\"As Sessões\" - A representação da deficiência na produção midiática Categoria: Cinema

July 15, 2017 | Autor: Mcristiane Cases | Categoria: Cinema and Television
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“AS SESSÕES” A representação da deficiência na produção midiática Categoria: Cinema

Mirna Cristiane Cases Professoras: Liliane Giordani e Daniele Noal UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO 12/04/2015

INTRODUÇÃO

O objeto da análise que se segue é o filme The Sessions (As Sessões), uma produção cinematográfica norteamericana da FOX Pictures, lançamento do ano de 2012. Conta com a direção de Ben Lewin no gênero comédia dramática e tem duração de 95min. O elenco é composto principalmente por: John Hawkes, Helen Hunt e Willian H. Macy, que são figuras reconhecidas do estrelato hollywoodiano. Sendo Helen Hunt indicada ao Oscar como Melhor Atriz Coadjuvante. O filme baseia-se no artigo do jornalista Mark O’Brien, publicado em 1990. Destaque do periódico local Sun, a matéria alcançou grande visibilidade nas mídias de massa e chamou a atenção para a questão da sexualidade entre Pessoas Com Deficiência.

Unindo ficção, poesia e humor inteligente, o roteiro vai reconstituir os

fatos que culminaram n’ As Sessões, ou seja, no que originou o artigo intitulado “On Seeing a Sex Surrogate” cuja tradução livre seria “Em consulta com uma Substituta Sexual”. Submetido à crítica, o filme recebeu as seguintes premiações no ano de lançamento: “Vencedor do Júri Popular” e “Prêmio de Maior Audiência” no Festival de Sundance (Utah), “Seleção Oficial” no Festival de Londres e também “Seleção Oficial” no Festival Internacional de Cinema de Toronto (Canadá). Qual é o jogo de representações e quais os discursos que se encerram nesse artefato cultural? É o que este pequeno ensaio analítico pretende explorar.

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O RECORTE BIOGRÁFICO

Antes de decompor em partes o objeto da análise uma breve reflexão acerca de dois aspectos se faz necessária. Um diz respeito ao conteúdo, o outro discorre sobre a publicidade em torno do produto midiático. Conforme referido anteriormente, trata-se da representação de uma história real vivida pelo autor do artigo jornalístico que deu origem ao filme, Mark O’ Brien (19491999), acometido de poliomielite na infância. Na película As Sessões, Mark O’Brien conta seus 38 anos de idade, trabalha como editor e poeta, sendo também colaborador da imprensa local para assuntos sobre a Deficiência e a autonomia da Pessoa Com Deficiência–

mora sozinho e depende dos

serviços de cuidadores especializados que frequentam sua casa por revezamento de turnos e o transportam em sua maca. Dirigido e roteirizado pelo polonês naturalizado australiano Ben Lewin, que é um sobrevivente da pólio, o filme abre com uma entrevista de Mark O’Brien para a imprensa televisiva no dia de sua colação de grau em Letras pela Universidade de Berkeley, Califórnia, quando ele declara: “meu desejo é que vejam um homem subir a esse palco hoje”. E é sobre este recorte que o roteiro avança. Há que se considerar, a partir daí, o que o diretor-roteirista pretende enfatizar desse homem – ou como o próprio Mark O’Brien teria composto a si mesmo ao escrever o artigo, ou melhor: como ele vendera estrategicamente sua imagem num produto midiático. Pensando junto com THOMA (2002, p.89) ocorre-me a seguinte indagação: “qual é o jogo de representações” que se encerra nesse artefato cultural? Este é o ponto crucial que será abordado no próximo tópico – onde, além da representação da Deficiência, proponho uma breve evocação de outros discursos que ecoam no texto do diretor-roteirista Ben Lewin. Já a publicidade em torno do filme centrou-se na imagem dos astros já aclamados pela Academia de Cinema de Hollywood. O trailer oficial distribuía os atores em seus respectivos papeis enquanto aguçava a curiosidade do público com o tema a primeira vez de um homem de 38 anos. Não se reduzindo a essa única fórmula de sucesso - afinal, já havia provas de que funcionava: em 2005, havia passado por Hollywood “O Virgem de 40 Anos”, que alcançara a expressiva cifra de US$21,422,815

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durante sua semana de estreia1 . O diferencial reside no fato de que esse virgem de 38 anos é paralítico. Embalado em uma trilha sonora que vai compondo um bem temperado mosaico de expectativas entre o humor e a carga dramática que comporta o filme. É um convite irresistível. Mais uma vez, penso com THOMA (2002, p.92): O marketing é um recurso essencial. Assim que decidem começar um filme e comunicam essa visão a alguém, os cineastas já estão num processo de venda. [...] Os estúdios estão tão sofisticados, produzem trailers tão incríveis e promovem tanto o filme, que criam uma enorme agitação para vê-lo.

O JOGO DE REPRESENTAÇÕES EM “AS SESSÕES”

Ambientado no final da década de 80 (1988), há 40 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e há 13, da Declaração Universal dos Direitos da Pessoas Deficientes, e já há 8 anos da ADA (Americans with Disabilities Act: uma lei civil que visava promover a acessibilidade para PCD em todos os espaços de uso coletivo), o recorte biográfico enfatiza, então, o momento em que Mark O’Brien decide viver uma experiência sexual inaugural. Seria essa, afinal, a credencial para ser visto como homem na década de 80? No texto de Ben Lewin, o papel do protagonista não pôde ser assumido por PCD. Faltam atores com tais características ou a indústria cinematográfica é regulada pela “normalidade”? O’Brien é, assim, representado como um cidadão economicamente ativo, instruído, um sujeito amigável e católico convicto. Sim, ele é deficiente físico: mas isso não o paralisou com relação à potência de vida. Ele é um indivíduo do sexo masculino, heterossexual, que se vê naturalmente imerso em uma cultura falocrática, no sentido mesmo da satisfação fálica ditando as regras: está familiarizado com esses jogos de poder, mas até então não havia acreditado querer exercê-los. Porém está determinado a experimentar o que a possibilidade desse novo status tem a oferecer – ainda que isso lhe custe o ingresso no céu. Suas convicções religiosas, portanto, parecem ser o único entrave. 1

Informação disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/The_40_Year-Old_Virgin

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Mas o texto acaba por mostrar-se inclusivo e pedagógico. Ben Lewin introduz o depoimento de duas Pessoas Com Deficiência, que explicam como se dá o ato sexual entre indivíduos com deficiência física e seus pares. Assim, a intenção é buscar uma identificação com a comunidade PCD, não incluindo, no entanto, outras especificidades bastante comuns como Cegueira, Surdez, Down, entre outras. Mas nem por isso se perde a intencionalidade da informação. Aqui cabe pensar na afirmação de Douglas Kellner em seu livro A Cultura da Mídia: numa cultura contemporânea dominada pela mídia, os meios dominantes de informação e entretenimento são uma fonte profunda e muitas vezes não percebidas de pedagogia cultural: contribuem para nos ensinar como nos comportar e o que pensar e sentir, em que acreditar, o que temer e desejar – e o que não (2001, p. 10)

Levando a cabo seu intento, tendo como tutor nesta jornada a figura caricata de um padre condescendente, o jovem jornalista recorre ao apoio terapêutico do Centro de Estudos sobre Sexualidade e Deficiência da Universidade de Berkeley. Surge daí a figura de Cheryl Cohen-Greene, uma Substituta Sexual. O título aqui não é um eufemismo para Profissional do Sexo/Prostituta ou Gueixa. Em 2012 o termo ainda pode ter soado como novidade para o que em 1988 já era uma profissão reconhecida no contexto da Universidade de Berkeley – e resultado do trabalho de sexólogos norteamericanos que remontam a Revolução Sexual dos anos 602 . Encontros

e

desencontros

também

estão

representados

nesse

arranjo

cinematográfico. É o anseio pela experiência do Encontro – no sentido spinoziano: um corpo sofrendo a ação do outro, misturando-se e energizando-se numa corrente de alegria, resultando em potência de agir, que já é prenúncio da nova dobra que a vida adquire. O encontro (elo) pelo qual O’Brien continua a ansiar após tornar-se homem: porque seu ingresso no clube masculino prescinde do discurso fálico, pois ele tem a Poesia, que penetra no fisicamente inatingível. E o encontro pelo qual a terapeuta Cheryl vem esperando que se dê entre ela e o marido – mas são os desencontros o que se vê representado na introdução das cenas domésticas, onde prevalece a cultura da satisfação do marido em detrimento à satisfação pessoal e emocional da mulher. Isso no 2

Informação disponível em: http://ulbra-to.br/encena/2013/05/04/As -sessoes-e-o-sexo-terapeutico

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final da década de 80. Gostaríamos de acreditar que se trata de anacronismo mencionar tal nuança machista ainda em 2012.

CONCLUSÃO

A narrativa

movimenta de forma inteligente e divertida uma gama de

estereótipos: o do Deficiente como Assexuado, o do Padre como Oráculo/Representante de Deus, uma Terapeuta Sexual que não é Profissional do Sexo – e mais: que não é tão de vanguarda quanto parece. Ben Lewin deixa que o leitor chegue às suas próprias conclusões. Assim, ao comprar a ideia do filme, o consumidor pode vir a surpreender-se com o algo mais: resultado do efeito questionador que o texto pode provocar em determinados receptores, para os quais o produto é propositadamente endereçado.

REFERÊNCIAS

KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Estudos Culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru: Edusc, 2001. In: PPT produzido por Bruna Rocha, slide 4.

ROCHA, Bruna. Juventude e deficiência: a representação do jovem com deficiência em Malhação. In ALMEIDA, Maria Isabel; LIMA, Fernanda Deborah. Juventude, subjetividade e performance. Rio de Janeiro: Gramma, 2014. Somente consulta. THOMA, Adriana. O cinema e as flutuações das representações surdas – “Que drama se desenrola neste filme? Depende da perspectiva...”, p. 86. Tese. Porto Alegre: UFRGS, 2002.

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