As singularidades dos jovens NEEF em zonas rurais: O caso açoriano

June 14, 2017 | Autor: Francisco Simões | Categoria: Sustainable agriculture, Rural Development, Juventude, Desenvolvimento Rural
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AS SINGULARIDADES DOS JOVENS NEEF EM ZONAS RURAIS: O CASO AÇORIANO

Francisco Simões
Investigador – CIS-ISCTE-IUL

Rui Drumonde
Coordenador do Centro de Desenvolvimento e Inclusão Juvenil da
Caritas da Ilha Terceira

Com o agudizar da crise económica na Europa, a situação dos jovens em transição para a vida ativa tem vindo a merecer uma atenção crescente por parte dos mais diversos atores. Por si só, a transição entre diferentes etapas do ciclo de desenvolvimento pessoal constitui-se como um momento crítico, exigindo uma considerável mobilização de capital social, conhecimentos ou poder económico de cada sujeito para enfrentar os desafios que lhe são colocados (Thomson, 2010). O grau de complexidade inerente à entrada no mercado de trabalho aumenta num contexto em que as sociedades se debatem com um problema de (re)distribuição de recursos que possam amenizar os seus efeitos negativos. Neste quadro, o risco de desocupação e/ou desemprego dos mais jovens tem vindo a acentuar-se.
Um relatório recente da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) (Carcillo et al., 2015) caracteriza, com maior pormenor, a situação dos jovens que não se encontram nem emprego nem em educação ou formação, usualmente designados na literatura como jovens NEEF. Entre 2007 e 2012, o número de jovens nesta situação, no universo dos países que fazem parte desta organização, cresceu de 25 milhões para 38.5 milhões. Este incremento deve-se, em grande medida, à progressão das taxas de desemprego. Significa isto que, num espaço de 6 anos, o número de jovens desempregados e que não estão integrados num percurso educativo ou formativo aumentou 7%, representando, em média, 16% dos jovens entre os 15 e os 24 anos dos países membros desta organização. Mais saliente é ainda o facto de 58% dos jovens NEEF, no conjunto dos países que integram a OCDE, não estar à procura de emprego.
Em Portugal, de acordo com o relatório de estatísticas do emprego do terceiro trimestre de 2014 do Instituto Nacional de Estatística (INE), no final de 2013, 69.3% dos jovens com idades compreendidas entre os 15 e 24 anos estavam a estudar, 21.7% estavam empregados e 14.1% correspondiam ao grupo daqueles que não estavam nem empregados, nem a estudar (Torres & Lima, 2014). Estes indicadores sucedem a um declínio do emprego jovem em Portugal de 29%, no período entre 2007 e 2012. A diminuição do emprego jovem tem inúmeras ramificações, entre as quais pontua a sobrecarga causada sobre os orçamentos familiares, visto que 90% dos jovens portugueses nesta faixa etária que não têm emprego ou que não estudam vive com pelo menos um adulto, um indicador de dependência em que o nosso país ocupa o primeiro lugar entre os países membros da OCDE (Carcillo et al., 2015).

NEEF: apenas um acrónimo para múltiplas realidades
A vulnerabilidade dos jovens NEEF parece resultar de uma exclusão estrutural sistemática de enorme complexidade. Do ponto de vista educativo, o seu perfil é marcado por um baixo nível educacional, uma vez que 85% concluiu apenas um grau equivalente ou inferior ao ensino secundário. Neste grupo, regista-se, igualmente, uma maior incidência dos problemas de saúde, em especial de problemas de saúde mental, com estudos nacionais a indicarem que um em cada cinco jovens NEEF tem uma perturbação mental diagnosticada. A estes números negativos junta-se um risco acrescido de pobreza, dado que 34% dos jovens NEEF estão abaixo do limiar da pobreza, quando esse número, na população jovem geral, se situa nos 19% (Carcillo et al., 2015). Resulta, pois, claro que, num contexto de transição para outra etapa, os jovens NEEF denotam uma escassez de recursos formativos, sociais e económicos que os coloca numa espécie de desvantagem persistente.
A banalização do acrónimo NEEF tem vindo a criar a ilusão de que os jovens que se encontram desempregados e fora dos sistemas de educação/formação se constituem como um conjunto homogéneo (Sadler, Akister, & Burch, in press). Se é verdade que existem fragilidades transversais a este grupo, o seu impacto é distinto em função dos contextos. Neste particular, a comparação das vivências e trajetórias destes jovens em espaços rurais e urbanos continua por analisar em Portugal. A pressão demográfica sobre os grandes centros urbanos e a consequente desertificação e envelhecimento de amplas faixas do território nacional contribuirão, por certo, para uma menor atenção sobre os reflexos do desemprego e da desocupação jovens em meios rurais.
Atualmente, a vida dos jovens em meio rural pressupõe uma difícil harmonização entre uma ordem de valores dominante, ligados à modernidade e à vida urbana, veiculados e reconfirmados pela Escola, e valores tradicionais do espaço rural, normalmente transmitidos no seio da família e de redes sociais informais (Alarcão & Simões, 2009). Esta conciliação afeta a definição e a concretização de um percurso profissional, porque as atividades que exercem elevada atratividade sobre os jovens, mormente as que se enquadram no setor terciário, são precisamente aquelas que se encontram menos acessíveis. Por outro lado, as atividades do setor primário e as suas repercussões no setor transformador, as quais poderão representar oportunidades de emprego mais imediatas nos meios rurais, simbolizam, precisamente, uma vivência e um estilo de vida que os jovens tendem a rejeitar. Este cenário enquadra vários conflitos de (des)identificação, com reflexo nas transições para a vida ativa ou na formação ao longo da vida. Entre eles assomam: (a) a dissonância entre as aspirações desenvolvidas a partir do acesso aos mais variados meios de comunicação e as reais oportunidades sociais e laborais existentes; (b) a divergência entre as metas profissionais a que se propõem estes jovens e as reais competências adquiridas nos sistemas de educação/formação; e (c) a impossibilidade de concertar a trajetória profissional imaginada com a acumulação de obstáculos à sua concretização, de que é exemplo a maior prevalência de gravidez ou de abandono escolar precoces entre adolescentes dos meios rurais (Sadler, Akister, & Burch, in press).

Ruralidade na insularidade: práticas de integração social e laboral na Região Autónoma dos Açores
As tensões colocadas aos jovens NEEF em meio rural condicionam as intervenções destinadas a promover a sua integração social e laboral. Inspiradas pela cultura dominante, as políticas públicas ou os programas de âmbito mais específico e pontual, dinamizados pelo Terceiro Setor, insistem na reprodução dos modelos típicos das propostas interventivas para a juventude que vive nos meios urbanos. O seu foco recorrente é a elevação de qualificações dos jovens. Este objetivo surge, muitas vezes, ancorado em políticas sociais de banda larga como o rendimento social de inserção ou o subsídio de desemprego. Tal significa que a ação pública ou público-privada tende a não contextualizar a intervenção com os jovens NEEF nos territórios em que estes vivem. Por outras palavras, são desconsideradas as potencialidades de cada território na criação de reais oportunidades de emprego e inserção social para os jovens.
Na Região Autónoma dos Açores são bem notórias as dificuldades em proporcionar respostas aos jovens NEEF. Além das características inerentes ao seu perfil como as baixas qualificações, o abandono escolar prematuro ou as taxas de gravidez precoce e monoparentalidade se fazerem notar com maior intensidade, a descontinuidade e isolamento do território colocam dificuldades adicionais na formulação de intervenções potencialmente geradoras de emprego. Consciente desta realidade, uma Organização Não-Governamental, a Caritas da Ilha Terceira, tem vindo a desenvolver, nos últimos dois anos, uma linha de ação que, grosso modo, pretende responder a uma questão-chave: como desenvolver práticas sociais e formativas que promovam o emprego jovem através da (re)valorização de potencialidades locais? Dois projetos estão em curso com essa intenção: o projeto TERRA NOSTRA – CAPACITAÇÃO COM RAÍZES, financiado pela Fundação EDP, e mais recentemente, desde abril de 2015, o projeto TRAD(E)-IN – tradição e inovação para a empregabilidade, financiado pelas EEA Grants, no âmbito do Programa Cidadania Ativa, gerido pela Fundação Gulbenkian. Enquanto o projeto TERRA NOSTRA se centra na criação de capacidade produtiva na área da agricultura biológica, o projeto TRAD(E)-IN visa a montagem de uma cadeia de valor que vá da produção agrícola, até à venda ao consumidor final, passando pela transformação de matérias-primas. Ambos os projetos partem da identificação de oportunidades no setor agroalimentar, face à aposta regional na redução de importações e à previsível diminuição do peso da pecuária, em detrimento da agricultura, na economia açoriana. Essa conjugação de vantagens que se coloca no horizonte poderá favorecer a integração de jovens desempregados e com baixos níveis de qualificação no setor, na próximo década.
O verdadeiro aproveitamento das oportunidades no setor agro-alimentar para os jovens, especialmente os mais vulneráveis, implica sopesar os desafios inerentes à desidentificação com o mundo rural e com as práticas que a representam, mormente da agricultura. Para um jovem num meio rural, trajectos profissionais alternativos à agricultura e ao setor agroalimentar significam o passaporte para uma ascensão social percebida que o campo, nas suas práticas, funções e espaço, aparentemente, não oferece. Essa desidentificação com a ruralidade será, porventura, mais evidente, mas também mais dissonante, no caso dos jovens mais vulneráveis e com menores recursos (Diogo, 2007). A exceção a esta tendência será o caso dos jovens oriundos de famílias organizadas em torno de negócios agrícolas, a quem compete manter o legado, zelando por um património construído ou acumulado ao longo de gerações. Todavia, até esta lealdade à transmissão geracional se encontra em risco, com os filhos mais novos nas fratrias e as raparigas a denotarem um progressiva recusa em prolongar o legado familiar, em especial a sua função produtiva (Mendes, 2011). Perante este quadro, emerge naturalmente uma questão: como atrair os jovens NEEF em meio rural para o setor agroalimentar? A prática desenvolvida nos projetos mencionados tem gerado novas questões e incertezas, mas também alguns elementos que são, quanto a nós, boas-práticas passíveis de virem a ser generalizadas para outros territórios.

A viagem não é um regresso: é uma descoberta
Os elementos de boas-práticas seguidamente elencados são aqueles que, no nosso entender, incorporam a inovação na área. Sendo inovadores, sustentam um movimento de descoberta da terra pelos jovens, em vez de um regresso à agricultura e áreas conexas enquanto mal menor ou cedência a um modo de vida muito próximo da subsistência. Neste quadro, consideramos que as potencialidades destes projetos na produção de uma maior atractividade do setor agroalimentar para os jovens em meios rurais podem ser organizadas em três segmentos.
No que concerne ao envolvimento dos sujeitos, as práticas em causa têm procurado um ajustamento de estratégias às suas características através de duas linhas fundamentais. Por um lado, a gestão motivacional tem assentado no envolvimento voluntário no projeto. Esta é uma lógica distinta da obrigatoriedade de inclusão em percursos formativos que muitos destes jovens conhecem, de modo a evitar penalizações ligadas à sua relação com os serviços públicos (e.g. perda do subsídio de desemprego). Favorecendo a participação voluntária, é também potenciada a iniciativa de cada jovem. Contudo, esta não é entendida no sentido vulgar do empreendedorismo em voga, mas sim como uma abordagem ajustada às características destes jovens que, no limite, poderá ser geradora de autoemprego.
Os processos utilizados decorrem dos princípios de envolvimento dos jovens nos projetos TERRA NOSTRA e TRAD(E)-IN. Entre eles destacamos: (a) a existência de um acompanhamento permanente dos participantes, do ponto de vista pessoal e social, através de um esquema de mentoria, que procura, precisamente, apoiar a iniciativa e autonomia de cada jovem até ao seu limite; (b) uma abordagem formativa de cariz não formal, assente, em grande medida, em métodos demonstrativos, aplicados in loco, ou seja, nos terrenos ou nas linhas de produção, mediados por uma grande informalidade nas relações entre os portadores do conhecimento e os participantes que o procuram; e (c) a aposta em nichos de produção, como a agricultura biológica, que além de atributos tradicionais ou mais tipicamente rurais, como a preocupação com a sustentabilidade, apresenta particularidades contemporâneas de que são exemplo a tónica colocada no consumo saudável ou na abertura à inovação na produção, as quais actualizam as representações geradas sobre estes setores e facilitam uma aproximação aos mesmos, por parte dos jovens.
No âmbito dos processos, destacamos ainda a promoção do envolvimento comunitário e a visibilidade dos projetos. O envolvimento comunitário revela-se particularmente eficaz em períodos de crise social, em que os sujeitos se revelam mais permeáveis a narrativas e conjuntos de valores baseados na certeza, no equilíbrio e na sustentabilidade, elementos nucleares da atividade agroalimentar, por oposição à incerteza tipicamente urbana e que se intensifica em fases de grande convulsão. Nos projetos TERRA NOSTRA e TRAD(E)-IN, esse envolvimento comunitário vai para além das parcerias operacionais e envolve investidores privados nomeadamente, empresas locais, através de apoios concretos no âmbito de uma iniciativa de responsabilidade social criada para efeito, denominada PROGRAMA VÉRTICE: HÁ UM PONTO QUE NOS UNE. Esta conjugação de esforços cria como que uma cintura comunitária em torno dos participantes. E essa ideia de que há vários implicados no projeto serviu, em nosso entender, não só como um incentivo para os jovens, mas igualmente como uma perceção de valorização do trabalho que desempenham (Simões & Drumonde, in press). Em segundo lugar, uma prática a replicar em projetos para jovens mais vulneráveis é a visibilidade das ações, apostando na complementaridade de dispositivos e de canais (redes sociais, sites institucionais, comunicação social), mas insistindo, sobretudo, no testemunho, numa lógica de storytelling, em que os participantes são protagonistas de uma mudança e, com isso, de uma conquista.
Por fim, encontramos também elementos inovadores e passíveis de replicação na formulação de objetivos. As metas nestes projetos primam pela flexibilidade à saída. Ao contrário das soluções de saída única características das propostas formais, estes projetos sugerem, desde o início, a possibilidade de integração em esquemas de emprego protegido, de integração em explorações de produtores de entidades parceiras, iniciativas de autoemprego ou uma combinação destas soluções que permita potenciar a empregabilidade.

Conclusão
O número de jovens que não se encontram nem em emprego nem integrados nos sistemas de educação/formação tem vindo a crescer nos países ocidentais. Este grupo experimenta realidades diversas, em função dos seus contextos de vida. A situação dos jovens NEEF em contexto rural é ainda pouco estudada e conhecida. Contudo, o campo apresenta oportunidades no setor agroalimentar que podem representar uma oportunidade de integração no mercado de trabalho, desde que seja devidamente trabalhada a identificação dos jovens com as atividades, neste domínio. Os projetos desenvolvidos nos Açores pela Caritas da Ilha Terceira têm oferecido pistas para o desenvolvimento de boas-práticas que podem vir a ser replicadas noutros espaços do território nacional com a mesma finalidade.


Bibliografia
Alarcão, M., & Simões, F. (2009). O lugar da relação na promoção do sucesso académico: Metodologia TUTAL, tutoria individual e tutoria em grupo. Actas do VIII Congresso de Inovação Educacional.
Carcillo, S. et al. (2015). NEET youth in the aftermath of the crisis: Challenges and Policies. OECD Social, Employment and Migration Working Papers, No. 164, OECD Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/5js6363503f6-en
Diogo, F. (2007). Pobreza, trabalho, identidade. Lisboa: Celta Editora.
Mendes, D. M. (2011). Sementes na terra: Educação, juventude, agricultura familiar (Tese de mestrado). Universidade do Estado do Rio Grande do Sul: Ijuí.
Thomson, R. (2010). Transitions to adulthood. In w. Taylor, R. Earle, R. Hester (Eds.). Youth justice handbook: Theory, police and practice. Oxon: Routledge.
Torres, S., & Lima, F. (2014). Dinâmica e caracterização dos jovens não empregados que não estão em educação ou formação (NEEF) em Portugal. Estatísticas do Emprego: Terceiro trimestre de 2014. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística.
Simões, F., & Drumonde, R. (in press). Os desafios da reconversão profissional de jovens nas atividades agrícolas: O caso do projeto terra nostra – capacitação com raízes.
Sadler, K., Akister, J., & Burch, S. (in press). Who are the young people who are not in education, employment or training? An application of the risk factors to a rural area in the UK. International Social work, DOI: 10.1177/0020872813515010

Ligações úteis
http://www.caritas.pt/terceira/index.php/intervencao/cdij/projetos-cdij-cit

Reportagem sobre o projeto TERRA NOSTRA emitida no programa Regiões da RTP 1
https://www.youtube.com/watch?v=lckdoLHVSw4


Também disponível no site do Observatório Permanente da Juventude em: http://www.opj.ics.ul.pt/index.php/basesdedados/olharessobrejovens




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