrastou durante largos anos entre acesa controvérsia que envolveu destacadas figuras da época, é o tema de um nosso trabalho sobre Raul Lino e as obras da DGEMN na sé do Funchal, a aguardar publicação. 3 Sobre a figura deste prelado e a sua ação à frente da diocese, veja-se Ana Cristina Machado Trindade, “Plantar nova Christandade”: um desígnio jacobeu para a diocese do Funchal. Frei Manuel Coutinho, 1725-1741, Funchal, Direção Regional dos Assuntos Culturais da Região Autónoma da Madeira (DRAC), 2012. 2

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Isabel Mendonça

FIGURA 1: Fachada da sacristia da sé do Funchal vista da rua do Aljube, antes da demolição da casa do Auditório, década de 1950 (Arquivo fotográfico do IHRU, SIPA FOTO 00514096).

FIGURA 2: Planta da sé do Funchal, antes das obras da DGEMN, ainda com os anexos

junto à cabeceira manuelina (Arquivo fotográfico do IHRU, SIPA DES 00226292). 180

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A sacristia que então servia o culto na sé era ainda a mesma da fundação manuelina, pequena e escura, situada no piso térreo da torre sineira, sem a dignidade que se esperava de uma sede episcopal, dotada de um numeroso cabido, de vários capelães e 4 confrarias . Dentro da cerca da igreja já então existiam diversas construções, nomeadamente a casa do auditório, adossada à torre sineira, onde funcionava o Tribunal Eclesiástico e em cujo piso térreo se reunia o cabido. Outros espaços albergavam funções tão díspares como um açougue, a capela das Almas e um ossuário, já referido numa 5 visitação de 1591 . A “nobre Sacristia” foi edificada no espaço da cerca, sendo construídas na mesma campanha de obras novas casas para o cabido, para os capelães, para os meninos do coro e para o auditório, alguns espaços funcionais para os “trastes e despejos da fabrica” 6 e ainda novas instalações para várias confrarias .

O orçamento de 1732 A 20 de dezembro de 1732, o provedor da Fazenda da ilha da Madeira, Jorge Vieira de Andrade, enviou à corte um requerimento apresentado pelo deão da sé, pedindo a 7 construção de uma nova sacristia e casa anexa para o cabido . A planta e o orçamento respetivos haviam sido elaborados seis semanas antes, a 8 de novembro, pelo mestre das obras reais do Funchal, Diogo Filipe Garcês, e pelo mestre João de França. A planta desapareceu, mas existe ainda o orçamento, que transcrevemos em 8 anexo . Como habitualmente em documentos deste tipo, os dois mestres registaram as áreas das várias casas a construir, a profundidade dos alicerces, a espessura das paredes, o número de portas e janelas com as respetivas dimensões, as coberturas e os pavimentos, os lavatórios, os armários embutidos e os arcazes, as portadas e as grades, referindo ainda o tipo de materiais a utilizar, com vista a justificar o valor final da obra.

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Esta sacristia manuelina, situada dentro do corpo da igreja, mais perto da capela-mor, ainda é hoje utilizada. No que se refere à composição do cabido e aos ministros da diocese, um pouco antes da posse do novo bispo, veja-se a descrição de Henrique Henriques de Noronha, Memórias Seculares e Ecclesiásticas para a composição da História da Diocese do Funchal, na Ilha da Madeira, transcrição e notas de Alberto Vieira, Funchal, Secretaria Regional do Turismo e Cultura / Centro de Estudos de História do Atlântico (SRTC/CEHA), pp. 145-156. Sobre as confrarias existentes na sé e a sua relação com o Cabido, veja-se Nídia Maria Moura Estreia, As confrarias do Cabido da Sé do Funchal, Funchal, SRTC/CEHA, 2002. 5 Era “uma casa em que se recolhe a ossada das sepulturas e se abriu uma porta grande no muro da mesma cerca da banda de baixo para por ele entrarem as procissões dos defuntos”. livro das Visitações da sé, Visitação de 1591, fl. 142v., referido por Manuel Juvenal Pita Ferreira, Sé do Funchal, Funchal, Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, 1963, na p. 5. 6 “Memorias dos acontecimentos ocorridos no Episcopado de D. Frei Manoel Coutinho”, manuscrito do Arquivo da Diocese do Funchal, doc. 270, fl. 93, transcrito por Ana Cristina Machado Trindade, op. cit., pp. 228 e 229, e anexo documental em CD, na p. 216. 7 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (TT), Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, livro 396, fls. 148 e 148v. 8 TT, Cabido da Sé do Funchal, maço 29, doc. 6, fls. 81v. a 83v. Vide o doc. 1, no anexo documental. 181

Isabel Mendonça

Ficamos a saber que a sacristia ficaria encostada à “casa velha do cabido” (que, como vimos, funcionava no piso térreo da casa do auditório) e que o projeto implicaria um acerto a realizar no muro da cerca. Um corredor ligaria a sacristia à igreja, através do absidíolo do lado do Evangelho, rasgando-se uma “porta junto ao Altar Mor, para mais commodo e prompta servidão, nos Pontificais, Missas, etc.”. No local existia a capela de Nossa Senhora do Amparo, que se pretendia elevar alguns metros, ficando com uma “galaria de balaustres por sima da mesma entrada”. O orçamento, que englobava igualmente a edificação da nova casa do cabido, anexa 9 à sacristia , previa que esta fosse antecedida de uma “antecasa”, onde seriam colocados “dois lavatórios de pedraria bem lavrada com molduras quartolas e mais infeite que lhe for necessário”. A sacristia seria iluminada por duas grandes janelas viradas para a torre sineira e duas aberturas menores para a atual rua do Aljube. Na “antecasa” dos lavabos, uma janela grande abriria para a torre. Duas portas, rasgadas face a face, fariam a comunicação com a sacristia e com o corredor. 10 Os alizares das portas e janelas seriam em “pedraria lavrada do Estreito” . Todas as janelas teriam grades em ferro e as três janelas abertas para o lado da torre seriam equipadas com portadas em madeira do Brasil, rasgadas por postigos – também previstos para as duas portas, que seriam feitas em madeira de til. Do orçamento constavam ainda as ferragens. O pavimento da sacristia, da casa dos lavabos e do corredor seria lajeado. A madeira a usar no teto, em masseira de perfil sextavado, seria o castanho, usando-se a madeira de til no freixial, onde devia assentar a telha, e o modesto pinho no forro. Na sacristia estava igualmente prevista a colocação de “vestuarios de gavetas” em madeira (arcazes), sendo as gavetas, forros e molduras em “madeira de bordo” (ou seja, carvalho) e em castanho, e as almofadas em jacarandá, com “ferragens grandes de metal dourado”. Na sacristia e na casa dos lavabos deveriam ainda ser embutidos na parede “almarios de pedraria bem lavrada para amitos, cálices, missais e mais ornatos miúdos” (um maior na sacristia e dois menores na casa dos lavabos) com prateleiras de nogueira, “guarnecidos de jacarandá com boas ferragens douradas”. O orçamento incluía o valor a pagar pelos arcazes (398$000), pelo armário da sacristia (60$000) e pelos armários da casa dos lavabos (40$000 cada um). Sobre o arcaz, na parede virada para o adro, estava previsto um nicho para a imagem do orago, que seria aberto entre as duas janelas que para aí estavam previstas. Os valores para a nova sacristia e casa do cabido foram aprovados em Lisboa por despacho do Conselho da Fazenda de 13 de março de 1733. O custo orçado para a obra total foi de 3:856$700, que se previa fossem pagos “pelos sobejos [do] Almoxarifado (...) !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 9

TT, Cabido da Sé do Funchal, Idem, ibidem, fls. 83v. a 85v. Sobre a obra da nova casa do cabido, veja-se Eva Carrasco Dellinger, “Conservação preventiva da Sala do Cabido”, Monumentos, n.º 19, Lisboa, DGEMN, setembro de 2003, pp. 88-93. 10 Do Estreito de Câmara de Lobos. 182

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gastandosse tambem nella todo o dinheiro do tempo da Mitra Vagua” . Recomendava-se ao provedor da Fazenda da ilha da Madeira que pusesse a obra a lanços de forma a evi12 tar “os comluyos que custumão haverem semelhantes arremataçois” . O receado “conluio” não terá sido evitado, uma vez que a obra veio a ser arrematada pelos mestres João Martins de Abreu e João de França (o mesmo que um ano antes 13 colaborara no orçamento...), mais tarde substituído pelo filho, António João .

A obra realizada As alterações ao orçamento inicial começaram de imediato, seguindo-se logo em 26 de setembro de 1734 um novo ajuste entre os dois responsáveis e o cabido, representado pelo arcediago Bernardo Rodrigues Nogueira e pelo cónego Francisco Cândido Correia Henriques. Os empreiteiros receberam mais 3:100$000, que acresciam ao valor da adjudicação, mas agora comprometendo-se a construir novas casas para o auditório e para os meninos do coro, para as confrarias de Jesus, de Santo António e de S. Miguel, além das escadas, varandas, telheiros, corredores e terraços que acabaram por unir a 14 sacristia e a casa do cabido à cabeceira da igreja . Também a sacristia não ficou como se previa no orçamento de 1732. Em primeiro lugar, houve que alterar-lhe as dimensões, pois verificou-se que, a ser construída segundo os planos iniciais, ficaria “muito baixa e estreita”. Certamente por causa das modificações introduzidas na altura e na largura da sacristia, o rasgamento final das janelas acabou por ser alterado: das três grandes janelas viradas para a torre, manteve-se apenas a da casa dos lavabos, rasgando-se duas aberturas menores no alçado sul, iguais às do alçado oposto, virado para a rua. Todas as janelas foram resguardadas por grades em ferro e portadas em madeira, talvez “madeira do Brasil”, tal como previsto no orçamento. O pavimento da sacristia foi revestido de madeira, em vez de lajes, mas o teto, em fasquiado de madeira, foi estucado tal como programado, recebendo quatro grandes conchas em estuque em cada um dos cantos. Outra alteração teve a ver com a disposição inicialmente prevista dos arcazes (“so para hum lado e cabeseira da dita sancristia”) e com a introdução de um altar com o seu 15 retábulo – esquecidos (pasme-se!) no orçamento inicial .

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TT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, livro 971, fl. 6. Idem, ibidem, fl. 5v. 13 Há dois mestres de obras de apelido França, pai e filho, envolvidos no processo da sacristia de sé. O primeiro (João de França) elabora o orçamento em 1732 e surge mais tarde como arrematante da obra, subscrevendo documentos com uma assinatura laboriosa, de pessoa doente ou pouco instruída. Mais tarde, porém, João de França deixa de aparecer na documentação que consultámos, surgindo em seu lugar o filho, António João de França, que cobra quantias devidas ao pai, designadamente em 1736 e 1739, e atua como corresponsável da obra, exibindo a assinatura desenvolta de quem está familiarizado com a pena (TT, Cabido da Sé do Funchal, maço 29, docs. 7 e 8). Sobre a relação de parentesco, vide Arquivo Regional da Madeira, Paroquiais, sé do Funchal, livro 11.º de Casamentos, fls. 4 e 146. 14 TT, Cabido da Sé do Funchal, maço 29, Docs. 7 e 8. 15 TT, Cabido da Sé do Funchal, livro 9, fl. 83v. 12

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FIGURA 3: Interior da sacristia da sé do Funchal – o retábulo ladeado por amituários

e arcazes encostados às paredes laterais (fotografia de Isabel Mendonça).

FIGURA 4: Interior da sacristia da sé do Funchal – os arcazes encostados às paredes

laterais e os armários dos lados da porta (fotografia de Isabel Mendonça). 184

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Dois grandes arcazes, cada um com cinco módulos de três gavetas, foram encostados às duas paredes maiores da sacristia e colocados sobre estrados elevados do pavimento. No prolongamento dos arcazes, nas paredes menores, foram assentes armários iguais, dois com portadas, de ambos os lados da porta de acesso à casa dos lavabos, e dois amituários ladeando o altar, cada um com doze pequenas gavetas para amictos e compartimentos para livros e alfaias. No orçamento estava previsto apenas um armário maior para a sacristia, destinado a guardar “amitos, cálices, missais e mais ornatos miúdos”, e dois menores na casa dos lavabos. A alteração na disposição dos arcazes e a introdução do altar condicionaram certamente o número e a disposição dos armários na sacristia.

FIGURA 5: Interior da sacristia da sé do Funchal – o retábulo ladeado por amituários e

arcazes encostados às paredes laterais (fotografia de Isabel Mendonça). Pormenor do arcaz da sacristia da sé do Funchal com o seu espaldar (fotografia de Isabel Mendonça). 185

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FIGURA 6: Interior da sacristia da sé do Funchal – o retábulo ladeado por amituários e arca-

zes encostados às paredes laterais (fotografia de Isabel Mendonça). Um dos amituários da sacristia da sé do Funchal, ao lado do retábulo (fotografia de Isabel Mendonça).

Não sabemos se chegaram a ser feitos os armários previstos para a casa dos lavabos, já que esta foi demolida nos restauros da DGEMN. Uma fotografia do seu interior, 16 de 1948 , apenas permite ver um dos “lavatórios” e parte de outro, de ambos os lados da porta de acesso ao corredor, e dois toalheiros na parede fronteira. Resta apenas um dos lavabos, hoje colocado no corredor do piso térreo da casa do cabido.

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Arquivo do IHRU (antiga DGEMN), SIPA FOTO.00514978. 186

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Nas duas paredes que subsistem da antiga casa dos lavabos foram recentemente recuperadas uma pintura mural representando a Expulsão do Paraíso e uma pequena parte do enquadramento colorido de outra cena, ambas escondidas durante largos anos por uma espessa camada de cal. Terão sido possivelmente realizadas em meados do 17 século XVIII, a avaliar pela linguagem decorativa das molduras postas a descoberto . Nos arcazes e nos armários foram usadas diversas madeiras, muito provavelmente as que se encontram referidas no orçamento: a estrutura em “madeira de bordo” (carvalho), as molduras em castanho, as prateleiras em nogueira e as almofadas em jacarandá, madeira brasileira de veios avermelhados, aplicada em folheado. Quer as gavetas, quer as portas dos armários e os puxadores das gavetinhas dos amictos, mostram aplicações em metal dourado, igualmente previstas no orçamento. Destaca-se o belo trabalho vazado e gravado das ferragens das gavetas e dos armários.

FIGURA 7: Ferragem de uma das gavetas do arcaz da sacristia

da sé do Funchal (fotografia de Isabel Mendonça).

O altar com o seu retábulo entalhado foi encostado à parede norte. Sobre os arcazes e os armários foram colocados espaldares entalhados, também esquecidos no orçamento de 1732. Foram realizados por conta do cabido, que “vendo (...) o disforme, e desaceada que ficava a dita Sachristia, pelo mayor Culto Divino se resolverão às suas proprias custas, mandar fazer hum bem deliniado Altar de entalhado com hum fermozo paynel de S. Pedro, e molduras tambem de boa talha para os payneis de cada banda das paredes da Sachristia por 18 cima dos Cayxoens” .

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A descoberta dos primeiros vestígios das pinturas deve-se a Joaquim Inácio Caetano, que as revelou na edição da revista “Monumentos” dedicada à sé do Funchal (Joaquim Inácio Caetano, “A pintura mural no pátio de acesso à Sala do Cabido”, Monumentos, op. cit., pp. 84-87). 18 TT, Cabido da Sé do Funchal, maço 10, doc. 2. Veja-se o anexo documental, doc. 2. 187

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Os dois espaldares, cada um com seis panos pensados para receber pinturas, são estruturas de carácter arquitetónico, bem desenhadas. Os panos são enquadrados por pilastras compósitas e rematados por frontões com enrolamentos de acantos e um grande leque central. Os frontões alternam com pináculos apoiados nos capitéis das pilastras. Toda a estrutura em madeira, possivelmente castanho, é amplamente vazada com um trabalho de 19 entalhe profundo, sugerindo o lavor da filigrana, na feliz expressão de Robert Smith . Sobre a mesa do altar (que já não é a original) assenta o retábulo, de planta côncava, com duplas pilastras que se prolongam superiormente em duas arquivoltas de perfil idêntico, intercaladas por elementos radiais entalhados. Remata o retábulo um frontão de volutas, com cartela central e uma flor de acanto de grandes dimensões. Tanto as pilastras como o frontão são amplamente vazados, à semelhança da estrutura dos espaldares dos arcazes. A talha foi deixada tal como foi esculpida, sem qualquer sinal de aplicação de folha de ouro ou de policromia, e ainda com os sinais das ferramentas utilizadas.

FIGURA 8: Pormenor da talha vazada da base do retábulo

da sacristia da sé do Funchal (fotografia de Isabel Mendonça).

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Uma das particularidades da talha madeirense no período que Robert Smith designou de “estilo nacional”: “as filigranas de delicadíssima escultura” que encontrou nos espaldares das duas sacristias funchalenses. Cf. Robert Smith, A Talha em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1963, p. 72 e nota 29 na p. 92. 188

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No pano central do retábulo está hoje uma pintura sobre madeira figurando S. Gregório Magno, papa e doutor da Igreja, que substituiu a tela original em que estava representado S. Pedro. A pintura que hoje aí vemos foi transferida da sacristia dos 20 capelães , onde se encontrava a 31 de dezembro de 1798. Nessa data, um pormenorizado inventário das relíquias, imagens e ornamentos da sé do Funchal refere “Hum quadro de S. Gregorio Papa na Sanchristia dos Reverendos Capelans”, não havendo já 21 qualquer menção à tela de S. Pedro . Outras telas e imagens decoravam então a sacristia nova, claramente diferenciada da sacristia dos capelães: “Huma imagem de S. Bento com bago, e Resplendor de prata que esta no Altar da Sanchristia nova; Huma imagem de S. Pedro no dito Altar; (...) Huma imagem do Menino Jezus em seu ninxo dourado no Altar da Sanchchristia nova; (...) Hum 22 quadro de Ecce homo que esta na Sanchristia nova” .

Os pagamentos Através de um livro de receitas e despesas do cabido da sé do Funchal, referente ao período em que decorreram as obras da sacristia, podemos acompanhar os pagamentos 23 realizados . Em 1733 encontramos um único pagamento pelas duas “chaves” dos lavató24 25 rios (5$750) e o seu douramento (4$320) . Os lavabos, que terão vindo de Lisboa , já então se encontravam na sé. Em 1734 estão registados os primeiros pagamentos diretamente relacionados com a obra da sacristia: o transporte de “madeira do Estreito para os quadros sobre os caixois do altar da sanchristia”, que custou 20$000. Foi ainda encomendado ao padre Marcelino da Silva 26 um Cristo para a sacristia (a par de outro para a casa do cabido) . O mesmo sacerdote 27 recebeu, no ano seguinte, 10$000 pela “pintura de S. Pedro para o altar da sacristia” . Em 1735 foi pago o montante de 9$900 a 22 serradores pelo corte de madeira de nogueira e castanho utilizada na obra da sacristia e foi igualmente pago um pedreiro pelo trabalho “de abrir e concertar a parede em que se meteram e formaram os armários devidos nos lados do altar da sacristia”. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 20

Esta funcionava na sacristia antiga, na torre sineira, ou na sala existente no piso térreo da casa do cabido, onde os capelães se vestiam e tinham os seus armários. Cf. TT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, livro 396, fl. 148. 21 TT, Cabido da Sé do Funchal, maço 10, doc. 20. 22 Idem, ibidem. 23 TT, Cabido da Sé do Funchal, livro 9. 24 Idem, ibidem, fl. 87. 25 Se atendermos à pedra utilizada, o lioz e a brecha da Arrábida. 26 TT, Cabido da Sé do Funchal, livro 9, fls. 83 e 83v. O cónego Marcelino da Silva foi uma das testemunhas do casamento do mestre António João de França com a sua prima Martinha Maria de Aguiar, celebrado em 19 de fevereiro de 1730 na ermida de Nossa Senhora da Graça e registado na paróquia da sé, onde residiam ambos os nubentes (Arquivo Regional da Madeira, Paroquiais, sé do Funchal, livro 11.º de casamentos, fl. 146). 27 TT, Cabido da Sé do Funchal, livro 9, fl. 92. 189

Isabel Mendonça

FIGURA 9: Um dos lavabos da “antecasa” da sacristia da sé do Funchal, hoje no corredor da casa do Cabido (fotografia de Isabel Mendonça).

Os mestres marceneiros – cujos nomes não são referidos – receberam 15$000 “pelos almarios baixos dos lados do altar da sacristia” e 45$000 “pelos almarios dos lados 28 da porta da sacristia” . Algumas semanas depois o cabido pagou 1$200 pelos “escudos puchantes” (ou seja, os escudetes e os puxadores em metal dourado) dos quatro armá29 rios . Neste mesmo ano aparece pela primeira vez uma referência aos mestres entalhadores, que receberam 3$120 por seis tábuas de pinho com 156 pés e pelo “assento das Colunnas e panos”, e 94$770 pela “obra de Intalhado da sanchrestia”, entrando neste 30 montante o trabalho dos “maginários” . Ainda em 1735 foi pago o torneiro “pelo feitio dos paus para as toalhas da ante-casa da sacristia - $600”, saindo igualmente da caixa 8$700 como retribuição pelos “ferros dos ditos paus e toalhas” e $600 “pelo feitio do frontal do altar da sacristia”, em que se 31 usou damasco, franjão e forro que sobrou de outros ornamentos . Em 1736 foram registados pagamentos aos carpinteiros pelo trabalho de preparação das madeiras para os entalhadores (86$350), enquanto estes receberam a maior soma: 232$450 pela obra do retábulo e por nove panos do espaldar sobre os arcazes. A

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Idem, ibidem. Idem, ibidem, fl. 93. 30 Idem, ibidem, fl. 92. 31 TT, idem, ibidem, fl. 93. 29

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montagem do retábulo foi assegurada pelos mestres carpinteiros “João Martins [de 32 Abreu] e seu irmão, quatro oficiais e dois aprendizes” . As saídas de caixa de 1737 referem-se apenas a pagamentos por obras já realizadas ou a pequenos trabalhos que estariam ainda por terminar. Nesse ano encontramos ainda os nomes dos carpinteiros Manuel da Silva e Manuel da Costa, que receberam a remuneração em atraso referente à preparação das madeiras para os entalhadores (num total de 172 dias), e ainda os nomes dos dois entalhadores que trabalharam no retábulo e no espaldar: Manuel Pereira [de Almeida] e “Julião Francisco Ferreira das Ilhas”. O primeiro recebeu 95$600 por quatro dos panos dos alçados sobre os arcazes e por mais dois colaterais ao altar da sacristia; o segundo, 42$200 “por um pano dos comuns da dita sacristia, a 16 reais, mais por outro meio pano sobre a porta, 4 remates, 8 piramides, 6 33 almofadas, que faltaram nos panos feitos em 1736 e 120 rosas para guarnição da obra” . Ainda no ano de 1737, “João Martins [de Abreu] carpinteiro e seu companheiro Antonio João [de França]” receberam mais 100$000 por montantes em dívida referentes 34 aos anos de 1734 e 1735 . Em 1738 os documentos de saída de caixa registaram o pagamento de 66$058 a “Antonio João de França e João Martins de Abreu” por trabalhos na 35 sacristia e “mais obras” . Apesar de todos estes pagamentos atrasados, a sacristia estava já terminada no primeiro quartel de 1736, como se deduz da petição dirigida ao cabido pelos dois responsáveis da obra, João Martins de Abreu e António João de França, a 27 de abril de 1739, em que pedem para lhes ser paga a importância em dívida de 555$000, por estarem concluí36 das havia já três anos as obras por eles ajustadas . O cabido demorou a pagar… Já na segunda metade do século XVIII, o deão da sé dirigiu-se ao rei D. José pedindo ajuda para a conclusão das obras da sacristia: “tudo esta[va] feito com o possivel primor, mas com o defeito de nada estar dourado, nem terem as taes molduras os payneis para que forão destinadas”. Como a fábrica da sé não tinha meios para custear tais despesas, pediam que as mesmas fossem pagas com as sobras do almoxarifado, “em forma 37 que o primor da obra que se hade fazer corresponda ao do que está feita” . O pedido do cabido não foi atendido e a talha continua até hoje por dourar. As oito 38 telas que se veem nos espaldares dos arcazes só aí foram colocadas durante o século XIX .

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TT, Cabido da Sé do Funchal, livro 9, fl. 102. Idem, ibidem, fl. 110. 34 Idem, ibidem, fl. 112v. 35 Idem, ibidem, fl. 121v. 36 TT, Cabido da Sé do Funchal, maço 29, doc. 12. O cabido optou por pagar a dívida com o vinho das fazendas que a Sé tinha no Caniço. 37 TT, Cabido da Sé do Funchal, maço 10, doc. 2. Veja-se o anexo documental, doc. 2. 38 As telas, com as inscrições que as acompanham, são descritas por Rita Maria Camacho Rodrigues na sua tese de doutoramento, A pintura proto-barroca e barroca no arquipélago da Madeira entre 1646 e 1750. A eficácia da imagem, 2 vols., Funchal, Universidade da Madeira, 2012: Adoração dos Pastores (“conigo Barros anno de 1811”), O Velho Simão” (“MOR”), Jesus diante de Caifás (“Faria”), A oração no horto, O caminho do Calvário (“Soares”), O descimento da cruz (“Aguiar”), A Ressurreição e Figuras da Eucaristia. Cit. a p. 384, nota 1285. 33

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As “Instruções” de S. Carlos Borromeu Na obra da sacristia da sé do Funchal foram observadas de muito perto as determinações expressas por S. Carlos Borromeu, arcebispo de Milão (1538/1584), um dos arautos da contrarreforma católica, nas suas Instructiones Fabricae et Supellectilis Ecclesiasticae, publi39 cadas em 1577 . Em primeiro lugar, a sacristia devia ter dimensões proporcionais ao templo de que fazia parte, ao número de ministros e às alfaias e paramentos a guardar. Nos templos mais importantes – catedrais e colegiadas – devia estar suficientemente afastada da capela-mor para permitir que o celebrante caminhasse até ao altar em procissão. Ora, quer nas dimensões, quer na localização em relação à capela-mor (a que estava ligada por uma passagem coberta antes das demolições realizadas pela DGEMN), a “sacristia nova” respeitava as Instructiones de S. Carlos Borromeu. Por questões de salubridade, a sacristia devia estar virada a sul ou a nascente, ser bem ventilada e iluminada por duas ou mais janelas, se possível, dispostas face a face e protegidas por vidros, redes metálicas e grades. O teto da sacristia devia ser em abóbada e o pavimento concebido de maneira a evitar humidades. Também neste aspecto a nova sacristia da sé cumpria o determinado pelo arcebispo de Milão, sobretudo após as alterações ao orçamento de 1732, que vieram permitir uma melhor ventilação, com as janelas rasgadas nos alçados norte e sul. Nas suas “Instruções”, S. Carlos Borromeu recomendava a colocação de duas portas na sacristia: uma porta de acesso ao exterior, em madeira maciça e com uma fechadura sólida, munida de chave, e uma segunda porta, de acesso à igreja, com postigo e protegida por grade, que podia ser em madeira menos espessa e trabalhada, com trinco e mola para facilitar o fecho. Aconselhava ainda a colocação de panos de porta para proteger o local de olhares indiscretos. Ora, as duas portas previstas no orçamento inicial estavam equipadas com postigos – e, embora tenha desaparecido a casa dos lavabos, quer a fotografia de 1948 atrás referida, quer a planta anterior às demolições, mostram que ela funcionou como uma antecâmara da sacristia, condicionando o acesso ao seu interior. A presença de um lavabo, onde o sacerdote pudesse lavar as mãos antes da Eucaristia, era condição indispensável em qualquer sacristia. Devia ser colocado num recesso da parede, para não roubar espaço, e ser bem construído e decorado, preferencialmente em mármore, tendo ao lado um toalheiro com a sua toalha branca, em linho. Na sacristia da sé existia inicialmente uma “antecasa” onde foram instalados, não um, mas dois lavabos em mármore, equipados com os seus toalheiros. Nas sacristias de maiores dimensões era essencial a existência de um altar com a sua toalha, crucifixo, imagens de santos e candelabros, e de um oratório, dentro de um pequeno cubículo ou separado por uma cortina, onde o sacerdote pudesse retirar-se para

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Carlos Borromeo, Instructiones Fabricae et Supellectilis Ecclesiasticae, 1577. As regras a aplicar na construção e decoração das sacristias foram consignadas no capítulo XXVIII desta obra, de que não encontrámos disponível uma versão em português. Pode ver-se o texto original em latim e a tradução para inglês, com interessantes comentários de Evelyn Voelker, em http://evelynvoelker.com. 192

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meditar e rezar antes da celebração. S. Carlos Borromeu recomendava que os armários paramenteiros, em nogueira, fossem colocados sobre um estrado, acima do nível do pavimento, e tivessem gavetas compridas, de proporções adequadas aos paramentos. Estes deviam ser colocados estendidos e separados segundo as cores litúrgicas. Por cima dos arcazes ou a seu lado deviam existir pequenos armários, fechados por portas, cada um com a sua fechadura e respetiva chave. Colocados aos pares, destinavam-se a guardar, de um dos lados, “cálices, patenas, corporais, purificadores, véus e objectos semelhantes (…) limpos e ordenados”, colocando-se do lado oposto os objetos por lavar. O número de armários devia corresponder à quantidade de peças a guardar. Além dos móveis para paramentos e alfaias, as sacristias deveriam estar equipadas com móveis específicos para guardar livros, separados em três categorias (livros de salmos e missais, livros de leis e escrituras, e livros de registos de batismos, casamentos e óbitos, juntamente com cartas pontificais e episcopais, etc.). Todo o equipamento da sacristia da sé seguiu o determinado pelas “Instruções” do arcebispo de Milão, quer no que diz respeito aos arcazes e armários para amictos, alfaias e livros, quer em relação ao altar, com o seu retábulo e imagens sagradas. Os dez módulos dos móveis paramenteiros, cada um equipado com três amplas gavetas, respondiam certamente às necessidades do cabido, o mesmo acontecendo com os quatro 40 armários complementares .

A sacristia do colégio dos jesuítas e a sua decoração integrada Uma outra sacristia “ocupa um espaço perfeitamente impar na Madeira e um bom lugar no espaço nacional”, nas palavras de Rui Carita, que consagrou várias obras ao conjunto 41 edificado do colégio dos jesuítas do Funchal, onde aquela se insere . Ao contrário da obra da sacristia da sé do Funchal, assaz documentada, nada se conhece sobre a obra da sacristia do colégio, uma vez que desapareceu toda a docu42 mentação dos jesuítas da Madeira . No entanto, as óbvias semelhanças que existem entre os arcazes e alçados das duas sacristias, constatadas pela primeira vez pelo padre 43 Pita Ferreira, em 1963 , permitem atribuí-los à mesma equipa de artistas. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 40

Existia além disso uma outra sacristia onde os capelães se vestiam e guardavam os paramentos e alfaias do culto. E pelo menos uma das confrarias, a do Santíssimo, tinha uma sacristia, a par de uma notável sala de reuniões, que felizmente sobreviveram às demolições da DGEMN. 41 Rui Carita, História da Madeira. O século XVIII: Economia e Sociedade, Funchal, Secretaria Regional de Educação, 1999, V volume, p. 438. Sobre a sacristia da igreja do colégio, veja-se, do mesmo autor, Colégio dos Jesuítas do Funchal, 2 vols., Funchal, Secretaria Regional da Educação, 1987, e Colégio dos Jesuítas do Funchal. Memória Histórica, Funchal, Associação Académica da Universidade da Madeira, 2013. 42 Rui Carita, “A Companhia de Jesus e a talha protobarroca na Madeira. A oficina de Manuel Pereira dos meados do século XVII”, in A arte no mundo português nos sécs. XVI, XVII e XVIII, Faro, Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2002, pp. 313-326 (atas do V Colóquio Luso-brasileiro de História da Arte, realizado em Faro de 25 a 29 setembro de 2001), na p. 320. 43 “Semelhante à da sacristia do Colégio e provavelmente obra das mesmas mãos, não foi dourada como esta, mas impõe-se pela perfeição da sua execução, a qual, numa renda do altar de S. Gregório, chega a ser admirável”. Cf. Manuel Juvenal Pita Ferreira, op. cit., p. 257. 193

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FIGURA 10: Fachada principal da igreja do Colégio de S. João Evangelista, Funchal (fotografia de Isabel Mendonça).

A ampla sacristia do colégio, de planta retangular, situa-se a oeste da capela-mor, dela separada por uma antecâmara. Recebe luz de duas janelas rasgadas na parede sul, abertas para um pátio. Coberta por abóbada de penetrações decorada com pintura, conserva ainda o pavimento original em tijoleira, centrado por placa em mármore vermelho com florão embutido, provavelmente pensado para a colocação de uma mesa em 44 pedraria entretanto desaparecida . A pintura do teto, com os seus dinâmicos enrolamentos de acantos semeados de meninos e grinaldas de flores, enquadrando cartelas de volutas ainda com sugestões de “ferroneries”, integra-se na chamada “pintura de brutesco”, uma derivação nacional dos grotescos de matriz italiana que cronologicamente acompanhou a talha de estilo nacio45 nal . Não existem documentos que permitam datar ou atribuir a autoria desta pintura. A organização da trama dos enrolamentos e a configuração das cartelas estão próximas !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 44

As mesas de sacristia em pedraria são muitas vezes colocadas em zonas assinaladas no pavimento. Um excelente exemplo é o da mesa da sacristia da igreja do convento de S. Domingos, em Lisboa, ainda no local original, marcado no belo pavimento em mármores de várias cores, formando um verdadeiro “tapete” de pedraria. Cf. Isabel Mayer Godinho Mendonça, “A sacristia da igreja do convento de S. Domingos em Lisboa e o património integrado de Artes Decorativas”, in Dominicanos em Portugal (atas do Colóquio, Porto, Faculdade de Letras e Museu Soares dos Reis, 2006), Lisboa, Aletheia, 2010, pp. 350-377, a p. 353. 45 Sobre a caracterização do brutesco e a sua relação com o grotesco, veja-se o artigo de Nicole Dacos e Vítor Serrão, “Des grotesques à la peinture de «brutesques»”, in Portugal et Flandre. Vision de l’Europe (1550-1680), Bruxelas, Fondation Europalia International, 1991, pp. 41-55. 194

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da pintura da abóbada do subcoro da igreja do convento de Santa Marta, em Lisboa, 46 realizada em 1692 por Lourenço Nunes Varela e Miguel dos Santos , sugerindo a utilização das mesmas fontes gravadas.

FIGURA 11: Sacristia da igreja do Colégio, espaldar e retábulo do arcaz (fotografia de Isabel Mendonça).

FIGURA 12: Pormenor da pintura de brutesco do tecto da sacristia do Colégio (fotografia de Isabel Mendonça).

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Veja-se a figura 17 do artigo de Nicole Dacos e Vítor Serrão, op. cit., a p. 52. 195

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Na parede norte, recebendo luz direta das janelas rasgadas na parede fronteira, encosta-se um arcaz composto por quatro módulos de três gavetas, intercalados por três armários menores com falsas gavetas. A configuração das gavetas é idêntica à dos arcazes da sacristia da sé, com idênticas almofadas em jacarandá. As ferragens são magníficas, repetindo nos escudetes um mesmo motivo central – uma águia bicéfala coroada, que lembra o emblema dos Habsburgos, mas deverá aqui sim47 bolizar o poder imperial da Igreja católica – ladeada por motivos em “C” enquadrados por concheados gordos e flores. Na extremidade das alças figuram duas cabeças de meninos e no eixo central uma espagnolette. As ferragens dos três armários são mais simples, preenchidas por enrolamentos, com uma cruz no remate e uma cabeça alada na parte central da alça.

FIGURA 13: Ferragem de uma das gavetas do arcaz da sacristia do Colégio (fotografia de Isabel Mendonça).

Sobre os arcazes assenta um espaldar idêntico ao da sacristia da sé, com idêntica composição, embora adaptado ao conjunto dos móveis paramenteiros – quatro panos centrados por retábulo e dois panos encostados às paredes laterais. Nos seis panos figuram pinturas com temas eucarísticos associados a santos jesuítas, nomeadamente Inácio de Loyola, Francisco Xavier, Luís Gonzaga e Estanislau Kostka. As pilastras que separam os panos mostram um trabalho de entalhe filigranado, o mesmo acontecendo com o friso que os encima. Os frontões, intercalados por pináculos, tal como no espaldar da sé, são compostos por enrolamentos de acantos, amplamente vazados, igualmente centrados por cartela vazia e rematados por palmeta, mas com cabeça alada na parte inferior e frutos encadeados pendurados dos lados. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 47

Sobre a simbologia da águia bicéfala coroada, veja-se Jaelson Bitran Trindade, “O Império dos Mil Anos e a arte do “tempo barroco”: a águia bicéfala como emblema da Cristandade”, Anais do Museu Paulista, vol. 18, n.º 2, julho-dezembro de 2010, pp. 15-91, disponível on-line. Estou reconhecida a Vítor Serrão por esta indicação bibliográfica. 196

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O retábulo, de planta côncava, é composto por duas colunas torsas de cinco espiras de cada lado, decoradas por cachos de uvas e pâmpanos, que se continuam em duas arquivoltas de igual perfil, intercaladas por elementos radiais entalhados. Sobre o ático, um frontão de volutas com uma cartela em que figuram as iniciais da Companhia de Jesus. Uma diferença óbvia separa este espaldar daquele que observámos na sacristia da sé: a talha foi dourada e apresenta apontamentos policromos nas cabeças aladas, nos frutos e nos fundos das pilastras vazadas, realçando o trabalho em filigrana da madeira. Além do arcaz com o seu belo espaldar envolvente, encostado à parede norte, encontramos três armários encaixados nas outras paredes. Em frente ao arcaz, entre as duas janelas, está o amituário com 18 gavetinhas para amictos, um espaço superior de arrumação fechado por duas portas e vários compartimentos para livros na zona inferior. Nas paredes laterais, a nascente e a poente, estão, face a face, dois armários iguais, fechados por duas portas. O trabalho de marcenaria – frisos de tremidos percorrendo as várias molduras, painéis e almofadas, nas portas e nas faces das gavetinhas – é diferente do que foi utilizado no arcaz, indiciando uma encomenda distinta. Estes motivos, reali48 zados com uma plaina própria, inventada na Flandres em inícios do século XVII , 49 caracterizaram o mobiliário português em finais de seiscentos e inícios de setecentos .

FIGURA 14: Retábulo do arcaz da sacristia do Colégio (fotografia de Isabel Mendonça).

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A invenção é atribuída ao marceneiro alemão Johann Schwanhardt (1562?-1612) e ao seu genro Jacob Hepner (?-1642), que trabalhavam em Nuremberga no princípio do século XVII, embora a novidade devesse ter chegado à Península Ibérica por via dos móveis provenientes da Flandres. 49 Robert Smith, na sua obra de referência Agostinho Marques, “enxambrador da Conega”. Elementos para o estudo do mobiliário em Portugal, Porto, Livraria Civilização, 1974, estudou o mobiliário de sacristia documentadamente realizado pela oficina deste marceneiro e ensamblador de Braga, integrando-o no “estilo nacional lusitano” – uma das fases do mobiliário português que, na sua análise, coincide no tempo com o “estilo nacional” da talha retabular. 197

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FIGURA 15: Pormenor da talha vazada na base do espaldar e do retábulo da sacristia do Colégio (fotografia de Isabel Mendonça).

FIGURA 16: Pormenor da talha vazada no remate do espaldar

e do retábulo da sacristia do Colégio (fotografia de Isabel Mendonça). 198

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As ferragens, embora mais simples do que nos arcazes, apresentam os mesmos elementos decorativos – coroa imperial e cabeças aladas – e foram claramente feitas na mesma oficina de latoeiro, sugerindo uma encomenda única em data posterior, contemporânea da data de fabrico do arcaz. Os três armários são enquadrados por um elaborado trabalho de pedraria de várias cores, esculpida e embutida. No amituário, as molduras que enquadram o vão, em lioz, mostram embutidos finos em pedra negra e vermelha, figurando flores de seis pétalas e formas losangulares. Duas grinaldas de flores, também esculpidas em lioz, enquadram as molduras laterais. Na parte inferior, um avental com enrolamentos de acantos na mesma pedra, que se destacam contra um fundo em mármore de veios rosados. O mesmo mármore alterna com o lioz branco no trabalho do frontão de volutas do remate, com conchas esculpidas, e nos frisos do entablamento, percorridos por dentículos, ondas e folhas de água.

FIGURA 17: Amituário da sacristia do Colégio (fotografia de Isabel Mendonça). 199

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FIGURA 18: Pormenor da pedraria do amituário da sacristia do Colégio (fotografia de Isabel Mendonça).

FIGURA 19: Pormenor das gavetas do amituário da sacristia do Colégio (fotografia de Isabel Mendonça).

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Os dois armários laterais mostram o mesmo trabalho de pedraria. Em redor da moldura do vão, em mármore rosa, duas pilastras com festões de flores realizadas num trabalho de embutido fino, tal como no amituário, alternam com um preenchimento em escaiola (uma argamassa de gesso, areia, cola e pigmentos), imitando o amarelo de Negrais. O friso em que assenta o entablamento, decorado por uma grinalda de flores de belo efeito decorativo, é integralmente realizado em escaiola, fingindo o embutido fino de pedras de várias cores. Enrolamentos de acantos esculpidos em lioz sublinham os flancos dos dois armários, repetindo-se o mesmo trabalho esculpido do amituário nos dois aventais. Nos frontões, de perfil borromínico (em forma de semicírculo ladeado por dois segmentos de reta), destacam-se as armas embutidas a negro da Companhia de Jesus. Ladeando os frontões encontramos duas volutas preenchidas por conchas raiadas, em pedraria vermelha, branca e negra.

FIGURA 20: Um dos dois armários laterais da sacristia do Colégio

(fotografia de Isabel Mendonça).

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FIGURA 21 (À ESQUERDA): Pormenor da pedraria do armário lateral da sacristia do Colégio (fotografia de Isabel Mendonça). FIGURA 22 (À DIREITA): Uma das portas do armário da sacristia do Colégio (fotografia de Isabel Mendonça).

Nas três paredes da sacristia, onde estão embutidos os armários, encontramos um silhar de azulejos em azul e branco, de perfil retilíneo, com enrolamentos de acantos e cenas campestres. Os azulejos continuam por trás dos arcazes, mas foram realizados tendo em atenção o trabalho de pedraria dos três armários, cujo perfil é acompanhado por uma linha de contorno em azul-cobalto. A seguir à sacristia e com ela comunicando por uma porta, há uma divisão menor, com as paredes igualmente preenchidas por lambris de azulejos com remate retilíneo e cenas campestres. Tanto estes azulejos como os da sacristia podem ser atribuídos ao mes50 tre azulejador lisboeta Teotónio dos Santos, que os terá realizado na década de 1720 . A meio da parede norte existe um lavabo em pedraria vermelha e branca, mas de qualidade muito inferior à dos enquadramentos de pedraria dos armários da sacristia.

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Informação de José Meco (ver nota 59, infra). Teotónio dos Santos, residente numa área de Lisboa em que se situavam várias olarias (na rua dos Poiais de S. Bento), inscreveu-se como membro da Irmandade de S. Lucas em 12 de fevereiro de 1718. Cf. F. A. Garcez Teixeira, A Irmandade de S. Lucas, Lisboa, 1931, p. 87. Santos Simões não se pronuncia sobre a autoria destes azulejos, embora considere que terão sido realizados cerca de 1730-40. Cf. José Manuel dos Santos Simões, Azulejaria nos Açores e na Madeira, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1963, p. 175. 202

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O trabalho de embutidos finos do colégio do Funchal: uma atribuição à oficina de João Antunes Na capela-mor da igreja jesuítica fomos encontrar um outro trabalho de embutidos finos de grande qualidade, preenchendo as faces laterais do supedâneo do altar-mor e os degraus que lhe dão acesso, muito semelhante ao lavor das molduras dos armários da sacristia. Embora com outros motivos – painéis com grandes enrolamentos de acantos e flores, ladeando uma cartela central –, as fiadas de flores de seis pétalas alterando com motivos losangulares aproximam este trabalho dos embutidos do amituário.

FIGURA 23: Supedâneo da capela-mor da igreja do Colégio, com trabalho de embutidos de pedraria (fotografia de Isabel Mendonça).

A grande proximidade destas obras com trabalhos documentados da oficina do mestre de pedraria e arquiteto régio João Antunes (1670/1720), ainda existentes em duas igrejas lisboetas – nos lambris da capela-mor da igreja das Comendadeiras de Avis de Nossa Senhora da Encarnação, de 1697, e no supedâneo da capela-mor da igreja do mosteiro de Santos-o-Novo, de 1699 –, permitem uma atribuição a esta oficina lisboeta, 51 numa época não muito distante .

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Pedro Dias observou recentemente a excelente qualidade do trabalho de pedraria da capela-mor, que considerou oriundo do reino, da autoria de um “seguidor de João Antunes”. Não concordamos, porém, com a cronologia que adianta para a realização da obra dos armários da sacristia: o período proto-bar203

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FIGURA 24: Pormenor da capela-mor da igreja do convento de Santos-o-Novo, em Lisboa (1699, João Antunes) (fotografia de Maria João Pereira Coutinho).

À oficina de João Antunes foi igualmente atribuído um outro trabalho de pedraria, com motivos idênticos aos que nos aparecem na sacristia e na capela-mor do colégio do Funchal, encomendado a Lisboa em 1700 pelo provedor da Santa Casa da Misericórdia de S. Salvador da Baía, António Rocha Pita: a obra da escadaria monumental da irmandade. Chegada àquela cidade em 1703, foi colocada entre 1704 e 1706 pelo 52 mestre pedreiro lisboeta Gabriel Ribeiro . O lavabo ainda existente na sacristia da Misericórdia baiana, com um trabalho de embutidos finos idêntico ao da escada (onde se repetem as flores de seis pétalas e os motivos losangulares embutidos no lioz), e um trabalho de escultura da mesma pedra 53 nos dois festões das pilastras têm acentuada semelhança com as molduras dos armários da sacristia do colégio funchalense, tudo indicando que estas também tenham sido realizadas pela oficina de João Antunes.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! roco. Cf. Pedro Dias, Arte portuguesa no mundo. Madeira, Lisboa, ed. Público Comunicação Social S. A., 2008, a pp. 143 e 144. Sobre o trabalho de embutidos e, mais concretamente, sobre as obras da oficina de João Antunes, veja-se Maria João Pereira Coutinho, A produção portuguesa de obra de embutidos de pedraria policroma (1670/1720), tese de doutoramento em História (especialidade em Arte, Património e Restauro), apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 3 vols., 2010. Vide as imagens da capela-mor da igreja das Comendadeiras de Nossa Senhora da Encarnação e da igreja de Santos-oNovo, publicadas no vol. III da referida tese, a pp. 236 e 238. 52 Cf. António Filipe Pimentel, “Uma obra de João Antunes em São Salvador da Baía. As escadas de mármore da Misericórdia”, Arganilia, Arganil, n.º 10, 1999, p. 132, e Pedro Dias, Arte portuguesa no mundo. Brasil. Arquitetura civil e religiosa, Lisboa, ed. Público Comunicação Social S. A., 2008, a p. 69. 53 Vejam-se as fotos do lavabo e da escadaria em Zenaide Carvalho Silva, O lioz português: de lastro de navio a arte na Bahia, Salvador (Baía), Edições Afrontamento, 2007, figs. 3.6 a 3.8. A semelhança entre o lavabo baiano e os armários da sacristia dos jesuítas do Funchal foi-nos sugerida por José Meco (ver nota 59, infra). 204

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O trabalho de pedraria lisboeta, apesar de aplicado apenas nas molduras dos armários da sacristia e na plataforma onde assenta o altar-mor da igreja, foi certamente muito apreciado, já que os motivos decorativos aí utilizados acabaram por ser repetidos 54 em pintura, com grande profusão, nas paredes do templo jesuítico .

Manuel Pereira (de Almeida?) e Julião Francisco Ferreira, mestres entalhadores do Funchal Como atrás referimos, a proximidade da composição dos espaldares e dos retábulos das sacristias da sé e do colégio, e a utilização da mesma técnica de entalhe delicado e muito 55 vazado, lembrando o trabalho em filigrana , permite atribuí-los aos mesmos mestres, documentados nos fundos da sé do Funchal como “Manuel Pereira e Julião Francisco Ferreira das Ilhas”. Estes dois entalhadores são já relativamente conhecidos, graças a investigações publi56 cadas recentemente . O Manuel Pereira referido nos documentos do cabido da sé será Manuel Pereira de Almeida, sobrinho do conhecido entalhador Manuel Pereira (1624/ 57 1679), a quem sucedeu na direção da sua operosa oficina . Já a identidade de Julião 58 Francisco Ferreira é mais consensual . Natural dos Açores, estabeleceu-se na Madeira, onde viria a falecer em 1771, sendo-lhe atribuídas várias obras, algumas bem documentadas, que realizou em “estilo nacional”, joanino e rococó, adaptando-se à evolução dos estilos e dos gostos. A talha trabalhada em filigrana (com pequenas flores e fitas entrelaçadas, presente nos fustes das pilastras, em frisos e capitéis dos espaldares das duas sacristias, e ainda no !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 54

A nave tem pormenores pintados imitando os embutidos finos em pedras policromas: enrolamentos de acantos e fiadas de flores e motivos losangulares. Cf. Rui Carita, Colégio dos Jesuítas do Funchal. Memória Histórica, op. cit., foto da p. 93. 55 Cf. Robert Smith, A Talha em Portugal, op. cit., e a nota 18, supra. 56 Nomeadamente os estudos de Paulo Jesus Ladeira, A talha e a pintura rococó no Arquipélago da Madeira (1760-1820), Funchal, Secretaria Regional de Educação e Cultura – Centro de Estudos de História do Atlântico, Coleção Teses, n.º 4, 2009; Rita Rodrigues, “A igreja de Nossa Senhora da Graça, Parte I: Contributos para a sua história” e Rita Rodrigues e Paulo Ladeira, “A igreja de Nossa Senhora da Graça, Parte II: Contributos para o estudo do seu património”, revista Girão, Câmara Municipal de Câmara de Lobos, vol. II, n.º 6, setembro de 2011, respetivamente a pp. 53-98 e 99-116; Francisco Lameira, Paulo Ladeira e Renato Freitas, “Retábulos na Diocese do Funchal”, Promontória Monográfica, História da Arte, n.º 8, Faro, Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, 2014. 57 Com obra bem estudada por Rita Rodrigues: “Manuel Pereira, entalhador e imaginário madeirense do século XVII, e os circuitos de divulgação dos modelos para as periferias”, em Anuário do Centro de Estudos da História do Atlântico, Funchal, 2010, pp. 229-337. Francisco Lameira, Paulo Ladeira e Renato Freitas, a pp. 24, 26 e 51 de “Retábulos na Diocese do Funchal”, op. cit., adiantam a hipótese de se tratar, não do sobrinho, mas de um sobrinho-neto do primeiro Manuel Pereira. Estes autores distinguem dois entalhadores com o mesmo nome, mas pertencentes a gerações diferentes: o pai, Manuel Pereira de Almeida I (ativo entre 1683 e 1710), e o filho, Manuel Pereira de Almeida II (ativo entre 1735 e 1737), a quem atribuem a obra da sacristia, em parceria com Julião Francisco Ferreira. Trata-se de uma mera hipótese, ainda sem fundamentos documentais. 58 Sobre este entalhador veja-se sobretudo o estudo de Paulo Ladeira, A talha e a pintura rococó no Arquipélago da Madeira (1760-1820)”, op. cit. 205

Isabel Mendonça

revestimento parietal da capela da irmandade do Santíssimo, na igreja paroquial de S. Pedro, no Funchal), ou profundamente vazada, fazendo lembrar uma renda (como a que foi utilizada por exemplo nas colunas torsas dos retábulos da igreja matriz da Ribeira Brava ou da capela de S. João da Ribeira no Funchal) caracterizam o lavor da sua oficina durante o período do “estilo nacional”, que se prolongou na Madeira até datas bem avançadas. Este trabalho de entalhe, tão original que levou Robert Smith a 59 caracterizá-lo como uma particularidade do estilo nacional da ilha da Madeira , pode afinal revelar uma influência direta da talha açoriana, com idênticas características, presente por exemplo, no retábulo da igreja do conventinho da Caloura, na ilha de S. Miguel, de onde Julião Francisco Ferreira era natural. Trata-se apenas de uma hipótese 60 de trabalho – mas cremos que valerá a pena explorá-la no futuro . Embora ainda sem documentação que o comprove, julgamos poder afirmar que a sacristia do colégio do Funchal, notável exemplo de “obra de arte total”, foi fruto de várias campanhas decorativas que foram enriquecendo o espaço ao longo dos anos, durante um período em que dominou o chamado “barroco nacional”, que na Madeira e em outros locais mais distantes da capital do reino se prolongou para além dos limites cronológicos normalmente apontados (de 1675 a 1725). Ao que tudo indica, em finais do século XVII ou inícios do XVIII, a Companhia de Jesus terá contratado com a oficina do conhecido mestre de pedraria e arquiteto régio João Antunes as molduras para os três armários da sacristia, a par do revestimento do supedâneo e escada de acesso construídos para a colocação do altar-mor e do seu retábulo. Na mesma altura terão sido feitos os três armários encastrados, folheados a madeira de veios avermelhados (possivelmente jacarandá), com a decoração de tremidos então usual. Já por volta da segunda década do século XVIII foram encomendados a Lisboa, possivelmente à oficina do mestre azulejador Teotónio dos Santos, os lambris em azulejo para a sacristia e para a casa do lavabo. No fabrico dos azulejos foi previsto o contorno das molduras dos armários então já colocados na sacristia, tendo por isso o desenho dos mesmos certamente sido enviado para Lisboa, a par da encomenda. O novo arcaz, integrando espaldar e retábulo, foi encomendado aos mesmos mestres que entre 1733 e 1736 trabalharam, com boas provas dadas, na obra da sacristia 61 da sé. O arcaz terá substituído um anterior existente no mesmo local , mas de menores dimensões, como parece indiciar o lambril de azulejos que se prolonga por trás do espaldar que hoje aí encontramos. Julgamos que a encomenda se realizou depois de

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Cf. notas 18 e 55, supra. Esta sugestão foi-nos transmitida por José Meco durante a visita que ambos fizemos em 2007, por altura do colóquio internacional ”Jardins do Mundo”, às duas sacristias do Funchal de que se trata neste texto. Cabe aqui uma nota de reconhecimento a este reputado estudioso do azulejo e de outras artes decorativas (nomeadamente a talha retabular nos arquipélagos atlânticos) pelas indicações que nos facultou (ver notas 49 e 52, supra). 61 Talvez o “vestuário velho de madeira do Brasil com 6 gavetas e ferragens com batentes de ferro (...) que serve para guardar ornamentos”, referido nos inventários da igreja do colégio de São João Evangelista do Funchal, cit. por Rui Carita, Colégio dos Jesuítas do Funchal, op. cit., p. 106 e nota 49, p. 107. 60

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Diocese do Funchal - A Primeira Diocese Global

concluída a obra da sacristia da sé, talvez em finais da década de 1730 ou mesmo em inícios da década de ’40, e não no período que antecedeu a obra da sacristia da sé, como 62 sempre tem sido afirmado, sem qualquer base documental . Também a análise das ferragens do colégio, com a sua linguagem decorativa que aponta influências da Regência francesa e de um incipiente rococó, permite-nos apontar para uma data mais tardia, coincidente com a chegada do novo gosto a Lisboa, onde provavelmente terão sido feitas. No Funchal, por essa altura, a vida parecia correr mais lentamente: os mestres que trabalharam na talha das sacristias da sé e do colégio seguiam ainda o “barroco nacional”, há muito fora de moda na capital do reino, repetindo os mesmos elementos acânticos na decoração e as ultrapassadas máquinas retabulares, com as suas colunas torsas repletas de elementos eucarísticos. Mas nem por estarem desatualizados deixaram de produzir duas obras que, passados três séculos, ainda ocupam um espaço ímpar na quincentenária diocese do Funchal.

ANEXO DOCUMENTAL Documento 1 Torre do Tombo, Cabido da Sé do Funchal, maço 29, doc. 6 Orçamento da obra de pedreiro e carpinteiro da sacristia da sé do Funchal, realizado por Diogo Filipe Garcês, mestre das obras reais da Madeira, e João de França, a 8 de novembro de 1732, no Funchal, fls. 81 a 83v. Não se transcreve o orçamento da Casa do Cabido, que continua este documento, fls. 83v a 85. 63

“Fl. 81 / “Orsamento para a obra da sancherstia e caza de cabido dos reverendos conegos da sé desta cidade do Funchal, feito por Diogo Felippe Graces, e Joam de França Mestre das obras. em outo de novembro de mil SetteCentos e trinta e dous Obra de Pedreiro Para se fazer a Caza da cancrestia com ante Caza para Lavatorios no sitio da cerca emconstada a Caza velha do cabido, com Ginellas para a ditta cerca, e para o adro, portta da entrada no coredor que vay da Capella de Nossa Senhora do amparo, com a entrada por baixo do altar da dita Capella; Se achou Ser necessario fazer-se a ditta çanchrestia Com o comprimento de quarenta e cinco palmos e meyo e trinta de Largo no ouco, fora gorsuras das paredes e ante Caza na entrada da dita, para Lavatorios, e

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Rui Carita, por exemplo, data o trabalho do arcaz e espaldar da sacristia do colégio de 1720 “pelo sentido mais intimista e maneirista diferente da pesada e monumental sacristia da Sé”. Cf. Rui Carita, História da Madeira. O século XVIII, op. cit., p. 439. 1 No canto superior esquerdo do fólio: “Copia”; junto ao número do fólio a assinatura “Silva”. 207

Isabel Mendonça

almarios para Livros, e missais cuja ante Caza ha de ter de Largo doze palmos e trinta de comprimento, como se vé da planta, e para a fabrica das paredes destas ditas Cazas, sáo necessarias noventa e tres brasas e meyas de parede de pedra e Cal rebocadas por fora, e por dentro na altura de vinte e dous palmos do Lagiado emthé o frixal da armaçam, com outo palmos de licerse, que emporta a presso de seis mil reis brassa em quinhentos e sessenta e hum mil reis: 561$000 Para se fazerem dous pedassos de muros para emdreitar a cerca com a parede da sanchrestia que handem ter de comprido vinte palmos Cada hum, e de alto / fl. 81v / Do pavimento para sima quinze com cinco de liserse são brasas outto, tambem de pedra e Cal, a quatro mil e quinhentos reis brasa por ser somente xispada, emportam em trinta e seis mil reis: 36$000 Para duas portas na emtrada da dita çanchristia que ándem ter de alto doze palmos e sette de largo com alizares de pedraria que handem Levar cento e settenta e dous palmos Lavrada, e sentada a trezentos e cincoenta reis palmo emporta em sesenta mil, e duzentos reiz: 60$200 Para tres Ginellas grandes na mesma Sancherstia e anteCaza de guarda xhapim com doze palmos de alto e seis de largo, com lizares por dentro e Sobrearco tudo de pedraria Lavrada do estreito, e sentada que hade Levar duzentos e vinte e outo palmos por fora e por dentro a trezentos e cincoenta reis palmo emporta em settenta e nove mil, e outoCentos reis: 79$800 Para duas Ginellas mais piquenas nas que hade ter a ditta Sancherstia Sobre o Vestuario que handem acompanhar o Nixo como se vé da planta, e andem ter de alto outo palmos, e seis de Largo com Lizares por dentro bem feitos faram de custo com cento e trinta e seis palmos Lavrada e sentada a trezentos e cincoenta reis quarenta e sette mil e seisCentos reis: 47$600 Para grades de ferro para estas /Fol. 82/ Cinco Ginellas sesenta mil reis: 60$000 Para dous Lavatorios de pedraria bem Lavrada com molduras quartolas, e o mais infeite que lhe for necessarios a cincoenta mil reiz cada hum Sem mil reis: 100$000 Para tres almarios de pedraria bem Lavrada para guardar amitos, Calix, missais, e mais ornatos miudos a trinta mil reiz Cada almario, noventa mil reis: 90$000 Para Lagiado na Sanchrestia, e na anteCaza dos Lavatorios, e coreg digo e coredor da entrada seiscentos e Cincoenta palmos Lavrado, e sentado a duzentos e cincoenta reis, emporta em cento e Sesenta e dous mil e quinhentos reis: 162$500 Para duas portas, huma na entrada do Coredor de baixo do altar do amparo, e outra para sahir para a Serca da Sancherstia do estreito que handem Levar ambas Settenta e Seis palmos Lavrados, e Sentados a trezentos e cincoenta reis vinte e seis mil, e seiscentos reis: 26$600 Para se fazer a entrada para a sanchrestia por baixo do altar de Nossa Senhora do Amparo mudar as escadas, e Levantar o pavimento e altar por forma a que fique a ditta entrada bem dezempedida, e a Serventia para o ditto altar Com Galaria de balaustres por sima da mesma entrada tudo bem feito Sesenta mil reis: 60$000 Para telha, para a Sanchrestia / Fl. 82v / E anteCaza quatro milheiros e meyo a vinte mil reis milheyro emporta em noventa mil reis: 90$000 208

Diocese do Funchal - A Primeira Diocese Global

Para abrir Liceses em toda a Caza, e no muro da cerca que se hade mudar, e butar emtulhos fora, e consertar a calsada da cerca, trinta mil reis: 30$000 Obra de carpintaria para a sanchristia Para armaçam da sanchrestia de madeyra de Castanho tudo feito de seistavado, huma e outra Caza com forro de sima de taboado de til, para asentar a telha Cuja armaçam hade Levar dous mil sento e trinta e seis palmos de travetas, e trezentos cincoenta e dous palmos de frixal, vinte duzias de taboado de til, e f digo de til pregos e feitio que emporta pella conta que se fes pelo meudo em Sento e Setenta e cinco mil reis: 175$000 Para taboado de pinho, para forro destas Cazas, feitio de officiaes, pregos e com molduras e Simalha ao peé do forro tudo bem feito hade Levar doze duzias de taboado que hade Custar a des mil duzia, com o mais gasto do feitio e pregos emporta em sento e cincoenta, e oito mil reis: 158$000 Para duas portas, da entrada da metade juncta Lizas com postigos, fechos em Sima madeira da obra til com Glofos compridos fixaduras, guardas, ferros, pedrarias / Fl. 83/ A vinte e dous mil reis cada huma quarenta e quatro mil reis: 44$000 Para tres Ginellas grandes na parte da cerca de madeyra do brazil ferragens Com postigos embaixo e em sima da metade junta Lizas a vinte mil reis Cada huma Sesenta mil reis: 60$000 Para duas Ginellas piquenas sobre o vestuario madeyra do brazil de mata (sic) juncta Lizas com ferragens a des mil reis cada huma Vinte mil reis: 20$000 Para hum almario que tem dentro na Sanchrestia em que se handem guardar os calis e amittos Com partaleyros de nogueira guarnecido de jacarada Com boas feragens douradas, Sesenta mil reiz: 60$000 Para mais dous ditos na Caza dos Lavatorios para os misais, e cadernos, e galhetas, e mais trém necessario com parteleiros de Nogueyra guarnecidos de jacanadá (sic), ferragens douradas a quarenta mil reis cada huma outenta mil reis: 80$000 Para Vestuários de gavetas feitas da madeira de bordo guarnecidas com almofadas de jaquenada (sic) e todas as mais molduras de madeyra de castanho Com foros de taboa de bordo tudo bem feito Com ferragens grandes de metal dourado fara de custo trezentos e noventa e outo mil / Fl. 83v / Reiz: 398$000 Emporta a obra da sanchrestia como se ve dous contos trezentos e outo mil, settecentos reis: 2.398$700”

Documento 2 Torre do Tombo, Cabido da Sé do Funchal, maço 10, doc. 2, fls. 2 e 2v. Cópia de carta escrita a D. José pelo Deão e cabido da sé do Funchal, pedindo-lhe que mande dourar e pintar o retábulo e o espaldar dos arcazes da nova sacristia da sé e fazer os painéis para o mesmo espaldar. A carta, embora não datada, é posterior à morte de D. João V, nela referido como “de gloriosa memoria”.

209

Isabel Mendonça

“Fl. 2/ Senhor Dizem o Deão, e mais cabido da Sé do Funchal na Ilha da Madeira que sendo servido ElRey o Senhor D. João 5º de gloriosa memoria mandar fazer huma Sachristia na mesma See de que muito carecião os Supplicantes, e effectuando-se em virtude de huma ordem expedida pelo Tribunal do Conselho da Fazenda com data de 26 de março de 1733, por descuido dos officiaes de carpinteiro quando fizerão o orçamento da dita obra, 64 se não orçou retabolo para o Altar que se precizava, paynel com que se ornasse o mesmo Altar, payneis para goarnecer as paredes da mesma Sachristia, e molduras, que os acompanhassem, por cuja razão vendo os Supplicantes o disforme, e desaceada que ficava a dita Sachristia, pelo mayor Culto Divino se resolverão às suas proprias custas, mandar fazer hum bem deliniado Altar de entalhado com hum fermozo paynel de S. Pedro, e molduras tambem de boa talha para os payneis de cada banda das paredes da Sachristia por cima dos Cayxoens, que tudo está feito com o possivel primor, mas com o defeito de nada estar dourado, nem terem as taes molduras os payneis para que forão destinadas; e porque a pobreza dos Supplicantes e a da fabrica da mesma See não permite o poderse contribuir com mais, e se não acoder a piedade de Vossa Magestade Se concervará aquella obra com a ponderada indecencia: portanto recorrem, e Pedem à Vossa Magestade, que attendendo a tudo o exposto, pela Sua Real grandeza, e piedade lhes faça mercê mandar que o Provedor da Fazenda da dita Ilha, pelas Sobras do Almoxarifado della mande logo 65 dourar, e pintar a dita obra, fa-/ Fl. 2v/ zendo pòr os payneis de taes e taes Santos dentro 66 das mencionadas molduras que os Supplicantes mandarão fazer, em forma que o primor da obra que se hade fazer corresponda ao do que está feita, pois alem de ser a dita See 67 da Ordem de Christo de que Sua Magestade he gram Mestre hé huma das melhores do Reyno na Sua architectura, e aceyo. Espera Real Mercê”.

ADENDA Sacristias: o estado da arte O estudo da sacristia enquanto repositório de artes decorativas está ainda a dar os seus primeiros passos. Destacam-se duas investigações académicas, uma no Brasil, de Cleide Biancardi, Formas e funções das sacristias no Brasil-colônia, tese de doutoramento apresentada à Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 1988; a outra em Portugal, de Cátia Teles e Marques, Nos bastidores da liturgia tridentina: o mobiliário monumental e as sacristias em Portugal do século XVI ao XVIII, dissertação de mestrado em História da Arte apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2007. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 64

Apenas se lê parte da palavra. Entrelinhado: “de taes e taes Santos dentro das”. 66 Riscado: “dos Apostolos, e dos 4 Evan”. 67 Apenas se lê parte da palavra. 65

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Diocese do Funchal - A Primeira Diocese Global

Como em muitas outras áreas das artes decorativas, também a esta temática Robert Smith dedicou estudos pioneiros: “A sacristia da capela primitiva da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco e as suas pratas”, O Tripeiro, n.º 3, março de 1965, 6.ª série, ano V, pp. 83-86; “Os arcazes e armários da sacristia nova da Sé do Porto”, Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, Porto, 1969, vol. XXXII, fasc. 3-4, pp. 5-28; “A sacristia do tesouro da Sé Primacial”, Bracara Augusta, Braga, Janeiro-Dezembro de 1970, vol. XXIV, fasc. 57-58, pp. 3-27; “Brasilian colonial sacristy cupboards and cabinets”, The Conoisseur, Nova Iorque, vol. 177, n.º 714, agosto de 1971, pp. 260-268; “Samuel Tibau and portuguese ivory inlaid furniture of the seventeenth centuries”, Revista da Universidade de Coimbra, vol. 21, 1971, pp. 151-163; e ainda Agostinho Marques, “enxambrador da Conega”. Elementos para o estudo do mobiliário em Portugal, Porto, Livraria Civilização, 1974. De referir ainda o artigo precursor de Luís Keil, “As obras da sacristia do convento da Madre de Deus em 1746”, Boletim de Arte e Arqueologia, Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga, n.º 1, 1921, pp. 37-48, e outros estudos publicados mais recentemente. Entre os principais, Luís de Moura Sobral, “A sacristia como pinacoteca da época barroca: o ciclo pictural de Bento Coelho no convento de S. Pedro de Alcântara”, in Do sentido das imagens, Lisboa, Ed. Estampa, 1996, pp. 81-96; Rui Carita, “A pompa e aparato das sacristias ultramarinas portuguesas”, in revista Oceanos, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, n.ºs 36-37, 1998-1999, pp. 114-124; António José de Oliveira e Lígia Correia de Sousa Oliveira, “A sacristia do convento de Santa Marinha da Costa de Guimarães (1734)”, in revista Museu, Porto, Círculo Dr. José de Figueiredo, IV série, n.º 9, 2000, pp. 99-117; e de novo Cátia Teles e Marques, “Mobiliário monumental da igreja matriz [de Viana do Castelo]”, Monumentos, n.º 22, DGEMN, março de 2005, pp. 116-123; e “Do «lavor dos fios de marfim» e do mobiliário de sacristia seiscentista”, Revista de Artes Decorativas, n.º 1, Porto, CITAR, Escola das Artes, 2007. De Isabel Mayer Godinho Mendonça, refira-se “O mobiliário religioso de António Vaz de Castro ‘ensamblador e entalhador de Sua Magestade’ (act. 1646/1667)”, in Mobiliário Português (atas do I Colóquio de Artes Decorativas, Lisboa, FRESS, 2006), Lisboa, FRESS, 2008, pp. 15-29; e “A sacristia da igreja do convento de S. Domingos em Lisboa e o património integrado de Artes Decorativas”, in Dominicanos em Portugal (atas do Colóquio, Porto, Faculdade de Letras e Museu Soares dos Reis, 2006), Lisboa, Aletheia, 2010, pp. 350-377.

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ISBN 978-989-680-132-8 xxx-x

9 78 989 6 801 328

80

H i stó r i a , C u lt u r a e E s p i r i t u a l i da d e s

INTERVIR+ para uma região cada vez mais EUROPEIA!

DIOCESE DO FUNCHAL A P r i m e i r a D i o c e s e G l o b a l

Além de uma cultura de cunho franciscano, marcada por uma espiritualidade de ligação profunda entre o homem, a natureza e Deus, a Igreja madeirense viria a tornar-se formadora de missionários que participaram de muitos modos da dinâmica da evangelização em diversos cenários do globo.

vo lu m e II

A Diocese do Funchal foi a primeira diocese portuguesa da Igreja Católica instituída fora da Europa, na sequência das viagens marítimas de descoberta que potenciaram a experiência de globalização. Esta diocese pioneira, que se estruturou no contexto da expansão portuguesa, foi erigida na capital do Arquipélago da Madeira, o primeiro território ultramarino a ser descoberto oficialmente pelos portugueses. Sediada num dos pontos gravitacionais do processo de globalização comercial, cultural e religiosa em curso, a Madeira afirmar-se-ia como um ponto nevrálgico do concomitante processo de universalização do Cristianismo que as viagens de descoberta, pelos territórios africanos, asiáticos e americanos, proporcionaram à Cristandade europeia.

diocese do Funchal A Primeira Diocese Global

História, Cultura e Espiritualidades DIREÇÃO

José Eduardo Franco João Paulo Oliveira e Costa

DIOCESE DO FUNCHAL A PRIMEIRA DIOCESE GLOBAL

HISTÓRIA, CULTURA E ESPIRITUALIDADES VO LU M E I I

INTERVIR+ para uma região cada vez mais EUROPEIA!

Esta obra foi publicada no âmbito do projeto ‘500 Anos da Diocese do Funchal’ apoiado pelo programa ‘Intervir +’ TÍTULO

Diocese do Funchal - A Primeira Diocese Global: História, Cultura e Espiritualidades [Volume II] DIREÇÃO

José Eduardo Franco e João Paulo Oliveira e Costa COORDENAÇÃO EXECUTIVA

Cristina Trindade e Joana Balsa de Pinho AUTORES

Aires Gameiro, Alberto Vieira, Ana Patrícia R. Alho, Annabela Rita, António Carrilho António José Borges, António Manuel de Andrade Moniz, António Mateus Vilhena Antonio Tejera Gaspar, Augusto Nascimento, Carlos Moreira Azevedo, Cecília Chá Chá Conceição Estudante, Cristina Trindade, Daniel Pires, Daniela Marcheschi Danilo Fernandes, Dina Jardim, Elisa Maria Lessa, Francisco Caldeira Francisco Senra Coelho, Graça Alves, Helena Paula F. S. Borges, Irineu Cabral Barreto Isabel Barca, Isabel Cruz Almeida, Isabel dos Guimarães Sá, Isabel Mendonça, Isabel Nery Isabel Santa Clara, J. A. Jesus, Jacinto Jardim, Joana Balsa de Pinho João Baptista Pereira Silva, João David Pinto-Correia, João Francisco Marques José Eduardo Franco, José Ornelas Carvalho, José Tolentino Mendonça José Xavier Dias, Leonor Martins Coelho, Luísa Marinho Antunes, M. Menezes de Sequeira Manuel Curado, Manuel Hernández González, Manuel Morais, Margarida Miranda Margarida Pocinho, Marta Maria Peters Arriscado de Oliveira, Martinho Soares D. Maurílio Gouveia, Miguel Real, Paulo Esteireiro, Paulo Ladeira, Paulo Rocha Porfírio Pinto, Rafael Moreira, Raimundo Quintal, Regina Capelo, Ricardo Santos Rita Rodrigues, Rui Carita, Sancho Rodrigues, Sandra Leandro, Teodoro de Faria Teresa Margarida Lopes Brazão Cupertino da Câmara, Vítor Serrão REVISÃO

Alice Gago, Beatriz Miranda, Carlos Serra Catarina Pereira, Maria José Figueiredo e Sofia Carvalho DIREITOS RESERVADOS © Diocese do Funchal DESIGN DA CAPA DesignGlow IMPRESSÃO E ACABAMENTO ACD PRINT DEPÓSITO LEGAL 386540/15 ISBN 978-989-99352-0-4 1ª EDIÇÃO Janeiro de 2015

DIOCESE DO FUNCHAL Largo do Visconde Ribeiro Real 9001-801 Funchal Obra produzida e publicada em parceria com Esfera do Caos Editores Bizex - Consultadoria, Gestão e Execução de Projetos APOIO TÉCNICO E CIENTÍFICO À EDIÇÃO

DIOCESE DO FUNCHAL A PRIMEIRA DIOCESE GLOBAL

HISTÓRIA, CULTURA E ESPIRITUALIDADES DIREÇÃO

JOSÉ EDUARDO FRANCO JOÃO PAULO OLIVEIRA E COSTA C O O R D E N A Ç Ã O E X E C U T I VA

CRISTINA TRINDADE JOANA BALSA DE PINHO

PLANO DOS VOLUMES VOLUME I 1 ECLESIOLOGIA, IDENTIDADES E GLOBALIZAÇÃO 2 EREÇÃO DE UMA DIOCESE GLOBAL: CONFIGURAÇÕES, ESTRATÉGIAS E CONTEXTOS 3 MISSIONAÇÃO E EXPANSÃO PORTUGUESA 4 UNIVERSALIZAÇÃO DO CRISTIANISMO: ESPAÇOS E CONFIGURAÇÕES 5 BISPADO DO FUNCHAL: POLÍTICAS, INTERAÇÕES E REFORMAS 6 TEMPOS DA IGREJA E TEMPOS DA SOCIEDADE 7 ORTODOXIAS, HETERODOXIAS E SOCIEDADE MADEIRENSE 8 EDUCAÇÃO E INSTITUIÇÕES

VOLUME II 9 O BELO E A COMUNICAÇÃO DO SAGRADO 10 ARTE, ARQUITETURA E PATRIMÓNIO 11 LITERATURA, MÚSICA E SOCIABILIDADES 12 ASSISTÊNCIA E SOLIDARIEDADES 13 FIGURAS DA IGREJA MADEIRENSE 14 CULTURA, PASTORAL E COMUNICAÇÃO 15 RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE NOS ESPAÇOS INSULARES ATLÂNTICOS

Índice

9

O BELO E A COMUNICAÇÃO DO SAGRADO

13

A ilha-diocese Madeira como ilha por excelência. Habitar a terra e o céu: o ser humano, os lugares e a cultura

15

Daniela Marcheschi

A celebração do Mistério de Cristo na liturgia e na arte sacra

21

Teodoro de Faria

AMEN - A Madeira Em Nós. Cruzes da Diocese do Funchal: o Sagrado em contexto Museológico

47

Sandra Leandro

E se, acerca de Deus, escutássemos Herberto Helder?

65

José Tolentino Mendonça

O património religioso do Funchal: uma experiência com formandos dos cursos EFA

73

Isabel Barca e José Xavier Dias

10

ARTE, ARQUITETURA E PATRIMÓNIO

109

A Diocese do Funchal na História da Arte em Portugal: a pintura quinhentista

111

Vítor Serrão

Património artístico e arquitetónico da Diocese do Funchal

147

Rui Carita

As sacristias barrocas da Sé e do Colégio jesuítico do Funchal

179

Isabel Mendonça

Pedra Natural Aplicada na sé do Funchal: origem, tipologia e estado de conservação

213

João Baptista Pereira Silva

A Sé do Funchal Primaz das Índias: forma e desenho da obra manuelina

229

Marta Maria Peters Arriscado de Oliveira e Ricardo Santos

O Cadeiral da Sé do Funchal: novos elementos Rafael Moreira

251

O contributo da World Monuments Fund Portugal na conservação da catedral do Funchal: da alvenaria exterior ao retábulo e cadeiral no interior da capela-mor

261

Isabel Cruz Almeida

O Sistema Hidráulico superior na Catedral do Funchal. Caso de Estudo

273

Ana Patrícia R. Alho

O espólio de pintura do convento de Santa Clara do Funchal

285

Isabel Santa Clara e Rita Rodrigues

A talha na Madeira, entre o Barroco e o Neoclássico: o Rococó

315

Paulo Ladeira

O Azulejo nos Edifícios Religiosos na Madeira: testemunho a preservar

341

Teresa Margarida Lopes Brazão Cupertino da Câmara

11

LITERATURA, MÚSICA E SOCIABILIDADES

347

Representações da diocese do Funchal na Insulana de Manuel Tomás

349

Martinho Soares

Consequências do motu proprio “Tra le sollecitudini” (1903) na música sacra madeirense do século XX

355

Paulo Esteireiro

Práticas musicais nos Mosteiros de Clarissas da ilha da Madeira nos séculos XVII e XVIII: aspetos litúrgicos, culturais e lúdicos da vida conventual feminina

369

Elisa Maria Lessa

A polifonia na diocese do Funchal entre os finais do século XVI e inícios do XVIII

385

Manuel Morais

Uma diocese literária: contributos de eclesiásticos madeirenses para a literatura regional e o caso de Da choça ao solar, do padre João Vieira Caetano

389

Luísa Marinho Antunes

Descrição da Arrábida, poema barroco do padre madeirense Inácio Monteiro

403

António Mateus Vilhena e Daniel Pires

Padre Alfredo de Paula Sardinha: “o noviço da poética na oração” Helena Paula F. S. Borges

413

O Estado do Bosque de José Tolentino Mendonça: Indagação e (re)descoberta do sentido da vida

421

Leonor Martins Coelho

12

ASSISTÊNCIA E SOLIDARIEDADES

433

Assistência Social: o papel das Misericórdias na Diocese do Funchal

435

Dina Jardim

Entre leigos e eclesiásticos: doadores e patrocinadores no desenvolvimento das práticas de caridade nas Misericórdias (séculos XVI e XVII)

447

Isabel dos Guimarães Sá

As instituições assistenciais madeirenses na época Moderna

457

Joana Balsa de Pinho

A Ética do conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891)

463

Manuel Curado

Notas sobre a assistência aos alienados na Diocese do Funchal nos séculos XVII-XX

481

Aires Gameiro

As instituições de solidariedade na Igreja da Madeira

493

Francisco Caldeira

13

FIGURAS DA IGREJA MADEIRENSE

503

O Padre Manuel Álvares e a primeira gramática global

505

Margarida Miranda

Santos e caminhos de Santidade na Madeira

515

Maurílio Gouveia

Contribuições do clero madeirense para a ciência

527

M. Menezes de Sequeira e J. A. Jesus

Cabido, Bispo e Governador: o jogo do poder ou o jugo ao serviço do povo? O caso de Joaquim de Meneses e Ataíde (1811-1820)

553

Carlos Moreira Azevedo

D. Manuel Agostinho Barreto. O homem e o seu tempo Francisco Senra Coelho

577

Evocação e testemunho: uma época e dois exemplos de formadores de jovens

607

João David Pinto-Correia

Eclesiásticos madeirenses em Moçambique

617

Annabela Rita

Contributos de eclesiásticos madeirenses entre Douro e Minho

653

António José Borges

14

CULTURA, PASTORAL E COMUNICAÇÃO

667

A Diocese do Funchal e a Cultura Portuguesa

669

Miguel Real

Madeira e Açores, uma matriz comum – A lenda das Sete Cidades (reflexões sobre as origens)

675

António Manuel de Andrade Moniz

Oratória Sacra na Madeira: esboço histórico

681

João Francisco Marques

Uma leitura ecológica no século XXI do Descobrimento da ilha da Madeira de Jerónimo Dias Leite

707

Raimundo Quintal

O papel dos padres no desenvolvimento da imprensa periódica na Madeira

719

Porfírio Pinto

A Igreja e a imprensa na transição entre ditadura e democracia – testemunhos

727

Isabel Nery

Dioceses portuguesas e estratégias de comunicação

733

Paulo Rocha

Diocese do Funchal: estratégias educativas e pastorais

745

Jacinto Jardim

Jovens Cristãos da Madeira: Um movimento Inovador e único na Diocese do Funchal Cecília Chá Chá

763

15

RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE NOS ESPAÇOS INSULARES ATLÂNTICOS

783

Alguns dados para uma análise da religiosidade e espiritualidade nos espaços insulares atlânticos a partir da Madeira

785

Alberto Vieira

Crenças e religiosidade nas Canárias na Idade Moderna

801

Manuel Hernández González

Religião e Natureza entre os aborígenes das Ilhas Canárias

819

Antonio Tejera Gaspar

São Tomé e Príncipe: da equivocada crispação anti-protestante no tempo colonial ao pluralismo religioso no pós-independência

831

Augusto Nascimento

Manifestações profanas nas datas assinaladas

859

Danilo Fernandes

Em nome de... Traços de religiosidade e espiritualidade nas escritas da Madeira

869

Graça Alves

O sentido da vida quotidiana: religião, resiliência e espiritualidade

883

Regina Capelo, Margarida Pocinho e Sancho Rodrigues

CONCLUSÕES

897

Edificar uma sociedade marcada pelos valores do Evangelho

899

António Carrilho

Uma palavra celebrativa e a ecologia evangélica

903

José Ornelas Carvalho

A globalização da Igreja contra a globalização da indiferença

907

Irineu Cabral Barreto

Não há desenvolvimento sem conhecimento

909

Conceição Estudante

Em defesa da História da Igreja, da religiosidade e da espiritualidade madeirenses Alberto Vieira

911

Da primeira diocese global à diocese globalizada

913

José Eduardo Franco

CRONOLOGIA DA DIOCESE DO FUNCHAL Cristina Trindade e Rui Carita

917

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