As Sagas de Jorge: festa devoção e simbolismo em Quintino Bocaiúva, RJ

May 30, 2017 | Autor: Bianca Arruda | Categoria: Anthropology, Ritual (Anthropology), Festas Populares
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO MUSEU NACIONAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

BIANCA ARRUDA

AS SAGAS DE JORGE: FESTA, DEVOÇÃO E SIMBOLISMO

Rio de Janeiro 2008

BIANCA ARRUDA

AS SAGAS DE JORGE: Festa, Devoção e Simbolismo

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pósgraduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Antropologia Social. Orientadora: Profa. Dra. Renata de Castro Menezes

Rio de Janeiro Julho/2008

Arruda, Bianca. As Sagas de Jorge: Festa, Devoção e Simbolismo/ Bianca Arruda. Rio de Janeiro, 2008. 112 pp., ix pp. Dissertação (mestrado): UFRJ/ Museu Nacional/ Programa de PósGraduação em Antropologia Social., 2008. Orientadora: Renata de Castro Menezes. 1. São Jorge. 2. Ritual. 3.Simbolismo. 4. Devoção. I. Menezes, Renata de Castro (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. III. Título

As Sagas de Jorge: Festa, Devoção e Simbolismo Bianca Arruda Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGAS/ MN/ UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Antropologia Social. Aprovada por:

Profa. Dra. Renata de Castro Menezes – Presidente da Banca Examinadora

Prof. Dr. Otávio Alves Velho

Profa. Dra. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti

Prof. Dr. Fernando Rabossi

Profa. Dra. Luciana Carvalho

Rio de Janeiro 2008

RESUMO ARRUDA, Bianca. As Sagas de Jorge: Festa, Devoção e Simbolismo. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação ( Mestrado em Antropologia Social) - Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGAS/ MN/ UFRJ, Rio de Janeiro, 2008.

A realização de pesquisa etnográfica, entre os meses de abril e dezembro de 2007, na Paróquia de São Jorge de Quintino Bocaiúva, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, embasa este estudo. Nele, analiso as práticas e representações dos devotos de São Jorge e dos paroquianos que participam da festa anual e de outras celebrações em homenagem ao orago. Meu objetivo é refletir sobre as articulações sociais e simbólicas engendradas nesses momentos e, particularmente, pensar sobre a devoção a este santo.

Palavras-chave: São Jorge, Quintino Bocaiúva, ritual, simbolismo, devoção.

ABSTRACT ARRUDA, Bianca. As Sagas de Jorge: Festa, Devoção e Simbolismo. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação ( Mestrado em Antropologia Social) - Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGAS/ MN/ UFRJ, Rio de Janeiro, 2008.

This study is based on a ethnographic research realized between April and December 2007 in St. George's Parish, located in Quintino Bocaiúva, North zone of Rio de Janeiro. In this project, I intend to analyze the practices and representations of Saint George's devotees and parishioners who participate in annual festival and other celebrations in honor of the church's patron saint. My point is to ponder over the social and symbolic joints in these moments, and particulary to think about the devotion to this saint.

Keywords: Saint George, Quintino Bocaiúva, ritual, symbolism, devotion.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 1 1. Contexto da pesquisa.................................................................................................... 9 • Quintino Bocaiúva.............................................................................................................. 9 • A rua Clarimundo de Melo................................................................................................ 12 • Paróquia de São Jorge........................................................................................................ 12 2. Metodologia de pesquisa.............................................................................................. 18 3. Aportes teóricos e objetivos......................................................................................... 20 1. “Viva São Jorge!” ou “ Salve Jorge”?: Festa e Celebrações.......................................... 24 • Alvorada Festiva.......................................................................................................... 25 • A espera dentro do templo........................................................................................... 30 • Quando Ogum pede passagem..................................................................................... 32 • A Missa da Alvorada.................................................................................................... 33 • Sobre velas e cervejas.................................................................................................. 37 1.1 Missas Mensais............................................................................................................ 43 • Atividades.................................................................................................................... 45 • Processo de diferenciação e formação de grupos......................................................... 48 • “Viva São Jorge!”........................................................................................................ 53 2. Santo Guerreiro: Simbolismo........................................................................................... 55 2.1 Breve repertório........................................................................................................... 57 2.2 O que se vê................................................................................................................... 64 2.3 O que se faz.................................................................................................................. 69 • Oração de São Jorge..................................................................................................... 71 • Hino de Louvor............................................................................................................ 72 • Jorge da Capadócia...................................................................................................... 73 2.4 Não um, mas muitos São Jorges.................................................................................. 75 3. Sob o manto de São Jorge: Devoção................................................................................. 77 3.1 De volta ao vinte e três de abril: fogos, Missa, feijoada e cerveja............................... 81 3.2 “E Viva São Jorge, o maior santo do Brasil e do mundo!”: A devoção de “seu” Antônio......................................................................................................................... 89 • Apresentação................................................................................................................ 91 • Leilões na Paróquia...................................................................................................... 92 • As festas de São Jorge.................................................................................................. 93 • São Jorge...................................................................................................................... 93 • Milagres e graças......................................................................................................... 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................102 ANEXO................................................................................................................................. 106 • • •

Questionário Texto publicado no informativo “O Mensageiro de São Jorge” Notícias sobre a festa de São Jorge de 2007

AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer: A CAPES pela bolsa de mestrado e ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pelo financiamento da pesquisa de campo e participações em congressos, que ajudaram no desenvolvimento desta dissertação. A minha paciente e dedicada orientadora, Renata Menezes, que além de ajudar-me nesse processo de amadurecimento intelectual, se viu às voltas com meu processo de amadurecimento pessoal. A também paciente banca examinadora, Otávio Velho e Maria Laura Cavalcanti, que aceitaram as mudanças de prazos por mim solicitadas em razão do longo processo que foi a realização deste trabalho. Em especial, Maria Laura Cavalcanti, que forneceu subsídios para o desenvolvimento de muitas das reflexões que seguem, aceitando, inclusive, participar de uma espécie de “qualificação informal” do meu trabalho, atividade que foi de grande importância para me ajudar a organizar um pouco melhor as idéias. Aos professores do PPGAS que contribuíram para minha formação, especialmente Marcio Goldman. Também aos professores do Departamento de Ciências Sociais do IFCS/ UFRJ, incentivadores e ótimos professores que me ensinaram o gosto pela “arte de pesquisar”, especialmente: Mirian Goldenberg, Bila Sorj, Aparecida Moraes, Maria Laura Cavalcanti e Marco Antônio Mello. À Tânia, Bete e Marina (da secretaria do PPGAS), à Carla, Alessandra e Isabel (da biblioteca), ao Fabiano e Carmen (da xerox) e a Margareth (do restaurante), por todos os serviços e ajudas gentilmente prestados durante esses anos de estada no PPGAS. Ao Fábio Café, pela generosidade de me permitir usar algumas de suas fotos. A minha turma de mestrado, que tornou o PPGAS um ambiente aconchegante: Indira, Bruno, Dullo, Bete, Nina, Isabel, Fernanda, Vitor, Caco, Laura, Mibielli, Gabriel e Antonia. Também aos colegas do doutorado: Pati, Nicolas, Mônica, Cláudia, Martiniano e Rogério. E aos que participaram do grupo de estudos PADD e do curso de Antropologia da Santidade e Devoção, em 2007. À Olivia, Léo Campoy, Bernardo e Cláudia, Helô, Thais, Suzane, Andréa, Maria Cláudia, Zé e às meninas do NESEG-IFCS/UFRJ, companheiros do IFCS que também contribuíram para criação de um ambiente agradável, ainda que em outra instituição. Especialmente, Maria Cláudia, amiga querida que desde a graduação partilhou comigo o encantamento pelo santo guerreiro. À Raíza, Eleandro, Olivia, Du(llo), Bernardo, Maria Cláudia e Andréa, que tanto em breves cafés, ou deliciosos almoços e jantares, com longos e-mails, ou rápidos telefonemas, contribuíram um pouquinho para a construção deste trabalho, indicando leituras, fazendo revisões e ajudando a pensar sobre esse meu “mundo de Jorges”. Ao Celso, Fel, Bru, Léo Pedrete, Helô, Marcos, Jeje, Ronaldo e novamente à Raíza, Eleandro e Olivia: amigos queridos que souberam lidar muito bem com meu sumiço e minha carência durante esse período de “imersão”. À Luciana Carvalho, pelo incentivo, pelas leituras e sugestões, pelo ânimo. À Carla Ramos, por me lembrar que cada um de nós tem sempre algo de bom para oferecer. A minha família: Luiz, Sônia e Bruno, por me fazerem acreditar que tudo daria certo. Ao Orlando meu agradecimento especial, pela dedicação, pelas conversas, pelas sugestões e, sobretudo, pela companhia. E a todos os devotos de São Jorge e paroquianos de Quintino Bocaiúva, em especial ao pároco Marcelino, por tornarem possível a realização deste trabalho: “E Viva São Jorge!”.

Para Sônia, Luiz e Bruno; também para Zion.

São Jorge alevantô Vestiu-se e carçô Chegou na porta do céu Jesus Cristo perguntô: _ Quem tá aí? _ Sô eu, sinhô. _ Que quer, Jorge? _ Força, ânimo e arma. Pra combatê com meus inimigos na guerra. _Vorta já, Jorge, que tudo te darei: (seis cruz: três às costas e três à frente) E na casa dos meus inimigos, Encontrarás com eles no caminho: Se puxá pelo cão do punho, envergarão até o cabo; Se puxá pelo cão da arma, Encherão d'água até a boca; Se puxá pela foicinha, Rebentarão como orvaio; Se puxá pela navaia, Rebentarão a boca. Sete espada, sete sentença Sempre sereis vencedô. Com o nome de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito. (Oração propiciatória de Boa viagem, in: Guia do Folclore Fluminense)

1 INTRODUÇÃO

... Já pedi pro meu São Jorge/ Pra guiar o meu destino/ Na igreja do Guerreiro eu rezei/ Lá em Quintino (Trecho da música “Geografia popular”, compositores: Arlindo Cruz, Marquinho de Oswaldo Cruz e Edinho).

A primeira vez que participei de uma comemoração em homenagem a São Jorge tinha seis anos de idade e, como deve ser fácil supor, não o fiz por vontade própria: foram meus pais que aceitaram o convite de um amigo para ir à festa. Não sei se por conta da pouca idade, ou devido a uma falha da memória, as recordações que possuo desse dia são vagas, muito sensitivas. Recordo, por exemplo, que achei o local distante e completamente diferente de tudo o que já vira antes. Era uma praça engraçada: não possuía brinquedos, nem grama; havia apenas um coreto muito alto e o chão, ao redor, era de terra. Nesse coreto estavam o sorridente amigo de meus pais e sua esposa. Ao lado, uma grande churrasqueira e um bar (ou estabelecimento parecido) eram o foco de atenção das pessoas. Ao redor, via cavalos e charretes. Não lembro de existirem casas por perto, nem ao menos outros estabelecimentos comerciais. Também não lembro de avistar outras crianças além do meu irmão. O dia estava quente: fazia muito sol. Depois de explorar o território com meu irmão, lembro que o tédio começou a minar nosso ânimo. Mas, para os adultos, tudo parecia muito divertido: churrasco, música, conversa, muita bebida e chapéus de cowboy compunham o cenário da festa de São Jorge. Conclusão: mesmo com os apelos feitos por mim e meu irmão, fomos embora já tarde da noite; minha família de carro e os amigos de meus pais a cavalo. Somente há pouco tempo, me disseram que essa comemoração acontece ainda hoje no Largo do Rio da Prata, em Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro que (agora sei) não fica tão distante assim de onde resido desde aquela época. Da segunda festa de São Jorge que fui, as lembranças são diferentes. Quinze anos depois, em 2004, quando ainda era aluna de graduação no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, tive oportunidade de conhecer a pesquisadora do Centro Nacional de Folclore e Cultura

2 Popular (CNFCP-IPHAN) Luciana Carvalho. Foi Luciana quem, dentre muitas outras influências e incentivos, despertou meu olhar para a riqueza simbólica das festas de São Jorge, avaliando o quão interessante seria a realização de uma pesquisa sobre o tema. Assim, encantada com suas histórias, participei da festa de São Jorge que ocorre no entorno da Igreja dos Veneráveis Mártires São Gonçalo Garcia e São Jorge, nos arredores da Praça da República, próximo também à Central do Brasil1. Fui a convite da pesquisadora e lá encontrei um grupo de pessoas que a acompanhavam – uns, antropólogos formados; outros, como eu, ainda estudantes de graduação em Ciências Sociais. Era madrugada do dia vinte e três de abril e estava em meio a amigos, ouvindo samba e transitando pela festa do “santo guerreiro”. Não havia charretes, nem cavalos ou chapéus de cowboy, mas havia um clima de descontração semelhante ao que observei quando criança: muita música, bebida e comida. Tudo isso me causava estranhamento, pois estava habituada a ver o Centro, particularmente as ruas onde ocorria a festa, como local de passagem para a faculdade, por onde se deslocavam milhares de pessoas, ônibus e carros apressados, todos com o objetivo de cumprir com seus compromissos no principal pólo financeiro e comercial do Rio de Janeiro. Tarde da noite, a região estava sempre escura e deserta, por isso a considerava perigosa. Mas a ocupação dessas ruas por muitos devotos, jornalistas, pesquisadores, sambistas e barracas de vendedores ambulantes compunha um novo contexto. Em lugar da circulação de pessoas e carros com pressa, o local tornava-se convidativo para desfrutar de uma boa conversa, ouvir um bom samba e tomar uma cerveja bem gelada, sem preocupação com horários e demais inseguranças. Da incursão realizada nesse ano ficou a vontade de imergir ainda mais no mundo de São Jorge e seus devotos; vontade essa que só pude efetivar no segundo ano de mestrado, em 2007. Contudo, nesse intervalo de tempo, passei a colecionar informações – umas divulgadas 1

Estação terminal de trens da cidade do Rio de Janeiro.

3 na mídia e outras fornecidas por colegas – sobre as manifestações de devoção a São Jorge no Rio de Janeiro. O material obtido a partir dessa coleção consiste num conjunto de reportagens e notícias publicadas entre os anos de 2005 e 2008 em três jornais de circulação na cidade (“O Dia”, “Extra” e “O Globo”) e algumas revistas. Essas notícias informam, principalmente, sobre as festas e demais atividades realizadas no dia vinte e três de abril, data consagrada a este santo no calendário civil do município do Rio de Janeiro, após a promulgação da lei 3.302 no ano de 20012. Tais festas de São Jorge ocorrem em diversos locais da cidade: no adro e arredores de igrejas, em quadras de escolas de samba, ruas e praças, sendo que a mídia dá destaque, sobretudo, às comemorações organizadas pelas igrejas católicas que o têm como orago. Tais igrejas situam-se na Praça da República, região do Centro da cidade; em Quintino Bocaiúva, bairro da Zona Norte; e em Santa Cruz, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Fora isso, noticiam-se os festejos organizados por escolas de samba e políticos em bairros como Madureira, Padre Miguel e Campo Grande, além de procissões e carreatas feitas por fiéis das religiões afro-brasileiras. A maior parte dessas manifestações ocorre há mais de quinze anos e, como já indiquei, localizam-se nos bairros da Zona Norte e Oeste da cidade, excetuando-se a da Praça da República. Gosto de falar que é possível visualizar a distribuição dessas festas recorrendo ao trajeto da linha ferroviária “Central do Brasil - Santa Cruz”, que inicia no terminal central de trens, a Central do Brasil, e passa por bairros do centro e da periferia da cidade, findando no longínquo bairro de Santa Cruz3. Ou seja, a distribuição dessas festas dá forma a uma 2

Tal data coincide com o dia dedicado ao santo no calendário da Igreja Católica, constituindo, dessa maneira, um caso interessante para se pensar sobre a interseção de um calendário secular com um religioso. Para maiores informações sobre os trâmites políticos que culminaram na declaração da referida lei, ver a dissertação de PITREZ, particularmente o tópico “Rio de Janeiro: Feriado em 23 de abril” (2007:61-74). Cabe destacar também que, no ano de 2008, decretou-se que o dia de São Jorge é feriado estadual no Rio de Janeiro. 3 Durante a realização da pesquisa, o trem foi o principal meio de transporte que utilizei para me locomover de casa até Quintino Bocaiúva, consistindo na forma mais prática e menos dispendiosa de chegar ao bairro.

4 configuração espacial que se propaga do Centro do Rio de Janeiro rumo à periferia. Todavia, em 2007 e 2008, aconteceram cortejos, shows e carreatas nos bairros de Santa Tereza, que faz parte da região central da cidade, e em Copacabana, bairro da Zona Sul. Existe, portanto, um movimento de expansão dessas comemorações para outras regiões4. Uma grande quantidade de pessoas comparece nessas festas. Segundo estimativas divulgadas na mídia, cada uma das principais comemorações de São Jorge concentra mais de sessenta mil fiéis5. Muitos deles deslocam-se com a finalidade de celebrar o dia do “santo guerreiro”, mas há também os que participam com o intuito de trabalhar (como vendedores ambulantes, policiais militares, guardas municipais e jornalistas). Como todas essas manifestações são pontos de referência para fiéis e devotos de São Jorge, posso depreender que todo dia vinte e três de abril configura-se um circuito6 (MAGNANI, 1996) de festas para o santo. Tais festas não são idênticas umas as outras; muito pelo contrário, parece que é justamente o princípio da diversidade que parece conformar esse circuito: enquanto em umas há maior ênfase no aspecto solene da comemoração (por exemplo, nas igrejas de São Jorge realizam-se várias missas ao longo do dia, encerrando as comemorações com uma missa após a chegada da procissão), em outras destaca-se o aspecto de diversão (como a que ocorre no bairro de Padre Miguel, onde há apenas uma missa ecumênica na parte da manhã – com a presença de sacerdotes das religiões afro-brasileiras e percussão de atabaques – e no restante do dia apresentam-se “grupos culturais” da região e

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Para além dos limites da capital fluminense, a mídia noticia festas de São Jorge realizadas em Itaguaí, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Nilópolis, São Gonçalo, Niterói e Valença. Ver, por exemplo, “Louvor em todo Estado”, nota publicada no jornal “O Dia”, em 22/04/2006. 5 É o caso daquelas promovidas nas igrejas que o têm como orago. Ver, por exemplo, a matéria publicada em 23 de abril de 2007, no site de notícias “G1”: “Fiéis lotam igrejas em comemoração ao dia de São Jorge, no Rio”. Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/0,,MUI25573-5606,00.html. 6 “... a noção de circuito, (...) une estabelecimentos, espaços e equipamentos caracterizados pelo exercício de determinada prática ou oferta de determinado serviço, porém não contíguos na paisagem urbana, sendo reconhecidos em sua totalidade apenas pelos usuários.” (MAGNANI, 1996:23). Dessa maneira, o autor propõe que a noção de “circuito” permite apreender sistemas simbólicos construídos a partir das relações das pessoas com o espaço urbano.

5 cantores famosos. O término da comemoração ocorre com a chegada de uma cavalgada em homenagem ao santo). Há também diferenças entre as comemorações organizadas pelas igrejas. Na Igreja dos Veneráveis Mártires São Gonçalo Garcia e São Jorge, PITREZ observou que existem missas campais e missas no interior do templo, sendo que elas são temáticas. Nas missas campais há a Missa pela Família, a Missa pelos Aflitos/Endividados, a Missa pelos Enfermos, a Missa pelos Perseguidos/Caluniados, a Missa pelos Falecidos, a Missa pelos Desempregados, a Missa de Libertação e a Missa da Paz. Já no interior da Igreja, as missas são: a Missa da Alvorada, realizada às 05:00h – é importante destacar que essa missa acontece em todas as igrejas de São Jorge da cidade, havendo queima de fogos antes de seu início –, a Missa dos Militares – com a participação da banda de música da PMERJ – e a Missa Final “pelos irmãos, funcionários e benfeitores” (PITREZ, 2007:120). Além disso, a procissão em homenagem ao santo é no domingo posterior ao dia da festa. Já na Paróquia de São Jorge em Quintino Bocaiúva, onde se concentra este estudo, a programação oficial de 2007 e 2008 indica que as missas ocorrem somente no interior do templo. Elas também não possuem “temas”: são realizadas missas em louvor a São Jorge às 05:00h – que é a supracitada Missa da Alvorada –, às 07:00h, às 08:30h, às 10:00h, às 11:30h às 14:00h e às 18:00h. A procissão ocorre no próprio dia vinte e três de abril, às 16:00h. Contudo, vale comentar que essa programação é fruto de uma reformulação recente, pois ainda no final da década de 90 era comum a realização de missas temáticas (havia a Missa dos políticos e a Missa dos militares, por exemplo) e, até 2006, a procissão ocorria no domingo posterior ao dia da festa.

6 Em texto que desenvolvi em parceria com Maria Cláudia PITREZ7, comparamos demais aspectos dessas festas e argumentamos no sentido de que é possível observar uma crescente ocupação e reorganização da comemoração realizada nos arredores da Igreja dos Veneráveis Mártires São Gonçalo Garcia e São Jorge, com celebração de missas campais e maior presença de agentes da prefeitura no seu controle e ordenamento. Concomitantemente, na Paróquia de Quintino Bocaiúva, a tendência é concentrar a festa no interior do terreno paroquial e reduzir o seu número de dias, pois os organizadores assinalam a fraca presença dos órgãos públicos no controle e ordenamento do festejo que a cada ano atrai mais fiéis. Finalmente, na Capela de São Jorge em Santa Cruz, a programação oficial informa que realizam-se missas campais em homenagem ao santo às 05:00h, 09:00h e 11:00h. Às 18:00h, acontece uma procissão que conta com a participação de mais de dois mil cavaleiros vestidos de vermelho e branco, as cores do santo. Cabe ainda dizer que essa Capela de São Jorge é recente, foi inaugurada em 23 de abril de 2006. Contudo, a festa realizada nesse bairro, nos arredores do Largo do Bodegão, acontece desde a década de 60, em razão de promessa feita por um fazendeiro da região. A promessa solicitava a cura da filha do fazendeiro: a criança estava com febre amarela e, caso São Jorge a salvasse da morte, o fazendeiro construiria uma capela para o santo e todo ano realizaria uma grande festa em sua homenagem. Com a melhora da menina, o fazendeiro cumpriu a promessa e passou a realizar as festas com a ajuda de vizinhos e amigos. No decorrer dos anos, eles criaram uma Irmandade de São Jorge da qual faz parte o vereador – atualmente deputado estadual – responsável pela elaboração do projeto de lei que promulgou o feriado de vinte e três de abril no Rio de Janeiro. Nesse circuito de comemorações, realizei a pesquisa etnográfica nas celebrações ocorridas na Paróquia de São Jorge de Quintino Bocaiúva. A escolha desse local para o 7

““São Jorge é pop!”: análise de duas festas de São Jorge no Rio de Janeiro”, apresentado no GT 32: Experiências religiosas na Contemporaneidade da 7ª Reunião de Antropologia do Mercosul (RAM), em julho de 2007. Aproveito a oportunidade para agradecer às críticas e sugestões feitas pelas coordenadoras. Além disso, em junho de 2008, Maria Claudia e eu tivemos a oportunidade de apresentar esse mesmo texto em uma aula de graduação da professora Beatriz Catão. Agradeço a ela e seus alunos os questionamentos feitos na ocasião.

7 trabalho de campo deu-se em decorrência de dois acontecimentos. O primeiro deles consistiu na descoberta de que o antropólogo Bartolomeu MEDEIROS, em meados da década de 90, pesquisou a festa que acontece no entorno da Igreja dos Veneráveis Mártires SGG e SJ; para completar, sabia que, desde 2001, essa mesma festa era objeto de análise da dissertação de Maria Cláudia PITREZ. MEDEIROS elaborou a tese de doutorado “Entre almas, santos e entidades outras no Rio de Janeiro: os mediadores” apresentada ao Programa de PósGraduação em Antropologia Social (PPGAS) da UFRJ, em 1995. Já PITREZ apresentou a dissertação de mestrado intitulada “23 de abril – Festa de São Jorge. Um estudo sobre a oficialização de um dia santo em feriado municipal na cidade do Rio de Janeiro” ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da UFRJ, em agosto de 2007. Em decorrência do curto período que separa esses estudos, considerei mais proveitoso investir numa pesquisa que, dialogando com a deles, fosse em outra região. Desse modo, em 2006, fui à comemoração que ocorre no Largo do Bodegão, em Santa Cruz, com a intenção de iniciar o trabalho de campo. Porém, logo de início, minha inserção nesse contexto mostrou-se conturbada: acabara de haver uma disputa acirrada pela presidência da Irmandade de São Jorge e, como não estava a par dos acontecimentos, estabeleci contatos que de imediato me associaram a um dos grupos envolvidos na contenda. Esse descuido prejudicou sensivelmente minha mobilidade entre os grupos. Para completar, durante o pouco tempo que estive por lá, fui assediada por um dos integrantes da Irmandade. O constrangimento e a revolta com a situação impossibilitaram minha permanência no campo. Foi apenas em dezembro de 2006 que entrei em contato com o padre da Paróquia de São Jorge de Quintino Bocaiúva. A receptividade com que padre Marcelino me recebeu e o entusiasmo que demonstrou com o estudo foram os motivos que me fizeram decidir pela feitura do trabalho de campo neste local. Além disso, ele informou que na Paróquia há não só as celebrações anuais, mas também celebrações mensais em homenagem ao padroeiro,

8 realizadas todos os dias vinte e três, às 19:00h. Por fim, a boa acolhida dos paroquianos também foi fundamental para esta definição, possibilitando que me sentisse segura para dar início ao empreendimento etnográfico. Contudo, o acontecimento em Santa Cruz moldou substancialmente minha postura em Quintino: evitei estabelecer relações que pudessem ter desdobramentos semelhantes, privilegiando o contato com pessoas que me foram apresentadas pelo pároco e paroquianos e definindo a Paróquia como único local para a realização do trabalho de campo. Esta postura repercute no desenvolvimento da análise, pois, no transcorrer da pesquisa, recusei muitos convites para participar de churrascos e eventos organizados por grupos que comparecem nas missais mensais. Somente em setembro de 2007, após sucessivas negações, aceitei participar de uma reunião do Moto Clube Guerreiros da Estrada - São Jorge, um desses grupos que freqüentam as celebrações mensais. Entretanto, no dia seguinte ao encontro, algumas paroquianas solicitaram que eu tomasse mais cuidado e procurasse realizar as entrevistas na Paróquia, porque certos lugares poderiam me expor a riscos. Assim, durante todo o período em que estive pesquisando na Paróquia de São Jorge, as pessoas com quem tive maior contato foram o pároco e os paroquianos: pessoas ligadas à igreja, que participam de suas pastorais e movimentos. Alguns moradores do bairro, que apesar de não freqüentarem a igreja com assiduidade comparecem nos dias de celebração do padroeiro, também foram interlocutores importantes. Essa proximidade permitiu que, com o passar do tempo, eles me pedissem favores, como a realização de pesquisas sobre a construção da capela de São Jorge no bairro e a busca por informações sobre a primeira associação de São Jorge, que foi responsável pela construção de tal capela. Além disso, em março de 2008, o pároco solicitou que eu escrevesse um texto para ser publicado no jornal da

9 Paróquia; seu interesse era que eu divulgasse a realização da pesquisa e apresentasse alguns dados aos leitores8. Poucos foram os devotos com quem conversei que não participavam das atividades cotidianas da Paróquia, sendo que tive contato com a maior parte deles no dia da festa de São Jorge. Em geral, eles são classificados pelos paroquianos como “freqüentadores só de festa”: pessoas estranhas à localidade, que não participam da rotina do bairro nem da igreja, mas lotam os arredores no dia de São Jorge. No decorrer da pesquisa, pude compreender que essa classificação é um pouco mais complexa: ela é acionada para se referir a uma série de relações que são estabelecidas nos momentos de “abertura” de Quintino Bocaiúva, particularmente, na data de comemoração do padroeiro da Paróquia do bairro. Mas é somente no capítulo seguinte que pretendo elucidar melhor como operam essas classificações. Por ora, cabe apenas fornecer dados sobre o contexto em que realizei o estudo: o bairro, a rua e a Paróquia onde se passou minha aventura etnográfica.

1. Contexto da Pesquisa



Quintino Bocaiúva Como já mencionei, Quintino Bocaiúva é um dos muitos bairros que compõem a Zona

Norte do Rio de Janeiro, uma região que começou a se desenvolver em fins do século XIX, acompanhando o crescimento urbano-industrial e a implantação da malha ferroviária na cidade. O nome do bairro provém de uma homenagem feita ao jornalista e político

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O padre já havia comunicado o desejo de que eu apresentasse os resultados de minha pesquisa à comunidade de fiéis da Paróquia. Sua sugestão inicial era para que eu falasse sobre o assunto numa das missas do padroeiro, no entanto, aleguei que era tímida demais para a tarefa. Diante disso, ele sugeriu a elaboração de um texto para ser publicado no jornal da Paróquia, O Mensageiro de São Jorge, que disponibilizo no Anexo.

10 republicano, morador da localidade, que faleceu em 1912: Quintino Antônio Ferreira de Sousa, que adotou o nome indígena Bocaiúva para reafirmar seu nacionalismo. Habitado por uma população definível como “baixa classe média” 9, Quintino Bocaiúva faz parte do que a população carioca define como “subúrbio”: uma categoria ambígua que evoca virtudes associadas ao morar distante do centro urbano – como um estilo de vida mais calmo, pacato, de convivência harmoniosa e relações baseadas na pessoalidade – e, ao mesmo tempo, remete ao que se considera retrógrado, empecilho para o desenvolvimento de um estilo de vida mais refinado e moderno. O bairro é cortado pela linha ferroviária da cidade do Rio de Janeiro. Próximo à estação ferroviária, em direção à Paróquia, há uma praça também chamada Quintino Bocaiúva. Nesse local, quase todos os dias, nos fins de tarde, é possível ver crianças brincando e, nas tardes de sábado e manhãs de domingo, observei que há um grupo de homens que se reúne para jogar carteado. Ao redor da praça existem alguns bares e trailers que, no horário do almoço, servem refeições para trabalhadores da região. Aos domingos, é comum a realização de churrascos em um desses bares, sendo que a maioria dos participantes são homens. Coexistem em Quintino Bocaiúva residências antigas em diferentes níveis de preservação, alguns prédios para moradia, estabelecimentos comerciais de pequeno e médio porte (como bares, padarias, armarinhos, açougues, mercado, lan houses e lojas de materiais de construção, vidraçaria, oficinas, autopeças, depósito de bebidas, etc), algumas fábricas (como de isopor e de tijolos) e serviços particulares e públicos de maior expressão (como centros de saúde, colégios e o Centro de Educação Tecnológica e Profissionalizante- CETEP/

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De acordo com dados obtidos no Instituto Pereira Passos, no bairro de Quintino Bocaiúva há 12,26 % dos chefes de domicílio com menos de quatro anos de estudo; 9,87 % dos chefes de domicílio com 15 anos ou mais de estudo; 2,51 % de analfabetismo em maiores de 15 anos; 24,32 % dos chefes de domicílio com renda até dois salários mínimos; 17,07 % dos chefes de domicílio com rendimento igual ou superior a 10 salários mínimos; 6,37 é o rendimento médio dos chefes de domicílio em salários mínimos. Fonte: Tabela 2248 – Índice de Desenvolvimento Social (IDS) e seus indicadores constituintes por bairro – Município do Rio de Janeiro – 2000.

11 RJ. Para completar, o bairro é circundado por um complexo de favelas que compreende o Morro do Saçu, dos Telégrafos, o Dezoito, a favela Lemos Brito, o Morro da Caixa d’água e do Fubá. Pelo que pude apreender das conversas com os paroquianos, definir-se como “morador do bairro” consiste em definir-se em contraste aos “moradores dos morros”. “Morar no bairro” é um sinal de status, pois indica que o local de moradia não é perigoso, que é de mais fácil acesso e que o comunicante encontra-se num patamar diferenciado da hierarquia social, já que afirmam que os “moradores do morro” são “muito carentes”. Por conseguinte, é possível depreender que existe uma valoração que se ancora na oposição bairro x morro. Também observei que existem diferentes tipos de rua em Quintino: as mais movimentadas e as menos movimentadas (referindo-se ao trânsito de carros e pessoas que não moram no bairro). Em geral, as ruas menos movimentadas são de paralelepípedo, as calçadas são maiores e há menos estabelecimentos comerciais, apenas pequenos bares e armarinhos, montados nos quintais dos moradores. As casas são construídas em grandes terrenos e possuem, em sua maioria, quintais e varandas espaçosos. Nessas ruas ainda é possível ver crianças brincando nas calçadas e mulheres e pessoas mais idosas conversando em frente aos portões das casas, geralmente no fim da tarde, rumo ao início da noite. Já as ruas mais movimentadas são asfaltadas, as calçadas são menores e o número de residências também. Em compensação, há mais estabelecimentos comerciais, sobretudo aqueles que não estão voltados somente para o atendimento da população local. Raramente vi crianças brincando nessas ruas e pessoas sentadas em frente aos portões das casas. Mas, aos fins de tarde, era comum observar rodinhas de homens conversando em frente aos estabelecimentos comerciais (como na oficina e nos postos de gasolina) ou dentro dos bares. Essas classificações e apropriações do espaço em Quintino Bocaiúva me lembram as considerações de VOGEL et all. (1981) de “quando a rua vira casa”. Segundo eles, existe um

12 sistema compartilhado de categorias, valorações e atividades que é utilizado na prática cotidiana dos moradores de um bairro. É esse sistema que orienta o modo como eles se relacionam no e com o espaço público.



A rua Clarimundo de Melo A Clarimundo de Melo é uma das principais vias da região, por onde circulam

diariamente centenas de ônibus e automóveis. É, portanto, uma rua movimentada nas imediações de Quintino Bocaiúva. Porém, ela não atravessa apenas esse bairro: iniciando no Encantado, ela passa por Piedade, Quintino e finda em Cascadura. Além de algumas poucas casas e pequenos comércios, há nessa via importantes instituições de educação, empresas, fábricas e serviços de saúde da localidade. No trecho em que está localizada a Paróquia de São Jorge existe uma concentração de bares, restaurantes self-service, lojas de salgados e armarinhos. Também há por perto duas oficinas de conserto de carros, uma vidraçaria, postos de gasolina, um mercado, padaria, uma banca de jornal, a banca de um artesão da região, uma loja de artigos religiosos, a unidade do CETEP/RJ e algumas casas. Nos dias de semana, circulam por essa rua muitos estudantes que, nos horários de entrada e saída do colégio, lotam os pontos de ônibus e estabelecimentos comerciais da redondeza. Já nos finais de semana, a movimentação da rua diminui consideravelmente: o trânsito de carros é reduzido, muitos estabelecimentos comerciais não abrem e não se vê o alvoroço produzido pela presença dos estudantes. Os momentos de maior agitação são ocasionados pelos acontecimentos da Paróquia, como a saída e entrada dos alunos da catequese e dos integrantes do grupo jovem da igreja, aos sábados, e a circulação de fiéis que assistem às missas nos domingos.



A Paróquia de São Jorge

13 De acordo com o livreto vendido na Paróquia: Sabe-se que toda a devoção ao glorioso São Jorge [no bairro de Quintino Bocaiúva] começou com um senhor português que colocava na varanda de sua casa uma imagem de São Jorge em um altar especialmente preparado por senhoras católicas do bairro, que ali se reuniam para fazer suas orações e rezar o terço. (PALUDO et all, s/d:1).

Em meados da década de vinte, esse grupo de pessoas fundou uma associação religiosa chamada “Devoção do Glorioso São Jorge Mártir”, que possuía reconhecimento na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. No ano de 1929, essa associação adquiriu um terreno na rua Clarimundo de Melo, número 769, mediante doações de seus integrantes. Nesse terreno construiu-se a capela de São Jorge, que era compreendida à Paróquia de Nossa Senhora da Piedade, no bairro da Piedade. Somente em 1945 a capela de São Jorge tornou-se uma Paróquia, adquirindo assim benefícios (como um agente eclesiástico próprio e a autonomia para realização das celebrações), mas também maiores responsabilidades (como o desenvolvimento de uma série de serviços religiosos e sociais para o atendimento da população local). No início da década de 50, após uma série de discordâncias entre a “Devoção a São Jorge” e o então pároco, a associação extinguiu-se, o pároco foi transferido e a Paróquia permaneceu fechada durante alguns meses. Em 1951, determinou-se o envio de um novo padre para cuidar da Paróquia. Concomitantemente, alguns moradores do bairro fundaram outra associação tendo São Jorge como patrono: a “Legião de São Jorge”. No entanto, esta não possuía o reconhecimento da Arquidiocese. Três anos depois, houve novas discordâncias entre o pároco e a associação, o que o levou a solicitar o encerramento da mesma. Na década de 1980, a Arquidiocese do Rio de Janeiro convidou a Congregação de São José - Josefinos de Murialdo10 para assumir a administração da Paróquia de São Jorge, 10

São Leonardo Murialdo, em 1873, fundou a Congregação Josefinos de Murialdo na cidade de Turim, na Itália. A finalidade da Congregação é “a educação integral das crianças, adolescentes e jovens empobrecidos,

14 contrato que se estende até os dias de hoje. A finalidade dessa medida foi suplantar o histórico de conflitos dos párocos com os paroquianos da igreja, em especial, daqueles com os membros das associações de São Jorge. Nesse mesmo período, mais precisamente em 1981, fundou-se uma nova associação de São Jorge na Paróquia, que existe ainda hoje. Foi o padre quem a organizou com o intuito de atender à solicitação de algumas de suas paroquianas. Eles a nomearam “Associação Amigos de São Jorge”, mas não se dispuseram a registrá-la na Arquidiocese. Contudo, de acordo com alguns dos seus dirigentes atuais, há alguns anos existe um esforço nesse sentido. O procedimento para se tornar um associado “amigo de São Jorge” se dá por meio do preenchimento de uma ficha cadastral que fica disponível ao término das celebrações do dia vinte e três. Nelas, o fiel informa seus dados pessoais e se responsabiliza por contribuir mensalmente com o valor mínimo de dez reais, aplicado em melhorias para a igreja e utilizado na preparação da festa de São Jorge11. Além disso, alguns integrantes da Associação desempenham funções como a ajuda na organização da festa e o preparo das missas mensais em louvor ao santo padroeiro. Há também alguns poucos que conciliam o trabalho na Associação com a participação em outras atividades paroquiais, como a coordenação de pastorais e a realização de trabalhos sociais, incluindo a visitação aos enfermos do Hospital Nossa Sra. das Dores ou o oferecimento de cursos à população da região. No entanto, a maioria dos associados contribui somente com o pagamento da taxa mencionada. No decorrer da pesquisa observei que existem muitas outras atividades e associações na Paróquia de São Jorge, que atuam tanto na “Matriz” (o centro paroquial São Jorge) quanto objetivando educar para a cidadania: formar bons cristãos e honestos cidadãos”. Fonte: http://www.murialdo.org/ index.php?lng=6 11 Infelizmente não pude realizar a análise dos dados desses associados (tais como: os bairros em que residem, idade, grau de escolaridade, quantos são os contribuintes efetivos etc.), pois, no período de realização da pesquisa, os dirigentes disseram que tais informações estavam sendo digitalizadas e revisadas. Eles informaramme apenas que existem aproximadamente 630 associados, sendo que nem todos contribuem com assiduidade e poucos são os que se envolvem com as atividades da Associação e da Paróquia.

15 nas demais igrejas e capelas que ela compreende12. As pastorais atuantes são: 1) Catequese; 2) Litúrgica; 3) Dízimo; 4) do Mesc (Pastoral dos Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão); 5) do Batismo; 6) Coroinhas; 7) Infância Missionária; 8) Familiar; 9) Pastoral da Juventude; e 10) Pastoral da Criança. Há também os movimentos13, como o Apostolado da Oração, a Legião de Maria, a Associação dos Amigos de São Jorge e a Associação das Mães Apostólicas; e as atividades sociais, como reuniões dos grupos de Narcóticos e Alcoólicos Anônimos e a visitação de enfermos no hospital Nossa Senhora das Dores, no bairro de Cascadura. Pelo que pude observar, muitas das pessoas que trabalham em uma das pastorais, fazem parte de algum dos movimentos e cooperam com as atividades sociais desenvolvidas na Paróquia. Fora isso, realizam-se missas quase todos os dias da semana. As que ocorrem às segundas-feiras, às 19:00h, são as Missas da Esperança; as terças, quartas e sextas, às 18:00h, há as missas comunitárias; as quintas-feiras, há apenas a realização da “leitura orante”, às 19:30h; aos sábados, a missa comunitária é realizada às 18:30h e, durante o dia, acontecem as aulas da catequese; já aos domingos, as missas ocorrem às 7:00h, 9:00h e 18:00h. E, como já indiquei anteriormente, todo o dia vinte e três, às 19:00h, celebram-se as missas em louvor a São Jorge. O complexo paroquial de Quintino Bocaiúva, do modo como está atualmente, é formado pelo prédio do centro paroquial, o prédio do templo de São Jorge e um amplo pátio, que cotidianamente serve de estacionamento para os fiéis. Também há no pátio um espaço reservado para o “veleiro”14. O centro paroquial possui cinco andares e uma torre, onde fica o sino da igreja. No primeiro andar, encontra-se a secretaria, as salas do atual pároco e do 12

A capela de Nossa Senhora das Dores e a igreja do Sagrado Coração de Jesus, no bairro de Cascadura, e as capelas de São José Operário e de São Leonardo Murialdo, no Morro do Fubá e no Morro da Caixa d’água, respectivamente. 13 O termo “pastoral” é utilizado pelos paroquianos como oposto ao “movimento”, demarcando atividades institucionalizadas, com registro na Arquidiocese. 14 “Veleiro” é como os paroquianos chamam o local destinado ao depósito de velas para São Jorge, localizado no pátio da igreja.

16 pároco auxiliar, uma lanchonete, o “devocionário”15, banheiros e duas salas para reuniões. Nos segundo e quarto andares, existem mais salas para reuniões das “pastorais” e “movimentos” atuantes na igreja; no terceiro andar, há um terraço onde são realizados eventos comemorativos (como festas, bingos e outros) e também um bar que só funciona nessas ocasiões. Finalmente, no quinto andar, há aposentos que servem para hospedar padres convidados para realizar cursos e palestras. A casa do pároco localiza-se numa outra rua do bairro. O devocionário possui imagens de santos disponíveis para venda, a maioria delas de São Jorge, mas há também imagens da Sagrada Família. Há calendários e imãs de geladeira com a imagem do orago, do Sagrado Coração de Jesus, de N. Sra. Desatadora de Nós e do Arcanjo São Miguel. Além disso, vende-se: camisas de diferentes estampas com a imagem de São Jorge, “fitinhas”, ex-votos, velas, terços, crucifixos, livrinhos contando a história da Paróquia e do padroeiro (intitulado “A vida de São Jorge”), canetas, chaveiros, garrafas com água-benta, broches, calendários e adesivos. Há também medalhas e pingentes em formato de espada, crucifixo e figa, ou com a figura do santo. Um grande quadro da imagem de São Jorge, envolto por um terço de búzios – ambos doados por uma paroquiana que já faleceu; uma imagem do santo, com capa vermelha de crochê feita por uma das paroquianas; e uma imagem de São Sebastião, são itens encontrados no devocionário que, no entanto, não são comercializáveis, pois pertencem a Associação Amigos de São Jorge. No pátio, o local onde se encontra o veleiro foi o que mais me chamou a atenção, pois é lá que os fiéis vão para acender velas para o santo. Além das velas e caixas de fósforo, nesse local é possível encontrar fotos, papéis com pedidos, imagens de santos (não apenas de São Jorge), copos, ex-votos, flores e, algumas vezes, havia recipientes com pipoca. Vez ou outra, também vi alguns desses objetos dentro do templo (sobretudo ex-votos, flores e pedidos); eles

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“Devocionário” é o nome dado à loja de artigos votivos da igreja.

17 são deixados próximos à imagem de São Jorge ou nos cantinhos dos bancos, no assento mesmo ou no chão. O templo comporta mais de seiscentos fiéis (sentados), conforme informou Francisco, um dos auxiliares administrativos da Paróquia. Dentro dele, no altar, há a imagem do Cristo crucificado ladeado por dois anjos que seguram castiçais; no teto, bem acima do altar, está o símbolo do Espírito Santo, uma pomba16; nas laterais do altar, há, do lado esquerdo, a imagem da Virgem Maria17, que mede aproximadamente 90 cm e é rodeada de crisântemos, rosas e palmas amarelas, brancas e rosas (salvo as flores que são deixadas pelos fiéis). Do lado direito, encontra-se a imagem de São Jorge, que mede 1.80m e é enfeitada com flores, como rosas, crisântemos e palmas, predominantemente vermelhas e brancas. Atrás dessas imagens, existem dois grandes painéis: no primeiro, figura a Sagrada Família; no segundo, há a representação de um anjo que, com uma das mãos, empunha uma espada na direção de São Jorge e, com a outra, segura uma coroa de espinhos. Esse anjo é acompanhado por outros dois mais jovens que seguram uma faixa com a inscrição “Salve Jorge, mártir de Cristo”. Tal painel fornece elementos que evocam o martírio de São Jorge, simbolizado tanto na coroa de espinhos quanto na espada que o anjo segura (FERGUSON, 1981:38 e 182). Além disso, há catorze vitrais nas paredes laterais do templo (sete de cada lado). Neles há imagens de São Jorge, Santa Rita de Cássia, Nossa Senhora de Aparecida, São João Baptista, São José, do Sagrado Coração de Jesus, da Sagrada Família, Nossa Senhora Desatadora de Nós, do Arcanjo São Miguel, entre outros. Há também, nas paredes laterais, pequenos quadros que representam as estações da Via Sacra. Na parede de entrada da igreja, de frente para o altar, existem três pinturas que representam: ao centro, a Santa Ceia; do lado direito, a imagem do Cristo morto sendo carregado para o céu; finalmente, do lado esquerdo, 16

De acordo com FERGUSON (1981:15/16) a pomba é o símbolo da pureza e da paz, evocada em inúmeras passagens da Bíblia. Ela também aparece como atributo de muitos santos, como São Benedito e São Gregório, mas é como representação do Divino Espírito Santo que é mais recorrentemente usada. 17 FERGUSON (1981:94/95/96) descreve diferentes possibilidades de representação da Virgem Maria, cada qual remetendo a algum de seus atributos e aparições.

18 está São Jorge montado em seu cavalo branco e derrotando o dragão, no plano de fundo há uma grande lua cheia. Um pouco abaixo dessas imagens há: “Tomai e comei: este é o meu corpo que será entregue a todos para remissão dos pecados/ Tomai e bebei: este é o meu sangue que será derramado por todos para remissão dos pecados/ Fazei isso em memória de mim”. E no teto, num trecho logo na entrada do templo, há uma pintura de São Leonardo Murialdo, patrono da Congregação São José - Josefinos de Murialdo. Os cartazes espalhados pelas paredes do templo instruem sobre as atividades da Paróquia, solicitam apoio dos fiéis ao dízimo e pedem que tenham uma vida religiosa mais participativa18. O prédio possui ainda instalações onde funciona a sacristia, a cozinha da igreja e salas que abrigam reuniões de algumas pastorais e cursos oferecidos para a comunidade, como corte e costura, artesanato, filosofia, entre outros. Nesse contexto, os paroquianos consideram que as celebrações a São Jorge são momentos especiais nos quais se dirigem para a Paróquia os fiéis do “padroeiro”. Muitos desses fiéis não participam das atividades desenvolvidas cotidianamente na igreja; outros, nem moradores do bairro são. É com o objetivo de apreender a organização, as práticas e as representações engendradas nesses momentos que desenvolvo o presente estudo.

4. Metodologia de pesquisa

Realizei a pesquisa etnográfica na Paróquia de São Jorge de Quintino Bocaiúva durante os meses de abril a dezembro de 2007, privilegiando os momentos de celebração ao padroeiro. Nesse período, o método de investigação mais utilizado foi o da observação participante, acompanhando-se a festa no dia vinte e três de abril e as celebrações mensais em

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Por exemplo, “Sou católico ativo porque: participo ativamente das missas dominicais, sou dizimista fiel, participo do círculo bíblico, participo de alguma pastoral”; “A entrega do dízimo não é um gesto de doar e sim de entregar ao dono o que é do dono. Não é doação, esmola, ajuda, contribuição, nem um ato de caridade com a igreja ou com Deus”.

19 homenagem a São Jorge19. Nos meses de maio e junho, freqüentei a igreja três vezes na semana (segundas, quartas e sextas-feiras), geralmente na parte da manhã. Nos meses de julho, agosto e setembro, mudei o horário de visitação à igreja para a parte da tarde, comparecendo pelo menos duas vezes na semana. Já nos meses de outubro, novembro e dezembro, a freqüência foi aleatória, mais concentrada no acompanhamento das atividades das missas mensais. Essas visitas ajudaram-me a entender melhor o funcionamento cotidiano da igreja em contraste com a dinâmica da festa e das celebrações mensais. No dia da festa, apliquei doze questionários: devotos, comerciantes do bairro e vendedores ambulantes aceitaram responder as perguntas que elaborei com a intenção de compreender o que faziam no festejo de São Jorge. Disponibilizo o modelo do questionário no Anexo. Nas celebrações mensais, tive a oportunidade de realizar entrevistas com alguns dos participantes, no início ou ao final das missas. O gênero de tais entrevistas é variável, ou seja, umas desenvolveram-se sem seguir roteiro algum; já em outras, precisei recorrer a um roteiro preparado com antecedência. Por meio de tais entrevistas obtive informações mais detalhadas sobre a dinâmica das relações estabelecidas entre paroquianos e devotos de São Jorge, sobre a ocupação dos espaços da Paróquia durante a festa do padroeiro e sobre promessas, pedidos e milagres operados pelo santo. De modo complementar, no acompanhamento das atividades cotidianas da igreja, pude entrevistar pessoas que participam de suas pastorais e também obtive autorização do pároco para estudar o Livro de Tombo da Paróquia. O exame desse Livro forneceu informações sobre diversos acontecimentos passados na igreja matriz desde o período de sua fundação até os dias atuais. 19

Só não pude comparecer à celebração realizada no mês de julho em virtude da participação na 7ª Reunião de Antropologia do Mercosul.

20 Além disso, atendendo às solicitações de alguns paroquianos e integrantes da Associação Amigos de São Jorge, realizei uma pesquisa no Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro durante todo o mês de julho. O intuito era obter mais informações sobre a construção da capela de São Jorge no bairro e sobre a antiga associação religiosa “Devoção a São Jorge”. Nessa pesquisa encontrei alguns dos dados solicitados, tendo acesso, inclusive, ao “Estatuto da Devoção de São Jorge Martyr”, que copiei e pretendo repassar para os “amigos de São Jorge”. Vale assinalar também que, no decorrer dos meses de julho e agosto de 2007, devido a uma relação de troca que iniciei com um colega que é devoto de São Jorge, pesquisei letras de músicas sobre o santo no site de relacionamentos Orkut, num blog sobre samba e em site especializado na divulgação de letras de música brasileira. Ao final desse levantamento, consegui reunir quarenta e seis músicas de diversos estilos (samba, samba-enredo, pagode, rock, rap, punk, forró e hinos de igrejas católicas) que mencionam o santo em suas letras. Aproveitei, então, para inserir trechos de muitas dessas músicas nas epígrafes que inauguram os capítulos e seções da dissertação20. Por fim, recorri também à pesquisa no arquivo da Biblioteca Amadeu Amaral do CNFCP, com a finalidade de obter um conjunto de informações sobre São Jorge e sobre as festas na cidade do Rio de Janeiro. Utilizo tais dados no desenvolvimento do capítulo 2.



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Alguns aportes teóricos e objetivos

Os sites consultados foram: www.letrasdemusicas.com.br/, http://sambamaioral.clickblog.com.br/2007/04/20/ musicas-que-homenageiam-sao-jorge/. E as comunidades no Orkut foram “Salve São Jorge Guerreiro”, “São Jorge” e “Guerreiros de Ogum”. Tais consultas ocorreram entre os meses de julho e agosto de 2007, sendo que a seleção incluiu somente músicas de compositores brasileiros. Cabe somente mencionar que apresentei uma análise de vinte e seis dessas músicas no texto “Cavaleiro Jorge: algumas notas sobre as representações de São Jorge”, apresentado na XIV Jornadas sobre Alternativas Religiosas en América Latina. Aproveito para agradecer aos coordenadores do GT 10: Religião e Cultura Popular e aos colegas participantes pelas críticas e sugestões feitas.

21 Foi o encantamento com as festas de São Jorge na cidade do Rio de Janeiro que motivou o desenvolvimento deste estudo. Nele, tenho o intuito de apreender o mundo construído em função do louvor ao “santo guerreiro”: as práticas, representações e relações engendradas por seus devotos na Paróquia de São Jorge de Quintino Bocaiúva. Para tanto, recorro a um corpo de dados e documentos etnográficos – incluindo, questionários, entrevistas, fotos e gravações – que obtive a partir da realização de pesquisa etnográfica no local. A partir da análise desse material, no primeiro capítulo, exponho os acontecimentos da festa e das missas mensais com o propósito de elucidar como se dá a dinâmica das relações sociais engendradas nesses momentos. As formulações de TURNER são fundamentais para o desenvolvimento dessa reflexão, pois considero que tais celebrações revelam algo sobre o grupo formado nas celebrações a São Jorge21. (TURNER, 1969:6). Cabe, porém, comunicar que, ao analisar a festa de São Jorge, privilegio a observação da alvorada festiva e da Missa da Alvorada, apesar de ocorrerem outras atividades na comemoração do padroeiro, como deixarei claro no próximo capítulo. Procedo dessa forma, não porque considero esses eventos os mais importantes do festejo, mas por conta de contingências da pesquisa que pretendo elucidar com a descrição etnográfica. Vale, no entanto, destacar que a Missa da Alvorada é uma Missa especial nesse contexto, pois, para conseguir assisti-la, muitos devotos passam a noite em claro, aguardando a abertura do templo de São Jorge. Contudo, ainda assim, há outros momentos considerados especiais, como a procissão para o santo, por exemplo, e, diante da impossibilidade de refletir sobre todos eles, acho oportuno deixar uma citação de GALVÃO sobre o assunto: “É difícil afirmar qual a parte mais importante da festa, se as rezas, o baile ou o repasto. Muito pouca gente atenderia ao festival se não houvesse dança. Suprimir 21

“Ritual revel values at the deepest levels (...) men express in ritual what moves then most, and since the form of expression is conventionalized and obligatory, it is the values of the group that are revealed.” (TURNER, 1969:6)

22 as ladainhas seria transformar a festa em baile profano, e faltar com o respeito ao santo. Finalmente, sem a comida farta que os juízes oferecem, seria difícil aos convidados demorar-se por tanto tempo fora de casa e de sua mesa. Igualmente importantes são os elementos acessórios o levantamento e derruba do mastro; a participação da folia; o círio com os juízes; as mãos de samba em “homenagem” ou “agradecimento”; o respeito ao santo demonstrado pelos vários atos de devoção, os quais constituem o todo a que chamam de “festa do santo””. (GALVÃO, 1955:80 e 81).

Em seguida, o foco de reflexão deixa de ser a configuração festiva e ritual e passa a ser o santo louvado: São Jorge “Guerreiro”. Considerando que tais celebrações põem em destaque as muitas imagens de São Jorge que figuram no dia a dia da cidade – ainda que de modo disperso, ela pode ser vista nos carros, com adesivos, e nas pessoas, em suas camisas e tatuagens; está presente também em muitas casas, bares e, com maior expressividade nos últimos anos, nos locais públicos (largos e praças de bairros da periferia) –, realizo um exame das manifestações simbólicas do santo nesses momentos especiais (TURNER, 2005; DA MATTA, 1979). No entanto, recorro, primeiramente, à explicitação de algumas características que compõem o campo semântico deste santo por meio da exposição de dados fornecidos por autores que já se dedicaram ao estudo de suas hagiografias e do seu culto. Recorro também à análise das explicações fornecidas pelos devotos e paroquianos sobre a imagem de São Jorge e, a partir desses dados, empreendo o exame das manifestações simbólicas do santo. Realizo este percurso, pois, como sugere TURNER (2005:85), a interpretação dos significados simbólicos deve compreender: 1) o nível de interpretação nativa (diferenciada entre leigos e especialistas); 2) o significado operacional (ou seja, o que fazem com o símbolo); e 3) o significado posicional (isto é, que deriva de sua relação com outros símbolos em uma totalidade). Já o terceiro capítulo, desloco a análise para o entendimento do léxico acionado para se pensar a atuação de São Jorge na vida dos seus devotos, considerando que eles são pessoas que entregaram suas vidas ao santo (MENEZES, 2004 e 2006). Assim, por meio do exame

23 das narrativas de milagres, graças, pedidos e das práticas votivas, sugiro que é possível recuperar uma multiplicidade de representações e práticas existentes sobre São Jorge, pois cada devoto possui um vocabulário próprio que torna inteligível a presença deste santo em suas vidas. Obviamente, ao longo deste estudo, assuntos que se pensam resolvidos em uns capítulos acabam retornando noutros sob nova roupagem – isto é, novos dados –, seja para reforçar o argumento, seja para nuançá-lo. Para evitar que essas idas e vindas obscureçam as proposições que formulo, recorro às “Considerações Finais”. Por fim, cabe apenas indicar que alguns nomes foram modificados com o intuito de preservar a identidade das pessoas que contribuíram com a pesquisa.

24 1. “VIVA SÃO JORGE!” ou “SALVE JORGE!”?: FESTA E CELEBRAÇÕES

Vou acender velas para São Jorge/ A ele quero agradecer/ Vou plantar comigo ninguém pode/ Pra que o mal não possa então vencer. (Trecho da música “Pra São Jorge”, compositor: Pecê Ribeiro.

Na manhã do dia dezessete de abril de 2007, li no quadro de avisos da Paróquia de São Jorge a programação da “festa do padroeiro”. Nela havia a informação de que, em dezenove de abril, teria início o tríduo (isto é, três dias consecutivos de celebração) em homenagem a São Jorge, às 19:00h. No dia vinte e dois, de manhã e a tarde, realizar-se-iam missas às 07:00h, 09:00h e 18:00h. Nesse mesmo dia, a partir das 22:00h, ocorreria a “alvorada festiva”, com bingo e seresta no terraço paroquial. No dia vinte e três, às 05:00h, haveria a tradicional Missa da Alvorada; outras missas seriam celebradas ao longo do dia e, às 16:00h, ocorreria a procissão, com retorno previsto para às 18:00h, horário de realização da missa de encerramento, com queima de fogos de artifício ao seu final. Tais atividades são corriqueiras nas festas de santo organizadas por instituições católicas e seus fiéis (ver, por exemplo, as descrições de GALVÃO, 1956; NEVES, 1980; FERNANDES, 1982; BRANDÃO, 1982; MENEZES, 1996; entre outros) e a elas pode-se acrescentar ainda a existência de “feiras” ou “folias” ao redor das igrejas e santuários: um mundo de barracas vendendo comidas, artigos religiosos, decorativos e objetos de todo tipo, sem falar nas apresentações de grupos musicais e toda a sorte de entretenimento que é oferecida aos fiéis. São esses divertimentos que compõem o que se denomina o “aspecto profano” de tais festas; aspecto que não está separado das atividades religiosas (ou “sagradas”), mas sim integradas a elas de modo a compor o todo chamado festa, como já destacaram os autores supracitados. Assim, de acordo com a programação oficial, as homenagens a São Jorge ocorreriam no decorrer de cinco dias. Contudo, conversando com o pároco, ele observou: “Os devotos de

25 São Jorge aparecem mesmo no dia vinte e três. Nos outros dias só têm o pessoal da Paróquia. Então, se o seu estudo é sobre a devoção, você tem que vir, andar pela festa, sentir as pessoas e conversar com elas. Assim, você também vai ter contato com fiéis de outros credos”. Mesmo com a recomendação feita pelo padre, compareci na igreja na noite do dia dezenove de abril e encontrei um pequeno grupo de senhoras entoando ladainhas22. Um pouco decepcionada, pois esperava encontrar um número maior de pessoas, acabei não acompanhando o tríduo até o fim e também não retornei nos dois dias consecutivos. Regressei à igreja apenas no dia vinte e dois para assistir à missa das 09:00h. Nela observei que havia algumas pessoas vestidas com camisetas vermelhas e, após a celebração, uma movimentação grande no devocionário. No entanto, a missa decorreu sem quase nenhuma menção à “festa do padroeiro” – maneira como pároco e paroquianos definem a festa de São Jorge. Somente nos “avisos da comunidade”, ao término da celebração, falou-se das atividades programadas para o dia seguinte. Na noite do dia vinte e dois, comecei a observar uma mudança significativa na Paróquia e redondezas: pessoas circulando pelas ruas já tarde da noite, com vestes vermelha e branca, ou camisetas com a imagem de São Jorge; armações de ferro montadas ao longo da rua Clarimundo de Melo; e trânsito interrompido para ônibus e carros. O clima era completamente distinto do que observei nos dias anteriores e, no decorrer da pesquisa, a consideração feita pelo pároco tornou-se mote das minhas observações: todo dia vinte e três é dia de São Jorge na Paróquia de Quintino.

1.1 A Alvorada Festiva

Por isso mesmo não devemos esquecer/ A grande data dia 23 de Abril/Vamos cantar com alegria e prazer/ Porque São Jorge 22

Posteriormente, algumas dessas senhoras tornaram-se importantes informantes sobre as atividades cotidianas da Paróquia.

26 é o padroeiro do Brasil (trecho de “Padroeiro do Brasil”, compositores: Ary Monteiro e Irany de Oliveira).

Cheguei ao bairro de Quintino Bocaiúva por volta das 22:00h do dia vinte e dois de abril, na companhia de Orlando, antropólogo e devoto de São Jorge. Fomos de ônibus para a festa, pois com o avançado da hora o trem já não funcionava mais. Como o trânsito fora interrompido pela Guarda Municipal, tivemos que caminhar alguns quarteirões até a entrada da Paróquia de São Jorge. No percurso do ponto de ônibus até a Paróquia, observei que o festejo aconteceria também na rua e envolveria diversos atores além do pároco e dos devotos de São Jorge: havia barracas de vendedores ambulantes com comidas e bebidas variadas, artigos votivos, roupas, brinquedos, CDs, DVDs etc. Muitas dessas barracas estavam localizadas em frente ao portão das casas próximas à igreja, sendo que seus quintais serviam como depósito das mercadorias. A presença desse tipo de barracas, nas quais moradores do bairro aproveitam a festa de São Jorge para conseguir um reforço na renda, aponta para uma complexificação das relações entre “casa” e “rua” (DA MATTA, 1995) nesse contexto: com as portas das casas abertas, a calçada – pedaço da rua – era apropriada pelos moradores para o estabelecimento de relações comerciais, enquanto o quintal abrigava as mercadorias a serem comercializadas, num movimento que levava para a casa a lógica da impessoalidade que predomina na rua. Havia também estabelecimentos comerciais abertos, como bares, uma loja de artigos religiosos, a padaria e o mercado local, sendo que cotidianamente muitos deles fecham bem mais cedo. Em um determinado ponto da rua, já bem próximo à Paróquia, carros com potentes alto-falantes tocavam funk e aglomeravam muitos jovens ao seu redor e, em uma das barracas de vendedores ambulantes, ocorria a apresentação de um grupo de pagode. Fora isso, havia guardas municipais, policiais militares e alguns fotógrafos ao longo da via. Aproveitei que a movimentação nas barracas ainda não era muito intensa e apliquei questionários com alguns vendedores que já trabalhavam na festa. Uma senhora, que mora

27 próximo à igreja e vendia cachorro-quente e bebidas em frente ao portão de casa, informou que acha a festa de São Jorge “muito bonita, apesar de não ser da religião” (ela freqüenta a igreja Batista) e aproveita os dias de agitação para “ganhar um trocado”. Já um casal – devoto de São Jorge –, que estava vendendo camisas e imagens do santo, devidamente vestidos com as mesmas, explicou-me que também aproveita o dia da festa para “ganhar um trocado”: Nós somos devotos já tem um tempo, mas meu marido é devoto há mais tempo que eu. Começamos a vender as camisas uns três anos atrás, quando ele ficou desempregado. Desde então, vamos à festa na igreja da rua da Alfândega. Esse ano que resolvemos vir aqui em Quintino, mas amanhã nós vamos para o Centro [do Rio de Janeiro] (...) Não acho ruim vir pra festa ficar vendendo as camisas. Antes a gente nem vinha. Pelo menos, agora, a gente fica aqui, aí uma hora ele dá um pulinho na igreja e na outra eu vou. (Regina, em abril de 2007).

É possível, portanto, conciliar fé e trabalho de muitas maneiras: ser de uma religião que não cultua aos santos, mas trabalhar numa dessas festas e achá-la “muito bonita”; ou seu contrário, ser devoto e aproveitar para obter uma renda extra com a comercialização de artigos com a imagem do santo de devoção. Assim, contra uma perspectiva que vê na comercialização de objetos votivos a corrupção da religiosidade popular, os vendedores ambulantes e devotos de São Jorge informam que os mesmos objetos votivos são também mercadorias e objetos de decoração, dependendo da relação que se estabelece com eles. Uma reflexão arguta sobre esse assunto encontra-se em FERNANDES (1982), que observa que as imagens comercializadas nas igrejas e festas de santo participam de diferentes planos de existência, conjugando a lógica da mercadoria com outros sistemas de valor: E os atores que se ocupam das imagens (padres, pastores, mães-de-santo, leigos etc) precisam dar conta desses vários planos – fazer o “marketing” com eficiência, mas também estabelecer vínculos de lealdade que não têm preço. Ademais, é somente enquanto tais vínculos são estabelecidos, num plano que não se rege pela lógica do cálculo utilitário, que as possibilidades de uso e abuso se apresentam (FERNANDES, 1982:95).

Além disso, ainda que algumas opiniões existentes sobre

as relações entre fé e

diversão pareçam mais taxativas que as enunciadas sobre as relações entre fé e trabalho – haja

28 vista as emitidas por Arnaldo, também devoto de São Jorge e dono de um bar em Quintino, que disse que, apesar de achar a movimentação da festa boa para o seu comércio, não acha certo as pessoas virem para uma festa de igreja para ficar bebendo no bar –, as considerações de FERNANDES ajudam a pensar que para muitos devotos divertir-se e orar são atividades importantes de serem realizadas na festa do santo de devoção, mas cada uma dessas atividades deve ter seu modo e momento apropriado (FERNANDES, 1982:88). A etnografia de CARVALHO (2005) é também um bom exemplo para pensar sobre as interseções entre fé e diversão: pesquisando sobre o bumba-meu-boi do Maranhão, a autora percebeu que “brincar o boi” não é somente uma atividade de diversão. No boi-bumbá, muitas pessoas brincam para cumprir promessas realizadas aos santos de devoção, consistindo num caso paradigmático das possíveis imbricações entre crenças religiosas e brincadeiras populares. Quanto mais nos aproximávamos da igreja, menores eram as interferências musicais e mais escassas se tornavam as barracas e ambulantes que vendiam objetos não-religiosos. Percebia uma gradação no caminho percorrido até o templo, que iniciava em meio a uma confusão de sons, cores e cheiros e findava num trecho da rua em frente à Paróquia, no qual predominavam os barulhos de conversa e, com certo destaque, a voz do locutor do bingo realizado no terraço do prédio paroquial; as cores vermelha, branca – das vestimentas dos devotos e artigos comercializados – e azul – dos toldos das barracas; os cheiros mais perceptíveis eram de cerveja e velas acesas. As impressões dessa gradação se confirmavam na medida em que ingressávamos no pátio da Paróquia; contudo, também não percebi esse espaço como sendo homogêneo. Identifiquei locais distintos a partir das relações que as pessoas estabeleciam com a festa, entre si e com o santo: nas escadarias que dão acesso ao templo, havia um grupo de pessoas sentadas que aguardava a abertura das portas da igreja para garantirem a participação na Missa da Alvorada. Enquanto isso, no terraço do prédio paroquial, muitas pessoas preferiam

29 participar de um bingo e, seqüencialmente, de uma seresta, enquanto a Missa não começava. De volta ao pátio, observei que outras pessoas se dirigiam ao veleiro para fazer preces e acender velas; outras iam ao devocionário para comprar objetos votivos; outras, ainda, iam em direção às barracas que vendiam comidas e bebidas no adro da igreja. E também era possível notar a circulação das pessoas por esses diferentes espaços. Por volta das 23:00h, fui ao terraço do prédio paroquial, local em que o clima de descontração era predominante: o bingo terminara e um senhor comandava a seresta. Havia muita cerveja, comida, música, pessoas dançando e, a não ser a impressão de que a maioria dessas pessoas já se conhecia, considero que o que observei neste espaço não era assim tão distinto do que ocorria nos bares da rua Clarimundo de Melo. Com a música alta e as pessoas entretidas, optei por retornar ao pátio da igreja. Sentei em uma das mesas dispostas no pátio e fiquei um tempo conversando com Orlando, comentando sobre as pessoas que iam ao veleiro, compravam mercadorias nas barracas da igreja, se deslocavam pelo pátio e sobre demais aspectos que nos chamaram atenção na festa. Pouco depois, me dirigi às escadas onde se concentrava um pequeno número de pessoas. Lá, conversei com fiéis e devotos que escolheram passar a noite de festa nas escadas em frente ao templo de São Jorge. Alguns deles disseram que fazem isso para conseguir um lugar privilegiado na Missa da Alvorada, lugar próximo ao santo de devoção; outros, porque prometeram a São Jorge que seriam os primeiros a entrar na igreja no dia da festa. Além disso, informaram que, caso não haja necessidade (isto é, caso não estejam passando por situações de dificuldade em que necessitam pedir a intervenção do santo em suas vidas), esse é o único dia em que comparecem na Paróquia. Muitos deles também enfatizaram a dificuldade que é cumprir a tarefa de passar a noite em vigília, aguardando a realização da Missa da Alvorada, e ressaltaram que, nos anos anteriores, havia empurra-empurra no momento da abertura do templo. No entanto, o

30 sacrifício que fazem não é em vão, pois consideram que a participação na Missa da Alvorada consiste em uma oportunidade sem igual para realizarem seus pedidos: momento em que tudo o que se solicita ao santo é obtido. Ouvi outras recomendações e histórias na escadaria da igreja (sobre as quais irei refletir no terceiro capítulo), mas o que acho interessante ressaltar no momento é a consciência, adquirida em tais conversas, de que aquelas pessoas tinham como maior objetivo garantir sua participação na Missa da Alvorada, não trabalhar ou se divertir na festa de São Jorge. Obviamente, esse objetivo não excluía a possibilidade de se divertirem enquanto aguardavam a realização da cerimônia, mas o local em que deveriam fazer isso era em frente ao templo, não na rua ou no terraço do prédio paroquial como os demais faziam, nem bebendo cerveja, jogando e dançando.



A espera dentro do templo Embora houvesse ainda duas horas para a realização da Missa da Alvorada, às 03:00h,

as portas da igreja foram abertas. Nesse momento, entraram no templo muitas pessoas além daquelas que se encontravam na escadaria: homens e mulheres alcoolizados, pessoas com bebês no colo, crianças, jovens, senhoras e senhores, muitos deles preferiram adentrar o recinto que permanecer do lado de fora e correr o risco de não encontrar um lugar para assistir à celebração. Assim, minutos após a abertura das portas, o templo já estava lotado, restando somente lugares em pé para acompanhar a cerimônia. Durante o período de espera para o início da Missa da Alvorada, algumas paroquianas, munidas com microfones, entoavam ladainhas e estimulavam a participação de todos os presentes. Muitos respondiam ao apelo, muitos dormiam e outros conversavam sem parecer se incomodar com o que se passava ao redor. Com o passar do tempo, o número de pessoas aumentava e os ventiladores já não arejavam apropriadamente o recinto; em somatório com a

31 ladainha das senhoras, a sensação que tinha era a de que o clima de festa e divertimento ficara para trás. Lembro-me, então, das considerações de TURNER sobre as passagens rituais: ainda que não fizéssemos a mesma coisa, estávamos todos na expectativa da realização da Missa, experienciando um momento de indeterminação, no qual se dá o apaziguamento dos ânimos e o destaque passa a ser dos “valores axiomáticos, expressivos do bem-estar comum” (TURNER, 2005:146). Desse modo, a exaltação característica da festa era processualmente abandonada, dando lugar a um clima propício para o início da cerimônia religiosa. Imersa nesse contexto, puxei conversa com um senhor que estava sentado ao meu lado, a fim de evitar cair no sono como meu companheiro e outros que estavam dentro do templo. Pedi licença, apresentei-me como pesquisadora e perguntei se ele aceitava responder ao meu questionário. Em nossa conversa, José explicou que aquela era a segunda vez que participava da Missa da Alvorada na Paróquia: nos anos anteriores, participou das comemorações da igreja da Praça da República, mas, como mudou-se há pouco tempo para Jacarepaguá, o deslocamento até Quintino tornava-se mais prático. Entendendo que minha pesquisa era para elaboração de uma dissertação em Antropologia Social, José enfatizou que a ligação dele com São Jorge era pelo Candomblé: “foi uma mãe de santo que disse que eu era filho de Ogum e me deu essa guia”. A guia de José era de contas verdes e em seu pescoço havia também um cordão com uma medalha de São Jorge, que ele comprou quando o filho nasceu: “Essa aqui tenho desde que meu filho nasceu. Comprei uma para mim e outra para ele”. O filho tem dezessete anos, foi batizado na igreja de São Jorge da Praça da República, mas não vai às festas do santo. José não se importa com isso, pois diz que está lá para pedir por ele e por toda família. José contou um episódio em que foi poupado de ser vítima de um assalto, porque mostrou a medalha de São Jorge que tinha no pescoço: “a ciência pode dizer que fiz com que

32 ele [o ladrão] se confundisse, não prestasse atenção em mim, sei lá... Mas eu sei que foi ele [São Jorge] quem me ajudou. Acho que o bandido olhou para a medalha e reconheceu. Ficou com medo, porque São Jorge é poderoso”.



Quando Ogum pede passagem* A umbanda de Oxalá/ Tem mandinga, tem obá/ São Jorge, Ogum Jerê/ É Guerreiro de Oxalá. (Trecho de “Guerreiro de Oxalá”. Compositor: Carlos Imperial).

Pouco antes das 05:00h, nossa conversa foi interrompida: em alguns pontos do bairro lançaram fogos de artifício e o barulho dos estouros causou alvoroço dentro do templo. Nesse momento, um homem levantou-se e, a partir de seus gestuais e grito, foi possível perceber que havia incorporado uma entidade das religiões afro-brasileiras. As reações ao ocorrido foram diversas: alguns dos que dormiam, dentre eles meu amigo, acordaram; as paroquianas olharam e mantiveram a ladainha, como se nada houvesse acontecido; outros, reconheceram o que se passou, sendo que José comentou: “Tem gente que não sabe se controlar”. Os que o acompanhavam acudiram-no, acredito que na tentativa de conter a manifestação. Posteriormente, refletindo sobre o episódio, considerei ser esse um momento chave para se entender a dinâmica das relações sociais da festa de São Jorge, pois em um só tempo condensou-se uma série de atitudes observadas no decorrer da comemoração. Há aí o instante em que identidades sociais são assumidas, papéis são desempenhados e filiações são cobradas. Em suma, dramatizou-se o social. A defrontação com o inesperado da possessão dentro da igreja teve repercussões distintas, mas que podem ser analisadas a partir da perspectiva sugerida por TURNER (1957). Quando estamos diante do outro, três coisas podem acontecer: ou trocamos algo com ele, ou

*

Antes mesmo de iniciar a pesquisa na Paróquia, soube (lendo sobre o assunto e conversando com amigos) que, na cidade do Rio de Janeiro, São Jorge é associado a Ogum, entidade do panteão das religiões afro-brasileiras. Todavia, em outras cidades, como em Salvador, ele é associado a Oxóssi, uma outra entidade desse panteão.

33 evitamos tê-lo como parceiro, ou entramos em conflito. Na troca reforçamos o contato; na evitação procuramos neutralizá-lo; no conflito recusamos qualquer possibilidade de troca. No caso analisado, explicitaram-se as identidades “católicos” e “macumbeiros”. O mecanismo da evitação – por parte dos católicos que agiram como se nada tivesse acontecido – sobressaiu dentre os demais, na busca de neutralizar o ocorrido. Os macumbeiros também optaram pela evitação, ressaltando a falta de etiqueta do devoto. Após este episódio, encerrou-se a ladainha. Uma das paroquianas solicitou que rezássemos a oração de São Jorge e que, no momento apropriado, cada um fizesse seu “pedido especial” para o santo interceder a favor: a senhora declamava um trecho e pedia que a platéia repetisse em seguida. Antes de iniciar a oração, porém, José recomendou: “Quando falarem para fazer o pedido, você pede pela sua tese, pelo seu trabalho. Você vai ver só, São Jorge é poderoso”. Bondoso São Jorge, do céu olhai por nós, porque lutamos nesse vale de lágrimas. Fazei que, a vosso exemplo, mantenhamos a fé em Jesus Cristo, e que alcancemos a graça que tão fervorosamente suplicamos (momento para fazer a súplica). Por Jesus Cristo, nosso senhor. Amém.



A Missa da Alvorada “Nenhum santo é fonte de graça, só Deus” (Pároco de Quintino Bocaiúva, em 23/04/2007)

Pontualmente às 5:00h, foi possível escutar uma nova queima de fogos que durou pouco mais de dez minutos. Nesse momento, um jovem surgiu no altar do templo e executou o “toque da alvorada” utilizando, para tanto, um clarim 23; ao seu término, muitas palmas e gritos de “Viva!” e “Salve São Jorge!” foram dados.

23

Recomendo a leitura da descrição de MEDEIROS (1995:236) e de PITREZ (2007:107;120) sobre esse momento na festa de São Jorge realizada na Praça da República. Comparando suas descrições, observo que pode haver um acordo entre a banda do batalhão da Cavalaria da Polícia Militar, a do Corpo de Bombeiros e a do Corpo de Fuzileiros Navais (instituições que têm São Jorge como patrono) para que cada uma tenha a oportunidade de realizar o toque da alvorada.

34 Destaca-se a riqueza simbólica deste evento ao atentar-se para o fato de que o “toque da alvorada” é dado diariamente nos quartéis, ao amanhecer, marcando o começo das atividades militares. Considerando que São Jorge é, no estado do Rio de Janeiro, patrono de algumas dessas instituições, observo que o toque de clarim na Missa da Alvorada adquire um status singular, vinculando o santo a essa sua característica de padroeiro dos militares. A Missa teve início com o “canto de entrada” cujo cântico entoado foi um Hino de São Jorge que analiso no capítulo seguinte. Padre Marcelino realizou a cerimônia de acordo com a estrutura básica das missas do catolicismo, composta por “ritos iniciais”, “liturgia da palavra”, “liturgia sacramental” e “ritos finais”, sendo que a passagem entre as partes é marcada por “orações”. A única diferença foi que, como era uma celebração em homenagem a São Jorge, na parte dos “ritos iniciais”, o “canto de entrada” foi o “Hino a São Jorge” da Paróquia; na ocasião da “liturgia da palavra”, a “homilia” (o momento destinado ao sermão do celebrante) versou, entre outros assuntos, sobre os atributos do santo, sendo que esse discurso é recorrente nas missas mensais em seu louvor. Nessa missa em particular, o padre explicou: Quando nos tornamos discípulos de Jesus é que compreendemos a força inesgotável que vem do testemunho desse mártir. A proteção que temos de São Jorge não é, seguramente, para a preservação do nosso egoísmo, comodismo. A proteção que pedimos a nossa vida, saúde, integridade, está em vista da proteção que devemos dar ao outro. É ousadia usar do poder divino para a satisfação pessoal. Isso é tentar a Deus. (Homilia da Missa da Alvorada de São Jorge, 23/04/2007).

Ou seja, padre Marcelino considerou que a “força inesgotável” de São Jorge provém do martírio e que a obtenção da proteção do santo não deve visar o benefício próprio. Assim, é possível observar que em tais celebrações são esboçadas tentativas de ensinar aos fiéis um modo adequado de cultuar aos santos. Fica explícito, portanto, que existe o objetivo de reforçar uma hierarquia na qual uns se sentem a vontade para ensinar e outros (deveriam) aprender.

35 Já no momento dos “ritos finais”, o padre solicitou que os presentes levantassem seus objetos pessoais para que fossem abençoados: muitas imagens de São Jorge, “fitinhas”, “santinhos”, terços, chaves, fotos, medalhas e até mesmo a guia de José, entre outros objetos, foram levantados. Padre Marcelino, nesse caso, parecia se esforçar para harmonizar duas tendências: uma orientada para o ensinamento de uma devoção que considera mais acertada; outra atrelada às práticas e gostos dos devotos, que o levou a reservar uma parte da missa para a bênção de objetos e aspersão de água-benta24. Por sua vez, os fiéis escutavam atentamente aos sermões e orientações do padre, porém permaneciam deixando seus pedidos junto à imagem do santo, fazendo saudações em frente a ela e levantando seus objetos no momento da bênção. Ou seja, eles não alteravam suas práticas por causa do discurso que escutavam na igreja e, ainda, manifestavam que as opiniões e atos do pároco, apesar de respeitadas, não necessariamente transformavam o modo como eles se relacionam com São Jorge ou com a “Santa Igreja”. Houve ainda dois episódios interessantes na Missa da Alvorada: ao menos duas vezes, no momento em que se iniciou e ao seu término, o celebrante se sentiu forçado a explicar aos devotos que a “saudação oficial” para São Jorge é “Viva São Jorge!” e não “Salve São Jorge!”. Isso ocorreu porque, como disse acima, assim que os fogos de artifício estouraram, ouviram-se os dois tipos de saudação. O padre disse explicou qual era a mais apropriada e deu prosseguimento à cerimônia. Pouco antes do final da missa, no momento dos avisos finais em que um dos paroquianos lia as atividades programadas para o dia de festa, alguém gritou novamente “Salve Jorge!” e outros fiéis responderam com palmas e gritos de “Salve!” e “Viva!”. O pároco levantou-se e explicou com maior ênfase que há uma saudação oficial para o santo que é “Viva São Jorge!”. 24

A reflexão de MENEZES (2005) sobre as bênçãos de Santo Antônio no Convento do Largo da Carioca é um exemplo interessante para pensar sobre as muitas performances e as diferentes orientações dos agentes eclesiais em momentos de celebração como esses.

36 Considero que, nesse momento, mais uma vez as identidades “católico” e “povo-desanto” foram assumidas. Apesar do uso da saudação “salve” não ser exclusiva das tradições religiosas afro-brasileiras (haja vista existir a oração católica “Salve rainha”), o modo como o pároco enfatizou a distinção entre “Viva!” e “Salve!” deixou claro a existência de formas distintas de saudação a São Jorge, sendo que uma é “oficial” e outra não. A reincidência da saudação “salve” após essa explicação pode ser vista como um sinal de afronta à autoridade do padre e/ou ao exclusivismo da saudação “viva” (a forma católica de saudação). E a nova ênfase na distinção entre ambas as saudações aponta para a recusa da troca e aponta para a possibilidade do conflito (TURNER, 1957). O padre, portanto, investido no papel social de autoridade religiosa do catolicismo, apontou para recusa do diálogo com as tradições religiosas afro-brasileiras. Foi desse modo que a Missa da Alvorada se encerrou: pouco antes do “canto final”, padre Marcelino convidou “seu” Antônio, um paroquiano muito devoto do santo, para fazer a saudação a São Jorge. “Seu” Antônio gritou com muita força: “E viva São Jorge!” e todos respondemos: “Viva!”. Repetimos a saudação umas três vezes até ele concluir: “E viva São Jorge! O maior santo do mundo!”. Em seguida, o padre concedeu a bênção final e, enquanto entoavam o “canto final”, muitas pessoas se esforçaram para chegar à frente da imagem de São Jorge, outras tentaram obter uma bênção “particular” do pároco, e outras, ainda, se espremeram na porta de saída do templo. Do lado de fora, no portão de entrada, uma multidão empurrava os que estavam no interior da igreja a fim de entrar e conseguir um lugar para assistir a missa das 07:00h. No limite da exaustão, decidi que esse era o momento ideal para me despedir da festa de São Jorge – decisão difícil de ser tomada, é importante ressaltar, mas que foi veementemente encorajada pelo bom senso de meu amigo. Quando nos dirigíamos para a rampa que dá acesso à rua Clarimundo de Melo, José – de quem havia me desencontrado na

37 confusão da saída do templo – me chamou e entregou uma folha de caderno toda dobrada: era o pedido que ele deixaria para São Jorge. Nele está escrito: Ogum, meu Pai – Peço sua proteção para o outro seu filho que deixarei no mundo, que desde já se sabe filho de São Jorge. Livra-o da bala perdida, das ciladas e das más companhias. (...) Para mim, proteja-me dos meus inimigos, da inveja e conceda-me vitória nos meus empreendimentos. (...) É só meu adorado Pai, guerreiro que nunca me abandonou. Ogum, Santo Guerreiro – sua benção.

São Jorge-Ogum, “guerreiro” que protege contra os inimigos de toda a sorte, que protege da inveja e que concede a vitória aos seus “filhos”, para ele era o pedido de José que veio parar em minhas mãos. Sem jeito, agradeci a gentileza do devoto e, me sentindo agraciada, despedi-me dele, da festa e de São Jorge.



Sobre velas e cervejas* Os momentos de maior tensão que vivenciei na festa de São Jorge foram aqueles em

que dediquei à observação das pessoas que se dirigiam ao veleiro da igreja: diversas vezes achei que presenciaria um acidente terrível, pois o acúmulo de caixas de fósforo, caixas com velas, fotos e outros objetos de papel e cera, num local em que há inúmeras velas acesas e queimando, tornava o veleiro um dos lugares mais perigosos do festejo. Demarcado com grades de ferro, esse pequeno espaço está localizado ao lado da rampa que dá acesso ao pátio da Paróquia. Dentro dele existem quatro estruturas onde os fiéis depositam suas velas: grandes tonéis partidos ao meio e suspensos horizontalmente por barras de ferro. Nesses tonéis há água e uma grade de ferro que serve como suporte para colocar as velas. No dia da festa, havia, ainda, um tonel de água em que, vez ou outra, um dos paroquianos enchia um balde e usava o conteúdo para apagar as velas acesas no chão do veleiro, deixadas próximas à rampa. Estas eram colocadas por devotos que não queriam ficar *

Agradeço à professora Maria Laura Cavalcanti que indicou a leitura do artigo de GONÇALVES (1996) e apontou o quão interessante seria desenvolver uma reflexão mais sistematizada sobre os objetos rituais da festa de São Jorge. Agradeço também a Luciana Carvalho que, ao ler uma primeira versão deste capítulo, sugeriu o mesmo.

38 enfileirados aguardando a sua vez de entrarem no local, já que o acesso era controlado para evitar acidentes. Mesmo com esses cuidados, achava incrível como as pessoas se dispunham a entrar naquela pequena caixa explosiva. Mais incrível era ver que levavam consigo crianças. Como disse meu amigo: “só sendo mesmo muito devoto...”. Todavia, não considero que os que lá entravam estavam cegos ao perigo que corriam. Pelo contrário, acredito que, assim como eu, eles calculavam o risco, mas confiavam que tudo daria certo. E deu. As velas foram, portanto, os objetos que mais chamaram minha atenção no pátio da Paróquia. Objetos de uso cotidiano que, com o advento da luz elétrica, foram postos em segundo plano, usados apenas em momentos especiais: como artigos decorativos, como oferendas ou, cada vez mais raramente, como iluminadores de recintos na falta de energia elétrica. Além do perigoso veleiro, outro aspecto que chamou minha atenção foi a grande quantidade de pessoas embriagadas que circularam não só pelas ruas de Quintino, mas pelo terraço do prédio paroquial e pelas escadarias em frente ao templo. Havia também os bêbados que estavam dentro da igreja na hora de realização da Missa. Ver que muitas pessoas se excedem na bebida ou na comida não é novidade para aqueles que já se dedicaram a pesquisar (ou simplesmente participaram de) festas de santo. Entretanto, cabe indicar, no caso, que, durante a realização da pesquisa, fui informada de que a cerveja é oferenda para São Jorge: ... a cerveja é de São Jorge. Você não vai dar cerveja para Nossa Senhora, está entendendo? Nossa Senhora ganha flores, ganha presente, São Jorge ganha cerveja. Você até pode dar flor para São Jorge, mas não dá cerveja para Nossa Senhora. (José, 23/04/2007).

Assim que consegui comprar meu apartamento, fui com meu marido e dei um banho de cerveja no apartamento todo. Fiz para agradecer a São Jorge. (Cláudia, no mês de fevereiro de 2007).

39 Bebida alcoólica que serve como elemento de sociabilidade em muitas ocasiões, a cerveja, no período de comemoração a São Jorge, tem seu aspecto polivalente realçado: oferenda, objeto ritual ou componente de sociabilidade? Tudo depende das relações nas quais está imbricada, “... mas estas probabilidades permanecem sempre limitadas pela história particular de cada peça e pelo que nela subsiste de predeterminado, devido ao uso original, para o qual ela foi concebida, ou pelas adaptações que sofreu, em vista de outros empregos” (LÉVI-STRAUSS, 1976:40). Assim, na festa de São Jorge, a cerveja é um dos objetos que conecta as muitas formas de se relacionar com o santo e, mais especificamente, ela pode ter relação com uma forma específica de sua manifestação: Ogum. Forma reconhecida por muitos devotos e por estudiosos da devoção a este santo. BARTHOLO, por exemplo, observa que São Jorge é um santo de fraca presença paroquial, mas de muita presença nos cultos afro-brasileiros: “encontramos assim Santo Antônio, o orago mais freqüente nas Paróquias, santo de intensa devoção popular, “sincretizado” com Ogum. De outro lado temos São Jorge, titular apenas de 15 Paróquias em todo Brasil, mas santo de intensa devoção extra-paroquial, “sincretizado” também com o mesmo Ogum.” (1991:93). MEDEIROS também desenvolve uma reflexão interessante sobre as relações possíveis de serem estabelecidas entre os arquétipos de São Jorge/Ogum e São Sebastião/Oxóssi, observando que “Do ponto de vista das relações do nível do mundo da rua, Ogum impõe seu espaço, seu “reinado”, às vezes invadindo o espaço dos grupos que têm pontos de semelhança com Oxóssi” (1994:58). Já BROWN (1986:223-224) e SERRA (1995:243-249) observam que, na década de 60 do século XX, a Igreja Católica determinou que fossem retiradas do ofício religioso referências sobre a vida de diversos santos da Antiguidade – entre eles, São Jorge e Santa Bárbara –, pois não havia provas contundentes sobre os feitos dos mesmos.

40 Contudo, as celebrações a eles continuaram a ser realizadas nos locais em que são cultuados tradicionalmente. Os dois autores observam que as repercussões desse episódio no contexto brasileiro foram diversas: devotos manifestaram-se publicamente contra a decisão da Igreja e, particularmente na cidade do Rio de Janeiro, padres se desfizeram dessas imagens, muitas delas indo parar em centros de umbanda. São Jorge-Ogum ou apenas São Jorge: estas foram as manifestações do santo que pude observar no contexto festivo de Quintino Bocaiúva. Outras podem existir (como já observaram os autores supracitados), porém o interessante é observar quais as implicações dessas transformações para o estabelecimento de vínculos com o santo, como o pagamento de promessas e a realização de atividades rituais. No caso, este estudo se concentrou na análise de um tempo/espaço de articulação social (o momento ritual), permitindo que fosse possível visualizar como se dá o jogo de tensão, evitação e complementaridade entre formas católicas e “macumbeiras25” de celebrar ao santo. Há que se considerar, contudo, que o espaço analisado pertence à instituição católica; desse modo, existem movimentos no sentido de ensinar quais as formas mais adequadas de se relacionar com São Jorge nesse local. Mas não são apenas católicos e povo-de-santo que estão em relação na festa de São Jorge. Em conversas posteriores, o pároco e paroquianos destacaram que a “festa do padroeiro” consiste num dia em que a Paróquia adquire visibilidade, atraindo grande número de fiéis católicos que não freqüentam a igreja assiduamente. A presença desses devotos conjugada com a presença da mídia é vista como um fator de prestígio e valorização da festa que organizam. No entanto, os paroquianos tendem a ressaltar mais o aspecto negativo da afluência dessas pessoas “estranhas à localidade”: são elas que vagam embriagadas pelas ruas do bairro, que colocam músicas consideradas 25

Vale assinalar que este é um termo ambíguo, que tanto pode ser utilizado pelo povo-de-santo para se referir às suas práticas e ao seu pertencimento religioso, quanto pode ser utilizado por outros grupos como categoria de acusação.

41 impróprias para o evento e que tornam a festa “inadequada para as famílias”. Pode-se perceber também que há nesses comentários um certo tom nostálgico, que se explicita quando eles fazem comparações entre as “festas do padroeiro antigamente” e as “festas hoje em dia”: Eu vou te dizer uma coisa, eu acho que antigamente as festas eram melhores. Porque... havia leilão, as famílias vinham e eu fazia um leilão aqui [na Paróquia]. Leiloava tudo: tinha porco, cabrito, galinha, garrafão de vinho... Era tudo doação das famílias do bairro, porque, na época, aqui tinha muitas chácaras e as pessoas tinham suas criações. Então, elas faziam as doações e no dia da festa era aquela disputa, aquela brincadeira, entende? (...) Era um clima muito familiar. Eu gostava mais, porque eu sentia que era a minha casa. Hoje em dia não, hoje em dia a gente tem menos trabalho para organizar, está tudo pronto. Em compensação, não tem mais aquela alegria de antigamente, das famílias se encontrando, confraternizando... (“Seu” Antônio, em julho de 2007).

Diante desse quadro, os paroquianos resolveram adotar medidas para melhor organizar a “festa do padroeiro” no ano de 2007: houve interesse em aumentar a abrangência de suas ações para além do espaço delimitado pelo terreno paroquial. A solução que encontraram foi pedir maior auxílio aos órgãos municipais e estaduais, como Guarda Municipal, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Rio luz. Eles contaram também com o apoio de dois vereadores com base eleitoral na localidade para obterem barracas que serviram para moradores e pastorais da igreja comercializarem seus produtos. Além disso, um dos vereadores disponibilizou a ambulância e enfermeiros do seu centro social para atender a multidão. Comentou-se ainda que a ajuda financeira de alguns empresários (donos de supermercados, transportadoras, empresas de ônibus, entre outros) que são devotos de São Jorge foi essencial, pois foram eles que doaram comidas e bebidas vendidas nas barracas da Paróquia. Igualmente importante foi o auxílio de devotos que doaram dinheiro ou se mobilizaram para pintar o adro da igreja no período próximo ao festejo. No entanto, para a preparação da comemoração, os paroquianos não contam apenas com ao apoio dos políticos e agentes públicos, do lado de fora, e dos empresários e devotos

42 financiadores, do lado de dentro: destaca-se também o “trabalho voluntário” dos próprios paroquianos, que ajudam nas barracas e no desenrolar das atividades. Nesse sentido, observei que foram as mulheres, muito mais que os homens, que deram destaque a essa contribuição, afirmando, inclusive, que esse tipo de trabalho é um diferencial em relação à “fé” que possuem. Para elas, a dedicação dos paroquianos, expressa na realização do “trabalho voluntário”, é o que os diferencia dos freqüentadores “só de festa”. Ao longo da pesquisa, as diferentes relações estabelecidas entre os que participam das atividades cotidianas da Paróquia e aqueles presentes somente na celebração de São Jorge foram traduzidas por meio da oposição “dentro x fora” da igreja. Tal oposição foi usada para se referir às relações travadas com (i) agentes seculares chamados para ajudar a organizar a festa; (ii) pessoas estranhas ao bairro que lá comparecem para trabalhar e se divertir. Para além da oposição entre os espaços de dentro e de fora, havia ainda a distinção entre os espaços do prédio paroquial e do pátio, mais precisamente entre o terraço do prédio e a escadaria em frente ao templo. No primeiro e nas barracas localizadas no pátio, estavam as pessoas que fazem parte da rotina da Paróquia, que trabalham nas suas pastorais e nos movimentos; já no outro, encontravam-se aquelas que “procuram a igreja apenas quando estão precisando” ou que comparecem somente no dia de comemoração. Para os paroquianos, portanto, os espaços da festa de São Jorge são plenos de significados: constituem-se enquanto esferas classificáveis e hierarquizáveis por meio de: .. uma série de escalas de valores internas a uma religião (ou entre religiões...), operadas pelos agentes, que distinguem formas mais eruditas e mais populares de manifestação, ou que consideram certas práticas como mais ou menos legítimas, ou que tratam determinadas interpretações como mais ou menos adequadas, ou pessoas como “mais religiosas” ou “mais sábias”, ou com maiores conhecimentos do que outras. (...), configurando um campo de tensões entre seus membros ou fiéis (...). (MENEZES, 2003:1).

Desse modo, a “festa do padroeiro” consiste num momento de intensa articulação entre os paroquianos de Quintino Bocaiúva, os devotos de São Jorge e demais agentes leigos

43 que contribuem para a realização da mesma; momento em que ficam explícitas as relações de interdependência entre esses atores e que também são demarcadas diferenças entre eles.

1.2 As missas mensais em louvor a São Jorge

Conforme informei na Introdução deste estudo, na Paróquia de Quintino Bocaiúva, São Jorge não é homenageado apenas em vinte e três de abril. Há alguns anos, todos os meses, no dia vinte e três, são realizadas missas em seu louvor, no horário das 19:00h, sendo que, pelo que pude observar com as lotações dos bancos, elas costumam congregar umas seiscentas pessoas ou mais. Diferentemente do que ocorre no dia da festa, observei que tais celebrações concentram-se no interior do templo de São Jorge e não dependem da ajuda de políticos e de órgãos administrativos da cidade para sua realização. São os próprios paroquianos – especificamente os que fazem parte da “Associação Amigos de São Jorge” – que se responsabilizam pela organização das mesmas. Além disso, não há o clima de efervescência característico da festa: a rua Clarimundo de Melo permanece com a movimentação costumeira – com ônibus e automóveis transitando e, por conta do horário, com muitos dos estabelecimentos comerciais fechados (salvo os bares) – e a Paróquia também. Os pequenos indícios de mudança em relação ao cotidiano são a grande quantidade de carros estacionados nas calçadas próximas e no pátio da Paróquia – muitos deles possuindo adesivo com a imagem de São Jorge –, a presença de uma patrulha de policiais militares no local e o aumento da circulação de pessoas no devocionário, na lanchonete e no templo. O perfil do público que comparece a essas missas, segundo o pároco, se assemelha, em parte, ao perfil dos visitantes de festa, pois a maioria deles não participa das atividades

44 cotidianas da Paróquia, aparecendo exclusivamente nos dias de celebração a São Jorge. Entretanto, tais pessoas se distinguem dos “freqüentadores só de festa” por freqüentarem com assiduidade as missas mensais: Nas missas do dia vinte e três a igreja fica cheia, vem gente da cidade toda, principalmente de Jacarepaguá, Méier e Vicente de Carvalho [bairros da Zona Oeste e da Zona Norte do Rio de Janeiro]. O perfil desses devotos não é o mesmo dos que freqüentam as missas de domingo, não é a população do bairro... Mas observo que são sempre os mesmos rostos, dá para observar um padrão nas pessoas que comparecem somente no dia vinte e três. (Pároco de Quintino Bocaiúva, em 23 de maio de 2007).

Além de não possuírem vínculos com a Paróquia, os “devotos” não são moradores do bairro. Todavia, como aparecem recorrentemente no local, acabam se tornando mais familiares, seus rostos passam a ser conhecidos. Dessa forma, pode-se considerar que o público de tais missas não se assemelha ao público da festa, pois eles não são “freqüentadores só de festa” tampouco “pessoas estranhas à localidade”. Ao longo de 2007, observei que, efetivamente, existem pessoas que comparecem com regularidade nessas celebrações. Observei ainda certos padrões que norteiam o modo como participam das missas: seja pelo uso de roupas específicas, seja por meio da escolha de locais para se acompanhar a cerimônia, seja pela realização de certas tarefas rituais, esses fiéis indicam que não compõem um grupo homogêneo, como elucido a seguir.



Atividades Assim como as missas do dia vinte e três de abril, as missas mensais iniciam com a

realização da “oração a São Jorge”. Em seguida, os participantes entoam o “Hino de Louvor” ao santo, sendo que, diferentemente do que ocorre nas celebrações festivas, nesse momento, adentra pela porta principal do recinto um pequeno cortejo. À frente, encontra-se um homem que conduz um crucifixo; logo após, um outro carrega a bandeira branca e vermelha que possui uma imagem de São Jorge e a inscrição

45 “Associação dos Amigos de São Jorge – Igreja Matriz”. Poucos atrás, seguem homens e mulheres cantando o Hino. O crucifixo e a bandeira são depositados no altar, ao lado da imagem de São Jorge, enquanto os demais se retiram pela lateral direita e sentam nos locais que deixaram previamente reservados: os cinco primeiros bancos em frente à imagem do padroeiro. Ao mesmo tempo em que ocorre esse cortejo, o pároco e seu séquito se posicionam no altar, entrando pela porta da sacristia. São os membros da “Associação dos Amigos de São Jorge” que integram a pequena procissão até o altar da igreja; são eles também que realizam as “leituras”, conduzem os objetos rituais no momento da “comunhão” e lêem os “avisos finais” no decorrer da missa. A proeminência dos homens na realização de tais tarefas pode ser considerada usual: em muitas outras festas de santos há interdições à participação das mulheres na execução de certos afazeres rituais, cabendo aos homens sua realização (como, por exemplo, o levantamento do mastro realizadas na festa de Santo Amaro – ver NEVES, 1980 – e na festa do Divino no Maranhão – ver FERRETI, 2005). Todavia, no caso das celebrações a São Jorge, é interessante lembrar a interpretação sugerida por MEDEIROS (1995), que observou a existência de um “ethos masculino” no culto a este santo: Quando lhe observamos – e aos demais amigos à mesa – que S. Jorge nos parecia ser um Santo predominantemente dos homens, muito aceito pelo sexo masculino, no Rio, ele, Paulo Ribeiro e até uma senhora convidada confirmaram. Acrescentaram que o motivo disto é por S. Jorge ser soldado, guerreiro, lutador, vencedor da batalha contra o dragão. Seu porte é bem varonil, contribuindo para isso o cavalo, a farda, a lança... Paulo acrescentou: “São Jorge é másculo, porque S. Jorge monta, é apresentado montando”. Evidentemente, significava com isto o sentido sexual masculino que a expressão carrega. (MEDEIROS, 1995:259).

Ou seja, a percepção de São Jorge como um personagem que pertence a um universo masculino parece ser bastante difundida26. No entanto, esse “ethos masculino”, apesar de 26

A título de exemplo, cito um quadro do programa de humor “Tv Pirata”, transmitido pela televisão na década de 80. O “TV Macho: Um programa feito para você que é macho de verdade” consistia num quadro de entrevistas com personagens singulares que exaltavam os atributos do “homem que é homem”. Compondo o cenário, havia uma mesinha (semelhante as encontradas em botecos), duas cadeiras e, em cima da mesa, dentre muitos objetos (como uma garrafa de cerveja e copos), havia uma imagem de São Jorge. Refletindo sobre o assunto, desenvolvi o trabalho de fim de curso “Santo guerreiro: a devoção a São Jorge no Rio de Janeiro”, ainda

46 vislumbrado em alguns momentos, não se institui como preponderante nas celebrações de Quintino Bocaiúva. Pelo que pude depreender, o que se exalta nessas missas é uma interpretação do mundo como palco de lutas entre forças do Bem e do Mal, como elucidarei no capítulo seguinte. Após o “canto de entrada”, dá-se prosseguimento às atividades do “rito inicial”, da “liturgia da palavra” – em que há, inclusive, a disposição do pároco em enfatizar as características de exemplaridade27 da vida de São Jorge – e da “liturgia sacramental”, tudo semelhante ao que ocorre nas celebrações festivas. Contudo, nos “ritos finais”, ocorrem duas atividades distintas. A primeira delas é a apresentação de Jorge Ben Jor, cantor brasileiro de fama internacional. Devoto de São Jorge, o músico possui algumas composições que exaltam as virtudes e feitos do santo. Além disso, ele é membro da “Associação dos Amigos de São Jorge” e da “Irmandade de São Jorge” da Igreja dos Veneráveis Mártires São Gonçalo Garcia e São Jorge. O cantor participa das missas mensais na Paróquia há dois anos. Nelas, após a leitura dos avisos finais, o padre o convida para, diante do altar, cantar “Jorge da Capadócia”, uma oração de São Jorge que o cantor musicou (e analiso no capítulo seguinte). Enquanto Jorge Ben Jor canta com grande fervor, a assistência, comovida e maravilhada com a exibição, acompanha com palmas e cantando. Cria-se, portanto, um curioso ambiente onde o santo é exaltado apaixonadamente por seus fiéis e o músico é admirado por sua fé e seu talento.

na graduação. Na época, considerei que o arquétipo de São Jorge reunia qualidades do “renunciador” (DA MATTA, 1990) e de um “ideal masculino de hipervirilidade” (BADINTER, 1993), havendo proeminência deste último sobre o primeiro. Desse modo, observei que São Jorge era um personagem agregador de características exaltadas por diversos grupos sociais, especificamente pelos homens, daí sua grande popularidade. Aproveito para agradecer às professoras Mirian Goldenberg, Bila Sorj e Aparecida Moraes, do NESEG-IFCS/UFRJ, as sugestões feitas ao trabalho. 27 De acordo com DELLOZ (1985), VAUCHEZ (1987) e MENEZES (2004:188-190), uma das características dos santos para a Igreja Católica é a exemplaridade de suas vidas, ou seja, que eles são modelos de existência para os demais seres humanos. As outras características são a capacidade de mediarem as relações entre Deus e os homens e o dom da taumaturgia, isto é, da realização de milagres.

47 Logo após a apresentação de Jorge Ben Jor, “seu” Antônio – o mesmo paroquiano que na Missa da Alvorada foi convidado pelo pároco para realizar a saudação do santo padroeiro – é chamado para frente do altar. Ele grita “E Viva São Jorge!” e os fiéis respondem “Viva!” e batem palmas. Em seguida, o padre concede a bênção final e os fiéis iniciam a movimentação para deixar o templo, ou para fazer orações perto da imagem de São Jorge, ou ainda para tirar fotos do santo de devoção, ou obter uma bênção particular do padre. Nesse momento, nas portas de acesso, alguns paroquianos se posicionam para distribuírem pães aos que saem. Tais pães foram ofertados pela primeira vez em vinte e três de junho de 2007, por causa de uma promessa feita por Jorge Ben Jor. Segundo o cantor, a promessa que fez foi para Santo Antônio, seu segundo santo de devoção. Nos meses seguintes, ele permaneceu levando os pães que são oferecidos ao fim das missas de São Jorge, entretanto, as explicações sobre a origem da atividade deixaram de ser fornecidas pelo pároco. Em lugar delas, padre Marcelino passou a instruir os fiéis, aconselhando-os a pegar somente um pão, de forma que haja para todos, e solicitando que o levem para casa e o consumam em família, ao invés de comerem imediatamente, como costumam fazer. A distribuição de tais pães nas missas realizadas em louvor a Santo Antônio é muito comum; ela remete a um episódio da vida do santo no qual doou pães aos pobres e famintos da cidade em que morava (ver MENEZES, 2004:156 sobre o assunto)28. No entanto, alguns paroquianos de Quintino assinalaram que não há episódios semelhantes em celebrações para São Jorge, nem mesmo há histórias que justifiquem essa doação: “Jorge Ben Jor disse que foi uma promessa, mas eu acho que não tem nada a ver pão com São Jorge. Onde já se viu?”.



28

Processo de diferenciação e formação de grupos

Nos rituais da umbanda e do candomblé há uma cerimônia de distribuição de pães chamada “Pão de Ogum”, que costuma acontecer no mês de junho. Nela, após a incorporação da entidade, pães e refrigerantes são distribuídos à assistência.

48 A impressão inicial de que havia certa homogeneidade de práticas e opiniões que configurava um grupo, que denominei paroquianos, se desfez na medida em que passei a participar da vida cotidiana da Paróquia: discordâncias fazem parte da rotina daqueles que lá convivem. Todavia, nos momentos de celebração a São Jorge, mormente no dia da festa do padroeiro, eles colocam em suspenso suas diferenças e agem enquanto um coletivo distinto do configurado por pessoas que não participam das atividades rotineiras da igreja. A partir da observação das missas mensais, pude compreender como se dá essa dinâmica de diferenciação e quais nuances ela adquire. Observei que não só os paroquianos se distinguem dos devotos, mas também que há diferenciação dos devotos entre si. Por meio do uso de camisetas com dizeres e da escolha de locais para assistir à celebração, eles demarcam pertencimentos a grupos que são postos em relação nas celebrações a São Jorge. Os devotos procuram se vestir de modo especial para assistir tais missas: a maior parte deles usa a combinação em que a cor vermelha predomina na camiseta e a branca na veste inferior, sendo muito menor a incidência dos que invertem essa composição. Tais cores são associadas a São Jorge e sua ordenação nas vestes dos fiéis lembra o modo como o santo é representado iconograficamente, com uma capa vermelha e montado em um cavalo branco. Há, igualmente, um grande número de pessoas que vestem camisetas (não necessariamente vermelhas) com a imagem de São Jorge e com inscrições como “Salve Jorge”, ou “São Jorge”, ou uma das orações do santo. Além disso, há camisetas com os dizeres: “Paróquia de São Jorge. Festa do Padroeiro – 2007”; ou ainda: “AASJ” (Associação de Amigos de São Jorge); “GASJQ”, “Festa de São Jorge 2007” (ou anos anteriores), isto é, “Grupo Alvorada São Jorge de Quintino”; e “Guerreiros da Estrada – MC – São Jorge” (o MC significando Moto Clube). A recorrência do uso destas camisetas me levou a inferir que as missas não são somente um momento de articulação dos paroquianos com os devotos do santo padroeiro, elas também articulam outros pequenos grupos que têm o santo como patrono.

49 No caso, a camiseta verde com a inscrição “Paróquia de São Jorge. Festa do Padroeiro – 2007” identifica os paroquianos que, como já comentei anteriormente, participam das atividades cotidianas da Paróquia. Mas na igreja há ainda a “Associação dos Amigos de São Jorge”, um movimento que tem São Jorge como padroeiro e é responsável pela organização das missas mensais, conforme expliquei na Introdução. São esses associados que usam as camisetas vermelhas com a inscrição “AASJ”. Pelo que me disse uma das senhoras associadas, dona Luiza, muitos são os motivos que levam as pessoas a se associarem. Ela, por exemplo, explicou-me que faz parte dos amigos de São Jorge há vinte anos por causa das pessoas da Paróquia, para ajudar nos trabalhos, não por devoção a São Jorge: “Sou muito devota do Sagrado Coração, porque nasci em julho, no mês dele. Mas gosto de São Jorge, porque ele é o santo da Paróquia e porque os devotos contam que ele é glorioso, que atende os pedidos”. (dona Luiza, outubro de 2007). Ou seja, a participação na “Associação dos Amigos de São Jorge” não é necessariamente uma declaração de que o associado é devoto do santo. Para alguns, a “Associação” consiste em uma forma de ajudar nos trabalhos da Paróquia e, em particular, na festa e missas de São Jorge. Há, contudo, os associados que não participam das atividades da Paróquia, nem ajudam na organização das missas, apenas contribuem mensalmente com uma taxa usada para aplicar em melhorias na igreja. Estes constituem-se como a maior parte dos “amigos de São Jorge”: devotos do santo que comparecem somente nas missas mensais. Pela quantidade de pessoas que usam as camisetas “AASJ”, acredito que eles não fazem questão de identificar-se nas celebrações (os associados obtêm a camiseta mediante encomenda feita à diretoria da Associação). Acho interessante comentar também que observei um recorte de gênero operando na definição dos integrantes que usam a camiseta “AASJ”: são as mulheres da Associação que as

50 vestem; já os homens, incluindo os que costumam conduzir o crucifixo e a bandeira da Associação, trajam camisas sociais vermelhas sem identificação alguma dos “amigos de São Jorge”. Além dos paroquianos e dos integrantes da Associação, nas missas mensais comparecem os membros do “Grupo Alvorada São Jorge de Quintino”. Esse grupo é formado em sua maior parte por homens – as mulheres são suas parentes (esposas e filhas) – que moram em Quintino Bocaiúva. Há também relações de parentesco e de amizade entre os que compõem esse grupo e os que pertencem à Associação: algumas das paroquianas são esposas dos que participam do Grupo Alvorada; outros são vizinhos deles. A fundação desse grupo foi há quinze anos atrás, quando um dos membros, como cumprimento de promessa feita ao santo, passou a oferecer uma feijoada para familiares, amigos e vizinhos, na madrugada do dia da festa de São Jorge; para completar, ele também prometeu que seria responsável pela queima de fogos, às 05:00h do vinte e três de abril. Com o passar dos anos, a feijoada virou “tradição” e os amigos e vizinhos sugeriram a criação de um grupo que se responsabilizasse pela feitura do prato e da queima de fogos. De lá para cá, eles incorporaram novas atividades à rotina do grupo, como a participação nas missas mensais, a realização de churrascos e demais atividades para angariar fundos para comemoração. Por fim, há os que trajam camisetas pretas ou coletes de couro com a imagem de São Jorge e a inscrição“Guerreiros da Estrada – MC – São Jorge”. Estes fazem parte do “Moto Clube Guerreiros da Estrada – São Jorge”, fundado em vinte e três de abril de 2006, com a bênção do pároco Marcelino. Os integrantes desse Moto Clube, além do compromisso de assistir às missas mensais em homenagem a São Jorge, têm uma série de obrigações semanais: um encontro todas às sextas-feiras, a partir das 20:00h, em um bar próximo à Paróquia – sendo que esse local

51 também funciona como ponto de encontro antes das missas. Ademais, devem comparecer (semanalmente) em pelo menos um dos eventos promovidos por outros Moto Clubes no estado e devem se mostrar sempre disponíveis para atividades programadas pelo “presidente”. Sem esquecer dos aniversários e eventos particulares organizados por motociclistas conhecidos29. Vale a pena mencionar que há uma peculiaridade na imagem de São Jorge que ilustra as camisetas e coletes desses motociclistas: ao invés de montado num cavalo branco, o São Jorge deles está sentado em uma motocicleta vermelha e branca. Em cima dessa composição há um castelo e, completando a imagem que caracteriza o clube, há uma moldura de correntes e as já citadas inscrições. Riatla, o presidente do Guerreiros da Estrada – São Jorge, explicou que os outros Moto Clubes gostaram da substituição do cavalo branco por uma motocicleta, pois ele consegue mostrar que “a motocicleta é o cavalo de aço de São Jorge”. O pertencimento a esses diferentes grupos também influencia o comportamento das pessoas nos momentos de celebração. A escolha de lugares específicos para assistir as missas é um bom exemplo para pensar sobre o assunto: como elucidei acima, os “amigos de São Jorge” que compõem o cortejo até o altar sentam nos cinco primeiros bancos em frente à imagem do santo. Eles reservam esses lugares antes do início da cerimônia, amarrando fitas vermelhas e deixando “folhinhas” da missa sobre os bancos. Ademais, como não são todos que participam do cortejo, há sempre alguém para explicar aos desavisados que aqueles lugares estão reservados. Os integrantes do “Grupo Alvorada” e do “Moto Clube Guerreiros da Estrada” também optam por assistir as celebrações em frente à imagem do padroeiro. Mas a eles só resta um único banco lateral, próximo aos que são ocupados pelos “amigos de São Jorge”. Geralmente, são os membros do Grupo Alvorada que se sentam nesses bancos, pois 29

Existe uma rede de relações entre Moto Clubes que escapa aos propósitos desta etnografia, envolvendo apadrinhamento, códigos morais e de reciprocidade. Por exemplo, sempre que um motociclista avistar outro precisando de auxílio, seja integrante do mesmo Moto Clube ou não, ele deve se prontificar a socorrê-lo.

52 conseguem chegar primeiro no local. Como são muitos os que pertencem a esses grupos, há ainda uma grande parcela deles que assiste a missa em pé, perto dos que conseguiram se sentar. Finalmente, os paroquianos costumam sentar-se no lado oposto da igreja, em frente à imagem da Virgem Maria. Eles ocupam os primeiros bancos, que também são reservados para convidados que eventualmente comparecem nas missas, como, por exemplo, políticos e jogadores de futebol. Há também os paroquianos que circulam pelo lado de fora do templo, mais preocupados com o cuidado da igreja matriz. Na entrada do templo, ficam alguns dos administradores e as secretárias, que se responsabilizam pelo preenchimento das fichas cadastrais de novos associados dos “amigos de São Jorge”. Os demais devotos que freqüentam as missas com assiduidade, mas não se identificam com nenhum desses grupos, parecem procurar lugares adequados a seus critérios de conforto e à possibilidade de ocupá-los, sendo que a preferência é conseguir se sentar em alguns dos bancos existentes no templo. Entretanto, além dessa configuração dos devotos durante as missas, pode-se observar a formação de outras espécies de grupos, menos estáveis, que se dispersam tão logo se encerra as celebrações. São grupos transitórios, formados em momentos de sociabilidade dos devotos, que, aparentemente, não possuem integração para além das missas: comunidades transitivas (MENEZES, 2006:2) que se constituem a cada nova celebração a São Jorge. As missas mensais cristalizam um certo número de fiéis em um grande grupo todos os dias vinte e três. Existem, igualmente, cristalizações menores, como o conjunto de pessoas que se dirigem à imagem do santo antes ou após o término da missa e outras que preferem ir ao veleiro nesse momento; há as que passam um maior tempo na fila aguardando a bênção do pároco, e, ainda, há as que se apressam para garantir um pãozinho distribuído nas portas de saída do templo. Enquanto isso, algumas pessoas se deslocam para a lanchonete ou para o

53 devocionário, fazem suas compras e aproveitam para conversar um pouco. E há também os que fazem mais de uma dessas coisas ou nenhuma delas: chegam no horário da celebração e saem logo após a bênção final do pároco.

- “Viva São Jorge!” Nesses processos de interação entre devotos de São Jorge e paroquianos de Quintino Bocaiúva instituem-se fronteiras, explicitam-se regras, transmitem-se ensinamentos, e, às vezes, acontece de novas práticas serem incorporadas, como, por exemplo, a própria realização de missas mensais em louvor ao santo (e a distribuição de pães ao final destas). Tais atividades contribuem para a continuidade e inovação do culto a São Jorge e para a manutenção dos vínculos sociais articulados nas celebrações que o homenageiam. Contudo, a relação entre católicos e povo-de-santo, tão explícita no dia da festa, parece desaparecer (ou fica subsumida) nas missas mensais, dando lugar a um processo de diferenciação entre os próprios paroquianos e os devotos de São Jorge. Assim, a partir dessa predominância católica – na qual o “Viva São Jorge!” institui-se como saudação oficial – algumas distinções são apaziguadas e outras se complexificam, assinalando a heterogeneidade dos grupos articulados em função da devoção ao “santo guerreiro”.

54 2. SANTO GUERREIRO: SIMBOLISMO

Jorge era um bravo guerreiro/ Que enfrentou batalhas sem nunca temer/ E com o seu talento natural/ Chega ao comando da guarda imperial/ Roma que em tempos distantes/ Punia os amantes da religião cristã/ Via o soldado convertido/ Apesar de perseguido, confirmar sua fé/ Diocleciano, imperador romano/ Ordenou a sua execução/ Se espalhou o culto em sua devoção/ Não chore alteza, não chore não/ O cavaleiro matou o dragão/ Santo guerreiro, de coração/ Canta o Império em louvação. (Trecho de “O Intrépido Santo Guerreiro”, sambaenredo da G.R.E.S.E. Império da Tijuca -2007. Composição: Bola). St. George (…) is usually represented as a young knight clad in shining armor emblazoned with a red cross. Mounted on a charger, he is portrayed transfixing the dragon with his lance or in the act of slaying the dragon with his sword, the broken lance on the ground. (FERGUSON, 1981:122).

Logo que iniciei o trabalho de campo na Paróquia de Quintino Bocaiúva, recebi de presente do pároco um pequeno livro intitulado “A Vida de São Jorge”, que pode ser comprado no devocionário da igreja por módicos reais. Elaborado com o propósito de fornecer informações sobre a vida do padroeiro e a devoção no bairro de Quintino Bocaiúva, muitos paroquianos também me presentearam com o livreto, por considerarem que a leitura contribuiria para o desenvolvimento da minha pesquisa. Nele, conta-se o seguinte: São Jorge nasceu na Capadócia, no ano de 280 e morreu em Roma, decapitado por ordem do imperador Diocleciano, pelo “crime” de se declarar cristão. A morte deu-se no ano 303. Tinha, portanto, 23 anos quando morreu. A cidade de Capadócia, onde Jorge nasceu, não existe mais com esse nome. Hoje é território da Turquia. São Jorge nasceu de pais cristãos, ricos e de família nobre. Ainda criança, perdeu o pai numa batalha. Então, sua mãe que tinha grandes propriedades na Palestina, mudou-se para lá com seu filho Jorge. Chegando a juventude, Jorge escolheu a carreira militar, na arma da cavalaria. Distinguiu-se logo entre os companheiros pela inteligência, coragem, bravura e destreza no manejo das armas, que naquele tempo se reduziam quase só à lança e à espada. Como a Palestina, naquele tempo, também fazia parte do império romano, a fama do impetuoso cavaleiro Jorge não tardou a chegar aos ouvidos do imperador Diocleciano, em Roma. Diocleciano, que costumava rodear-se de homens inteligentes e valorosos, ordenou que Jorge fosse transferido para Roma e depois de conhecer pessoalmente as qualidades excepcionais do jovem militar, achou-o digno de fazê-lo progredir rapidamente nas promoções dentro dos graus da hierarquia militar. Em pouco tempo Jorge

55 conquistou o título de tribuno militar, que equivalia mais ou menos à patente de general e conselheiro do Imperador. É claro que o imperador não sabia que o jovem era cristão, pois os cristãos eram considerados inimigos do Império Romano, porque os romanos adoravam milhares de deuses, enquanto os cristãos afirmavam existir um único Deus verdadeiro. Por isto, os cristãos eram considerados subversivos. Depois que Jorge se declarou CRISTÃO, foi condenado à morte e executado, sendo decapitado à espada. (PALUDO et all, s/d:4; grifo no original).

O relato prossegue com a especificação de acontecimentos e milagres que São Jorge realizou ao longo de sua vida e no decorrer do martírio a que foi submetido. São eles: “Jorge defende os cristãos”, “São Jorge confessa sua fé em Cristo”, “Diocleciano tenta aliciar São Jorge”, “São Jorge é dilacerado numa roda de torturas”, “São Jorge é milagrosamente curado”, “São Jorge cura vários doentes”, “São Jorge desmascara os ídolos”, “São Jorge é condenado à morte e é decapitado”. Todos esses feitos contribuem para formação da imagem de um São Jorge mártir e poderoso taumaturgo, que morreu em defesa de sua fé cristã; os milagres sendo a confirmação da sua salvação30. O que achei curioso é que neste livreto não há referências ao episódio representado em muitos objetos com imagens do santo também disponíveis para compra no devocionário e que se assemelham à imagem cultuada no templo da Paróquia: um jovem de armadura, capa e espada embainhada que, montado em um cavalo branco, perfura com sua lança um dragão. O momento é ainda de luta, mas, do modo como está representado – com o dragão sangrando, o cavalo com uma das patas sobre a cabeça da fera e o olhar de serenidade do santo, que direciona a lança à boca do monstro –, o desfecho do combate é evidente. O desenvolvimento deste capítulo leva em consideração o seguinte: existe um repertório de representações próprias a São Jorge, mas não necessariamente esse repertório se reproduz no contexto pesquisado. Ao contrário, minha hipótese é a de que esse “campo semântico” não limita, mas potencializa representações sobre o santo que são ativamente criadas pelos devotos e paroquianos. Refletir sobre esse campo semântico e sobre como os 30

Este pequeno relato baseia-se no “Vida de São Jorge”, livro escrito na década de 70 pelo padre Paulo José SCOPEL que, por sua vez, fundamentou-se no “Acta Sanctorum”: publicações sobre as vidas dos santos escritas pelos bolandistas.

56 devotos e paroquianos de Quintino Bocaiúva o acionam e o (re)criam é minha intenção. Para tanto, divido o capítulo em três partes: 1) apresentação de alguns dados sobre as narrativas hagiográficas e o culto a São Jorge; 2) reflexão sobre as explicações nativas a respeito de quem é o santo; 3) reflexão sobre as manifestações simbólicas de São Jorge nas missas mensais em sua homenagem.

2.1 Breve repertório

A história do embate do santo com o dragão é, de acordo com diversos autores (SCOPEL, 1976; MEDEIROS, 1995; PITREZ, 2007 e MACHADO, 2008), a mais conhecida sobre o santo. Elaborada no século XIII pelo dominicano Jacoppo VARAZZE, essa história faz parte da compilação hagiográfica “Legenda Aúrea”, obra de grande sucesso desde a época em que foi publicada e que ainda hoje é reeditada em diferentes línguas31. Segundo FRANCO JÚNIOR (2003), as hagiografias que compõem a “Legenda Áurea” possuem algumas características que se repetem em cada uma delas: • • •



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a tendência do texto em universalizar o conteúdo das narrativas (o que sobressai nelas é o personagem mártir que deu a vida pela glória de Deus); a atemporalidade dos fatos relatados (o autor evita historicizar os personagens); o simbolismo que permeia toda a Legenda (fruto de uma cosmovisão que pensa cada fato, objeto ou pessoa como uma representação de algo superior, transcendente, com a qual não se poderia ter contato sem a intermediação do símbolo); a presença de duas características da psicologia medieval: o belicismo e o contratualismo (o primeiro consiste na interpretação do mundo como palco de luta entre as forças do Bem

FRANCO JÚNIOR (2003:11) observa que a data precisa da obra é objeto de debate por parte dos especialistas, mas todos concordam que ela foi publicada na segunda metade do século XIII. Ainda de acordo com este autor, a Legenda Áurea tinha por objetivo fornecer aos dominicanos e frades pregadores material “teologicamente correto, isento de qualquer contato herético, mas também agradável e compreensível aos leigos que ouviriam seus sermões” (12). Isso porque os pregadores atuavam no meio dos leigos e recorriam “... mais às línguas vulgares que ao latim, mais às narrativas de fundo folclórico que aos textos teológicos” (13) e a Igreja Católica dava início ao processo de Inquisição. E mais, ele considera que o sucesso e a popularização dessa obra se deveu a habilidade de VARAZZE que conseguiu captar: “... a essência do cristianismo do ponto de vista daquilo que definimos como cultura intermediária. Ou seja, o espaço cultural comum à elite e ao vulgo, o conjunto de elementos que, apesar de trabalhados e interpretados diferentemente pelos dois pólos culturais, revela-se o elo de união que cria a identidade profunda de uma sociedade. Na Legenda áurea, isso ocorria sobretudo pela farta utilização dos exempla, narrativas eruditas que geralmente haviam registrado, por vias diretas ou indiretas, elementos de substrato folclórico. (15). No Brasil, a última edição, que é com a qual trabalho, data de 2003 e possui Introdução de Hilário FRANCO JÚNIOR.

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e do Mal e o segundo equivale à idéia de que cada ser humano deveria posicionar-se nesse combate: ao lado dos santos ou dos demônios); a existência de relatos escatológicos em quase toda a obra (reproduzindo um sentimento pessimista que assolava toda a população no período de elaboração da coletânea). O relato hagiográfico de São Jorge não poderia ser diferente. Nele, conta-se que um

terrível dragão saía de vez em quando das profundezas de um lago e atirava fogo contra os muros de uma longínqua cidade do Oriente, levando a morte aos seus habitantes. Para não destruir toda a cidade, periodicamente ovelhas eram ofertadas ao dragão, mas, com o passar do tempo, começou a não haver ovelhas suficientes e os jovens tornaram-se presas do monstro. Um dia, coube à filha do rei ser entregue ao dragão e nada pôde ser feito para evitar seu destino. A princesa, levada até às margens do lago, parecia resignada ao fim atroz. Eis que surgiu Jorge, um corajoso cavaleiro originário da Capadócia. Montado em seu cavalo branco, o destemido Jorge protegeu-se com o sinal da cruz e enfrentou o dragão. Após duro combate, subjugou o monstro com sua lança e assegurou aos habitantes da cidade que Cristo o enviara para vencer o dragão, no entanto, todos deveriam converter-se ao cristianismo. Então o rei e todo o povo foram batizados e Jorge desembainhou sua espada e matou o dragão, ordenando em seguida que o levassem para fora da cidade (VARAZZE, 2003:366-367). A narrativa prossegue expondo acontecimentos semelhantes aos apresentados no livreto “A Vida de São Jorge”, incluindo, unicamente, alguns detalhes a mais no martírio do santo: “Jorge foi condenado a ser arrastado por toda cidade e a ter a cabeça cortada. Ele orou ao senhor pedindo que atendesse a todos que implorassem seu socorro, e ouviu a voz divina concedendo-lhe o pedido. Terminada a oração, seu martírio foi consumado e sua cabeça cortada.” (VARAZZE, 2003:370). Por fim, o autor narra dois episódios que assinalam o poder das relíquias, isto é, do próprio santo: GREGÓRIO DE TOURS conta que algumas pessoas com relíquias de São Jorge hospedaram-se certa noite em um oratório, e de manhã não conseguiram de nenhum jeito mover o relicário enquanto não deixaram ali uma parte das relíquias.

58 Na História de Antioquia lê-se que quando os cristãos rumavam para conquistar Jerusalém, um belíssimo rapaz apareceu a um sacerdote dizendo-lhe que São Jorge seria o comandante dos cristãos caso levassem consigo suas relíquias a Jerusalém, onde ele próprio estaria ao lado deles. E quando sitiavam a cidade e a resistência dos sarracenos não permitia o assalto final, o bem-aventurado Jorge apareceu em trajes brancos e armado de uma cruz vermelha, fazendo sinal aos sitiantes para irem atrás dele e atacarem sem medo, que conquistariam a cidade. Animados por essa visão, venceram e massacraram os sarracenos (2003:370).

A reflexão sobre as (des)continuidades e subtrações possíveis de observar ao se comparar as versões da supracitada “Acta Sanctorum”, na qual se baseia o “Vida de São Jorge”, e da “Legenda Áurea” exigiria um capítulo extra a este estudo, pois, como já observou LÉVI-STRAUSS: “Não existe versão “verdadeira”, da qual tôdas as outras seriam cópias ou ecos deformados. Todas as versões pertencem ao mito.” (1973:252). Todavia, cada nova versão cria uma nova camada de significação: “... cada qual ligeiramente diferente da que a precedeu” (:265). Sem deixar de assinalar que considero a análise dos mitos de São Jorge um exercício reflexivo rentável, interessa-me, por ora, apenas expô-los de modo a configurar um repertório sobre este santo. Prossigo, pois, mobilizando mais dados que ajudem nessa tarefa. MEDEIROS, no capítulo dedicado à análise dos aspectos da devoção a São Jorge no Rio de Janeiro, desenvolve o tópico “Quem é São Jorge? História, Lenda, Iconografia e Construção de Arquétipos” (242-256). Para tanto, utiliza como fonte os dados da “Biblioteca Sanctorum” (1968:v.VII, 512-531). Segundo o autor, este relato enfatiza, de um lado, a quase total ausência de fontes históricas sobre a vida de São Jorge e, de outro, o enorme culto prestado a este santo: “... no Norte da África e Oriente Médio, antes das invasões mussulmanas (sic), restaurado posteriormente em alguns lugares pelas Cruzadas, e na Europa.” (MEDEIROS, 1995:242). Além disso, ao recapitular a obra de Rizzardo DA CAMINO (s/d), MEDEIROS considera que existem duas vertentes principais de lendas sobre o santo: a britânica e a oriental-mediterrânea:

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O São Jorge “inglês”, modelo do Catolicismo guerreiro britânico medieval e padroeiro da família real inglesa, é um militar, luta com o dragão que trazia aprisionada uma princesa. Ao eliminar o monstro, Jorge é aclamado pela multidão e recebe do rei e a princesa em casamento; tem dela muitos filhos, e continua sua existência a serviço das boas causas. Tal versão tem pouca importância e difusão no Brasil, sendo bem mais freqüente a segunda. § A outra vertente lendária, muito mais espalhada pelo Ocidente e Oriente cristãos, nas Igrejas Católica e Ortodoxa, é divulgada pela “Passio”, “Legenda Aurea” e outras hagiografias posteriores, como a “Flos Sanctorum” portuguesa...” (MEDEIROS, 1995:245)32.

Concentrando sua análise na vertente hagiográfica que tem maior influência no Brasil, MEDEIROS conclui que São Jorge chegou ao país já sincretizado; personagem que configurou-se num processo de assimilação, justaposição e fusão de diferentes arquétipos de heróis e semi-deuses: “... metáfora de Constantino e do deus eqüestre egípcio Horus; sofreu relações de contágio com os mistérios de Perseu, de Osíris e serviu de personagem emblemática para a instituição da Cavalaria e das Ordens Militares...” (248). A argumentação de MEDEIROS não é isolada, MACHADO (2008) inicia seu livro avaliando o seguinte: É impossível a captação das múltiplas vertentes que estruturam, e continuam a estruturar, a personalidade mítica de São Jorge, sem a percepção da dinâmica dos sincretismos. A análise comparada das mitologias permite rastreamentos que estabelecem a intensidade e a ocorrência de trocas culturais. (...) Tomando como pontos referenciais as religiões que atuaram direta e indiretamente na história mítica de São Jorge, obtêm-se dados que permitem identificar os elementos que convergiram na imagem compósita de um jovem guerreiro cristão, dotado de extrema coragem, que desafiou a estrutura religiosa-estatal do Império-Romano, e se tornou o símbolo da resistência miliar cristã à opressão do paganismo. (MACHADO, 2008:17).

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Apesar de concordar com a observação feita pelo autor de que a primeira vertente hagiográfica não é tão difundida no Brasil quanto a segunda – afinal, a maioria dos trabalhos que consultei não abordam o tema do casamento do santo –, acho interessante assinalar que em pesquisa que realizei na Internet encontrei duas músicas que se referem a este episódio: 1)“O casamento de São Jorge” (1980), dos compositores Rui Maurity e José Jorge: “São Jorge no descampado, com jeito de valentia/ Correndo pra todo lado, atrás da moça Maria/Descendo por correntezas, no vai-e-vém da maré/ Apeia da sua sorte de Cavaleiro da Fé/ Seu corpo quer descansar no corpo de outra mulher/ A gente do povoado já anda sem paradeiro/ Tá todo mundo assustado, sem seu santo padroeiro/ Galante no seu cavalo, esbelto e baio corcel/ São Jorge sumiu de estalo nas profundezas do céu/ Com ele foi sua amada, sem grinalda e sem véu”; e 2) “Medalha de São Jorge”, de Moacir Luz e Aldyr Blanc: “... Do outro lado, São Jorge Guerreiro/ Põe tuas armas na medalha enluarada/ Te guardo em mim, meu Santo Padroeiro/ A quem recorro em horas de agonia/ Tenho a medalha da lua cheia/ Você casado com a Virgem Maria...”.

60 Personagem presente no panteão de diferentes tradições religiosas – da Igreja Católica, da Igreja Ortodoxa, da Igreja Anglicana, dos Coptas33 e das tradições afro-brasileiras – e compósito de guerreiro, santo, mártir e herói – a análise arquetípica de MACHADO também aponta similaridades com personagens e semi-deuses da Antigüidade. Essas interpretações assinalam que São Jorge é santo de grande devoção inter-religiosa e também inter-cultural, que atravessou séculos e territórios, agregando características ao seu campo semântico: O culto a São Jorge da Capadócia nasceu no Oriente Próximo durante o século IV, ficando por muito tempo restrito à cidade palestina de Lydda. Os coptas do Egito deram a uma de suas cidades o nome de Gergeh, dela se irradiando o culto a São Jorge, que passou para Constantinopla. Em Igrejas anteriores ao século XII há documentações iconográficas do seu culto, no Ocidente, antes das Cruzadas. A difusão popular do culto, confundido com os ideais da Cavalaria, é que se deveu aos cruzados. (...) § Importante detalhe, relacionado com as Cruzadas, é o do patronato de São Jorge. Para os cristãos do Ocidente, ele era o Santo Guerreiro que “comandava” as suas vitórias. Para os cristãos do Oriente, ele era o Médico que os protegia contra as pestes, lepra e sífilis. E era também o protetor dos bons negócios.” (MACHADO, 2008:72).

Contudo, muitos autores obervam que são as características de combatividade do santo que mais se destacam. JOLLES (1976), ao refletir sobre a Legenda de São Jorge, considera que sempre que os dois atributos – o guerreiro e o cristão – ou os dois deveres – a coragem e a fé – se manifestarem juntos, este santo pode se fazer presente na imaginação 34. Isso ocorre porque: Entre o final do primeiro milênio e o começo do segundo, a fisionomia de São Jorge muda lentamente, assim como sua missão e seu caráter. Já não é a mesma relação existente entre dever militar e dever cristão. Ao guerreiro que se oferecia passivamente ao carrasco, desde que se tratasse de dar testemunho da fé, sucede o paladino, o defensor da fé, que ataca ativamente os inimigos e os vence. São Jorge já não é mártir; torna-se matador de dragões e libertador da Virgem. (JOLLES, 1976:49).

Essa mudança na fisionomia de São Jorge se deve tanto a latência do seu caráter guerreiro quanto às condições históricas, políticas e sociais que fomentaram a exaltação dessa característica. De acordo com o autor, foi mormente no período das Cruzadas que São Jorge 33

Cristãos monofisistas do atual Egito e Etiópia. Segundo este autor, a Legenda é uma forma literária que narra episódios da vida de um personagem e o indivíduo resultante dessa narrativa quer designar quaisquer outro que passou por situação semelhante (1976:45). 34

61 teve sua virtude cavalheiresca e a manifestação de seu poder combativo postos em evidência. Nesse período, São Jorge foi proclamado o patrono da “guerra santa”. AZZI (2005:139) também assinala que São Jorge era um dos santos invocados pelos cavaleiros cristãos que lutavam contra a expansão do islamismo e, juntamente com São Miguel, São Tiago, São Sebastião e Santo Antônio, compõe o panteão dos santos guerreiros do catolicismo. Ainda de acordo com este autor, durante o período de duração da “guerra santa”, conformou-se uma “cosmovisão” que não só admitia como também incentivava a guerra por motivos religiosos, pois: “Em razão do relevo das expressões da fé, facilmente se fazia o trânsito para considerar o inimigo da instituição cristã como a própria personificação do Mal, ou seja, como a própria corporificação do demônio.” (128). Em contraparte, nos cavaleiros e seus protetores, os santos guerreiros, realçava-se suas virtudes, seu valor, sua grandeza, de tal forma que eram considerados a concretização do Bem. SCOPEL (1976:77) e também MACHADO (2008:72-73) destacam que os exércitos de muitos países tinham o santo como patrono da Arma de cavalaria; além disso, oferecem uma listagem de Ordens de São Jorge instituídas em vários países no decorrer dos séculos: São Jorge de Alfama, Portugal (1201); - São Jorge de Borgonha, França (1390); - São Jorge da Áustria (1470); - São Jorge de Gênova, Itália (1472); - São Jorge da Baviera, Alemanha (1769); - São Jorge da Rússia (1769); - São Jorge de Nápoles, Itália (1819); - São Jorge de Hanover, Alemanha (1869). O rei Eduardo III (1312-1377), que fundou a Ordem da Jarreteira, proclamou o santo padroeiro e protetor de toda a Inglaterra, que o celebra ainda hoje. E Alemanha e Portugal, na Idade Média, também o veneraram como padroeiro da nação (SCOPEL, 1976:77). No Brasil colônia, São Jorge vinha à frente da procissão do “Corpo de Deus”: A imagem do Santo montado em seu cavalo branco vinha acompanhada pelo escudeiro a que o povo chamava homem de ferro por se apresentar vestido de armadura completa, com o rosto oculto pela viseira arriada. Vinha em seguida o

62 Estado, um grupo de cavaleiros em trajo de Côrte, em corcéis luxuosamente ajaezados, arrastando numa carrêta o corpo (de madeira e papelão pintado) do dragão simbólico vencido e morto pelo Santo. Depois da vinda da Côrte portuguêsa para o Brasil, a Irmandade de São Jorge era acompanhada pelos cavalos das cavalariças reais, ricamente aparelhados, com as armas dos Braganças bordadas nas mantas, conduzidos à rédea pelos criados do Paço, os toma-larguras. A mesma homenagem ao santo continuou a ser praticada durante os reinados dos dois imperadores. (COARACY, 1965:336).

MACHADO (2008:142), PITREZ (2007:4) e SANTOS (2002:67) também assinalam que a tradição de integrar São Jorge e seu Estado à procissão do Corpo de Deus adveio de Portugal, quando D. João I (1357-1433) tornou São Jorge o Patrono Nacional e determinou que fosse incorporado a essa procissão na qualidade de Defensor Militar da Cristandade. São Jorge era igualmente padroeiro dos ferreiros, armeiros, cutileiros, caldeireiros e barbeiros, reunidos em corporação de ofício em ambos os países (SANTOS, 2002:93; PITREZ, 2007:43). Gilberto FREYRE (2000) considera que, no Brasil, o culto a São Jorge popularizou-se nos idos do século XVII, no início do processo de urbanização do país 35. O santo, considerado um paladino cristão, foi apropriado como patrono dos cavaleiros mantenedores da ordem social (“poderosos fidalgos”, “nobres cavaleiros” e “ordens militares”) e também muito cultuado pelos negros de ganho e capoeiras que, inconformados com sua exploração e seu estado de inferioridade social, eram os principais desafiadores dessa ordem que os subjugava: São Jorge reuniu, assim, no Brasil, dois cultos contraditórios: o do grupo dominante – de brancos e de quase-brancos – e o daquele grupo dominado, de homens de cor que não se conformavam, senão aparentemente, com a dominação exercida sobre eles por brancos às vezes inferiores em instrução, em inteligência, em perícia técnica, em vigor físico e em beleza de corpo. (FREYRE, 2000:536). (...) Donde ter sido um culto ao mesmo tempo, e por motivos opostos, de palácio de rei e de cabana de escravo, de sobrado e de mucambo, de igreja e de peji, de irmão de irmandade católica e de malungo de confraria africana, de proprietários de terras e de prédios urbanos e de proletário indispensável à construção de casas, móveis e carruagens e ao manejo de máquinas, serras, tornos, bigornas. (FREYRE, 2000:541). 35

Para este autor, a difusão do culto a São Jorge está vinculado ao início do processo de urbanização do país que, antes, no período em que o país era exclusivamente feudal e escravocrata, tinha como santos mais populares Santo Antônio, São Pedro e São João, os santos do ciclo agrário.

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Dessa perspectiva, FREYRE assinala a existência de um culto que recupera a polissemia de São Jorge: um santo que continua com características predominantemente guerreiras, mas que tanto pode estar a serviço da ordem quanto da insubordinação. E também recupera-se sua multivocalidade, posto que o santo passa a ser associado a Ogum. O GUIA DO FOLCLORE FLUMINENSE dá destaque a essa associação entre São Jorge e Ogum, que já comentei no capítulo anterior: São Jorge: santo muito popular no estado do Rio, onde é associado, por sincretismo, a Ogum. É patrono de ofícios mecânicos, corporações militares, escolas de samba, clubes de futebol, justiceiro, protetor dos oprimidos, é cultuado em templos católicos em terreiros de todas as linhas. Como Ogum Beira-mar, comanda o povo do mar. Como Ogum de Ronda, cuida da segurança das pessoas, dos veículos, das residências e estabelecimentos comerciais. (1985:216).

Mariza LIRA, no Calendário Folclórico do Distrito Federal, explica: Ogum governa a quinta-feira de 0h às 24:00 horas. Tem, como guias, pontos de firmeza, contas de madeira, em rosário, em número de 99, assim distribuídas: nove encarnadas, três verdes, três brancas e uma azul. Nos ofícios das macumbas e candomblés, o cambono veste túnica encarnada com frisos amarelos, traz os pés descalços e o metal protetor é o aço. Durante as cerimônias, os pontos são traçados com pemba (substância calcária semelhante a giz, encarnada e branca). Usam-se fitas amarelas, azuis e vermelhas, e a bebida tolerada é a beja (cerveja branca). É sempre a segunda entidade que baixa nos terreiros, durante os trabalhos... (1956:152)

Diante desses dados, considero possível iniciar a segunda seção do capítulo, que consiste numa reflexão sobre as explicações que os fiéis e devotos me forneceram durante o trabalho etnográfico.

2.2 O que se vê Entrevistador: _ Você é devoto de algum santo? Mário Quintana: _ Sou sim. Sou devoto de São Jorge, do dragão e de seu cavalo.(Da peça “Anjo Malaquias”, em fevereiro de 2008).

64 São Jorge: um jovem de armadura, capa vermelha, espada e lança; encontra-se montado em seu cavalo branco e ferindo letalmente um dragão. Com os braços erguidos, ele empunha uma lança que vai firme na direção do monstro. O cavalo, com as patas dianteiras erguidas do chão, ajuda a dominar a fera, que sangra e olha em direção ao santo. Figura aí o momento decisivo de um combate que não tem fim: São Jorge sempre prestes a matar o dragão, eis a imagem que congrega mensalmente centenas de fiéis na Paróquia de Quintino Bocaiúva. Cada um dos detalhes dessa imagem pode conduzir a uma série de outros significados que foram agregados, ao longo dos séculos, aos personagens que lá estão representados, pois, todos têm, por si só, uma trajetória tão longa, ou até maior, que a do compósito que formam quando juntas. E esmiuçando cada um dos elementos dessa imagem, pode-se enveredar por um caminho sem fim de mapeamentos de significados e apropriações simbólicas. LE GOFF (1980), por exemplo, observou que muitos são os dragões que povoam o texto bíblico, mas a apropriação simbólica operada na Idade Média relegou todos a segundo plano, enfocando o dragão satanás, presente no Apocalipse, como grande chefe e representante de todos os outros: “O grande dragão, a antiga serpente, a que se chama diabo ou satanás” (in: LE GOFF, 1980:229-230). Do mesmo modo, o cavalo, símbolo do movimento, segundo a tese de FREYRE (2000), a espada, a lança, a armadura, todos esses elementos possuem significados próprios e podem simbolizar uma série de outras coisas. Contudo, interessa-me pensar sobre o compósito peculiar formado a partir da junção acima descrita. É sobre a imagem de São Jorge que esse tópico objetiva refletir. E essa imagem, esse compósito, também é polissêmico, pois, como observa TURNER: enquanto uma imagem votiva continua a ser venerada ao longo dos anos, seu campo semântico

65 incorpora novos significados, alguns resultantes do “desenvolvimento da doutrina”, outros em virtude da experiência histórica36 (1978:146). No tópico anterior, dei amostras do quão diversificado pode ser o campo semântico deste santo, no entanto, deixo para um momento posterior a reflexão sobre as relações entre a elaboração da sua iconografia e as mudanças de doutrina e processos sócio-históricos que ajudaram a moldá-la, ou, como diz TURNER, a análise da história do uso da imagem. Por ora, meu interesse é somente compreender qual o significado da imagem de São Jorge para os freqüentadores das celebrações mensais em Quintino e quais as relações possíveis de serem observadas entre estes significados e o campo semântico exposto. Conversando com alguns paroquianos e devotos que freqüentam tais celebrações, pude perceber que a imagem da Paróquia de Quintino Bocaiúva, chamada de “São Jorge na luta” ou “São Jorge lutador”, é posta em relação – através do discurso dos agentes – com uma outra, a do “São Jorge glorioso” ou “vitorioso”, localizada na Igreja dos Veneráveis Mártires São Gonçalo Garcia e São Jorge, no centro da cidade. Essa outra imagem não possui a representação do dragão. Há apenas São Jorge montado em seu cavalo branco, trajando brilhante armadura de prata e sua capa vermelha. O santo segura, em uma das mãos, um imenso escudo com uma cruz e, em outra, uma bandeira branca com cruz vermelha semelhante a do escudo. Há, no entanto, por parte dos freqüentadores das celebrações em Quintino, a preferência pela imagem do “São Jorge lutador”, seja “porque esta é a imagem da Paróquia”, seja porque “ela representa o dragão que temos que enfrentar todo o dia”: “As pessoas se identificam mais com a nossa imagem, a de São Jorge lutando com o dragão, que indica a luta contra o Mal. A imagem da igreja do Centro, (...), é a do São Jorge Vitorioso, depois de ganhar o combate contra o dragão”. (Francisco, junho de 2007). 36

“As a devotional image continues to be venerated over the years, its semantic field incorporates further significata, some resulting from the “development of doctrine”, others from historical experience.” (TURNER, 1978:146).

66 Para os devotos, o dragão pode significar “a maldade encontrada no mundo”, maldade que assume contornos bem materiais, como a agressão por meio de armas de fogo, assaltos e seqüestros: Nós vivemos num mundo de intrigas, de violência, de assaltos e de muitas injustiças. O dragão representa isso tudo: ele representa a maldade do nosso mundo. E São Jorge é o santo guerreiro que nos protege e nos dá força para seguir firme no nosso objetivo sem errar pelo caminho37. (João, em novembro de 2007).

Nessa perspectiva, São Jorge é o protetor de quem trabalha na “linha de fogo” ou na “linha de frente”, por isso “Muitos devotos deixam suas fardas. A maioria deles são militares do exército ou da polícia civil, mas tem também aqueles que servem à Aeronáutica e à Marinha. Mas a maioria é de quem trabalha na linha de fogo.” (Rosângela, outubro de 2007). Padre Marcelino considera que: “São Jorge representa a luta de Deus contra o maligno, o Mal que divide e causa a violência. São Jorge representa o amor de Cristo que une, que é união.” E observa que: “A devoção a São Jorge tem aumentado por causa do desespero das pessoas. O governador [do Rio de Janeiro] me perguntou se eu não achava que era porque a fé das pessoas estava aumentando. Eu disse que era por causa da fé e do desespero das pessoas, por causa da violência e do abandono do poder público. Só um guerreiro para salvar mesmo”. (Padre Marcelino em 23/05/2007).

Essa idéia de que São Jorge é um santo da guerra, da batalha, é também muito difundida nos meios de comunicação. Em geral, utilizam-na como explicação para o aumento da devoção ao santo, especificamente no Rio de Janeiro, considerada uma cidade que sofre com os problemas da violência urbana38. São Jorge é, então, o protetor dos devotos que vivem uma vida de perigos e batalhas, sendo assim, é recorrente ver uniformes de policiais depositados em frente à imagem do santo 37

Acho interessante lembrar que a música “Jorge da Capadócia” faz referência a esse tipo de maldade impetrada por “armas de fogo” e por “inimigos”, sendo que São Jorge é o padroeiro que está próximo protegendo os seus devotos. 38 Ver, por exemplo, a matéria “O mito do guerreiro. Tese diz que devoção a São Jorge aumenta em tempo de violência”, publicada em 19/04/2008 no jornal “O Globo”. Nela, a historiadora Georgina dos SANTOS argumenta: “Os santos têm seus momentos e nos últimos dez anos, a popularidade de São Jorge aumentou muito. Acho que existe uma relação com o crescimento da violência urbana. É uma fé que atravessa classes sociais e gênero. Da vítima ao bandido, todos rezam a São Jorge”.

67 e também é comum deixarem uniformes das Forças Armadas39. Mas não só: muitas vestimentas que marcam a vitória ou sucesso do fiel também podem ser deixadas em frente à imagem, como, por exemplo, camisas de jogadores de futebol, uniformes de aeromoça, ou a roupa de sambistas que tiveram um bom desempenho no desfile das escolas de samba. Podese considerar, desse modo, que São Jorge é também padroeiro das vitórias e dos empreendimentos bem sucedidos, apesar dos paroquianos assinalarem que o São Jorge Vitorioso encontra-se em outra igreja. Contribui para essa argumentação o fato de ter escutado que o santo também pode representar a batalha contra um dia a dia de sofrimentos e lutas: “São Jorge é guerreiro, lutador. No Brasil, todo trabalhador é guerreiro, porque vive de muita luta e muito trabalho para ter uma vida digna”. (Jorge, maio de 2007). Ouvi, igualmente, que o Brasil é um país em que há violência, corrupção e muita miséria, por isso São Jorge deveria ser considerado seu padroeiro, pois é o único santo capaz de resolver todos esses problemas: A situação do país não anda nada boa. Há muita violência, corrupção e miséria e Nossa Senhora não conseguiu dar jeito nisso sozinha. Por isso está na hora de São Jorge ser considerado o padroeiro, para as coisas não continuarem do jeito que estão. São Jorge consegue solucionar tudo isso, porque foi capaz de enfrentar o mal e derrotar. Assim, não tem causa que ele não dê jeito40. (Antônio, junho de 2007).

Assim, São Jorge – santo que enfrentou uma grande batalha, a batalha contra o Mal – é considerado o patrono daqueles que lutam nesse mundo e também é invocado nos momentos de crise, em que outros santos não conseguem solucionar um problema. ***

39

Por possuir atributos que remetem à guerra, à conquista e à valentia, MEDEIROS considera que, no Rio de Janeiro, São Jorge é santo de devoção de militares e aqueles que estão envolvidos com a “batalha da rua”, isto é, policiais e bandidos: “Ele [São Jorge] se torna o grande mediador deste “diálogo” do corpo-a-corpo da luta nas ruas e morros entre policiais e bandidos” (MEDEIROS, 1995:273). 40 Só uma curiosidade: a música de Noca da Portela e Toninho Nascimento, “Milagre Brasileiro”, também sugere que, para resolver as mazelas do Brasil, só mesmo apelando a São Jorge, o santo Guerreiro: “... Estou cansado de nego chegar baixando o pau/ E eu calado bancando o cordial/ Vou mudar meu gongá pra outro terreno/ Pra mim agora até o bondoso São Francisco/ Vai ter que mudar o disco/ E virar São Jorge Guerreiro - Gritando primeiro.”.

68 As reflexões de VELHO (1995) são interessantes para pensar sobre as formas de manipulação dessa simbologia que conforma a imagem de São Jorge, por meio da qual os devotos e fiéis expressam que suas vidas são vidas de batalha, de luta e de vitórias. O autor considera que o uso da simbologia cristã não é apenas uma simples construção analógica por meio da qual os indivíduos exprimem opiniões e visões de mundo. Ao contrário, segundo ele, o uso destes símbolos remete a uma “cultura bíblica” que fundamenta as percepções dos indivíduos sobre as coisas no mundo: (...) uma simbologia plena de eficácia, onde o que mais importa não é uma relação de sinonímia entre termos que sinalizam (signos), mas a de ambos com aquilo que é simbolizado; o símbolo sendo entendido como a expressão possível daquilo que assumidamente não é conhecido, não sendo, portanto, substituível com proveito (VELHO, 1995:17).

Nesse sentido, ao pôr em relação as considerações dos devotos e o campo semântico construído na seção anterior, observo que há, nesse contexto, uma cosmovisão que tem fortes relações com a cosmovisão que conformou o compósito de São Jorge da Idade Média, conforme sugere FRANCO JÚNIOR. Isto é: uma cosmovisão que pensa cada fato, objeto ou pessoa como uma representação de algo superior, transcendente; que interpreta o mundo como palco de luta entre as forças do Bem e do Mal e que, nessa luta, cada ser humano deve se posicionar de que lado está; e, finalmente, que expressa um forte sentimento pessimista. Não sugiro, com isso, que os devotos de Quintino Bocaiúva são exemplos de continuidades e reminiscências de uma “mentalidade medieval”. Sugiro que, recorrendo aos termos usados por VELHO: a “reserva de sentido” (ou campo semântico, como tenho proposto até então) de São Jorge, não se refere apenas aos novos sentidos que lhe são agregados, mas também refere-se a possibilidade objetiva de aproximar dele outros eventos pela mediação do símbolo, que é aquele a quem, mais propriamente, pertence essa “reserva de sentido” (VELHO, 1995:42). Ou seja, o símbolo não seria uma agente passivo, mas parte ativa no processo de manuseios e apropriações simbólicas operados pelos seres humanos.

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2.3 O que se faz

Como sugere TURNER (2005:56), não se pode entender os símbolos apenas escutando o que se diz sobre eles: é necessário também entender o que se faz com eles. Isso porque, na maioria das vezes, é possível surpreender na manipulação dos símbolos significados que o discurso explicativo não menciona, seja por não julgar necessário – por considerarem óbvios –, ou por preferirem ou não conseguirem explicá-los – em virtude da exposição de uma contradição iminente. Nesse tópico, portanto, pretendo entender como São Jorge é manuseado nas celebrações mensais de Quintino. Minha hipótese é a de que esse exercício possibilitará acessar novos significados que não foram expressos pelos devotos e paroquianos. A idéia de que o “fazer” revela sentidos distintos do “dizer” é uma das proposições em que me baseio. Além dela, considero que o deslocamento de elementos do cotidiano, das margens para o centro da atenção coletiva, abre possibilidades para que eles adquiram novos significados, insuspeitados anteriormente, quando faziam parte de relações e situações da vida diária. (TURNER, 2005; DA MATTA, 1979). A imagem de São Jorge, por exemplo, que cotidianamente pode ser vistas em adesivos de carros, tatuagens e camisetas, quando inserida no contexto de celebrações mensais, tornase um “símbolo dominante”, produtor de ação e foco da interação ritual: “os grupos mobilizam-se ao seu redor, cultuam-no, desempenham outras atividades simbólicas perto dele, e acrescentam-lhe outros objetos simbólicos, freqüentemente para formar santuários compostos” (TURNER, 2005:52). Além disso, ela retoma seu caráter multívoco (lembrando que, para TURNER, o símbolo não é só polissêmico, mas também multivocal), manifestandose em forma de orações, canções e imagens. Em vista disso, procuro expor e analisar tais

70 formas diferenciadas de manifestação simbólica de São Jorge nas missas mensais em seu louvor.



Oração de São Jorge

Bondoso São Jorge, do céu olhai por nós, porque lutamos nesse vale de lágrimas. Fazei que, a vosso exemplo, mantenhamos a fé em Jesus Cristo, e que alcancemos a graça que tão fervorosamente suplicamos (momento para fazer a súplica). Por Jesus Cristo, nosso senhor. Amém. A prece, de acordo com MAUSS (2005), é uma operação na qual representação e ação se correspondem intimamente. Nela o fiel diz e faz ao mesmo tempo; ela é tanto individual quanto coletiva – o caso das orações de São Jorge nas missas mensais é um exemplo concreto dessa característica, pois há um momento reservado para súplica individual numa oração coletiva –; e um gesto votivo e social, visto ser possível observar padronizações. Assim, a oração de São Jorge é tanto um ato de comunicação dos participantes com o santo de devoção – ato que possibilita refletir sobre técnicas e formas apropriadas de se comunicar com os santos, como fez MENEZES (2004) – quanto a enunciação dos fatores que os levaram a estabelecer essa relação, pois: ... uma única prece compreende, amiúde claramente expressas, um certo número de suas próprias razões (...) as necessidades da linguagem fazem com que a própria oração muitas vezes especifique ela própria as circunstâncias, os motivos de sua enunciação. (MAUSS, 2005:231).

O ato de orar que marca o início da celebração a São Jorge engendra, assim, um contexto em que representações e práticas, palavras e gestos são acionados para por em relação dois mundos: o dos santos e o dos fiéis. Na oração para São Jorge, solicita-se, primeiramente, que o santo “bondoso” do céu olhe por ele. A característica enfatizada é, portanto, sua benevolência. O que se pede é o

71 cuidado, a proteção do santo. Os fiéis também almejam possuir a fé em Jesus Cristo que ele teve, o que o torna um exemplo de vida a ser seguido. Por fim, há um momento de pausa em que eles suplicam pela graça particular que desejam obter. Nesse contexto, São Jorge está desprovido de características particulares, ele possui os atributos comuns a todos os santos do catolicismo: é um exemplo a ser seguido e é um taumaturgo poderoso41. Ademais, pode se perceber que através da oração o devoto estabelece uma relação com o santo, mas uma relação que é assimétrica. Essa assimetria é expressa (i) na ênfase de que o santo é um protetor com capacidade de conceder graças e realizar milagres; (ii) na concepção de que São Jorge é um exemplo da fé em Cristo, que o devoto deseja imitar; (iii) na idéia de que o santo habita um plano que não é o mesmo que o do homem comum (“o céu”), que está acima dos devotos. Há, também, a explicitação de que os homens vivem num mundo de sofrimento e luta (“porque lutamos neste vale de lágrimas”), de onde fazem suas súplicas, isto é, seus pedidos humildes e desesperados. Portanto, esse São Jorge está acima de seus devotos num plano espiritual, num plano moral e num plano físico. Somente suplicando é possível entrar em contato com ele, se fazer ouvir, posto que é um ser bondoso.



Hino de louvor a São Jorge Dando prosseguimento à seqüência ritual, como “canto de abertura”, é entoado o

“Hino de Louvor a São Jorge”: Ó São Jorge glorioso,/ bom amigo de Jesus/ Desde a infância espalhaste/ a virtude clara luz/ Lá do céu de fulgurante/ diadema vos cingis/ E dos pobres e aflitos/ os soluços sempre ouvis/ Glória nunca nesta terra/ confiaste no Senhor/ Mil assaltos/ mil pelejas;/ mas saístes vencedor/ Avivai em nosso peito/ da esperança o clarão;/ recebei no paraíso/ nossa eterna gratidão.

41

Ver sobre esse assunto DELOOZ (1985), WILSON (1985) e MENEZES (2004:188-190).

72 No “Hino de Louvor”, há um novo adjetivo junto a São Jorge: “glorioso”. MENEZES (2004:179) observa que, no geral, esse é um atributo também muito comum a todos os santos. As pessoas costumam se referir a eles como “milagrosos”, “poderosos” e “gloriosos”. São Jorge também é um “bom amigo de Jesus” e implicitamente repete-se a idéia de que ele é milagroso, posto que “dos pobres e aflitos/ os soluços sempre ouvis”. Novamente, são características comuns aos santos católicos que são exaltadas: suas capacidades mediadoras, milagrosas e exemplares. São Jorge é também um ser em relação com o céu e o mundo dos fiéis, pois: do primeiro, recebeu seu “diadema”, isto é, a marca de sua santidade; e do segundo, o santo escuta os soluços dos “pobres e aflitos”. O santo habita o paraíso e é um bom amigo de Jesus. Pode-se depreender, no entanto, um novo elemento na relação entre o mundo dos homens e o mundo dos santos, pois o Hino indica que é possível passar de um mundo para o outro: os sinais das relações de São Jorge com o Senhor se faziam notar já em sua vida terrena, ainda quando criança: “desde a infância espalhaste/ a virtude clara luz”. Mesmo assim, o santo enfrentou muitas dificuldades, mas seguiu confiante e foi vitorioso em seus empreendimentos: “Glória nunca nesta terra/ confiaste no Senhor/ Mil assaltos/ mil pelejas;/ mas saístes vencedor”. Dessa maneira, após sua morte, passou a habitar o mundo do Senhor. Por fim, os fiéis pedem que São Jorge avive neles a esperança, ou seja, que neles inspire a confiança de que conseguirão ser vitoriosos. Desta feita, o santo receberá a eterna gratidão. Além disso, novamente no Hino pode se perceber que existe uma relação assimétrica entre o santo e seus devotos: estes lhe fazem súplicas, o tomam como exemplo de perseverança e habitam um local onde o santo já viveu.



Jorge da Capadócia

73 Nos “ritos finais”, após o momento dos avisos da Paróquia, o padre convida o músico Jorge Ben Jor para cantar a oração musicada “Jorge da Capadócia”. Essa canção é um trecho de uma oração para fechamento de corpo, que foi musicada pelo próprio Jorge Ben Jor: Jorge sentou praça na Cavalaria/ E eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia/ Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge/ Para que meus inimigos tenham mãos e não me toquem/ Para que meus inimigos tenham pés e não me alcancem/ Para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam/ E nem mesmo um pensamento eles possam ter para me fazerem mal/ Armas de fogo, o meu corpo não alcançarão/ Espadas, facas e lanças se quebrem, sem o meu corpo tocar/ Cordas e correntes arrebentem, sem o meu corpo amarrar/ Pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge/ Jorge é da Capadócia, viva Jorge/ Jorge é da Capadócia, salve Jorge/ Perseverança ganhou do sórdido fingimento/ E disso tudo nasceu o amor. Em “Jorge da Capadócia”, Jorge é investido de um cargo, o de “praça da cavalaria”, e que com “perseverança ganhou do sórdido fingimento”. Considero que nesses trechos, podem ser percebidas as referências à história do jovem cavaleiro que morreu martirizado por sustentar sua fé cristã. Além disso, pode-se entender que o devoto faz parte do grupo de pessoas que é regido por Jorge, que o devoto está acompanhado por ele: “Eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia”. Ou seja, Jorge não está distante, mas sim próximo daqueles que são da sua companhia. Tão próximo que os participantes cantam que estão vestidos e armados com suas roupas: os atributos de Jorge são também atributos do devoto, ou melhor, os atributos do santo cobrem, se estendem por seus devotos. Esses atributos – a roupa e as armas de Jorge – conferem segurança aos fiéis, pois impossibilitam que os “inimigos”, dotados de todas as suas capacidades, os façam mal: “para que meus inimigos tenham mãos e não me toquem/ Para que meus inimigos tenham pés e não me alcancem/ Para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam/ E nem mesmo um

74 pensamento eles possam ter para me fazerem mal”. E mesmo que armas sejam utilizadas contra o devoto, elas são incapazes de feri-lo: “Armas de fogo, o meu corpo não alcançarão/ Espadas, facas e lanças se quebrem, sem /o meu corpo tocar/ Cordas e correntes arrebentem, sem o meu corpo amarrar/ Pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge”. Tem-se aí um devoto quase não-humano, posto que é invencível. O fechamento de corpo, portanto, implica o estabelecimento de um vínculo que aproxima intensamente o devoto e o santo. E esta aproximação tem conseqüências: o devoto se torna algo parecido ao santo, adquire algumas de suas capacidades.

2.4 Não um, mas muitos São Jorges

A análise das manifestações simbólicas de São Jorge permitiu o resgate de atributos do santo que não foram explicitados nas conversas com paroquianos e devotos durante a pesquisa de campo, excetuando-se o pároco que considerou que São Jorge é exemplo da luta de Deus contra o maligno. Além do mais, alguns desses atributos, como a capacidade de mediar as relações entre os homens e Deus, também não apareceram com muito destaque no exame do repertório semântico do santo. Acredito que isso ocorreu porque: 1) esses atributos referem-se àqueles que são comuns a todos os santos do catolicismo e por isso nem os devotos, nem os paroquianos, nem meu exame da literatura especializada julgaram necessário explicitá-los. O enfoque era captar as especificidades do santo. 2) existe uma relação de tensão entre o São Jorge que fecha corpos e o São Jorge que vou chamar de católico, que se faz presente na Oração e no Hino de Louvor. Esse aspecto pode ficar mais claro ao se retomar o modo como as manifestações simbólicas se apresentam na missa.

75 O São Jorge protetor contra os males do mundo aparece no momento de encerramento da missa. Ele é invocado para fechar o corpo de seus devotos que retornam para casa, para o dia a dia de luta, e que, no próximo mês, estarão novamente na celebração para exaltá-lo. Esse São Jorge, que está próximo aos devotos e que fecha seus corpos, parece com o São Jorge Lutador, presente nas explicações dos devotos. Contudo, seria ingênuo não observar que as manifestações simbólicas da missa dão mais destaque ao São Jorge católico, destituído de características distintivas. Um santo que está distante de seus devotos, que escuta os pedidos e lamentos dos que vivem “num vale de lágrimas”. Só que, da maneira como são postos em relação, parece não haver tensão entre o São Jorge católico e o São Jorge lutador: todo o processo ritual opera de modo a minimizar essas diferenças. Diferenças que, no entanto, não são extremas, pois observo que tanto o São Jorge católico quanto o São Jorge lutador são exemplos de vida: os devotos querem se parecer com ele, adquirir seus atributos, ser de sua companhia42. Dessa forma, podem coexistir o São Jorge taumaturgo, São Jorge bondoso, São Jorge protetor, São Jorge glorioso, São Jorge guerreiro, São Jorge lutador, São Jorge vitorioso, etc. Todos eles articulados sem conflito premente, tanto porque o processo ritual contribui para o apaziguamento, quanto porque as muitas potencialidades do símbolo contribuem para a reprodução e para a invenção de muitos São Jorges mais.

42

Agradeço a Orlando Calheiros que, ao ler minhas reflexões, chamou a atenção para os aspectos que aproximam os São Jorges, não apenas os que os distinguem.

76 3. SOB O MANTO DE SÃO JORGE: DEVOÇÃO São Jorge, santo invicto, cavaleiro sem par, o meu corpo protegei, na terra no mar, no ar. Andarei vestido e armado, com as armas de Jorge, para que meus inimigos tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me agarrem, tendo olhos não me enxerguem e nem pensamentos eles possam ter para me fazerem mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrarão sem ao meu corpo chegar, cordas e correntes se arrebentarão sem o meu corpo amarrar. Jesus Cristo, me proteja e me defenda com o poder da sua santa divina Graça. A Virgem Maria me cubra com o seu sagrado manto, me protegendo contra todos e contra tudo, e Deus com sua Divina Misericórdia seja o meu defensor contra as maldades dos meus inimigos. Ó Poderoso São Jorge, em nome da falange do Divino Espírito Santo, estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas. E assim, na aflição, serei também acudido com a vossa proteção! (Oração de São Jorge para fechar corpo).

Na Introdução deste estudo, informei que minha motivação era imergir no mundo de São Jorge e seus devotos e meu objetivo era expor as práticas e representações engendradas nos momentos de celebração ao santo. Contudo, no decorrer da análise, acabei me deparando com um dado que, estando no contexto de celebrações, me leva para um outro universo de práticas e representações: o fechamento de corpo que é evocado ao final das missas mensais remete ao contexto cotidiano, ao dia a dia dos devotos. Fechar o corpo implica em estabelecer um vínculo com o santo que se estende para além dos contextos de celebração. Implica em estabilizar esse vínculo no cotidiano, tornando o santo parte da vida do devoto e o devoto parte do santo. Aquele, sob a proteção do padroeiro, adquire características de invencibilidade e quer se parecer com o protetor. Este está em vigilância constante, protegendo com seu escudo e suas armas os que se colocam sob sua guarda, dando-lhes força e acudindo nos momentos de aflição43.

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O filme de Nelson Pereira dos Santos, O Amuleto de Ogum (1974), narra as aventuras de um jovem que, quando criança, é levado a um terreiro para ter seu corpo fechado. Mais tarde, já rapaz, chega ao município de Duque de Caxias, recomendado a um poderoso bicheiro da região, que o contrata como matador. O corpo fechado permite que o jovem saia ileso de inúmeras emboscadas e o Amuleto parece ser a fonte de todo esse seu poder.

77 Neste terceiro e último capítulo, deixo de lado a análise do contexto ritual e proponho uma reflexão sobre o mundo dos que fecham seus corpos com São Jorge, os devotos. Minha finalidade é resgatar as práticas e representações que compõem seu dia a dia, um cotidiano marcado pela presença do santo que os protege de todos os males. Para tanto, recorro à análise de narrativas de milagres e graças operados por São Jorge e recorro também ao exame das práticas votivas dos seus devotos. Minha hipótese é a de que o estudo dessas narrativas e práticas permite acessar o léxico que dá sentido (LÉVI-STRAUSS, 1973b) à relação simbiótica que eles mantêm. Cabe, contudo, antes de iniciar a reflexão, apontar melhor os caminhos teóricos que possibilitaram a construção dessa hipótese. Ao sugerir tratar analiticamente as narrativas e práticas dos devotos de São Jorge, me vi diante de um impasse: não sabia bem como trabalhar com esse material, pois muitos dos estudos antropológicos e sociológicos que li sobre o culto e devoção aos santos deixam de lado tais histórias. Ou, quando não, elas são usualmente interpretadas como relações de trocas materializadas em três etapas: a promessa (ou pedido), a concessão do que se quer pelo santo (a graça ou milagre) e o pagamento da promessa; sendo que tais trocas revelam uma lógica contratual implícita na reciprocidade que compromete homens e santos a dar e receber, como já observaram MONTERO (1999:336) e MENEZES (2004:247 e 2006:3). Ou seja, parecia não haver muito o que fazer, nem o que dizer sobre tais narrativas. No entanto, a leitura de produções recentes possibilitou que lidasse com esse material de modo distinto, deslocando-os das margens para o centro da reflexão analítica e assinalando a rentabilidade de se gastar mais tinta pensando sobre o assunto. É o caso dos estudos de MENEZES (2004) e GUTTILLA (2006), por exemplo. Nesse processo, descobri produções mais antigas que já sugeriam o mesmo, como o inspirador ensaio de FERNANDES (1994[1990]), a dissertação de FRADE (1987) e o livro de SAEZ (1996)44. 44

Além disso, a participação num grupo de estudos (Por uma Antropologia Da Devoção – PADD) e num curso (Antropologia da Santidade e da Devoção), coordenados por minha orientadora durante 2007, foi fundamental para ter contato com uma bibliografia que tratava do tema.

78 De diferentes maneiras, esses autores sugerem que a atenção às práticas votivas e às narrativas dos devotos revela que as relações com os santos não se baseiam exclusivamente em uma lógica utilitarista e racional: “Este é o campo do “realismo fantástico” captado pela literatura latino-americana; distante do universo kantiano, onde a sensibilidade e o entendimento (...) não têm acesso às idéias totalizantes da razão. Na presença da santidade, em vez disso, o extraordinário é ordinário.” (FERNANDES, 1994:197-198). Assim, abordagens científicas anteriores são revistas e propõem-se novas perspectivas teóricas atentas às diferentes “modalidades do conhecimento” – racional/emotiva, erudita/popular – usadas pelos fiéis para refletir sobre a presença dos santos em suas vidas (CLAVERIE, 1990). E mesmo que observem a predominância de uma lógica utilitarista no estabelecimento dessas relações, tais estudos ponderam que existem outras lógicas operando quando se dá a manutenção do vínculo com o santo: “O devoto pratica o culto para agradar seu santo e não para pagar promessas ou pedir favores. Presta culto porque é obrigação sua, como devoto, cultuar seu santo de devoção. Este, por sua vez, deve proteger seu devoto independentemente de pedidos de graças e favores”. (GUTTILLA, 2006:167; grifo meu). Mas é MENEZES, ao se dedicar ao exame sistemático das práticas votivas, que observa que os atos de pedir e agradecer aos santos revelam vínculos mais complexos do que o sugerido no modelo interpretativo das três etapas (promessa-graça-agradecimento/devoção), pois: ... nem todos os pedidos são promessas: a promessa parece ser um tipo específico de pedido que “é pago”, como forma de retribuição, enquanto que os demais pedidos “são agradecidos” ao santo. Ou ainda nem todos os que pedem e obtêm a graça de um santo se consideram seus devotos: é possível pedir a um santo porque ele domina uma especialidade da qual se necessita, ou por ter ouvido falar de sua reputação, sem que a pessoa se torne necessariamente sua devota (...) (MENEZES, 2006:4).

79 Diante dessas muitas possibilidades de se relacionar com o santo, existe uma em particular que interessa a minha reflexão: a relação de devoção. De acordo com as formulações de MENEZES, ela é: ... um vínculo duradouro e permanente (...), vínculo que pode se estender pela vida afora (...) envolve a fidelidade, mas não a exclusividade, pois é possível se combinar devoções a vários santos (...) é ainda marcada pela amizade, a fé, a confiança, a gratidão e reconhecimento (...) e principalmente a devoção fervorosa manifesta-se ainda numa atitude de doação do devoto ao santo. (MENEZES, 2006:5-6; grifo, em itálico, meu).

Ou seja, aceitando que a relação de devoção consiste nesse ato de doação do devoto ao santo – ou como a autora sugere em um outro texto, que “Um devoto (...) está num fluxo de trocas tão intenso com o santo que (...) parece viver em permanente estado de graça” (MENEZES, 2004:230) –, penso que é possível inferir que cada devoto possui um vínculo muito especial e particular com seu santo de devoção. Vínculo que se constitui ao longo da vida, que toma feição na realização de atividades votivas e nos acontecimentos extraordinários, milagrosos, mas que, na maioria das vezes, só pode ser vislumbrado em práticas e circunstâncias que fogem à percepção dos que não constituem essa relação. O modo que encontrei para refletir analiticamente sobre esse vínculo foi trabalhar com as narrativas dos devotos: a cura de enfermos em estado grave, a proteção concedida em momentos de perigo, o êxito na realização de tarefas, as promessas realizadas etc. Considero que todas essas narrativas dão sentido a intervenção do santo na vida dos devotos. Ou, nos termos de LÉVI-STRAUSS (1973b), trata-se de uma operação que torna inteligível (e também eficaz) a ação do santo, pois aciona o léxico que traduz em termos lógicos as operações possíveis de serem realizadas por ele. Acredito que vale, entretanto, ponderar que os devotos podem ter outros meios para perceber e interpretar a presença dos santos e/ ou entidades outras em suas vidas, como já assinalaram as etnografias de CLAVERIE (1990) e GOLDMAN (2006), por exemplo. Foi a necessidade de explicarem para mim, uma “jovem”, “pesquisadora”, “possivelmente

80 considerada uma pessoa que não é devota de São Jorge”, qual a eficácia do santo – e, conseqüentemente, qual a validade de se acreditar nele – que os levou a acionar esse léxico. Portanto, esclarecida a premissa e o corpus etnográfico que possibilitam a realização deste capítulo, cabe relembrar que meu objetivo é ainda o mesmo dos capítulos anteriores: apreender o mundo criado em função do culto a São Jorge. As práticas e representações que interessam àqueles que, dentre outros pertencimentos, assinalam que são devotos desse santo – que como já assinalei no capítulo anterior, não é um e sim muitos.

3.1 De volta ao vinte e três de abril: fogos, Missa, feijoada e cerveja

E São Jorge Guerreiro/ Com sua lança de prata/ Nos livra da vida ingrata/ E de tudo quanto é mal/ Nos livra da enchente/ Da inveja dessa gente/ E quem não anda contente/ que tenha seu lugar ao sol/ Depois do temporal. (Trecho de “Depois do Temporal”. Compositores: Beto sem braço e Arlindo Cruz).

No primeiro capítulo comentei que, no dia da festa de São Jorge, em meio à multidão de pessoas que lá estavam, havia um grupo que preferiu passar a noite nas escadas em frente ao templo de São Jorge, aguardando a realização da Missa da Alvorada. Algumas delas responderam a um questionário que elaborei com o intuito de saber quais os motivos que as levaram à festividade. Rose, uma farmacêutica de trinta e oito anos, freqüenta a festa de São Jorge em Quintino há quatro. Ela mora em Jacarepaguá (bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro) com a mãe, Dona Sueni, que também estava na festa. Ambas disseram que são devotas de São Jorge: Rose após ter um pedido atendido, sendo este o motivo que a faz comparecer na festa. Já Dona Sueni vai há quinze anos, porque recebe a proteção do santo: “São Jorge protege a mim e a minha família sempre, peço sempre proteção e força a ele desde que meu marido faleceu”.

81 Elas costumam ir à Paróquia somente no dia da festa e quando necessitam de “proteção especial” como, por exemplo, quando assaltaram a farmácia em que Rose trabalha: “Nessa época, vim à igreja pedir proteção a São Jorge. Depois disso, nunca estava quando assaltavam a farmácia”. Mediante a ação de São Jorge em sua vida, Rose deixou de vivenciar momentos de perigo no trabalho, mas estes não deixaram de acontecer. Ela só passou a não estar mais presente quando a farmácia era assaltada Dona Sueni disse que seus outros filhos também são devotos de São Jorge, mas não vão à festa. No entanto, sempre que vai à igreja de São Jorge, Dona Sueni pede proteção a toda família: “Peço por mim e por todos os meus filhos e netos. Peço proteção para nossas vidas e que tenhamos muito sucesso”. Ou seja, mesmo São Jorge protegendo-a sempre, Dona Sueni comparece à igreja anualmente para pedir proteção para ela e para família; além disso, solicita ao santo que eles tenham muito sucesso. Depois de responderem ao questionário, elas apresentaram-me a Wagner, um jovem estudante que mora em Vicente de Carvalho (bairro da Zona Norte). Wagner me disse que é devoto de São Jorge, porque o pai lhe “passou a devoção”: Aos sete anos tive meningite e meu pai foi nas igrejas de São Jorge [em Quintino], de Nossa Senhora na Penha e de Cosme e Damião. Ele fez uma promessa para que eu ficasse bom. Agora sou devoto dos três45, mas costumo vir só na missa de São Jorge no dia da festa.

Ou seja, a devoção de Wagner foi de alguma forma transmitida pelo pai: devido à promessa feita por ele quando ainda era criança, Wagner tornou-se devoto de São Jorge, Nossa Senhora e Cosme e Damião. Contudo, o modo como Wagner celebra o dia deste três santos é distinta, assinalando que o estabelecimento de um vínculo de devoção não implica numa homogeneidade de práticas dos devotos com os santos: é possível ir à festa de um dos santos de devoção e não ir à festa de outro, por exemplo. 45

CALÁVIA SAEZ (1996) desenvolveu uma interessante reflexão sobre o culto a Cosme e Damião, colocandoo em relação com o culto popular aos “Inocentes” (crianças mortas por alguma doença ou tragicamente) e às entidades afro-brasileiras “Ibejis”. Segundo ele, o caráter múltiplo desses seres, isto é, eles são um e são muitos aparece como uma das características em comum.

82 Conversando um pouco mais, Wagner informou que foi após a morte do pai, que começou a comparecer na festa de São Jorge e, como ele morreu no dia de Nossa Senhora, passou a ir à igreja da Penha também. É interessante notar que foi esse fato biográfico que motivou o comparecimento de Wagner nas comemorações de São Jorge e que Dona Sueni também assinala que foi a morte do patriarca de sua família que a levou pedir proteção para ela e sua família. Além disso, Wagner disse que estava na festa para agradecer a cura da mãe que estava muito doente: “Esse ano vim agradecer a cura da minha mãe, que estava muito doente e melhorou”. Ou seja, ele enfatiza que é dom de curar enfermos em estado grave que impulsiona sua devoção, sendo este o motivo que me fez encontrá-lo nas escadarias do templo de São Jorge a espera da realização da Missa da Alvorada. Wagner foi à festa na companhia do amigo e vizinho Cosme, que também aceitou responder ao questionário. Cosme é dono de uma empresa de silk-screen e vai à Missa da Alvorada na Paróquia de Quintino há quatro anos para cumprir uma promessa: “Prometi que tenho que ser o primeiro a entrar na igreja durante sete anos. Depois disso, posso chegar mais tarde, vir na missa só na parte da manhã mesmo”. Cosme não deixará, portanto, de comparecer ao evento após o cumprimento da promessa, apenas tornará mais flexível seu comparecimento, diminuindo a intensidade do seu sacrifício e tornando a celebração do dia do santo de devoção mais confortável. A promessa, portanto, implica em esforço, em cansaço, em privação: abdica-se da noite de sono, abdica-se do conforto para poder exaltar o santo milagreiro. Já a devoção não exige essa privação: o devoto pode celebrar o seu santo do modo que lhe for mais conveniente. Conversando um pouco mais, Cosme explicou que “na verdade” foi uma amiga quem sugeriu que ele fizesse essa promessa para São Jorge:

83 Eu brigava muito com um irmão com quem tinha sociedade na empresa. Essa amiga perguntou se eu não cumpriria uma promessa para as coisas melhorem e eu falei que tudo bem. Daí, rompi a sociedade com meu irmão, mudei meu escritório para um outro lugar e fico vindo aqui.

São Jorge foi chamado para interceder numa contenda entre irmãos e a solução encontrada foi a dissolução da sociedade que eles tinham. É em razão da solução que o santo deu para esse seu problema que Cosme tem que ser o primeiro a entrar na igreja no dia da festa de São Jorge. Mas Cosme disse ainda que não comparece somente na Missa da Paróquia. Para celebrar o dia de São Jorge, ele também realiza uma festa em sua casa no próprio dia vinte e três de abril, a partir das dez horas da manhã. Na comemoração, Cosme reúne seus amigos e conhecidos que pagam uma pequena quantia para adquirirem uma camiseta de São Jorge que ele mesmo faz e que é o ingresso para participarem do festejo. O dinheiro da camiseta ajuda Cosme a comprar cerveja. Já a feijoada, prato principal do evento, é ele quem doa os ingredientes e sua mãe quem prepara. Cosme afirma que esta festa não tem a ver com a promessa realizada há quatro anos: ele a faz para comemorar o dia do seu santo de devoção e também para comemorar o seu aniversário, no dia seguinte à festa de São Jorge. Quando o relógio marcou 00:00h do dia vinte e três, Cosme pediu licença, interrompeu a entrevista e saiu para soltar fogos junto com o amigo Wagner. Nesse momento, outras pessoas também soltaram fogos: algumas próximas à igreja, no “veleiro”; outras de suas casas, pelas ruas do bairro. Na escadaria bateram palmas e gritaram “Salve Jorge!” e “Viva São Jorge!”. Ângela, uma mulher que estava por perto e prestando atenção nas conversas, aproveitou para perguntar o que fazia. Informei que era uma pesquisa para o mestrado e indaguei se não gostaria de responder ao questionário, ao que não fez objeção. Ângela tem quarenta e três anos, mora no Méier (bairro da Zona Norte), é administradora de empresas e freqüenta a comemoração de São Jorge em Quintino há dois anos, mas é devota de São Jorge “há muito tempo”. Ela freqüentava a festividade realizada na igreja do Centro da cidade, porém, nos últimos anos, prefere ir à comemoração de Quintino:

84 “No centro a gente só pode passar em frente à imagem e sair rapidinho. Aqui não, apesar de ser bastante cheio a gente pode ficar o tempo que quiser e fazer a nossa oração”. Ela estava na festa para agradecer uma graça recebida, mas afirmou que São Jorge está sempre com ela: “São Jorge está sempre comigo, sempre me dá proteção”. Ela possui, portanto, um vínculo com São Jorge que não se limita à relação de pedido e agradecimento. Ângela prosseguiu explicando que sempre que vai à festa, costuma comprar dez fitinhas de São Jorge na loja da igreja para benzê-las em Quintino. Depois, fica com uma e distribui as outras nove para amigos e parentes. Ela aconselhou que fizesse o mesmo e completou: “São Jorge sempre atende meus pedidos, ele é poderoso. Pede pra ele que seu trabalho vai bombar”. Ângela sinaliza, portanto, que o santo protetor não age somente sobre sua vida, mas por intermédio dela também age sobre a vida dos que fazem parte do seu círculo familiar, dos que estão próximos a ela. Como informei no primeiro capítulo, mais ou menos às 03:00h, essas pessoas entraram no templo de São Jorge para, dentre outras atividades, aguardar a celebração da Missa da Alvorada. Nesse período de espera, para evitar cair no sono, comecei a conversar com José, o devoto de São Jorge que me presenteou com o pedido que deixaria aos pés do santo. Ao saber que minha pesquisa era para elaborar uma dissertação de mestrado, José enfatizou que sua ligação com São Jorge era pelo Candomblé. Acredito que, nesse momento, ele quis assinalar que seu pertencimento religioso implica em um vínculo diferenciado com o santo. Uma dessas diferenças consiste no uso de uma guia de contas verdes que José carrega em seu pescoço. Além da guia, ele possui uma medalha de São Jorge semelhante a uma que comprou para o filho, também devoto do santo. Essa guia e medalhas marcam o vínculo de José com o santo, são formas de singularizar, de portar no seu corpo sinais de sua devoção. José também fez questão de destacar que o batizado do seu filho foi na Igreja dos Veneráveis

85 Mártires São Gonçalo Garcia e São Jorge, o filho que ele “deixará no mundo” e que “desde já se sabe filho de São Jorge”. José também contou um episódio em que foi poupado de ser vítima de um assalto, porque mostrou a medalha de São Jorge que tinha no pescoço. E disse: “a ciência pode dizer que eu confundi o ladrão, mas eu sei que foi ele [São Jorge] quem me protegeu”. Por fim, antes de iniciar a Missa da Alvorada, José repetiu o conselho de Ângela: recomendou que eu pedisse para São Jorge pelo sucesso de minha dissertação. Em nossa despedida, José me presenteou com o pedido que deixaria junto à imagem do santo de devoção. Nele, refere-se a São Jorge como “Ogum, meu pai”; “São Jorge”; “Pai”; “guerreiro”; e “Ogum, santo guerreiro”. Ademais, solicita proteção para o filho (“livra-o da bala perdida, das ciladas e das más companhias”) e para ele (“proteja-me dos meus inimigos, da inveja”) e roga pela vitória nos seus empreendimentos.

***

De santo protetor a apaziguador de contendas e taumaturgo poderoso, capaz de curar enfermos em estado grave e de garantir o sucesso daqueles que lhe solicitam, os devotos informam que a ação de São Jorge em suas vidas não se restringe a uma especialidade particular. Pelo contrário, eles apontam que São Jorge os protege a todo momento, sempre lhes concede o que necessitam e, desse modo, resgatam atributos que pareciam relegados a um segundo plano do campo semântico do santo, exposto no capítulo anterior. Mas, ainda assim, suas narrativas ressaltam uma aparente predisposição para a intervenção do santo em casos de assaltos, roubos, rixas, ou outros episódios em que o fiel é vítima de violência, assinalando que, em situações-limite, São Jorge é um milagreiro poderoso.

86 E a proeminência dessa sua característica de protetor – dentre as muitas outras latentes, já assinaladas no capítulo anterior – está em consonância com uma certa situação de insegurança vivenciada pela população carioca no seu dia a dia, como considera um paroquiano de Quintino: “Acho que a festa e a devoção a São Jorge aumentaram por causa da situação de violência que estamos vivendo, mas, se diminuir a violência, a devoção vai estacionar e pode até diminuir”. (Francisco, em junho de 200). Contudo, diferentemente do que observou GUTTILLA (2006) em relação à popularização da devoção a São Judas Tadeu, considero que a divulgação das virtudes e especialidades de São Jorge não determina o plano de ação do santo na vida dos seus devotos. Ao contrário, tendo a concordar com CALÁVIA SAEZ que propõe o seguinte: É habitual se assumir que a biografia de um santo é um dado fundamental deste, que sua eficiência milagrosa e a adscrição do fiel estão de algum modo vinculadas a, ou qualificadas por eles. Ora, do modo como foi aqui apresentado, o modelo biográfico (...) afeta potencialmente, e de um modo total ou parcial, o conjunto da sociedade; a analogia que interessa nesses termos não é uma analogia real, mas virtual e combinatória (1996:49).

Assim, mais que delimitar, a biografia de um santo potencializa suas virtudes. Já as narrativas dos milagres e graças concedidas por ele contribuem ativamente para tal potencialização, pois consistem em operações que tornam compreensíveis as ações do santo na vida dos devotos, visto que acionam e põem em relação um conjunto de narrativas préexistentes sobre o assunto. O mais interessante, porém, é observar que os devotos (e paroquianos) sinalizam que se vivencia um momento no qual ocorrem imbricações entre contexto e léxico de São Jorge, movimento que, pelo que inferi no capítulo anterior, contribui para uma das características de São Jorge preponderar sobre as demais. Ou seja, as complexas relações entre símbolo, campo semântico, contexto e apropriação simbólica estão em processo e são manipuladas criativamente pelos devotos.

87 Contribui para essa argumentação o fato de MENEZES observar que há casos específicos em que a divulgação dos dons taumatúrgicos e especialidades do santo ajudam a formar sua reputação, colaborando para que os fiéis engendrem vínculos de experimentação das suas capacidades milagrosas (2004:219). Todavia, há que se lembrar sempre que os devotos destacam que essa é apenas uma das muitas possibilidades da ação de São Jorge no seu cotidiano. Além dessas características, há outros elementos interessantes de serem destacados nessas narrativas: os devotos presentes no dia da festa não só contaram histórias dos milagres operados pelo santo, mas também assinalaram práticas que consideram importantes de serem realizadas para comemorar o dia de São Jorge. A participação na Missa da Alvorada, a compra de “fitinhas” para benzer e distribuir entre amigos e parentes, a feitura de feijoada, a compra de cerveja, a doação de camisas com a imagem do santo, a queima de fogos, o uso de guias e medalhas, e as saudações “Salve!” e “Viva!” São Jorge, são também modos de particularizar as relações com o santo de devoção e de evocar e conformar práticas votivas consideradas razoáveis para celebrá-lo Assim, considero que cada devoto possui um léxico próprio que conforma suas relações com São Jorge: uns bebem cerveja, outros bebem beja, ou não bebem nada; uns fazem churrasco, outros feijoada; uns soltam fogos, outros acendem velas, compram fitinhas e assistem às missas; uns portam medalhas, outros guias, etc. Esse léxico, que dá sentido às relações e atuações do santo em suas vidas, também se expande ao ser apropriado e manuseado por eles. No entanto, esses foram depoimentos que recolhi num momento de festa, em que os devotos estavam em frente à escadaria da igreja e assistindo à Missa da Alvorada não só para comemorar o dia do santo de devoção, mas também para pagar promessas e solicitar milagres e graças. No tópico seguinte, reflito sobre o depoimento concedido por um devoto de São

88 Jorge que comparece em todas as missas do dia vinte e três e que é considerado pelos paroquianos um devoto fervoroso.

3.2 “E Viva São Jorge, o maior santo do Brasil e do mundo!”: a devoção de “seu” Antônio

Fica ao meu lado, São Jorge Guerreiro/ Com tuas armas, teu perfil obstinado/ Me guarda em ti, meu Santo Padroeiro/ Me leva ao céu em tua montaria/ Numa visita a lua cheia/ Que é a medalha da Virgem Maria/ Do outro lado, São Jorge Guerreiro/ Põe tuas armas na medalha enluarada/ Te guardo em mim, meu Santo Padroeiro/ A quem recorro em horas de agonia. (Trecho de “Medalha de São Jorge”. Compositores: Moacyr Luz e Aldir Blanc).

Nos capítulos anteriores, comentei que, ao final das missas de São Jorge, todo dia vinte e três, padre Marcelino convida um senhor para fazer a saudação oficial ao padroeiro da Paróquia de Quintino Bocaiúva. Nesse momento, dirigi-se ao microfone “seu” Antônio, um paroquiano que há anos realiza a tarefa, como fiquei sabendo posteriormente. Com o microfone em punho, ele grita com toda força: _“E viva São Jorge!” e a assistência responde: _“Viva!”. Grita mais uma vez: _“E viva São Jorge!”, ouvindo-se novamente a resposta: “Viva!”. Finalmente, “seu” Antônio exclama: “E viva São Jorge, o maior santo do Brasil e do mundo!” e a platéia bate palmas. A paixão e a freqüência com que vi “seu” Antônio saudar o santo padroeiro aguçaram minha curiosidade a seu respeito, impelindo uma tentativa de aproximação. Assim, solicitei a Francisco, um dos paroquianos com que tinha mais contato, que me apresentasse a ele. Ao saber de minha vontade, Francisco disse: “É claro! Você não o conhece ainda? “Seu” Antônio tem muita história para contar, ele “é um devoto fervoroso.”. Foi após a missa de vinte e três de junho que Francisco nos apresentou: eu, como pesquisadora que estudava a festa e a devoção a São Jorge; “seu” Antônio, como uma pessoa

89 muito devota do santo. “Seu” Antônio estava na lanchonete da igreja, em meio a uma conversa com Jorge Ben Jor e outras pessoas que acompanhavam o cantor. Conversei rapidamente com eles, peguei os telefones de contato de “seu” Antônio e combinei que ligaria durante a semana para conversarmos melhor. No dia seguinte, liguei para explicar com mais calma do que se tratava a pesquisa e, como se mostrou receptivo em falar sobre São Jorge e sua devoção, agendamos uma entrevista na Paróquia. Nas suas palavras: “De São Jorge eu falo com muito prazer”. Assim, em onze de julho de 2007, pouco depois das 18:00h, encontrei “seu” Antônio em frente ao templo de São Jorge. “Seu” Antônio estava vestindo uma camisa vermelha e trazia em seus braços uma pasta também vermelha, cujo conteúdo ele revelou ao longo da entrevista: eram fotos de festas de São Jorge e de como era a Paróquia antigamente; reportagens que destacavam sua fé e sua participação nas festas do santo de devoção; e uma Menção Honrosa concedida pela Câmara dos Vereadores no ano de 1998, pela sua “inigualável contribuição para realização da festa de São Jorge na Paróquia de Quintino Bocaiúva”. Como acabara de chegar do trabalho, “seu” Antônio solicitou que fôssemos à lanchonete para fazer um lanche e somente após nos dirigimos à sacristia, local que Francisco disponibilizou para realização da entrevista. Lá ele perguntou novamente sobre o que era minha pesquisa. Expliquei com mais detalhes o que pesquisava na Paróquia – informações como a data da construção, as irmandades de São Jorge que existiram e também sobre a festa do santo padroeiro – e disse que uma parte importante do trabalho era sobre histórias de devoção a São Jorge, por isso pedi para entrevistá-lo. Iniciei a entrevista perguntando a “seu” Antônio quando começou a realizar as saudações “Viva São Jorge!”. Nesse momento, ele me corrigiu: é “E Viva São Jorge!”. Comentei: “Ah, então tem esse “e” no início...”. “Seu” Antônio:

90 _“Em uma das festas de São Jorge, quando chegava a procissão e o carro de bombeiros se aproximava com a imagem do santo, peguei o microfone que estava de bobeira e disse: “E viva São Jorge!” (risos) Então, o padre me corrigiu dizendo: _Não é “e viva!” é “Viva São Jorge!”. Fui e falei novamente: “E Viva São Jorge!” e completei: “O maior santo do mundo!” (risos). Quando indaguei por que ele resolveu fazer isso, “seu” Antônio respondeu que era jovem ainda e na hora nem pensou no que estava fazendo: _“Foi um impulso. Agora faço com o maior prazer todos os anos. Mas eu tenho que te contar essa história direitinho...”. Reproduzo, abaixo, trechos da entrevista que fiz com “seu” Antônio, separando por temas alguns aspectos de sua biografia46. O intuito deste exercício é não só expor as práticas e elementos que povoam o cotidiano do “seu” Antônio devoto de São Jorge, mas também elucidar que para entender como se dá a presença do santo em sua vida é necessário contar toda sua história, já que não é possível dissociar o que é a presença do santo do que é a vida do devoto.



Apresentação O meu nome é Antônio José Barbosa Leite. Tenho sessenta e seis anos de idade e

cinqüenta e cinco anos de igreja do maior santo do mundo. Em oito de dezembro de 1962 eu fiz minha primeira comunhão e a partir daí eu nunca mais deixei a igreja matriz aqui de Quintino. Sou filho de católico, inclusive o meu pai foi provedor da igreja do Amparo, ali em Cascadura, mas eu me dediquei aqui todos esses anos.

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Foi a leitura do livro “Zé Pureza”, do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, durante realização de um trabalho técnico para o projeto “Memória Camponesa” desenvolvido pelo professor Moacir Palmeira, que influenciou a exposição das entrevistas que realizei com “seu” Antônio dessa maneira. Neles o objetivo é resgatar a biografia dos chefes dos Movimentos Camponeses para lançar um novo olhar sobre como se deu o processo de luta e conquista de direitos dos trabalhadores rurais. No caso, o modo como trato o depoimento de “seu” Antônio é bem simples: agrupei a entrevista em temas e tentei dar uma linearidade às informações que ele me forneceu.

91 Meu pai era devoto de N. Sra. do Amparo, por isso ele freqüentava a igreja de Cascadura. Eu participava desta igreja, porque perdi minha mãcom um ano de idade e vim morar aqui em Quintino com meus avós, na Rua Palma, onde resido ainda hoje. Então, às vezes ele ficava chateado, porque me chamava para ir à igreja do Amparo, mas eu não queria ir, porque eu tinha uma afinidade aqui, tinha uma afinidade com São Jorge... Meus avós não eram devotos de São Jorge, mas vinham às missas todos os domingos e me traziam junto. Eles me puseram para fazer primeira comunhão, crisma, eu vivia aqui, era como minha segunda casa. Eu casei aqui, batizei minhas filhas, meu neto... Hoje em dia eu não participo tanto das atividades, mas continuo vindo às missas no domingo e no dia de São Jorge. Eu sou devoto de São Jorge desde pequenininho, desde uns oito ou dez anos que vou à procissão. Eu via aquela imagem do santo no cavalo e achava muito bonita, me identificava... Daí nunca mais deixei de participar.



Leilões na Paróquia Por volta de 1967, comecei a fazer o leilão da festa de São Jorgeaqui na Paróquia:

leiloei camisa de jogador, porco, galinha, cabrito, vinho. Compareciam todas as famílias do bairro, era aquela brincadeira... Todo o ano eu fazia e era com o maior prazer. Mas as coisas foram mudando, já não havia mais chácaras e os itens doados para o leilão não eram mais rentáveis, por isso resolveram não fazer mais. Fiz o leilão até 1999 mais ou menos. Eu tenho vontade de fazer pelo menos mais uma vez. Pelo menos mais uma vez antes de morrer, porque era uma coisa que me dava muita satisfação... Quando eu fazia leilão vinha gente de tudo quanto era lugar para fazer convites para ir nas outras igrejas, em outras festas, fazer leilão. Eu chegava lá e não era a mesma

92 coisa. Aqui que eu gostava, aqui que é a minha casa. Eu cheguei a ir na Praça Seca, a ir em Padre Miguel, mas é aqui que eu me sinto em casa.



As festas de São Jorge Eu venho na primeira missa – que é a das 05:00h – e fico até a última. E desde o ano

passado eles fazem a procissão no mesmo dia da festa. Então eu gritei “E Viva São Jorge!” aqui em todas as missas e dei mais um grito na procissão. Quando chegaram da procissão, ainda realizaram mais duas missas e eu gritei nas duas. No outro dia a minha voz estava perfeita. Eu faço isso todos os anos e não é promessa. Eu faço porque eu gosto, porque me dá satisfação. Antigamente as festas davam muito trabalho, tinha que arrumar tudo, puxar fio de luz, pedir ajuda de um e de outro, mas era tudo mais família. Hoje em dia não, está tudo feito, tudo pronto. Em compensação, a gente não vê mais a participação das famílias do bairro. Normalmente eu trago um pessoal comigo para pintar o adro da igreja uns quinze dias antes da festa. Eles também pintam parte da rua Clarimundo de Melo, a Rua da República e a Rua Palma, que é a que eu moro. Eu faço isso já tem muitos anos. Tem uma moça que me ajuda, ela vem com os filhos e vizinhos lá de Padre Miguel e a gente aproveita para fazer um churrasco. Eles vêm com o maior prazer fazer isso aqui comigo, é uma coisa muito boa. Não é promessa. É que gosto de ver a igreja bonita, as ruas bonitas para a festa de São Jorge.



São Jorge Eu acho que a pessoa que tem seu santo de devoção, para ela, esse é o maior santo do

mundo. Eu não tenho nem o que dizer, é assim. Eu não quero dizer, mas eu acho que São

93 Jorge é maior do que Cristo... Não é bem isso que quero dizer... Para mim ele é o maior santo do mundo, é isso que eu quero dizer. São Jorge é santo para tudo, basta você ver que no ibope ele está lá em cima. Os demais santos fazem um pouquinho, ajudam numa ou outra coisa, só São Jorge faz tudo. Ele sempre me ajudou e sempre me ajuda, não só eu como as pessoas ligadas a mim, eu peço muito. São Jorge que me dá força. Eu quase não tenho medo de nada, porque... eu não sei... São Jorge para mim... eu não sei, até me emociono.... Eu espero durar mais cem anos, eu quero mais cem anos, eu estou com sessenta e seis, e tenho o maior prazer de no dia de São Jorge dar esse grito “E viva São Jorge!”. Eu quero fazer isso ainda muitos e muitos anos. E outra coisa, se eu pudesse escolher um dia para morrer, eu queria morrer no dia de São Jorge, sendo que depois que a festa tivesse terminado. É o meu sonho morrer no dia de São Jorge. Porque eu já criei minhas filhas, já conversei até com elas, se eu pudesse decidir o dia da minha morte eu queria morrer no final da festa de São Jorge. Inclusive eu já tenho até o meu substituto: o meu neto Matheus. Ele está com um ano, mas eu trago ele na festa Só que ele não entrou na igreja este ano não. Ele ficou lá fora com a mãe, pois estava muito cheio. É ele quem vai dar o grito depois, eu já fico no berço dele dizendo “E viva São Jorge!” e ele ri muito. Ele quem vai ser o meu substituto.



Milagres e graças Dia 4 de abril de 1992, quinze anos atrás, fui assaltado: os assaltantes apontaram a

arma para mim, eu bati com a porta na cara deles e tranquei a porta. Pela janela, eles mandaram dois tiros para cima de mim, mas as balas não me pegaram. Eu corri e pulei em cima da mesa; por causa do meu peso, quebrei a tíbia, mas não aconteceu mais nada.§ Então

94 é isso, você pode andar com aquela segurança... Eu, particularmente, não tenho medo desse negócio da violência, da insegurança, eu não penso nisso, porque eu sei que São Jorge está comigo e ele me dá uma força muito grande. As operações que acontecem comigo são sempre no mês de abril. Eu recordo que no ano passado fui operar a carótida, que é uma operação de risco que pode deixar seqüelas. Então, eu lembro que fiquei muito desanimado e quando o meu genro e a minha filha foram me levar. Eu estava quieto, desanimado mesmo, foi quando eu soltei do carro e lembrei da imagem de São Jorge. Estava aquela garoa caindo e fiquei com a imagem na cabeça e aquilo me deu uma força e eu fiz a operação. Não tive problema nenhum, não fiquei com seqüela alguma. Então, graças a Deus, é isso. São Jorge está comigo, ele é tudo para mim. *** É possível perceber que “Seu” Antônio não é somente devoto de São Jorge. Ele é pai, avô, paroquiano, trabalhador, morador de Quintino Bocaiúva... Contudo, neste exercício analítico, importava-me entender como se dava a presença de São Jorge em sua vida e quais as implicações dessa presença. No decorrer das entrevistas, porém, quando o assunto era sobre sua devoção e sobre o que São Jorge significa, as palavras ficavam escassas, dando lugar às longas pausas e à voz embargada. Foi assim que, com um certo custo, “seu” Antônio ensinou-me que a devoção é também emoção, sentimento que se traduz em atos e que se constrói durante toda uma vida. Ensinou-me também que a presença do santo é muitas vezes sentida, mas não há palavras para explicar que sensação é essa; e que o vínculo com o santo protetor implica em confiança, zelo e doação. Dessa forma, dissociar presença do santo e vida do devoto é empobrecer ambas as existências, ainda que uma não seja redutível à outra. Ou, como diria MAUSS a propósito da dádiva, em análise que poderia ser estendida à devoção: “No fundo são misturas. Misturam-se

95 as almas nas coisas; misturam-se as coisas nas almas. Misturam-se as vidas, e é assim que as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de sua esfera e se misturam...” (2003:200). Partindo dessa observação, considero que as histórias de “seu” Antônio sobre São Jorge são igualmente histórias de “seu” Antônio sobre ele mesmo: foi a vivência religiosa na Paróquia de Quintino que lhe proporcionou comoção estética e certo fascínio com a representação do homem em cima do cavalo branco, comoção esta que tornou o menino Antônio um devoto do santo padroeiro de sua Paróquia, um participante das suas procissões. Estabelecido o vínculo, São Jorge passou a agir em todos os momentos de sua vida, ajudandoo e protegendo-o: “São Jorge sempre me ajudou e sempre me ajuda. Eu peço não só por mim, mas pelas pessoas que estão ligadas, sobretudo para minha família”. A partir daí, a família de “seu” Antônio também construiu vínculos de devoção com São Jorge: suas filhas são devotas do santo e há o neto que “seu” Antônio está preparando para ser seu substituto. Forma-se, portanto, uma terceira geração de devotos de São Jorge na família Leite. A vida de “seu” Antônio é marcada por seu vínculo com o bairro de Quintino Bocaiúva, sua participação nas atividades da Paróquia e sua relação com o santo padroeiro. A feitura de leilões, as saudações ao final das missas, as pinturas que encomenda para embelezar o adro da igreja e as ruas de Quintino; tudo isso, são atividades que ele realiza por prazer, não por obrigação. Ademais, considero que “seu” Antônio condensa opiniões e características de muitos paroquianos com quem conversei no decorrer da pesquisa: são moradores do bairro que se dedicam à Paróquia e ao santo padroeiro, que não desvinculam a devoção ao santo de sua participação ativa na igreja. Ao contrário, esse senhor elucida que foi a igreja que lhe conduziu a São Jorge. E assinala, assim, com um tom saudosista que acostumei a identificar nas conversas com paroquianos mais velhos, que as mudanças decorrentes da popularização

96 da festa do padroeiro de Quintino são recebidas receosamente: eles tendem a ressaltar o aspecto negativo da afluência dessas pessoas “estranhas à localidade”, como já comentei no primeiro capítulo. Dessa maneira, o desejo de “seu” Antônio de realizar, ao menos mais uma vez, o leilão na Paróquia, é o desejo de outros paroquianos que sentem saudade e desejam ver novamente as festas de São Jorge como festas de confraternização das famílias de Quintino Bocaiúva: “Era um clima muito familiar. Eu gostava mais, porque sentia que era a minha casa.”.

97 CONSIDERAÇÕES FINAIS

... Pedi a São Jorge guerreiro/ Pra nos ajudar/ Achei nesse canto/ Um recanto, para descansar. (G.R.E.S. Estácio de Sá Samba-Enredo 1994 - “S.a.a.r.a. ... A Estácio Chegou No Lê Lê Lê De 'alalaô”, compositores: Fininho, Pereira, Edmilson e Marinho ).

Ao dar início a este exercício, deixei claro que meu desejo era imergir no mundo de São Jorge e seus devotos: apreender suas práticas e representações. Durante o percurso analítico, no entanto, fui adquirindo a consciência de que o caminho é longo e exige mais tempo do que o oferecido para a elaboração de uma dissertação de mestrado, pois tanto São Jorge quanto seus devotos mostraram-se mais heterogêneos do que eu poderia imaginar. A tarefa exigiu que eu realizasse um esforço para entender um pouco melhor que bairro é Quintino e como se dá o funcionamento cotidiano de uma Paróquia, por exemplo. Isso porque, no Rio de Janeiro, este é mais um dos muitos lugares em que se festeja o “santo guerreiro”: há comemorações em outras igrejas católicas, em terreiros de umbanda, quadras de escola de samba, shows realizados na praia, conforme informam os dados que mobilizei para compor a Introdução. Ou seja, existe um circuito (MAGNANI, 1996) de festas de São Jorge que parece se constituir via processo de diferenciação. Além do mais, observei que, nessa cidade, as manifestações de devoção a São Jorge consistem num fenômeno sócio-cultural de grande expressividade e em processo de expansão. Contribui para meu argumento o fato da promulgação do feriado municipal (e, posteriormente, também do estadual) em homenagem ao dia do santo estar sob a rubrica dos feriados culturais, como já observara PITREZ, 2007, e também o fato de que os meios de comunicação (em especial a mídia impressa) e os organizadores de alguns festejos assinalam que houve um aumento significativo do número de pessoas que comparecem nas comemorações.

98 Nesse contexto, a “festa do padroeiro” da Paróquia de Quintino Bocaiúva atrai anualmente – em vinte e três de abril – milhares de devotos e trabalhadores às suas imediações. A articulação social engendrada nesse momento, de acordo com o que propus no capítulo 1, é traduzida pelos paroquianos por meio das oposições “dentro” x “fora”: os de “dentro” são os paroquianos e moradores do bairro e os de “fora” são os “freqüentadores só de festa”, trabalhadores, moradores de outros bairros e agentes seculares que ajudam na organização do festejo. A presença de muitos fiéis das religiões afro-brasileiras também é percebida nesse dia dessa festa, no entanto, o pároco e paroquianos, optam por neutralizá-la ou, quando não, dão mostras de um possível conflito (TURNER, 1957). Já nas missas mensais em homenagem a São Jorge – realizadas todo vinte e três, às 19:00h –, centenas de fiéis comparecem à Paróquia. Todavia, no lugar das oposições “dentro” x “fora”, observa-se um processo de diferenciação entre “paroquianos”, associados “amigos de São Jorge”, moradores do bairro pertencentes ao “Grupo Alvorada de São Jorge”, motociclistas do “Moto Clube Guerreiros da Estrada” e demais devotos que não se integram a nenhum desses grupos. E a relação entre católicos e povo-de-santo, tão perceptível no dia da festa, dá lugar a uma aparente predominância católica dos participantes. Ou seja, apesar de centrar minha análise nas celebrações a São Jorge que ocorrem num espaço ritual católico – isto é, religioso –, as práticas e representações que observei durante a pesquisa não podem ser classificadas exclusivamente sob a rubrica dos fenômenos religiosos. Isso pois, do mesmo modo como tais práticas e representações são acionadas com base nas vivências religiosas dos devotos e paroquianos, elas também são acionadas tendo por base sentimentos bairristas ou pertencimentos a grupos distintos, não religiosos, que são postos sob a guarda de São Jorge. Além disso, na elaboração do segundo capítulo, a reflexão sobre as representações de São Jorge que povoam as celebrações em Quintino demandou a feitura de pesquisa sobre o

99 repertório de representações que compõe “a reserva de sentido” deste santo. Assim, pude compreender que São Jorge exprime uma cosmovisão que interpreta o mundo como palco de luta entre as forças do Bem e do Mal, que, nessa luta, cada ser humano deve se posicionar; e, por fim, que se vivencia um período muito pessimista. Cabe destacar que quando falo que o santo exprime uma cosmovisão, quero destacar que ele não é somente apropriado como meio de expressão, mas também que ele tem parte ativa nesse processo de elaboração de significados (ver nesse sentido VELHO, 1995). Ainda no exame das representações de São Jorge, empreendi uma análise direcionada para o entendimento do manuseio das manifestações simbólicas do santo. Essa análise possibilitou a recuperação do caráter multívoco e polissêmico do símbolo, assinalando que São Jorge se manifesta em forma de imagem, oração e canções e que não é um, mas são muitos São Jorges. Isto é, exaltasse o santo “glorioso”, “bondoso”, “lutador”, “protetor”, “praça da cavalaria” e “mártir”. Finalmente, no terceiro capítulo, refleti sobre um conjunto de narrativas dos devotos – isto é, pessoas que entregaram suas vidas ao santo (MENEZES, 2004 e 2006) – e propus que tais narrativas tornam inteligível a presença e atuação de São Jorge em suas vidas, pois acionam o léxico que traduz em termos lógicos as operações que São Jorge e eles podem realizar quando estão em relação. Assim, a partir da observação de que existem muitos casos em que não se pode dissociar o que é a vida do devoto do que é a intervenção do santo, considerei que o léxico de São Jorge se constitui tanto a partir de um repertório pré-existente quanto com base nas trajetórias individuais de cada devoto. E, do mesmo modo, esse vínculo permanente, permite a releitura da própria vida do devoto, que passa a interpretá-la como uma sucessão de graças, milagres e proteções, conforme assinalou MENEZES (2004). Dessa maneira, finda a análise, o que sugiro não são considerações conclusivas, pois, mais que encerrar o assunto, essas reflexões apontam novos caminhos a seguir, multiplicando

100 os mundos a imergir: existem outras tradições religiosas, outras festas, outros grupos e muito mais devotos que celebram e se colocam sob a guarda do santo guerreiro, sendo Quintino Bocaiúva apenas uma constelação nesse universo tão heterogêneo.

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105

ANEXO

106 •

Questionário aplicado na festa de São Jorge, em 22 e 23/04/2007

Pesquisa: Devoção a São Jorge na cidade do Rio de Janeiro. Local: Paróquia de São Jorge – Quintino Data: Nome: Idade: Profissão: Bairro em que mora: Há quanto tempo freqüenta a festa de São Jorge em Quintino? Costuma vir às missas comunitárias realizadas nos dias 23 nessa paróquia? Freqüenta alguma outra comemoração a São Jorge? Onde? Está disposto a colaborar mais com nossa pesquisa contando sua história de devoção a São Jorge? Se sim, por favor, deixe um telefone para contato: Comentários adicionais:

Grata, Bianca Arruda Mestranda PPGAS – MN/UFRJ

107 

Texto publicado no informativo mensal “O Mensageiro de São Jorge”, informativo da Paróquia de São Jorge de Quintino Bocaiúva

“Viva São Jorge!”: festa e devoção em Quintino Bocaiúva As manifestações de devoção a São Jorge no Rio de Janeiro são fenômenos que podem ser percebidos no cotidiano da cidade, ainda que de modo disperso: a imagem do santo está nos carros, com adesivos, e nas pessoas, em suas camisas e tatuagens; está presente também em muitas casas, bares e, com maior expressividade nos últimos anos, nos locais públicos (largos e praças de bairros do subúrbio, principalmente). No entanto, é no dia vinte e três de abril que a veneração a este santo cresce ainda mais em visibilidade, pois esta é a data a ele consagrada, tanto no catolicismo quanto no calendário civil da urbe. As festas realizadas para celebrá-lo ocorrem em locais diversos, em adro de igrejas, quadras de escolas de samba, ruas e praças, grande parte localizadas no subúrbio da cidade. Contudo, as que atraem um maior número de fiéis são as realizadas nas três igrejas que têm São Jorge como orago, situadas no Centro da cidade, em Quintino Bocaiúva e no bairro de Santa Cruz. Tais comemorações atraem uma enorme quantidade de pessoas que se deslocam para celebrar, se divertir e trabalhar. Segundo estimativas divulgadas na mídia, cada uma delas concentra mais de sessenta mil pessoas. No caso da festa realizada na Paróquia de São Jorge de Quintino Bocaiúva, ela ocorre desde o final da década de vinte, mais precisamente desde 1926, quando foi criada a associação “Devoção ao Glorioso São Jorge Mártir”, que muito se empenhou para a construção da atual Paróquia. Já nessa época, as festas do padroeiro eram consideradas momentos especiais para os párocos e paroquianos de Quintino Bocaiúva: eram momentos de celebração que atraíam fiéis do santo e muitos moradores do bairro, como permitem entrever as anotações no Livro de Tombo da Igreja. No entanto, de uns tempos para cá, pode se perceber que a festa do padroeiro ganhou maior visibilidade em um circuito de festas religiosas da cidade do Rio de Janeiro. Dessa forma, houve mudanças não apenas na quantidade de pessoas que passaram a visitar a Paróquia no dia vinte e três de abril, mas também mudanças no perfil dos visitantes: o número de fiéis que se deslocam de diferentes regiões do Rio de Janeiro aumentou consideravelmente. Assim, esforços são realizados por todos os paroquianos para melhor acolher o grande afluxo de devotos de São Jorge. Os motivos para o comparecimento de tantas pessoas nessa festa são inúmeros, dos quais gostaria de destacar dois, que me foram narrados na comemoração do ano passado. O

108 primeiro diz respeito ao sucesso da organização do festejo na Paróquia que, posta em relação com as demais igrejas que celebram a São Jorge, é tida como a mais receptiva aos fiéis, tornando a tarefa de celebrar o santo de devoção ainda mais prazerosa. Já o segundo motivo tem a ver com a ação de São Jorge na vida de seus devotos, que destacam a imensa generosidade desse “santo poderoso”, capaz de conceder a eles tudo o que necessitam para ter uma vida melhor. Dessa maneira, a Paróquia de Quintino Bocaiúva se consolida como destino certo de milhares de devotos que no dia vinte e três de abril se mobilizam para juntos gritar: “Viva São Jorge!!!”. Bianca Arruda é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde desenvolve a pesquisa “As Sagas de Jorge: festa, devoção e simbolismo”.

109 

Notícias publicadas na Internet sobre as festas de São Jorge no Rio de Janeiro no ano de 2007

20/04/2007 - 18h17 - Atualizado em 23/04/2007 - 08h07 Feriado de São Jorge tem shows com Jorges e missas no Rio Os Jorges Aragão, Vercilo, Mautner, Du Peixe, Ben Jor, e Seu Jorge juntos e de graça. Maratona de missas e procissões completam homenagem ao santo guerreiro.

Os Jorges Mautner, Vercilo, Aragão e Ben vão se reunir em homenagem ao santo Para que seus inimigos tenham pés e não lhes alcancem, os guerreiros de Jorge vão aproveitar o feriadão para comemorar o dia do santo na próxima segunda (23). Missas, shows, procissões vão homenagear o discípulo da Capadócia. Para os devotos de uma boa festa, a data vai reunir homônimos de Jorge de todos os ritmos da música popular brasileira. A partir das 19h, Jorge Aragão, Seu Jorge, Jorge Vercilo, Jorge Ben Jor, Jorge Mautner e Jorge Du Peixe, do Nação Zumbi, vão dividir o palco montado na praia de Copacabana, em frente ao Copacabana Palace. No repertório, algumas canções inéditas, criadas exclusivamente para o espetáculo, e outras já consagradas pelo público, como "Jorge de Capadócia" e "Lua de São Jorge". O show vai virar DVD e fará parte ainda de um documentário sobre a fé e a cultura que envolve o brasileiro em torno do santo. Salve Jorge! Confira a agenda de missas e procissões de São Jorge Quem gosta de celebrar a data de maneira, digamos, mais ortodoxa, pode optar pelas igrejas de São Jorge, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, em Quintino, no subúrbio do Rio, e no Centro da cidade. No domingo, as missas na igreja do centro acontecem às 12h e às 18h. Na Igreja e Quintino, tem missa às 7h, 9h, 11h, 18h e 20h. No próprio dia, as comemorações começam cedo. Em Duque de Caxias, onde mais de 30 mil pessoas foram reverenciar o guerreiro no ano passado, já tem atividade às 5h, com Alvorada festiva, missa de abertura, bênção aos trabalhadores, oração pelo emprego e queima de fogos. Às 9h e às 12h acontecem outras missas e, às 13h, a igreja pára para oferecer um almoço comemorativo. As missas serão retomadas às 16h, com bênção da espada de São Jorge, e, às 19h, tem missa de encerramento com bênção da capa. De lá sai a procissão que percorre as ruas no entorno da igreja, no bairro de Jardim Primavera. Em Quintino, a procissão está marcada para às 16h e deve voltar à paróquia para a última missa às 18h. Antes disso, as missas serão celebradas às 5h, 7h, 8h30, 10h, 11h30 e 14h. No Centro da cidade, a procissão só sai no dia 29, mas dia 23 tem missa às 5h, 8h, 9h, 10h, 11h, 12h, 13h, 14h, 15h e 16h. Anote os endereços das igrejas:

110 Rua Clarimundo de Melo 769, Quintino (2596-0388) R. da Alfândega 382, Centro (22219661) Rua Marapanin s/n, Parque Chuno, Jardim Primavera / Duque de Caxias (2778-8285) Saiba mais sobre a história de São Jorge Padroeiro da Inglaterra, Portugal e da Catalunha, São Jorge é venerado desde o século V e seu culto chegou ao Brasil através dos portugueses. Em 1387, Dom João I já decretara a obrigatoriedade de sua imagem nas procissões de Corpus Christi. Conta a lenda, que Jorge era guerreiro originário da Capadócia e militar do Império Romano no tempo do imperador Diocleciano. Convertido ao cristianismo, ele não teria se rebelado às perseguições ordenadas pelo imperador contra os cristãos. Foi morto na Palestina no dia 23 de abril de 303. Os símbolos associados à sua figura, como o dragão, a espada e a capa foram difundidas na Idade Média e estão relacionados às diversas lendas criadas a seu respeito e suas batalhas na carreira militar. Embora muitos ainda suspeitem da veracidade de sua história, a Igreja Católica reconhece a autenticidade do culto ao santo. Site: http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL24750-5606,00.html *** 23/04/2007 - 07h45 - Atualizado em 23/04/2007 - 16h54 Fiéis lotam igrejas em comemoração ao Dia de São Jorge, no Rio Desde a madrugada desta segunda-feira, o movimento é grande. Haverá missa de hora em hora.

Dório Victor Do G1, no Rio, com informações da TV Globo As comemorações no dia de São Jorge começaram cedo nesta segunda-feira (23), no Rio. Desde 2002, o feriado municipal é comemorado. Na Igreja dedicada ao santo, no Centro do Rio, muita gente teve que assistir à missa de 5h, do lado de fora pois o local já estava lotado. Antes da missa, houve queima de fogos e uma banda tocou o Hino Nacional, seguido de Cidade Maravilhosa. Uma faixa pedindo paz foi pendurada na torre da Igreja. A balconista Ana Maria Silva, de 37 anos, chegou às 4h40, mas teve que acompanhar a missa ouvindo pelo alto-falante, colocado do lado de fora. "Sou devota, eu venho todo ano. Já é uma tradição na minha família."

111 Foi montado um palco ao lado da igreja, na esquina com a Avenida Presidente Vargas onde serão realizadas missas de hora em hora até às 16h. A procissão de São Jorge, este ano, só será realizada no próximo dia 29. Na igreja de São Jorge em Quintino, no Subúrbio do Rio, a previsão é que cerca de 40 mil pessoas participem das homenagens a São Jorge nesta segunda-feira. Às 16h, será realizada uma procissão, que terá como ponto de chegada a paróquia da região. A última missa está marca a para às 18h. O padre Marcelino Modelski afirma que o número de pessoas que comparecem às homenagens está aumentando porque a falta de esperança e segurança faz com que as pessoas procurem por um protetor. "São Jorge era um guerreiro, era soldado do Império Romano. As pessoas se identificam muito com esse santo. Por causa do aumento da violência, há necessidade das pessoas buscarem proteção.", explicou o padre. Na igreja de São Jorge, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, as comemorações também começaram cedo. Além das missas, às 13h, a igreja oferece um almoço festivo para os devotos de São Jorge. Às 16h, a igreja realiza a bênção da espada de São Jorge, e, às 19h, tem missa de encerramento com bênção da capa do santo. Depois, haverá uma procissão. À noite, na praia de Copacabana, Zona Sul do Rio, será realizada uma grande festa que reunirá os principais “jorges” da música popular brasileira. Dentre eles estão Jorge Aragão, Seu Jorge, Jorge Vercilo, Jorge Ben Jor, Jorge Mautner e Jorge Du Peixe (Nação Zumbi). Festa No repertório, algumas canções inéditas, criadas exclusivamente para o espetáculo, e outras já consagradas pelo público, como "Jorge de Capadócia" e "Lua de São Jorge". O show vai virar DVD e também fará parte de um documentário sobre a fé e a cultura que envolve o brasileiro em torno do santo. Anote os endereços das igrejas: Rua Clarimundo de Melo 769, Quintino (tel: 2596-0388) R. da Alfândega 382, Centro (tel:22219661) Rua Marapanin s/n, Parque Chuno, Jardim Primavera, Duque de Caxias (tel:2778-8285) URL: http://g1.globo.com/Noticias/0,,MUI25573-5606,00.html *** Por Eugênia Rodrigues Publicada em 26 de Abril de 2007 Estado: RJ Assunto: Shows e Rodas

"O seu padrinho / São Jorge, o Santo Guerreiro / que lhe deu prestígio e glória / pra sambar o ano inteiro..." São Jorge é o santo protetor do Império Serrano, conforme retrata este antigo samba. E, neste domingo (29), a agremiação faz uma homenagem a ele.

112

Primeiro, haverá uma carreata, a partir das 10 horas da manhã, saindo da quadra da escola. Depois que acabar a carreata, por volta das 17 horas, todos voltam para a quadra, onde começa o samba, com entrada franca. Além dos músicos e compositores da escola, várias participações especiais estão aguardadas; ano passado teve até Arlindo Cruz no palco. Não é certeza se vai ter feijoada, mas ano passado não constava da programação e rolou. Eis o roteiro da carreata enviado pela escola: "Saída às 10 horas da sede da agremiação, na Av. Ministro Edgar Romero, 114, em Madureira. Fará a primeira parada na Igreja Matriz de São Jorge, em Quintino, percorrendo várias ruas do bairro até a Rua Piauí, esquina com a Rua Honório, no Engenho de Dentro, fazendo a segunda parada. Mais uma parada na Rua Euclides Faria, esquina com Teixeira Franco, em Ramos, em frente à quadra da Imperatriz Leopoldinense. Retornará a Madureira, passando, antes, pela Serrinha, berço da Império Serrano. Após a chegada à sede, ponto de partida, será realizado show de samba". Site: http://www.samba-choro.com.br/noticias/arquivo/17626

113 

Fotos e Imagens da Dissertação

Mapa das ruas de Quintino Bocaiúva próximas à Paróquia de São Jorge (Google maps)

114 Entrada do templo de São Jorge em 23/04/2007

115

Fábio Café – Imagens do Povo

Fábio Café – Imagens do Povo

116

Missa 23/06/2007

Simbolo do Moto Clube Guerreiros da Estrada

117

São Jorge Lutador

São Jorge Glorioso

118

Fábio Café – Imagens do Povo

Seu Antônio

119

São Jorge da Paróquia de Quintino Bocaiúva

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