As transformações da riqueza em Franca, século XIX
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE HISTÓRIA , DIREITO E SERVIÇO SOCIAL CAMPUS DE FRANCA
AS TRANSFORMAÇÕES DA RIQUEZA EM FRANCA SEGUNDO OS INVENTÁRIOS (SÉCULO XIX)
Lélio Luiz de Oliveira Orientador: Prof. Dr. Lincoln Etchebéhere Júnior
Dissertação apresentada à Faculdade De História, Direito e Serviço social - UNESP - Campus de Franca, como parte da exigência para obtenção do título de MESTRE EM HISTÓRIA.
Franca 1995
Í N D I C E
Lista de Tabelas ......................................
03
Lista de Gráficos .....................................
06
Mapas .................................................
09
Abreviaturas ..........................................
10
Introdução.............................................
11
l. A economia do centro-Sul............................
24
2. A economia da região de Franca......................
52
3. A riqueza dos proprietários segundo os inventários..
96
3.l. A riqueza escrava.............................. 113 3.2. Os semoventes.................................. 160 3.3. Os bens de raiz................................ 170 3.4. Os bens pessoais............................... 175 3.5. As dívidas: ativas e passivas ................. 188
Considerações Finais................................... 198
Fontes e Bibliografia.................................. 2
LISTA DE TABELAS
1.Número de animais em trânsito por Sorocaba, segundo o Livro do Novo Imposto (1820-1822) e
registrados
nos livros da Barreira de Sorocaba (1826-1827)......
45
2.Número médio de animais e de muares chegados no mercado de Sorocaba - 1825 a 1880......................
47
3.Evolução demográfica da população de São Paulo, MojiMirim e do Sertão do Rio Pardo (1798 a 1824)........ 4.Demonstrativo da porcentagem de mineiros no total
60
da
população do Sertão do Rio Pardo e Vila Franca ......
60
5.Inventários que constam descrições sobre plantações de café (1878 a 1883) ...............................
84
6.Lançamento de Engenhos e máquinas de todas as espécies que são obrigados a pagar direitos no ano de 1890..... 87 7.Lançamento dos negociantes de todas as espécies, da cidade de Franca e seu município que são obrigados a pagar direitos no ano de 1890 .......................... 88 8.Lançamento de todas oficinas que são obrigadas a pagar direitos no ano de 1890................................90 9.População/Idades-Franca do Imperador - 1837 ...........93 10.Distribuição da Riqueza (por proprietário - em porcentagem - (1822/30 e 1875/85) .........................102 11.Quantidade de escravos possuídos por proprietário....114 12.Distribuição da propriedade escrava (proprietários
e
escravos possuídos, em porcentagem - São Paulo - 1872/ 80 e 1881/87)........................................121 3
13.Valor médio dos escravos por ano (masculinos + femininos) 1822/30 e 1875/85 ..............................125 14.Valor médio dos escravos por ano - masculinos/femininos 1822/30 .............................................129 15.Valor médio dos escravos por ano - masculinos/femininos 1875/85 .............................................132 16.Distribuição dos escravos, segundo a faixa etária (masculinos + femininos) ................................138 17.Distribuição dos escravos, segundo os sexos .........141 18.Distribuição dos escravos, segundo as faixas etárias e os sexos (em porcentagem)............................142 19.Distribuição dos escravos, segundo as faixas etárias e os preços mínimos e máximos (masculinos e femininos) 1822/30...............................................146 20.Distribuição dos escravos, segundo as faixas etárias e os preços mínimos e máximos - 1875/85 ...............147 21.Distribuição do escravos, segundo as faixas etárias e os preços médios ....................................149 22.Distribuição dos escravos, segundo as faixas etárias e faixas de tamanho dos plantéis - 1822/30 ............152 23.Distribuição dos escravos, segundo as faixas etárias e faixas de tamanho dos plantéis - 1875/85 ............154 24.Quantidades, porcentagens e valores médios dos semoventes - 1822/30 .......................................161 25.Quantidades, porcentagens e valores médios dos semoventes - 1875/85........................................165 4
26.Dívidas Ativas/Passivas - 1822/30 ...................189 27.Valor das dívidas ativas por proprietário - 1822/30..190 28.Dívidas Ativas/Passivas - 1875/85....................191 29.Valor das Dívidas Ativas por proprietário - 1875/85..192 30.Valor
das
Dívidas
Passivas
por
proprietário -
1822/30............................................. 194 31.Valor
das
Dívidas
Passivas
por
proprietário
-
1875/85............................................ 196
5
LISTA DE GRÁFICOS
1.
Número de eqüinos, muares e bovinos em trânsito por Sorocaba - 1820/22 e 1826/29.................
46
2.
Composição da riqueza - 1822/30 .................
99
3.
Composição da riqueza - 1875/85..................
99
4.
Distribuição dos animais - % - 1822/30 ..........
162
5.
Distribuição dos animais - % - 1875/85 ..........
166
6.
Porcentagem de Dívidas Ativas e Passivas - 1822/30. 188
7.
Porcentagem de Dívidas Ativas e Passivas - 1875/85. 191
6
ABREVIATURAS
AHMF
-
Arquivo Histórico Municipal de Franca "Capitão Hypólito Antônio Pinheiro"
MHMF
-
Museu Histórico Municipal de Franca "José Chiachiri"
APESP -
Arquivo Público do Estado de São Paulo
7
I N T R O D U Ç Ã O
Este trabalho tem como objetivo estudar as formas e os níveis de riqueza dos proprietários radicados em Franca1, situada no Nordeste da Província de São Paulo, no século XIX, comparando dois períodos: l822/30 e l875/80. O objetivo proposto alia-se à necessidade da identificação
das
conjunturais,
sob as quais os proprietários obtinham os
recursos
condições
necessários
à
econômicas
acumulação
regionais
da
riqueza
e
e
à
organização das estratégias de sobrevivência. Ao considerarmos a dinâmica da economia da região de Franca, e sua inserção no contexto da economia de subsistência do centro-Sul, é que analisaremos os níveis de riqueza
dos
proprietários
francanos.
Temos,
portanto,
o
intuito de investigar a capacidade da geração de riqueza da economia de subsistência na região em estudo, durante o século XIX.
Alguns idéias
que
artigo
de
compõem Alice
trabalhos este
Piffer
estudo;
serviram citamos
CANABRAVA:
1
de
suporte
especialmente
"Uma
economia
às o de
Franca "foi criada freguesia no ano de 1804 com este nome alusivo ao do capitão-general Antônio da Franca e Horta, elevada à vila em 1824 por decreto imperial e à cidade por lei provincial de 24 de abril de 1856." In: MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos da Província de São Paulo. São Paulo: Livraria Martins Editora, t.1., p.276.
8
decadência: os níveis de riqueza na capitania de São Paulo, 1765/67", que ao utilizar recenseamentos dimensiona
"os
níveis de riqueza na capitania de São Paulo em meados do século
XVIII"2
"Metamorfoses
e
a
da
tese
Riqueza:
de
Zélia
São
Cardoso
Paulo,
de
MELLO,
1845-1895",
que,
amparada em inventários, investigou "o movimento das formas de
riqueza
escravismo
como e
o
capitalista."3 que obra
expressão
do
surgimento
movimento da
de
economia
superação
do
exportadora
Sem nos esquecermos de Alcântara MACHADO,
preocupou-se com a composição e o nível da riqueza na "Vida
e
Morte
do
Bandeirante",
o
qual
tendo
inventários como subsídio, abriu caminhos para uma visão mais
realista
das
condições
econômicas
do
paulista
no
período colonial.4 2
CANABRAVA, Alice Piffer. Uma economia de decadência: os níveis de riqueza da Capitania de São Paulo, 1765/67. Revista Brasileira de História. Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p. 105, out./dez. 1972. 3 MELLO, Zélia Maria Cardoso de. Metamorfoses da riqueza: São Paulo, 1845-1895. Contribuição ao estudo da passagem da economia mercantil-escravista à economia exportadora capitalista. São Paulo: Hucitec/Prefeitura Municipal de São Paulo/Secretaria Muncipal de Cultura, 1985. Ver também: CARDOSO JR., Hélio Rebello. A utilização da terra, da mão-de-obra e dos bens de produção na economia colonial brasileira - a evolução da unidade produtiva em Mariana (17101809). In: ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - Cidade e Poder ANPUH, 5., 1986, Uberlância, Anais, Uberlândia, Universidade Federal de Uberlância, 1986, p.272-290. MONTEIRO, John. Distribuição da riqueza e as origens da pobreza rural em São Paulo (século XVIII). Estudos Econômicos. São Paulo, v. 19, n.1, jan./abr. 1989. 4 MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. São Paulo: Martins, 1972. "Alcântara Machado, num admirável ensaio econômico-social, em que não se sabe o que mais admirar, se a visão exata e sintética da vida do bandeirante seiscentista, se o estilo cristalino com que traduz o seu pensamento, fornece preciosos elementos à apreciação (...) da vida piratiningana". In: SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil(1500-1820). 3.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. p.220.
9
Com
vistas
à
análise
da
economia
de
subsistência do centro-sul do Brasil, durante o século XIX, onde a região de Franca é parte atuante,
nosso subsídio
advém principalmente de autores como Maria Thereza Schorer PETRONE, Alcir LENHARO, Roberto MARTINS e Robert W. SLENES, que
empenharam-se em demonstrar o caráter dinâmico deste
seguimento da atividade econômica, afastando a idéia de um setor
modelado
pela
decadência,
estagnação
e
gerador
de
baixos níveis de renda e riqueza. PETRONE
dimensiona
o
comércio
do
gado
no
Centro-Sul do Brasil, que abastecia as áreas de economia de exportação, primeiramente a mineração e depois as lavouras de cana-de-açúcar e café, incluindo-se a cidade do Rio de Janeiro, como importante centro consumidor de gêneros de subsistência.5
A
autora
demonstra
a
importância
da
agricultura paulista como instrumento de desenvolvimento e como geradora de riquezas durante o século XIX.6 LENHARO
demonstra
o
caráter
aberto
e
mercantil da economia de subsistência do Sul de Minas com vistas
ao
abastecimento
implicações "formação 5
6
de
sociais setor
e
Rio
de
políticas,
ou
social
do
novo
Janeiro seja,
oriundo
da
e
suas
estudou
a
produção
e
PETRONE, Maria Thereza Shorer. O Barão de Iguape: um empresário da época da independência. São Paulo: Nacional, 1976. 177p. (Brasiliana, v. 361). PETRONE, Maria Thereza Shorer. A lavoura canavieira em São Paulo: expansão e declínio (1765-1851), são Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968, p.21.
10
distribuição
de
gêneros
de
primeira
necessidade
para
o
consumo interno", e ainda explicita como "este setor da classe
proprietária
do
Centro-Sul
articulou-se
politicamente em nível regional, e projetou-se no espaço da Corte"7 O debate travado entre MARTINS e SLENES nos traz
novas
conclusões
complexidade manutenção Minas,
do
após
ressaltando destas
da
o a
acerca
economia
braço auge
mineira,
escravo. da
MARTINS
mineração,
importância
características,
da
a
dos
mercantilização
e
conjugada
com
a
economia
de
vê
voltada
mercados
Província
a
para
dentro,
locais.
mineira
Apesar
era
grande
importadora de escravos, contradizendo a idéia convencional de que a ampla utilização da mão-de-obra escrava dava-se somente em atividades de exportação. Pondera ainda o autor, que o fator Wakefield - grandes extensões de terras a serem ocupadas não possibilitavam a criação de um mercado de mãode-obra
livre
-
contribuía
decisivamente
para
a
continuidade do uso do braço escravo na produção, mesmo que 7
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da Corte na formação da política do Brasil, 1808-1842. São Paulo: Símbolo, 1979 (Coleção ensaio e memória, 21); Idem, Rota Menor: o movimento da economia mercantil de subsistência do Centro-Sul do Brasil, 1808-1831. Anais do Museu Paulista. v. XXIII, 1977/8. Outros estudos que tomam o abastecimento como objeto de investigação, ver: ZEMELLA, Mafalda, Abastecimento da Capitania de Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1990; ELLIS, Myrian. Contribuição ao estudo do abastecimento das áreas mineradoras do Brasil no século XVIII. Rio de Janeiro: MEC, 1960; LINHARES, Maria Yeda. O problema do abastecimento numa perspectivas histórica 1530-1918. Rio de Janeiro: 1978; MATTOSO, Kátia M. de Queiróz. Bahia: a cidade de Salvador e seu mercado no século XIX. São Paulo: Hucitec, 1978.
11
esta
fosse
menos
mercantilizada
e
tivesse
níveis
de
rendimento menores que a de exportação.8 SLENES,
ao
criticar
MARTINS,
apresenta
um
"modelo alternativo" ao conjugar idéias revisionistas com a "historiografia tradicional", quando valoriza as atividades de exportação de Minas, que teria proporcionado um "efeito multiplicador", econômicas
ou
voltadas
seja, para
incentivador
o
de
considerável
atividades
mercado
interno
daquela Província.9 Os
historiadores
referidos
ressaltam
a
importância de Caio PRADO JÚNIOR10 que "apoiando-se em fontes primárias,
já
economia
de
apreendeu
o
notificara subsistência
seu
caráter
sobre
a
situação
mineira aberto
(...). para
específica O
mesmo
mercados,
da
autor
captando
também o movimento que a produção de subsistência realizou em busca de novos mercados após o refluxo da mineração."11 A tendência revisionista da historiografia que
procura
revelar
a
economia
8
de
subsistência
com
MARTINS, Roberto. A economia escravista de Minas no século XIX. Texto para discussão nº 10, Belo Horizonte: CEDEPLAR, 1982. 9 SLENES, Roberto W. Os Múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Cadernos IFCH-UNICAMP nº 17, Campinas, junho, 1985. Sobre um complemento ao debate entre MARTINS e SLENES, ver também: LUNA, Francisco Vidal, CANO, Wilson. A reprodução natural de escravos em Minas Gerais (século XIX) - Uma hipótese. In: Economia escravista em Minas Gerais. Cadernos IFCH-UNICAMP nº 10, Campinas, outubro, 1983; BOTELHO, Tarsício Rodrigues. Famílias e escravarias: demografia e família escrava no Norte de Minas Gerais no século XIX. São Paulo: FFCL, 1984. 208p. (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, 1984. 10 PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 20.ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. 11 LENHARO, Alcir. op. cit., p. 34, nota 7.
12
características
mercantis,
dinâmica
e
capacitada
para
geração de riquezas - tem provocado um embate direto com a chamada "historiografia tradicional". Em razão desta tratar o setor de exportação como tema principal, à economia de subsistência eram atribuídas as seguintes características: a)
de
tendência
fechada
ou
de
influência
restrita
a
pequenas regiões; b) voltada para a auto-suficiência; c) baixa produtividade e rentabilidade; d) mínima ou nenhuma utilização de mão-de-obra escrava; e)
subsidiária
ou
sobrevive na periferia da economia mercantil.12 Autores
como
Roberto
SIMONSEN
e
Celso
FURTADO comungam com os princípios acima ao retratarem as atividades
econômicas
da
região
sudeste,
no
período
intermediário entre o declínio da mineração e a ascensão da lavoura cafeeira. SIMONSEN, entende como um período carente de
progresso,
de
vazio
de
História,
uma
tendência
que
somente seria revertida com a disseminação das lavouras de um novo produto de exportação: o café. Vê na pecuária uma atividade
de
pouca
significância.13
"desenvolvimento endógeno
FURTADO
cita
que
o
(...) foi praticamente nulo" na
região mineira, apesar de haver certas condições favoráveis 12
13
LENHARO, Alcir. op. cit., p. 33-37, nota 7. Sobre a crítica a história tradicional LENHARO utilizou-se dos escritos de MAXWELL, Kennet, A devassa da devassa. A inconfidência mineira: Brasil e Portugal - 1750-1808. Tradução de João Maia. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. (Estudos Brasileiros, v. 22); SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Nacional, 1974; GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Àtica, 1978. SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil 1500-1820. 6.ed. São Paulo: Nacional, 1969.
13
como: proporção maior da população livre e concentrada,
se
comparada
com
região
renda menos açucareira
do
Nordeste. Comenta que a tendência era de atrofiamento da economia
monetária
e
descapitalização,
o
que
provocou
a
decadência dos núcleos urbanos "dispersando-se grande parte de
seus
elementos
numa
economia
de
subsistência
(de
baixíssima produtividade), espalhados por uma vasta região em
que
eram
difíceis
as
comunidades
e
isolando-se
os
pequenos grupos uns dos outros"14 Nosso
trabalho
vincula-se
à
tendência
revisionista. O desenvolvimento da economia da região de Franca, durante o século XIX, é entendido como reflexo da ampliação
das
atividades
econômicas
voltadas
para
a
subsistência, exercidas em Minas Gerais e outras regiões de São
Paulo,
com
vistas
a
atender
os
mercados
locais
e
regionais, as áreas de plantation e os centros urbanos em crescimento.
A
economia
francana
e
a
riqueza
nela
produzida, no período em questão, só podem ser entendidas frente à integração desses mercados.15 A
escolha
das
balizas
para
nosso
estudo
seguiu alguns parâmetros, ou seja, a delimitação de dois períodos:
o
primeiro
-
1822/30
14
-
mais
no
início;
e
o
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 20.ed. São Paulo: Nacional, 1985, p. 79. 15 Amparado nos ensinamentos de Adeline DAUMARD não há como negar que os quadros econômicos são importantes pois permitem presumir o crescimento da importância de uma determinada camada social. Eles são os suportes para apreciar a evolução da fortuna e certos fatores da constituição e conservação dos patrimônios. DAUMARD. Adeline.Hierarquia e riqueza na sociedade burguesa. São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 195.
14
segundo
-
facilitou
1875/85, a
próximo
análise
ao
do
fim
do
século
movimento
da
XIX.
Isso
riqueza
dos
proprietários francanos durante a centúria em questão. Outro fator de influência, foi a modificação dos
quadros
econômicos
do
Nordeste
paulista,
aliado
à
efetiva ocupação populacional a partir da década de 20. A região deixou de ser escassamente povoada por habitantes de origem paulista, que sobreviviam dos pousos às margens do "Caminho dos Goyazes", sua principal fonte de sustento. Os mineiros, desde os fins do século XVIII, ampliação
das
atividades
em decorrência da
econômicas
destinadas
à
subsistência16 e pela concomitante diminuição das atividades mineradoras17, região
que
foram
flanqueia
se a
estabelecendo serra
oeste,
em
"São
Paulo,
de
Franca
a
na
Moji-
Mirim".18 A expansão da população mineira foi acompanhada da pecuária,
sua
principal
atividade.
A
referida
expansão
atingiu a Comarca do rio das Mortes (Sul de Minas), o atual Triângulo Mineiro, acabando por ultrapassar a fronteira do Nordeste da Capitania de São Paulo. usado
para
designar
um
território
"O termo 'Sertão', escassamente
povoado,
pouco a pouco desaparecia à medida em que a paisagem se humanizava
16 17 18
com
a
fundação
dos
MARTINS, Roberto. op. cit. nota 8. FURTADO, Celso. op. cit., p. 85, nota 14. PRADO JR., Caio. op. cit., p. 198, nota 10.
15
arraiais,
sedes
de
Freguesias,
núcleos
primitivos
das
atuais
cidades
do
Nordeste Paulista."19 A atividades
ocupação
econômicas
da
região
permanentes
veio
acompanhada
de
com
características
mercantis, fortalecidas no decorrer do século. Dentre as mais dinâmicas destacamos: a) a pecuária, que favoreceu a constituição de vínculos comerciais com distantes centros consumidores; b) o comércio do sal, que desenvolveu-se com a ampliação do rebanho da região e com o abastecimento das regiões
de
Goiás
e
Mato
Grosso;
c)
a
agricultura
de
subsistência, menos desenvolvida, que atendia aos próprios produtores. O excedente era endereçado aos mercados locais para atendimento de viajantes que trafegavam pelos caminhos da região.20 Outras atividades serão tratadas no corpo do trabalho. Outra forte razão que nos levou a iniciar nossos estudos a partir do ano de l822, é que essa foi a época que apresentou maior volume
da documentação base de
nosso trabalho, os inventários. No l875/80
-
regionais,
segundo
ocorreu
a
sustentada
período,
ampliação nas
por das
nós bases
tradicionais
escolhido
-
produtivas atividades
econômicas e incrementada pelo crescimento do plantio das 19
20
CHIACHIRI FILHO, José. Do Sertão do Rio Pardo à Vila Franca do Imperador. Ribeirão Preto: Ribeira Gráfica e Editora Ltda, 1982, p. 207. CHIACHIRI, José. Vila Franca do Imperador: subsídios para história de uma cidade. 1.ed. Franca: O Aviso da Franca, 1967.
16
lavouras de café a partir da segunda metade do século XIX. Conjugado ao crescimento econômico, destaca-se a efetiva ocupação do território compreendido pelo Nordeste paulista.21 Ao embrenharmos pela História econômica
as
características do nosso trabalho diferenciam-se de outros de cunho acadêmico já realizados sobre a região de Franca. Como exemplo temos a tese de José CHIACHIRI FILHO, "um estudo
sobre
paulista
o
e,
povoamento
e
primordialmente,
a
população
sobre
a
do
Nordeste
participação
dos
mineiros na realização desse povoamento e na composição e crescimento desde
o
dessa
população.
desbravamento
do
Abrange
Sertão
até
um
período
que
a
criação
da
vai Vila
Franca do Imperador, em l824."22 Também com o objetivo de entender
a
ocupação
do
Nordeste
paulista,
citamos
um
excelente ótimo trabalho, de autoria de Lucila R. BRIOSCHI e equipe. Nele os autores procuraram "recuperar
a história
das migrações mineiras e a constituição de uma sociedade de criadores, localizada entre os rios Pardo e Sapucaí-Mirim, a oeste do Caminho de Goiás".23 Numa perspectiva demográfica, o
estudo
de
Aparecida
da
Glória
AISSAR
contribuiu
decisivamente para a História regional, quando analisou a natalidade e mortalidade em Franca no período entre l800 e l850.24 Sob a óptica política, ressaltamos os trabalhos de 21 22 23
24
CHIACHIRI, José. op. cit., nota 20. CHIACHIRI FILHO, José. op. cit., p. 18, nota 19. BRIOSCHI, Lucila R., BACELLAR, Carlos A. P., CHIACHIRI FILHO, José et alii. Entrantes do Sertão do Rio Pardo. O povoamento da freguesia de Batatais - séculos XVIII e XIX. São Paulo: CERU, 1991. AISSAR, Aparecida da Glória. Natalidade e mortalidade em Franca: um estudo de demografia histórica (1800-1850). São Paulo: FFLCH,
17
Mildred
Regina
ascensão
GONÇALVES,
que
enfocam
as
formas
de
política conjugadas com o coronelismo em Franca.25
estruturamos
Ao
procurar
nosso
trabalho
atender em
três
nossos partes.
objetivos, Na
primeira
apresentamos a face da economia do centro-Sul, durante o século XIX,
favorável ao desenvolvimento da economia de
subsistência, com fortes ligações mercantis. Na
segunda
parte, procuramos caracterizar e dimensionar as atividades econômicas exercidas na região de Franca, e demonstrar suas ligações com outros mercados. E como
base
pelos
os
inventários,
proprietários
de
na
terceira
demonstramos
Franca,
que
a
parte, riqueza
exerciam
tendo obtida
atividades
econômicas geradoras de bens destinados ao abastecimento das
populações
centro-Sul.
locais
e
Trataremos,
ao
atendimento
neste
capítulo,
de da
mercados
do
posse
dos
escravos por faixa etária, demonstrando seus respectivos valores e procedendo comparações com outras regiões. Após a apresentação
e
análise
quantificação dos itens:
destes
dados,
trataremos
da
bens móveis, semoventes (animais
de criar), e valores dos bens imóveis, procurando entender qual a participação de cada item no total da riqueza dos proprietários.
25
1980, 166p. Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo, 1980. NALDI, Midred Regina Gonçalves. O Barão e o Bacharel (um estudo de política local no II Reinado), o caso de Franca. São Paulo: FFLCH, 1988, 183p. Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo, 1980.
18
Nossa base documental está alicerçada em 96 inventários do Cartório do 2° Ofício Cível. Atualmente eles encontram-se arranjados em ordem cronológica, em bom estado de conservação, à disposição dos pesquisadores no Arquivo Histórico Municipal "Capitão Hipólito Antônio Pinheiro", de Franca-SP.
A
amostragem
foi
método
que
norteou
nossa
consulta aos dados escolhidos para este trabalho. Pretendemos
com
este
trabalho
de
história
econômica abrir um filão para o conhecimento do processo histórico transcorrido na Região de Franca. Este livro originou-se de uma dissertação de mestrado
defendida
na
Faculdade
de
História,
Direito
e
Serviço Social - UNESP - Campus de Franca, sob orientação do Prof. Dr. Lincoln Etchebéhere Júnior.
19
1. A ECONOMIA DO CENTRO-SUL
Nosso objetivo neste capítulo é apresentar as condições econômicas propícias para o desenvolvimento das
atividades
dedicadas
à
subsistência,
principalmente
aquelas relacionadas com a agricultura e a pecuária, no Centro-Sul,
durante
o
moldaram
economia
de
a
século
XIX.
subsistência
Condições com
estas
que
características
imbuídas de dinamismo e de tendência aberta, voltada para os mercados locais e regionais; contexto em que a região de Franca se insere e integra. Para que nossos objetivos fossem atingidos, trilhamos
o
seguinte
possibilidades
de
caminho:
produção
de
bens
reconhecimento
das
de
das
subsistência
diversas regiões do centro-Sul e verificação da capacidade de inserção desses produtos nos mercados. Reconhecemos a importância da econômica de exportação - a mineração e as lavouras:
de cana-de-açúcar e
aprofundaremos
na
dinâmica
e
de café, entretanto, não no
dimensionamento
do
seu
processo produtivo, ficando atentos somente nos reflexos desse setor, por tratar-se de importante incentivador da produção de gêneros de subsistência. A economia do Centro-Sul, à medida em que sentia
os
mineradoras,
reflexos passou
a
da
diminuição
consolidar 20
as
das
atividades
atividades
voltadas
para a produção de artigos de subsistência26, valorizando os mercados
locais
e
atendendo
a
ampliação
da
demanda
de
mercados consumidores como o do Rio de Janeiro, após a instalação da Corte, em l808.27 A cidade do Rio de Janeiro tem, no início do século XIX, "assegurado seu abastecimento de milho, feijão, arroz, trigo, cebola e farinha de mandioca, enviados por Santa
Catarina,
enquanto
outras
áreas
produtoras
também
comparecem com arroz, feijão, mandioca, milho, hortaliças, animais de pequeno porte, peixes, etc., sendo que de Minas Gerais vinham
para o Rio gado em pé, porcos, galinhas,
carneiros, toucinho, queijos, cereais, tecidos grosseiros de algodão, o que se completava com os produtos de São Paulo, Mato Grosso e Goiás."28 O Rio de Janeiro tornou-se, então, o centro consumidor e consequentemente incentivador da produção de gêneros de subsistência, principalmente no centro-sul do país. Em economia,
Minas
identificado
Gerais, por
o
SLENES
26
"setor como
as
dinâmico"29
da
atividades
de
Sobre o abastecimento das Minas Gerais no século XVIII ver: ZAMELLA, Mafalda P. O abastecimento da Capitania das Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1990; ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Nacional, 1967; LIMA JÚNIOR, Augusto de. A capitania das Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Universidade de São Paulo, 1978. 27 LENHARO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da Corte na formação da política do Brasil, 1808-1842. São Paulo: Símbolo, 1979, p.41. (Coleção ensaio e memória, 21) 28 LAPA, José Roberto do Amaral. O Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1982, p.51. 29 "Centro dinâmico" é frase de Celso FURTADO utilizada por Robert W. SLENES; veja: FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 15.ed. São
21
exportação
de
mercadorias
e
minérios
de
valor,
era
o
responsável pelo incremento do setor dedicado aos bens de primeira necessidade, pelo vigor da economia "vicinal" e pela manutenção de considerável quantidade de mão-de-obra escrava na província.30 Noutros termos, o vigor da economia mineira advinha do atrelamento da produção para exportação e para consumo interno. A economia interna era incentivada, entre outros fatores, pela produção de bens necessários ao sustento da massa de trabalhadores utilizada na produção para exportação, dos proprietários e seus familiares, dos homens dedicados ao transporte (tropeiros e peões) e de seus animais. O Norte de Minas, em fins do século XVIII, que mantinha relações comerciais com pontos extremos desta capitania,
como
Paracatu
e
mesmo
outros
fora
dela
como
Goiás, Bahia e Rio de Janeiro, fornecendo gado e peles31, passou,
em
meados
estreitas com
o
do
século
centro
XIX,
"a
ter
ligações
mais
e o sul da província, integrando-
se à sua economia".32 Os produtos que faziam parte destas ligações comerciais era "cachaça, doces, queijo de Minas,
Paulo: 1977, especialmente o capítulo 36 e SLENES, R. W. Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Cadernos IFCH-UNICAMP nº 17, Campinas, junho, 1985, p. 17. 30 SLENES, R. W. op. cit., p.6, nota 4. 31 MATA-MACHADO, B. História do sertão noroeste de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991, p.62. APUD BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Família e escravarias: demografia e família escrava no Norte de Minas Gerais no século XIX. São Paulo: FFCLH, 1994. 208p. (Dissertação de Mestrado) Universidade de São Paulo, 1994; ZEMELLA, M. P. op. cit., nota 1. 32 BOTELHO, T. R. op. cit. p. 43, 45, 48, nota 6.
22
algodão da zona de Montes Claros, fibras de linho do Rio Grande e do Rio das Mortes".33 Na localizada ligações
mais
mesma ao
centro
mercantis
continuava
a
época,
com
exportar
da
o
região
província,
Rio
seus
a
de
minerais
mineradora,
mantinha
Janeiro em
fortes
para
onde
quantidades
bem
menores que no século XVIII.34 Além do ouro e das pedras preciosas o crescente volume de gêneros de abastecimento dá importância a este comércio. As comarcas de Ouro Preto, Sabará
e
Serro
Frio
exportavam
fazendas de algodão, oriundas,
toucinho,
gado
principalmente,
vacum
e
da região
de Minas Novas, localizada mais ao Norte.35 O Sul de Minas, região comprometida com o abastecimento
das
Gerais,
"reconheceu
um
reforço
em
sua
estrutura econômica, já alicerçada na produção mercantil de gêneros de subsistência. Atividades de produção, portanto, que
não
se
relacionavam
com
tendências
de
involução
ou
regressão econômica; pelo contrário, tratava-se de produção mercantil
(...)
voltada
para
fora,
em
busca
de
novos
mercados."36 Tanto que São João Del Rei, sede da Comarca do Rio das Mortes, "transformara-se em 'distrito cerealista' e produzia milho, feijão e um pouco de trigo em suas terras 33 34 35
36
LIMA JÚNIOR, A. de. op. cit., p. 200-1, nota 1. FURTADO, Celso. op. cit., nota 4. MATOS, Raimundo José da Cunha. Corografia histórica da Província de Minas Gerais (1837). Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1981, v.2, p.78 (Reconquista do Brasil; nova série, v. 62). LENHARO, Alcir. op. cit., p. 73, nota 2.
23
férteis, além de exportar para o Rio de Janeiro e outras comarcas, queijo, banha, aves, açúcar, algodão e cachaça."37 A
localidade
servia
de
entreposto
de
mercadorias,
principalmente gado bovino, cavalar e cerdal, oriundas de Paracatu (Oeste mineiro), de onde saía também algodão em rama; de outras regiões como o Sul de Goiás e do Sertão da Farinha Podre (atual Triângulo Mineiro), dos distritos de Araxá
e
Desemboque,
de
onde
originavam
toucinho,
couro,
peles e sola, tendo como destino final o Rio de Janeiro.38 AIRES DO CASAL visitou, no início do século XIX, as últimas localidades citadas e nos presenteou com relatos. arraial cabeça
Conforme de
de
São
declarações
Domingos
Julgado
do
possuí[a]
deste
autor,
Araxá, poços
o
"abastado
modernamente
de
água
erecto
salobre,
que
poupa[vam] os criadores o dispêndio do sal para os animais, e
os
grandes
pedaços
de
terra
fértil,
onde
pod[iam]
florescer vários ramos da agricultura, hão convidado muitas centenas
de
famílias
Geralistas
a
mudar
para
alí
seus
estabelecimentos; o que vai fazer desta freguesia em poucos anos uma das mais populosas da província. Fabrica[vam]-se
37
38
MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979. BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico e geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Promoção da Família, 1971, p. 4349, 160-162. SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem às nascentes do Rio São Francisco. Tradução de Clara Ribeiro Lessa. São Paulo: Nacional, v.1, 1937, p. 205 (Brasiliana, 68). MATOS, Raimundo José da Cunha. op. cit., p. 78, nota 10.
24
já bons tecidos de algodão, e começa[va]m-se os de lã. Cria[vam]-se grande quantidade de porcos e gado vacum".39 No que se refere a Desemboque, o entusiasmo do relator não foi o mesmo; contudo, evidenciou a relativa importância
daquela
povoação,
quando
menciona
que
"o
arraial (...), cabeça de Julgado, tem uma igreja paroquial de
Nossa
Senhora
do
Desterro,
e
fica
sobre
a
margem
esquerda do rio das Velhas, obra de dez léguas arredado da raia de Minas. O povo do seu distrito cria[va] gado vacum, e recolh[ia] abundância de víveres do país"40 39
CASAL, Aires de. Corografia Brasílica ou Relação Histórico Geográfica do Reino do Brasil. 2.ed. São Paulo: Cultura, 1945. 40 Até 1816 os Julgados de Araxá (hoje cidade de Araxá) e Desemboque pertenciam a Capitania (e Prelazia) de Goiás, quando, cumprindo o Alvará de 4 de abril de 1816, desagregaram-se desta, sendo o território incorporado a Minas, sob a jurisdição da Comarca do Rio Paracatu do Príncipe, criada no ano anterior. O Julgado de Desemboque abrangia o atual Triângulo Mineiro e todo o Sul de Goiás, menos o Julgado de Santa Luzia. Em 1850 tal julgado foi elevado a Vila. "Depois de 1862 esta regalia foi revogada e o Desemboque passou a ser, daí por diante, um distrito, como até hoje é, do município de Sacramento. Atualmente com pouco mais de uma dúzia de casas velhas. (...) Por ato de 20 de dezembro de 1811, a freguesia de São Domingos do Araxá e os arraiais do Salitre (atual Patrocínio) e São Pedro de Alcântara se destacaram do julgado do Desemboque e se erigiram em julgado de São Domingos Araxá". In: PONTES, Hildebrando. História de Uberaba e a civilização do Brasil central. Uberaba: Edição Academia de Letras do Triângulo Mineiro, Editora Vitória Artes Gráficas Ltda, 1970. O trajeto realizado pelos entrantes e comerciantes, desde os tempos colonias, na estrada São Paulo-Goiás, era geralmente desviado fazendo passar por Desemboque para fugir do fisco, "aliás, em Documentos Interessantes, vol. II, com data de 1789, há interessante mando do governado José de Lorena, de São Paulo, proibindo a utilização da 'Picada do Desemboque' antes utilizada apenas pelas carregações de gêneros, pelos viandantes que, desviando-se do registro do Rio das Velhas, iam ter ao Desemboque, ali forjavam guias falsas e seguiam para Goiás. que passava por Desemboque. NABUT, Jorge Alberto (org.) Desemboque documento histórico e cultural. Uberaba: Fundação Cultural de Uberaba, Arquivo Público de Uberaba, Academia de Letras do Triângulo Mineiro, 1986. Sobre as divisas da região em questão ver: MARQUES, Azevedo.Apontamentos da Província de São Paulo. São Paulo: Livraria Martins Editora, v. 1.; DOCUMENTOS INTERESSANTES PARA HISTÓRIA E COSTUMES DE SÃO PAULO. v.11, n.6, 1896.
25
A dinamização das atividades agropastoris da bacia do Rio Grande, direcionadas para mercados ávidos de consumo, somado à abundância de terras dotadas de condições naturais
favoráveis
e
melhor
organização
da
produção,
proporcionou a absorção de levas de imigrantes livres e cativos, oriundos dos centros de mineração em decadência. Processo de ocupação que, em meados do século XIX, superou as fronteiras da província mineira atingindo São Paulo.41 O Sul de Minas era responsável pela produção do
tabaco
e
do
café,
tendo
este
último
produto
sido
disseminado durante todo o século XIX pela Zona da Mata e pelo vale do Paraíba. As áreas de plantation, incluindo-se os
núcleos
urbanos,
configuravam-se
como
importantes
centros consumidores dos mantimentos.42 Tal desenvolvimento provocara um impacto favorável à consolidação e ampliação da
estrutura
produtiva
de
Minas
Gerais,
incentivando
inclusive a manutenção do uso do escravo na produção.43 Além
das
criações
de
bovinos,
eqüinos,
porcos, carneiros e aves, a agricultura de subsistência tem seu valor destacado por Caio PRADO Jr., quando atesta que Minas
conseguiu,
"desenvolvimento 41
42 43
de
desde
os
certa
forma
tempos apreciável
coloniais, de
uma
LENHARO, Alcir. op. cit., p. 74, nota 2. PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 20.ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 57. 162, 197-8. LENHARO, Alcir. op. cit., p. 93, nota 2. SLENES, R. W. op. cit. p. 17-18, nota 4.
26
agricultura voltada inteiramente para a produção de gêneros de consumo local, o acentuado que chegou a causar alarmes na
administração
metropolitana
que
queria
a
população
voltada para as lides extrativas.”44 O
consumo
interno
atendido pela produção local. custos
do
transporte
de
era,
em
grande
parte,
Conforme SLENES "os altos
mercadorias
vindas
do
litoral
funcionavam como tarifas protecionistas, permitindo que a agricultura
e
a
manufatura
doméstica
(de
produtos
metalúrgicos e pano de algodão, por exemplo) expandissem sua produção
para o mercado a fim de atenderem à demanda
do setor exportador e das atividades ligadas a esse setor", ou
seja,
a
economia
caracterizava-se
por
mineira ser
do
período
"'fechada'
-
em
à
questão
maioria
das
importações, [mas] não à possibilidade de exportação (...)"45 O
modo
de
ganhar
a
vida
com
o
estabelecimento de pousos ao longo do caminhos (por onde transitavam as mercadorias), dedicados ao fornecimendo de mantimentos
para
o
consumo
dos
inúmeros
tropeiros,
boiadeiros e seus animais, respondia como um incentivo não desprezível à agricultura de subsistência.46 Dentro deste contexto não há como negar o valor
do
consumo
logicamente, 44 45 46
não
interno.
destinava-se
O
resultado
somente
PRADO JR., Caio. op. cit., p.162, nota 16. SLENES, W.R. op. cit., p. 58, nota 4. PRADO JR., Caio. op. cit., p. 162, nota 16.
27
ao
da
produção,
mercado.
"Todo
mineiro tinha que vestir; mesmo assim, para cada dois ou três metros de pano de algodão produzidos para o consumo interno, fabricava-se também um metro para exportação".47 A alimentação cotidiana
("o mineiro tinha
que comer"48) nos indica os produtos consumidos nos mercados locais. Eduardo FRIEIRO, ao utilizar relatos de viajantes do século XIX, comenta que em Ouro Preto, o "administrador, o intendente e os feitores comiam conjuntamente o trivial, a saber, ao almoço: feijão preto com farinha de milho e um pouco
de
jantar:
toucinho um
pedaço
frito de
ou
de
porco
carne
assado;
de
sol
à
ceia
cozida;
ao
hortaliças
cozidas e um bocado de toucinho para lhes dar gosto e água, como bebida comum. Em dias de festa, ou quando recebiam pessoas estranhas, servia-se às refeições galinha cozida".49 Longe viajante
João
dali
Emanuel
em
POHL
Paracatu
observou
que
do "a
Príncipe comida
o dos
abastados não era nada seleta nem sequer digerível, não passando
de
arroz,
toucinho,
legumes
lenhosos,
carne
de
vaca fresca ou seca ao vento, lingüiça, bacalhau, queijos,
47
48 49
SLENES, R.W. op. cit. p.55, nota 4. MARTINS, Roberto B. A indústria têxtil doméstica em Minas Gerais no século XIX. In: CEDEPLAR, Seminário sobre a economia mineira II. Diamantina, 1983, p. 88. SLENES, R.W. op. cit., p. 55, nota 4. FRIEIRO, Eduardo. Feijão, angu e couve: ensaio sobre a comida dos mineiros. Belo Horizonte: CEM, 1966, p.79. PRADO JR., Caio. op. cit., p. 197-98, nota 16. Ver também: SCARANO, Julieta. Cotidiano e solidariedade - vida diária da gente de cor nas Minas século XVIII. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.38 e 81.
28
frutas em conserva e doces (...). Os pobres enganavam a fome com feijão preto, peixe 'ceco' e farinha de 'Minho'".50 Os
escravos
não
tinham
a
mesma
sorte,
"alimentavam-se (...) ao almoço e à ceia com farinha de milho misturada com água quente, o angu, propriamente dito, no qual punham um naco de toucinho; ao jantar davam-lhes feijão".51 Com relação a São Paulo, esta Capitania no século Alice
XVIII P.
sofreu
CANABRAVA,
uma
profunda
indenticou
decadência
no
neste
econômica.
período,
três
padrões bem definidos de atividade econômica: l) economia de
auto-suficiência
familiar:
caracterizada
pela
lavoura
dos "sítios volantes", que 50% da população se dedicava, vivendo
dispersa
deslocando-se
de
modo
continuamente
irregular, pelas
em
florestas
área
imensas,
virgens,
sem
bens de raiz e, de modo geral, 'sem móvel que perder'"; 2) a economia de subsistência propriamente dita: "difícil de ser avaliado numericamente, mas que se supõe constituir a maior
fração
da
outra
metade
(...)
[voltada]
para
o
abastecimento dos pequenos centros de população (...)."; 3) o
comércio
de
onde
os
mercadores
e
homens
de
negócio
retiravam seus lucros; principalmente do comércio interno, pela falta de um produto de alta rentabilidade no comércio 50
51
FRIEIRO, Eduardo. op. cit., p. 83, nota 24. POHL, João Emanuel. Viagem ao interior do Brasil, empreendida nos anos de 1817 e 1821. Tradução do Instituto Nacional do Livro da edição de Viena. Rio de Janeiro. I.N.L., 1951. FRIEIRO, E. op. cit., p. 84, nota 24.
29
exterior.
Neste
(principalmente), escravos
quadro, o
do
"o
sal,
constituíam
os
o
negócio
das
do
manufaturas,
setores
dos
gado o
dos
investimentos
lucrativos que permitiam acumulação de capital."52 SIMONSEN, capitania
paulista,
caracterizou
em
1780,
ao
a
pobreza
descrever
o
da
marasmo
econômico de algumas localidades: "... as vilas de Mogi das Cruzes, Vila
Jacareí,
Nova
de
Taubaté,
São
Luís
Pindamonhangaba,
do
Paraitinga,
as
Guaratinguetá, freguesias
da
Conceição e Facão (atual cidade de Cunha) e as aldeias de São Miguel, Escada e Nazaré (...) todas muito pobres e na maior parte miseráveis porque os seus efeitos, que são os mantimentos,
apenas
dão
para
vestirem
e
comerem
o
sal
(...)"53 O mesmo autor, contudo, não nega a tendência mercantil que tinha a minguada economia daquela capitania, quando admite que na cidade de São Paulo, os habitantes viv[iam] de várias negociações "indo à cidade do Rio de Janeiro buscar as fazendas para nela venderem" ou "a Viamão buscar tropas de animais cavalares ou vacum para venderem, não
só
aos
moradores
da
mesma
cidade
e
seu
continente
(...)”54 52
53
54
CANABRAVA, Alice Piffer. Uma economia de decadência: os níveis de riqueza na Capitania de São Paulo, 1765/67. Revista Brasileira de História. Rio de Janeiro, v.26, n.4, p. 105, out./dez. 1972, p.103, 119 e 121. SIMONSEN, Roberto S. História econômica do Brasil - 1500-1820. 6.ed., São Paulo: Nacional, 1985, p.79. Idem, p. 232.
30
A precária estrutura econômica paulista do século XVIII modificou-se ao atingir a centúria seguinte. O progresso veio devido à expansão constante dos canaviais e cafezais, que faziam movimentar outras atividades como a produção de gêneros de subsistência e o comércio do gado bovino e muar. A beneficiava
a
privilegiada
capitania
paulista
posição
geográfica
(província
a
partir
de
1822), por onde convergiam as rotas de comércio - do sul para
as
caminhos centros
Gerais
e
do
"implicavam de
litoral no
para
o
aparelhamento
reabastecimento
e
de
pouso
Centro-Oeste55
Os
de
sistema
de
estimulou
a
um
que
prestação de serviços e de alguma produção local, tanto agrícola
como
artesanal,
enfim
de
numerosas
atividades
subsidiárias."56 Maria
Thereza
Shorer
PETRONE
reconhece
a
importância da agricultura como uma das alavancas para o desenvolvimento econômico de São Paulo, citando que "se as
55
"O isolamento de Piratininga aos poucos se atenuou e desapareceu; por meados do século XVIII a cidade de São Paulo era o centro de uma estrela irradiando em todos os quadrantes. Cinco grandes estradas ligavam-na ao resto do país, além do Caminho do Mar, cuja decadência seguiu a sorte Capitania. Para leste, a estrada do Paraíba para as Minas Gerais e Rio de Janeiro; em rumo do Norte, demandando os sertões do Camanducaia e do Sapucaí, a estrada do Sul de Minas; a Noroeste, buscando Goiás, o velho caminho das bandeiras do Anhanguera, passando por Campinas e Franca. Em direção ao Centro-Oeste, pelo vale do Tietê, abria-se a estrada das monções, e, finalmente, para o Sul, o caminho que conduzia aos campos de Curitiba, das Lajes e Missões". SIMONSEN, R.S. op. cit., p. 238, nota 28. 56 CANABRAVA, A. P. op. cit., p.117, nota 27.
31
fontes,
no
início
deixaram
de
ser
econômica
de
São
da
última
década
pessimistas Paulo,
a
a
do
século
respeito
partir
da
da
segunda
XVIII, situação
década
do
século XIX, tornaram-se francamente otimistas. Cria-se no progresso,
cria-se
agricultura, oferecer.
nas
possibilidades
principalmente
(...)
A
a
da
agricultura
ilimitadas
cana-de-açúcar,
seria
a
que
a
podiam
responsável
pelo
aumento da população e pelo acúmulo de capitais, permitindo primeiro
o
aparecimento
de
grandes
engenhos,
depois
de
grandes fazendas de café."57 No início do século XIX, o Governador Melo Castro
e
Mendonça
enumerou
os
produtos
que
mantinham
o
círculo
do comércio em São Paulo: "cana de açúcar, arroz,
algodão,
café,
fumo,
farinha
de
mandioca
(...),
porcos,
bois, cavalos, e bestas muares".58 LAPA confirma os produtos comercializáveis e nos indica as direções do comércio: "De São Paulo seguiam ainda
mercadorias
barricas
cheias
como
de
carne
banha,
de
sendo
porco
que,
conservada
via
Paranaguá,
em se
exportava farinha de mandioca para a Colônia do Sacramento, bem
como
para
o
Rio
de
Janeiro
e
até
para
a
Bahia
e
Pernambuco. No mais, o que se concede aos moradores do planalto é a intensa exportação de marmelada (...)"59 57
58
59
PETRONE, Maria Thereza Shorer. A lavoura canavieira em São Paulo: expansão e declínio (1765-1851). São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968, p.21. DOCUMENTOS INTERESSANTES PARA HISTÓRIA DE SÃO PAULO, 30, p. 164-165, Ofício de 22 de abril de 1802. LAPA, José Roberto do Amaral. op. cit. p. 52, nota 3.
32
Os aguardente
engenhos
espalharam-se
produtores
por
grande
de
parte
açúcar
da
e
Província.
Além da região litorânea e do vale do Paraíba, antigas regiões produtoras, foi no centro da Província que esta atividade
econômica
mostrou
maior
vigor,
no
chamado
"quadrilátero do açúcar" formado por Sorocaba, Piracicaba, Mogi Guaçu e Jundiaí, destacando-se também Itú e Campinas.60 Nestas
áreas
proprietários
concentravam-se de
escravos
as
maiores
e
os
porcentagens
maiores
de
plantéis;61
excetuando-se as regiões produtoras de café, a partir de meados do século XIX. As
plantações
de
algodão
também
ocupavam
espaços em São Paulo. Caio PRADO JÚNIOR, ao citar SAINTHILAIRE, observa que "no vale do Paraíba (...) enquanto o açúcar é uma produção dos ricos, o algodão pertence aos lavradores domésticos".62 Visto que os engenhos necessitavam de
uma
organização
complexa
e
dispendiosa,
e
que
necessitava de uma quantidade maior de braços, enquanto as plantações de algodão requeriam menores investimentos. A
cultura
do
algodão,
antes
limitada
ao
abastecimento dos teares domésticos, ampliou-se na segunda 60
61
62
PETRONE, M. T. S. op. cit., p.32, nota 27. HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.)História Geral da Civilização Brasileira. 3.ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972, v.2, t.2, p. 419. LUNA, Francisco Vidal, COSTA, Iraci del Nero da. Posse de escravos em São Paulo no início do século XIX. Estudos Econômicos, São Paulo, v.13, n.1, p.211-221, jan./abr., 1983. PRADO JR., Caio. op. cit., p. 148, nota 16.
33
metade
do
século
vizinhos,
o
XIX.
algodão
"Em
havia
Itu,
sido
escala 'que chegava não só
como
nos
cultivado
municípios
em
tão
larga
para o vestuário dos pobres e
escravaria como mesmo para tecidos mais delicados e finos e exportação'".63 CANABRAVA
Iguape
como
plantações.
e
Paraibuna
localidades
"Mais
tarde
que,
em
são
em
l866,
lembradas
por
fizeram
suas
l862,
tornou-se
Limeira
um
grande centro de produção algodoeira (...), e no mesmo ano grande impulso foi dado à cultura no município de Jacareí, o
qual
se
Paraíba".64 animais,
tornou, Em
em
proprietários
então,
Sorocaba razão
a
da
reverterem
o
maior
produtor
decadência chegada seus
do
da
do
vale
do
com
os
comércio
ferrovia,
capitais
para
fez
cultura
os do
algodão com bons resultados. "Sua atividade como município produtor de sementes foi mais duradoura que os demais, e seu
campo
de
influência
nesse
sentido
fez-se
em
outras
províncias do Império ao raiar da década dos 70 do século XIX".65 Outras
localidades
que
diversificaram
sua
economia com a produção de algodão são também dignas de nota:
Santa
Branca,
Paraibuna,
São
José
de
Paratinga
(atual Salesópolis) e São Luiz de Paraitinga. Nos extremos da província, temos Batatais e Jaboticabal.66 63
64 65 66
CANABRABA, A. P. de São Paulo CANABRAVA, A. P. CANABRAVA, A. P. Idem, p. 82.
O desenvolvimento da cultura do algodão na Província (1861-1875) São Paulo, [s.c.p.] 1951, p.51. op. cit., p.54, nota 38. op. cit., p.55, nota 38.
34
Depois algodão
entra
em
do
plena
apogeu,
em
decadência
l870, na
a
cultura
província
de
do São
Paulo. As lavouras de café percorreram primeiro o vale
do
Paraíba,
proporcionando
novas
características
sociais e demonstrações de fortuna: "Antes um rancho de sapé e abrigo de escravos, anos mais tarde o pomar, a horta e a residência senhorial, com jardins, salões, espelhos de moldura dourada, lustres de cristal, serviços de porcelana, camas francesas, cortinado, prataria fina, móveis pesados de madeira de lei."67 Do
vale
do
Paraíba,
as
lavouras
de
café
seguiram em direção a Campinas e depois de l850 chegaram ao Nordeste paulista (Oeste novo), adaptaram-se à terra roxa, favorecendo a fundação de novas freguesias, como exemplo Ribeirão Preto68, em l870, onde a ferrovia chegou em l883.69 As áreas onde o desenvolvimento era sensível - conforme o quadro econômico acima delineado - tornaram-se
67
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.) História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Monárquico. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972, v.2, t.2, p. 85. 68 Ribeirão Preto foi criada freguesia com a denominação de São Sebastião do Ribeirão Preto por lei provincial de 2 de abril de 1870. Foi elevada à vila, desmembrando-se o seu território do município de São Simão a que pertencia, por outra lei de 12 de abril de 1871, de designou-lhe as divisas. A sua população pelo recenseamento de 1873 era de 5.552 habitantes, sendo 857 escravos; a paróquia dava 14 eleitores. In: MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos da Província de São Paulo. São Paulo: Livraria Martins Editora, t.2, p.209-10. 69 Ver: MILLIET, Sérgio. Roteiro do café e outros ensaios. São Paulo, [s.c.p.], 1941. (Coleção do Departamento de Cultura, v.25) LAPA, José Roberto do Amaral.A economia cafeeira. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. (Coleção Tudo é História, n.72).
35
mercados consumidores apreciáveis para o gado vindo do Rio Grande do Sul e dos Campos Gerais. Isso antes da chegada da ferrovia. A procura crescente de animais de carga muares - ampliou-se na medida da necessidade
dos donos de
engenhos e cafezais fluminenses, paulistas e mineiros, que utilizavam as bestas para a lida nas fazendas e para o transporte
de
seus
valiosos
produtos
destino a exportação. Os bovinos eram
que
tinham
como
destinados ao abate,
visando a promover o abastecimento: da população do Rio de Janeiro, principal mercado consumidor, e daqueles ocupados como trato dos produtos de exportação.70 A ampliação desses negócios foi incentivada inclusive por modificações nos costumes e no modo de vida dos
brasileiros,
influenciados
pela
presença
da
família
real. "De nível de vida melhor, mais exigente quanto aos padrões de conforto e de facilidades, o brasileiro dessa área (Côrte) tornou-se grande comprador de animais de carga e de corte".71 O gado era endereçado a Feira de Sorocaba72 e daí
aos
centros
consumidores:
70
o
muar
procedia-se
PETRONE, M. T. S. O Barão de Iguape: um empresário da época da independência. São Paulo: Nacional, 1976. 177p. (Brasiliana, v. 361), p.11. 71 Op. cit., p. 11, nota 45. 72 Com a feira e seu Registro, Sorocaba é uma decorrência do caminho do Sul e da circulação de animais. Em 3 de setembro de 1750 criou-se, por patente de Gomes Freire de Andrade, o Registro de Sorocaba, que visava, inicialmente, passar visto nas guias fornecidas em Curitiba, e confiscar os animais que vinham a mais dos notificados. A famosa feira de Sorocaba deve ter aparecido mais ou menos na mesma época, talvez em conseqüência do estabelecimento do Registro, passagem obrigatória das
36
principalmente do Rio Grande do Sul e, as reses, dos Campos Gerais de Guarapuava (situado no atual Estado do Paraná), que pertenceu à Província de São Paulo, até 1853.73 "Como assinalava
St.
Hilaire
em
1820,
a
riqueza
de
Sorocaba
provinha, não do tamanho da terra, mas dos negócios do gado, o que equivale à caracterização de toda a área, pois é atividade quase única dos grupos populacionais ao sul de Itapetininga,
cuja
lavoura
se
resumia
na
plantação
do
milho, alimento das tropas e tropeiros. A criação do gado não tem segnificado em toda a área, pois a grande maioria do muar vendido em Sorocaba se criava nos campos de Vacaria no
Rio
Grande
so
Sul
e
o
vacum
nos
Campos
Gerais
da
Curitiba e do Guarapuava, no atual Estado do Paraná."74 PETRONE,
na
obra
o
"Barão
de
Iguape:
um
empresário na época da Independência", nos dá a idéia do volume
de
animais,
oriundo
do
Sul,
em
trânsito
por
Sorocaba, nos anos vinte, do século em estudo, destinado a abastecer o Sudeste (tabela 1, à pág. 45 e gráfico 1, à pág 46):
o
número
cavalos e reses
médio
anual
de
animais,
somando
bestas,
era de 24.304, considerando os anos de
l820-22 e l826-29; utilizando estes dados, e discriminando tropas e boiadas. Sorocaba, graças aos campos que se estendem nas suas proximidades, facilitando, não só o descanso das tropas, como a fiscalização, conseguiu ser escolhida para sede do Registro, vencendo Itu, que no começo também atraia tropas de boiadas." In: PETRONE, op. cit., p.20, nota 45. 73 Idem, p. 21. 74 CANABRAVA, Alice Piffer. A repartição da terra na capitania de São Paulo, 1818. Estudos Econômicos. São Paulo, v. 2, n. 6, p.77129, dez, 1972.
37
as bestas, obtivemos a média de 13.730 animais. O ano de maior movimento foi o de l822, quando foram contados 30.474 animais, destes 20.76l eram bestas, 2.2l0 cavalos, éguas e potros e 7.503 eram reses. O pior ano foi o de l828 quando a conta dos animais foi de 2l.322, um número próximo à média geral. "Infelizmente não é possível lançar mão das cifras do triênio (...) 1823-1825, tendo em vista que Prado vendeu o centro a Tobias de Aguiar (...). No Arquivo do Estado, entretanto, existem os livros posteriores a 1826, quando o 'novo imposto' passou a ser cobrado pela Fazenda Nacional."75 A
mesma
autora
nos
esclarece
que
o
real
significado econômico do comércio do gado, tanto para a Província paulista como para o Sul do país, ainda não é conhecido de forma clara. Contudo, é possível fazer algumas suposições em relação ao volume de capital empatado nessa atividade. A partir do preço unitário - 6$000 para reses e de
14$000
quantidade chegou-se
a
20$000
desses à
para
animais
conclusão
que
bestas76 que
-
multiplicado
transitaram
o
capital
por
pela
Sorocaba,
empatado
foi
o
seguinte: l820 - entre 266:702000 e 363:308$000; 1821 entre 24l:454$000 e 325:340$000; e
460:235$000.
esclarecimento
1822 - entre 355:669$000
"Infelizmente
sobre
o
preço
75
dos
não
é
possível
cavalos".77
Os
um
números
Op. cit., p. 23, nota 45. Os preços apresentados para as reses eram os praticados nos Campos Gerais, e os indicados para as bestas eram os preços de venda na Feira de Sorocaba. PETRONE, M. T. S. op. cit. p. 29. nota 45. 77 Op. cit., p. 29, nota 45. 76
38
apresentados nos da uma idéia da importância das relações comerciais,
entre
as
áreas
do
Sul
e
Sudeste,
especificamente voltadas para o mercado interno. Tabela nº 1 Número de Animais em Trânsito por Sorocaba segundo o Livro de Novo Imposto (1820-1822) e registrados nos Livros da Barreira de Sorocaba (1826-1829). Ano 1820 1821 1822 1826 1827 1828 1829 Total
Bestas 20.051 13.981 20.761 14.409 12.268 10.014 8.663 87.567
Cavalos 2.858 1.919 2.162 2.994 3.206 5.226 7.400 24.865
Reses 97 42 46 6.431 6.943 6.082 5.754 25.395
Potros 485 48 2 144 679
Éguas 7.048 7.620 7.503 6 22177
Total 26.539 23.610 30.474 23.954 22.417 21.322 21.817 170.133
Fonte: PETRONE, Maria Thereza Shorer. O Barão de Iguape: um empresário da época da Independência. São Paulo: Macional, 1976 (Brasiliana, v. 361).
Gráfico nº 1 NÚMERO DE EQUINOS, MUARES E BOVINOS EM TRÂNSITO POR SOROCABA 1820-22 e 1826-29 25000
20000
15000
10000
5000
0
1820
1821
1822
1826
Muares
Eqüinos
1827
1828
1829
Bovinos
Fonte: PETRONE, Maria Thereza Shorer. O Barão de Iguape: um
39
empresário da época da Independência. São Paulo: Nacional, 1976 (Brasiliana, v.361).
Contudo,
os
números
mais
relevantes
do
comércio de muares procedentes da Província de São Paulo e das províncias platinas são aqueles referentes a meados dos século,
quando
mais
de
l00.000
bestas
passaram
pelo
registro sorocabano, contra cerca de 20.000 ao tempo da Independência.78 Tais números são confirmados por Herbert S. KLEIN. Este autor nos mostra a oferta de animais saídos do sul em direção ao sudeste registrados em Sorocaba, entre 1825 e 1880, com base
nos registros do "Novo Imposto de
Animais" ou "Imposto de Barreira", conforme a tabela nº 02 à página 47. A
demanda
por
animais
de
transporte,
principalmente por mulas, no avançar do século XIX é sempre explicado pelas "exigências da lavoura fluminense na era do café e com a procura crescente na Bahia e nas províncias do Norte". Com o aparecimento das ferrovias o comércio
desses
animais minguou, passando a ser insignificante depois de l897.79
Tabela nº 2 78 79
HOLANDA, Sérgio Buarque de. op. cit., p. 432, nota 42. HOLANDA, Sérgio Buarque de. op. cit. p.432, nota 42.
40
NÚMERO MÉDIO DE ANIMAIS E DE MUARES CHEGADOS NO MERCADO DE SOROCABA 1825-1880 Muares
Período
Média
Muares Mínimo 8.439
Muares Máximo 21.448
Todos os animais 21.488
Nº de anos do período (4)
18251829 18301839 18401849 18501859 18601869 18701880
10.702 19.308
11.382
27.967
29.706
(10)
26.429
20.779
29.626
32.261
(10)
40.917
40.944
57.698
48.152
(10)
39.871
26.424
55.426
48.881
(10)
17.259
5.188
37.688
36.138
(11)
Fonte: KLEIN, Herbert S. Oferta de Muares no Brasil Central: O Mercado de Sorocaba, 1825-1880. Estudos Econômicos. São Paulo, v. 19, n. 2, p.347-372, mai./ago. 1990.
transporte economia
e do
O
comércio
de
ao
consumo,
que
centro-Sul,
paralelas.
Em
qualificada
de
Sorocaba arreios
e
animais moviam
incentivava havia
a
chicotes,
destinados grande
outras indústria de
ótima
ao
parte
da
atividades bastante qualidade,
alguns chegavam a ser ornamentados com peças em prata. Os baixeiros, peças colocadas sob os arreios para proteger os animais, eram conhecidos em todo o império "pela perfeição e solidez com que eram tecidos". Na mesma localidade havia fábrica
de
chapéus
e
tecidos
para
fornecimento
aos
tropeiros.80
80
ZALUAR, Augusto-Emílio. Peregrinação pela Província de São (1860-1861). São Paulo: Livraria Martins Editora, [s/d.]
41
Paulo
É
evidente
que
os
pousos
-
locais
de
descanso e abastecimento dos peões e suas boiadas e tropas -
espalhados
consumidores condutores
pelos
caminhos
tinham
de
seu
animais
do
Sul81
dinamismo.
recebiam
até
Parte
os
pelos
centros
seus
do
que
os
serviços
era
gasto nas paragens, o que, consequentemente movimentava os negócios do lugar. PETRONE
nos
mostra
que
o
valor
pago
aos
condutores "devia variar conforme o tamanho da boiada e a distância percorrida." (...) "Numa boiada de 433 animais, os gastos totalizaram ll6$800, sendo portanto, a despesa por animal de 269 réis (dezembro de l820)". Em abril de l828, "referente a uma tropa de 80 bestas (...) o capataz e os
camaradas
que
a
conduziram
de
Sorocaba
até
Campos
receberam 169$000, mais 64$000 para as despesas durante a viagem." Os gastos mais comuns durante a viagem decorriam de alimentação, bebidas para os peões, uso das invernadas cedidas para alimentação e descanso do gado, sal, e de outros objetos como
laços, bruacas, cangalhas, caldeirões
e campanhias para pescoço das mulas.82 Quanto localidades
do
Sul,
aos havia
gêneros
de
diversidade
81
subsistência na
produção.
nas Os
"as principais balizas do caminho do Sul eram Sorocaba, Itapetininga, Jaguariaíava, Castro, Carambeí (fazenda Caranviy), travessia do rio Iguaçu, Curralinho, campos de Curitibanos, campos de Lajes, para depois da travessia do rio Pelotas, dirigir-se aos campos de Viamão atravessando o rio das Antas e o das Camisas." In: PETRONE, op. cit. p. 19, nota 45. 82
Op. cit., p. 82-83, nota 45.
42
curitibanos
"recolhiam
abundância
de
trigo
e
milho,
com
algum arroz", e como criavam "em grande quantidade o vacum (além
do
cavalar
e
muar)
de
cujo
leite
faziam
alguma
manteiga e bons queijos." Esta comunidade também exportava, por Paranaguá, "em sumacas farinha, arroz e café." A três léguas do registro de Curitiba junto à estrada real, em Vila
Príncipe
Nova
do
Príncipe
(atual
Lapa),
"seus
moradores criavam gado grosso e miúdo; e recolhiam trigo, centeio, milho, linho e diversidade de frutas."83 Mais ao Sul, na Província de Santa Catarina, nas localidades citadas por AIRES DE CASAL84, os víveres produzidos faziam
a
geralmente farinha,
hortaliças;
o
eram
arroz,
peixe
milho
feijão,
aparece
e
mandioca
favas,
sempre
dos
trigo,
citado
como
quais
linho base
e da
alimentação. Segundo nossas fontes, tais produtos parecem ser sempre destinados ao consumo local, não necessitando de importação;
em
contrapartida
era
insignificante
a
exportação. PRADO
JR,
ainda
referindo-se
ao
período
colonial, no início do século XIX, dá destaque à produção 83
AIRES DE CASAL, Manuel. op. cit. p. 157 e 161, nota 14. Sobre os Campos Gerais e especial sobre Curitiba ver: SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagens à Comarca de Curitiba. Tradução de Carlos da Costa Pereira. São Paulo: Companhia Editora Nacional (Brasiliana). 84 Vila de Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis, situada no lado ocidental da Capital, (...) Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, a uma légua ao oriente da Capital; (...) Paróquia de Nossa Senhora da Lapa, obra de duas léguas ao Sul da Capital; (...) Laguna, situada sobre a margem oriental da lagoa que lhe empresta seu nome; Freguesia de Santa Ana, obra de quatro léguas ao Norte de Laguna". In: AIRES DE CASAL, M. op. cit., p. 135-137, nota 14.
43
de
trigo
"cultivado
no
Sul,
desde
São
Paulo,
particularmente nos Campos Gerais (...) até o Rio Grande. Neste,
sobretudo,
alimentação quantidade
onde
vegetal, para
constitui e
outras
donde
o
principal
se
capitanias.
exporta o
mesmo
gênero em
se
de
regular passa
em
Santa Catarina."85 Havia também o comércio realizado entre o Rio Grande do Sul e a Colônia do Sacramento, para onde seguia "entre outros produtos, o trigo, enquanto que para o Rio
de
Janeiro
eram
remetidos
carne-seca,
couros
secos,
sebo, farinha de trigo, peixes etc."86 Enfim, a economia do centro-sul do Brasil, no
século XIX, não vivia somente da exportação de metais
ou da plantation. Este capítulo serviu para identificar o vigor
da
embasada
economia na
consumidores paulista
de
subsistência
diversificação internos.
participava,
e
orientada
Conjuntura como
desta
será
em
vasta para
que
tratado
86
Nordeste
no
capítulo
PRADO JR., Caio. op. cit., p. 68, nota 16. LAPA, José Roberto do Amaral. op. cit., p. 52, nota 3.
44
mercados
o
seguinte.
85
região,
3. A ECONOMIA DA REGIÃO DE FRANCA
Nossa
preocupação
neste
capítulo
é
tratar
das transformações da economia do Nordeste paulista, onde a região de Franca se insere (território situado entre os rios
Pardo
e
Grande),
ocorridas
durante
o
século
XIX,
contextualizar demonstrando a integração desta região com Minas
Gerais
e
outras
áreas
de
São
Paulo.
Procuraremos
demonstrar a gradativa ampliação das atividades econômicas voltadas
para
mercantil,
a
subsistência,
ambiente
que
imbuídas
propiciava
aos
de
caráter
proprietários
francanos recursos necessários à acumulação de riqueza. A origem do povoamento do Nordeste paulista, deu-se através da estrada dos "Goyazes", caminho de São Paulo para as minas de Goiás, que possibilitou, durante o século
XVIII,
o
afluxo
de
imigrantes.
"Partindo
de
Mojimirim, o 'caminho dos Goyazes' cortava os territórios dos atuais municípios de Mojiguaçu, Casa Branca, Tambaú, Cajuru, Altinópolis, Batatais, Patrocínio Paulista, Franca, Ituverava, Igarapava, até chegar ao Rio Grande, a estrada tinha
uma
extensão
de
37
léguas
87
aproximadamente."87
O
CHIACHIRI FILHO, José. Do Sertão do rio Pardo a Vila Franca do Imperador. Ribeirão Preto: Ribeira Gráfica e Editora, 1986, p. 49. O Prof. Chiachiri aborda em seu trabalho o povoamento do Nordeste paulista e a influência dos entrantes mineiros que, nos primeiros anos do século XIX modificaram a paisagem regional plantando os primeiros arraiais que se transformaram nas cidades atuais. "As três grandes estradas que abertas na época colonial, ligavam a Capitania de São Paulo às regiões do Noroeste (Goiás, Mato Grosso), Leste (Minas Gerais) e Sul (Paraná, Rio Grande do Sul) passavam, respectivamente, a primeira por Campinas, Mojimirim, Sertão do Rio
45
povoamento comércio
regional
que,
em
está
fins
relacionado
do
século
com
XVIII,
a
"rota
de
atravessava
o
Nordeste do Estado de São Paulo e, por aí, atingia o Sul de Goiás, Mato Grosso; "era conhecida como 'Estrada do Sal' ou do 'Comércio', ou ainda 'Estrada Francana'"88, "por onde se procuravam escapar à obrigação de pagar impostos na divisa de Minas Gerais - São Paulo"89 A população pequena e dispersa, a princípio oriunda
de
São
constituindo-se
Paulo, os
fixou-se
pousos
que
ao
longo
serviam
da
aos
estrada,
viajantes
do
sertão.90 Estes primeiros núcleos de povoamento, geralmente constituídos agregados,
de
tiveram
sobrevivência principais
uma
e
família, na
na
pousada,
criação
atividades
mercantilização
poucos
devia-se
de
econômicas. ao
escravos na
alguns A
alguns
agricultura animais
pequena
fornecimento
e
de
de suas
parcela
de
mantimentos
àqueles que trafegavam pela estrada dos "Goyazes".91 Os pousos não foram "somente estalagens ou pensões, (...) localizados à beira da estrada, eram também Pardo, a segunda pelo Vale do Paraíba e a terceira por Sorocaba. A topografia do terreno terá uma influência fundamental na sua abertura e elas, por sua vez, serão fatores importantes no povoamento da Capitania". PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil e outros estudos. 3.ed., São Paulo: Brasiliense, p. 107-8. 88 LIMA, Sílvia Maria Jacintho. Transformações na pecuária bovina paulista: o exemplo da região de Franca. Franca: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Franca, 1973. p.50-1. Tese (Doutorado em História). 89 GEIGER, Pedro P., DAVIDOVICH, Fany. Aspectos do fato urbano no Brasil. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, v.15, n.2. p. 263-362, 1961. 90 CHIACHIRI FILHO, José. op. cit., nota 1. 91 CHIACHIRI FILHO, José. op. cit., nota 1.
46
fornecedores; vendiam o que produziam e produziam o que era necessário
e
procurado."92
CHIACHIRI
FILHO
ressalta
a
importância dos pousos na realização do comércio regional ao afirmar que "através da estrada fazia-se o escoamento econômico da região e era por ela é que os viandantes e comerciantes passavam com suas tropas comprando e trocando produtos, indo para Goiás, Minas, Mato Grosso ou retornando para São Paulo e era através dela que a administração e a justiça penetravam algumas das vezes naqueles sertões. É ela ainda que vai proceder a ligação entre os pequenos grupos sociais representados nos pousos."93 A denominação dos pousos, no sentido SulNorte, era a seguinte: Rio Pardo (localizado às margens do Rio Pardo),
Cubatão,
Lages,
Araraquara,
Batatais,
Paciência, Pouso Alegre, Sapucaí, Bagres, Posse, Ressaca, Monjolinho,
Ribeirão,
Calção
do
Couro,
Rio
das
Pedras,
Rossinha e Rio Grande. Os pequenos núcleos populacionais eram integrados entre si e com a Capitania, neutralizando o isolamento.94 Os
pousos,
dentro
de
suas
limitações,
tiveram sua importância no sentido de ativar a economia. Parte
do
lucro
dos
boiadeiros
e
comerciantes
que
transitavam pelo caminho dos "Goyazes" custeavam os gastos nas paragens ao pagarem um local para dormir, 92
93 94
alimentação,
CORREIA JÚNIOR, Carmelino. Os primórdios do povoamento do Sertão do Capim Mimoso. Monografia, Franca, 136p. Idem. CORREIA JÚNIOR, Carmelino. op. cit., nota 6.
47
bebida
e
aluguel
das
envernadas
para
o
descanso
dos
animais. Até baixo como
nível
de
"vicinal",
economias)
em
então,
a
economia
da
mercantilização
e
ou
economia
que
seja, a
"uma
produção
pôde
era
região
ser
caracterizada
(ou
voltada
possuía
conjunto
de
principalmente
para o consumo local e de povoações próximas."95 Contudo, século
XIX,
o
nas
panorama
duas
primeiras
econômico
do
décadas
Nordeste
do
paulista
alterou-se significativamente. Um fator contribuiu de forma decisiva para essas transformações: ampliação da economia de subsistência, principalmente a pecuária praticada no Sul de Minas atingindo a região em estudo, como afirma Caio PRADO JR.: "... os criadores mineiros começa[ram] a descer a Mantiqueira, indo estabelecer-se em São Paulo, na região que flanqueia a serra a oeste de Franca a Moji-Mirim. É o que
determinará
predominam
os
neste
campos
setor
de
naturais,
São uma
Paulo, zona
de
onde
também
criação
que
adotará os modelos de seus fundadores e organizadores."96 A mudança de atitude da economia mineira no sentido de tender para a ampliação das bases produtivas voltadas 95
96
ao
setor
de
subsistência,
é
ressaltada
por
SLENES, R. W. Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Cadernos IFCH-UNICAMP nº 17. Campinas, julho, 1985 APUD MARTINS, Roberto B. "Growing in Silence: The Slave Economy of Nineteenth-Century Minas Gerais, Brasil." Vanderbilt University, 1980 (Tese de doutoramento). p.6. PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 20.ed., São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 198.
48
historiadores
que
historiografia naqueles
comungam ao
setores
não
com
essa
enxergarem
especializados
nova
tendência
importância na
da
somente
produção
para
exportação, como no caso do ouro e posteriormente,
do
café. Tais historiadores aceitam que em Minas já havia uma diversificação das atividades produtivas e que "a economia mineira voltou-se para 'dentro' [no sentido de ativar a economia
de
subsistência
frente
a
diminuição
das
exportações] com a crise da mineração na segunda metade do século
XVIII,
o
resultado
não
foi
aquela
involução
econômica extrema geralmente retratada nos estudos sobre a capitania/província.
Apesar
do
crescimento
do
setor
de
subsistência, a economia mineira no século XIX (...) ainda mantinha um grau significativo de mercantilização (embora um grau menor do que o de outras regiões). Além disso, e mais
importante,
não
era
uma
economia
decadente
ou
estanque; durante boa parte do século XIX estava em forte ritmo
de
expansão,
a
julgar
pelas
suas
importações
de
escravos."97 Dentro dessa tendência, acima delineada, em fins
do
século
XVIII
e
começo
do
XIX,
nova
leva
de
imigrantes de origem mineira atingiu a região de Franca, provocando
um
extraordinário
crescimento
populacional.
CHIACHIRI FILHO afirma que em 1779 o Sertão do Rio Pardo 97
Consta no resumo elaborado por Roberto W. SLENES sobre o trabalho de Amilcar MARTINS FILHO e Roberto Borges MARTINS "A escravidão numa economia não-exportadora: novas perspectivas sobre Minas Gerais no século XIX". In: SLENES, R. W. op. cit., p.5, nota 9.
49
contava com
apenas 174 pessoas, distribuídas em 17 pousos;
e, em 1824, passou a ter 5.827 (tabela 3). A
porcentagem
de
mineiros
que
compunha
tal
população cresceu com o passar dos anos: 1804 - 24,7%; 1813 - 59,7%; 1814 - 73,8% e 1824 - 75,0%. Mineiros arredados dos seus lugares pela decadência das minas e pela expansão da pecuária.98 Lembrando que entre os fatores de atração somavam-se
as
condições
do
solo,
que
propiciava
boas
pastagens, e do clima, parecidos com os lugares de origem. (tabela 4) TABELA 3 EVOLUÇÃO DEMOGRÁFICA DA POPULAÇÃO DE SÃO PAULO, MOJI MIRIM E DO SERTÃO DO RIO PARDO, 1798-1824.
Anos
São Paulo(a)
Moji Mirim(b)
1798 1804 1814 1818 1824
162.345 184.464 211.928 221.634 247.904
5.685 7.360 11.404 14.583 -
Sertão do Rio Pardo 549 843 2.832 4.510 5.827
Fontes: (a) MARCÍLIO, Crescimento Demográfico. P.300-301 (b)Chiachiri Filho, op. Cit., p. 142.
98
CHIACHIRI FILHO, José. op. cit. p. 141, nota 1. "A exportação de ouro cresceu em toda a primeira metade do século e alcançou seu ponto máximo em torno de 1760, quanto atingiu cerca de 2,5 milhões de libras. Entretanto, o declínio no terceiro quartel do século rápido e, já por volta de 1780, não alcançava um milhão de libras". FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 20.ed. São paulo: Companhia Editora Nacional, 1985, p.78.
50
TABELA 4 DEMONSTRATIVO DA PORCENTAGEM DE MINEIROS NO TOTAL DA POPULAÇÃO DO SERTÃO DO RIO PARDO E VILA FRANCA ANO 1804 1813 1814 1824
PORCENTAGEM 24,7% 59,7% 73,8% 75,0%
Fonte: CHIACHIRI FILHO, José. Do Sertão do Rio Pardo à vila Franca do Imperador. Ribeirão Preto: Ribeira Gráfica e Editora Ltda, 1982.
O dinamismo da economia da região de Franca, no início do século, estava no campo. "O poder, a riqueza, o 'status' estava (...) com os donos das criações e das lavouras."
No
arraial
da
Franca
"ficavam
os
padres,
os
artesãos, os negociantes e as meretrizes."99 Outros relatos mostram o mesmo quadro: "Com exceção de um pequeno número de operários e negociantes de comestíveis os demais eram todos agricultores, os quais, segundo o costume, não tinham casa na sede da comarca senão para nas mesmas passarem os domingos"100 A população do povoado em 1819 era de apenas 132
habitantes,
forma: 99 100
distribuídos
Componentes
das
em
23
famílias
fogos, cabeças
da
seguinte de
Idem, p. 61. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem a Província de São Paulo. São Paulo: Livraria Martins Editora, [s.d.], p. 110.
51
fogos
(ou, dependendo do caso, só o chefe) - 59; Agregados - 16; Fâmulos - 14; Escravos - 43. As
profissões
apresentavam
os
seguintes
números: Padres - 04; Carpinteiros - 04; Jornaleiros - 02; Ferreiro - 01; Afaiates - 02; Taberneiro Taberneiro
e
ferreiro
-
01;
e alfaiate - 01; Negociante - 01. "Havia, além de dois doentes, 3 meretrizes
que
'viviam com geral escândalo'. Outras pessoas, cujas
profissões não foram especificadas (...), totalizavam 14."101 O
viajante
Auguste
de
SAINT-HILAIRE,
ao
passar por Franca antes de ter sido elevada à categoria de vila (1819), nos dá uma idéia das transformações por que passava
frente
progresso
a
imigração
econômico:
"Não
mineira
havia
ali,
e ao
o
conseqüente
tempo
de
minha
viagem, senão cerca de umas cinqüenta casas, mas já estavam assinalados os locais para a construção de um grande número delas, e era fácil de perceber que Franca não demoraria em adquirir
grande
importância.
Durante
o
tempo
em
que
permanecei nessa vila, era a mesma inteiramente habitada por mineiros que, pelo ano de 1804, tinham construído as primeiras espaço
casas
em
perseguições
sua da
da
localidade.
região justiça
Uns,
natal, e
de
sentindo
outros,
seus
falta
fugindo
credores,
tinham
de das se
deslocado para o oeste, chegando a uma região completamente 101
CHIACHIRI FILHO, José. op. cit., p.61, 77-9. O autor recolhe os dados através da Lista feita pelo Vigário da Freguesia de Franca, Joaquim Martins Rodrigues, em 1819 para o Governador e Capitão General da Capitania de São Paulo João Carlos Augusto Oeynhausen.
52
deserta,
onde
encontraram
terras
férteis
e
excelentes
pastagens, terras de que tomaram posse."102 A ocupação efetiva das terras do Nordeste paulista, como em outras regiões da capitania/província, deu-se
através
posse.
As
"Caminho
da
concessão
primeiras
dos
de
sesmarias
Goyazes"
datam
sesmarias
ou
da
concedidas
às
margens
de
1726,
coincidindo
simples
com
do a
descoberta das minas de Goiás. Com a afluência mineira, no começo do século XIX, um grande número de concessões de sesmarias
foram
efetivadas.
A
maioria
dos
primeiros
sesmeiros acabaram por não permanecer em suas terras ou estas talvez nem foram visitadas pelos donos.103 Grande parte das terras, supomos, foram apossadas, o que era costume, em razão do descaso e da incapacidade do estado em fiscalizar o uso das terras devolutas.104 No Brasil, até o ano de 1822, a forma de apropriação concessão
legítima
de
da
sesmarias
terra pelo
era
realizada
através
poder
público.
Obtinham
da o
benefício aqueles que provassem ter condições de ocupar e cultivar a área.
A concessão de sesmarias - aparelhamento
102
SAINT-HILAIRE, Auguste. op. cit. p.117, nota 14. CHIACHIRI FILHO, José. op. cit. p.51, 81-87, nota 1. 104 PETRONE, Maria Tereza S. Terras devolutas, posses e sesmarias no Vale do Paraíba paulista em 1854, São Paulo, Revista de História, n.103, jul/set, 1975, p. 378. GARCIA, Maria Angélica Momenso. A Legislação sobre apropriação de terras. In: Trabalho e resistência: os trabalhadores rurais na região de Ribeirão Preto (1890-1920). Franca: UNESP-FHDSS, 1993 (Dissertação de Mestrado). BRIOSCHI, Lucila R. [et al.] Entrantes do Sertão do Rio Pardo: o povoamento da Freguesia de Batatais século XVIII e XIX. São Paulo: CERU, 1991. 103
53
institucional utilizado desde os princípios da colonização - nunca obedeceu a critérios rígidos e bem definidos, legislação
sempre
confusa
e
contraditória
sua
facilitava
a
apropriação de áreas através da simples posse.105 A
posse
-
"ocupação
e
aproveitamento
com
culturas de área não incluídas em sesmarias" - muitas vezes era o recurso utilizado até à obtenção da sesmaria. Esta modalidade "tornou-se a única via de acesso a terra entre 17
de
julho
de
1822,
quando
se
proíbiu
a
concessão
de
sesmarias até 1850, depois de longos debates finalmente se publicou a famosa Lei de Terras" que definia o acesso à propriedade
da
terra
somente
pela
compra.106
"A
lei
de
terras, decretada no Brasil em 1850, proibia a aquição de terras
públicas
através
de
qualquer
outro
meio
que
não
fosse a compra, colocando um fim às formas tradicionais de adquirir terras através de posses, e através de doações da Coroa".107 A Lei de 1850 deu prazo de quatro anos para o registros
das
incentivou
o
posses
na
apossamento
paróquia de
mais
várias
próxima,
regiões
com
o
que certa
rapidez. Como exemplo citamos casos de mineiros que rumaram em direção onde hoje está situada São José do Rio Preto, suas posses foram registradas na atual Jaboticabal, fundada em
1828.
Dentro
deste
contexto,
mineiros
fundadaram
localidades como São Simão e Santa Rita do Passa Quatro. 105 106 107
Idem. Idem. COSTA, Emilia Viotti da. Da monarquia à República: momentos decisivos. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1985, p.40.
54
A
ocupação
do
Nordeste
paulista
pelos
mineiros, oriundos da Comarca do Rio das Mortes (sul de Minas),
que
antes
ocuparam
o
Sertão
da
Farinha
Podre
(região entre o Rio Paranaíba e Grande), veio acompanhada de
atividades
econômicas
permanentes
com
características
mercantis, fortalecidas no decorrer do século. A principal delas era a pecuária. Percebemos região
quando
a
notamos
que
proprietários,
declarada
referente
primeiro
ao
importância
da
17,1%
nos
pecuária
da
riqueza
inventários
período
estudado
na dos
consultados -
1822-30,
constituíam-se de bens semoventes, ou seja, gado bovino, eqüino e muar. Os bens imóveis, como as fazendas - parte de terras
-
eram
utilizadas
principalmente
para
criação
do
gado e somavam 41,2% do total dos bens. No segundo período - 1875-85 - os semoventes subiram para 28,8% do valor total dos bens, e 53,9% os bens de raiz. (vide gráfico à pág. 99) Desde fins do século XVIII, entrando pelo século
XIX,
a
criação
de
gado,
fatia
mais
dinâmica
da
economia, favoreceu a constituição de vínculos comerciais da
região
como
São
ora João
mercadorias,
estudada Del
com
Rei,
principalmente
outras
que o
distantes
servia gado
de
localidades
entreposto
bovino,
cavalar
de e
cerdal, que tinham como destino o Rio de Janeiro. Eram os "marchantes" de Formiga e São João Del Rei que compravam o gado criado nas margens do Rio Grande (Sertão da Farinha 55
Podre e Sertão do Rio Pardo). A economia dessa zona "estava intimamente ligada à do Rio das Mortes que, por sua vez, relacionava-se
grandemente
com
a
cidade
do
Rio
de
Janeiro."108 Luiz D'ALINCOURT ao viajar pela estrada dos "Goyazes" em 1818, percebeu a ocupação da população com a pecuária. O viajante seguiu até o pouso de Cubatão, que ficava a três léguas do Rio Pardo, chegando até a Fazenda das
Lages
que
"pertenc[ia]
a
seis
irmãos
unidos,
que
faz[iam] um grande negócio em gado", seguindo viagem após passar pelo pouso de Araraquara e "passando o ribeiro da Bela
Vista,
a
poucos
passos
se
apresenta
aos
olhos
um
quadro encantador: extensos campos, semeados de gado. (...) Depois
de
Batatais.
uma Este
descida lugar
fácil
é
muito
chega-se
ao
alegre,
seu
morador dono
dos
Manoel
Bernardo do Nascimento, ajudado de seus filhos, (...) faz muito bom negócio em gado vacum, e em queijos. Afastados do caminho menos
há,
nestas
distantes
uns
paragens, dos
muitos
outros,
vizinhos,
que
mais,
possu[iam]
ou
grande
quantidade de gado." Adiante já na "Fazenda das Macahubas, junto à qual se passa o ribeiro Sapucahy, o dono, natural de Guimarães, (...) faz o seu maior negócio em gado." Ao chegar
em
Franca
comenta
que
"sua
principal
exportação
consta de gado vacum, porcos, e algodão, que leva[vam] a 108
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem às nascentes do Rio São Francisco. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1937, v.1 (Coleção Brasiliana, n.68).
56
Minas;
planta[vam]
milho,
feijão,
e
outros
legumes
para
consumo do país."109 Por outro lado, a economia paulista antes decadente, nas primeiras décadas do século XIX, dá claros sinais de vigor ancorada na agricultura. Os engenhos de açúcar
começam
a
se
proliferar
na
região
de
Sorocaba,
Piracicaba, Mojiguaçu e Jundiaí. Cria-se um novo mercado para
os
produtos
portanto, importância
cria
do
Nordeste
novas
da
paulista.110
perspectivas
Estrada
dos
e
"O
refaz
"Goyazes",
a
como
açúcar, antiga via
de
comunicação e circulação de riquezas. O comércio com os negociantes da Comarca do Rio das Mortes talvez não tenha desaparecido totalmente. Todavia, a povoação de mineiros que se forma no sertão do Rio Pardo liga-se à economia paulista e em função dela se desenvolve".111 O novo movimento da economia regional foi percebido por SAINT-HILAIRE, que em 1819, ao transitar pelo caminho
entre
o
rio
Grande
e
Franca
observou
que
um
proprietário do "sítio denominado Pouso Alto, próximo ao qual foi construído um vasto barracão para os viajantes (rancho), um agricultor verdadeiramente branco, nascido em Minas
Gerais,
(...)
vendia
o
milho
que
cultivava
aos
viajantes, e, uma vez por ano, ia à cidade de São Paulo, 109
110
111
D'ALINCOURT, Luiz. Memória sobre a viagem do porto de Santos à cidade de Cuiabá. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1975. (Reconquista do Brasil, v.25) PETRONE, Tereza Schorer. A lavoura canavieira em São Paulo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968, p.16, 18 e 24. CHIACHIRI FILHO, José. op. cit. p. 37, nota 1.
57
com um carro de bois carregado de toucinho e de algodão, e dali regressava transportando sal e artefatos de ferro."112 Apesar de encontrarmos afirmações de que as atividades
voltadas
para
o
abastecimento
"não
teriam
merecido do Estado uma política específica"113, havia pelo menos algum reconhecimento da sua importância, como atesta o memorial do secretário do governo de São Paulo em 1814, Coutinho governador
Souza da
Chichorro
ao
província:
Conde
de
"distando
Palma,
aquela
então
freguesia
[Franca] 79 léguas desta cidade e 90 do Porto de Santos, o seu
comércio
fábricas,
só
aqueles
deve
consistir
porque
se
em
movem
gados a
si
e
gêneros
mesmos
e
de
estes
porque são gêneros de muito valor."114 Mesmo aqueles autores que não deram a devida relevância à pecuária destacaram em seus estudos as áreas nas quais este setor da economia fincou raízes, conforme o o trabalho de Roberto SIMONSEN115, onde o Nordeste paulista tem destaque. Fernando NOVAIS ao fazer um paralelo entre o setor exportador e o setor de subsistência comenta que o primeiro,
desenvolvido
Colonial,
regia
112 113
114
115
a
nos
quadros
dinâmica
do
do
Antigo
conjunto
da
Sistema economia
SAINT-HILAIRE, A. op. cit., p.116, nota 22. LAPA, José Roberto do Amaral. O antigo sistema colonial. São Paulo: Brasiliense, 1982. BOURROUL, Estevan Leão. Um episódio da anselmada. A tribuna da Franca. Franca, n.88. SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil. 1500-1820. 6.ed. São Paulo: Nacional, 1969, p.238.
58
brasileira.
Contudo,
paralelo ao sistema de plantation
desenvolveu-se
o
setor
circunstâncias
e
áreas
de
subsistência
determinadas
que
(...)
"em
pôde
certas
adquirir
certo vulto, como no caso da pecuária"116 Os números nos mostram de forma mais clara a importância
da
criação
do
gado
bovino
na
região
ora
estudada. "De acordo com o Livro de Assentamentos de Gados, em 1829 os 688
criadores registrados possuíam um rebanho
de 37.768 cabeças.117 Até
o
final
suporte da economia trazia atividade
"influiu
nos
do
século
XIX,
o
gado
como
prosperidade às fazendas. Tal costumes,
no
linguajar
e
no
comportamento de todo um povo. Possibilitou a conquista e o enriquecimento do Grande Sertão."118 Os subprodutos do gado eram de grande valor, pois
transformavam-se
em
bens
comercializáveis
ou
em
objetos necessários ao cotidiano dos indivíduos. "Além da carne, que o sol e o sal incumbiam-se de conservar, o gado bovino
fornecia
o
couro
(cujas
técnicas
de
curtimento
foram-se evoluindo ao longo dos anos), donde se tiravam os arreios, as selas, os forros de catres e dos bancos, as botas e as botinas. Dos chifres faziam-se as guampas de água, os pentes, caixinhas de rapé. Do leite fazia-se o
116
117 118
NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial. (1777-1808). 4.ed. São Paulo: Hicitec, 1986, p. 106. BRIOSCHI, Lucila R. op. cit., p. 51, nota 18. Idem, p.52.
59
queijo que era mais uma fonte de rendas para os moradores das freguesias."119 A quantidade,
criação
teve
sua
de
outros
importância
animais,
relativa
na
em
menor
economia
regional. Os outros animais mantidos pelos criadores, além do gado vacum, eram os animais cavalares, muares, suínos, carneiros, cabritos e até pavões. O destaque fica para os suínos
que
tinham
criação
bastante
desenvolvida.
Sérgio
Buarque de Holanda reconhece que, por volta de 1820, Franca "era um dos maiores produtores da capitania".120 A posse dos animais
pelos
proprietários
será
tratada
em
capítulo
específico. Uma das atividades derivadas da criação de gado foi o comércio do sal, tido como "uma das grandes forças econômicas da Vila Franca (...) do século passado. Era um comércio tão desenvolvido, que o sal transportado de Santos, via Campinas, era conhecido no Nordeste paulista, Sul de Minas, Goiás e Mato Grosso como 'sal francano'"121 O
comércio
do
sal
foi
incrementado
no
decorrer do século XIX. Apesar de não ser um fruto da terra "o
sal
trouxe
muitas
riquezas
para
a
região.
Sua
importância econômica foi tão grande que se refletiu na mudança
de
denominação
da
grande
via
de
comunicação
de
transporte e circulação de riquezas: de Estrada de goiases 119 120
121
BRIOSCHI, L. R. op. cit., p.51, nota 31. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. CHIACHIRI, José. Vila Franca do Imperador (Subsídios para a História de uma cidade). 1.ed., Franca: O Aviso da Franca, 1967, p.104-5.
60
passou a ser chamada Estrada do Sal." Para termos uma idéia da quantidade
consumida e/ou comercializada nas primeiras
décadas do século, Lucila R. BRIOSCHI nos informa que "os 370
alqueires
comprados
em
1814
aumenta[ram]
para
1033
alqueires em 1824. Com pequenas oscilações no período, o movimento
é
de
alta.
A
venda
do
sal
em
Batatais
era
proporcionalmente maior do que o consumo, o que não corria em Franca, onde em 1824, essas vendas correspondiam a 14,7% da compra efetuada."122 O sal era consumido principalmente pelo gado e na conservação da carne - a carne ceca.
O transporte das mercadorias pela "Estrada dos Goyazes" era realizado por carros de bois, aproveitando a
topografia
que
facilitava
o
uso
deste
instrumento.123
Segundos os inventários, 16,3% de todo o rebano bovino era composto de "bois de carro", animais usados no transporte de mercadorias, sobrepondo os muares, estes sempre em menor número. "No caso do comércio do sal, as Atas da Câmara nos mostram que o fazendeiro adquiria o produto quase sempre arcando
com
necessário
todas para
as o
despesas
de
transporte.
próprio
consumo
e
o
Tirava
o
restante
redistribuía, vendendo-o na região e províncias vizinhas."124 Na
região,
o
sal
era
provavelmente
distribuído
em
localidades próximas a Franca como Carmo da Franca (atual 122
BRIOSCHI, Lucila R. op. cit., p. 51, nota 18.
123
CHIACHIRI FILHO, José, op. cit., p.50, nota 1. NALDI, Mildred Regina, op. cit., p. 38, nota 37.
124
61
Ituverava), Santa Bárbara de Macaúbas (de onde originou a atual Patrocínio Paulista), Santa Rita do Paraíso (atual Igarapava), Santo Antônio da Rifaina (atual Rifaina), Bom Jesus da Cana Verde de Batatais (atual Batatais), Cajuru, entre outras localidades. A
agricultura
de
subsistência
atendia
aos
próprios produtores, endereçando o excedente aos mercados locais para atendimento dos viajantes que trafegavam pelos caminhos
do
"Sertão
do
Rio
Pardo".
Nos
inventários
encontramos com freqüência descrições de "ferramentas de roça", descritas como enxadas, enxadões e foices, sempre em pouca
quantidade
e
em
estado
precário,
o
que
denota,
provavelmente, o pequeno desenvolvimento da agricultura em relação
as
outras
atividades
produtivas.
Os
principais
produtos agrícolas, em 1837, eram milho, algodão, mandioca, fumo, feijão, arroz e em menor quantidade a mamona e o trigo.125 É comum entre os historiadores que trabalham com a região enfatizarem o dinamismo e a diversidade das atividades que movimentavam a economia francana na centúria estudada: "Concomitantemente com a agropecuária, o comércio do
sal
e
'gêneros
diversos'
praticados
na
estrada
dos
"Goyases", dá a Franca a importância de grande 'entreposto comercial' (...)."126 125
126
MÜLLER, Daniel Pedro. Ensaio d'um quadro estatístico da Província de São Paulo: ordenado pelas leis municipais de 11 de abril de 1836 e 10 de março de 1837. 3. ed. São Paulo: Governo do Estado, 1978. MÜLLER, Daniel Pedro. op. cit., p.37-38, nota 42.
62
Notícias sobre essa diversidade na economia surgem desde 1818, pelos escritos que deixou D'ALINCOURT sobre Franca: "Os habitantes do lugar são industriosos, e trabalhadores;
fazem
diversos
tecidos
de
algodão;
boas
toalhas, colchas e cobertores; fabricam pano azul de lã muito sofrível; chapéus; alguma pólvora; e até já têm feito espingardas".127 Outras notícias referentes aos anos próximos a meados do século em questão, mantêm a mesma idéia de diversidade: "Os francanos cultivavam, fabricavam em suas propriedades tecidos de algodão e de lã, e aplicavam-se especialmente
à
criação
de
gado
vacum,
de
porcos
e
de
carneiros. (...) a criação de gado vacum, no distrito de Franca, tomou grande incremento, e, em 1838, esse distrito era um dos que forneciam mais gado bovino."128 A
tecelagem
era
outro
setor
da
economia
nunca desprezível. Em 1835 Franca contava com "um total de 16 tecelões (...). Pelo número de operários ocupados tal indústria francana
já não seria exclusivamente doméstica,
ao contrário ocorria em toda a região, tendo razoável capacidade de produção." Os teares eram sustentados pelo "algodão plantado próximo que nas colheitas era preparado em ramas, e pela lã, que após a tosquia dos carneiros era arrumada em novelos. Depois vinha o tingimento dos fios e,
127
D'ALINCOURT, Luiz. op. cit. p.71, nota 23.
128
SAINT-HILAIRE, A. op. cit. p.119, nota 14.
63
após, a fiação"129 Os
inventários consultados nos mostram
que entre 1822-30 os carneiros e ovelhas compunham 7,8% do rebanho
dos
proprietários,
e
entre
1875-85
os
mesmos
animais somavam com 4,1% dos rebanhos. No
século
XIX,
mineração é comum na região.
também
a
atividade
da
Franca recebeu, entre 1804 e
1824, migrantes de localidades que tinham como atividade
a
mineração,
os
a
exercê-la,
se
quais não,
muito
pelo
provavelmente
menos
difundiram
continuaram suas
técnicas.
Como é o caso de 79 indivíduos oriundos do Julgado de Nossa Senhora do Destêrro do Desemboque130, povoado que em fins do século
XVIII
"ofereceu
aos
desbravadores
da
região
(Triângulo Mineiro) ouro em abundância".131 Localidades próximas a Franca exerceram (e ainda exercem) a mineração, como é o caso de Santa Bárbara de
Macaúbas
(atual
Patrocínio
Paulista):
"Por
volta
de
1830, famílias de garimpeiros, atraídas pela abundância de diamantes existentes nos rios Santa Bárbara e Sapucaizinho, acomodaram-se
nas
proximidades
da
confluência
daqueles
cursos d'água, dando origem a um povoado que em 1833 já era elevado à freguesia sob denominação de Nossa Senhora do Patrocínio de Santa Bárbara das Macaúbas132. Entretanto em 129
130
MULLER, Daniel Pedro. Ensaio dum Quadro Estatístico da Província de São Paulo em 1835. APUD CHIACHIRI, José. op. cit. p.43, nota 38. CHIACHIRI Filho, José. op. cit., p.44, nota 1.
131
FERREIRA, Jurandyr Pires. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1957, v. 23. 132 "em 1833 (...) o número de pessoas em Santa Bárbara já era suficientemente grande para justificar a criação do Distrito, o segundo da Vila Franca, instalado em 1º de julho. In: MATOS, Carlos Alberto
64
1850, por iniciativa de João Cândido dos Reis e outros proprietários de terra, requisitou-se do Governo Provincial uma
tropa
de
garimpeiros, população
100
homens
para
indevidamente
completamente
efetuar
fixados
sem
em
abrigo
e
a
explusão
terras
dos
alheias
apavorada
com
à a
violência empregada, embrenhou-se pelas matas, subiu o rio Sapucaizinho indo instalar-se onde hoje situa-se a cidade de Patrocínio Paulista"133 Ainda sobre a mineração temos o exemplo de Claraval, localidade próxima a Franca, que "já nos fins do século XVIII (...) era habitada por elementos civilizados, existindo diversas fazendas, com seus senhores e escravos. A
agricultura
era
na
época,
a
principal
atividade.
Foi
aproximadamente em l864 que o garimpeiro João Tertuliano Pinto Bispo, natural de Diamantina, vindo Sul
para
o
Sêrro,
ao
atravessar
a
região
de Estrela do claravalense,
encontrou diamantes, dando início ao garimpo, nas águas do rio das Canoas. A notícia espalhou-se rapidamente e dentro em
breve
grande
possibilidade estabeleceram.
de
número ganhos
Formou-se,
de
aventureiros,
rápidos assim,
no um
atraídos
garimpo, pequeno
pela
ali
se
núcleo
às
margens do rio Canoas, tomando maior impulso quando, em 1885, pelo fazendeiro José Garcia Lopes da Silva, foi feita Bastos de, COSTA, Alfredo Henrique (Orgs.), Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista 1885-1985. Patrocínio Paulista: Prefeitura Municipal, 1986, p.85. 133 FERREIRA, Jurandyr Pires. op. cit., v.24, nota 48. Ver também: MATOS, Carlos Alberto Bastos de, COSTA, Alfredo Henrique (orgs.), op. cit., p.80, nota 49.
65
doação de terras para o futuro patrimônio de Claraval. De início
o
povoado
posteriormente Canoas,
isto
edificou-se
chamou-se
a
Divino
porque, uma
Garimpo
Espírito
em
capela
terras em
das Santo
doadas
honra
do
Canoas, do por
passando
Garimpo José
Divino
das
Garcia
Espírito
Santo."134. Nos
textos
sobre
a
economia
francana
do
século XIX são comuns as citações referentes ao garimpo como uma atividade de importância como as demais, conforme a
frase
(Subsídios
retirada para
do a
livro
"Vila
história
de
Franca
uma
do
cidade)",
Imperador de
José
CHIACHIRI: "Já se cogitava, portanto, ao lado do intenso comércio do sal, o garimpo em larga escala, da pecuária, e do incremento à lavoura (...)."135 Em função dos comentários acima, a figura do ourives inseria-se no rol de profissões dos francanos. Isso é
confirmado
por
fontes
como
a
"Lista
popular
dos
habitantes da lª Companhia de Ordenanças da Vila Franca do Imperador Constitucional do ano de 1830 e 1831" e pelos inventários por nós pesquisados, que indicam a existência de profissionais ligados a ourivesaria. Na primeira fonte citada consta que "Francisco de Paula, de 46 anos, oriundo de
Minas
Gerais,
casado,
pai
de
três
filhos,
tinha
um
agregado e quatro escravos, era 'oficial de ourives'." O 134
Atualmente uma pequena cidade situada no Estado de Minas Gerais, na divisa com o Estado de São Paulo e com o município de Franca. 135
CHIACHIRI, José. op.cit. p.37, nota 38.
66
mesmo documento menciona que: "Antônio Francisco Macedo, de 40 anos, natural de Minas Gerais, casado, pai de uma filha, possuía
três
escravos,
tinha
profissão
de
'Oficial
de
ourives'."136 Nos inventários do primeiro período - 1882/30 encontram-se registros de balanças de pesar ouro. As
atividades
relacionadas
à
mineração
continuaram no decorrer do século XIX, tanto que na tabela 8
(pág 91) constam entre as oficinas que deveriam pagar
impostos,
três
"oficinas
de
ourives",
que
pertenciam,
respectivamente, a José Rozindo da Silva, Joaquim Izaias da Silva e José Luiz Fontoura.137 No
"Almanaque
Histórico
de
Patrocínio
Paulista" há relatos sobre o valor de diamantes encontrados na região: "Foi no Santa Bárbara que apareceram os maiores carbonados, isto é, carbono puro, não cristalizado, cuja dureza é superior do diamante: três deles com mais de 100 (cem)
quilates;
entretanto,
no
Sapucaizinho
saíram
os
maiores diamantes. Palmira Novato e Oswaldo M. Ravagnani no trabalho 'Documentos sobre a dispersão do Arraial de Santa Bárbara' transcrevem vários ofícios de Antônio Ribeiro S. Porto ao Vice-Presidente da Província de São Paulo, onde se afirma que 'em apenas cinco meses sairam diamantes novalor de Rs.10.000$000 (dez contos de réis) ... não falando-se em 136
137
A.P.E.S.P. Lista popular dos habitantes da lª Companhia de Ordenanças da Vila Franca do Imperador Constitucional do ano de 1830 e 1831, cx. 47. M.H.M. "José Chiachiri". Franca. Lançamento contribuintes: 1890-1891, Livro nº 1.
67
de
negociantes
e
algumas pedras de vulto'. Logo a seguir em outro ofício: 'Não tendo por ora que informar a V.Excia sobre riquezas diamantinas ... ratifico que é certeza a extração de uma pedra com o peso de 5 oitavas', dizendo constar que essa pedra foi para Paris (o que também aconteceu com o diamante 'vermelho' do Santa Bárbara). (...) Contava nosso pai que, por volta de 1890, apareceu na Fazenda Barranco Alto, de nosso avô, um garimpeiro do Santa Bárbara pedindo ao velho Goulart que lhe pesasse uma pedra, mas adiantou que os pesos da sua balança de diamantes não dariam para o tamanho da pedra, ao que nosso avô respondeu que inteiraria com os da balança de pesar toucinho. Realmente a pedra era grande e boa, pois o Goulart ofereceu por ela 8:000$000 (oito contos de réis), quantia que na época dava para comprar uma pequena fazenda."138 Uma atividade que mereceu destaque pela sua importância
e
que
exerceu
grande
influência
na
economia
regional, foi o café. As
plantações
de
café
se
avolumaram
na
região estudada, por volta de 1870. Contudo, prevendo a importância do produto para a riqueza regional a "Câmara Municipal, através de sua Comissão de Posturas, já em 1834 determinava o seguinte, com referência à plantação de café: 'Todo o proprietário será obrigado a plantar e conservar 25 pés de Café correspondente a cada braça - nunca para menos, 138
MATOS, Carlos Alberto Bastos de, COSTA, Alfredo Henrique (orgs.) op. cit., p. 71, nota 49.
68
e todos aquelles, ou estes q. o contrario fizerem pagarão 2$rs para as Dispeza do Conselho, e na falta 2 dias de prizão, e doplo na reincidencia - devendo os officiaes dos respectivos respectivo Villa
Quarteiroens com
Franca
as
do
dar
mesmas
conta
penas
Imperador,
21
aos
fiscaes
declaradas de
Julho
de
a
no
tempo
aquelles 1834
(aa)
-
Joaquim da Rocha Neiva - Thomaz Correa de Souza - Joze Teixeira Alvarez.'"(sic)139
Norma que parece não ter sido
cumprida de forma muito rígida. Segundo Sílvia Jacintho LIMA, a partir de 1850, o café passou a ter prioridade nos investimentos na região em detrimento da pecuária. A mesma autora afirma que "talvez desestimulados pelos resultados insatisfatórios da criação de gado, talvez contaminados pela febre do café, já então
avassalante,
cultura
cafeeira,
secundário.
Esse
os
criadores
colocando fato
é
da
região
iniciaram
aquela
atividade
evidenciado
pela
em
a
plano
ausência
de
citações sobre a pecuária local em documentos e jornais, antes tão fartas aliada à frequência crescente de opiniões sobre o plantio, a produção ou a crise do café."140 Entre os inventários consultados, referentes ao segundo período
-
1875/85, encontramos várias descrições
atinentes às plantações de café, o que não foi encontrado
139
CHIACHIRI, José. op. cit., p. 37, nota 38.
140
LIMA, Sílvia Maria Jacintho de. op. cit., p. 55, nota 2.
69
nos documentos estudados do primeiro período - 1822/30 estudado (ver tabela 5, à pág. 84). Nos inventários pesquisados, entre 1875/85, todos
os
proprietários
de
lavouras
de
café
eram
também
criadores de gado. Apenas 50,0% dos proprietários possuíam escravos. Tabela nº 5 INVENTÁRIOS QUE CONSTAM DESCRIÇÕES SOBRE PLANTAÇÕES DE CAFÉ 1878-1883 ANO
INVENTARIADO
DESCRIÇÃO
Nº de pés de café
Valor
1878
Joaquim Ant. Natalino Maria Silveira de Oliveira
plantações de café quintal c/ café plantados
-
-
-
José Joaquim Teixeira Cândida Maria de Jesus Mª Cândida de Jesus Francisco de Paulo e Melo
plantações de café peqª plantação de café pequeno cafezal pés de café cafés menores
-
200 mil réis -
-
-
-
-
-
Joaquim Francisco Machado José Antônio Franco Antonio Ferreira da Silva
quintal cafeeiro
-
alguns pés de café quintal cultivado de cafeeira em bom estado pés de café
-
1 conto e 600 mil réis 250 mil réis -
-
-
-
2 contos de réis
1879
1880 1881 1881 1882
1882
1882 1883
1884
Anna Cândida de Jesus
Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Cível, cx. 02 a 04, 1822/30
70
As descrições das plantações são encontradas em inventários onde havia valores diferenciados de riqueza, conforme dois exemplos a seguir: l) Candida Maria de Jesus que possuía uma "pequena plantação de café", seus Bens de Raiz,
Bens
Móveis
e
Semoventes
foram
avaliados
em
2:506$000141; 2) Joaquim Francisco Machado que tinha um total de
bens
no
valor
de
13:982$000,
incluindo
"um
quintal
cafeeiro avaliado em 1:200$000".142 Conforme os dados obtidos por José Francisco de CAMARGO, a produção de café, somente no município de Franca, foi de 211 arrobas em 1836 e de 60.000 arrobas em 1886, demonstrando um crescimento de 28.336,0%.143 Ao longo do século XIX, a economia da região de Franca foi sofrendo modificações, no sentido de ampliar as
atividades
comércio,
e
atividades,
já
existentes:
permitindo como
a
uma
agricultura, maior
instalação
de
pecuária
diversificação alguns
e nas
experimentos
industriais; tanto que, em 1837, Franca contava com "11 engenhos
de
fazendas
de
açúcar, criar,
34 2
destilarias
fazendas
de
de
café
aguardente, e
8
engenhos
176 de
serrar".144
141 142
143
144
AHMF. Inventário de Cândida Maria de Jesus, Proc. 500, cx. 30, 1881. AHMF. Inventário de Joaquim Francisco Machado, Proc. 515, cx. 31, 1882. CAMARGO, José Francisco de. Crescimento da população no Estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1981, v. 2 (Ensaios Econômicos, 14). MÜLLER, Daniel Pedro. op. cit. p. 131, nota 42.
71
As descrições do "Almanak da Província de São Paulo para 1873", nos dá idéia da gama de atividades profissionais
envolvidas
no
contexto
econômico
francano.
Contavam-se, no dito ano, 84 fazendeiros, 6 advogados, 2 farmaceuticos, 2 professores particulares, 3 alfaiates, 2 caldeireiros, 4 carpinteiros, 2 ferradores, 4 ferreiros, 2 fogueteiros,
2
marcineiros,
1
padeiro,
6
sapateiros,
4
seleiros, 2 açougueiros. Entre os indivíduos dedicados ao comércio
contavam-se
15
"negociantes
de
fazendas,
ferragens, armarinho, molhados e louça"; 6 proprietários de "armazéns de sal"; 8 donos de "armazéns de molhados"; e 17 proprietários de "armazéns de molhados e gêneros do paiz".145 Outros documentos, de cunho fiscal, como o "Livro nº 1 - Lançamento de negociantes e contribuintes: 1890-1891" arquivado no Museu Histórico Municipal de Franca "José Chiachiri", nos indica o considerável desenvolvimento econômico comparado
enfrentado com
desenvolvimento
o
pela
região
início
amparava
um
na
do grande
década
século leque
de
1890,
tratado. de
se Tal
atividades,
conforme nos mostram as tabelas 6, 7 e 8.
145
LUNÉ, Antônio Batista de. Almanak da Província de São Paulo para 1873. Ed. fac-similar. São Paulo: Imesp, 1985. 180p.
72
Tabela 6 "Lançamento de engenhos e máquinas de todas as espécies que são obrigadas a pagar direitos no corrente ano de 1890" Espécie de Engenhos e obrigadas a pagar Direitos Engenho de cilindros Engenho de terra Machina de beneficiar café Fábrica de tijolos
Número de Contribuintes 07 23 15 01 02 TOTAL .................................................... 48 FONTE: MHMF - “Livro nº 1 - Lançamento de negociantes e Contribuintes: 1890-1891”.
Não importância
dos
seria
Máquinas
prudente
engenhos
deixarmos
(tabela
6)
de
citar
produtores
a de
aguardente que a maioria dos comerciantes tinham em seus estabelecimentos (tabela 7, à pág. 88). Outros derivados da cana-de-açúcar, muito provavelmente, eram produzidos, como o
próprio
açúcar
e
a
rapadura.
Um
dos
produtores
era
Christino de Paula e Silva, um dos proprietários mais ricos da região, cujos bens somavam 55:024$600. No rol de bens do seu inventário consta que em suas terras tinha um "canavial grande", avaliado em 1:000$000, e entre as benfeitorias um engenho.146
146
AHMF. Inventário de Christino de Paula e Silva, Proc. 513, cx. 31, 1882.
73
Tabela 7 "Lançamento dos negociantes de todas as espécies, da cidade de Franca e seu município que são obrigados a pagar direitos no corrente ano de 1890" Espécie de artigos que pagam direitos
Nº de Negociantes
Gêneros do pais, aguardente e molhados, ferragens, sal, corte de sapatos, drogas, fazendas, café, açougue de gado, bilhar, víspora..................................................... 114 Armarinho............................................... 2 Botica...................................................... 4 Fábrica de cerveja.................................... 1 Venda de sola........................................... 1 Hotel........................................................ 1 Restaurante............................................... 1 TOTAL.................................................... 124 FONTE: MHMF - "Livro nº 1 - Lançamento de negociantes e contribuintes: 1890-1891".
O
comércio
local
oferecia,
segundo
os
registros de comerciantes (tabela 7, à pág. 88), "vários tipos de mercadorias: 'molhados do mar', 'molhados de fora' e
'efeitos
estoque
da
muito
terra'. variado
Esse onde
tipo se
de
'loja'
encontravam
possuía
de
tecidos
um a
ferragens. Outro tipo de comércio é o de couro, arreios e curtumes (...)."147 O da
147
economia
crescimento,
regional
diversificação
facilitaram
o
e
integração
aparecimento
AHMF. Inventário de Christino de Paula e Silva, Proc. 5l3, cx. 31, 1882.
74
de
profissões tabela relação
8
que nos
a
atendiam mostra
outros
a
novas
e
antigas
preponderância
oficiais.
Franca
necessidades.
das
era
"seleiros"
servida
por
A em 17
selarias no ano de 1890, ou seja, 28,3% dos contribuintes arrolados entre as "Oficinas obrigadas a pagar direitos". Tais oficinas dedicavam-se à confecção de selas, arreios, laços e outros bens manufaturados em couro, que atendiam aos
fazendeiros.
Os
sapateiros
também
tiveram
destaque,
eram nove oficinas (15% do total de oficinas). Incluindo os curtumeiros, todos mantinham suas atividades profissionais em
virtude
da
criação
de
bovinos
que
lhes
forneciam
matéria prima. Tabela nº 8 "Lançamento de todas officinas que são são obrigadas a pagarem direitos no corrente anno de 1890" Espécie de oficinas que pagavam direitos
Nº de contribuintes Oficina de seleiro...................................... 17 Oficina de folheiro.................................... 07 Oficina de ferreiro.................................... 05 Oficina de retratista.................................. 01 Oficina de ourives..................................... 03 Oficina de sapateiro.................................. 09 Oficina de relojoeiro................................. 01 Oficina de barbeiro................................... 02 Oficina de marcineiro............................... 06 Oficina de curtume de couros.................... 01 Oficina de padaria.................................... 02 Oficina de alfaiate.................................... 02 Oficina de fogos....................................... 02 Oficina de alcozoeiro................................ 01 Oficina de concertos................................. 01 TOTAL.................................................... 60 FONTE: MHMF - "Livro nº 1 - Lançamento de negociantes e contribuintes: 1890-1891".
75
a
Considerando-se profissional
em
substancial
de
cada
que
trabalhava
"oficina",
trabalhadores
houve
artesanais
mais
uma em
de
um
ampliação Franca,
se
compararmos com o primeiro período - 1822/30 (vide pág. 61 e 62). E logicamente um crescimento dos produtos vindos das "oficinas" atendendo as demandas do mercado regional. No século XIX já é percebida a vocação de Franca para tornarse um grande centro produtor de calçados. A outras
praças
últimos
tradição distantes
decênios
do
das
ligações
ficou
século
comerciais
fortalecida
passado.
com
durante
os
"Geralmente,
os
comerciantes estabelecidos em Franca tinham ligações com a Praça de São Paulo, onde estava localizado o maior número de seus fornecedores, e também as praças do Rio de Janeiro, Campinas,
Ribeirão
outras".148
Nota-se
ligações
comerciais
Preto, que
nos
Itajubá, finais
priorizaram
a
Pedregulho, do
século
província
Cássia
e
tratado
as
paulista
em
detrimento a Minas Gerais. Sendo a economia francana geradora de tantas atividades
e
produtos,
e
aberta
para
os
mercados,
a
necessidade de boas estradas para o escoamento da produção parece ter sido uma preocupação constante, conforme consta nos
Relatórios
de
Presidente
de
Província
da
década
de
1870: "A Câmara Municipal de Franca pediu ultimamente a quantia de 1:483$000 rs. para concertos que diz precisos 148
NALDI, Mildred Regina Gonçalves. op. cit., p. 46, nota 37.
76
atender na estrada próxima aquela cidade, mas pelo oficio que dirigiu à V.Ex. pedindo essa verba, e o qual era assaz escasso
em
esclarecimentos,
não
pude
conhecer
quais
as
obras que desejava realizar, e portanto exige-lhe detalhes a respeito, e os aguardo para deliberar o que entender conveniente."149 Ainda relatórios
nos
descrições
relativas
com
relação
apresentam, a
às
entre
Franca:
estradas
"À
outras,
as
disposição
os
ditos
seguintes da
Câmara
Municipal de Franca está desde 28 de fevereiro a quantia de 1:405$000
para
empregar
em
vários
melhoramentos
dessa
estrada na parte que vai dos portos do Rio Grande até a cidade (...)."150 No econômico
foi
decorrer
acompanhado
do pelo
século, crescimento
o
crescimento populacional.
Segundo Daniel Pedro MÜLLER (tabela 9), Franca do Imperador tinha, em 1837, 10.664 pessoas, distribuídas em 885 fogos. Os indivíduos livres eram 7.224, sendo 3.689 homens e 3.535 mulheres. Os escravos totalizavam 3.443, divididos em 1920 homens e 1.523 mulheres. Entre os livres 90,9% tinham até 50 anos e e os escravos nesta mesma faixa etária somavam 85,1% do total. Havia uma grande porcentagem de crianças 0-10 anos: 29,7% livres e 25,7% escravos, o que denota que 149
A.P.E.S.P. Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial de S.Paulo pelo Presidente da Província. O Exmo. Sr. Dr. Antônio Candido da Rocha, no dia 2 de fevereiro de 1870. São Paulo. Typografia Americana Rua das Flores, n.47, 1870. 150 Idem, p.
77
a população fracana, já em meados do século XIX, aumentava não só em virtude da imigração para região, mas também em função de um crescimento vegetativo vigoroso.
Tabela nº 9 População/Idades - Franca do Imperador 1837 LIVRES CATIVOS Homens Mulheres Idades Homens Mulheres 1.148 998 De 0 a 10 436 430 884 1.068 De 10 a 20 400 344 521 574 De 20 a 30 489 352 416 397 De 30 a 40 294 198 321 246 De 40 a 50 156 92 188 120 De 50 a 60 62 45 121 74 De 60 a 70 40 28 44 24 De 70 a 80 20 14 26 20 De 80 a 90 12 9 20 14 De90 a 100 11 11 Nº de fogos: 885 Total: 10.664 FONTE: MÜLLER, Daniel Pedro. Ensaio d'um quadro estatístico da Província de São Paulo. 3.ed. São Paulo: Governo do Estado, 1978.
Para apresenta
novos
o
ano
números
de
sobre
1876, a
Azevedo
população
MARQUES francana.
nos As
paróquias de "Senhora da Conceição da Franca, Senhora do Carmo da Franca, Santa Bárbara de Macaúbas, Santa Rita do Paraíso Município
e
Santo de
Antônio Franca,
da
Rifaina",
possuíam
pertencentes
21.419
ao
habitantes.
Considerando somente a paróquia de "Senhora da Conceição da Franca" os habitantes somavam 8.248, sendo 6.818 livres e 1.430 escravos.151
151
MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos da Província de São Paulo. São Paulo: Livraria Martins Editora, t.II, p. 185.
78
Em
1886
a
população
de
Franca
e
de
Patrocínio do Sapucaí juntas atingiam de 12.288 habitantes. As
variações
explicadas
encontradas
pelos
na
população
desmembramentos
do
francana
território
entre
são os
anos de 1874 e 1886.152 Do município de Franca foram desmembrados os seguintes municípios: 1) BATATAIS, pela lei nº 07 de 14 de março de 1839, abrangendo o povoado de SÃO BENTO DO CAJURU, atual CARURU e território dos futuros povoados: SANTANA DOS OLHOS D'ÁGUA, atual IPUÃ; SÃO JOSÉ DO MORRO AGUDO, atual MORRO AGUDO; ESPÍRITO SANTO DE BATATAIS, atual NUPORANGA; PIEDADE
DO
CRUZEIRO, BRODOSQUI;
MATOGROSSO
atual
SANTO
ORLÂNDIA;
DE
BATATAIS,
ANTÕNIO SÃO
DA
JOAQUIM
atual
ALEGRIA; DA
BARRA
ALTINÓPOLIS; JARDINÓPOLIS; e
SALES
DE
OLIVEIRA. 2) SANTA RITA DO PARAÍSO, pela lei nº 05, de 24 de abril de 1873. Foi posteriormente denominada IGARAPAVA, abrangendo a povoação de SANTO ANTÔNIO DA RIFAINA, atual RIFAINA e território do futuro PEDREGULHO; 3) PATROCÍNIO DO SAPUCAÍ, pela lei nº 23, de 10 de março de 1885. Foi depois denominada, PATROCÍNIO PAULISTA, abrangendo território da futura povoação de NOSSA SENHORA APARECIDA, atual ITIRAPÚA. 4) CARMO DA FRANCA, pela lei nº 24, de 10 de março de 1885. Foi depois denominada ITUVERAVA, abrangendo o território futuro de GUARÁ e de SÃO MIGUEL, atual MIGUELÓPOLIS.153
152
153
CAMARGO, José Francisco de. Crescimento da população no Estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. São Paulo: IPE, 1981, v.1. SANTOS, Wanderley dos. Banco de dados. mimio.
79
Em durante
o
suma,
século
diversificação
a
XIX,
das
atividades
comércio,
experimentos
industriais -,
e
da
região
caracterizava-se
agricultura,
aguardente
economia
como
atividades
Franca,
sobretudo
econômicas
tecelagem,
de
-
pecuária,
minegração,
engenhos
de
artesanais
-
pela
alguns
açúcar
e
selarias
e
sapatarias. Dentre as atividades produtivas, a criação de animais,
principalmente
bovinos,
teria
sido
o
setor
de
maior vigor - “o centro dinâmico” - que exercia um “efeito multiplicador”, ou seja, incentivador de outras atividades. Na verdade a economia da região ampliou-se constantemente, movida
por
atividades
correlatas,
tendo
a
pecuária
à
frente. A
economia
francana,
no
período
tratado,
manteve um considerável nível de mercantilização, se bem que ditado pelo limitado vigor do setor de subsistência, que se diferenciou do setor exportador, próprio de outras regiões do centro-sul do Brasil. Dentro das condições econômicas apresentadas que
os
proprietários
francanos
obtinham
recursos
necessários à organização das estratégias de sobrevivência, à
acumulação
crescimento
e
reprodução
econômico
da
contínuo
riqueza, e
vigoroso,
alicerces da economia da região de Franca.
80
consolidando formando
um os
3. A RIQUEZA DOS PROPRIETÁRIOS SEGUNDO OS INVENTÁRIOS
Nesta fase do nosso trabalho demonstraremos a riqueza obtida pelos proprietários da região de Franca, envolvidos nas atividades produtivas inseridas no contexto econômico
delineado
possíveis riqueza
nos
transformações ocorridas
capítulos no
durante
volume o
anteriores; e
na
século
e
as
diversidade
XIX.
Para
da
tanto,
selecionamos dois períodos: 1822/30 e 1875/85, frente aos quais procederemos constantes comparações. Nossa inventários
do
encontram-se
base
documental
Cartório
arranjados
do
2º
em
constituiu-se
Ofício
ordem
de
96
Cível,
os
quais
cronológica,
em
ótimo
estado de conservação e à disposição dos pesquisadores no Arquivo Histórico Municipal "Capitão Hipólito Pinheiro", em Franca-SP. É
necessário
ressaltarmos
que
os
bens
avaliados a partir dos inventários, são fruto da acumulação no decorrer de uma vida ou de várias gerações, estando a análise
da
composição
das
fortunas
sujeitas
a
questionamentos, quando encarado somente como reflexo das atividades
econômicas
do
considerado é que parte
período.154 da
Outro
fator
a
ser
riqueza em análise, muito
provavelmente, foi gerada em outras áreas do centro-Sul, como Minas Gerais, e transportada por indivíduos que se 154
DAUMARD, Adeline. Hierarquia e riqueza na sociedade burguesa. São Paulo: Perspectivas, 1985, p.195.
81
fixaram no Nordeste paulista, principalmente no primeiro período
do
geração
estudo
e/ou
-
1822/30.
reprodução
da
Contudo, riqueza
entendemos dos
que
a
proprietários
francanos só se tornou possível graças a contexto econômico com vocação mercantil, caracterizado pela produção de bens de subsistência endereçados aos mercados locais e a outras regiões do centro-Sul do Brasil. O conceito de riqueza, por nós adotado, foi o seguinte: "a totalidade dos haveres ou bens, possuídos pela família, tais como objetos, móveis, tapetes, jóias, utensílios e implementos, escravos, animais com valor de troca, propriedades rurais e urbanas, títulos de crédito, não se incluindo, portanto, alimentos, bebidas, salários, que
significam
CANABRAVA
rendimentos",
formulado
por
Alice
P.
no seu artigo "Uma economia de decadência: os
níveis de riqueza na Capitania de São Paulo, 1765/67".155
A COMPOSIÇÃO DA RIQUEZA
O levantamento e quantificação dos bens e seus valores foi realizado segundo os itens que constam nos inventários:
155
CANABRAVA, Alice Piffer. Uma economia de decadência: os níveis de riqueza na Capitania de São Paulo, 1765/67. Revista Brasileira de História, Rio de Janeiro, v.26, n.4, p. 105, out./dez. 1972.
82
1) Bens Móveis
-
subdividido em: imagens,
trastes de casa, louças, roupas de uso, armas de fogo, ferramentas de ourives, roça e carpintaria, arreios, carros de boi, peças em ouro, prata, cobre, ferro, metal amarelo e estanho; 2) Bens de Raiz - casas, terrenos, partes de terras (fazendas e chácaras) e lavouras; 3)
Semoventes
-
subdividido
em
bovinos
a
receber
eqüinos, muares, caprinos, ovinos e aves; 4) Escravos; 5)
Dívidas
Ativas:
valores
referente empréstimos em dinheiro ou venda de bens. 6)
Dívidas
Passivas:
valores
a
pagar
referente empréstimos ou compra de bens.
Conforme o Gráfico 2 à pág. 99, a composição da riqueza dos proprietários do Termo de Franca, no período correspondente
a
1822/30,
em
ordem
decrescente
era
a
seguinte: Escravos - 37,1%, Bens de Raiz - 33%, Semoventes - 13,7%, Dívidas Ativas - 10,2% e Bens Móveis - 6,0%.
83
Gráfico 2 COMPOSIÇÃODARIQUEZA- 1822/30 Bens Móveis 6,0% Semoventes 13,7% Escravos 37,1%
Bens deRaiz 33,0% Dívidas Ativas 10,2%
Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Cível, cx. 02 a 04, cx. 27 a 32, 1822/30
No segundo período - 1875/85, a composição da
riqueza
alterou-se,
passando
a
ser:
Bens
de
Raiz
-
53,4%, Escravos - 26,7%, Semoventes - 11,9%, Bens Móveis 4,2% e Dívidas Ativas - 3,8%. (gráfico 3) Gráfico 3 COMPOSIÇÃODARIQUEZA- 1875/85 Bens Móveis 4,2% Semoventes 11,9%
Escravos 26,7%
Dívidas Ativas 3,8%
Bens deRaiz 53,4%
Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Cível, cx. 02 a 04, cx. 27 a 32, 1822/30
84
Ao
observamos
os
dados
mencionados
é
possível tecer algumas conclusões preliminares referentes as variações da composição da riqueza dos proprietários do Nordeste paulista durante o século XIX. Os comentários a seguir logicamente serão complementados por análises mais detalhadas de cada grupo de componentes do patrimônio dos proprietários. Os
itens
que
compunham
a
riqueza
dos
proprietários do Nordeste paulista sofreram as seguintes variações durante o século XIX: l)
Decadência
do
peso
relativo
do
item
escravos, que passou de 37,l% para 26,7% da riqueza. De um período para o outro, a posse de escravos deixou de ser disseminada
entre
concentração
da
96,8%,
dos
período
os
proprietários,
propriedade
proprietários
1875/85,
somente
escrava.
possuíam 53,3%
Se
o
havendo entre
item
deles
uma
1822/30
escravo,
tinham
esse
no bem.
Contudo, a média de escravo por proprietário aumentou de 4,8 para 5,3. Durante o século em questão, a queda do peso relativo do item escravos, no total da riqueza, só não foi maior devido a uma grande valorização desse bem. O preço médio
de
um
cativo
em
1828
era
de
218$638,
passando
a
1:471$428 em 1880.156
156
Esta variação de preço será por nós analisada quando tratarmos a respeito do preço dos escravos.
85
2)
O acréscimo na participação dos bens de
raiz no volume da riqueza, que no início do século era de 33% passando para 53,4% nas últimas décadas. A ocupação efetiva dos terrenos do Nordeste paulista e a dinamização da economia regional favoreceram a valorização deste item. 3)
O
peso
dos
semoventes
(gado
bovino,
principalmente) permaneceu quase que inalterado. Nos anos 20 participava com 13,7% da riqueza, passando na década de 1875/85 para 11,9%. A permanência do peso deste item na riqueza dos proprietários em um contexto de economia em expansão,
justifica-se
pela
possível
diversificação
de
investimentos nas últimas décadas do século em engenhos de açúcar e nas plantações de café. 4)
Se comparados ao total da riqueza, os
bens móveis, sempre escassos, não contribuíam com grande fartura
para
a
riqueza
dos
proprietários.
No
primeiro
período, quando os mínimos pertences dos inventariados são partilhados pelos herdeiros, os bens móveis contribuíam com 6,0% dos bens. No segundo período, quando somente os bens pessoais de maior valor entravam na partilha, tais bens participavam apenas com 4,2% da riqueza. 5) As dívidas ativas entraram em declínio no decorrer do século, passando de consideráveis 10,2% para somente
3,8%.
Diminuiu
a
quantidade
de
credores
e
as
dívidas que originavam-se até de empréstimos de escravos "jornais
de
escravos"
-
passaram 86
a
ser
quase
que
exclusivamente de empréstimos em dinheiro, o que denota um aumento na circulação da moeda como meio de troca.
DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA Para percebermos a distribuição da riqueza entre
os
proprietários
da
região
de
Franca,
nos
dois
períodos estudados, efetuamos a soma dos valores de todos os
bens
de
cada
inventário.
O
agrupamento,
segundo
os
valores obtidos, pode ser visualizado na tabela 10. Tabela 10 Distribuição da Riqueza (por proprietário - em porcentagem) Contos de Réis Até 1 conto de 1 a 2 contos de 2 a 3 contos de 3 a 4 contos de 4 a 5 contos de 5 a 6 contos de 6 a 7 contos de 7 a 8 contos de 8 a 9 contos de 9 a 10 contos mais de 10 contos
1822/30 % de proprietários 35,3% 22,6% 9,7% 19,4% 6,5% 6,5% -
1875/85 % de proprietários 9,2% 26,2% 15,3% 7,7% 6,1% 1,5% 3,1% 1,5% 3,1% 26,2%
Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 02 a 04 - 1822/30 e cx. 27 a 32 - 1875/85.
No primeiro período - 1822/30, a soma dos
bens
de
cada
proprietário,
na
sua
grande
maioria
(86,9%) não ultrapassava quatro contos de réis, sendo que dentre estes 35% não chegavam a ter um conto. 87
O perfil do proprietário possuidor de até um conto de réis ficava próximo ao do inventariado Aleixo Alves Borges. Casado com Maria Felícia de Almeida157, pai de dois filhos e tinha um escravo de nome João, de 40 anos, avaliado em 110$000. Era dono de "uma parte de terras de matos", com a benfeitoria de "uma casa de morada de capim de um só lanço" no valor de 236$400. Seus animais consistiam de um boi, 17 novilhas e 16 vacas, que valiam 178$000.
Possuía
(12$080),
além
também dos
peças
"trastes
em de
ouro,
cobre
e
casa"
(5$000)
vidros e
das
"ferramentas de roça" (2$400). Era pouco valor em dívidas a receber (dívidas ativas): 15$960. Por ocasião do início do inventário devia (dívidas passivas) a Manoel Alves Borges e ao Capitão Martinho Alves da Silva o total de 19$320. O total geral dos seus bens era: 559$940.158 Cabe a nós destacarmos que outra parte dos proprietários
(22,6%) possuía entre um e dois contos de
réis. Um exemplo significativo é de Martinho Moreira de Carvalho, que foi marido de Emerenciana Maria de Jesus, com quem
tinha
oito
filhos,
sendo
quatro
homens
e
quatro
mulheres. Era dono de três escravos: Domingos de 27 anos, Antônio
de
18
e
Perpétua
de
20;
todos
juntos
valiam
700$000. Seus bens imóveis foram descritos como "uma parte de terras, uma casa de morada coberta de telhas, e uma casa 157
As mulheres no período colonial e imperial não assinavam o sobrenome do esposo, a obrigação do uso do sobrenome veio com a República. 158
AHMF - Inventário de Aleixo Alves Borges, Proc. 52, cx. 03, 1825.
88
na esquina da rua do Adro com final ao sul com a Praça da Aclamação", avaliados em 320$000. Em animais possuía cinco vacas, seis novilhas, um boi e três cavalos, avaliados em 107$000. Era proprietário de vários bens móveis: imagens (46$800), peças em prata, cobre e metal amarelo (49$680), armas de fogo (4$480), roupas de uso (18$480), ferramentas de roça e de carpintaria (6$220) e arreios (16$800). Além de criador de animais era, provavelmente, um comerciante de salitre,
cujo
estoque
tinha
o
valor
de
230$000.
Outro
indicativo da suas atividades comerciais eram as quantias a receber
(dívidas
ativas)
e
a
pagar
(dívidas
passivas)
constantes em seu inventário. Tinha a receber a quantia total
de
768$785,
devedores.
Devia
a
ser
um
paga
pouco
aos
menos:
herdeiros 663$835.
por
As
sete
dívidas
passivas eram pulverizadas entre l7 pessoas, em quantias diferenciadas. O valor total dos bens era: 2:308$285.159 Podemos até
quatro
Vicente
contos
Ferreira
de
incluir
de
réis
Faria
entre
(19,4% Leite
e
os do sua
proprietários total
de
pesquisado)
esposa
Feliciana
Alves de Faria (inventariada). Possuíam cinco filhos, ainda crianças (em 1830), entre eles apenas um homem, de cinco anos. Mantinham seis escravos, três do sexo masculino e três
do
sexo
feminino,
a
saber:
Francisco
(160$000),
Theodoro (200$000), ambos de 50 anos; Gaspar (60$000), sem idade declarada, provavelmente mais velho em razão do valor 159
AHMF - Inventário de Martinho Moreira de Carvalho, Proc. 52, cx. 03, 1828.
89
a ele atribuído; Maria, de 32 anos de idade (400$000), Florentina,
de
18
anos
(450$000)
declarada (300$000). O valor de
1:730$000.
Seus
bens
e
Rita,
sem
idade
total do valor escravos era
imóveis
constituíam-se
de
"uma
parte de terras na fazenda denominada Ribeirão (75$500) e de um sítio (250$000)". Nestas propriedades eram criados: 10 bois de carro, dois bois reprodutores, 30 vacas, 40 novilhas,
quatro
cabritos,
um
cavalo
e
sete
éguas,
que
valiam 893$300. Os bens pessoais eram divididos em imagens (14$900); peças em ouro, cobre e ferro (48$020); trastes de casa,
47$780;
ferramentas
de
roças,
de
carapina
(carpintaria) e de tropa, 24$480; armas de fogo, 4$000; arreios, 15$700; e dinheiro, 105$600. Era credor de 197$540 e
devia
um
pouco
menos:
136$700.
Incluindo
as
dívidas
ativas deste proprietário, seus bens valiam: 3:248$820.160 Entre os mais abastados do primeiro período, ou seja, aqueles proprietários em que a soma dos bens dos inventários ficava entre seis e sete contos de reis (6,5% do total), tiramos como exemplo o inventário de Rosa Maria de Viterbo, que tinha nove filhos, e destes, apenas uma mulher já casada. Tinha l5 escravos, a maior quantidade possuía por um proprietário do primeiro período. A idade dos cativos variava entre 11 e 29 anos, e os preços ficavam entre
40$000
e
250$000.
Cabe
a
nós
citarmos
que
o
inventário em pauta iniciou-se em 1822, quando os preços 160
AHMF - Inventário de Feliciano Alves de Faria, Proc. 68, cx. 04, 1830
90
dos escravos eram bem inferiores aos do final do primeiro período - 1830. A maior parte da riqueza de Rosa vinha dos bens de raiz. Possuía "uma fazenda denominada Monjolinho com lanços de casas cobertas de palha com portas", avaliada em 3:286$400. As benfeitorias da propriedade consistiam de "moinho, dois monjolos e paiol". O rebanho constituído de 104 cabeças era dividido em: 36 vacas, 16 garrotes, 04 bezerros, 10 novilhas, 03 touros, 24 bois de carro, 02 cavalos, 04 éguas, 02 potros e um muar, que valiam juntos a soma
de
512$000.
Entre
os
bens
pessoais
são
citados:
imagens (25$800); peças em ouro, prata, cobre, ferro, metal amarelo, estanho, louças e vidros (105$560); ferramentas de roça e carpintaria (350$260); e armas de fogo (10$000). A inventariada
devia
a
quantia
de
449$000
em
dinheiro,
a
Joaquim Vieira, João Gonçalves Gomes e Quintiliano Gomes Pinheiro e esposa. Não consta que tivesse algo a receber. Todos seus bens valiam: 6:798$660.161 Apesar da grande variação de preços dos bens móveis
e
imóveis,
ocorrida
durante
o
século
XIX162,
(ver
adiante análises e comparações de preços) e das mudanças da economia
regional,
grande
parte
161
dos
proprietários
do
AHMF - Inventário de Rosa Maria de Viterbo, Proc. 20, cx. 02, 1822. "A taxa de inflação para o século XIX foi calculada por Mircéa Buescu, que tomou o ano de 1826 como base de seu índice. Entre 1826 e 1850, a variação em porcentagem da inflação foi de 48,5% e de 70,2% entre 1851 e 1887 (300 Ano de Inflação, Rio de Janeiro, APEC, 1973, p.223). Por outro lado, Oliver Onody demonstrou que o índice do custo de vida passou de 100 (ano base 1850) a 191, em 1889 (ONODY, Oliver. A Inflação Brasileira. Rio de Janeiro, 1960, p. 25) In: MATOSO, Kátia de Queiróz, A riqueza dos bahianos no século XIX. In: Clio. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, n.11, p.61-75 162
91
segundo período pesquisado - 1875/85 - acumularam riqueza que oscilava
mostram
que
entre um
e cinco
Os
dados
da
no
segundo
contos
tabela período
de réis.
10
à
mais
pág. da
102,
nos
metade
dos
proprietários (64,5%) tiveram seus bens avaliados entre um e cinco contos de réis e 9,2% deles possuíam bens que iam de
cinco
a
dez
contos.
As
maiores
riquezas
(26,2%)
ultrapassavam os dez contos, conforme os relatos que se seguem. Alguns proprietários não chegavam a possuir um
conto
de
réis,
um
exemplo
característico
era
do
inventariado João Vicente de Magalhães Portilho, que foi casado com Rita Prudencia do Evangelho. O casal tinha nove filhos, sendo cinco mulheres; destas, duas casadas e mais quatro homens menores e solteiros. Não possuía escravos. Quanto aos bens imóveis era proprietário de dois terrenos e uma casa de morada localizados na sede do termo (710$000). Seus bens semoventes constituíam-se de apenas seis cavalos (117$000) e os poucos bens pessoais valiam 44$300. O total geral de seus bens era de 871$300, sem contar o valor de 56$870 que deveria receber a título de dívida passiva.163 Dentro do maior grupo de proprietários, ou seja, aqueles que possuíam de um a cinco contos (55,3%) estava
Joaquim
inventariante 163
José
Maximina
Ferreira, P.
de
que
Jesus.
foi O
casado casal
não
com
a
tinha
AHMF - Inventário de João Vicente de Magalhães, Proc. 459, cx. 27, 1875.
92
filhos. Possuía quatro escravos, dois em idade produtiva e duas crianças: José de 32 anos, Thereza de 30 anos, parda, ambos solteiros; Joana de 10 anos, parda e Vicente de 08 anos,
pardo.
As
crianças
eram
filhas
de
Thereza.
Todos
valiam 2:500$000. Possuía também duas partes de terras, uma denominada "Fazenda Capivary" avaliada em 700$000 e outra chamada
"Fazenda
Ribeirão
Corrente",
provavelmente
bem
menor que a primeira tendo em vista o valor: 15$000. Seu rebanho era composto de quatro éguas, dois burros, três cavalos, três bois, 22 porcos e 15 carneiros que, somados, atingiam a quantia de 760$000. Os seus bens móveis valiam 413$700. Joaquim José Ferreira deixou um volume grande de dívidas
tendo
em
vista
seu
patrimônio
avaliado
em
4:088$700. Em seu inventário constam dívidas no valor de 1:111$409 rateadas entre treze credores, inclusive o padre da Franca que deveria receber a quantia de 168$000. Não há dados sobre dívidas a receber.164 Manoel L. de Santa Anna integrava o grupo de proprietários que possuía um patrimônio avaliado entre seis e sete contos de réis (3,l% dos inventariados). Era casado com Joaquina Rosa Duarte, com quem teve dez filhos, cinco homens e cinco mulheres, oito deles casados e dois menores Tertuliano, de nove, e Francisco de oito anos. Possuía três escravos: Joana de 55 anos, de origem africana (60$000), Anna de 26 anos, doentia (800$000) e Benedito de 25, pardo 164
AHMF - Inventário de Joaquim José Ferreira, Proc. 468, cx. 027, 1876.
93
(1:000$000), os últimos nascidos em Franca. Seus bens de raiz compunham-se de "duas fazendas, a primeira denominada Bom Jardim, com destaque para a benfeitoria de uma casa" que valia 1:200$000 e a outra chamada "Fazenda do Salgado" no preço de 1:100$000. Era detentor de sete porcos, 17 carneiros, dois cavalos, um potro, uma égua, 20 bois de carro e 11 vacas, todos avaliados em 1:380$100. Os bens móveis com valor de 481$000, incluiam objetos de prata no valor de 14$400. Não foram identificadas dívidas ativas ou passivas. O valor total dos bens era de 6:035$500.165 Havia
grandes
diferenças
de
valores
e
no
peso de cada ítem da riqueza entre aqueles proprietários que detinham acima de 10 contos de réis. Maria Silveira de Oliveira possuía bens pouco acima desse valor (inventário de 1879). Quase metade dos seus bens originava-se dos 14 escravos
que
variados.
O
possuía, de
menor
os
quais
valor
tinham
era
idades
denominado
e
preços
José,
recém
nascido, avaliado com apenas cinco dias: 50$000. Os preços das outras crianças ficavam entre 400$000 e 650$000. Os demais, em idade produtiva, masculinos ou femininos, valiam em torno de 1:000$000. O mais velho deles e o de menor preço entre os adultos era Domingos, de 52 anos: 500$000. Juntos riqueza
somavam era
11:400$000.
composta
dos
Outra
bens
de
grande raiz:
parte "uma
da
sua
casa,
uma
fazenda denominada Pouso Alegre e outra parte de terras 165
AHMF - Inventário de Manoel L. de Santa Anna, Proc. 519, cx. 31, 1882.
94
localizada valor
de
59$900.
na
área
conhecida
14:318$600, Contraiu
sendo
dívidas
por os
com
Ribeirão
da
semoventes quatro
Onça",
no
avaliados
em
credores
no
valor
300$497. Excluídas as dívidas passivas, a soma dos seus bens atingiam a quantia de 14:389$900.166 Outro grande proprietário foi José Bernardes Pinto; seus bens valiam 42:971$400, assim distribuídos: 23 escravos
de
diferentes
preços
e
idades
(masculinos
e
femininos), com preços variando entre 100$000 e 1:500$000, dependendo da idade, do sexo e do estado físico dos mesmos. Bens imóveis: "uma casa no Largo do Theatro (1:500$000), duas casas na rua Cubatão (800$000), uma sorte de terras na Fazenda Matta (8:200$000) com a benfeitoria de uma casa assobradada
(6:000$000)
e
outra
fazenda
denominada
Bom
Jardim (5:200$000)." Os semoventes - animais de criar constituíam-se (1:060$000),
de um
26 boi
bois
de
carro
reprodutor
(960$000),
(150$000),
17
24
vacas
novilhas
(515$000), 10 cavalos (580$000) e 25 pavões (250$000). Os bens móveis valiam 506$400, estando aí incluídos relógio, talheres e espora. Era credor de José Francisco Pereira que lhe devia a quantia de 650$000. Totalizando seus bens em 42:971$400.167 José Bernardes da Costa Junqueira possuía o maior volume de riqueza, entre os proprietários em análise: 166
167
AHMF - Inventário de Maria Silveira de Oliveira, Proc. 487, cx. 29, 1879. AHMF - Inventário de José Bernardes Pinto, Proc. 456, cx. 27, 1875.
95
87:465$000.
Tinha
apenas
três
filhos,
oriundos
de
dois
casamentos. Detinha oito escravos, sendo seis homens e duas mulheres.
Entre
os
masculinos
Lourenço
de
53
anos,
de
origem africana, tinha o menor valor: 100$000; e o mais caro era João de 28 anos, nascido em Franca: 2:000$000. O preço
dos
outros
escravos
masculinos
variavam
entre
1:500$000 e 1:600$000; as mulheres eram: Luzia de 32 anos (800$000) e Anna de 20 (1:000$000). Todos juntos valiam 8:700$000. A base de toda a riqueza do proprietário José Bernades estava na terra. Possuía uma "fazenda denominada Bebedor, com as benfeitorias: uma casa de morada, paiol, moinho, engenhos de socar e de cana, currais e engenho de serra
(utilizado
para
serrar
madeira)",
avaliada
em
65:000$000, além de "uma casa na cidade de Franca em frente ao Largo da Matriz" que valia 3:000$000. Seu rebanho era composto de 95 vacas, 48 novilhas, 63 bezerros, 32 bois de carro, 06 bois reprodutores, 03 jumentos, 05 cavalos, 02 mulas e 02 burros. O conjunto de animais valia 9:990$000. Os bens móveis atingiam a cifra de 1:166$000. Não consta que possuía dívidas ativas nem passivas.168
168
AHMF - Inventário de José Bernardes da Costa Junqueira, Proc. 494, cx. 29, 1879.
96
3.1. A RIQUEZA ESCRAVA
Das Colônia
e
no
relações
Império,
de
a
propriedade
que
tinha
vigentes
função
na
econômica
principal e decisiva era a propriedade de escravos e não a propriedade da terras.169 Essa afirmação é verdadeira
frente
às
terras
possibilidades
de
ocupação
das
abundantes
devolutas, a partir da simples posse ou pela concessão de sesmarias, fato que depreciava o valor da terra em relação ao escravo. Após a Lei de Terras de 1850, que definiu o acesso a terra apenas pela compra, dificultou a apropriação deste, o que contribuiu para sua valorização. O fator
de
escravo
produção
importância
no
e
foi, um
estoque
sem dos
da
dúvida,
um
componentes
riqueza
dos
relevante de
grande
proprietários
francanos durante o século XIX. "Trata-se do componente que pode
ser
medido
com
mais
precisão
(...)."170
Conforme
os
gráficos apresentados à página 99, grande parte do capital dos senhores estava investido no escravo.
169 170
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 2.ed. São Paulo: Ática, 1978. LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais (séculos XVIII e XIX). São Paulo: FFLCH-USP, 1992 (Tese de Doutoramento).
97
A POSSE DOS ESCRAVOS Com posse
da
o
objetivo
mão-de-obra
dividimos
o
número
de
escrava
de
estudar dos
escravos
a
estrutura
senhores
possuídos
de
francanos, por
faixas,
indicando a seguir, a porcentagem de proprietários segundo a quantidade de escravos(tabela 11). Tabela nº 11 Quantidade de escravos possuídos por proprietário Quantidade de escravos
1822 - 1830 % de proprietários
1875 - 1885 % de proprietários 1a5 73,4 64,8 6 a 10 20,0 20,6 11 a 15 3,3 8,8 16 a 20 3,3 2,9 21 a 25 2,9 Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 02 a 04 - 1822/30 e cx. 27 a 32 - 1875/85.
No primeiro período - 1822/30 - apenas 3,2% dos
inventários
consultados
não
registravam
o
item
escravos, embora cada proprietário possuisse em média, 4,8 cativos.171 Mais
da
metade
dos
proprietários
(73,4%)
possuíam em seus quadros de um a cinco escravos e
entre
estes,
mesma
13,4%
porcentagem dois 171
possuíam
um
só
cativo;
e
essa
(13,4%) era atribuída a senhores com apenas
escravos
e
outros
10%
tinham
três
escravos.
Há
OLIVEIRA, Lelio Luiz de. A posse de escravos em Franca - SP, segundo os inventários (1822-30). Estudos de História. Revista do curso de Pós-Graduação em História. Franca, v.1, p.173-186, dez. 1994.
98
registros
ainda
de
senhores
(16,7%)
que
possuíam
quatro
escravos, sendo que a maior porcentagem dos proprietários (20,3%), mantinha plantéis de cinco cativos. Nas
faixas
seguintes,
à
medida
em
que
aumenta a quantidade de escravos possuídos, inversamente, diminui a porcentagem de senhores detentores dos maiores planteis. Na segunda faixa - seis e dez escravos encontramos 20% dos dos proprietários capazes de adquirir e manter
esses
cativos.
Dentre
estes
proprietários,
6,6%
eram detentores de seis escravos. A maioria (10%) possuía sete
cativos.
Há
registros
de
que
3,3%
dos
senhores
deixaram aos seus herdeiros a quantia de nove escravos. Não detectamos nos os inventários consultados, referentes ao período em estudo, proprietários com posse de oito ou dez escravos. Nas faixas seguintes - 11 a 14 e 16 a 20 cativos - a porcentagem de senhores é a mesma, a 3,3% para cada uma delas; tendo um grupo a posse de 15 e o outro a posse de 17 escravos. Em
resumo,
79,5%
dos
escravos
estavam
distribuídos entre 90,4% dos proprietários, possuidores de um
a
nove
escravos.
E,
o
restante,
20,4%
dos
cativos,
pertencia a 6,6% dos senhores, que possuíam de 15 a 17 escravos. Os
dados
apresentados
nos
mostram
uma
distribuição bastante diferenciada da riqueza escrava entre 99
os
proprietários,
sendo
a
grande
maioria
dos
senhores
detentora do bem escravo, ao passo que a maior parte deles possuía
pequenos
plantéis,
ou
seja,
uma
supremacia
dos
senhores com cinco ou menos escravos. O resultado dos nossos dados ampliam para o Nordeste COSTA,
paulista
quando
as
evidências
estudaram
a
apresentadas
posse
de
por
escravos
LUNA
em
e
outras
localidades da Província de São Paulo, no início do século XIX
(1804),
Iguape,
Itú,
como
Campinas,
Jacareí,
Curitiba172,
Lorena,
Mogi
Guaratinguetá,
das
Cruzes,
São
Sebastião e Sorocaba, regiões que concentravam "um grande número
de
proprietários
e
uma
reduzida
quantidade
de
senhores com muito escravos".173 Diferente
de
Franca,
onde
a
atividade
econômica predominante era a criação de gado, seguida pela agricultura
de
excetuando-se
Curitiba,
escravos
subsistência,
voltavam-se
a
maioria
naquelas dos
primordialmente
localidades,
proprietários para
"as
de
lides
agrícolas - dominantes na economia paulista de então."174 Os dados relativos às localidades citadas, nos mostram que 85,8% dos proprietários detinham entre um e dez 172
173
174
escravos,
destes,
69,7%
possuíam
entre
um
e
cinco
Até 1853 a Comarca de Curitiba integrava-se ao território da Província de São Paulo. Naquele ano desmembrou-se da mesma, pois foi criada a Província do Paraná com sede naquela cidade. LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero. Posse de escravos em São paulo no início do século século XIX. Estudos Econômicos. v.13, n.1., p.211-221, jan./abr.,1983. LUNA, F.V. e COSTA, Iraci del Nero. op. cit. p. 216, nota 19.
100
cativos e a expressiva porcentagem de 26% mantinha apenas um escravo. O restante dos proprietários, ou seja, 14,2%, eram possuidores de onze escravos ou mais, características dos senhores de engenho.175 Para
o
caso
específico
de
Jacareí,
no
período de 1777-1829, ocorreu a elevação do tamanho dos plantéis,
e
inversamente
diminuiu
a
porcentagem
de
proprietários com até cinco cativos, que em 1804 era de 79%,
passando
mudanças
na
para
71,1%
economia
em
1829.
regional,
Fato
explicado
"primeiro
por
com
o
fortalecimento do açúcar e posteriormente com a introdução do café, que se fixou rapidamente pelo Vale do Paraíba."176 Em
localidades
onde
encontravam-se
"criadores de animais" a média de escravos por proprietário não
era
muito
homogênea,
mas
não
chegando
a
ser
tão
distoante da média encontrada em Franca. Em Guaratinguetá, a média no começo do século XIX chegava a 7,0, em Itu diminuiu para 2,0, aumentando para 12,0 em Sorocaba.177 No caso de Curitiba, que destacava-se pela pecuária, 19% dos proprietários detinham 35% dos cativos. Nessa
localidade,
os
proprietários
criadores
de
animais
tinham em média 9,2 cativos, contra 3,9 dos agricultores. 175 176
177
Idem, p.217. LUNA, Francisco Vidal. Estrutura de posse de escravos e atividades produtivas em Jacareí (1777-1829) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n.28, 1988. Conforme mostra a Tabela 7 - Proprietários: segundo o nº médio de escravos e atividades. IN: LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. op. cit., p.218, nota 8.
101
Os "Campos Gerais" ou "Continente de Curitiba" - onde seus habitantes "quase não possu[iam] outras idéias além das que se relacionam com a criação de gado"178 - era, no início do século XIX, fornecedor de muares e bovinos para feira de Sorocaba, "lugar de destaque com relação à circulação de tropas e boiadas."179 Parece
que
as
atividades
econômicas
de
Franca assemelhavam-se mais com às de Curitiba do que com as de outras localidades citadas. Apesar das semelhanças, a média
de
escravos
possuídos
pelos
criadores
na
região
paranaense - 9,2 - era mais que o dobro da encontrada em Franca - 4,8. Em Capitania
de
1804,
Minas
na
Gerais,
região mais
aurífera
da
especificamente
então
em
Vila
Rica, Francisco Vidal LUNA nota a "absoluta preponderância do conjunto de senhores com cinco ou menos escravos."180
O
mesmo autor apresenta dados que denotam a predominância da imensa
maioria
de
proprietários
-
95,4%
-
daquela
localidade, que mantinham em seus quadros entre um e dez escravos,
178
179
180
sobrando
apenas
4,4%
dos
proprietários
que
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem a Comarca de Curitiba, p. 20. APUD PETRONE, Maria Thereza Shorer. O Barão de Iguape: um empresário da época da independência. São Paulo: Nacional; Brasília: INL, 1976, p.38. (Brasiliana, v.361) PETRONE, Maria Thereza Schorer. O Barão de Iguape: um empresário da época da independência. São Paulo: Nacional; Brasília: INL, 1976, p.15 (Brasiliana, v.361). LUNA, Francisco Vidal. Estrutura da posse de escravos. In: Minas Colonial: economia e sociedade. São Paulo: FIPE/Pioneira, 1982, p.38 (Estudos econômicos).
102
possuíam de 11 a 20 cativos, e uma minoria, 1,1%, detinha acima de vinte e uma unidades desse bem.181
No segundo período
-
1875/85
-
percebemos
que modificou-se consideravelmente a estrutura de posse dos escravos, se comparada com o primeiro período analisado 1822/30.
No
final
do
século
XIX,
entre
os
inventários
consultados, 53,3% dos proprietários eram possuidores de escravos contra 46,7% que não possuíam este bem. Notamos, então,
que
a
posse
de
escravos
deixou
de
ser
tão
disseminada entre os senhores; contudo, a média de escravos por
proprietário
passou
a
ser
de
5,3.
Houve
uma
concentração da riqueza medida pela propriedade escrava. Conforme
a
tabela
1
à
página
114,
os
planteis de 64,8% dos proprietários deste segundo período tinham
entre
um
e
cinco
cativos.
Entre
estes,
14,8%
possuíam apenas um escravo; 23,6% dois; 17,8% três e 8,9% dos
senhores
possuíam
5,8
escravos.
Não
encontramos
proprietários com plantéis constituídos por cinco escravos. Na segunda faixa - entre seis e dez escravos - encontramos 20,6% dos proprietários capazes de adquirir e manter plantéis com a quantidade referida. Dentre estes, 5,8% detinham seis escravos; (11,8%),
possuía
oito
2,9% sete cativos e a maioria escravos.
Não
encontramos
proprietários donos de nove ou dez peças deste item. 181
Idem, p.38.
103
Nas faixas seguintes, onde os plantéis são maiores, diminuem a porcentagem de proprietários. Na faixa de 11 a 15 escravos temos 8,8% de proprietários, sendo que 2,9% dos senhores possuíam 11 escravos e 5,8%
14. Não
encontramos detentores de 10, 12, 13 ou 15 cativos.
Nas últimas faixas - de 16 a 20 e de 21 a 25 escravos
-
encontramos
2,9%
dos
proprietários
com
17
escravos e com a mesma porcentagem (2,9%) aparece o maior plantel: 23 escravos. Nossos daqueles
dados
apresentados
não
por
se
Zélia
diferenciaram Cardoso
de
muito MELLO,
referentes à região da cidade de São Paulo no período de 1845/87182, apesar da autora ter pesquisado maior quantidade de documentação e, pelas condições econômicas diferenciadas existentes
entre
as
duas
pesquisas.
Após
essas
considerações, verificamos que as semelhanças aparecem de modo considerável nas posses entre um e trinta escravos.
182
MELLO, Zélia Cardoso de. Metamorfoses da riqueza: São Paulo, 18451895. Contribuição ao estudo da pssagem da economia mercantilescravista à economia exportadora capitalista. São Paulo: Hicitec/Secretaria Municipal de Cultura, 1985.
104
Tabela 12 Distribuição da propriedade escrava (Proprietários e escravos possuídos, em porcentagem - São Paulo, 1872/80 e 1881/87) Número de 1872/80 1881/87 Escravos Proprietários % Proprietários % 1a5 73,33 73,32 6 a 10 11,67 11,42 11 a 20 6,6 6,66 21 a 30 3,34 3,33 31 a 40 1,67 41 e mais 1,67 3,33 Fonte: MELLO, Zélia Cardoso de. Metamorfoses da Riqueza: São Paulo, 1845-1895.
Ao pela
mesma
1881/87,
selecionarmos
autora,
(Tabela
com
12,
os
relação
aos
pág.
121)
à
dados anos
apresentados de
anos
1872/80
próximos
e ou
coincidentes com o segundo período do nosso estudo, temos: 1872/80
-
"73,33%
escravos,
11,67%
senhores
possuíam
dos
senhores
detinham mais
de
entre 30
detinham 6
a
escravos
10
entre
1
escravos.
(...).
No
e
5
Dois
último
subperíodo fixado [1881/87], (...) 83,32% dos proprietários detinham de 1 a 10 escravos", 6,66% mantinham de 11 a 20 cativos, 3,33% possuíam entre 21 e 30, e o restante 3,33% tinham um grande plantel acima de 41 escravos."183
183
MELLO, Z. C. de. op. cit., p.107, nota 28.
105
OS ESCRAVOS E OS PREÇOS
Durante
o
século
XIX,
vários
fatores
influenciaram as alterações dos preços do ítem escravos, dentre os quais citamos: em 1850 proibiu-se a importação de escravos africanos; Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871; aprovação pela Assembléia Provincial de São Paulo em 1881, o imposto de 2:000$ sobre novos escravos averbados na
província;
Lei
dos
Sexagenários
em
1885,
vindo,
a
seguir, em 1888, a abolição da escravatura. Segundo Mircea BUESCU o aumento dos preços dos escravos, antes de 1850, "foi efeito da procura. Numa sociedade escravocrata não se podia imaginar outra solução que
não
a
principal
da
mão-de-obra
"foi
do
lado
escrava".
da
oferta
-
Após e
1850,
deve
a
ter
causa sido
o
período mais crítico. (...) Depois do impasse criado pela abolição [do tráfico], os preços dos escravos não acusam mais altas substanciais."
O menor crescimento do
preço do
negro escravizado, na segunda metade do século XIX, teria algumas hipóteses: l) o preço do escravo deveria estar em harmonia
com
o
produto
que
dele
tira,
pois
uma
super
valorização inviabilizaria a utilização dessa mão-de-obra; 2)
"a
elevação
vegetativo substituição 184
da
da
taxa
população do
de
crescimento
escrava";
trabalhador
escravo
BUESCU, Mircea. História econômica do Brasil: Rio de Janeiro: APEC, 1970, p.247-49.
106
3)
demográfico "a
paulatina
pelo
livre".184
pesquisas e análises.
Provavelmente
a
explicação
está
na
interrelação
dessas
hipóteses. No nosso estudo, os preços dos escravos nos interessam se inseridos dentro de cada período estudado, possibilitando-nos perceber a participação relativa deste bem
no
total
alteração
dos
da
riqueza
preços
dos
dos bens,
proprietários. ocorrida
Sabendo
durante
todo
da o
século XIX frente a toda sorte de influências, os preços nominais não serão comparados em outros períodos, senão nos dois determinados por nós. No decorrer do primeiro período - 1822/30 houve uma valorização apreciável do item escravos (Tabela 13,
à
pág.
125).
O
preço
médio,
somados
os
escravos
masculinos e femininos, passava de 149$000 para 331$200, tendo um acréscimo de 122%. Considerando ainda os preços médios, a variação anual mínima foi de 2,2% ocorrida entre 1822 e 1825; entre 1825 e 1826 houve um decréscimo de 10%, quando os preços encontrados foram de 152$347 e 137$142, respectivamente. Entre os anos 1826/27 houve a maior das valorizações: 36,1%; em 1826, um escravo valia em média 137$142 e em 1827 passou a valer 186$666; a partir daí houve uma valorização praticamente estável em torno de 16% e 17%, mas, entre 1829 e 1830 ocorreu nova alta surgindo um Sobre o crescimento vegetativo da população escrava ver: LUNA, Francisco Vidal, CANO, Wilson. A reprodução natural de escravos em Minas Gerais (Século XIX) - uma hipótese. In: Economia escravista em Minas Gerais. Cadernos IFCH - UNICAMP, nº 10. Campinas, out., 1983.
107
crescimento
de
29,7%
nos
preços,
e
em
1830
foi
que
encontramos o maior valor do período, ou seja, 331$200.
Tabela 13 Valor médio dos escravos por ano (masculino + femininos) 1822/30 e 1875/85 1º Ano 1822 1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830
Fonte:
Período: 1822/30 Valor Médio 149$000 152$347 137$142 186$666 218$638 255$333 331$200
1º Período: 1875/85 Ano Valor Médio 1875 985$714 1876 625$000 1877 781$818 1878 966$474 1879 837$173 1880 1.471$428 1881 598$333 1882 1.010$400 1883 700$000 1884 322$000 1885 548$000 AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 02 a 04 - 1822/30 e cx. 27 a 32 - 1875/85.
Durante
o
segundo
período
-
1875/85
-
(Tabela 13) o preço dos escravos não sofreu uma valorização continuada. Na verdade, os preços oscilaram "para cima" e "para baixo" ano a ano. Ao
utilizarmos
a
média
unificada
-
considerando escravos masculinos e femininos, verificamos que este bem, no ano de 1875, valia 985$714, terminando 1885 com o preço de 548$000, havendo uma depreciação de 55,6%. Ressaltmos, nos entanto, que nos anos intermediários do período em questão, os preços atingiram o seu pico, pois
108
em
1880
um
escravo
chegou
a
ter
o
preço
médio
de
aproximadamente, um conto e quinhentos mil réis. Em função das variações bruscas encontradas nos
preços,
que
decorrer
do
período,
é
que
faremos
a
análise dos dados ano a ano. Ao compararmos os preços empregados nos dois primeiros
anos
do
segundo
período,
percebemos
uma
queda
igual a 63,5%, quando os valores passaram de 985$714 para 625$000. A partir daí, os preços reagiram até 1880 com as seguintes variações: entre 1876 e 1877: +25%; entre 1877 e 1878: +23,6%; entre 1878 e 1879: ocorreu uma queda de 13,4%.
Já
variação
entre
positiva
1879 foi
e
de
1880
os
75,7%.
preços
Em
1880
dispararam, o
preço
de
a um
escravo atingiu a cifra de 1:471$428. Lembramos que, no momento,
trabalhamos
com
preços
médios,
pois
em
valores
unitários, neste mesmo ano, um escravo do sexo masculino chegou a ser avaliado em 2:000$000 (vide adiante análise dos
preços
mínimos
e
máximos).
Seguindo
as
entre os anos de de 1880 e 1881, a tabela nos
mostra
uma
queda
vertiginosa
de
comparações,
13 à pág. 125
-59,4%
atribuídos aos cativos. Logo em seguida
-
nos
valores
1881/82
-
os
preços reagiram e apresentaram o resultado de +68,9%. O preço médio voltou a superar um conto de réis, atingindo exatamente
1:010$400.
Daí
em
diante
ele
não
atingiu
os
valores de 1880. Entre 1882 e 1883, houve nova queda nos preços, ficando os mesmos em torno de -30,8%. A tendência de
queda
persistiu
entre
1883/1884, 109
com
uma
porcentagem
ainda maior:
-46,0%. Em 1883 um escravo valia em média
700$000 e em 1884
322$000. Entre os dois últimos anos do
período em questão - 1884/85 - a tendência se inverteu, houvendo
um
crescimento
de
70%.
Sendo
a
abolição
da
escravatura uma questão de tempo, ninguém queria empregar o capital que seria confiscado, daí a queda nos preços. Os preços dos escravos encontrados na região de
Franca
pesquisa
não
diferiram
realizada
por
muito
daqueles
Mircea
identificados
BUESCU,
em
na
anúncios
classificados do Jornal do Commércio do Rio de Janeiro. Esse autor encontrou, em 1835, um preço médio de escravos em torno de 367$000, e em 1875 de 1:181$000.
110
OS PREÇOS DOS ESCRAVOS DISTINGUINDO OS SEXOS
Ao preços
médios
percebemos
analisarmos
do
item
diversas
as
variações
escravos,
anuais
distinguindo
modificações
em
dos
os
sexos,
à
média
relação
unificada. Com
relação
ao
preço
médio
do
elemento
masculino, no primeiro período do estudo (Tabela 14 à pág. 129), que no ano de 1822 era 173$888, passou para 360$769 em 1830, indicando a maior variação encontra, 107,4. As variações foram da seguinte ordem: entre 1822-25 houve uma retração de 3% no preço, conhecendo os valores passou de 173$888
para
168$615.
Entre
1825-26
aconteceu
retração, ficando a mesma em 23% e foi no ano de 1826 o
preço
médio
contrapartida, 1827-28,
atingiu
sua
comparando-se
encontramos
uma
menor os
marca:
preços
variação
que
130$000.
entre
crescente
nova
Em
1826-27 de
36,3%
e e
29,%, respectivamente; entre os anos de 1828-29 os preços voltaram a cair em torno de 20,6%, em 1829 o preço médio de um
escravo
chegava
a
182$000.
A
recuperação
se
deu
rapidamente, como é possível perceber pela comparação entre os anos de 1829-30, quando os preços reagiram em torno de 98,2%. No final do período, um escravo masculino valia em média 360$769.
111
Tabela 14 Valor médio dos escravos por ano Masculinos / Femininos 1822 - 1830 ANO 1822 1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830 Fonte:
VALOR MÉDIO Masculino Feminino 173$888 111$666 168$615 131$200 130$000 150$000 177$142 195$000 229$211 204$500 182$000 293$000 360$769 299$166 AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Cível, cx. 02 a 04 - 1882/30
No mesmo período os preços das escravas são distintos dos escravos. Para o componente feminino o preço médio aplicado, em 1822, era de 111$666, sofrendo uma alta de 168% até 1830, quando o mesmo passou para 299$166. As variações positivas nos preços anuais foram contínuas, como passamos a revelar: entre 1822-25: 17,5%; 1825-26: 14,3%; 1826-27: 30%; 1827/28: 5,0%; 1828-29: 43,2%; e, finalmente, entre 1829-30 houve uma variação de apenas 2,1%. O subperíodo com maior valorização foi o de 1822
l827, quando
os preços médios passaram de 111$666 para 195$000, com um crescimento de 74,6%. Durante todo o período em estudo, enquanto os preços médios dos escravos do sexo masculino oscilavam, escravas tiveram somente variações positivas. Se
compararmos
apenas
os
anos
de
1822
e
1827, notaremos que os preços dos escravos masculinos são 112
quase
equivalentes:
173$000
e
177$142,
respectivamente.
Nesses mesmos anos, os preços das escravas dispararam de 111$666 para 195$000, ocorrendo um crescimento de 74,6%. É 1827
e
1829
os
em
15%,
escravos anos,
os
importante
preços
notar
que
nos
anos
preços
das
escravas
10%
e
60%,
respectivamente.
dos
escravos
do
de
superaram
sexo
1826,
os
Em
dos
outros
masculino
foram
superiores, tendo começado o período (1822) valendo 35,7% mais
que
as
mulheres,
e
terminaram
(1830)
com
preços
superiores em 17%. Os preços dos escravos, tabulados em nossa pesquisa, são inferiores aos descritos por Roberto Borges MARTINS,
referentes
a
primeira
metade
do
século
XIX,
quando assinala que "fontes mineiras contemporâneas afirmam que, em 1810, não se podia comprar um escravo por menos de 240
a
280
mil-réis,
enquanto
uma
amostra
de
vendas
de
cativos no Rio de Janeiro, entre 1807 e 1812, fornece os preços médios de 145 mil-réis para os homens e de 123 milréis
para
as
mulheres.
A
'Saint
John
del
Rey
Mining
Company' se dirigia sistematicamente ao mercado do Rio de Janeiro pra suas maiores compras de escravos, na década de 1830 e no início da década de 1840. E tinha boas razões para fazê-lo: em 1835, a empresa comprou um lote de 42 cativos no Rio a 500 mil-réis cada, enquanto l7 outros comprados na vizinhança de Morro Velho custaram em média 574 mil-réis. Noventa escravos adquiridos no Rio em 1839 custaram 478 mil-réis em média, ao passo que o preço de 36 113
cativos comprados na própria região da mina custaram 600 mil-réis por cabeça em 1841."185 Apesar dos dados divulgados por MARTINS não coincidirem
com
os
registrados
em
nossa
pesquisa,
percebemos um aumento no preço dos cativos, no decorrer da primeira
metade
do
século
XIX,
tendência
também
identificada na década de 20, na região de Franca. A
tabela
15
à
página
132,
referente
ao
segundo período, nos mostra constantes variações no preço médio do elemento masculino. O preço dos escravos no início do período, no
ano
de
em 1875 era de 1:300$000, caindo para 750$000 1885.
O
valor
final
passou
a
ser
57,6%
do
inicial, tendo uma desvalorização de 42,4%.
185
MARTINS, Roberto Borges. Minas Gerais, século XIX: tráfico e apego à escravidão numa economia não-exportadora. Estudos Econômicos. v.13, n.1, p.181-209, jan./abr., 1983, p. 185
114
Tabela 15 Valor médio dos escravos por ano Masculino / femininos 1875 - 1885 ANO
VALOR MÉDIO Masculinos Femininos 1875 1:300$000 640$000 1876 650$000 600$000 1877 850$000 750$000 1878 1:216$752 541$000 1879 916$551 701$764 1880 1:760$000 750$000 1881 520$000 637$500 1882 1:337$500 708$461 1883 800$000 600$000 1884 410$000 190$000 1885 750$000 413$333 Fonte: AHMF - Processos de Inventário - 2º Ofício Cível, cx. 27 a 32 - 1875/85.
Ano a ano ocorreram variações positivas e negativas nos preços dos escravos, com oscilações as mais variadas,
como
apresentados.
pudemos
Se
constatar
compararmos
os
pelos
anos
de
dados 1875
e
já 1876
perceberemos uma queda considerável de 50%, nos preços do sexo
masculino
que
passaram
de
1:300$000
para
650$000.
Entre os anos de 1876 e 1878 houve uma ascendência nos preços, basta observarmos a comparação entre os anos de 1876
e
1877
para
visualizarmos
uma
reação
positiva
nos
preços da ordem de 26,1%, de 650$000 subiram para 820$000. Entre 1877 e 1878 ocorreu nova valorização da ordem de 48,3%, subindo de 820$000 para 1:216$752. A partir de 1878 até
1885
os
preços
sofreram
acréscimos
e
decréscimos
anuais. Ao compararmos os anos de 1878 e 1879 é visível a 115
queda de 24,6%. Em 1880, há registro do maior preço médio entre
os
escravos
masculinos:
1:760$000,
quando
no
ano
anterior seu preço era de 916$551. Esse valor tão alto nos revelou
um
acréscimo
de
91,9%,
e,
posteriormente,
não
tivemos alta tão significante até o final do período. Entre 1880 e 1881, o preço baixou para 520$000, ocorrendo a maior queda: 70,4%. Os preços voltaram a reagir no ano de 1882, quando os cativos declarados nos inventários tinham o valor de 1.337$500, valendo mais 157% que no ano anterior (1881). Entre 1882 e 1883 o bem escravo teve uma desvalorização de 40,2%, sendo que no último ano o preço foi de 800$000. No ano
de
cativo
1884
registramos
atingiu
nova
410$000,
queda,
sofrendo
quando
uma
o
preço
do
desvalorização
de
48,7%. Entre os últimos dois anos do período (1884/1885), os preços reagiram em 82,2%, passando o escravo masculino a valer, em média, 750$000. Ainda voltamos
nossa
componente 640$000,
com
base
atenção
feminino, caindo
para
em
para
na os
1875,
tabela preços tinha
413$333,
em
15
à
das como
1885,
pág.
132,
escravas. preço
ou
O
médio
seja,
uma
depreciação de 35,4%. Excetuando o ano de 1884 quando o preço "cima"
médio e
foi
para
190$000,
"baixo"
nos
foram
demais,
as
variações
para
menores,
se
comparados
aos
preços dos escravos do sexo masculino. O maior preço para uma
escrava
750$000.
De
foi 1875
encontrado para
1876
nos o
anos preço
de
1877
mostrou
e
1880:
uma
queda
mínima: 6,2%. Se compararmos 1876 e 1877, quando os preços 116
eram 600$000 e 750$000, respectivamente, verificamos uma variação positiva de 25,0%. A seguir, em 1878, veio uma queda de
-27,8%, passando uma escrava a valer em média
541$000. Entre 1878/79 a queda inverteu-se no sentido da valorização:
29,7%.
Comparando
1879/80
veremos
que
a
tendência de aumento persiste, pois de 701$764 o preço da escrava foi para 750$000, ou seja, +6,9%. No ano de 1881 o preço do elemento feminino regride para 637$500, uma queda de -15,0% em relação ao ano anterior e observando os anos de 1881 e 1882, verificamos que houve um crescimento de 11,1%; neste último ano o valor atribuído a uma escrava passou para 708$461, em média. De 1883 para 1884 a queda foi
vertiginosa,
pois
entre
1882
e
1883
tivemos
uma
desvalorização da ordem de 15,3%. Neste último ano, uma escrava valia 600$000 passando para 190$000 em 1884, ou seja -68,3% em relação ano anterior. Entre os últimos dois anos pesquisados, 1884/85,
o mercado sofreu uma reação da
ordem de +117,8%, isto é, os preços que eram de 190$000 subiram para 413$333, mas mesmo assim ficou inferior ao atribuído no início do período. Apenas no ano de 1881 o preço do elemento feminino superou o masculino; época em que o primeiro valia 520$000 e o segundo 637$500. Nos demais anos os preços dos escravos
do
sexo
masculino
foram
consideravelmente
superiores aos das escravas. A desvalorização
dos
coincidência preços,
não 117
entre nas
valorização
mesmas
e
porcentagens,
ocorreu nos anos de 1876, 1877, 1880, 1882, 1883, 1884 e 1885. A análise das variações anuais de preços dos escravos
para
nós
necessariamente,
o
valiosa,
montante
modificações
decorrentes
flutuações
do
envelhecimento
de
das
da
plantéis,
indica
fortunas
várias
mercado dos
pois
passava
razões,
entre
mão-de-obra doenças
que,
que
por elas:
escrava,
atingiam
os
cativos depreciando-os, ou ainda a inserção de crianças e adolescentes no processo produtivo. Ao pesquisados referente diferenças
com
a
compararmos aqueles
cidade no
que
do
os
preços
apresentados Rio
de
tange
às
dos
por
Janeiro,
inventários
Mircea
BUESCU186
respeitadas
atividades
as
econômicas,
percebemos que o preço dos escravos masculinos são quase equivalentes: Preço médio do escravo - masculino (1875): Nordeste paulista:
1:300$000
Rio de Janeiro:
1:256$000
Já
a
escrava
na
Capital
do
Império
tinha
preço consideravelmente superior à região em estudo: Preço médio do escravo - feminino (1875): Nordeste paulista: Rio de Janeiro:
186
640$000 1:181$000
BUESCU, Mircea. História econômica do Brasil: pesquisas e análises. APEC: Rio de Janeiro, 1970.
118
Não
havia
muito
distanciamento
entre
os
preços médios da região de Franca (principalmente àquele relativo ao ano de 1877: 820 mil-réis) com os apresentados por
MARTINS,
referentes
ao
"preço
médio
dos
escravos
libertados pelo Fundo Imperial de emancipação" entre 18751880, para as seguintes Províncias: São Paulo - 954 milréis, Rio de Janeiro - 887 mil-réis, Minas Gerais - 976 mil-réis, e para a região Sul - 784 mil-réis.187 Ainda com intuito de compararmos os preços dos escravos do Nordeste paulista com os de Minas Gerais, apresentamos
outro
relevante
comentário
de
MARTINS:
"em
dezembro de 1880, a Assemblélia Provincial de Minas Gerais, temendo
que
a
excessiva
concentração
dos
escravos
no
Centro-Sul pudesse alienar o apoio do resto do Império à instituição servil, aprovou lei impondo severas restrições à importação de cativos. Cada escravos trazido de outra província para Minas foi taxado em dois contos de réis (mais do que o preço de mercado de um jovem escravo adulto do sexo masculino) enquanto o imposto sobre a venda
de
escravos e a licença para esse comércio foram aumentados."188
187 188
MARTINS, Roberto Borges. op. cit. p.203, nota 32. Idem, p. 205
119
A IDADE DOS ESCRAVOS
Os escravos foram divididos em três grandes grupos segundo a idade: 0-15, 16-40 e mais de 40 anos. As idades atribuídas ao agrupamento ora realizado eqüivalem ao período
de
vida
do
cativo
em
que
lhe
foram
atribuídos
valores mais ou menos homogêneos pelos avaliadores. Foram considerados também os fatores de risco do investimento e a produtividade esperada pelos proprietários no trabalho dos cativos;
"crianças
apresentando
maior
risco
e
os
velhos
menor expectativa de rendimento valiam menos relativamente aos
escravos
em
idade
ativa,
prontos
para
trabalhar",
geralmente aqueles do grupo de 16 a 40 anos. Com relação ao primeiro grupo - 0-15 anos - há que se ponderar que "os custos
de
manutenção
e
alimentação
incorridos
até
que
pudessem começar a produzir deveriam ser considerados; é bem possível que não fossem objeto de comércio, subordinada sua presença ao nascimento ou à compra de escravas com seus filhos"189 A princípio, a análise engloba tanto cativos masculinos quanto femininos, para, em seguida, confrontar o peso proporcional entre os dois sexos. A tabela 16 à pág. 138 nos mostra que 25,7% do total dos escravos do primeiro período possuíam entre 015 anos, indicando um alto índice de natalidade, sendo que, 189
MELLO, Zélia Cardoso de. op. cit., p.16, nota 27.
120
deste grupo, 19,3% deste grupo encontravam-se na faixa de 0-10 anos. O grupo intermediário, 16-40 anos, contava com 47,9% do total de cativos, sendo sem dúvida o grupo com maior
quantidade
de
indivíduos.
Dentro
deste
grupo,
a
maioria (38,9%) encontrava-se na faixa de 16-30 anos de idade.
Aqueles
incluídos
no
subgrupo
31-40
anos
somavam
apenas 9,0%.
O restante, incluído no grupo de "mais de 40 anos", era apenas 14,7% do total. Destes, 11,9% estavam no subgrupo 41-60 anos. Acima dos 60 anos havia uma pequena minoria, ou seja, 3,1%. É necessário esclarecermos que nos inventários não foi declarada a idade de 11,7% dos cativos. Tabela nº 16 Distribuição dos escravos segundo a faixa etária (masculinos + femininos) Faixas Etárias 1822/1830 1875/1885 0 - 15 25,7% 16,7% 16 - 40 47,9% 50,8% 41 e + 14,7% 19,7% Não declarado 11,7% 12,5% TOTAL 100,0% 100,0% Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 02 a 04 1822/30 e cx. 27 a 32 - 1875/85.
A população de escravos com idade de até 15 anos, na região em análise, era inferior àquela encontrada por Horário GUITIÉRREZ na área onde atualmente se situa o atual estado do Paraná. No período compreendido entre 1800121
1830, a população de cativos dentro desta faixa etária, inserida
numa
"economia
seguintes
porcentagens
não-exportadora",
em
relação
aos
atingiu
demais
as
escravos:
1810: 39,8%; 1824: 39,6%; 1836: 37,0%.190
Nosso dados referentes à idade dos escravos de 0-15 aproximam-se daqueles mostrados por LUNA e COSTA, em algumas localidades de São Paulo, do início do século XIX
(1804),
época
"em
que
havia
um
contingente
relativamente alto de senhores de engenho", as porcentagens para essa faixa etária eram as seguintes: Campinas: 28,0%; Guaratinguetá: estudadas
29,9%;
pelos
Itú:
mesmos
21,5%.
Em
outras
autores,
com
localidades as
mesmas
características econômicas, as porcentagens do contingente 0-15
eram
mostramos,
superiores a
seguir
aos -
da
região
Iguape:
de
41,9%,
Franca,
Jacareí:
como 39,8%;
Lorena: 35,0%; Mogi das Cruzes: 33,7%; São Sebastião: 32,5% e Sorocaba: 33,5%.191 Em relação ao segundo período a tabela 16 à pág. 138 nos mostra que 16,7% do total de escravos tinham entre
0-15
anos,
sendo
que
10,7%,
quase
a
maioria,
encontravam-se na faixa entre 0-10 anos.
190
GUTIERREZ, Horácio. Demografia escrava numa economia não-exportadora: Paraná, 1800-1830. Estudos Econômicos. São Paulo, v.17, n.2, p.297-3l4, mai./ago., 1990.
191
LUNA, Francisco Vidal, COSTA, Iraci del Nero da. Posse de escravos em São Paulo no início do século XIX. op. cit., nota 18.
122
Na estavam
50,8%
faixa
dos
intermediária
escravos,
com
a
-
16-40
seguinte
anos
-
subdivisão:
37,1% tinham entre 16 e 30 anos de idade e o restante, 13,7%, entre 31 e 40 anos. Na última faixa, + de 40 anos, enquadravamse 19,7% do total dos escravos. Destes, 15,5% tinham entre 41 e 60 anos. Acima dos 60 anos encontramos apenas 4,2% deles. Nos inventários desse período não foram declaradas as idades de 12,5% dos escravos. Comparando-se os dois períodos notamos que houve da
diminuição do contingente infantil
população
mais
porcentagem
da
encontravam-se
idosa, faixa
os
e
mantendo-se
quase
intermediária,
indivíduos
em
crescimento estável
aquela
idade
de
a
onde maior
produtividade. Ao
somarmos
os
escravos
registrados
nos
inventários (Tabela nº 17 à pág. 141) obtivemos um total de 155
escravos
(56,7%)
e
67
no
primeiro
femininos
período,
(43,3%).
No
sendo
88
segundo
masculinos período,
o
montante de escravos descritos nos documentos não foi tão superior: 167, sendo 92 masculinos (55,0%) e 75 femininos (45,0%). Há que se notar que em ambos os períodos havia uma supremacia masculina. Não houve na região, no decorrer do século
XIX,
segundo
nossos
levantamentos,
uma
variação
expressiva nos pesos dos dois segmentos, houve sim quase que uma coincidência nas porcentagens destinadas a ambos os sexos. 123
Tabela nº 17 Distribuição dos escravos segundo os sexos Sexos
1822/30 1822/30 Quant. % Quant. % MASC. 88 56,7% 92 55,0% FEM. 67 43,3% 75 45,0% 155 100,0% 167 100,0% Totais Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 02 a 04 - 1822/30 e cx. 27 a 32 - 1875/85.
Ao inventários
somarmos
(Tabela
nº
os
17)
escravos
obtivemos
registrados um
total
de
nos 155
escravos no primeiro período, sendo 88 masculinos (56,7%) e 67 femininos (43,3%). No segundo período, o montante de escravos
descritos
nos
documentos
não
foi
tão
superior:
167, sendo 92 masculinos (55,0%) e 75 femininos (45,0%). Há que se notar que em ambos os períodos havia uma supremacia masculina. Não houve na região, no decorrer do século XIX, segundo nossos levantamentos, uma variação expressiva nos pesos
dos
dois
segmentos,
houve
sim
quase
que
uma
coincidência nas porcentagens destinadas a ambos os sexos.
124
Tabela nº 18 Distribuição dos Escravos segundo as faixas etárias e os sexos (em porcentagem) Faixas Etárias 0 - 15 16 - 40 41 e + Não Declarado
1822 / Masc. 23,8 45,5 17,0 13,7
1830 Fem. 28,3 50,7 12,0 9,0
1875 / Masc. 21,2 45,7 19,5 13,0
1885 Fem. 10,7 57,3 20,0 12,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 02 a 04 - 1822/30 e cx. 27 a 32 - 1875/85.
Conforme a tabela nº 18, no período 1822/30, 23,8% dos escravos masculinos encontravam-se no primeiro grupo de 0-15 anos; destes, 18,3% tinham entre 0-10 anos. No segundo grupo de 16-40 anos, encontravam-se a maioria dos
cativos:
45,5%.
Dentro
deste
mesmo
grupo,
36,3%
pertenciam à faixa de 16-30 anos. Os outros 9,1% restantes estavam incluídos com aqueles que tinham entre 31-40 anos. O último grupo de 41 anos em diante era composto de 17% do total de cativos. Ao dividirmos este último segmento em subgrupos, notamos que 12,5% tinham entre 41-60 anos e os demais, 4,5%, inventários
acima de 60 anos de idade. Não consta nos
estudados
a
idade
de
13,7%
do
contingente
masculino. No segmento feminino, o grupo de 0-15 anos englobava
28,3%
encontravam-se
na
das
escravas.
idade
entre
Deste 0-10
grupo,
anos.
No
19,3% grupo
intermediário, 16-40 anos, estavam 50,7%, ou seja, mais da metade de todo o segmento feminino. Neste grupo percebemos 125
que a faixa de idade correspondente a 16-30 anos absorvia 41,7%, enquanto que o restante, 31-40 anos, somava somente 9,1%. O contingente feminino, incluído no grupo de "mais de 4l anos" contribuía com 12% do total. Os dados confirmaram que
o
subgrupo
41-60
anos
era
constituído
por
10,5%,
ficando somente 1,5% para os de idade mais avançada. Não há declaração de idade de 8,9% das escravas na documentação consultada. Quanto ao segundo período, no que se refere ao segmento masculino, considerando os grandes grupos de idades, os dados foram quase que coincidentes com os do primeiro período. As diferenças ocorreram somente quando analisamos as porcentagens distintas dentro de cada grupo. No
grupo
0-15
retirando
daí
anos
encaixavam-se
aqueles
que
21,2%
possuíam
dos
entre
escravos 0-10
e
anos,
obtivemos 13,1%, sobrando apenas 8,7% para a faixa entre 11-15 anos. No segundo grupo, 16-40 anos, encontrava-se a maioria dos cativos masculinos: 45,7%, faixa praticamente idêntica aos números encontrados no no primeiro período. A maioria deste grupo, 30,4%, ficava entre 16-30 anos. Os outros 15,2% estavam incluídos na faixa de 31-40 anos. O último grupo de mais de 40 anos, continha 19,5% do total de escravos.
Ao
observarmos
os
subgrupos
deste
último
segmento, notamos que 15,3% tinham entre 41 e 60 anos e os demais 4,2% eram a parte idosa dos plantéis com idade acima de 61 anos. Não consta nos inventários a idade de 13,0% do contingente masculino. 126
Entre as escravas, a parte mais jovem, 0-15 anos, somava 10,7% do total. Deste grupo, 8,0% estavam na faixa de idade entre 0-10 anos. O grupo intermediário, 1640
anos,
englobava
57,3%
delas,
a
maioria
do
segmento
feminino. A faixa etária 16-30 anos somava 38,3%, enquanto o
restante,
31-40
anos,
contava
exatamente
com
12,0%
delas. No último grupo, de mais de 40 anos, ficavam 20,0% das escravas e o subgrupo 41-60 anos atingia 16,0%; aquelas com
mais
de
61
anos
somavam
4,0%.
Na
documentação
consultada não constava a idade de 12,0% das escravas.
A IDADE E OS PREÇOS DOS ESCRAVOS
Os variações
que
preços
entre
as
dos
escravos
diferentes
sofriam
faixas
muitas
etárias,
quer
dentro do mesmo grupo etário, como já vimos. Procurando entender tais variações, conheceremos os preços mínimos e máximos, e também os preços médios adotados, distinguindose os sexos. Os inventários, na grande maioria dos casos, não indicam as razões de avaliações com preços muito baixos ou
muito
altos
em
relação
à
média.
Quando
há
alguma
indicação, esta é no sentido de justificar os preços baixos fazendo referências às más condições físicas dos escravos: "doente da bexiga, doente da barriga, doente de uma perna, 127
doente de ar, quebrado de uma virilha, atacado do estômago, cego, mudo ou tolo". Mas nem sempre os escravos portadores de alguma enfermidade atingiam os menores preços, como é o caso da escrava Rosa, de 35 anos, "cega e com moléstia", avaliada por 60$000 no inventário de Maria Barbosa de Jesus iniciado
em
1826.
Na
mesma
faixa
etária
encontramos
escravas talvez com preços inferiores - 40$000, não havendo qualquer
descrição ou comentário a respeito de seu estado
de saúde.
128
Tabela 19 Distribuição dos escravos segundo as faixas etárias e os preços mínimos e máximos (masculinos e femininos) 1822 - 1830 Faixa Etária
MASC. FEM. Preço Preço Preço Preço Mínimo Máximo Mínimo Máximo 0 - 15 60$000 350$000 50$000 520$000 16 - 40 40$000 550$000 30$000 550$000 41 e + 45$000 200$000 22$000 180$000 Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 02 a 04 - 1822/30.
De acordo com a Tabela 19, o menor preço encontrado entre o grupo de escravos do sexo masculino, durante o período de 1822/30, foi de 40$000 na faixa que compreendia 16-40 anos. Com relação aos cativos com mais de 40 anos o menor preço declarado foi de 45$000. Na primeira faixa,
0-15,
avaliado
por
o
escravo
60$000.
Os
com
preço
preços
mais
depreciado
máximos
ficaram
foi
entre
200$000 para aqueles com idade mais avançada, "+ de 40 anos", e 550$000 para os pertencentes à faixa dos 16 aos 40 anos. O preço máximo foi de 350$000 identificado no grupo dos mais jovens - 0-15 anos, do sexo masculino. No
contingente
feminino
deparamos
com
o
preço mínimo de 22$000 na faixa etária "+ de 40 anos"; preço
inferior
ao
encontrado
entre
os
homens
na
mesma
faixa. O preço de 30$000 ficou na faixa intermediária, 1640 anos. Entre os mais jovens constatamos o preço mínimo de 129
60$000. Os preços
máximos
encontrados nas três faixas
etárias foram os seguintes: 0-10 anos: 520$000, 16-40 anos: 550$000 e, na última + de 40 anos: 180$000. Tabela 20 Distribuição dos escravos segundo as faixas etárias e os preços mínimos e máximos 1875 - 1885 Faixa Etária
MASC. FEM. Preço Preço Preço Mínimo Máximo Mínimo 0 - 15 50$000 1:800$000 300$000 16 - 40 300$000 2:000$000 380$000 41 e + 30$000 1:600$000 30$000 Fonte: AHMF - Processos de Inventário, Civel, cx. 02 a 04 - 1822/30.
Preço Máximo 1:000$000 1:100$000 900$000 2º Ofício
No segundo período (Tabela 20) identificamos o escravo José, que na época de sua avaliação tinha apenas cinco dias de vida recebendo o valor de 50$000; o menor preço inserido na faixa 0-15 anos. Na faixa seguinte,
16-
40 anos, anotamos várias avaliações no valor de 300$000 para o contingente masculino, sendo esta a avaliação mínima para este grupo. Nos outros, "+ de 41 anos", encontramos o preço mínimo de 30$000, porém tal quantia era praticada para os cativos mais idosos, com o caso do escravo José, de origem
africana,
casado,
que
em
1880
tinha
71
anos
aproximadamente. Os escravos avaliados pelas maiores quantias chegavam a valer 2:000$000, estando estes entre 16 e 40 anos de idade. O maior valor
encontrado na faixa dos 0-10
foi o de 1:800$000, para o sexo masculino. 130
Entre as escravas, os preços mínimos eram superiores aos dos escravos nas duas primeiras faixas e identico na última.
O menor
valor de uma escrava na faixa
0-10
300$000.
O
anos
situado
era
entre
de 16
a
40
anos
elemento
recebia
feminino
um
preço
adulto
mínimo
de
380$000. A maior desvalorização se aplicava às idosas em até 30$000. Em contrapartida, na última faixa, + de 41 anos, encontramos preços máximos que chegavam a 900$000. O maior preço encontrado ficou na faixa intermediária de 1640
anos:
1:100$000.
Na
primeira
faixa
a
escrava
melhor
avaliada atingiu a quantia de 1:000$000. Em confronto com os preços acima, a tabela 21 à pág. 149 nos apresenta os preços médios em relação às idades
dos
cativos,
distinguindo-se
períodos.
131
os
sexos,
nos
dois
Tabela 21 Distribuição dos escravos segundo as faixas etárias e os preços médios Ano 1822 - 1830 Faixa Masculinos Femininos Etária 0-10 149$210 210$526 16-40 280$128 250$857 41 e+ 119$461 80$200 Fonte: AHMF - Processos de Civel,cx. 02 a 04 - 1875/85.
1875 Masculinos
1885 Femininos
931$578 738$888 1:258$251 764$000 4494375 307$142 Inventário, 2º Ofício 1822/30 e cx. 27 a 32
No primeiro período, os escravos masculinos na idade de 0-15 valiam em média 149$210, 30% menos que o preço do elemento feminino, que era de 210$526. Na faixa etária
intermediária
a
relação
de
valores
se
invertia.
Entre 16-40 anos um escravo valia 280$128, enquanto o preço da escrava era menor, 250$857. Comparando esses dados, os homens
eram
Acima
dos
mais 41
valorizados
anos,
os
que
preços
as
mulheres
entravam
em
em
10,4%.
declínio,
principalmente entre as escravas. Os homens tinham o preço de médio 32,8% maior que das mulheres; pois eles valiam 119$461 e elas 80$200. No faixas
etárias
os
segundo
preços
dos
período, escravos
em do
nenhuma sexo
das
feminino
superaram os do masculino. Foram superiores na faixa 0-10 anos
em
20,6%,
quando
um
escravo
valia
931$578
contra
738$888 do valor de uma escrava; na faixa 16-40 anos, o índice foi de 39,1% valendo um escravo 1:258$251 e uma 132
escrava 764$000; e na faixa + de 40 anos a porcentagem chegou a 31,6%, pois os cativos masculinos tinham valores médios de 449$375 e os femininos de 307$142. A exemplo do primeiro
período,
os
preços
despencaram
entre
os
mais
velhos.
OS ESCRAVOS E O TAMANHO DOS PLANTÉIS
Quanto
à
distribuição
dos
escravos
pelas
faixas etárias relacionando-as com as faixas de tamanho dos plantéis, no primeiro período - 1822/30, a tabela 22 à pág. 152
nos
escravos;
evidencia com
6
a
o 10
seguinte: e
acima
em de
plantéis 10,
não
com
1
havia
a
5
grande
variação de porcentagem entre os mesmos na faixa etária 015 anos, correspondendo a: 33,3% (1 a 5); 30,4% (6 a 10) e 29,0% (acima de 10 escravos). Porém, em números absolutos, ainda na faixa etária 0-15 anos, detectamos grandes variações, a saber:
o
grupo de plantéis constituídos de 1 a 5 escravos tinha um total de 15 cativos. A maior quantidade deles (21 unidades) pertencia
ao
grupo
de
plantéis
constituídos
de
6
a
10
escravos. A menor quantidade de crianças, em número de 4, estava nos maiores plantéis, os que possuíam acima de 10 escravos. Tal tendência se explica pelo fato de a grande maioria dos plantéis (93,4%) ser constituída de 1 a 10 escravos, destes, 73,4% tinham entre 1 e 5 cativos e o 133
restante, 20,0%, tinha de 6 a 10. Somente 6,6% dos plantéis mantinham uma variação de 11 a 20 escravos, tendência que também
vai
interferir
nas
análises
seguintes.
(com
referência a quantidade de escravos por proprietário vide tabela 11, à pág. 114) Nos porcentagem etária
maior
plantéis de
com
cativos
1
a
estava
5
escravos
inserida
na
a
faixa
16-40 anos, onde eram considerados mais produtivos:
62,2% ou 28 unidades. Os outros grupos com 6 a 10 e acima de
10
escravos
tinham
as
seguintes
porcentagens
de
indivíduos em cada faixa etária: 50,7% ou 35 unidades e 54,3% ou 12 unidades, respectivamente. Nos
menores
plantéis,
com
1
a
5
cativos,
encontramos uma pequena porcentagem de indivíduos, todos com idade acima de 40 anos: 4,5% ou apenas 2 escravos, destoando
dos
outros
dois
grupos
que
tinham
l8,9%
(13
unidades) e 16,7% (8 unidades) de escravos dentro desta mesma faixa etária.
134
Tabela nº 22 Distribuição dos escravos segundo faixas etárias e faixas de tamanho dos plantéis 1822/30 Faixas Etárias dos Escravos Tama-
0 - 15 anos
nho
16 - 40 anos
+ de 40 anos
TOTAIS
dos plantéi s Nº de escravos
M
F
T
%
M
F
T
%
M
F
T
%
Nº
%
8
7
15
33,3
13
15
28
62,2
1
1
2
4,5
45
100,0
11
10
21
30,4
20
25
35
50,7
7
6
13
18,9
69
100,0
1
3
4
29,0
7
5
12
54,3
5
3
8
16,7
24
100,0
1 a 5 escravos 6 a 10 escravos +
de
10 escravos
Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 02 a 04 - 1822/30.
135
O pág.
154),
segundo
não
período
demonstrou
-
1875/85
grande
(tabela
variação
23
quanto
à à
quantidades de escravos dentro de cada grupo de plantéis. O primeiro grupo, com 1 a 5 escravos,
tinha ao todo 45
cativos; no segundo com 6 a 10 escravos, totalizavam 52, e no último grupo, com mais de 10 escravos, havia 46 cativos. Isso
indica
que
as
números absolutos,
porcentagens
são
mais
próximas
dos
e não destoam tanto quanto no primeiro
período. No
segundo
período,
a
medida
em
que
aumentava a quantidade de escravos por plantel aumentava também o número de indivíduos com idade entre 0-15 anos. O grupo de plantéis com maior número de indivíduos na faixa de
entre
0-15
anos
era
constituído
escravos", cuja porcentagem
com
"mais
de
10
foi de 28,3% (13 cativos). O
grupo de plantéis constituídos com 6 a 10 cativos tinha 17,3% de indivíduos (9 cativos) na citada faixa etária. O grupo com menor número de escravos na fiaxa etária de 0-15 anos era justamente o grupo formado de pequenos plantéis, com 1 a 5 escravos: 12,5% (6 cativos). Ao etária
16-40
anos
analisarmos a
as
tendência
porcentagens
da
faixa
inverteu.
Havia
mais
se
escravos dentro desta faixa de idade, com dando
uma
porcentagem
números estão
de
64,6%
ou
3l
1 e 5 cativos, unidades.
Esses
muito próximos dos plantéis constituídos com
6 a 10 escravos: 63,5% ou 33 unidades. Localizamos a menor 136
porcentagem (45,7% ou 21 individuos) nos plantéis formados por mais de 10 escravos. Nossos dados apresentam um equilíbrio, pelos menos numérico, entre os grupos de plantéis com escravos com mais de 40 anos. O primeiro grupo de plantéis com 1 a 5 escravos tinha 22,9% ou 11 cativos na citada faixa etária; o segundo grupo com 6 a 10 escravos, tinha 19,2% ou 10 indivíduos e o terceiro grupo de plantéis, com mais de 10 escravos,
tinha
um
conjunto
de
26,0%.
137
12
indivíduos,
ou
seja,
Tabela nº 23 Distribuição dos escravos segundo faixas etárias e faixas de tamanho dos plantéis 1875/85
Faixas Etárias dos Escravos Tama-
0 - 15 anos
nho
16 - 40 anos
+ de 40 anos
TOTAIS
dos plantéi s Nº de escravos
M
F
T
%
M
F
T
%
M
F
T
%
Nº
%
3
3
6
12,5
15
16
31
64,6
7
4
11
22.9
45
100,0
8
1
9
17,3
19
14
33
63,5
4
6
10
19.2
52
100,0
9
4
13
28,3
8
13
21
45,7
7
5
12
26,0
46
100,0
1 a 5 escravos 6 a 10 escravos +
de
10 escravos
Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 27 a 32 - 1875/85.
138
O ESTADO CIVIL DOS ESCRAVOS
Os
inventários
referentes
ao
primeiro
período pesquisado revelaram poucos dados sobre o estado civil
dos
escravos sobre
cativos.
Omitem
o
estado
civil
de
92,9%
dos
(masculinos e femininos) e há referência somente
7,1%
deles,
sendo
que
apenas
2,6%
descritos
como
casados e 4,5% solteiros. Ao
separarmos
os
escravos
por
sexo,
observamos que 93,2% dos masculinos aparecem sem referência quanto
ao
estado
consta
somente
civil.
que
Do
total
somente
2,3%
de
cativos
eram
masculinos
casados
e
4,5%
solteiros. Entre elementos femininos, os dados também são escassos, sobre
a
ou
seja,
92,5%
formalização
das
não
possuem
uniões
somente 3,0% eram casadas e 4,5%
qualquer
conjugais.
refência
Consta
que
solteiras, não havendo
qualquer referência sobre a viuvez. Em segundo
período
compensação, nos
trazem
os uma
dados idéia
inerentes aproximada
famílias escravas constituídas formalmente.
ao das
Do total de
cativos (masculinos e femininos), 15,6% foram declarados casados; mais da metade (55,0%) solteiros; e 3,6% viúvos. O restante (25,8%) não apresentava qualquer indicação sobre o estado civil. Ao
considerarmos
em
separado
os
escravos
masculinos, os dados evidenciam que 16% deles eram casados, 60,0% descritos como solteiros e apenas 1,0% viúvos. Não há 139
nenhuma descrição sobre o estado civil de 23% do segmento masculino. No que se refere às escravas, encontramos que
11,7%
delas
eram
casadas,
49,3%
solteiras
e
6,7%
viúvas. Não há qualquer referência sobre 29,3% das cativas, no que tange ao estado civil. No segundo período, onde os dados são mais esclarecedores não há grande disparidade entre o número de casamentos de escravos em relação às escravas; apesar de haver mais homens casados. O número de solteiros do sexo masculino também supera o feminino. A viuvez atingiu mais as mulheres. Contudo,
deveria
ser
prática
comum
entre
eles a manutenção de uniões conjugais informais192, e comum também encontrar escravas solteiras com filhos,
visto que
a porcentagem de cativos em idade tenra era alta, conforme já mencionado anteriormente. A OCUPAÇÃO DOS ESCRAVOS
Não havia muita preocupação dos escrivães em identificar Supomos,
as
frente
profissões às
ou
atividades
192
ocupação econômicas
dos
escravos.
encontradas
na
As Constituições do Arcebispado da Bahia, datada de 1707, determinavam o casamento dos escravos, responsabilizando seus senhores pelo amancebamento, proibindo a separação dos casados. As referidas Constituições eram válidas para todo o Brasil. As observações nem sempre eram seguidas, às vezes com conivência dos vigários. In: TERRA, J. E. M. Biblia, Igreja e escravidão. São Paulo: Loyola, 1983, p.70.
140
região, que a grande maioria deles dedicava-se às lidas da criação de animais; no trato com as roças ou dedicados aos serviços
domésticos.
Havendo,
provavelmente,
poucas
oportunidades, além das especificadas. No primeiro período, encontramos um escravo que pertencia a Antônio Vieira Velho, de nome Olivério, de 21
anos
alfaite",
de
idade,
que
valia
mulato,
descrito
380$000,
um
preço
como
"oficial
bastante
de
alto
em
relação a outros escravos de idade equivalente.193 Outro Joaquim,
sem
650$000,
que
exemplo
idade era
é
o
do
declarada,
escravo
crioulo,
"carpinteiro".
A
de
nome
avaliado
descrição
consta
em do
inventário de Feliciano Carlos de Souza, iniciado em 1830.194 O preço desse escravo era o dobro da média encontrada para outros, no mesmo ano. A
super-valorização
dos
escravos
descritos
vinha, consequentemente, das suas qualificações.
No encontradas mínimas,
sobre
cerca
de
segundo as
período,
profissões
89,2%
dos
dos
as
descrições
escravos
inventários
também
nada
dizem
são a
respeito. Dentre os 65 inventários pesquisados, relativos ao
193 194
segundo
período,
encontramos
entre
os
escravos
AHMF - Inventário de Rosa Maria de Viterbo, Proc. 20, cx. 02, 1822. AHMF - Inventário de Feliciano Carlos de Souza, Proc. 63, cx. 04, 1830.
141
masculinos
02
identificados
como
"carreiros"
e
07
"roceiros". A
identificação
da
profissão
não
tinha,
neste período - 1875/85, uma ligação direta com o preço, como parece ter ocorrido entre os anos 1822/30. As grandes variações
de
preços
idênticas
ou
com
entre
os
profissões
escravos
com
diferentes
profissões
confirmam
isso.
Vejamos as descrições que se seguem: entre os dois escravos descritos idade:
como
"carreiros"
Manoel,
inventariado enquanto
que
43
José
quase
anos,
casado,
Bernardes
Antônio,
de
não
43
havia que
Pinto, anos,
diferença pertenceu
de ao
valia
1:000$000195,
também
casado,
de
propriedade de Antônio Ferreira Coelho, valia 1:600$000, ou seja, 60% a mais.196 Valores detectados
para
menos estava
os
aproximados
"roceiros".
e/ou
Entre
inferiores
aqueles
que
foram valiam
Benedito, de 46 anos, com preço de 500$000 e
João, de 45 anos, avaliado em 400$000, ambos "roceiros", casados,
de
origem
africana
e
pertencentes
ao
mesmo
proprietário.197 Entre os mais valorizados estavam Cypriano, de 18 anos, solteiro, nascido em Franca198, e Pedro, 31 anos,
195 196
197
198
AHMF - Inventário de José Bernardes Pinto, Proc. 456, cx. 27, 1875. AHMF - Inventário de Antônio Ferreira Coelho, Proc. 478, cx. 28, 1878. AHMF - Inventário de José Bernardes Pinto, Proc. 456, cx. 27 - 1875. Idem.
142
solteiro, originário da Bahia199, vendo entre 1:500$000 e 1:600$000, aproximadamente. As
anotações
pesquisadas
com
relação
às
profissões das escravas, foram as seguintes: 05 fiadeiras, 01 tecedeira, 01 cozinheira e 02 lavadeiras. Nestes casos os
preços
também
variavam
idênticas. Vejamos: a
mesmo
entre
as
de
profissões
escrava Celestina, fiadeira, de 40
anos, casada, valia 800$000 e sua companheira de profissão, de nome Rita, 48 anos, valia apenas 400$000, a metade do preço;
a
escrava
identificada
como
"tecedeira"
era
Severina, de 29 anos, casada, avaliada em 800$000; Maria, cozinheira, de 25 anos, casada, recebeu como avaliação a quantia de 800$000; e a lavadeira Mariana, jovem de 17 anos, porém viúva, valia bem menos, 400$000.200
199
200
AHMF - Inventário de Antônio Ferreira Coelho, Proc. 478, cx. 28, 1878. AHMF - Inventário de José Bernardes Pinto, Proc. 456, cx. 27,1875.
143
3.2. OS SEMOVENTES
No primeiro período - 1822/30, os animais semoventes
-
proprietários
participavam francanos
Constituindo-se,
sem
com
(ver
dúvida,
17,1% Gráfico
em
um
da
riqueza
nº
fator
2, de
dos
p.99). peso
na
somatória dos bens. Além disso, a pecuária teria sido a principal
peça
na
engrenagem
da
economia
da
região,
principalmente na primeira metade do século XIX, fazendo movimentar
ao
seu
redor
outras
atividades
geradoras
de
riquezas. Ao observarmos os dados relativos ao item animais na Tabela nº 24 e gráfico 4, a seguir, referentes ao primeiro período - 1822-30, percebemos que 77,5% de todo o
rebanho
era
composto
de
bovinos,
assim
distribuídos:
vacas - 28,5%; novilhas, bezerros e garrotes - 33,5%; bois reprodutores (touros) 2,2%, e o restante
(12,5%) de bois
de carro. Os animais cavalares [cavalos, éguas, potros(as)] atingiam 7,0% do rebanho e os muares contribuíam com apenas 0,5%. A
porcentagem
de
suínos
era
de
7,5%.
Completavam o rebanho os carneiros/ovelhas, juntamente com os cabritos/cabras. Os primeiros eram 7,3% e os outros 1,0% do rebanho.
144
Tabela nº 24 1º PERÍODO - 1822/30 Descrição dos animais Vacas
Quantidade total 459
Porcentagem 28,5
Média p/ proprietário 22,9
3:514$500
6$656
175$725
539
33,5
24,5
2:332$100
4$326
106$004
35
2,2
3,2
290$400
8$297
26$400
202
12,5
12,6
2:152$200
10$654
134$512
113
7,0
4,7
1:202$000
10$637
50$083
08
0,5
1,3
189$800
23$725
31$633
Suínos
121
7,5
2,6
365$620
3$021
8$124
Carneiros Cabritos
116
7,3
14,5
107$240
$924
13$405
16
1,0
8,0
15$920
$995
7$960
Pavões
-
-
-
-
-
-
TOTAI S
1.609
100,0
-
10:169$780
6$320
-
Novilha s Garrotes Bezerro s Bois reproduto res Bois de carro Cavalos, Éguas, Potros Maures
Valor Total
Valor Médio
Valor Médio por proprietário
Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 02 a 04 - 1822/30.
Gráfico 4 Distribuição dos animais - % 1822/30 80,00% 70,00% 60,00% 50,00% 40,00% 30,00% 20,00% 10,00% 0,00%
Semoventes Bovinos Suínos
Equinos Ovinos
Muares Caprinos
Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 02 a 04 - 1822/30.
Com
base
nos
dados
obtidos
é
notória
a
preponderância dos bovinos em relação aos outros animais. A 145
média de bovinos possuídos por proprietário era de 46,9/ animais. Cada proprietário possuía em média 4,7 equinos, 1,3 muares, 3,9 suínos, 3,7 carneiros e 0,5 cabritos. Os bovinos atingiam o valor médio de 6$711, sendo 6$656 para vacas, 4$326 para novilhas, garrotes e bezerros, 8$297 para bois reprodutores, e 10$654 para bois de carro. Para somamos
a
conseguirmos
quantidade
de
esses
animais
de
os
valores
cada
médios
espécie
e
a
dividimos pelo número de proprietários que possuíam tais animais.
Constatamos
carneiros
e
cabras,
que o
animais
por
cabras,
provavelmente,
domésticas
que
proprietário.
não
poucos fez As
atendiam
servindo
ao
proprietários
aumentar
a
média
tinham destes
criações
de
carneiros
somente
as
necessidades
grande
comércio
como
o
e
gado
bovino. Os muares valiam consideravelmente mais que os cavalares. Os primeiros atingiam preços médios de 23$725 e os outros menos da metade deste valor, ou seja, 10$637. A maior resistência dos muares no transporte de mercadorias poderia explicar sua valorização superior em relação aos cavalares. Os outros animais criados na região atingiam os seguintes valores médios: suínos: 3$021; carneiros: $924 e cabritos: $995. Apesar bastante
do
diferenciados,
preço foi
a 146
dos
animais
quantidade
de
mostrarem-se bovinos
que
determinou um peso maior dos semoventes na composição das fortunas pessoais. Contudo,
a
posse
de
animais
não
era
tão
eqüitativa, como ilustram os exemplos a seguir. A grande maioria dos proprietários (92,5%) possuía
bovinos
e
eqüinos;
37,0%
dos
mesmos
criadores
mantinham também em suas propriedades outros animais como suínos, caprinos e ovinos, sendo que 14,8% deles possuíam somente eqüinos e/ou muares, e 2,8% não criavam animais. Margarida Francisca, viúva de Antônio José de Souza, era considerada uma grande criadora, se comparada aos
demais
proprietários.
Possuía
um
rebanho
com
297
cabeças assim discriminadas: 46 bois de carro (23 juntas de bois); 11 bois de corte; 98 vacas; oito bois reprodutores; 21
novilhas;
76
garrotes;
08
carneiros;
02
muares;
02
cavalos e 25 éguas, totalizando 2:271$000, ou seja, 42,6% do valor de seus bens, avaliados em de 5:324$946.201 Como considerando-se
os
exemplo parâmetros
de
um
criador
regionais,
médio,
encontramos
o
inventário de Ana Rita de Paiva, com registro de 52 bovinos e 08 eqüinos, num total de 385$900, correspondentes 28% de todos
os
bens
deixados
aos
herdeiros,
avaliados
em
1:352$280.202 Um pequeno criador, frente aos demais, era João Dias Pereira que tinha apenas 02 eqüinos e 01 muar, 201 202
AHMF - Inventário de Margarida Francisca, Proc. 54, cx. 04, 1829. AHMF - Inventário de Ana Rita de Paiva, Proc. 48, cx. 03, 1828.
147
avaliados em 32$000. A soma de seus bens atingia 352$670, incluindo um escravo no valor de 170$000. No segundo período - 1875/85, os semoventes representavam 12,7% do patrimônio constante nos inventários (vide gráfico 3, à pág.99). Tabela nº 25 1º PERÍODO - 1822/30 Descrição dos animais Vacas
Valor Médio
Valor Médio por proprietário
17:334$000
30$953
509$823
17,7
8:417$000
13$981
6,2
5,6
5:097$000
33$532
188$777
403
16,5
14,9
19:636$000
47$235
727$259
226
9,2
4,6
6:900$000
30$530
140$816
29
1,1
2,4
1:740$000
60$000
145$000
Suínos
350
14,4
23,3
2:037$500
5$821
135$833
Carneiros Cabritos
102
4,1
20,4
179$500
1$759
35$900
-
-
-
-
-
-
Pavões
25(*)
-
-
250$000
10$000
-
TOTAI S
2.441
100,0
-
61:591$000
25$231
-
Novilha s Garrotes Bezerro s Bois reproduto res Bois de carro Cavalos, Éguas, Potros Maures
Quantidade total 560
Porcentagem 22,9
Média p/ proprietário 16,4
602
24,6
152
Valor Total
247$558
(*) apenas um proprietário possuía 25 pavões. Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 27 a 32 - 1875/85.
148
Gráfico nº 5 Distribuição dos animais - % 1875/85 80,00% 70,00% 60,00% 50,00% 40,00% 30,00% 20,00% 10,00% 0,00%
Semoventes Bovinos Suínos
Equinos Ovinos
Muares Aves
Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Civel, cx. 27 a 32 - 1875/85.
Conforme a Tabela 25 à pág. 165 e gráfico 5, referente ao segundo período,
os bovinos continuaram com
predominância
os
pelos
de
70,2%
proprietários.
sobre
Destes,
outros
22,9%
eram
animais
criados
descritos
como
vacas; 24,6% garrotes; 6,2% bois reprodutores; 16,5% bois de carro; 9,2% eqüinos e 1,1% muares. Além destes, 14,4% eram suínos; 4,1% carneiros e 1% pavões. Não havia registro de nenhum cabrito. A média de bovinos por proprietário chegava a 36,5. Os detentores de animais possuíam ainda, em média, 4,6 equinos; 2,4 muares; 23,3 suínos (15 proprietários); 20,4 carneiros (5 proprietários). Somente um proprietário criava pavões, tendo 25 aves.203 A criação de pavões talvez destinava-se ao embelezamento da propriedade.
203
AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício, cx. 27 a 32, 1875/85.
149
Os preços médios dos animais eram: para os bovinos: vacas - 30$953; novilhas/garrotes/bezerros 13$981; bois reprodutores 33$532; bois de carro 47$235; para os equinos:- 30$530; muares:- 60$000. Os suínos e carneiros foram
avaliados,
respectivamente,
em
5$821
e
1$759,
enquanto os pavões valiam, em média, 10$000. Tomando que,
em
média,
cada
por
base
nossos
proprietário
dados,
imobilizava
afirmamos 947$553
em
animais. Separando
as
espécies
de
animais,
verificamos que cada proprietário tinha aplicado 776$676 em bovinos; 132$923 em eqüinos e muares; 31$346 em suínos e 2$761 em carneiros. Ao
dar
outro
enfoque
quanto
à
posse
dos
animais, os dados nos esclarecem que 7,5% dos proprietários de bens inventariados mantinham bovinos, eqüinos e maures em suas terras, destes 21,5% ainda criavam outros animais, principalmente os suínos. Os possuidores somente de eqüinos eram 7,7%. Já outro segmento (1,5%) possuía apenas eqüinos e suínos. Um grupo de 15,3% de proprietários não possuía animais de criar de grande porte. Entre
os
detentores
de
maiores
rebanhos
destacavam-se Cristino de Paula e Silva204, que criava ao todo 342 animais, sendo: 41 bois, provavelmente de corte; 36 bois de carro; 104 vacas; 28 novilhas; 04 garrotes; 32 204
AHMF - Inventário de Cristino de Paula e Silva - Proc. 513, cx. 31, 1882
150
bezerros e 05 bois reprodutores, totalizando 254 bovinos. Possuía
ainda
carneiros.
05
Juntos
muares; os
04
animais
eqüinos; valiam
58
suínos
8:776$000,
e
os
25
quais
correspondiam a 15,9% da sua fortuna de 55:024$600. Um
pecuarista
mediano,
em
relação
aos
demais, foi Antônio Martins de Barros205. Seu rebanho era composto
de
29
bovinos
e
sete
eqüinos,
com
valor
de
1:0008$000. A maioria das cabeças, em número de 20, eram bois de engorda para corte. O gado correspondia a 15,2% de seus bens avaliados em 6:650:500. Neste total incluíam-se as terras - bens de raiz - e os bens móveis. Rosa
Margarida
de
Jesus206,
uma
modesta
criadora, tinha somente 04 bovinos: 02 vacas, 02 bezerras, e 01 cavalo, avaliados em 129:000 ou 11,6% do total dos seus bens. Entre
os
que
não
possuíam
animais,
exemplificamos o caso de José Rodrigues. Foi declarado no inventário deste proprietário apenas uma casa avaliada inventário
em
1:200:000, não
consta
e a
bens
móveis
atividade
de
na cidade, 57$500.
econômica
que
No ele
exercia.
205
206
AHMF - Inventário de Antônio Martins de Barros, Proc. 514, cx. 31, 1882. AHMF - Inventário de Rosa Margarida de Jesus, Proc. 484, cx. 29, 1879.
151
OS BENS DE RAIZ
No
decorrer
do
século
XIX,
houve
um
acréscimo na participação dos bens de raiz no volume da riqueza, pois início do século estes bens somavam apenas 33%,
passando
para
53,4%
nas
últimas
décadas.
(vide
gráficos 2 e 3, à pág.99) A ocupação efetiva dos terrenos do Nordeste paulista e a dinamização da economia regional favoreceram a valorização deste item. Nos inventários, os bens imóveis ou de raiz eram descritos como casas, terrenos, chácaras e fazendas. Não havia nenhuma referência às metragens dessas terras mas somente
algumas
citações
dos
confrontantes;
muitos
dos
inventariados possuíam tanto imóveis rurais quanto urbanos. Com relação ao primeiro período - 1822/30, as descrições das casas da vila indicavam os materiais que as
constituíam
Josefa
Gomes
ou
seu
Moreira
estado deixou
de aos
conservação. seus
Vejamos:
herdeiros
"duas
moradas velhas na Praça da Aclamação na Villa Franca do Imperador", no valor de 145$000207 e a inventariada Maria Barbosa de Jesus deixou para partilhar, além da fazenda, "uma morada sita na Villa Franca do Imperador, de madeira, coberta Martinho
207 208
de
telhas,
Moreira
de
com
portas",
Carvalho
no
tinha
valor
de
"uma
casa
325$000.208 sita
na
AHMF - Inventário de Josefa Gomes Moreira, Proc. nº 25, cx. 2, 1825. AHMF - Inventário de Maria Barbosa de Jesus, Proc. 30, cx. 02 - 1826.
152
esquina da rua do Adro com final ao sul com a Praça da Aclamação." no valor de 20$000.209 As chácaras situadas nos arredores da Vila, continham
descrições
semelhantes
a
esta:
"uma
chácara
cita(sic) nas cercanias da Villa Franca", de propriedade de Felipe José dos Santos, avaliada em 160$000.210 As descritas
como
terras, sítios,
propriedades
fazendas
ou
rurais,
parte
de
foram terras.
Encontramos referências sobre a qualidade da terra (campos, cerrados ou cultura);
as benfeitorias nelas existentes e a
denominação da propriedade e nalguns casos são citados os confrontantes.
Vejamos,
então,
as
descrições
a
seguir:
Antônio Borges de Gouvêa possuía "um sítio com cêrcas e quintal" no valor de 40$000.211 O Vieira
Velho
e
seus
filhos
inventariante herderam
de
Rosa
Antônio Maria
de
Viterbo "uma fazenda denominada Bebedorzinho, com lanças de casas
cobertas
de
palha,
com
portas",
incluindo
as
benfeitorias constituídas de "um moinho, dois monjolos e um paiol",
tudo
no
valor
de
3:260$000.212
No
inventário
de
Joanna Bernarda de Freitas há a descrição de "uma fazenda de terras de cultura e campos, denominada Campo Belo, no termo
da
1:800$000213. 209
210 211 212 213
Villa Maria
Franca Barbosa
do de
Imperador.", Jesus
foi
no
valor
proprietária
de de
AHMF - Inventário de Martinho Moreira de Carvalho, Proc. 52, cx. 03, 1829. AHMF - Inventário de Felipe José dos Santos - Proc. 45, cx. 03, 1828. AHMF - Inventário de Antônio Borges de Gouveia, Proc. 44, cx. 3, 1828 AHMF - Inventário de Rosa Maria de Viterbo, Proc. 20, cx. 02, 1822. AHMF - Inventário de Joanna Bernarda de Freitas, Proc. 26, cx. 02, 1825.
153
"terras de cultura e campos, sita na paragem denominada (...)
da
Marques
Canoa, de
benfeitorias:
divisando
Carvalho", "paiol
com
terras
juntamente
coberto
de
do
Alferes
com
capim
as
e
um
Manoel
seguintes monjolo",
a
propriedade toda foi avaliada em 1:200$000.214 No segundo período - 1875/85 - as descrições eram mais simples, indicando apenas o tipo do imóvel, sem grandes caracterizações. Nalguns casos há referências sobre a
denominação
e/ou
localização
o
que
nos
permitiu
a
distinguir o imóvel rural do urbano. Com relação a descrições de casas, temos a do inventariado Christino de Paula e Silva dono de "duas casas na Rua do Comércio", ambas avaliadas em 5:000$000.215 Já Antônio Joaquim da Silva aparece como proprietário de várias fazendas além de "uma casa na Rua Direita", no valor de 200$000.216 Para termos idéia do preço dos terrenos na cidade,
analisamos
o
inventário
de
João
Vicente
de
Magalhães Portilho, que era proprietário de "uma morada" no valor
de
50$000
e
de
"dois
terrenos",
um
no
valor
de
350$000 e o outro de 300$000.217
214 215
216
217
AHMF - Inventário de Maria Barbosa de Jesus, Proc. 30, cx. 02, 1826. AHMF - Inventário de Christino de Paula e Silva, Proc. 513, cx. 31, 1882. AHMF - Inventário de Antônio Joaquim da Silva, Proc. 483, cx. 29, 1876. AHMF - Inventário de João Vicente de Magalhães Portilho, Proc. 459, cx. 27, 1875.
154
No
inventário
de
José
Bernardes
Pinto,
encontramos as descrições de alguns imóveis, o que ilustra nosso trabalho: "uma casa no largo do Theatro", no valor de 1:500$000,
"duas
casas
na
rua
Cubatão",
no
valor
de
800$000, "uma casa assobradada na Fazenda Matta", avaliada em 6:000$000, "uma sorte de terras, na Fazenda da Matta", no valor de 8:200$000 e "uma fazenda no Bom Jardim" com o preço de 5:200$000."218 Mais um exemplo sobre as fazendas fica no processo consta
de
inventário
"parte
de
terras
de
Joaquim
na
Fazenda
José
Ferreira,
Ribeirão
onde
Corrente"
avalida somente em 15$000 e "parte no sítio da Fazenda Capivary" com o preço de 500$000.219
218 219
AHMF - Inventário de José Bernardes Pinto, Proc. 456, cx. 27, 1875. AHMF - Inventário de Joaquim José Ferreira, Proc. 468, cx 27, 1876.
155
OS BENS MÓVEIS
Os expressiva primeiro
da
Bens
riqueza
período
Móveis dos
consistiam
na
proprietários
contribuíam
com
6,0%,
fatia
menos
francanos.
No
diminuindo,
no
segundo período, para 4,2%. (vide gráficos 2 e 3, à pág.99) A parte da riqueza definida como bens móveis era sempre proporcional ao volume de bens, ou seja, quando havia uma quantidade maior de bens imóveis, de semoventes e de
escravos,
quantidade
de
o
conforto
ferramentas
no
interior
destinadas
das
à
casas
e
a
produção
também
1822/30
-
cresciam. O inverso também era verdadeiro. No
primeiro
período
-
as
descrições relativas aos Bens Móveis são mais detalhadas quanto à sua natureza e ao estado de conservação do bem. Estão relacionados carros de bois, ferramentas e arreios, bens
necessários
ao
trabalho
cotidiano
das
fazendas
até
bens pessoais como móveis, imagens, pratos, garfos, peças em
vidro
e
roupas
de
vestir,
cada
um
com
a
devida
avaliação. As descrições a seguir foram extraídas dos processos de inventário de Rosa Maria de Viterbo, Joanna Bernarda de Freitas
e de Domingos Martins de Brito, três
processos que espelham os demais do primeiro período no que se refere às descrições e aos valores dos bens. Para os avaliadores os preços das imagens, supomos, variavam de acordo com seu estado e o tamanho. 156
Seis mil réis (6$000) era o preço de "uma imagem de Nosso Senhor crucificado", a mais cara encontrada no processo de Rosa Maria de Viterbo. As outras do mesmo processo tinham as seguintes descrições e valores: "uma imagem de Nossa Senhora do Carmo: 2$000, uma imagem de São José: 1$800, uma imagem de Santo Antônio: 3$000, e uma imagem de Santa Rita: 1$000."220 Cabe
aqui
ressaltar
que
desde
os
tempos
coloniais havia um vigoroso comércio de imagens entre as província produtoras, principalmente Bahia e Minas Gerais, e demais compradoras. "Pela centralização do poder político em
Salvador,
capital
primeira
da
Colônia,
lá
também
se
sediou o centro do poder religioso do Brasil Colônia. Houve nesta região uma convergência de artistas que por todo o século XVIII e XIX supriram o Brasil com sua imaginária erudita. As grandes peças barrocas das igrejas do interior da
Colônia
era
transportadas
nas
caravanas
de
escravos
vindos da Bahia (...). O intenso comércio com as minas de ouro
incluiu
o
comércio
de
imagens.
Essa
necessidade
comercial propiciou a adaptação dos artistas e das oficinas de
arte
religiosa.
resistente
que
Executaram
melhor
o
suportava
lenho, os
material
azares
de
uma
leve
e
longa
viagem em lombo de burro, a quase totalidade das imagens de Pernambuco, da Bahia e mais tarde do Rio de Janeiro. (...) O Barro queimado, pelo seu grande peso e fagilidade, foi 220
AHMF - Inventário Rosa Maria de Viterbo - Proc. 20, cx. 02, ano 1822.
157
circunscrito necessitavam
às de
peças
de
transporte
consumo a
local,
longas
que
distâncias;
não
daí
a
presença de imagens de terracota em São Paulo (...). A imaginária paulista é basicamente de barro por uma tradição formada nos interesses modestos do comércio colonial. São minoria as imagens eruditas de madeira encontradas em São Paulo,
importadas,
seja
da
Metrópole,
seja
dos
centros
artísticos da costa, sobretudo da Bahia, ou ocasionalmente de Minas Gerais."221 As primeiro mineira.
imagens,
período, Foram
citadas
muito
trazidas
nos
inventários
provavelmente
pelos
entrantes
tiveram mineiros
do
origem que
se
fixaram no Nordeste paulista. "Minas Gerais (...) foi pólo interiorano de atração para os bons artistas que lá
se
concentraram criando peças ricas e pobres, suprindo não só a
província
como
Goiás
e
Mato
Grosso.
Estas
últimas
regiões, de fugaz riqueza aurífera, não tiveram condições sócio-econômicas que pudessem sustentar manufatura própria. O mesmo se pode dizer das províncias do Sul que, pobres e escassamente povoadas, receberam suas peças geralmente dos centros
mais
à
mão,
antes
Salvador
e
depois
o
Rio
de
Janeiro."222
221
ETZEL, Eduardo. Imagem Sacra Brasileira. São Paulo: Edições Melhoramentos/Editora da Universidade de São Paulo, 1979 (Série Arte e Cultura), p. 37. 222 ETZEL, Eduardo. op. cit., p. 81, nota 68.
158
Os processos que continham maior quantidade de bens móveis registravam objetos em ouro e prata. Em ouro eram
geralmente
brincos
de
6$400."223
Em
jóias
ouro
que
prata
de foi
havia
pequeno visto objetos
e
tamanho: avaliado
como
"um no
esporas,
par
de
valor
de
garfos
e
colheres assim descritos: "uma espora de prata de mulher com peso de quarenta e uma oitavas, avaliada em 4$100; uma espora de prata de homem com peso de oitenta oitava, no preço de 8$000; um garfo e uma colher de prata: 1$200." Há, também, descrições de garfos feitos em metal amarelho224, bem menos valiosos: "3 pares de garfos e colheres de metal amarelo, no valor de $320."225 Feitos do mesmo material: "um par de esporas de latão amarelo: $500 e um ferro estrangeiro aparelhado de latão."226 Os objetos em cobre eram, na maioria, tachos usados
para
o
cozimento
de
alimentos,
objetos
caros
se
comparados a outros bens. "Um taxo (sic) de cobre em bom uso com peso de nove libras" valia 3$000, "um taxo (sic) grande de cobre em bom uso" avaliado em 17$000. Outro bem mencionado e confeccionado do mesmo material foi "um forno de cobre em bom uso com peso de 19 libras" valendo 6$880.227 223
224
225 226 227
AHMF - Inventário de Joanna Bernarda de Freitas. Proc. 26, cx. 02 1825. Não há nos inventários uma descrição mais precisa do que seria "Metal amarelo". Op. cit. nota 57. Op. cit. nota 58. Idem.
159
Os pratos eram feitos de estanho ou louça. Um lote de "sete pratos de estanho foram vistos e avaliados em
2$240;
onze
libras
de
estanho
em
pratos
velhos,
a
quatrocentos e vinte a libra: 4$620."228 Os objetos feitos louça mencionados receberam as seguintes descrições:
"17
pratos fundos de louça: 1$700, 3 pratos pequenos: $240, 2 tijelas e nove pires de louça: $320".229 Além
dos
objetos
de
uso
doméstico,
já
citados, encontramos os vidros. Por uma copo de vidro davase $480, por 12 garrafas de vidro 1$600; por "uma garrafa de vidro branco pequena: $120."230 Os chamados trastes de casa eram geralmente poucos em cada inventário. As descrições, na maioria das vezes, identificavam os objetos, seu tamanho, se eram novos ou velhos, seu estado de conservação e os preços. Um
"catre
usado
"catre
forrado
de
taboas(sic)"
valia
3$600;
outro
pequeno e torneado" 3$500. Os valores das caixas variavam: "uma
caixinha
com
fechadura:
1$200,
uma
caixa
grande
e
velha: 2$000 e um caixão grande e velho: 3$000." Mesas e bancos eram objetos comuns: "uma mesa velha de 12 palmos de comprimento: 1$600; um banco de encosto: $640; um banco liso velho: $320; uma potrona de molla: $480." Entre os mais caros "um armário com fechadura nova que foi visto e 228
229 230
AHMF - Inventário de Joanna Bernarda de Freitas. Proc. 26, cx. 02, 1825. AHMF - Inventário de Rosa Maria de Viterbo, Proc. 20, cx.02, 1822. Idem.
160
avaliado
por
7$000".
Haviam
ainda
outros
objetos:
"uma
colher de ferro" avaliada em $320, "um barril com quatro arcos de ferro: $480" e "10 táboas(sic) pequenas: 1$480."231 Em alguns inventários as roupas de vestir foram incluídas nos trastes de casa, noutros aparecem como item independente. Entre as roupas descritas constavam: "um vestido
de
pano
vestia(sic)
de
fino pano
azul azul
em
bom
inferior
uso:
4$000;
uma
velha:
$800;
uma
vestia(sic) de chita em bom uso: $840; um par de calças de pano
em
bom
uso:
2$400;
um
par
de
calças
de
paninho,
usadas: $320; um collete de seda preta, em bom uso: 1$500; uma camisa de morim com fafados nova: 1$200; um lenço de pescoço
de
chita,
usado:
$100;
um
lenço
preto
de
seda
usado: $300; uma toalha de mão de algodão: $320; um par de botinas de couro, em bom uso: 2$000; um par de sapatos de couro usados: $160; uma escova de escovar botas usada: $060 e 15 sacos de algodão grosso, pequenos: $900."232 Incluídos nos trastes de casa estavam também alguns objetos próprios dos serviços da fazenda como: "2 laços novos de laçar animais: 1$920; 3 libras e meia de ferro em pregos de pregar: $640; um couro de boi: 1$600".233 Os transporte
de
carros
mercadorias
de
bois,
na
principal
região,
também
meio
para
constava
o do
item trastes de casa. "Um carro (de boi) em bom uso" valia 231 232
233
Idem. AHMF - Inventário de Domingos Martins de Brito. Proc. 50, cx. 3 1828. Op. cit. nota 57.
161
em média 16$000. Os carros vinham acompanhados de cangas (peças
para
atar
valiam
1$600.234
É
os
bois):
necessário
"cinco
cangas
ressaltar
que
muito nem
velhas" todos
os
processos onde constam "bois de carro", haviam "carros de boi", o que pode indicar que alguns fazendeiros criavam e treinavam estes animais não somente para uso próprio, como também para comercialização. Nos separados
as
carpintaria.
inventários,
ferramentas As
de
primeiras
encontramos roça
são
em
itens
e
ferramentas
de
assim
descritas:
"6
enchadas(sic) em bom uso: 5$760; 4 enchadas velhas: 2$560; 4 foices em bom uso: 6$400; 3 foices cegadas (sem corte): 3$600; um machado cegado: 1$280
e um machado velho para
rachar lenha: $480."235 As ferramentas de carpintaria mais comuns eram: "duas enchóz(sic) chatas, cegadas: 1$280; um formão grande em bom uso: $600; 2 formãos(sic) pequenos: $400; uma serra de mão, de palmos: $640; uma serra pequena com armação: $360
um martelo: $480236; duas limas muito
velhas: $640 e um compaço(sic) de ferro: $280."237 Alguns processos citavam armas de fogo. Para termos uma idéia "uma espingarda" nova valia 6$000.238
234
235
236 237 238
AHMF - Inventário de Joanna Bernarda de Freitas. Proc. 26, cx. 01 1825. AHMF - Inventário de Jonna Bernarda de Freitas. Proc. 26, cx. 01 1825. Idem. Op. cit. nota 58. Op. cit. nota 57.
162
Arreios
ou
selas,
incluindo
outras
peças
próprias para montaria dos eqüinos ou muares, eram peças de partilha: "uma
sela velha" tinha o valor de 4$600; "um
lombilho com freio" era 2$400; somente o "freio: $200."239 A descrição dos bens móveis encontrados nos inventários do segundo período - 1875/85 - diferenciavam-se um pouco daqueles referidos no primeiro período tratado. Contudo,
cada
proprietário
passou
a
possuir
uma
maior
quantidade de bens desta espécie, fruto do dinamismo da economia. Mesmo assim os bens móveis continuaram a ser a parte que menos contribuía no total dos bens. Sua fatia, nessa época, era de apenas 4,2%. As
imagens
passaram
a
aparecer
em
menor
quantidade e o seu valor, às vezes, aparecia inserido no valor do móvel oratório, como demonstra a citação: "por um oratório com imagens o valor de 10$000."240 As
jóias
pessoais
continuavam
a
merecer
destaque entre os bens móveis, principalmente objetos de ouro e prata: "um rozário de ouro com cruz: 10$000; um par de agulhas pequenas de ouro: 2$000; uma verônica de ouro: 2$000; um relógio de prata: 30$000 e um par de esporas de prata: 30$000"241 239 240 241
Op. cit. nota 58. AHMF - Inventário de Joaquim José Ferreira, Proc. 468, cx. 027, 1776. AHMF - Inventário de Christino de Paula e Silva, Proc. 513, cx. 31, 1882. "Os oratórios são produto mineiro do fim do séxulo XVIII até o primeiro quartel do século XIX. Peças hoje raras traduzem em Minas Gerais uma tentativa industrial para atender à grande demanda. Pelo sucesso que tiveram chegaram a ser exportados para
163
Os
móveis
domésticos,
como
já
comentamos,
aparecem em maior quantidade. Os mais comuns eram assim avaliados: cadeiras, uma dúzia delas valia 70$000; quatro cadeiras de palhinha: 16$000; os "catres de pés altos", sendo meia dúzia, no valor de 30$000; mesas - "uma grande de duas bancas: 15$000; uma pequena: 5$000; armários - um deles
"com
Outros eram
chaves
móveis,
velho"
menos
"canastras
"frasqueiras",
e
comuns,
pequenas
uma
caixa
foi
avaliado
usados
com desta
em
pelos
14$000."242
proprietários
fechadura"
(2
espécie
valia
=
10$000); 1:200;
ou
ainda os "caixões grandes" 8$000 cada.243 Havia, nos inventários, os objetos próprios da
cozinha,
assim
descritos:
"uma
escumadeira
de
cobre
pequena: 2$000; uma chaleira de ferro: 2$000; uma panela grande de ferro: 3$500; uma menor: 2$000; uma quebrada: 1$000; uma bandeja grande: 5$000; três gamelões pequenos: 12$000. E os vidros também mereciam atenção: "uma garrafa pequena
empalhada"
valia
2$000;
um
"garrafão
pelado
pequeno" 1$500; "um copo de vidro grande: 1$000." As louças recebiam
as
seguintes
avaliações:
uma
"bacia
de
louça
pintada" 2$000, um prato $500; dois "calex(sic) para vinho" 1:000.
Quanto
aos
talheres:
"5
colherinhas
de
metal":
outras capitanias, encontrando-se hoje com certa abundância em museus da Bahia. In: ETZEL, Eduardo. op. cit., p.102, nota 67. 242 243
AHMF - Inventário de José Bernardes Pinto, Proc. 456, caixa 27, 1875. Op. cit nota 75.
164
2$000244; "uma dúzia de colheres e garfos marca Chistafle": 40$000.
Os
tachos
de
cobre,
como
citamos
anteriormente,
eram peças imprescindíveis: "um taxo(sic), velho, pequeno foi
visto
e
avaliado
por
3$000,
um
taxo(sic)
grande:
28$000, um dito furado: 10$000."245 As novidades ficam para os teares, mostrando que a tecelagem, atividade que teve muito vigor nos anos 30 e
40,
continuava,
no
final
do
século
XIX,
como
uma
atividade ainda viva entre os francanos. Uma roda de fiar foi avaliada em 4$000, enquanto um tear e seus pertences em 35$000246,
um
outro
"tear
muito
velho"
tinha
um
preço
inferior: 20$000 e um descaroçador de algodão velho valia: 1$200.247 A máquina de costura, item também comum nos processos de inventário do segundo período, tinha um preço razoável: 80$000.248 Da mesma forma que no primeiro período, nos inventários constavam poucas ferramentas, e pela descrição, parte
delas
foram
descritas
como
velhas.
Segundo
nossas
fontes, mesmo os proprietários que possuíam vários escravos não tinham grande aparato de ferramentas, quer sejam de roça quer de carpintaria. No segundo período, um "serrote 244
Op. cit nota 76.
245
AHMF - Inventário de Firmiano Barbosa de Avelar, Proc. 474, cx. 28, l877. Op. cit. nota 75. AHMF - Inventário de Maria Lima Rodrigues de Freitas, Proc. 470, cx. 28 - 1877. Idem.
246 247
248
165
grande" valia 8$000; "dois machados velhos": 5$000, "uma enxó":
2$000
Laport"
foi
e
um
"compasso"
avaliada
por
$500.
1$000;
Uma
"duas
"enxada
ditas
marca
grandes
e
velhas por 2$000"; duas foices por 5$000. Uma "alavanca comprida" tinha preço bem superior ao das enxadas, valia 5$000.249
Entre todos os inventários o de Christino de Paula
e Silva era o que tinha o maior valor em "ferramentas de roça": 65$000, porém, não há discriminação de quais sejam.250 Além
dos
objetos
citados,
descritos
e
avaliados havia ainda facas de todos os tipos, cujos preços eram: "3 facas em bom uso"
3$000; uma "faca de cabo de
prata, velha" 3$000; um "facão, também de cabo de prata, velho: 6$000.251 Os tinham
preços
bens
próprios
discrepantes,
do
"um
trato
com
lombilho
os novo"
animais valia
12$000, "um freio velho" 2$000, "arreios para quatro juntas de bois" 20$000.252 Os
bois
de
carro
foram
os
que
receberam
entre os chamados bens móveis. "Um carro ferrado em bom uso" era avaliado no ano de 1877 em 200$000 e "um carretão velho"
em
12$000.
Para
termos
uma
idéia,
o
carro
de
Firmiano Barbosa de avelar era 46% do valor de todos os seus bens móveis.253 249 250 251 252 253
Op. cit. Op. cit. Op. cit. Op. cit. Idem.
nota nota nota nota
80. 76. 80. 97.
166
O único exemplo encontrado de um bem móvel de grande valor, além dos carros de boi, foi um "alambique de cobre novo" pelo preço proprietário
de 250$000, que pertencia ao
Christino de Paula e Silva, com certeza, um
produtor de aguardente.254 Se
compararmos
os
bens
móveis
dos
dois
períodos pesquisados, nota-se que houve diferenciações. No primeiro
período
-
1822/30
não
havia
tantos
objetos
no
interior das casas, significando uma vida mais simples. No segundo
período
-
1875/85,
os
objetos
indicam
maior
conforto, maiores comodidades. Com a chegada da ferrovia (em 1882 a Mogiana atinge a cidade de Ribeirão Preto) é facilitada a importação de objetos de uso doméstico. Tais modificações, logicamente, são propiciadas pelo crescimento econômico verificado na região em estudo durante todo o século XIX.
254
Op. cit. nota 76.
167
3.5. AS DÍVIDAS: ATIVAS E PASSIVAS
AS DÍVIDAS ATIVAS
No primeiro período Ativas,
ou
seja,
os
valores
-
1822/30, as Dívidas
que
os
herdeiros
dos
inventariados tinham a receber era 10,2% do patrimônio dos proprietários. (gráfico 2 à p.99) Tais valores superavam as dívidas passivas (quantias a serem pagas) (ver gráfico 6) Conforme a tabela 26 à pág. 189, o valor total das dívidas relacionadas nos inventários pesquisados era de 7:771:509 de
dívidas
valores
ativas
médios
por
e
5:152$311
de
proprietário,
dívidas de
passivas.
dívidas
ativas
Os e
passivas eram de 323$812 e de 245$348. Para encontrarmos tais
valores,
dividimos
o
total
da
dívida
ativa
dos
inventários pelos número de proprietários credores, fazendo o mesmo com os valores da dívida passiva.
168
Gráfico 6 % DE DÍVIDAS ATIVAS E PASSIVAS-1822/30
Dív.Passivas 40%
Dív.Ativas 60%
Fonte: AHMF-Processos de Inventário, 2º Ofício Cível, cx.02 a 04 - 1822/30
Tabela 26 Dívidas ATIVAS / PASSIVAS 1822/30
Dívidas Ativas
Dívidas Passivas
7:771$509
5:152$311
Total Média p/ Proprietário
323$812 245$348 Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Cível, cx.02 a 04 1822/30.
Conforme a tabela 27 à pág.190, no primeiro período dívidas.
25,8% A
dos
inventários
maioria,
isto
é,
não
tinham
61,2%
dos
declaração
de
inventariados
possuíam dívidas ativas que oscilavam de alguns réis até 499$000;
outros
6,4%
tinham
a
receber
entre
500$000
e
999$000, e o restante, 6,4%, constavam como credores das maiores quantias a receber: de 1:000$000 a 3:000$000. As dívidas ativas consistiam, na sua grande maioria, de empréstimos em dinheiro, mas também originavam169
se
da
venda
eqüinos
e
de
terras,
suínos.
Além
espingardas, disso
havia
animais dívidas
bovinos, a
receber
originadas da venda de escravos ou da cessão destes para prestação de serviços em propriedades alheias, o que era declarado como dívidas de "jornais de escravos".
Algumas
das dívidas ativas foram contraídas com herdeiros: filhos, genros e noras.
Tabela 27 Valor das Dívidas Ativas por proprietário 1822-30 % de Valor das Dívidas Ativas em proprietários Contos de Réis 25,8% sem dívidas / não declarado 61,4% até 499$000 6,4% de 500$000 a 999$000 6,4% de 1:000$000 a 3:000$000 Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Cível, cx.02 a 04 - 1822/30
O processo de Maria Barbosa de Jesus nos dá a idéia de um inventário com baixos valores a receber e nos mostra a diversidade da origem das dívidas ativas. Maria Barbosa, Severiana
ao
falecer,
referente
a
tinha
a
venda
de
receber uns
$960
"capados"
de
Maria
(suínos);
8$000 de um potro e 6$000 de uma vaca, vendidos a João da Silva venda
Santos de
(herdeiro)
uma
escrava
e a
a
José
Albino
Joaquim; Rodrigues
125$000 de
pela
Barros
(herdeiro); o restante da dívida era pelo empréstimo de dinheiro a José Gonçalves Cintra e aos herdeiros Joaquim e Francisco no valor de 8$040. A dívida total era de 149$600. 170
No
segundo
período,
as
dívidas
ativas
participavam com 3,8% do patrimônio dos inventários. (vide gráfico nº 3, à p.99) Tabela 28 Dívidas ATIVAS / PASSIVAS 1875/85 Dívidas Ativas
Dívidas Passivas
21:409$275
6:710$161
Total Média p/ Proprietário
1:427$285 479$297 Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Cível, cx. 27 a 32 1875/85
Da mesma forma que no primeiro período, as dívidas ativas superavam as passivas. A soma dos valores das primeiras era de 21:409$175 e as outras 6:710$161. O valor médio por proprietário de dívidas a receber (ativas) era
de
1:427$285
e
a
pagar
(passivas)
era
de
(tabela 28 e gráfico 7). Gráfico 7 % DÍVIDAS ATIVAS / PASSIVAS - 1875/85
Div.Passivas 24%
Div.Ativas 76%
Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Cível, cx. 27 a 32 - 1875/85
171
479$297.
A tabela 29 esclarece que mais de 3/4, ou 77,1%
dos
inventários
consultados
referentes
ao
segundo
período não mencionavam dívidas ativas. Somente 6,1% deles registravam quantias a receber, que variavam
de alguns
poucos réis até 499$000; e que 7,7% dos senhores contraíram dívidas ativas entre 500$000 e 999$000, e que 9,2% tinham de 1:000$000 a 5:000$000 para receber. A (77,1%)
não
inventários
maioria
esclarece onde
há
a
dos
inventários
natureza
descrições
de
das
desse
dívidas.
dívidas
período Naqueles
predominam
os
empréstimos em dinheiro.
Tabela 29 Valor das Dívidas Ativas por proprietário % de Valor das Dívidas Ativas em proprietários Contos de Réis 77,1% sem dívidas / não declarado 6,1% até 499$000 7,7% de 500$000 a 999$000 9,2% de 1:000$000 a 3:000$000 Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Cível, cx. 27 a 32 1875/85
Como exemplo de pequenas quantias a receber, localizamos o inventário de Antônio Ferreira da Silva255. Este proprietário concedeu empréstimos a seus herdeiros em quantias que iam de 2$000 (confiado a José Moreira) até 65$000 255
(cedido
a
Joaquim
Lopes
de
Carvalho).
Os
outros
AHMF - Inventário de Antônio Ferreira da Silva, Proc. 520, cx. 31, 1883.
172
herdeiros, Ferreira
em
número
valores
em
de
sete,
torno
emprestaram
de
40$000.
de
Ao
Antônio
todo,
os
empréstimos somavam 355$000. No
rol
de
inventários
analisados,
com
dívidas maiores, ressaltamos o do Capitão Marco Ferreira Cândido256 com valor registrado de 5:292$850, quantia devida por trinta pessoas. As dívidas pessoais variavam de um para ouro, entre 7$680 até 2:200$000.
AS DÍVIDAS PASSIVAS
No
primeiro
período
32,3%
dos
inventários
não mencionavam dívidas passivas. A maioria (61,3%) citava dívidas de até 500$000; acima deste valor até no máximo 2:000$000, somente 6,4% dos proprietários puderam contraílas, conforme motra a tabela 30. Os (dívidas
passivas)
débitos
contraídos
originaram-se
de
pelos
proprietários
vários
compromissos,
sendo os mais comuns de empréstimos em dinheiro, compra de escravos e bovinos.
256
AHMF - Inventário de Capitão Marco Ferreira Cândido, Proc. 409, cx. 28, 1875.
173
Tabela nº 30 Valor das Dívidas Passivas por proprietário 1822-30 % de Valor das Dívidas Ativas em proprietários Contos de Réis 32,3% sem dívidas / não declarado 61,3% até 499$000 3,2% de 500$000 a 999$000 3,2% de 1:000$000 a 3:000$000 Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Cível,Cx.02 a 04 - 1822/30
Os padres eram credores bastante citados. Os religiosos deveriam receber dinheiro devido a
realização
dos ofícios durante os funerais, e também pela celebração periódica de missas encomendadas. Outros
credores
sempre
lembrados
são
as
confrarias, ordens e irmandades religiosas, sediadas ou não em Franca. Houve casos de senhores que deviam ou deixaram herança a ordens sediadas em Ouro Preto o que confirma mais uma
vez
a
origem
mineira
dos
povoadores
do
Nordeste
paulista. Encontramos vários
inventários
como
a o
comprovação de
Josefa
desses
Gomes
fatos
Moreira,
em que
possuía dívidas (passivas) assim discriminadas: a quantia de 57$670 devida ao vigário referente ao funeral; 16$800 a serem pagos a Domingos Alves e Josepha Gomes de Assumpção (herdeiros); 4$320 para Alferes Joaquim Rocha Neiva; 25$000 a por direito ao Coral da Arqui Confraria da Vila Franca; e, 48$000, em dinheiro para o Coral da Ordem Terceira de 174
São
Francisco
atingiam
de
151$790
Ouro
Preto.
Somadas
ou
apenas
2,7%
as do
dívidas,
elas
patrimônio
da
inventariada, que totalizava 5:654$403.257 Dos
inventariados
pesquisados
no
primeiro
período, 25,0%, não deixaram dívidas aos seus herdeiros. Entre
os
que
deixaram
dívidas
de
pouca
monta
estavam
Antônia Ignácia T. Evangelho258 e João Paulino de Souza259. O primeiro
devia
7$600
a
José
Pires
Monteiro
referente
a
compra de duas bruacas; o segundo devia a quantia de 4$800 referente empréstimos em dinheiro a João Carvalho, morador de Jacuhi. Tabela 31 Valor das Dívidas Passivas por proprietário 1875/85 % de Valor das Dívidas Ativas em proprietários Contos de Réis 78,6% sem dívidas / não declarado 15,3% até 499$000 3,0% de 500$000 a 999$000 3,1% de 1:000$000 a 3:000$000 Fonte: AHMF - Processos de Inventário, 2º Ofício Cível, cx. 27 a 32 1875/85
257
258
259
Sobre as motivações para integrar às irmandades religiosas do século XVIII em Minas Gerais ver: FREITAS, Nainôra Maria Barbosa. O Rosário de Mariana e suas irmandades - segunda metade do século XVIII. Franca: FHDSS-UNESP, 1991 (Dissertação de Mestrado; MARTINO, Vânia de Fátima. A Irmandade de São José dos Homens Pardos ou bem casados. Vila Rica (1725-1790). Franca: FHDSSUNESP, 1993. (Dissertação de Mestrado) AHMF - Inventário de Antônio Ignácia T. Evangelho, Proc. 37 - cx. 03, 1827. AHMF - Inventário de João Paulino de Souza, Proc.66, cx. 04,1830.
175
No
segundo
período,
15,3%
dos
inventários
0incluíam dívidas de até 500$000; 6,1% dos proprietários firmaram empréstimos com dívidas entre 500$000 e 2:000$000, e
em 78,6% dos inventários não consta dívida de qualquer
natureza (tabela nº31). Entre os maiores devedores estava Francisco de Paulo e Melo260, que devia a quantia de 1.326$775 a várias pessoas.
O
mesmo
proprietário
tinha,
em
contrapartida,
478$175 em dívidas ativas, sendo seus bens de raiz, móveis e semoventes avaliados em 3:885$500.
260
AHMF - Inventário de Francisco de Paulo e Melo, Proc.509, cx. 30.
176
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A região
de
riqueza
Franca,
originava-se
da
obtida
durante
economia
pelos
grande de
proprietários
parte
do
subsistência
século
da XIX,
integrada
aos
mercados do centro-Sul do Brasil. A região em estudo sofreu um crescimento econômico gradativo durante todo o século passado,
sendo
mercantil,
sua
econômica
ambiente
que
favorecida
propiciava
francanos recursos necessários a
aos
pelo
caráter
proprietários
acumulação de riqueza.
A expansão da economia mineira favoreceu a ocupação efetiva das terras do Nordeste paulista e criou vínculos comerciais desta região com a Província de Minas e como o Rio de Janeiro. A dinamização da economia de São Paulo
revitalizou
as
relações
comerciais
do
Nordeste
paulista com outras regiões da província, inclusive com a cidade de São Paulo. O crescimento econômico da região em estudo foi acompanhado do crescimento populacional.
A era
a
diversificação
característica
das
predominante
atividades na
região
econômicas de
Franca:
pecuária e seus derivados, comércio do sal, agricultura de subsistência, engenhos de açúcar e aguardente, tecelagem, garimpo,
atividades
artesanais
e
plantações
de
café.
A
pecuária parece ter sido o motor da economia do Nordeste 177
paulista, durante grande parte do século XIX, exercendo um efeito multiplicador gerando outras atividades correlatas.
Tendo regional, riqueza período,
nosso entre a
em
vista
trabalho os
soma
panorama
identificou
proprietários
dos
o
bens
de
a
distribuição
francanos.
cada
econômico
No
proprietário,
da
primeiro na
sua
grande maioria (86,9%) não ultrapassava quatro contos de réis, sendo que dentre estes 35% não chegavam a ter um conto. Não havia proprietários com riqueza acima de dez contos. No segundo período, levando em conta a evolução dos preços durante o século XIX, grande parte dos proprietários (64,5%) acumularam riqueza que oscilava entre um e cinco contos réis. Apenas 9,2% dos proprietários tinham bens que valiam entre seis e dez contos de reis. Contudo, neste segundo
período,
26,2%
dos
proprietários
tinham
fortuna
acima dos dez contos. Dado que caracteriza uma concentração de riqueza.
Dentro do mesmo contexto foram identificados os principais bens que compunham o estoque desta riqueza, percebendo as variações do peso relativo de cada item, a partir das comparações dos dados obtidos nos inventários nos períodos: 1822/30 e 1875/85.
A riqueza escrava foi conhecida através da análise
da
posse
(quantidade de 178
escravos
possuídos
por
proprietário), dos preços, da distinção entre os sexos, das faixas etárias, do estado civil e da ocupação dos escravos. Este bem perdeu gradativamente que
o
século
avançava,
a importância na medida em
apesar
da
crescente
valorização
nominal. No primeiro período estudado o escravo era o bem de
maior
valor
na
maioria
dos
inventários.
No
segundo
período perde a posição para os bens imóveis. De um período para outro percebemos que a posse de escravos deixou de ser disseminada entre os proprietários havendo uma concentração da
propriedade
escrava.
Nosso
estudo
identificou
que
a
maioria dos planteis eram de pequeno porte, constituídos de poucos escravos: entre um e cinco cativos. Tais dados são próximos outras
àqueles
regiões
subsistência.
apresentados
do
centro-Sul
Houve
um
por
autores
movidas
que
estudaram
pela
econômica
de
dos
planteis,
ou
envelhecimento
seja, um crescimento no número de escravos adultos e idosos e uma conseqüente diminuição de crianças e adolescentes.
Os
bens
semoventes
-
animais
bovinos,
eqüinos, muares, suínos, ovinos e caprinos - contribuíam com
significativa
parte
da
riqueza
dos
proprietários.
O
destaque está para os bovinos que atingiam 70% de todo o rebanho. Em segundo lugar a criação de suínos que ganha importância com o passar o século, passa de 7,5% do rebanho no
primeiro
período
para
14,4%
no
segundo.
animais ocupam posição de menor significância. 179
Os
outros
A ocupação efetiva das terras do Nordeste paulista, durante o século em questão, favoreceu para o acréscimo
na
participação
dos
bens
de
raiz
(partes
de
terras (fazendas, sítios, chácaras), terrenos e casas) no volume da riqueza. Do primeiro para o segundo período os valores chegam
nominais na
década
foram de
multiplicados.
1880
como
item
Os de
bens
de
maior
raiz
valor
na
peso
na
riqueza dos proprietários, superando os escravos.
Os
bens
móveis
tinham
o
menor
riqueza dos proprietários francanos. A análise dos objetos pessoais
indicou
para
o
primeiro
período
uma
vida
mais
simples, sem conforto, com poucos objetos no interior das casas. Não havia, inclusive, grandes recursos para compra e reposição
de
necessárias frente
ao
"ferramentas
às
lidas
crescimento
das
de
roça
fazendas.
econômico
e
No
carpintaria"
segundo
empreendido
na
período, região,
servida até com a ferrovia que chegava em 1882 próximo ao município
de
Franca,
os
objetos
indicam
maior
conforto
doméstico, maior quantidade de meios de produção (exemplo: ferramentas,
máquinas
de
costura
e
teares)
e
meios
de
transporte de mercadorias: carros de bois.
As constituíam
dívidas
parte
ativas,
importante
no do
primeiro
período,
patrimônio
dos
proprietários: 10,2%. No segundo período perde importância, passa a ser somente 3,8% dos patrimônios. 180
Comparando os dois períodos, percebemos que: a) houve um redução expressiva das dívidas passivas e um crescimento
das
dívidas
ativas;
b)
houve
um
decréscimo
considerável na porcentagem de proprietários que contraiam dívidas
ativas
ou
passivas;
c)
ocorreu
um
pequeno
crescimento no número de negociantes que adquiriam dívidas ativas com valores mais expressivos; d) permaneceu estável a
porcentagem
de
proprietários
que
contraíam
dívidas
passivas relacionados aos maiores valores; e) as dívidas ativas e passivas, do primeiro período, originavam-se de pequenos negócios como a compra de poucos animais, cessão de escravos para prestação de serviços, sendo que grande parte das transações eram realizadas entre familiares; f) no segundo período, os empréstimos em dinheiro passam a predominar
a
realização
de
dívidas;
g)
as
doações
post
mortem para irmandades religiosas ou paróquias são muito comuns
no
primeiro
praticamente
período,
desapareceram
nos
sendo
que
inventários
tais
doações
do
segundo
período. Os dados acima são indicadores de que o dinamismo econômico
regional,
ocorrido
durante
o
século
XIX,
incentivou a circulação monetária, favoreceu transações de maior vulto e reduziu os endividamentos negativos (dívidas passivas) favorecendo o crescimento patrimonial via dívidas ativas.
181
A predominância do setor mercantil explica a relativa durante
importância os
períodos
da
riqueza
estudados.
declarada
Franca,
em
Franca,
favorecida
pela
situação geográfica - estrada de Goiás, foi sempre voltada para
os
provisão
mercados,
quer
para
marchantes,
os
seja
regionais ou
de
como longa
local
distância
participando do eixo econômico do centro-sul do país.
182
de
F O N T E S
E
B I B L I O G R A F I A
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