As Tendências Pedagógicas

July 21, 2017 | Autor: L. PÓs | Categoria: Teacher Education, Educación
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As Tendências Pedagógicas Laercia Maria B. de Medeiros1 As concepções e os conflitos pedagógicos estão diretamente ligados ao cenário econômico, político, ideológico e até religioso de diferentes épocas. Nesse sentido, a evolução das ideias pedagógicas é parte integrante do processo educativo mais global pelo qual os indivíduos passam e, é a compreensão de que toda ação educativa fundamenta-se necessariamente em uma determinada visão de mundo e do homem que nele se insere que permite a constatação de que por trás do confronto “novo versus tradicional”, está a compreensão das várias tendências teóricas que dão conta da compreensão e da orientação da prática educacional em diversos momentos e circunstâncias da história humana. Segundo Lefebvre (1979, p.p.9-22), as concepções de mundo que se apresentam hoje, entendidas enquanto produtos e expressões de determinadas épocas e não enquanto obras isoladas de alguns autores são três: a concepção cristã, a individualista e a marxista. A concepção de mundo cristã ou medieval foi formulada pelos grandes teólogos católicos. Sua enunciação convinha ao modo de produção feudal, baseado nas relações de dependência entre servos e senhores. Postulada pela Igreja, até então modeladora do pensamento dos homens, essa enunciação atribuía a inserção dos indivíduos nas diferentes classes sociais à vontade divina de garantir a salvação eterna. A teoria pessimista da hierarquia, justificada através de argumentos puramente espirituais é substituída por uma teoria otimista fundamentada na harmonia natural dos homens e das funções humanas. Trata-se da concepção individualista ou burguesa do mundo. Nascida da necessidade de legitimar o novo desenvolvimento político, econômico e social, a ideologia liberal postulava como uma das suas teses fundamentais a igualdade de direitos na preservação da propriedade, entendida como a vida, a liberdade e os bens de cada indivíduo. Se à época do florescimento do Estado Liberal, antes de Marx, todos os indivíduos eram livres e racionais, uns para acumular bens e fortunas, outros para vencer o produto do seu próprio trabalho, depois de Marx essas diferenças passam a ser fruto da irracionalidade social proveniente da divisão social do trabalho. A crítica à lógica idealista da sociedade capitalista determina o aparecimento de uma nova concepção de mundo e de homem.

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Profª do Curso de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. Drªem Ensino,História e Filosofia das Ciências.

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Historicamente, o marxismo apareceu no momento em que o liberalismo se “aventura na tarefa impossível” de adequar as suas teses às relações de classe estabelecidas pelo sistema político – econômico emergente. A igualdade apregoada pelo novo mundo de produção, para Marx, era apenas aparente. É importante acrescentar que o materialismo dialético foi precedido, historicamente, por uma concepção de mundo

que, evoluindo

em relação à explicação metafísico –

espiritualista do universo, desenvolveu-se dentro de uma perspectiva materialista legada à evolução e ao progresso das ciências. Contrariamente à concepção cristã não científica do mundo que pressupunha a precedência do espírito sobre a matéria, a concepção materialista do mundo invertia o pressuposto entendendo a matéria como a realidade primeira, independendo do espírito para existir. Assim, a absorção particular de cada um desses pensamentos, implicará necessariamente em práticas pedagógicas diferenciadas. Tendo em conta o objetivo desta pesquisa, parece oportuno consignar aqui as tendências pedagógicas mais significativas, no sentido de colocar um quadro de referência, ou parâmetro com respeito ao qual se possa situar a tendência de cada professor. Dar-se-á ênfase ao conceito de Educação, à metodologia e a relação professor-aluno. Para abordar com mais rigor, as diversas tendências pedagógicas, é fundamental definir com mais precisão os termos mais usuais: Educação, Instrução e Ensino. Por Educação, entende-se o desenvolvimento do ser humano das suas capacidades, visando o bem comum e a sua formação. Visa, portanto, todo o processo do desenvolvimento humano, seja ele, físico, social, intelectual ou emocional. Nesse sentido, a educação tem em vista a orientação da atividade humana na sua relação com o meio social, num determinado contexto de relações sociais. Isso implica dizer que, todas as influências e inter-relações pela qual passa o ser humano, ou seja, as relações do homem com o meio social implica numa concepção de mundo, ideais, valores, atitudes, resultando na sua formação pessoal e histórica. Nesse sentido, a educação faz parte da cultura, portanto, varia segundo as características dos diversos povos e épocas. A instrução é a formação cognitiva do homem, isto é, se refere à formação e desenvolvimento das capacidades mentais mediante a assimilação sistematizada e domínio de conhecimentos. Isso implica dizer que, os conteúdos são o centro da instrução. O ensino contém a instrução, isto é, correspondem a ações, meios e condições para realização da instrução. Sem dúvida, o ensino é o principal meio e fator da educação, ainda

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que não o único; o ensino indica também, princípios e diretrizes do trabalho do professor em sala de aula. Vale lembrar que, tanto a instrução quanto o ensino se modificam como resultado do desenvolvimento social e o momento histórico que ocorre o trabalho do professor.

1.1. Tendências Pedagógicas Tradicionais 1.1.1. Lutero Lutero fala, pela primeira vez, sobre educação universal, trabalhando para a implantação da escola primária para todos e chamando a responsabilidade do Estado sobre a educação. As suas ideias tinham como base uma educação em que o homem pudesse ter a liberdade de ler e interpretar a Bíblia, reforçando a tendência de considerar a instrução a serviço da fé. Dentro do espírito humanista, Lutero repudia o castigo e critica o verbalismo oco da escola rígida dos católicos. A escola para Lutero deveria envolver a família já que era tão importante quanto à escola. O grego e o latim faziam parte da proposta luterana de ensino , assim como a lógica, a matemática, a literatura, a história e a música. A importância deste movimento sobre a educação é a mudança do seu conceito, visto que, deve-se à Reforma a ideia moderna de educação popular, e a secularização do controle exercido sobre as escolas. Lutero é considerado como um intérprete da classe burguesa, pois apesar da luta de uma escola para todos, preconizava, no entanto, a distinção de uma educação dividida em classes, isto é, uma mais simples para as camadas trabalhadoras e, outra mais nobre, para as camadas privilegiadas, possibilitando o ensino médio e superior. A Igreja Católica inicia uma reação ao protestantismo, denominada de Contra – Reforma. Segundo Aranha (1986, p.108): “O Concílio de Trento (1545 – 1563) impulsionou energicamente o ensino religioso, reafirmando os princípios da fé, a supremacia papal, reforça a Inquisição e determina a criação de seminários”. Destaca-se a Companhia de Jesus da Ordem dos Jesuítas, sob o ponto de vista educacional, pois foram às instituições educacionais que na Europa mais influenciaram na expansão e concepção do ensino tradicional , assim como, no Brasil.

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1.1.2. Jesuítas A Companhia de Jesus foi criada em 1534, pelo espanhol basco Inácio de Loyola (1491 – 1556), daí a denominação “Jesuíta”. Essa Ordem tinha por principal meta formar chefes, portanto, a educação elementar não fez parte das suas preocupações, pois o primeiro pensamento era a preparação adequada dos próprios membros da ordem para a luta em prol das almas. Segundo Aranha (1986, p.108): “A Ordem obedece à rígida disciplina militar e seu objetivo inicial é a propagação missionária da fé, a luta contra os infiéis e os heréticos”. No entanto, diante da intolerância dos adultos, a Ordem voltou-se para os jovens, daí a criação das escolas, em dois níveis: o de humanidades e o superior. Era preocupação dos jesuítas formar o homem culto e polido. Para tanto, procuram adaptá-lo aos ideais cristãos e humanísticos, desprezando as descobertas científicas de Galileu, Kepler e Newton. Esta idéia é à base do seu princípio educativo. Apesar de o ensino ser gratuito, é notório que os destinatários do ensino ministrado nos colégios é o de que os alunos que podem freqüenta-los são, sobretudo, aqueles que, por seus dotes de inteligência e sua posição social, são destinados a exercer, mais tarde, os cargos de governo e direção. A Ratio Studiorum, da ordem Jesuíta, publicada em 1599, foi elaborado pelo padre Aquaviva e, consistia na organização e planos de estudos, que, posteriormente foi aceita por toda a Igreja Católica. A Ratio Studiorum se fundamenta sobre três disciplinas mestras: a Gramática, as Humanidades e a Retórica. A prática do Ratio se dava através da preleção, isto é, a explicação na íntegra dos autores latinos, salvo os trechos que ofendiam a moral. A disciplina e a obediência são as características dos internatos Jesuítas, contrabalanceado por festas, teatro e música por meio das quais também incutiam lições de moral e de dogma. O método consistia em sabatinas semanais, além da revisão diária que precedia a explicação da matéria nova. Cada ano, certo tempo era consagrado à revisão geral, que permitia sintetizar e coordenar o aprendido. A divisão da classe em dois grupos também fazia parte do método jesuítico de ensino, ou seja, os alunos eram estimulados à competitividade, tendo cada um o seu rival que o corrige. Os alunos que se destacavam, mostravam sua produção intelectual em academias presididas e orientadas por professores. No Brasil, os Jesuítas chagaram em 1549, chefiado pelo padre Manuel da Nóbrega, e segundo Romanelli (1978, p.33): “As condições objetivas que favoreceram a ação educativa 4

dos jesuítas, foram de um lado, a organização social e, de outro, o conteúdo cultural que foi transportado para a Colônia, através da formação mesma dos padres da Companhia de Jesus”. Pode-se dizer que a educação escolar brasileira iniciou sua trajetória segundo os moldes europeus, se destinando apenas aos filhos dos nobres. O objetivo dos Jesuítas era por um lado, catequizar os índios, usando meios “educacionais” para conduzir

os índios ao

trabalho interesseiro dos colonizadores; e, por outro lado, eram dadas também orientações para os filhos homens dos colonos, para chefiar a família e os negócios. Os Jesuítas com o passar do tempo começaram a mudar de posição, chegaram a fazer oposição ao sistema governamental da época. Com isso, o Marquês de Pombal, que não admitia oposição, expulsou os Jesuítas do Brasil. Mesmo com a expulsão dos Jesuítas no século XVIII, a característica do ensino jesuítico sobreviveu no Brasil durante muito tempo. Apesar da crítica ao mesmo, as ações pedagógicas se assemelhavam à dos Jesuítas, num nível bem inferior. Nesse ínterim, aparecem outras escolas religiosas, como as carmelitas, beneditinas e franciscanas, que de certa forma tentam suprir a lacuna deixada pelos jesuítas.

1.1.3. O Naturalismo de Jean - Jacques Russeau Até meados do século XVIII, os pensadores iluministas, dentre eles Russeau (1712 – 1778 ), levantaram uma série de questionamentos em torno da realidade, concentrando os ataques contra a Igreja estendendo-os também ao Estado político e social. Natural de Genebra, Rousseau desenvolveu parte de sua filosofia em Paris e sua proposta educacional é considerada revolucionária para seu tempo. Para Rousseau “o homem em estado de natureza é bom, mas é corrompido pela sociedade que destrói sua liberdade natural”. Por isso elaborou os fundamentos da doutrina liberal, numa de suas obras mais importantes “O contrato social”, que consiste no acordo comum que represente a vontade de todos, isto é, a liberdade é aquela liberal, aquela que vai onde começa a do outro. Para Rousseau, o homem se torna homem na e mediante a sociedade. As idéias de Rousseau serviram de inspiração nos três séculos seguintes: influenciou a Revolução Francesa de 1789; influiu, embora com modificações, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, e na Revolução Americana de 1776. Rousseau é um dos primeiros pedagogos a questionar a tradicional relação professor e aluno. A educação naturalista, não significa simplesmente retornar a uma vida selvagem, primitiva, isolada, mas sim, afastada dos costumes da aristocracia da época, da vida artificial que girava em torno das convenções sociais. Assim sendo, a educação deveria levar o homem a agir por interesses naturais e não por imposição de regras exteriores e artificiais, seguindo os 5

seus instintos bons por natureza. A Filosofia de Rousseau é que: o Homem é naturalmente bom. Isto é, é bom por natureza o que é uma grande ruptura com a concepção anterior de que o homem nasce no pecado, por isso mesmo mau (concepção que infelizmente, ainda prevalece nos dias de hoje). Outro aspecto da educação natural está na não aceitação, por Rousseau, de uma educação intelectualista, que fatalmente levaria ao ensino formal e livresco. O homem não se constitui apenas de intelecto, pois, disposições primitivas, nele presentes, como: as emoções, os sentidos, os instintos e os sentimentos, existem antes do pensamento elaborado. Na obra O Emílio, ou Da Educação, Rousseau expõe sua concepção de Educação, através dos relatos da educação de um jovem, acompanhado por um preceptor ideal e afastado da sociedade corruptora. Vale a pena reproduzir o texto roussieauniano a esse propósito: [...] Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos adultos, é-nos dado pela educação. Essa educação nos vem da natureza, ou dos homens ou das coisas. O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens; e o ganho de nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas. Cada um de nós é, portanto formado por três espécies de mestres. O aluno em quem as diversas lições desses mestres se contrariam é mal educado e nunca estará de acordo consigo mesmo; aquele em quem todas visam aos mesmos pontos e tendem para os mesmos fins, vai sozinho a seu objetivo e vive em conseqüência. Somente esse é bem educado.

No Emílio, Rousseau introduziu a concepção de que a criança é um ser com características próprias. Isto é, com idéias e interesses próprios, desse modo não mais deveria ser vista como um adulto em miniatura. Nesse sentido, para melhor compreender as várias fases que caracterizam o desenvolvimento humano, Rousseau dividiu em etapas evolutivas: a infância, a adolescência e a juventude. A cada capítulo que se dividem em Livro Primeiro até o Livro Quinto, Rousseau fala sobre a educação infantil, tratando do nascimento até os cinco anos; segue falando da Educação dos cinco aos doze; dos doze aos quinze anos se finaliza tratando da educação dos quinze ais vinte anos, caracterizando

os princípios

necessários para cada etapa de educação para conseguir uma vida equilibrada, harmoniosa e livre. Para Rousseau, que considera o homem como um ser naturalmente bom, o melhor que poderia fazer a educação seria não pervertê-lo. Assim, a melhor Educação seria seu

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contato com a natureza e com a sociedade. Mas a sociedade termina influenciando tanto o homem que a sua bondade original fica como que prejudicada pela convivência em sociedade. Coerente com esta visão de homem, naturalmente bom, Rousseau questiona que uma rígida disciplina deva ser instrumento preponderante no processo educativo. Igualmente, concentrar esforços no incentivo à memorização não parece ser de entre as possíveis atividades pedagógicas a mais adequada. Coerente com esta concepção anti-disciplinar e antimetafísica, Rousseau destaca a importância do brinquedo, do esporte, da agricultura o que demanda o uso dos mais variados instrumentos na maior gama possível de ofícios. No uso multivariado desses instrumentos exercita-se a linguagem, o canto, a aritmética e a geometria. Seria através dessas atividades que a criança estaria aprendendo, de fato, a medir, contar, pesar. Esta seria, sem dúvida, a forma mais adequada de desenvolver as atividades relacionadas com a vida sempre de acordo e seguindo os seus próprios interesses. Para Jesús Palacios (1989, p.39): “Pero Emílio es más que una reacción contra el pasado y una prospectiva de cara al futuro. Es también un punto de convergencia”. Em poucas palavras, as ideias pedagógicas de Rousseau dizem que a educação há de se ensinar a viver, há de ser ativa e há de realizar-se em ambiente de liberdade. Que conquanto o decisivo seja o desenvolvimento do indivíduo, esse desenvolvimento há de atender tanto ao aspecto físico, como ao intelectual e moral; e nela o sentimento, a vida afetiva tem de ocupar lugar importante, como a razão. Em suma, que a educação deve ser integral, total, humana. Na área da educação, Rousseau formulou princípios que permanecem até os dias atuais, principalmente quando afirmava que: a verdadeira finalidade da educação é ensinar a criança a viver e a aprender a exercer a liberdade. Pode-se afirmar que as ideias de Rousseau influenciaram diferentes correntes pedagógicas, principalmente as tendências não diretivas, no século XX. Por volta do século XIX, as ideias sobre o ensino também mudaram. Para tanto, alguns estudiosos produziram inovações no modo de pensar e discutir o ensino. Surgiram diversas tendências filosóficas e muitas teorias pedagógicas. Entre elas o positivismo do francês Augusto Conte ( 1798 – 1857 ), o idealismo de Kant, que é retomado por Hegel (1770 – 1831 ), as idéias socialistas representadas por Marx ( 1818 – 1883 ) e Engels ( 1850 – 1895). Todas estas teorias tinham propostas educacionais. Porém, alguns pensadores se ativeram ao estudo exclusivo da pedagogia, entre eles o suíço – alemão Pestalozzi ( 1746 – 1826 ), Fröebel ( 1782 – 1852 ), Herbart ( 1776 – 1841) e Spencer ( 1820 – 1903 ). Todos

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estes teóricos tinham um único objetivo: fazer da educação um meio de transformação da realidade humana, reforçando a tendência da psicologia na educação. Pode-se aqui colocar os princípios educativos de alguns desses teóricos.

2.1.4. Pestalozzi Heinrich Pestalozzi (1746 – 1826 )

exerceu grande influência no pensamento

educacional e foi um dos principais defensores da extensão da educação à maior parte da população. Pode ser considerado o fundador da escola primária popular. Democratizou a educação, proclamando ser direito de toda criança ter desenvolvido os dons recebidos de Deus. As duas obras fundamentais de Rousseau, “O contrato social” e o “Emílio”, produziram grande influência em Pestalozzi, dedicando-se à agricultura e, convertendo a sua propriedade em sua primeira experiência educacional, educando meninos pobres, ou melhor, a trabalhavam ao mesmo tempo em que se educavam também, o que vem a formar a escola ativa ou a escola do trabalho. A obra mais popular de Pestalozzi foi Leonardo e Gertrudes, onde expressa suas idéias educacionais, através da dedicação, paciência de uma mulher que educa seus filhos a o próprio marido alcoólatra, e exerce uma influência sobre todos os vizinhos, renovando e regenerando uma aldeia inteira. Pestalozzi afirmou que o que se pode fazer numa pequena aldeia pode se obter em qualquer lugar. Aos 52 anos, Pestalozzi iniciou sua vida de mestre – escola, e procura aplicar suas idéias educacionais. Surge sua obra metodológica mais importante, “Como Gertrudes instrui a seus filhos”, atraindo a atenção de pensadores interessados na educação como Herbart. Para Pestalozzi, a escola deveria aproximar-se de uma casa bem organizada, pois o lar era a melhor instituição de educação, base para a formação moral, política e religiosa. Pode-se dizer que Pestalozzi psicologizou a educação, pois quando ainda não havia a estruturação de uma ciência psicológica e embora seus conhecimentos da natureza da mente humana fossem vagos, viu claramente uma teoria e prática corretas de educação deviam ser baseadas nas capacidades humanas que são a vida intelectual, a vida moral e a vida prática. Pestalozzi defendia um conceito de uma educação que tem como fim à humanização do homem, o desenvolvimento de todas as manifestações da vida humana, levada a maior plenitude e perfeição. O conceito de homem para Pestalozzi é de um ser instintivo ou animal,

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um ser social e um ser moral, isto é, nesse processo integral, a educação há de seguir o mesmo caminho seguido pela humanidade. Portanto,

os princípios educacionais de Pestalozzi ensejavam elevar as classes

humildes acima de sua ignorância e da sua miséria. O esforço fundamental foi analisar o saber nos seus elementos mais simples, direcionando o conhecimento tais como se apresentam à mente infantil. Esses elementos deveriam ser desenvolvidos aos poucos por uma gradação quase imperceptível. Os exercícios, por sua vez, tinham de se feitos sobre o conhecimento dos objetos e não das palavras. Retoma a proposta de Comenius “ A lição de coisas”, que diz que tudo que deve ser ensinado a criança deve ser apresentado concretamente e não através de símbolos e formas abstratas. Um dos princípios essenciais da pedagogia de Pestalozzi é a atividade na educação, ou seja, as crianças aprendiam trabalhando, fazendo. Pestalozzi , considera que o desenvolvimento mental se processa de acordo com uma lei de complexidade crescente, concebendo um plano de ensino cuidadosamente graduado, que dava margem à manifestação das diferenças individuais. Resumidamente, os princípios gerais do seu método dizem que: -A base da instrução é a observação das características específicas da criança que todo professor como bom psicólogo deveria ser capaz de discernir o quanto mais acuradamente melhor, -A linguagem deve estar sempre ligada à intuição, ou seja, à observação do objeto ou conteúdo; -O tempo da aprendizagem não é o tempo da crítica, mas da docilidade ( o que remete para o dogmatismo de Gramsci, como se verá mais na frente); -Em qualquer disciplina deve-se ir do simples ao composto, seguindo o desenvolvimento da mente infantil; -O ensino deve visar uma formação sólida, consistente, fundamentada muito mais que uma memorização; por isso é preciso não passar de uma matéria a outra sem que se tenha dominado a precedente; -A relação entre professor e aluno deve ser de afeição mútua. (certamente é um dos primeiros a colocar o papel da afetividade na relação professor-aluno).

Pestalozzi foi considerado um renovador e um pioneiro dos métodos modernos, seguindo os princípios da pedagogia cristã, só que para ele, sem caráter dogmático e confessional, isto é, sua religiosidade é antes de tudo amor, aspiração ao aperfeiçoamento.

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Durante muito tempo Pestalozzi foi visto apenas como criador e organizador de métodos de ensino. Entretanto, acabou-se por reconhecê-lo como um dos maiores contribuidores da educação e da Pedagogia moderna, tendo as suas ideias influenciado estudiosos como Herbart e Fröebel.

1.1.5. Herbart Jonhann F. Herbart (1776 – 1841), nasceu na Alemanha e trouxe grandes contribuições para a pedagogia como ciência, emprestando rigor e uma certa cientificidade ao seu método; foi o precursor da psicologia experimental aplicada à pedagogia que pretendia ser uma ciência da educação. Para Herbart, a Pedagogia como ciência depende da Filosofia prática (Ética) e da Psicologia. Herbart dizia que, a mente humana entra no mundo como “tábula rasa”, seguindo a Teoria de Conhecimento de Locke e, possui somente o sistema nervoso que o põe em relação com o seu ambiente. O meio de “construir a mente” não é a educação das faculdades internas, mas da experiência; portanto, a propriedade característica da mente é a assimilação e a força preponderante para a construção mental é a educação. A idéia de educação para Herbart era influenciada pelas idéias intelectualistas da tradição grega e medieval – “a educação pela instrução”, pois a vida psíquica é constituída essencialmente pelos jogos das representações e, o ensino modificaria essas representações (ideias) podendo modificar sem mais toda a vida psíquica. Daí, a instrução ser o principal procedimento da educação pressupondo o desenvolvimento dos interesses. Os interesses são múltiplos e determinam quais as idéias e experiências que receberão atenção por parte do indivíduo. Herbart não separa a instrução intelectual da instrução moral, pois para ele, uma é condição da outra. O fim da educação para Herbart é desenvolver através de uma série de experiências, idéias que conduzam à “liberdade interior”. Para tanto, a harmonia entre desejo e concepção, a euforia moral, a benevolência, a justiça e a equidade resumem essas ideias. Ao educador cabe fornecer experiências ao educando; construir sobre estas experiências raciocínio e atos; e tornar a instrução educativa. Despertar o interesse pelos assuntos do estudo é condição para o bom ensino, isto é, a função do professor é combinar todos os interesses múltiplos da individualidade do aluno, para que esta individualidade cresça em extensão. Para tanto, o professor deve selecionar bem o material da instrução e apresentá-los em harmonia com o desenvolvimento psicológico do educando.

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Herbart estabeleceu a doutrina da “apercepção” e os “Passos Formais” da instrução. Os seus princípios consistem em: 1-Preparação, relembrando sempre as idéias anteriores com a que virá a seguir; 2-Apresentação do objeto do ensino; 3-Associação do novo tema com o anterior; 4-Sistematização, que liga o que se aprende com o conjunto do aprendido; 5-Aplicação, que fará realizar na conduta e nas atividades o que se aprendeu. 6-Apreciação.

Observa-se em Herbart a importância do professor, admitindo que a única fonte do desenvolvimento mental esteja na instrução recebida, ou melhor, prevalece o aspecto intelectual da educação, consistindo em ensinar com lógica, em dar lições bem preparadas, em fazer repetir, depois aprender e depois controlar. A pedagogia de Herbart diz que a educação deve ter relação com a vida, pois parte da premissa de que o aluno só chegará a ser homem partindo da escola da vida e, por sua vez, volta da vida à escola. Este seria o melhor caminho a seguir. As idéias de Herbart apesar de suas concepções intelectualista e individualista, fundou a corrente científica na Pedagogia, além de influenciar fortemente no desenvolvimento da Psicologia pedagógica.

1.1.6. Fröebel Fröebel (1782 – 1852 ) nasceu em Oberweibach, na Alemanha. Enquanto Herbart exaltava a importância do professor, assentando a educação sobre a instrução; Fröebel enaltece a importância do educando , preparando assim o ensino ativo. Fröebel trabalhou como colaborador de Pestalozzi por dois anos e, mais tarde abriu sua primeira escola para meninos, comparada à famosa escola de Pestalozzi, tendo pouco êxito devido às autoridades alemãs reagirem as suas idéias pedagógicas, dentre elas que o ser humano é essencialmente dinâmico e produtivo e, não meramente receptivo. Após alguns anos dedicado ao campo da matemática e da minerarologia, Fröebel decidiu dedicar-se à reforma da educação pré-escolar. Criou o primeiro Jardim de Infância em 1837, denominada inicialmente de Instituto para o Cuidado da Infância e da Juventude, rebatizada de Kindergarten. As teorias de Fröebel foram expostas e aplicadas unicamente na

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fundação “Kindergarten”, só depois se cogitou aplicar o seu sistema a outros graus de ensino. Para Fröebel a educação consiste em numa visão mística e humanitária, subordinada a uma concepção superior, divina, sendo Deus e a natureza a unidade da criação. Portanto, cabe à educação ajudar a manifestar no homem de forma progressiva, consciente, pensante e inteligente, toda a sua pureza e perfeição o divino que há nele. Nesse sentido, a educação deve adaptar-se as fases do desenvolvimento do homem, reconhecendo, principalmente na infância, a etapa mais decisiva no desenvolvimento mental do homem. Esta concepção inspirou inúmeros psicólogos posteriormente ao tratar das etapas do desenvolvimento humano, como por exemplo, Jean Piaget. A essência da doutrina pedagógica de Fröebel, no entanto, diz respeito a liberdade e as atividades, revelando através desses posicionamentos

as habilidades muitas vezes

escondidas no homem, para depois de revelada ser direcionada. Para isso, é necessário ficar livre, não ser coagido. Outra ideia essencial de Fröebel é a importância do jogo na educação, como fonte dinamizadora de tudo que é bom, isto é, a criança que brinca, chegará a ser também um homem ativo e bom consigo e com os outros. Os princípios educativos de Fröebel são dois: 1) para que os materiais da instrução produzam desenvolvimento real da mente e da natureza infantis, devem ser escolhidos da vida real e concreta; 2) se a educação quiser produzir os desejados resultados, os seus efeitos devem atingir a vida real e concreta, através das atividades da própria criança. Os processos da educação devem originar-se do interesse e da vontade própria da criança. Daí os métodos propostos: 1-Jogos acompanhados de cantos que representam cenas da vida; 2-Palestras em que se fale muito de Deus, e dos sentimentos religiosos, sempre com singeleza e interesse; 3- Cultura de jardins, dos quais os alunos são responsáveis, praticando assim o auxílio mútuo; 4-Dobraduras, recortagem, colagem, tecelagem. O valor da obra de Froebel, sem dúvida, foi sua contribuição para o desenvolvimento da criança por meio da atividade e do jogo, ao perceber e atribuir o sentido simbólico para os mesmos.

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1.1.7. John Dewey John Dewey ( 1897 – 1952 ), nasceu em Burlington , Vermond nos Estados Unidos. O filósofo, tornou-se um dos maiores pedagogos americanos, contribuindo intensamente para a divulgação dos princípios do que se chamou de Escola Nova. A “educação nova”, ou “escola ativa” para alguns autores, foi uma corrente que se opôs a educação tradicional, intelectualista e livresca. Vale lembrar que, sempre houve na Pedagogia movimentos que poderíamos chamar de inovadores, mas o significado da escola nova é ímpar, na medida em que se desenvolve em forma de tendências e correntes gerais. John Dewey faz parte do segundo período da escola nova, ao criar nos Estados Unidos , em 1896 , a primeira escola experimental, “a escola primária universitária”, de Chicago. Dewey é o representante do pragmatismo2 na educação, criticando severamente o pensamento tradicional da “educação pela instrução”, principalmente no que se refere à ênfase dada ao intelectualismo e a memorização. Nesse sentido, a mente e a inteligência para Dewey, evoluem naturalmente, isto é, através do seu uso gradativo que o homem reflete, conhece e reconstrói experiências. A “educação pela ação”, isto é, o aprender fazendo (learning by doing), para Dewey, atendia mais ao interesse produtivo da criança dando-lhe mais liberdade, o que coincide com Pestalozzi ao dizer que o processo educativo não pode limitar-se a um ensino livresco. Para Dewey, a educação é vida, portanto, a escola não é o único local onde se dá o processo educativo, pois já se têm experiências anteriores a ela. No entanto, é na escola que o aluno também aprende a viver. Dessa forma, Dewey se baseava nas atividades dos alunos, desde a economia doméstica, tecelagem e fiação, até as atividades mais elevadas da literatura, a geografia e a história. Ele rompeu com o plano tradicional de estudos e com a classificação dos alunos pelo desenvolvimento físico e mental, agrupando-os pelos interesses e aptidões, pois a mente da criança para Dewey não faz subdivisões de seu cabedal de experiências, isto é, o centro da correlação da criança é o seu próprio interesse vivo, sua necessidade sentida e, não em formulações lógicas dadas a criança. De acordo com os ideais da democracia, Dewey, vê na escola o instrumento ideal para estender a todos os indivíduos os seus benefícios, tendo a educação uma função democratizadora de igualar as oportunidades. Advém dessa concepção o “otimismo

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O pragmatismo ( do grego, pagma-ação) é a doutrina da Ação, rejeita todo debate erudito.

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pedagógico” da escola nova, tão criticado pelos teóricos das correntes crítico – reprodutivistas. Algumas ideias de John Dewey podem ser assim resumidas: -Reduzir e não suprimir as matérias de caráter desinteressado: filosofia, línguas clássicas, etc, para cederem lugar as ciências exatas, as únicas que servirão ao educando na luta pela existência; -A escola deve se tornar um centro de atividade para a criança, não só preparando-a para a vida, como a vida deve ser introduzida na escola; -A escola deve visar a adaptação do educando ao ambiente; tudo deve revestir-se de caráter prático, industrial e técnico; -A escola deve reger-se pela organização social, isto é, o conhecimento é sempre um instrumento social. O método de ensino para Dewey é considerado do ponto de vista ativo, isto é, pede ao aluno que: (A)manifeste uma atividade no qual esteja pessoalmente interessado; (b)proponha um problema autêntico dessa situação, como estímulo para o pensamento; (c)tenha a informação e faça as observações convenientes para tratála; (d)as soluções lhe ocorram e seja ele responsável para que se desenvolvam de modo ordenado; (E)tenha oportunidade para comprovar suas idéias, pela aplicação, aclarando-lhes assim a significação e descobrido-lhes por si mesmo a validade.

Na obra L’école et léfant (1931), Dewey afirma que: “A criança é o ponto de partida, o centro, o fim”. Este é o centro de preocupação de Dewey, ou seja, a liberdade do indivíduo pela autoconstrução do seu conhecimento.

1.1.8. Claparède Para Eduardo Claparède ( 1873 – 1939 ) , assim como todos os pedagogos da “escola nova”, insistem no recurso à atividade da criança, observando e experimentando, não apenas para contemplar o mundo, mas agindo para se adaptar a ele e adaptá-lo a si.

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Claparède procura clarificar o sentido da palavra “atividade”, analisando-a de duas formas: a primeira, no sentido funcional; a segunda no sentido de realização. Para ele, a verdadeira atividade é a do estilo funcional, pois é produzida por um desejo cujo ponto de partida está no indivíduo que age, por um móvel interno do agente. Nesse sentido, atividade se opõe a coerção, a obediência, a repugnância ou indiferença. Claparède afirma a vida infantil como fonte do conhecimento, definindo a educação funcional , como a que toma a necessidade da criança, o seu interesse para atingir um fim , como alavanca da atividade que deseja despertar. A escola para Claparède deve tratar a criança segundo as suas aptidões, em relação à sua significação biológica, para tanto, o interesse é considerado como a alavanca da educação. Tem em comum com Dewey, a teoria do interesse, que considera como alavanca da educação. Segundo ele, não há criança preguiçosa, o adulto é que a faz executar o que não lhe interessa. O pragmatismo está também presente em Claparède que o segue dando especial importância à utilização do jogo. O princípio da autoridade é também atacado por Claparède, isto é, o aluno não deve trabalhar para obedecer a outrem, mas porque sente em si mesma o impulso. A disciplina interior deve, não somente apoiar, mas substituir a exterior. Para tanto: 1-A escola deve ser um laboratório e não um auditório; 2-O mestre deve ser um estimulador de interesses; 3-A escola deve ser adaptada às capacidades de cada um dos alunos; 4-A sociedade democrática deve interessar-se pela seleção dos Bem dotados e colocá-los em condições mais favoráveis ao desenvolvimento de suas aptidões especiais.

Além dos estudiosos acima elencados, cumpre entre os defensores de a escola nova destacar Kilpatrick, Adolph Ferrière, Jean Piaget, Montessori, Decroly, Cousinet e outros. As críticas à Escola Nova são muitas, podendo-se citar a de Durkheim que censura os mestres por trabalharem sem se preocuparem com a organização social. Diz ainda que as teorias pedagógicas “inovadoras” constituem uma literatura “utópica”, a espacial e intemporal preconizando o desenvolvimento ótimo do ser e o individualismo, sem saberem como convergirão os indivíduos, nem como a sociedade adquirirá a coesão.

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Nesse sentido, os professores tradicionais escapam do encantamento antes mesmo de entrarem em sala de aula, desejam apenas que a criança se identifique com o modelo ideal; já os professores “novos” julgam, pelo contrário, que a criança mesma encontrará seu destino. Para Gilbert (1986, p.53), numa crítica a Escola Ativa, diz que as expressões “escola ativa” e “método ativo” são diferentes, pois: “Na melhor das hipóteses, o método ativo reduz-se a uma das técnicas da Escola Nova e, nisso constitui um progresso; mas, se é verdade que toda Escola nova é ativa, é falso afirmar que uma escola é “nova” por praticar métodos ativos”. Estes autores e outros defendem um modo privilegiado de intervenção do adulto no processo de crescimento da criança. A natureza dos objetos educativos, propostos pela escola tradicional representa sem dúvida certa ideia de cultura que dita um comportamento pedagógico. Essa via clássica das idéias do ensino caracterizada, por um lado, pelo cartesianismo, e por outro, das teorias psicológicas que mostram que o método cartesiano tem limites, influenciou o ensino escolar de tal forma que segundo Gilbert(1986 ) essa pedagogia enraizava-se na psicologia pessoal do professor, unia-se tão intimamente aos contornos da tradição e da história de andamento lento, confirmava escolhas religiosas ou substituía poderosamente as velhas regras religiosas imoladas no altar da Razão, que modelava a instituição e o próprio instrutor.

1.2. Tendências Pedagógicas Transformadoras O ensino transformador surge na continuidade dos processos de modernização, principalmente, àqueles que unem escola, sociedade, economia

e política como fatores

interdependentes. Nessa trajetória, o ser humano dotado de qualidades é convidado a transformar a realidade em que vive. A dimensão social é sem dúvida o eixo para o ensino transformador, pois, “o ensino e a educação determinam a sociedade, tanto quanto, são determinados por ela”. A educação, portanto, deve proporcionar ao ser humano a possibilidade, que não se resume no “intelectualismo dirigido”, mas que abrange toda a realidade humana. Dentre os teóricos que contribuíram para a educação transformadora pode-se destacar aqueles que dão uma perspectiva sociopolítica à educação: Marx (1818 –1883 ), Engels (1820 – 1895 ) e Antonio Gramsci ( 1891- 1937 ).

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1.2.1. Marx e Engels Karl Heinrich Marx, nasceu em Treves, província da Prússia, e é considerado o maior representante do socialismo científico. Friedrich Engels, nasceu em Barmen na Alemanha, conhecendo Marx em Paris, tornando-se amigos. Juntos, elaboraram um conjunto de ideias econômicas, filosóficas, políticas e sociais. Não se pode considerar que Marx e Engels tenham feito uma teoria da educação, suas idéias se encontram disseminadas em várias de suas obras, onde a problemática da educação aparece sempre relacionada ao contexto da crítica e das relações sociais e como estas podem ser modificadas. As concepções educativas de Marx e Engels , tem como suporte a teoria dialética , tendo a prática social como critério de verdade. Marx e Engels veem o homem como um ser concreto em contato com uma realidade que é também concreta, e não como um homem abstrato. Todas as reflexões sobre o processo histórico do homem estão relacionadas às condições materiais de existência, ou seja, as forças produtivas, as relações de produção, os modos de produção, a infraestrutura e superestrutura e a luta de classes. Nesse sentido, a natureza das concepções educativas de Marx e Engels está pautada na crítica a sociedade capitalista que oprime e explora a classe trabalhadora. A exploração do trabalho de crianças e adolescentes na Inglaterra foi denunciada por Engels , se preocupando a partir daí, na necessidade de pensarem sobre outra vida e outra educação para os filhos da classe trabalhadora que não freqüentavam a escola , e quando conseguiam freqüentar , o cansaço pelas inúmeras horas de trabalho impedia de se desenvolverem intelectualmente. Na obra O Capital de Marx , fala várias vezes sobre as atitudes dos inspetores das escolas das fábricas , havendo constatado a pobreza moral e intelectual dos filhos da classe trabalhadora que eram levados a se alienarem a força do capital, perpetuando assim, a subserviência da classe menos favorecida a classe exploradora. No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels, defendem a educação pública e gratuita , assim como , a mudança de trabalho das fábricas para os filhos da classe trabalhadora, propondo um regime combinado entre produção e educação.

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Nessa junção entre trabalho produtivo e educação, Marx propõe que a instrução primária seja condição obrigatória para as crianças trabalhadoras , assim como , propõe a escola de meia jornada, visto que, com esse posicionamento, o nível de aprendizagem é semelhante aos daqueles que frequentavam a escola regular. A justificativa para Marx é simples, os alunos encontram-se mais dispostos para aprender. Marx propõe também, que por motivos fisiológicos as classes devam ser divididas em três: a primeira, dos meninos de nove a doze anos; a segunda, de treze a quinze; e, a terceira, de dezesseis e dezessete anos. A primeira classe, deveria ter duas horas de trabalho; a segunda, quatro horas de trabalho; e , a terceira , seis horas. Percebe-se que, Marx defende o trabalho infantil, desde que, regrado, pois, a produção para Marx supõe a unidade entre a atividade material e intelectual. Para Marx, a educação deveria ser gradual e progressiva, visando o desenvolvimento mental, físico e tecnológico, das crianças e dos jovens. Segundo Palacios (1989, p.339): “Com esas medidas, Marx intenta hacer posible el desarrollo pleno de la persona, preparar y acompañar el advenimiento de la sociedad socialista y proteger los niños de la exploración capitalista”. Para Marx e Engels , se o homem vende sua força de trabalho é alienado , para tanto buscar a liberdade de consciência no trabalho , leva o homem à liberdade de ação. Por isso, quanto mais o trabalhador luta para se libertar das relações técnicas, isto é, controlar sua própria atividade de forma consciente, se autorrealizando, deve-se ter uma educação chamada de politécnica. A concepção de educação politécnica, parte da ideia que a divisão da sociedade tem a mesma característica da divisão do trabalho, argumentando que a verdadeira divisão do trabalho só se converte em verdadeira divisão a partir do momento em que separam o trabalho material do trabalho mental. Assim, essa divisão leva dessa forma o homem gradativamente a

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perder a sua essência, se alienando cada vez mais ao trabalho, tornando - se uma relação unilateral. Por esse motivo, Marx e Engels , reivindicam para o homem a omnilateralidade , isto é , o desenvolvimento total de suas capacidades , potencialidades , suas necessidades e possibilidades de forma a poder não só trabalhar com a máquina , mas controlar a produção e dirigir a sociedade. A educação politécnica, prevê uma formação polivalente que garanta múltiplas possibilidades de atividades, devendo a instrução garantir uma formação mais completa possível do homem. A esse respeito Sanchez, M. (1991, p.218 – 221) diz que: “A esta educación así concebida, Marx atribuye um carácter revolucionario porque considera que la combinación del trabajo productivo com la educación intelectual, loe ejercicios corporales y la formación politécnica, elevará a la classe obrera a los niveles de formación de las clases burguesa y aristocrática”. A repercussão das ideias de Marx e Engels, ofereceu grandes contribuições para que outros teóricos desenvolvessem as suas ideias , podendo – se citar: Antonio Gramsci , Althusser, Lucaks , Snyders , Sucholdosky , Manacorda , e outros. No Brasil, na área da educação, pode-se citar Dermeval Saviani, Carlos Jamil Cury, e outros.

2.2.2. Gramsci Antonio Gramsci nasceu em Alles, na Sardenha. Desde a juventude, Gramsci em um discurso fortemente ligado com a batalha política, suas primeiras reflexões sobre a escola e sobre o princípio educativo, mais tarde no cárcere, tendo uma visão mais aprofundada sobre o mesmo tema. Antonio Gramsci, apesar de não ser considerado um teórico explícito da educação, é tido como um dos autores mais influentes no pensamento pedagógico mundial e brasileiro, principalmente, por ter sido caracterizado dentro da tradição do pensamento marxista como

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teórico das superestruturas e é nessa qualidade que ele fornece os elementos que permitem pensar uma teoria dialética da educação. A influência marxista no pensamento de Gramsci é inegável, tendo como uma das suas maiores preocupações o significado da renovação cultural para a formação de uma nova consciência e, o papel dos intelectuais. No cárcere, Gramsci propõe dentre outros projetos, reformas educacionais do ensino, e cria a “escola unitária”, que tem como base à reflexão que tanto o estudo como o trabalho exigem cuidados extremos e máxima seriedade. Em outros termos, seria necessário fundar a “escola unitária” , a escola única inicial de cultura geral , humanista , formativa , que equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente ( tecnicamente , industrialmente ) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. ( Manacorda, 1990.p. 157-165 ) A construção da “escola unitária”, surge como um processo de superação da “escola nova” e da luta contra seus aspectos conservadores , elitistas , cristalizadores das divisões sociais , num processo de construção do “novo” se afirma no bojo mesmo da luta pela destruição do “velho”. É por isso que Gramsci afirmava que “o advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social. O princípio unitário, por isso, irá se refletir em todos os organismos de cultura, transformando-os e emprestando-lhes um novo conteúdo”. Gramsci defende a idéia da troca de experiências entre professor e aluno, no qual o professor relatando sua realidade enquanto trabalhador contribuirá através do seu exemplo, no processo de educação do estudante. A esse respeito, Nosella (1992, p.36) diz que: “a idéia de educar para a liberdade concreta, historicamente determinada, universal e não para o autoritarismo exterior que emana de uma liberdade individualista e parcial”, constitui a alma da concepção educativa de Gramsci.

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Como se vê, a escola que Gramsci defendia se centrava no princípio da liberdade. Mas que liberdade? A liberdade que deverá ser estudada, compreendida, resgatada, concretizada e ensinada, sendo a conquista da mesma o último objetivo da escola gramsciana. A liberdade no entender de Gramsci, consistia também na capacidade de pensar criticamente, livrando-se de todo elemento ideológico que impedisse do indivíduo questionasse , refletisse sobre a realidade em que está inserido. O papel da escola é educar desde a infância com disciplina e afeto, respeitando profunda e historicamente a criança, para que nas fases subseqüentes seja o adolescente e o adulto maduro nas questões de cultura, pelo exercício da liberdade. Sobre os professores, Gramsci (ap. Manacorda, 1990, p.246), diz que “a deficiência do corpo docente, se exalta verbalmente a educatividade, leva a resultados ainda mais inconsistentes, à retórica, por que falta a corporalidade material do certo e o verdadeiro será o verdadeiro de palavras, justamente à retórica”. Nesse sentido, são necessárias pessoas capazes de vivificar cada momento da vida escolar e extraescolar, de forma a criar um ambiente cultural rico, democraticamente participativo em que a criança seja

estimulada a ler e

escrever compreendendo o papel social da leitura e da escrita, para isso, o professor precisa ser reeducado. Comungando com essa influência, vários estudiosos tem analisado a escola e a educação no Brasil, a exemplo de Demerval Saviani. A partir desse pequeno relato sobre a trajetória da educação escolar, é possível analisar como o ensino se desenvolveu nas mais diferentes épocas, com abordagens que variam desde a humildade na compreensão do mundo, passando pelo elemento natural e conseqüente da vida humana até chegar ao ensino como meio de transformação. Todas essas abordagens procuram caracterizar os tipos de ensino, seja ele tradicional ou transformador, que se encontram presentes no ideário da Educação brasileira.

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2.3. Teóricos Brasileiros

2.3.1. Paulo Freire Paulo Freire contribuiu como poucos na reflexão do homem e seu compromisso com a sociedade. Este movimento de ser homem, é pensado no seu percurso reflexivo que permite ser objetivado na medida em que, é passível de chegar aos espaços de formação de educadores, quer na formação inicial, quer na formação em serviço, a fim de torná-los capazes de transformações necessárias às práticas educativas e pedagógicas. Esta contribuição fez de Paulo Freire um pedagogo de destaque não só de âmbito nacional como também internacional. Não se limitando a teorizar, mas empenhando-se

para que estas questões tivessem repercussão positiva na sociedade humana em geral e, na brasileira especificamente o que faz dele um homem profundamente comprometido com a sociedade, principalmente com as camadas populares. É por isso que Paulo Freire constitui um caminho seguro para a Educação Brasileira. Nesse sentido, as ideias freireanas servem como orientação para o processo de formação docente no que se refere à reflexão crítica da prática pedagógica que implica em saber dialogar e escutar, que supõe o respeito pelo saber do educando e reconhece a identidade cultural do outro. Hoje, mais que em outras épocas se exige do educador uma postura alicerçada num processo permanente de reflexão que leve a resultados inovadores no trato da educação. Sem dúvida que, as contribuições de Paulo Freire levam o educador a consciência de si enquanto ser histórico que continuamente se educa num movimento dialético no mundo que o cerca. Não é, pois, por acaso que as idéias freireanas se articulam com os interesses na formação do educador, pois, não se perde de vista o caráter histórico do homem associado sempre à prática social. É por essa ótica, tomando-se como critério de escolha a objetividade que explicita o pensamento pedagógico, antropológico e filosófico freireano, que destaco duas obras: Pedagogia do Oprimido e Educação como Prática da Liberdade. Estas obras mostram as idéias sobre educação que permeiam a construção do educador , assim como , atende ao critério de criticidade em relação à visão de educação aqui pretendida. 1- Conceito de Teoria e Prática:

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No livro Educação como Prática da Liberdade, Freire se refere à teoria como um “contemplar”. (1979, p.93), certamente sendo fiel à etimologia da palavra que vem do grego (φεθράω ), e significa VER. Daí o sentido de teoria como observar, contemplar, ver. De fato, “contemplar” é uma expressão que, embora carregada de conteúdo místico, (embora se declarasse marxista, Paulo Freire era católico e estava profundamente ligado a entidades de caráter religioso como o Conselho Mundial das Igrejas – CMI)

tem profundo sentido

pedagógico, ao fazer desse contemplar a cultura, o sujeito da educação, o fenômeno educativo e principalmente o homem e a sociedade, um passo fundamental do que-fazer pedagógico. Isto é, na compreensão de Freire teoria é um princípio de inserção do homem na realidade como ser que existe nela, e existindo promove a sua própria concepção da vida social e política. Para confirmar esta opinião, vale a pena reler o texto:

De teoria, na verdade, precisamos nós. De teoria que implica uma inserção na realidade, num contato analítico com o existente, para comprová-lo, para vivê-lo e vivê-lo plenamente, praticamente.Neste sentido é que teorizar é contemplar.Não no sentido distorcido que lhe damos, de oposição à realidade.. (FREIRE, 1979, p.93)

Com efeito, ao enfatizar o caráter contemplativo da teoria, Paulo Freire garante a inserção do homem na realidade, Freire deixa claro que teoria é sempre a reflexão que se faz do contexto concreto, isto é, deve-se partir sempre de experiências do homem com a realidade na qual está inserido, cumprindo também a função de analisar e refletir essa realidade no sentido de apropriar-se de um caráter crítico sobre ela. Esse caráter de transformação tem uma razão de ser, pois provém antes de tudo, da sua vivência pessoal e íntima

numa realidade contrastante e opressora, influenciando fortemente todas as suas

idéias. Compreende-se, então, que teoria para Freire não será identificada se não houver um caráter transformador, pois, só assim estará cumprindo sua função de reflexão sobre a realidade concreta. Por outro lado, é também elucidativa a visão que Paulo Freire dá em relação à prática. A definição de prática em Paulo Freire está baseada inicialmente na dialética hegeliana da relação entre “consciência servil” e “consciência do senhor”, ampliada para a conceituação de práxis colocada por Marx referindo-se a relação subjetividade-objetividade.

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Para tanto, Freire diz que é necessário não só conhecer o mundo é preciso transformá-lo, o que coincide com Marx. Isto é significativo, visto que conhecer em Freire não é um ato passivo do homem frente ao mundo, é antes de tudo conscientização, envolve intercomunicação, intersubjetividade, que pressupõe a educação dos homens entre si mediatizados pelo mundo, tanto da natureza como da cultura. Então, a prática não pode aterse à leitura descontextualizada do mundo, ao contrário, vincula o homem nessa busca consciente de ser, estar e agir no mundo num processo que se faz único e dinâmico , melhor dizendo , é apropriar-se da prática dando sentido à teoria. Sobre essa conceituação assim se expressa Freire: “a práxis, porém, é ação e reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo”. (FREIRE, 1983, p.40)

2- Teoria e Prática: Relações

A relação entre teoria e prática centra-se na articulação dialética entre ambas o que não significa necessariamente uma identidade entre elas. Significa assim, uma relação que se dá na contradição, ou seja, expressa um movimento de interdependência em que uma não existe sem a outra, assim, cada coisa exige a existência do seu contrário, como determinação e negação do outro; na superação, onde os contrários em luta e movimento buscam a superação da contradição, superando-se a si próprios, isto é, tudo se transforma em nova unidade de nível superior; e na totalização, em que não se busca apenas uma compreensão particularizada do real, mas coordena um processo particular com outros processos, onde tudo se relaciona. Portanto, relação teoria e prática em Freire não é apenas palavra, é reflexão teórica, pressuposto e princípio que busca uma postura, uma atitude do homem face ao homem e do homem face à realidade. A esse respeito reitera:

E é ainda o jogo dessas relações do homem com o mundo e do homem com os homens, desafiando e respondendo ao desafio, alterando, criando, que não permite a imobilidade, a não ser em termos de relativa preponderância, nem das sociedades nem das culturas. E, na medida em que cria, recria e decide, vão se conformando as épocas históricas.É também criando e decidindo que o homem deve participar destas épocas.(1993.)

Na afirmação acima está a base para entender teoria e prática na ação pedagógica, pois a relação teoria e prática de dá primeiro e antes de tudo na relação homem-mundo. Esta

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relação busca coerência entre pensamento e ação que é Práxis, do contrário, a ação sem pensamento é ativismo, e o pensamento sem ação é verbalismo. Com isso, a ênfase da relação teoria e prática sobrepuja a visão dicotômica quando admite que. [...] É preciso que fique claro que, por isto mesmo que estamos defendendo a práxis, a teoria do fazer, não estamos propondo nenhuma dicotomia de que resultasse que este fazer se dividisse em uma etapa de reflexão e outra, distante, de ação. Ação e reflexão e ação se dão simultaneamente. (FREIRE, 1983, p.149)

A fundamentação, teoria e prática numa relação de unidade, impõe-se como uma relação dialética, pois, se a ação –reflexão- ação estiver ausente perde-se o ápice do processo de conscientização onde o educador se descobrirá autêntico com todo o significado profundo que essa descoberta acarreta. Diante dessas afirmações, é esclarecedor e indispensável para o educador considerar que nesta perspectiva se conseguirá superar a tendência tão frequente de trabalhar teoria e prática dissociadas entre si. Para tanto, é necessário que o educador compreenda que teoria e prática não se separam, ou seja, o vínculo teoria e prática forma um todo onde o saber tem um caráter libertador. Para tanto, o pensamento pedagógico de Paulo Freire aponta para a comunicação como princípio que transforma o homem em sujeito de sua própria história através de uma relação dialética vivida na sua inserção na natureza e na cultura, diferenciando-o dos outros animais. Esse processo de integração interativa é significativo quando vinculado ao diálogo que contém no seu cerne ação e reflexão, levando o homem a novos níveis de consciência e, consequentemente, a novas formas de ação. A fórmula que contém os elementos constitutivos para a análise do diálogo é esta:

Prática Práxis =

ação =

Teoria

agir =

discurso

ato =

pensar

pensamento

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A partir desta visão, observa-se que a comunicação é possuidora de um caráter problematizador que gera consciência crítica e, através do diálogo como o dado da problematização busca-se o compromisso de transformação da realidade. Vê-se que Paulo freire parte sempre da análise do contexto da educação como um processo de humanização, ou seja, o caráter problematizador que se dá através do diálogo em Freire tem base existencialista, visto que o diálogo “se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens” (FREIRE, 1983, p.93). É fenomenológico, quando privilegia a palavra como objeto auxiliar do pensamento , quando diz que , “não existe uma linguagem sem um pensar e ambos , linguagem e pensar, sem uma realidade a que se encontrem referidos”. (FREIRE, 1983, p.102). E político, na medida em que permite uma compreensão crítica da prática social na relação social, histórica e cultural no qual o homem está inserido, ou seja, conhecimento e transformação da realidade são exigências recíprocas. Assim sendo, todo ato pedagógico em Freire é um ato político , assim como , a comunicação é uma relação social, uma prática social transformadora e eminentemente política. O pensamento de Paulo Freire está embebido nas filosofias que tiveram o homem como centro. Seu pensamento está baseado no neo – tomismo, no humanismo, no personalismo, no existencialismo, na fenomenologia e no neo – marxismo. Influenciado por esses ideais, Freire (1983, p. 94 – 97)

aponta matrizes

necessárias para conquistar ou chegar à práxis através do diálogo. São elas : a) O amor, ao mundo e aos homens como um ato de criação e recriação; b) A humildade, como qualidade compatível com o diálogo; c) A fé, como algo que se deve instaurar antes mesmo que o diálogo aconteça, pois o homem precisa ter fé no próprio homem. Não se trata aqui de um sentimento que fica no plano divinal, mas de um fundamento que creia no poder de criar e recriar, fazer e refazer, através da ação e reflexão; d) A esperança, que se caracteriza pela espera de algo que se luta; e) A confiança, como consequência óbvia do que se acredita enquanto se luta; f) A criticidade, que percebe a realidade como conflituosa, e inserida num contexto histórico que é dinâmico.

É sobre esta base que Paulo Freire enfatiza o ato pedagógico, como uma ação que não consiste em comunicar o mundo, mas criar dialogicamente, um conhecimento do mundo, isto é, o diálogo leva o homem a se comunicar com a realidade e a aprofundar a 26

sua tomada de consciência sobre a mesma até perceber qual será sua práxis na realidade opressora para desnudá-la e transformá-la. Neste sentido, é que através do diálogo a relação educador-educando deixa de ser uma doação ou imposição, mas uma relação horizontal, eliminando as fronteiras entre os sujeitos.

3- Educação Problematizadora X Educação Bancária Freire não se limitou a analisar como são a educação e a pedagogia, mas nos dá uma teoria de como elas devem ser compreendidas teoricamente e como se deve agir através de uma educação denominada Libertadora. Para ele, educação é um encontro entre interlocutores que procuram no ato de conhecer a significação da realidade e na práxis o poder da transformação. Entende – se por pedagogia em Freire, a ação que pode e deve ser muito mais que um processo de treinamento ou domesticação, um processo que nasce da observação e da reflexão e culmina na ação transformadora.

3.1 - Concepção Bancária de Educação

Em oposição à pedagogia do diálogo Paulo Freire desnuda a concepção bancária de educação, é uma crítica à educação que existe do sistema capitalista. Nessa concepção [...] o educador é o que educa; os educandos, os que são educados;” “o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem”; “ o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;” “ o educador é o que diz a palavra; o educandos, os que a escutam docilmente;” “ o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;” “ o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a prescrição;” “ o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam;” “ o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, se acomodam a ele;” “o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele;” “ o educador , finalmente , é o sujeito do processo; os educandos , meros objetos.” ( 1983, p.68)

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Este desnudamento serve de premissa para visualizar o poder do educador sobre o educando e como consequência a possibilidade de formar sujeitos ativos, críticos e não domesticados. A Educação Bancária se alicerça nos princípios de dominação, de domesticação e alienação transferidas do educador para o aluno através do conhecimento dado, imposto, alienado. De fato, nessa concepção, o conhecimento é algo que, por ser imposto passa a ser absorvido passivamente: Na visão "bancária" da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão- a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.(FREIRE,1983,p.67)

Como se vê, a opressão é o cerne da concepção bancária. Para analisar esta concepção que se fundamenta no antidiálogo, Freire apresenta características que servem à opressão.São elas: a conquista, a divisão, a manipulação e a invasão cultural. a)

Conquista- a necessidade de conquista se dá desde “[...] as mais duras

às mais sutis; das mais repressivas às mais adocicadas, como o paternalismo”. (p.162) b)

Divisão- [“...]na medida em que as minorias, submetendo as maiorias

a seu domínio, as oprimem, dividi-las e mantê-las divididas são condições indispensáveis à continuidade de seu poder.” ( p.165) c)

Manipulação- [...] através da manipulação, as elites dominadoras vão

tentando conformar as massas populares a seus objetivos. E quanto mais imaturas, politicamente, estejam tanto mais facilmente se deixam manipular pelas elites dominadoras que não podem querer que se esgote seu poder.”(p.172) d)

Invasão cultural- [“...] a invasão cultural é a penetração que fazem os

invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão de mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão.” (p.178).

Ao contrário da educação libertadora, a concepção bancária de educação não exige a consciência crítica do educador e do educando, assim como o conhecimento não 28

desvela os “porquês” do que se pretende saber. Eis porque a educação bancária oprime, negando a dialogicidade nas relações entre os sujeitos e a realidade.

3.2- Conceito de Educação Libertadora

Por oposição à Educação Bancária, a educação , segundo Freire , é libertação. Nesta concepção o conhecimento parte da realidade concreta do homem e este reconhece o seu caráter histórico e transformador. Freire ressalta a necessidade do homem entender sua vocação ontológica como ponto de partida para se obter nessa análise uma consciência libertadora, isto é, o homem só chegará a consciência do seu contexto e do seu tempo na relação dialética com a realidade, pois, só desta maneira terá criticidade para aprofundar seus conhecimentos e tomar atitudes frente a situações objetivas. Reiterando a afirmação acima, diz que: [...] a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da realidade. [...] busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade. ”( FREIRE,1983, p. 80)

O comprometimento com a transformação social é a premissa da educação libertadora. Libertação que não é só individual, mas principalmente coletiva, social e política. O ponto de partida do pensamento de Paulo Freire se dá a partir da visão de uma realidade onde o homem

já não era sujeito de si próprio, ou como ele mesmo se referia, se

“coisificava”, anulando o sentido de sua vocação ontológica, ou seja, deixa de ser sujeito de seu agir e de sua própria história. Por essa análise, a pedagogia freireana apresenta no Capítulo IV, em Pedagogia do Oprimido, a dialogicidade como essência da educação libertadora mostrando características necessárias para que se concretize. São elas: a colaboração, a união, a organização e a síntese cultural.

a)

Colaboração- a ação dialógica só se dá coletivamente, entre sujeitos,

“ainda que tenham níveis distintos de função, portanto de responsabilidade, somente pode realizar-se na comunicação”. ( p.197)

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b)

União- a classe popular tem de estar unida e não dividida, pois

significa a união solidária entre si, implica esta união, indiscutivelmente, numa consciência de classe. ( p.205) c)

Organização- [...] é o momento altamente pedagógico, em que a

liderança e o povo fazem juntos o aprendizado da autoridade e da liberdade verdadeiras que ambos, como um só corpo, buscam instaurar, com a transformação da realidade que os mediatiza(p.211). d)

Síntese cultural- consiste na ação histórica, se apresenta como

instrumento de superação da própria cultura alienada e alienante. [...] faz da realidade objeto de sua análise crítica”. ( p.p.214, 215 )

Por essa ótica, o modelo de educação proposto por Paulo Freire se diferencia da educação tradicional, pois abomina dentre outras coisas a dependência dominadora, que inclui dentre outras a relação de dominação do educador sobre o educando. Na ação educativa libertadora, existe uma relação de troca horizontal entre educador e educando exigindo-se nesta troca, atitude de transformação da realidade conhecida. É por isso que, a educação libertadora é acima de tudo uma educação conscientizadora, na medida em que além de conhecer a realidade, busca transformá-la, ou seja, tanto o educador como o educando aprofunda seus conhecimentos em torno do mesmo objeto cognoscível para poder intervir sobre ele. Neste sentido, quanto mais se articula o conhecimento frente ao mundo, mais os educandos se sentirão desafiados a buscar respostas, e consequentemente quanto mais incitados, mais serão levados a um estado de consciência crítica e transformadora frente à realidade. Esta relação dialética é cada vez mais incorporada na medida em que, educadores e educandos se fazem sujeitos do seu processo.

2.3.2. Dermeval Saviani

Dermeval Saviani é Bacharel e Licenciado em Filosofia, Doutor na área de Ciências Humanas em Filosofia da Educação, com Livre Docência na área de Ciências Humanas em História da Educação. Para contribuir com o estudo da educação de um modo mais crítico, a denúncia se seu caráter reprodutor e legitimador das desigualdades, que se efetuaria principalmente pela inculcação ideológica, Dermeval Saviani marca teoricamente nas suas obras temas que tratam principalmente da Filosofia e História da Educação no Brasil, ajudando a compreender essas 30

influências na formação do educador. Dentre elas pode-se destacar: Escola e Democracia, Educação: do senso comum à consciência filosófica, Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos, A Nova Lei de Diretrizes e Bases e o Problema da Inovação em Educação.

1. Pensamentos e Tendências no Brasil

Saviani (1984 ) aponta quatro tendências pedagógicas que influenciam na educação brasileira: o “humanismo” tradicional, marcado por uma visão essencialista do homem; o “humanismo” moderno, com uma visão de homem centrada na existência na vida, na atividade; a concepção “ analítica”, sem definição filosófica clara ( de início, positivista, e, mais tarde, tecnicista), e a concepção “dialética”, marcada por uma visão concreta (histórica) do homem. Todas essas concepções implicam no desenvolvimento do pensamento do educador, assim como mostra o leque de discussões sobre a formação do educador, principalmente do docente em nível superior. Para tanto, é necessário saber que em diferentes épocas, diferentes concepções foram se formando no pensamento pedagógico brasileiro. São elas: 1.1. A tendência “humanista” tradicional A tendência “humanista” tradicional é caracterizada por um modelo de pensamento que se revela numa gama de correntes pedagógicas que se mostram na crença de que a educação escolar é um meio eficaz e disponível para que as pessoas melhorem sua posição na sociedade, não levando em conta a desigualdade de condições. Postula que os indivíduos nascem com potencialidades distintas e diferentes motivações.Portanto, devem se posicionar na estrutura ocupacional da sociedade conforme suas potencialidades. A visão de que o homem deve se adequar à sociedade, se encontra em vários momentos da história da educação no Brasil, desde os jesuítas que nos deram um ensino religioso medieval de caráter verbalista, retórico, repetitivo e a vertente, que teve como articuladores pensadores como John Locke, Rousseau, Voltaire entre outros, influenciando a educação brasileira com ideias, crenças, convicções e princípios liberais. Através de suas ideias fizeram com que o papel social pregado pelo liberalismo reservasse à educação fosse o de ser instrumento de ascensão social e de equalização de oportunidades. “A escola é erigida, pois, no grande instrumento para converter os súditos em cidadãos.” ( SAVIANI, 1984, p.10). 31

Segundo Saviani, essa tentativa de transformação da sociedade através da escola humanista foi vivenciada com o movimento do “entusiasmo pela educação”, que foi substituído pelo “otimismo pedagógico” mencionado por NAGLE ( apud Saviani, 1983, p.35) ao analisar este contraste, para a escola uma proposta de redenção da humanidade pelas luzes da civilização, proposta na qual se baseava a concepção iluminista-liberal, no século XIX, e que posteriormente, teve como função à reprodução conforme as necessidades do capital. Esta tendência foi característica da educação brasileira até 1930 , manifestando-se nas versões liberal-conservadora e liberal-renovada. 1.2. A tendência “humanista” renovadora Para Saviani, de 1930 a 1945 a tendência “humanista” moderna teve seu impulso com o Manifesto dos pioneiros da Escola Nova na criação da ABE ( Associação Brasileira de Educação) em favor de um Plano Nacional de Educação. Neste período, começa a redemocratização no país, tendo o movimento educacional um novo impulso, distinguindose por dois movimentos: o movimento por uma educação popular e o movimento em defesa da educação pública. Sob essa égide, vicejam correntes como “o psicologismo pedagógico, o sociologismo e o economicismo.” (Saviani, 1983:36). O ideário escolanovista esboça uma nova maneira de interpretar a educação, ou seja, a educação é vista como fator de equalização social, e cumpre adaptar os indivíduos à sociedade “ deslocando o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse.” (Saviani, 1984, p.13) Enfim, trata-se de uma ideia em que o importante não é aprender, mas aprender a aprender. No Brasil a manifestação dessa corrente foi influenciada por John Dewey, Montessori , Decroly e Rogers. No final da década de 1950 e início dos anos 1960, a caracterização da educação se dá mais em nível de política educacional do que no campo da discussão pedagógico-didática, inspirada, sobretudo pelo Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional entre 1948-1962. A partir daí, os meios educacionais para Saviani (1983:38) “são invadidos por correntes ou propostas pedagógicas tais como a predominância do tecnicismo na educação”. 1.3. Corrente “analítica”

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“A corrente “analítica” é caracterizada por Saviani com o predomínio da tendência tecnicista que emerge na década de 1970, observando-se que as pesquisas em educação nesta época ilustram o fenômeno de forma eloquente, ou seja, “ a maioria das 646 dissertações e teses concluída até dezembro de 1977 seguem a orientação tecnicista”. (1983, p.38). Por outro lado, surge também na década de 1970, um grupo que faz parte das teorias denominadas “crítico-reprodutivistas” que têm o mérito de ir de encontro à pedagogia tecnicista implementada pela política educacional. São elas: “teoria do sistema enquanto violência simbólica”, desenvolvida por Bordieu e Passeron; a “teoria da escola enquanto Aparelho Ideológico do Estado (AIE), por Althusser e a “teoria da escola dualista”, desenvolvida por Baudelot e Establet. Acentua-se que, essas teorias disseminaram entre os educadores um estado de pessimismo em relação à superação do problema da autonomia da educação em face das relações sociais, já que mostram a escola apenas como reprodutora das desigualdades sociais.

1.4- Tendência “dialética” Saviani, mostra que para superar a insuficiência das posturas “críticoreprodutivistas”, aponta através da tendência dialética à concepção histórico-crítica

que

configura o “espaço da prática pedagógica, na medida em que deslinda o movimento concreto que está na sua base e do qual ela (a prática pedagógica) é expressão”. (1983,p.43). Então, a prática pedagógica é o ponto de partida e de chegada para a compreensão do processo de formação do docente. Ao descrever as diversas tendências pedagógicas, Saviani reitera que estão presentes na prática pedagógica dos educadores brasileiros, de forma que se misturam e cabe desembaraçar essa teia se se quiser compreender as características que definem a prática pedagógica.

2-A concepção saviniana de educação As influências das ideias em Saviani vêm da Fenomenologia e a Dialética Marxiana, introduzindo nos seus escritos uma vertente progressista que, ao entender a escola como um local de conflitos de política e político – pedagógicas, dimensiona de maneira nova o trabalho do educador enquanto atividade objetiva. Para tanto, a concepção de educação em Saviani, enquanto fenômeno é vista como “como uma comunicação entre pessoas livres em graus diferentes de maturação humana, numa situação histórica determinada. Portanto, o sentido da

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educação, a sua finalidade, é o próprio homem, quer dizer, a sua promoção.”(1982, p.51). Não é à toa que Saviani recorre ao pensamento filosófico para responder perguntas como “que tipo de homens pretendemos nós atingir através da educação?”. Compreender o homem requer reflexão da consciência que o homem tem de si mesmo em diferentes épocas. Partindo-se dessa compreensão, o significado da educação como promoção do homem torna-se para o educador peça fundamental na compreensão dos caminhos de sua formação acadêmica, pois leva à reflexão sobre questão de valores e objetivos na educação, ou seja, o saber/fazer. Assim como Paulo Freire, Saviani ressalta em seu pensamento a necessidade de conhecer a realidade em que se vive e poder interferir nela transformando-a “no sentido da ampliação da liberdade, comunicação e colaboração entre os homens.” (1982:52) Para tanto, o educador deve aliar-se à Ciência, como instrumento para entender as bases científicas em que se ancora a educação. Esses aspectos ajudam a compreender as diferentes facetas em que se insere o homem. Neste sentido, existem três maneiras em que as ciências interessam ao educador. a) A primeira: é quando a ciência lhe dá um conhecimento mais concreto da realidade em que atua; b) A segunda: “na medida em que o próprio conteúdo das ciências pode se constituir num instrumento direto de promoção do homem”, ou seja, o conteúdo é um meio para o educador atingir um resultado pretendido; c) A terceira: na formação do educador como cientista, fato que é desempenhado principalmente pelas Universidades.

Para Saviani, o foco dessa reflexão é o de transformar as formas de ensinar e aprender visando um conhecimento vivo, histórico, em que o saber/fazer seja mais importante que o repetir. Com efeito, em se tratando de ensino crítico, os conteúdos de ensino são significados e ressignificados na medida em que, se avaliam as realidades sociais, isto é, a consciência da realidade refletida à luz das culturas dominantes ( arte, política, ciências, história) favorecem uma compreensão ativa por parte do aluno na construção de um saber crítico, dando sentido a relação dialética ação-reflexão-ação. Então, o educando é um ser concreto, que influencia e é influenciado pela história, isto é, um sujeito ativo da realidade social, cabendo-lhe participar do processo confrontando-se com os conteúdos e modelos dados pelo educador. Nesse sentido, cabe ao educador, levar o conteúdo a experiência concreta dos alunos, num processo contínuo , assim como , proporcionar uma análise crítica que leve o educando a romper com os estereótipos, com a ideologia dominante e analisar suas experiências. É o

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educador quem direciona esse processo, não no sentido de reforçar sua autoridade, mas mediando a articulação entre o conhecimento científico, confrontando e analisando esses conteúdos com a realidade social. Por esse ângulo, se tem a consciência de que a unidade teoria e prática no ato pedagógico vai da ação à compreensão e da compreensão à ação. 3-Síntese saviniana do pensamento pedagógico brasileiro Saviani (1983, p.43), dá uma síntese de como o professor brasileiro pensa a sua prática educativa. Para ele, os professores têm uma cabeça escolanovista ( tendência “humanista” renovadora ), devido à predominância da influência “progressista” nos cursos de educação, ele é obrigado a trabalhar em condições tradicionais ( tendência “humanista” tradicional) ao mesmo tempo em que sofre, de um lado, a pressão da pedagogia oficial (tendência “tecnicista”) e de outro, a pressão das análises sócio-estruturais da educação (tendência “crítico-reprodutivista”). A isso se acrescenta a concepção dialética de educação que exigiria constantemente o reexame da teoria e a crítica da prática. Para Saviani, coloca-se como a possibilidade mais concreta de pensar e fazer educação. Como fica o tal de marxismo saviniano? É verdadeiro, falso, eclético?1 3

2.3.3. Moacir Gadotti

Moacir Gadotti é um dos estudiosos da área da Pedagogia e Filosofia que mais tem contribuído com suas publicações. Este autor desenvolve na linha de Paulo Freire uma proposta educacional cujos eixos são a formação crítica do educador e a construção da escola pública popular autônoma, numa perspectiva dialética integradora da educação, desenvolvida, sobretudo, na sua obra mais importante: Pedagogia da práxis. 1- Visão de Educação A educação, para Gadotti, pode ter duas grandes lógicas, a primeira denominada lógica conservadora da educação, e a segunda denominada lógica revolucionária. Ambas, acontecem no processo educativo, isto é, na medida em que uma reproduz a ideologia dominante, a outra cria mecanismos de transformação, há uma luta no interior da educação e, mais especificamente na educação escolar, entre a preservação de uma lógica conservadora de educação, e a por outro lado, a necessidade de lutar contra a dominação dessa lógica.

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Vide Oliveira, Betty Antunes de. Fundamentação Marxista do Pensamento de Dermeval Saviani. 1996, p.p. 4365. Vide Jr. Guraldelhi, Paulo. Dermeval Saviani e o Marxismo na Educação. 2000, p.p. 145-151.

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Por essa ótica, Gadotti analisa que, a relação educação e sociedade não é acabada, simétrica e, a educação escolar faz parte de desse sistema, ou seja, há por um lado a necessidade de transmissão de uma cultura existente e, por outro, a necessidade de criação de uma nova cultura. Neste sentido, a educação escolar não é a alavanca da transformação social, assim como não reproduz integralmente o que é socialmente determinado, por que numa sociedade de classes, a escola é igualmente de classes. Portanto, o papel da educação passa necessariamente pelo entendimento do homem e da sociedade. Sendo a educação dependente da sociedade, a sua luta deve estender-se além dos muros da escola e, por esse aspecto, que Gadotti vê a escola como um espaço de luta e, o ato educativo como político, visto que, pode ou não reproduzir o que é dado pela sociedade. Para tanto, Gadotti pensa numa Pedagogia revolucionária que denomina de Pedagogia do Conflito, distinguindo-a da pedagogia conservadora pelo seu conteúdo, o que se ensina, transmite e faz aprender na instituição escolar ou fora dela, ou melhor, uma pedagogia que não se preocupasse apenas com o conteúdo e a forma do que pretende ensinar, mas com o contexto na qual ela ensina. Gadotti, lembra a mesma tese defendida por Paulo Freire com a Pedagogia da Libertação, quando diz que: Nenhuma pedagogia é neutra. Toda pedagogia é política.Há uma pedagogia que reforça o silêncio em que se acham as massas oprimidas e uma que tenta dar-lhes a palavra.Daí a impossibilidade de neutralidade da prática educativa e da teoria dessa prática.”( Garote, 2000,p.72)

É nesse contexto, que Gadotti propõe que a formação do educador, e mais especificamente do pedagogo, deva ser tratada sob o ponto de vista político, visto que, “o pedagogo fazendo prática social está também exercendo seu papel específico na sociedade, que é o de vincular o ato educativo a o ato político, a teoria com a prática social emancipadora.” (2000, p.70). Para Gadotti, discutir a questão política na educação não significa reduzir tudo ao político, como se o político explicasse tudo. Antes de tudo, significa perceber que a política se estende a prática pedagógica na medida em que, a relação entre o contexto social e econômico interfere, por exemplo, na formação do educando. Vê-se, portanto, que uma das preocupações de Gadotti é o conteúdo que é veiculado na escola, visto que, para ele, uma pedagogia que leva em conta esse continente histórico não pode preocupar-

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se apenas com o conteúdo e a forma de ensinar, mas com o contexto no qual se ensina, e por isso, pode-se falar em politização do ensino. Não ignorar esses pontos, é levar para o espaço escolar o debate e o aprofundamento das questões sociais e políticas, visando à transformação de consciência.

2- Papel do Educador Para Gadotti, educador é no seu sentido mais amplo. “o intelectual capaz de transmitir uma ideologia que organize e cimente os homens entre si.” (2000, p.87). É nesse contexto de conscientização, que o educador exerce seu papel, assumindo uma postura crítica, para, aos poucos, tornar dominante uma educação que não camufle os conflitos e as contradições que se apresentam na sociedade e se reproduzem no espaço pedagógico. Essa postura crítica se revela no seu discurso, questionando e discutindo os problemas que a sociedade lhe coloca, tomando posicionamentos coerentes com a necessidade de transformar a sociedade. Para o educador, educar-se pode significar lutar contra toda representação e, principalmente ação de dominação. Negar a inculcação ideológica do status quo, que representa o sistema educacional da sociedade burguesa. Então, coerente com esse discurso é na prática que de fato o educador cria condições objetivas para que a educação seja possível, criando, sobretudo alternativas pedagógicas a essas que aí estão com o intuito de superar os princípios e atitudes da educação liberal: o individualismo, a liberdade, a propriedade, a igualdade e a democracia. Nesse sentido, vale a pena lembrar Luiz Antônio Cunha, ao falar nos princípios da política educacional liberal, no livro a Universidade Temporã: O individualismo é o princípio que afirma terem os indivíduos aptidões e talentos próprios, atuais e potenciais. Esse princípio implica a rejeição das fronteiras rígidas entre as classes sociais, pois elas impediriam aos bem – dotados e motivados atingirem as posições mais elevadas. A liberdade é aquele que defende a quebra de todos os empecilhos à plena realização das potencialidades dos indivíduos na competição pelos recursos da sociedade: liberdade de ação econômica diante do Estado;

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liberdade de crenças/motivações diante da Igreja; liberdade de associação política diante dos grupos de interesse e do próprio Estado. A propriedade é postulada pelo liberalismo como um direito inalienável de todo indivíduo. A propriedade de bens materiais e simbólicos sejam terras, máquinas, ouro ou obras de arte, aparece, nesse pensamento como o resultado da realização das potencialidades dos indivíduos, uma retribuição ao talento e ao esforço. A igualdade, estabelece que todos os indivíduos devem ter iguais oportunidades de competir pela posse dos recursos da sociedade e pelas diversas posições sociais. Assim sendo, o princípio da igualdade não implica a eliminação das desigualdades, mas sim, a realocação dos indivíduos, a cada geração, pelas posições desiguais. As diversas e desiguais posições devem ser ocupadas por indivíduos dotados de diversos e desiguais talentos e motivações, mas todos usufruindo iguais oportunidades para competir por todas elas. A democracia é o princípio que estabelece o direito de todos os indivíduos a participarem do governo da coisa pública, por representantes eleitos, e competirem entre si pela aceitação de sua versão da ordem por todo o corpo político. ( 1986,p.257)

Gadotti propõe a reeducação do educador, em que se tenha a prática pedagógica como norteadora da educação democrática onde se educa na medida em que se trocam conhecimentos, isto é, o educador ensina e, ao mesmo tempo, aprende num processo que além de dialético, é contínuo e permanente. Assumir essa postura é perceber e compreender que há uma estreita relação entre instituição formadora e sociedade. Por outro lado, é na prática também que o educador encontra a necessidade de recorrer a análises teóricas para compreendê-la, pois não faltarão apelos à teoria para aprofundar questões que a todo instante são suscitadas pela vida. Para tanto, entender a sua relação com a sociedade é essencial inclusive para entender a própria relação educadoreducando.Neste sentido, é que faz sentido levar em consideração não só conteúdo e a forma de ensinar, mas o contexto no qual se ensina.

2.3.4. Vera Maria Ferrão Candau Refletir sobre a questão da formação do educador nos dias de hoje não resulta numa tarefa fácil. De um lado, esbarramos com uma multiplicidade de discursos sobre o tema presente no nosso dia-a-dia. De outro, a própria compreensão desses discursos, e a constatação de sua multiplicidade, nos coloca frente ao desafio de tentar abranger todas as 38

dimensões contidas no conceito, sob pena de entendê-lo muito parcialmente. Na verdade, é dessa forma parcial que frequentemente, ouvimos ou lemos referências ao tema. Pretende-se sublinhar aqui a multidimensionalidade que atravessa a formação do educador considerando os escritos de Vera Maria Ferrão Candau, estudiosa na área de formação do educador, professora da UFRJ e reconhecida em todo o Brasil pelas suas produções na área da Pedagogia, organizando obras que abordam essa temática, tais como: Rumo a uma nova didática, A didática em Questão, Magistério: uma construção cotidiana e outros.

1. Relação teoria e prática e sua implicação na formação do educador. Candau em parceria com Lelis aponta que a relação teoria e prática tem marcado em diferentes épocas preocupação nas áreas do conhecimento, isto é, disciplinas que facilitam a compreensão da sociedade e, portanto, da forma de intervir sobre ela, isto é, a prática social. A discussão em torno da relação teoria e prática é denunciada pelos educadores como a falta de coerência entre uma e outra, sendo frequente e, não obstante, trata-se de uma das questões básicas da formação do educador e, “para alguns, o ponto central da reflexão na busca de alternativas para a formação destes profissionais.” (1988, p.50). É por essa ótica que as autoras agrupam a relação teoria e prática em dois esquemas, (apesar de historicamente saberem os vários significados para os termos). São eles: a visão dicotômica e a visão de unidade. Dependendo do conceito de sociedade têm-se visões diferenciadas de educação, isto é, na sociedade burguesa a contradição e o conflito não se manifestam porque a educação é vista como desvinculada do poder, da ideologia, é neutra, portanto, a educação verdadeira nesse tipo de visão é uma só para todas as classes, pois a educação escolar reproduz o que a classe dominante quer. Na visão unitária de educação, a relação educação e sociedade parte da hipótese de que toda educação, numa sociedade de classes, é uma educação de classe, isto é, a educação enquanto aparelho ideológico é essencialmente aparelho de reprodução de classes e reprodução das relações de produção da sociedade de classes. Numa visão unitária de educação não se tenta esconder a contradição numa sociedade de classes , ao contrário , tenta mostrá-la. Essas visões podem ser representadas da seguinte forma: A Sociedade Burguesa: Dicotômica: Pedagogia Unitária A Sociedade Socialista: Unitária: Pedagogia Dicotômica

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Nesse sentido, é que Candau mostra que a visão dicotômica separa teoria e prática e até mesmo as coloca como opostas, isto numa perspectiva dissociativa, ou melhor, aos “teóricos” cabe “pensar” e, aos “práticos”, cabe fazer, então, não se misturam, pois se assim o fizer perdem sua especificidade. Dessa perspectiva, decorrem vertentes na formação do educador que se manifestam através de uma dupla tendência: a primeira que, enfatiza a formação teórica, e a segunda que, enfatiza a formação prática. A primeira tendência se dá principalmente na formação inicial, quando a preocupação está muito mais em apresentar o que os teóricos falam sobre determinados assuntos, sem haver a preocupação na instrumentalização desses conhecimentos na prática pedagógica. A questão curricular é direcionada à questão puramente teórica, esvaziando o sentido da prática. A segunda tendência é a inserção puramente prática, independente de uma teoria que lhe dê suporte. Neste sentido, existe no “fazer” uma ênfase da prática sobre a teoria. Vê-se que, neste movimento a formação do educador ficará desvinculada entre as disciplinas que “pensam” e nas disciplinas que “fazem”, sem nenhuma comunicação entre elas. Outro aspecto no esquema dicotômico é a visão associativa, na qual teoria e prática são polos separados, mas não opostos, ou melhor, a prática deve ser aplicada de acordo com a teoria. Como exemplo dessa visão existe a concepção positivo-tecnológica, onde a ênfase é colocada nas regras, normas oferecidas pela teoria para se aplicar na realidade. É o pensamento positivista que comanda esta concepção,isto é , “é saber para prover, prever para prover.” Esta visão na formação do educador predominou no que se refere à relação teoria e prática, detectada nas posturas tradicionais de ensino, onde existe o primado da teoria sobre a prática. Diferente da visão dicotômica entre teoria e prática e de suas variáveis, a visão de unidade vincula ambas num movimento dialético, ou seja, prática e teoria são diferentes, mas não antagônicas. Vale à pena citar Vásquez (apud Candau, 1988, p.55) quando diz que: [...]na visão de unidade, teoria e prática são dois componentes indissolúveis da"práxis”definida como “atividade teórico-prática”, ou seja, têm um lado ideal, teórico, e um lado material, propriamente prático, com a particularidade que só artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do outro.

A visão de unidade, para Candau e Lelis, é indispensável para a busca de alternativas para a formação do educador. E é neste sentido que, a prática pedagógica é o, ponto de partida

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e de chegada, uma vez que parte da prática e para a prática retorna, dando sentido a teoria.Nas palavras das autoras, “a teoria é revigorada e deixa de ser um conjunto de regras, normas e conhecimentos sistematizados a priori, passando a ser formulada a partir das necessidades coerentes da realidade educacional, a qual busca responder através da orientação das linhas de ação.” (1988,p.59)

Com base no exposto, conclui-se que, a formação do docente deverá ter como princípio a consciência crítica da educação e do papel exercido por ela, como consequência a ação pedagógica deve voltar-se para a unidade entre o que se diz e o que se faz, já que normalmente se encontram dissociados em muitas práticas de formação do educador. Por essa ótica, observa-se que a formação do educador não se dá de forma acabada e com tempo determinado, ao contrário, ela é acima de tudo o resultado de condições históricas (pessoais e coletivas) e se dá continuamente. 2. Formação Continuada de Professores: tendências atuais São abordados por Vera Candau e outros autores no livro Magistério: construção cotidiana, aspectos referentes à formação continuada do professor, que se apresenta neste momento, como um dos principais temas de relevância no que se refere à formação docente. Isto se dá no instante em que as exigências do paradigma da globalização, a construção da qualidade em educação passa a ser um aspecto mercadológico em que a competitividade, o individualismo, a autossuficiência, o dogmatismo, os valores estão atrelados aos interesses do mercado e, portanto, baseados em suas leis.Candau ( 1997,p.51) analisa em três momentos a formação continuada do educador,que sintetizarei abaixo. 2.1-O modelo “ clássico” O modelo “clássico” se baseia na “reciclagem” dos professores que em determinados momentos volta a fazer cursos que o aperfeiçoem, tais como: especialização, pós-graduação, congressos, simpósios e outros. Neste instante, Candau (1997,p.55) questiona: [...] por trás dessa visão considerada “clássica” não está ainda muito presente uma concepção dicotômica entre teoria e prática, entre os que produzem o conhecimento e o estão continuamente atualizando e os agentes sociais responsáveis pela socialização destes conhecimentos?”

Poder-se-ia acrescentar outros questionamentos como: Que concepção de formação continuada é prevalente nos cursos para os docentes? Impera o modelo tradicional? Existe a preocupação com a inserção social?

2.2- Tendências atuais

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Segundo Candau, têm se configurado novas ações que criticam o modelo clássico de formação continuada do educador, modelos estes que são construídos a partir de três teses, que resumem hoje os principais eixos de investigação ao se repensar a formação continuada. São elas: a escola como lócus da formação continuada, a valorização do saber docente e a história de vida do docente.

2.2.1-A escola como lócus da formação continuada A própria escola é um dos lócus da formação a ser privilegiado, isto é, é preciso deslocar o lócus da formação continuada de professores da universidade para o próprio local de trabalho do professor. Parte-se do princípio que, para se ter um bom desenvolvimento da formação continuada é necessário ter presente as diferentes etapas do desenvolvimento profissional do magistério , já que se evidenciam claramente que é no cotidiano do seu trabalho que o professor aprende , faz descobertas e, vai aprimorando sua formação. Nesse sentido, partir do reconhecimento da escola como lócus

privilegiado da

formação continuada, é dentre outras, favorecer processos coletivos de reflexão e intervenção na prática pedagógica concreta.

2.2.2-A valorização do saber docente A investigação sobre o saber docente, para Candau ( 1997, p.59) ainda é precária e tenta responder perguntas como: “ Que saber possuem os professores?” “São esses profissionais simplesmente canais de transmissão e socialização de saberes produzidos por outros profissionais?” “Constroem eles algum(ns) saber(es) específico(s)?” “Que tipo de relação esses saberes têm com as chamadas ciências da educação?” É a partir desses saberes que o docente trata com as disciplinas e os saberes curriculares, assim como, julgam a formação que obtiveram a importância ou “ o realismo dos planos e das reformas que lhes são propostas e concebem os modelos de excelência profissional.” É o que se chama hoje de “a cultura docente em ação”, isto é, o saber docente é pensado e articulado com variáveis do tipo histórica, aproximando-se sempre das questões culturais e sociais, fazendo com que esse saber interaja com o saber científico ( prática+ teoria). 2.2.3- História de vida do docente Outro eixo de investigação da formação docente é sua história de vida profissional. Parte-se da premissa de que não existem dois professores iguais e de que a identidade que

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cada um constrói como educador baseia-se num equilíbrio único entre as características pessoais e os percursos profissionais.A esse respeito vale a pena citar Nóvoa (apud CANDAU, 1997,p.35): “a maneira como cada um de nós ensina, diretamente depende da imagem que temos da profissão, está em relação direta com aquilo que somos como pessoa quando exercemos o ensino.” É o saber vivido ligando-se ao saber científico. Ao fazer essa trajetória, Candau mostra que a formação continuada deve ser refletida, concebida criticamente, numa reconstrução permanente na prática e sobre a prática em que se interaja as questões pessoais e profissionais, sem cair na ingenuidade de isolar o contexto social, político, cultural e ideológico. Ao contrário, a ação dialética para investigação de diferentes dimensões da profissão docente é essencial para uma análise mais apurada dessa problemática.

Fonte bibliográfica: MEDEIROS, L.M.B. Concepções Pedagógicas dos Docentes do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual da Paraíba. Campina Grande: UEPB, 2002.Revisado em 09 de abril de 2015.

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