As três faces de Adão: variações sobre Heathcliff

July 3, 2017 | Autor: P. Oliveira de Al... | Categoria: English Literature, Emily Bronte
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As três faces de Adão: variações sobre Heathcliff


Heath n (uncultivated field) terreno não cultivado urzal, urzeco sm
brejo, charco sm


Cliff n (geography) penhasco sm
falésia sf

Heathcliff[1] é vegetação rasteira, de raízes grossas, que cresce,
espontânea e ramosa, nos rochedos e nas ribanceiras. Germina em solos
ácidos e pobres, e inibe o desenvolvimento de outras plantas. Erica
vulgaris, charneca. No prefácio à segunda edição d'O morro dos ventos
uivantes[2], datado de 1850 (dois anos após a morte de Emily Brontë,
vitimada pela tuberculose), Charlotte Brontë descreve a irmã como uma "moça
confinada à sua casa e à sua charneca". Charneca literal, a paisagem em
torno de Haworth, vila de Yorkshire onde viveram os Brontës; e charneca
figurada, Heathcliff, o herói byroniano d'O morro dos ventos uivantes.
'Heathcliff' serve-lhe como nome e sobrenome, posto que, charneca
erma e selvagem, é filho de pais desconhecidos. Filho do diabo, ou dádiva
do Senhor? Talvez pai de si mesmo, germinal. D'O morro dos ventos uivantes,
Charlotte disse, no prefácio citado: "é todo ele rústico, selvagem e
espinhoso como uma raiz de urze". Heathcliff, o Morro dos Ventos Uivantes
(a propriedade) e O morro dos ventos uivantes (a obra) são o mesmo urzal.
Em seleção póstuma dos poemas de Emily, Charlotte recorda: "Minha
irmã amava as charnecas. Para ela, flores mais brilhantes que a rosa
desabrochavam no negrume da urze; fora de um sombrio buraco em uma lívida
encosta, sua mente podia fazer um Éden"[3]. Como conta Brian Wilks[4], o
reverendo Patrick Brontë foi instruído e educado por intermédio da poesia
de Wordsworth, e acreditava ser a natureza a divina educadora dos
espíritos. Embora Emily partilhasse da veneração do pai pelos mistérios do
calmo mar de urze, não abraçava o credo de Wordsworth. Em suas deambulações
pelas charnecas de Haworth, Emily encontrou a personificação da natureza:
esta não era a fertilidade e a renovação femininas da Deusa-Mãe, que ensina
à alma a serenidade e a alegria; antes, era a violenta força masculina de
Heathcliff[5].
Harold Bloom escreveu, certa feita, que, "nos grandes romances,
personagens não se resumem a caracteres impressos sobre páginas; antes, são
retratos pós-shakespearianos da realidade de homens e mulheres:
verdadeiros, prováveis, viáveis"[6]. Ergo, é-nos facultado questionar: que
significado terá Heathcliff para Emily? Djin da família das ericáceas,
Heathcliff é indomável, personagem (character) que se furta à
caracterização. Na lição de Bloom:

Heathcliff nega toda e qualquer tradição, inclusive as
afiliações byroniana e shakesperiana. Até certo ponto,
talvez jamais possível de ser determinado, Heathcliff
encerra a crítica de Emily Brontë à tradição do Alto
Romantismo, no que respeita à representação e exaltação do
desejo masculino. Mas ninguém conseguiu até o presente
desenvolver essa percepção; há quase tantos Heathcliffs
quanto Hamlets.[7]

Alianças rompidas. Isolamento. Loucura. Amor perdido. De fato, O morro
dos ventos uivantes é marcado por uma "atmosfera de claustrofobia
sexual"[8]. Ao revisar suas origens românticas, Emily parece interessada em
criar novos paradigmas de representação das relações naturais. Mas como o
desejo masculino penetra no universo de Emily? Ou ainda: como se define a
identidade sexual de Heathcliff? Se a intuição de Bloom está correta, a
"questão de gênero" ocupa o ponto de fuga do painel pintado por Emily n'O
morro dos ventos uivantes. E Deus... criou o homem, esse Proteu semântico!
Como Emily, a criadora, se posiciona diante de Heathcliff? E como
Heathcliff, o homem, se posiciona diante de Catherine?
Sem a pretensão de esgotar o problema, descreveremos e compararemos
três tentativas clássicas de interpretação da imagem de Heathcliff: como
herói; como herói-vilão; e como centelha alienada do Deus interior. Nas
variegadas desleituras a que O morro dos ventos uivantes foi submetido no
curso das gerações, as três propostas exegéticas do caráter de Heathcliff
foram freqüentemente reaproveitadas, alternativa ou concomitantemente. São
três faces de Adão, três estratégias literárias de representação do desejo
masculino – e, também, de representação do masculino como obscuro objeto de
desejo.


Herói


Acreditava Emily – como Florbela Espanca – que das urzes queimadas
nascem rosas? Que a charneca rude abre-se em flor? Heathcliff corresponde
ao herói convencional da narrativa vitoriana ortodoxa? É esse o
entendimento esposado pelo filósofo antifeminista Anthony M. Ludovici[9].
Na argumentação de Ludovici, o "satânico" e o "mórbido" atribuídos às
figuras de Heathcliff e Catherine não seriam mais que distorções advindas
da narração de Nelly Dean, "uma empregada ignorante, incapaz de entender as
pessoas cujas ações ela está recontando"[10]. Para o autor, os
protagonistas d'O morro dos ventos uivantes não são mais que um homem e uma
mulher enamorados que lutam contra a força do destino.
Emily, segundo Ludovici, criou em Heathcliff a imagem do amante
ideal, por jamais se ter deparado com um homem que inspirasse seu amor[11].
O personagem seria fruto do desabrochar sexual de Emily na solidão das
charnecas de Haworth. Os instintos sexuais e a fértil imaginação da autora
teriam conjurado um incubo dos campos. Em depoimento[12] publicado junto ao
prefácio da segunda edição d'O morro dos ventos uivantes, Charlotte afirma:
"Minha irmã Emily não era pessoa comunicativa, nem permitiria que ninguém
– nem mesmo a família – penetrasse, sem pedir licença, nos recessos da sua
mente ou dos seus sentimentos". Para Ludovici, é Heathcliff o vento que
acaricia a ostra – o amigo secreto, o namorado erradio composto pelo
coração insular de Emily.
É esse o Heathcliff de Kate Bush e Stephenie Meyer. É também o
Heathcliff da bela adaptação cinematográfica de 1939, dirigida por William
Wyler e estrelada por Laurence Olivier e Merle Oberon. A propósito, cabe
tecer algumas considerações.
Analisando o ciclo de produções do drama romântico que se iniciou a
partir da segunda metade dos anos 30, o professor Heitor Capuzzo identifica
na tensão entre o mundo dos amantes e o mundo da sociedade o leitmotiv do
gênero. Nesse sentido, os "paralelismos em contraponto" marcariam a
oposição entre, por um lado, a dimensão espaço-temporal do idílio amoroso
e, por outro lado, a dimensão espaço-temporal da práxis cotidiana:

As reiterações temporais apontam para o tratamento de
urgência do amor recém-descoberto; o imediatismo na
formação do casal; a abrupta reação externa ao par
central; a súbita despedida de um dos amantes.
As reiterações espaciais propõe níveis diferenciados para
os amantes e os demais personagens, através de primeiros
planos com a utilização do fundo em contraponto; o claro e
o escuro; o interior e o exterior; quase sempre sugerindo
uma subjetividade e uma objetividade.[13]

No jogo de 'heróis' e 'vilões' que articula o drama romântico, é
imprescindível que se demarque a fronteira entre a subjetividade do
universo particular dos amantes e a objetividade do pragmatismo
cotidiano[14]. São dois os níveis de tempo e espaço: o do amor e o do
conflito. Na lição de Capuzzo:

Como os amantes estão sempre acuados, o mundo pragmático
torna-se um feroz empecilho para a consumação da
felicidade do casal. A paisagem ao redor torna-se
agressiva e a fragilidade dos amantes permite que seu
destino sofra a interferência dos coadjuvantes que se
tornam, por isso mesmo, poderosos. Como os amantes
conquistam a empatia do espectador, há um contraponto
entre a lógica da experiência concreta do público com sua
aspiração lúdica, próxima do idealismo.[15]

A adaptação cinematográfica d'O morro dos ventos uivantes ajudou a
referendar o carisma do drama romântico junto ao grande público. William
Wyler trabalhou por dois anos para persuadir o produtor Samuel Goldwyn a
deixá-lo dirigir o filme, baseado no roteiro de Charles MacArthur e Bem
Hecht, e originalmente escrito por Sylvia Sidney e Charles Boyer[16].
Conforme John Harrington, "a força da versão de Wyler está no tratamento
das ferramentas do cinema [inclusas as estratégias narrativas do drama
romântico], mais que na tradução verbal, para a tela, da publicação"[17].
O filme é centrado no dilema de Catherine entre o selvagem e natural
amor por Heathcliff e a civilizada e ordenada vida da sociedade
adequada[18]. Como indica Capuzzo: "Trata-se da tragetória de uma maldição.
Heathcliff é um 'presente de Deus' e, ao ser menosprezado por Cathy, torna-
se um 'enviado do mal'. Cathy comete a falha trágica de 'não ouvir os
deuses', procurando a falsa segurança do mundo terreno"[19]. Vaidosa,
mesquinha e materialista, a personagem não consegue se desligar do universo
terreno, e conspurca Penistone Crag, a dimensão espaço-temporal do idílio
amoroso, rocha que, na infância, ela e Heathcliff transformaram em um
castelo. Ansiando por uma vida elegante e confortável, Cathy pede a
Heathcliff que fuja do Morro dos Ventos Uivantes e lhe traga o mundo. Casa-
se com Linton e, após o regresso de Heathcliff, morre por não suportar o
conflito moral entre o amor de infância e a fidelidade ao marido. Ensina
Capuzzo:

O singular da encenação de Wyler é o destaque para o fato
de a experiência amorosa ser vital e inevitável. Se for
truncada, acarreta num suplício infernal. O amor é um
casamento de almas. Por isso mesmo, os amantes no drama
romântico tornam-se superiores pelo que sentem,
distanciando-se dos demais mortais. Daí a necessidade de
um outro espaço, regido por um outro tempo. Pelo fato de
Heathcliff e Cathy negligenciarem o "presente dos deuses",
foram cruelmente castigados. Somente os deuses podem
interferir no destino dos amantes, sendo que, neste caso
específico, eles nada fizeram para que a união do casal
não se consumasse. Como não foi possível a experiência
amorosa, o par central tornou-se assombrado, assim como o
"castelo" desaparecido na paisagem, dando lugar a um
"pântano estéril".[20]

No curso do película, Isabella dirá a Heathcliff: "Você não é obscuro
e horrível como todos pensam; você está cheio de dor". Com efeito, o
protagonista é retratado como uma vítima do caráter inescrupuloso,
indisciplinado e anárquico do sexo feminino. Devido ao pecado original de
Catherine, é Heathcliff expulso do paraíso e condenado a vagar entre
espinhos e abrolhos.
Estabelecendo uma comparação entre as estruturas conceituais do livro
e do filme, George Bluestone[21] propõe que a interpretação de Heathcliff
como herói convencional configuraria uma "gondalização" d'O morro dos
ventos uivantes. Durante a juventude, sob a liderança de Branwell, os
irmãos Brontë inauguraram um jogo de invenção e composição literária
conjunta, a Scribblemania. Compuseram, então, um mundo de fantasia
partilhado. Nesse tumulto febril de criação, tiveram origem os Reinos de
Glasstown, Angria e Gondal. Sobre a fundação de Gondal, da pena de Emily e
Anne, Wilks comenta:

No início, junto com Anne, ela [Emily] apenas aderiu aos
mais sofisticados jogos que Branwell e Charlotte
organizaram, aceitando as regras distribuídas, e deixando
sua liderança para os mais velhos. Mas com a partida de
Charlotte para Roe Head [uma escola para jovens moças], em
1831, Emily e Anne instauraram um novo ímpeto para suas
narrativas da estória, fundando seu próprio Reino de
Gondal para explorar enquanto Branwell e Charlotte
continuavam a desenvolver Angria. Com Branwell preocupado
com a escrita de História dos Jovens Homens e suas
explorações de Haworth, as duas meninas rapidamente
estabeleceram seu novo jogo no curso de linhas mais
fantasiosas do que o domínio de Charlotte e Branwell
permitiria. Enquanto Glasstown e Angria eram os palcos
para intrigas políticas e campanhas militares, Gondal,
nascida das leituras de Byron, era em todos os aspectos
mais poética, seu cenário, mais obviamente romântico e
suas pessoas, os típicos foras-da-lei, bandidos, exilados
e prisioneiros das narrativas de Byron.[22]


Para afirmar-se como escritora original, Emily precisou libertar-se
de Gondal e da rede juvenil de criação coletiva tecida por Branwell, o
gênio manqué que se tornara melancólico, alcoólatra e incapaz de organizar
sua própria vida[23]. Em seu depoimento, Charlotte rememora:

Há cerca de cinco anos, após um prolongado período de
separação, eu e minhas duas irmãs voltamos a reunir-nos em
casa. Residindo num remoto distrito, onde a instrução
pouco progresso fizera e onde, em conseqüência, não havia
satisfação em procurar relações sociais fora do círculo
doméstico, dependíamos inteiramente de nós mesmas e umas
das outras, da leitura e do estudo para preenchermos as
necessidades de diversão e de ocupação das nossas vidas. O
mais alto estímulo e o maior prazer que conhecêramos desde
a infância baseara-se em tentativas de composição
literária. A princípio costumávamos mostrar o que
escrevíamos; ultimamente, porém, esse hábito de
comunicação e consulta fora posto de lado, daí resultando
ignorarmos mutuamente os progressos que cada qual tinha
feito.

N'O morro dos ventos uivantes, a autora emula Byron, explorando zonas
impensadas da identificação entre amor e morte já presente no Alto
Romantismo – e na Scribblemania. Como indica o filósofo Georges
Bataille[24], n'O morro dos ventos uivantes Emily torna explícita a
intuição, subjacente ao labor dos românticos, de que "o erotismo é a
ratificação da vida até na morte"; ou, ainda, de que o amor é a verdade da
morte, e a morte, a verdade do amor. Segundo Harold Bloom:

As paixões de Gondal quase não são moderadas n'O morro dos
ventos uivantes, nem poderiam ser; a religião de Emily
Brontë é essencialmente erótica, e sua visão de
sexualidade triunfante é tão misturada com a morte que nós
não podemos imaginar nenhuma consumação para o amor de
Heathcliff e Catherine Earnshaw exceto com a morte.[25]

Daí que a obra apresente uma "eloqüência sádica"[26] incompatível com
a narrativa vitoriana tradicional: o corpo é o toldante véu material que
deve ser despedaçado para que a paixão se realize. Na observação de
Bluestone, "o amor apaixonado é impossível por quê o corpo, o agente deste
mundo, simplesmente não pode sustentá-lo. A morte é a redentora, não a
stasis"[27]. Aqui, Emily atingiria revelações ainda mais sombrias que as da
"escuridão visível" de Byron. Ora, transformar Heathcliff em um herói
convencional, conforme Bluestone, implica em negar a "dimensão horripilante
da identificação total"[28], sobre a qual se firmariam os alicerces do
Morro dos Ventos Uivantes: eis-nos de volta ao Reino de Gondal. Após
demonstrar que a versão cinematográfica de Wylder não sustenta o tema da
identidade espiritual entre os amantes – identidade esta, reitere-se, que
não pode ser plenamente realizada até que a alma esteja livre da armadilha
do corpo –, Bluestone argumenta:

Qual é o resultado da concessão desses atributos gêmeos,
romantismo e desejo de engrandecimento, sobre Cathy, na
versão cinematográfica?
O efeito é forçar a estória de Emily Brontë dentro de um
molde convencional de Hollywood, a estória do estável
rapaz e da dama. A convenção deve ser razoavelmente
familiar. Uma dama criada em vizinhanças respeitáveis
encontra-se a si mesma dividida entre um de sua "própria
espécie" e um estranho atraente. O primeiro é impotente,
rico, desinteressante e gentil; o segundo é
revoltantemente masculino, pobre, apaixonado, e rude. Por
razões românticas e sexuais, a dama claramente prefere o
forasteiro. Se a dama não está disposta a escapar com o
estranho (como em Aconteceu naquela noite, de Capra), ela
começa a torná-lo respeitável, aprimorar sua tabela de
maneiras tal como sua renda (como em Janela Indiscreta, de
Hitchcock). Em Wuthering Heights, a estória faz uma
trágica reviravolta devido à má sorte.[29]

Não representando o herói convencional, o estável rapaz de um drama
romântico, mas o epicentro de um "catálogo de horrores ctônicos"[30],
Heathcliff surgiu a alguns como o avatar de um anjo caído. O abismo do Mal
e a violência sagrada a ele associados o converteriam em um anti-herói.
Noutras palavras: Heathcliff seria Byron redivivo, o belo e maldito poeta
cujo trabalho foi dominado pela interlocução entre imagens de luz e
trevas[31]. Esta interpretação será analisada em nosso próximo tópico.


Herói-vilão


Emily Brontë tinha seis anos em 1824, quando George Gordon, o Lord
Byron, morreu tentando liderar bandoleiros gregos numa revolta contra os
turcos. Como muitos homens e mulheres do período, as irmãs Brontë
apaixonaram-se pela poesia, pelo mito e pela personalidade de Byron. "O
mais sedutor de todos os anjos caídos"[32], Byron transitava entre o céu e
o inferno, e – como destaca Harold Bloom – sua "sexualidade passivo-
agressiva – a um só tempo sadomasoquista, homoerótica, incestuosa, e
ambivalentemente narcisista – claramente estabelece o padrão para o
ambiguamente erótico universo de Jane Eyre e O morro dos ventos
uivantes"[33].
Como componentes do herói byroniano, Pesta elenca o perigo, a
potência sexual e o desrespeito pelas convenções da sociedade "decente",
bem como a afirmação da liberdade individual e da radical auto-
expressão[34]. Pondera Charlotte, no prefácio à segunda edição d'O morro
dos ventos uivantes:

Heathcliff revela um único sentimento humano, que não é o
seu amor por Catherine; o qual é um sentimento selvagem e
desumano, uma paixão que poderia fervilhar e brilhar na má
essência de um gênio do mal, um fogo que poderia formar o
centro tormentoso — a alma eternamente sofredora de um
magnata do mundo infernal; e, pela sua insaciável e
interminável devastação, acarreta a execução da sentença
que o condena a levar consigo o inferno, aonde quer que
ele vá.

A descrição de Charlotte poderia se aplicar não só a Heathcliff mas,
também, a Byron e ao Lúcifer de John Milton, ambos magnatas do inferno
tomados por seus desejos. C. S. Lewis defendia que os demônios eram os
anjos que não conseguiram amadurecer[35]. Ora, se a maturidade implica na
assimilação das leis da sociedade e da cortesia convencional, a
incondicionada exaltação, em Heathcliff, Byron e Lúcifer, da soberania dos
impulsos primários da infância, faz deles os modelos do anjo caído.
Com efeito, na narração de Nelly Dean, após a morte do sr. Earnshaw,
Heathcliff e Catherine "tinham prometido crescer como selvagens e, como o
jovem patrão [Hindley] descurava totalmente da sua educação, viviam livres
de sua tutela". Eis o reino da infância bravia e arisca, totalmente
dissociado da práxis cotidiana e da razão baseada em um cálculo de
interesse. Nesse universo, como destaca Camille Paglia, "Catherine e
Heathcliff são sacerdotes automutilantes de um culto pagão da natureza
violenta e não natural"[36]. Heathcliff imagina o Paraíso como um mundo
destituído de adultos.
Catherine, contudo, vê-se obrigada a amadurecer, logo após entrar em
contato com os Linton. Presa entre a realidade social da Granja dos Tordos
e o byronismo demoníaco do Morro dos Ventos Uivantes, a jovem tenta uma
solução de compromisso, uma frágil conciliação entre o vale fértil e belo e
a região montanhosa, hostil e poluída. Acerca do caráter alegórico da
topografia do livro de Emily, cindida entre a Granja e o Morro, Paglia
ensina:

Wuthering heights segue a geografia psicossexual de
Antônio e Cleópatra, de Shakespeare. A Granja Thrushcross,
a propriedade de Linton, é como a Roma de César, um mundo
respeitável de personas sexuais estáticas. O morro dos
ventos uivantes dos Earnshaw, como o Egito de Cleópatra, é
um reino de energia bruta natural e descontroladas
metamorfoses. As montanhas românticas são sublimes,
exaltadas, extremas. A granja é a natureza administrada,
contida, agrária, habilmente simbolizada pelo vôo de um
tordo, belo passado não predatório. Em Shakespeare, o
herói tem de escolher entre dois mundos opostos, mas em
Emily Brontë é a heroína. Voltando de sua estada na Granja
Thrushcross, Catherine é a Cleópatra boêmia transformada
em serena Otávia. "Em vez de uma selvagenzinha doida, sem
chapéu, saltando para dentro de casa e pulando para
abraçar-nos inteiramente sem fôlego, desmontava de um belo
pônei negro uma pessoa muito digna, com os cachos
castanhos caindo de debaixo de um chapéu de castor, e um
comprido manto de pano que era obrigada a segurar com
ambas as mãos para poder andar". Essa nova persona
decorosa é adquirida à custa de muita perda de vitalidade.
O símbolo da granja é o que Heathcliff chama de "os vazios
olhos azuis dos Linton". Os Linton são deuses do céu
louros, que representam, como o César de Shakespeare, um
apolinismo impossível, árido. Os olhos deles são vazios
porque cegos para o reino escuro, turvo, da dionisíaca
força da natureza de Heathcliff. A granja está ao abrigo
das tempestades que açoitam e aplastam a vegetação do
morro. Essa paisagem hostil de "ventos frios e cortantes
do céu do Norte" é o toque de mestre do romance. Aí está o
mais importante afastamento da aurora do alto romantismo,
em que a natureza, mesmo quando mais tumultuosa, é em
geral uma inexaurível fonte de fertilidade. Para ela, a
natureza é basicamente força, não alimento. Ela cria, em
outras palavras, uma natureza sem uma mãe.[37]

Pontuamos, anteriormente, a diferença entre a natureza como Deusa-
Mãe, em Wordsworth, e como força masculina, em Emily. Ora, os ideais
românticos acerca de uma natureza benevolente entraram em decadência no
curso do século XIX: a vida selvagem transformou-se de Parvati em Kali. As
representações da sexualidade, manifestação do natural no cultural,
acompanharam referido processo. Não se podia, doravante, ignorar o
componente perverso ínsito nos relacionamentos amorosos. As urzes não são
lírios do campo: daí que o livro de Emily, centrado em um personagem
seminalmente viciado, apresente-se como "um redemoinho sadomasoquista de
barulho e movimento primitivos, o rasgar e despedaçar do sparagmós
dionisíaco, que só se torna tolerável ou mesmo inteligível pelo brilhante
artifício de distanciamento dos quadros narrativos em série"[38]. A
inovação formal, habilmente manuseada por Emily, de articular quadros
dentro de quadros – narrações dentro de narrações – decanta, por meio da
estabilidade, da razão e do senso comum de Nelly Dean e Lockwood, a
turbulência disforme da relação de Catherine e Heathcliff, cujas
identidades estão em contínuo deslocamento.
Mas o fato é que Catherine mostra-se incapaz de decidir-se entre
Heathcliff e Linton, a natureza e a cultura, ou, na terminologia de
Bataille, a preferência pelo instante presente e a consideração do porvir.
Nos delírios febris que se seguem à luta entre Heathcliff e Linton,
Catherine imagina que foi arrancada do Morro dos Ventos Uivantes aos doze
anos, sendo forçada a se tornar "esposa de um estranho, exilada e
proscrita" do que fora seu mundo. E lamenta: "Quem me dera ser de novo
aquela criança meio selvagem, audaciosa e livre... e rir das ofensas em vez
de me preocupar com elas!".
Porém, Heathcliff não aceita a subsistência da antinomia. A propósito,
diz a Catherine: "Depois de arrasares o meu palácio, não penses que podes
construir uma cabana e vangloriares-te da tua generosidade ao oferecê-la
para eu morar". Ainda com Bataille, poderíamos dizer que a ferocidade
semiaplacada e o fogo reprimido de Heathcliff reivindicam a soberania da
"parte maldita" (do jogo, do aleatório, do perigo) sobre a sociedade. Se a
cultura representa a ordem dos valores, a transgressão de Heathcliff
surgirá, necessariamente, como uma Rebelião do Mal contra o Bem. Narra
Nelly Dean:

[Heathcliff] tinha perdido os benefícios da sua anterior
educação: o trabalho, pesado e contínuo, do raiar ao pôr
do sol, havia extinguido a sua curiosidade de outrora, bem
como o seu gosto pelos livros e pelo saber. [...]
Conseqüentemente, o aspecto físico tornou-se o espelho de
sua degradação mental; adotou um comportamento desleixado
e uma aparência ignóbil; o seu mau humor natural deu
origem a um excesso, quase demente, de insociabilidade,
sentindo, por isso, um prazer mórbido em despertar a
aversão (e não a simpatia) dos poucos que o rodeavam.

Como disse Bataille, Heathcliff "encarna uma verdade primeira, a da
criança que se rebela contra o mundo do Bem, contra o mundo dos adultos, e
é arrastado, por sua revolta sem reservas, ao partido do Mal". Este o tropo
do Paraíso perdido.
Face ao caráter transgressor d'O morro dos ventos uivantes[39], o
pintor e poeta pré-rafaelita Dante Gabriel Rossetti escreveu, certa feita:

É um demônio de um livro, um incrível monstro, combinando
todas as mais fortes tendências femininas, de Mrs.
Browning[40] a Mrs. Brownrigg[41]. A ação está situada no
inferno – é apenas aparência que os lugares e as pessoas
tenham nomes ingleses lá.[42]

O comentário de Rossetti reflete o espanto que se seguiu à publicação
da obra, em 1847. Apreciadores e detratores do livro escandalizavam-se face
ao "explosivo sadismo feminino"[43] que rebentava de suas páginas. A alusão
a Elizabeth Brownrigg – cuja estátua, nos dias que correm, compõe o acervo
do London Dungeon, museu britânico de eventos históricos macabros –
evidencia o desconcerto e o alarme que trouxe aos leitores a fusão,
proposta por Emily, entre desejo e desespero, amor e morte.
Elaborada à época do lançamento da obra, uma resenha anônima
afirmava:


N'O morro dos ventos uivantes, o leitor é chocado,
nauseado, quase molestado com detalhes de crueldade,
inumanidade e o mais diabólico ódio e vingança; e, ainda,
algumas passagens de poderoso testemunho do supremo poder
do amor – mesmo sobre demônios em forma humana. As
mulheres no livro são de uma estranha natureza diabólico-
angélica, tentadoras e terríveis, e os homens são
indesejáveis fora do próprio livro.[44]


Aduzimos, acima, à teoria de Anthony M. Ludovici, conforme a qual
Heathcliff seria o desenvolvimento, por Emily, da imagem do amante ideal.
No afã de elucidar os elementos sadomasoquistas presentes na obra, Camille
Paglia sustentará hipótese diversa: Heathcliff, na verdade, seria uma
variação da própria Emily. Com efeito, a composição da personagem partiria
de uma dinâmica de criação literária que Paglia denominou identificação
transexual, na qual "um autor homem se projeta em uma personagem mulher, e
vice-versa"[45]. Nesse sentido, a intelectual americana afirma:

A amoralidade e o poder pagão do romantismo concentram-se
no herói byroniano Heathcliff, produto de uma espantosa
transformação sexual. Heathcliff é Emily Brontë, uma
mulher que levou ao máximo os limites do gênero sexual e,
não encontrando satisfação na arte, morreu.[46]

Assim, o delírio báquico que consome o livro seria irradiado por um
amor que transcende as definições sexuais. Não são raras as referências
históricas à masculinidade de Emily. No depoimento publicado junto ao
prefácio da segunda edição d'O morro dos ventos uivantes, Charlotte
apresenta a irmã como uma pessoa "mais forte do que um homem, mais simples
do que uma criança". E prossegue:

Sob uma cultura destituída de sofisticação, gostos
naturais e uma aparência modesta, jaziam um fogo e um
poder secretos, que poderiam ter inflamado as veias e
alimentado o cérebro de um herói; mas ela não tinha
conhecimentos mundanos; os seus poderes não se adaptavam
aos aspectos práticos da vida: ela não saberia defender os
seus mais manifestos direitos, lutar pelas suas mais
legítimas conveniências. (grifo nosso)

Heathcliff, uma mulher transfigurada em herói. N'O morro dos ventos
uivantes, as identidades sexuais representariam uma abstração à parte, em
outra dimensão de espaço e tempo, que devem ser destruídas para que a plena
união de Catherine e Heathcliff – irmãos-espírito – ocorra. Paglia divisa,
subjacente à obra, um erotismo lésbico, que seria herdeiro do
hermafroditismo romântico de Byron[47]. Contrapondo-se à tese de que
Heathcliff teria sido inspirado em Brawell, a intelectual americana
disserta:

Heathcliff é uma das grandes personas sexuais
hermafroditas do romantismo, uma representação onírica de
Emily Brontë como Byron naturalizado. [...] Muitos
comentários adiantaram a tese tradicional mas absurda de
que Heathcliff é modelado em Branwell Brontë, único homem
entre seis irmãos no presbitério de Haworth. [...] Em
termos de personas sexuais, Branwell era a antítese total
do ativo, veemente e imperioso Heathcliff. Fisicamente
truncado, auto-indulgente, morrendo finalmente viciado em
ópio, Branwell pertencia à categoria de virilidade
sonhadora, vacilante, degenerada, tipificada pelo
Coleridge real e pelo Usher de Poe.[48]

Tomada do homem, a mulher, osso de seus ossos e carne de sua carne,
deve ser nele reabsorvida, junto a ele desfazer-se em pó. Como Bataille já
defendeu, a reprodução sexuada é a negação do isolamento do ser, posto que
a morte – ou a petite mort – deste como indivíduo representa uma condição
para a sua sobrevivência como espécie. O arrebatamento de divina embriaguez
e autodestruição do erotismo representa uma ruptura com o mundo dos
cálculos e das máscaras sociais. Seria esse o ensinamento d'O morro dos
ventos uivantes. Nessa esteira, argumenta Paglia:

Heathcliff e Catherine buscam a aniquilação sadomasoquista
de suas identidades distintas. O desejo deles de desfazer-
se um no outro produz um gigantesco corpo-espírito no
texto, impedindo que os outros membros da família atinjam
a estatura normal.[49]

É de se destacar que, como fusão total de imagens de alma, o
relacionamento de Heathcliff e Catherine difere das relações de Byron com
suas amantes – mesmo, a incestuosa relação com sua meia-irmã Augusta
Leight. O herói-vilão byroniano procura expressar sua individualidade,
enquanto Heathcliff pretende suprimi-la na comunhão com seu duplo
hermafrodita. Se Heathcliff é fruto do reconhecimento tardio – contra
Wordsworth – de que a natureza não é benevolente, mas violenta, seu desejo
sexual não se apresentará como manifestação de fertilidade, mas de
morbidez: daí a substância doentia de seu filho Linton. A advertência de
Catherine a Isabella alerta-nos contra a identificação absoluta entre
Heathcliff e o herói-vilão: "Sim, não penses que ele oculta rios de
benevolência e afeição sob toda aquela dureza exterior! Ele não é nenhum
diamante bruto, nenhuma ostra grosseira onde se esconde uma pérola; é um
homem terrível, feroz, desapiedado". Heathcliff não lideraria bandoleiros
gregos numa revolta contra os turcos. Ele próprio, condenando os
sentimentos de Isabella, dirá, posteriormente: "Fez de mim um herói
romanesco, esperando condescendência ilimitada da minha devoção e
cavalheirismo. Não consigo imaginá-la como uma criatura racional, já que
tão obstinadamente se agarrou a uma idéia fantasiosa do meu caráter, agindo
de acordo com as falsas imagens em que acreditava". A interpretação de
Heathcliff como duplo hermafrodita, centelha alienada de uma unidade divina
primitiva, será objeto de nosso próximo tópico.

Centelha alienada do Deus interior

Por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou em
duas, ansiava cada um por sua própria metade e a ela se
unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao
outro, no ardor de se confundirem, morriam de fome e de
inércia em geral, por nada quererem fazer longe um do
outro. E sempre que morria uma das metades e a outra
ficava, a que ficava procurava outra e com ela se
enlaçava, quer se encontrasse com a metade do todo que era
mulher — o que agora chamamos mulher — quer com a de um
homem; e assim iam-se destruindo. [Platão, O banquete,
191b][50]

É célebre o mito do andrógino narrado por Aristófanes n'O banquete de
Platão, segundo o qual, como punição aos seres humanos – que, então, tinham
duas cabeças e oito membros –, Zeus cindiu-os em dois. O eros consistiria
na infatigável busca pela metade amputada de si, movida pela saudade
enquanto dor no membro já perdido. A cosmovisão platônica encontra eco na
doutrina cabalista do Adão Cadmo, o Homem Arquetípico que, andrógino,
precede a Criação e a Queda, marcadas pelo surgimento da finitude e da
cisão. Também apresenta alguns paralelos com o esquema universal proposto
por Emily n'O morro dos ventos uivantes. Moribunda, Catherine diz a
propósito de Heathcliff: "Não quero vê-lo turvado pelas lágrimas, nem
desejá-lo entre as paredes de um coração dolorido, mas sim estar com ele, e
nele, na verdadeira acepção das palavras" (grifo nisso). Como indicamos
acima, o amor entre Catherine e Heathcliff é, na verdade, auto-amor
refletido de uma mesma alma, cindida em dois corpos: os amantes são duplos
hermafroditas em busca de reconciliação.
Subjacente à narrativa d'O morro dos ventos uivantes, é possível
discernir uma filosofia ou, ainda, uma gnose[51] pessoal: Emily é, como
reconhece Lord David Cecil[52], uma mística. Também Harold Bloom
identificará, na obra , "um tipo de fé poética, como a de Blake ou Emerson,
que se assemelha a alguns aspectos (mas não a outros) do antigo
Gnosticismo, sem de nenhuma maneira derivar efetivamente de textos
Gnósticos"[53]. Desenvolvendo o ponto, o crítico literário argumenta:

Emily Brontë, notadamente, como se abraçasse o gnosticismo
da Antiguidade, dirige-se ao Deus interior, o pneuma, ou
centelha que remonta a um período anterior às noções de
Criação e Queda. [...] Emily é visionária, que invoca o
próprio gênio como divindade, com grande firmeza e extrema
eloqüência.[54]

Nessa interpretação, dentro da doutrina de Emily, Catherine e
Heathcliff são as centelhas alienadas do Deus interior, o Adão Cadmo.
Assim, participam de uma alma anterior à Criação e à Queda, e que "está
para além de toda ideologia, toda formulação meramente social, para além
igualmente do sonho de justiça ou da vida melhor, porque está para além
deste cosmos, 'esta despedaçada prisão'"[55]. O amor entre Heathcliff e
Catherine não seria amor, mas o impulso dialético que mobiliza o
(re)equilíbrio de um sistema espiritual mais amplo. Nesse sentido, Bloom
discorre:

Mas "amor" parece um termo inadequado para a conexão entre
Catherine e Heathcliff. Não existem elementos de
transferência nesta relação, nem podemos chamar a conexão
envolvida de narcisista ou anaclítica. [...] Esses
extraordinários vitalistas, Catherine e Heathcliff, não
desejam aqui o que cada um não possui e ainda não
encontrou, e assim o aumento de si mesmos. Eles são um ao
outro, o que não é nem são nem possível, e que não
comporta, em absoluto, nenhuma doutrina de liberação.
Somente o Gnosticismo, das mais extremas visões, pode
acomodá-los, pois, como adeptos gnósticos, Catherine e
Heathcliff só podem entrar no pleroma ou na completude
juntos, como presumivelmente eles fizeram depois da morte
auto-induzida de Heathcliff por inanição.[56]

Similarmente, Lord David Cecil leciona:

Os heróis e heroínas de Emily Brontë não amam uns aos
outros por quê eles encontram nas personalidades dos
outros prazer, ou por quê eles admiram o caráter dos
outros. Eles talvez superficialmente sejam atraídos por
semelhantes razões, como Catherine Earnshaw é atraída por
Edgar Linton. Mas seus sentimentos profundos são
despertados apenas por alguém pelo qual eles sintam um
senso de afinidade, que procede do fato de que ambos são
expressiões de um mesmo princípio espiritual.[57]

Pode-se afirmar, de qualquer modo, com e contra Cecil, que a
contraposição entre o eterno e o temporal, a unidade incorruptível e a
pluralidade dos ciclos de geração e corrupção, é elemento que diferencia os
sentimentos de Catherine por Heathcliff e Linton. Catherine afirma amar
Linton pelo fato de ele amá-la e por ser bonito, jovem, alegre e rico. Em
contrapartida, diz amar Heathcliff por ser ele um outro eu para além dela
própria. E continua:

Os meus grandes desgostos neste mundo foram os desgostos
de Heathcliff, e eu acompanhei e senti cada um deles desde
o início; é ele que me mantém viva. Se tudo o mais
perecesse e ele ficasse, eu continuaria, mesmo assim, a
existir; e, se tudo o mais ficasse e ele fosse aniquilado,
o universo se tornaria para mim uma vastidão desconhecida,
a que eu não teria a sensação de pertencer. O meu amor
pelo Linton é como a folhagem dos bosques: irá se
transformar com o tempo, sei disso, como as árvores se
transformam com o inverno. Mas o meu amor por Heathcliff é
como as penedias que nos sustentam: podem não ser um
deleite para os olhos, mas são imprescindíveis.

Em The butterlfy[58], ensaio redigido por Emily em agosto de 1842,
pode-se discernir uma cosmologia implícita: toda a criação é igualmente má,
e a natureza encontra-se submetida ao princípio da destruição. Todos os
seres são instrumentos da morte de outros, e a presença do homem na terra,
maculada pelo pecado, é similar à feia lagarta na flor. Porém, tal como a
borboleta justifica a lagarta, a realização futura do homem, em um novo céu
e em uma nova terra, justifica a vasta máquina de produção do mal que
constitui o universo. Aproximando o ensaio de 1842 e o romance de 1847,
Cecil procura expor a estrutura fundamental da gnose pessoal de Emily.
Identifica dois axiomas básicos, que se veriam refletidos na formatação d'O
morro dos ventos uivantes:

O primeiro é que todo o cosmos criado, animado ou
inanimado, mental e físico igualmente, é a expressão de
certos princípios espirituais vivos – de um lado o que
pode ser chamado o princípio da tempestade [o Morro dos
Ventos Uivantes; Heathcliff e os Earnshaw] – do áspero, do
impiedoso, do selvagem, do dinâmico; e, por outro lado, o
princípio da calmaria [a Granja dos Tordos; os Linton] –
do suave, do misericordioso, do passivo e do domesticado.
Além disso, a despeito de sua aparente oposição, esses
princípios não estão em conflito. Ou – Emily Brontë não
deixa claro o que acha – cada um é a expressão de um
diferente aspecto de um mesmo e único espírito permeador;
ou eles são as partes componentes de uma harmonia. O mondo
de nossa experiência é, face a isso, cheio de discórdia.
Mas isso se dá unicamente por quê, na limitada condição de
sua encarnação terrestre, esses princípios encontram-se
desviados do curso que sua natureza determinava seguir, e
retirados de seus respectivos caminhos eles são
transformados de forças positivas em negativas; a calmaria
torna-se uma fonte de fraqueza, não de harmonia, no
esquema natural; a tempestade uma fonte não de vigor
frutífero, mas de perturbação. Mas quando eles estão
livres de seus cativeiros de carne, eles fluem
desimpedidos e sem conflito; e mesmo neste mundo suas
discórdias são transitórias. O princípio singular, dirige-
os em última instância, cedo ou tarde impõe um
equilíbrio.[59]

Nessa arquitetônica metafísica, o sobrenatural seria a expressão das
leis da natureza[60]. Sendo toda a realidade decorrência de um princípio
espiritual singular, não haveria diferença efetiva entre o natural e o
cultural. Tampouco haveria antítese entre a vida e a morte, visto que o
falecimento do corpo não destrói, mas liberta o princípio espiritual para
que este se manifeste plenamente neste mundo. Aplicando à narrativa d'O
morro dos ventos uivantes os axiomas apresentados, Cecil observará:


De um lado, nós temos o Morro dos Ventos Uivantes, a terra
da tempestade; elevado sobre a árida charneca, nua devido
ao choque dos elementos, a casa natural da família
Earnshaw, impetuosos, indômitos filhos da tempestade. De
outro lado, protegida no frondoso vale abaixo, fica a
Granja dos Tordos, a apropriada casa dos filhos da
calmaria, os suaves, passivos, tímidos Lintons. Juntos,
cara grupo, seguindo sua própria natureza em sua própria
esfera, combinam para compor a harmonia cósmica. É a
destruição e o restabelecimento desta harmonia o tema da
estória. Ela começa com a chegada, no Morro dos Ventos
Uivantes, de um elemento estranho – Heathcliff. Ele,
também, é um fihlo da tempestade; e a afinidade entre ele
e Catherine Earnshaw faz com que eles se apaixonem um pelo
outro. Mas desde então ele é um elemento estranho, ele é a
fonte da discórdia, inevitavelmente interrompendo o
trabalho da ordem natural. Ele impele o pai, Earnshaw,
entrar em conflito com o filho, Hindley, e como resultado
Hindley entra em conflito com ele próprio, Heathcliff. A
ordem é mais intensamente deslocada por Catherine, que é
seduzida para unir-se a si mesma em um "não-natural"
casamento com Linton, o filho da calmaria. O choque desta
infidelidade e os maus-tratos de Hindley, a seu turno,
perturba a natural harmonia da natureza de Heathcliff, e
transforma-o, de um elemento alienígena na ordem
estabelecida, em uma força ativa para a sua destruição.
Ele não é, portanto, como usualmente se supõe, um homem
perverso que voluntariamente sucumbe a seus perversos
impulsos. Como todos os personagens de Emily Brontë, ele é
a manifestação de forças naturais atuando
involuntariamente sob a pressão de sua própria natureza.
Mas ele é uma força natural que foi frustrada em seu
escape natural, e que é então se torna inevitavelmente
destrutiva, como uma cheia torrencial desviada de seu
leito, que flui sobre a região circundante, deixando
devastado tudo o que jaz em seu caminho. Nada pode detê-
la, até que sejam removidos os obstáculos que impedem-na
em seu leito natural.[61]

Em síntese: é Heathcliff a força do negativo, que, tal qual Shiva,
conduz ao movimento uma realidade a princípio estática. Comprometendo o
solipsismo monádico do Morro dos Ventos Uivantes e da Granja dos Tordos,
a(s) unidade(s) inicial(is), indiferenciada(s), Heathcliff guia o princípio
espiritual, através da cisão e da particularidade, a uma nova unidade,
pluralista (simbolizada pela associação, final, entre Hareton e Cathy).
Unidade indiferenciada (universal abstrato); particularidade; unidade
diferenciada (universal concreto/singularidade). Não é inconseqüente a
utilização, aqui, da terminologia hegeliana. Com efeito, tanto o filósofo
alemão quanto a poeta britânica desenvolvem gnoses pessoais centradas na
revelação do espírito a si, no tempo. Ambos, em seus respectivos âmbitos de
atuação, desenvolveram esquemas universais centrados no jogo entre o
estático e o dinâmico, o eterno e o temporal. Um e outro mostram que o
homem, anjo caído (ou Adão expulso do paraíso), apesar de – ou mesmo,
devido à – sua rebelião contra o Bem e a ordem dos valores, é o veículo
indispensável para que a harmonia se instaure no cosmos, completado o
círculo da criação.

Conclusão

"Estou quase entrando no meu céu; o céu dos outros, não cobiço nem
tem para mim qualquer valor!". Estas são palavras de Heathcliff, quando,
assombrado pelo espectro de uma esperança, já se prenuncia sua morte.
Herói, anti-herói ou centelha alienada do Deus interior, Heathcliff é, de
qualquer forma, o símbolo do gênio de sua criadora. Também ela, em seu
silêncio, repudiava para si o céu dos outros, e criou o seu próprio. O
morro dos ventos uivantes é o mapa que registra a topografia deste céu,
que, verdade seja dita, suprassume o céu e o inferno em uma nova unidade.
Catherine sonha que, encontrando-se no céu – dos outros –, sentiu-se
infeliz e foi expulsa pelos anjos. Sua Queda lançou-a ao urzal do Morro dos
Ventos Uivantes, onde encontrou alegria. As urzes não são lírios do campo –
mas tampouco são lírios místicos. A gnose pessoal de Emily Brontë a
distancia irreversivelmente da cosmovisão da ortodoxia cristã – bem como da
cosmovisão do Alto Romantismo e de qualquer outro movimento cultural
precedente. Semelhante originalidade reflete-se em Heathcliff, que, numa
infinidade de faces – propostas de interpretação às mais diversas, das
quais tentamos, aqui, fornecer três exemplos significativos –, permanece um
mistério. O culto à força masculina das charnecas subjaze às três variações
de Heathcliff apresentadas aqui. Da mesma forma, no núcleo da luta de
Heathcliff contra a práxis cotidiana, parece subsistir a fé poética na
redenção da mundo, já manifestada em The butterlfy. Chegado o momento, até
a morte há de morrer, e será instaurado o império da felicidade e da
glória. É esta a lição que, no crepúsculo do Alto Romantismo, a Emily
visionária parece extrair da observação das charnecas de Haworth.
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[1] Como referência, nos valeremos, neste trabalho, da tradução de
Wuthering Heights feita por Ana Maria Chaves, publicada pela editora Lua de
Papel, em São Paulo, no ano de 2009.
[2] Dito prefácio em encontra-se publicado no vernáculo em BRONTË, Emily. O
morro dos ventos uivantes. Tradução de Vera Pedroso. São Paulo: Círculo do
Livro S.A., 1985.
[3] Tradução nossa para: "My sister loved the moors. Flowers brighter than
the rose bloomed in the blackest of the heath for her ; out of a sullen
hollow in a livid hill-side her mind could make an Eden". BIBBY, Andrew.
South Pennines and the Bronte Moors: Including Ilkley Moor. London: Frances
Lincoln Ltd., 2005, p. 64.
[4] WILKS, Brian. The Bröntes. London, New York, Sydney, Toronto: Hamlyn,
1975, p. 69.
[5] Cf. PAGLIA, Camille. Personas sexuais: arte e decadência de Nefertite a
Emily Dickinson. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 410.
[6] BLOOM, Harold. Como e por que ler. Tradução de José Roberto O'Shea. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 138 e 139.
[7] BLOOM, Harold. Gênio: os 100 autores mais criativos da história da
literatura. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003, p. 335.
[8] PAGLIA. Personas sexuais..., cit., p. 411.
[9] LUDOVICI, Anthony M. On Wuthering Heights. The Occidental Quarterly,
Vol. 7, no. 3, Fall 2007.
[10] Tradução nossa para: "an ignorant serving-woman, incapable of
understanding the people whose actions she is recording". LUDOVICI. On
Wuthering Heights, p. 29.
[11] LUDOVICI. On Wuthering Heights, p. 28.
[12] Referido depoimento (que tinha por objetivo "remover a poeira" das
lápides de Emily e Anne Brontë, esclarecendo elementos acerca de suas
identidades) também encontra-se publicado em BRONTË, Emily. O morro dos
ventos uivantes. Tradução de Vera Pedroso. São Paulo: Círculo do Livro
S.A., 1985.
[13] CAPUZZO, Heitor. Lágrimas de luz: o drama romântico no cinema. Belo
Horizonte: Editora UFMG, Laboratório Multimídia da Escola de Belas Artes,
1999, p. 73.
[14] Cf. CAPUZZO. Lágrimas de luz..., cit., p. 74.
[15] CAPUZZO. Lágrimas de luz..., cit., p. 76.
[16] V. HARRINGTON, John. Wyler as auteur. Em KLEIN, Michael; PARKER,
Gillian (Org.). The English novel and the movies. New York: Frederick Ungar
Publishing Co., 1981, p. 67.
[17] Tradução nossa para: "The strength of the Wyler version is in the
handling of the tools of cinema rather than in the verbal translation from
print to screen". HARRINGTON. Wyler as auteur..., cit., p. 67.
[18] Cf. HARRINGTON. Wyler as auteur..., cit., p. 78.
[19] CAPUZZO. Lágrimas de luz..., cit., p. 94.
[20] CAPUZZO. Lágrimas de luz..., cit., p. 96.
[21] BLUESTONE, George. Novels into film. Baltimore: Johns Hopkins
University Press, 2003.
[22] Tradução nossa para: "At first, together with Anne, she merely added
to the more shophisticated games that Branwell and Charlotte organised,
accepting roles allotted, and taking her lead from her elders. But with
Charlottes departure for Roe Head in1831, Emily and Anne found a new
impetus to their story telling, founding their own Kingdom of Gondal to
explore while Branwell and Charlotte continued to develop Angria. With
Branwell preoccupied with writing the History of Young Men and his
explorations of Haworth, the two girls quicky established their new game
along more fanciful lines than Charlotte and Branwell's dominance had
parmitted. Where Glasstown and Angria were the settings for political
intrigue and military campaigns, Gondal, born of readings in Byron, was in
every respect more poetic, its scenary, more obviously romantic and its
people the typical outlaws, bandits, exiles and prisioners of Byron's
narratives". WILKS. The Bröntes..., cit., p. 68.
[23] V. WILKS. The Bröntes..., cit., p. 65.
[24] A propósito, recomendamos a leitura do ensaio 'Emily Brontë',
constante da versão castelhana, clandestina, da obra La literatura y el
mal, do filósofo Georges Bataille, disponibilizada na internet desde o ano
2000 no endereço eletrônico www.elaleph.com. As referências à obra feitas a
seguir foram retiradas da versão citada.
[25] Tradução nossa para: "The passions of Gondal are scarcely moderated in
Wuthering Heights, nor could they be; Emily Brontë's religion is
essentially erotic, and her vision of triumphant sexuality is so mingled
with death that we can imagine no consummation for the love of Heathcliff
and Catherine Earnshaw except death." BLOOM, Harold (Org.). Emily Brontë's
Wuthering Heights. New York: Infobase Publishing, 2007, p. 5 e 6.
[26] PAGLIA. Personas sexuais..., cit., p. 414.
[27] BLUESTONE. Novels into film..., cit., p. 102 e 103.
[28] BLOOM. Gênio..., cit., p. 334.
[29] Tradução nossa para: "What is the result of bestowing these twin
attributes, romanticism and desire for aggrandizement, on Cathy, in the
movie version? The effect is to force Emily Brontë's story into a
conventional Hollywoos mold, the story of the stable boy and lady. The
convention ought to be reasonably familiar. A lady bred in respectable
surroundings find herself torn between one of her "own kind" and an
attractive stranger. The first is effete, wealthy, uninteresting, and kind;
the second is rebelliously masculine, poor, passionate, and rough. For
romantic and sexual reasons, the lady cleary prefers the outsider. If the
lady is not willing to run away with the stranger (as in Capra's It
Happened One Night), she sets out to make him respectable, to improve his
table manners as well as his income (as Hitchcock's Rear Window). In
Wuthering Heights, the story takes a tragic turn due to a run bad luck".
BLUESTONE. Novels into film..., cit., p. 100.
[30] PAGLIA. Personas sexuais..., cit., p. 414.
[31] Acerca da natureza paradoxal da persona assumida por Byron,
recomendamos a leitura de PESTA, Duke. "Darkness visible": Byron and the
romantic anti-hero. Em BLOOM, Harold (Org.). Lord Byron. Broomall: Chelsea
House Publishers, 2004.
[32] BLOOM, Harold. Anjos caídos. Tradução de Antonio Nogueira Machado. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 24.
[33] Tradução nossa para: "Byron's passive-agressive sexuality – at once
sadomasochistic, homoerotic, incestuous, and ambivalently narcissistic –
clearly sets the pattern for the ambiguously erotic universes of Jane Eyre
and Wuthering Heights". BLOOM. Emily Brontë's Wuthering Heights..., cit.,
p. 2.
[34] Cf, PESTA. "Darkness visible"..., cit., p. 64.
[35] V. BLOOM. Anjos caídos..., cit., p. 38.
[36] PAGLIA. Personas sexuais..., cit., p. 421.
[37] PAGLIA. Personas sexuais..., cit., p. 412.
[38] PAGLIA. Personas sexuais..., cit., p. 413.
[39] Como referência, nos valeremos, neste trabalho, da tradução de
Wuthering Heights feita por Ana Maria Chaves, publicada pela editora Lua de
Papel, em São Paulo, no ano de 2009.
[40] Elizabeth Barrett Browning, poeta da era vitoriana, esposa de Robert
Browning.
[41] Elizabeth Brownrigg, parteira executada em 1767 por torturar até a
morte suas aprendizes.
[42] Tradução nossa para: "It is a fiend of a book, an incredible monster,
combining all the strongler female tendencies from Mrs. Browning to Mrs.
Brownrigg. The action is laid in Hell, - only it seems places and people
have English names there". Citado em BLOOM, Harold (Org.). Emily Brontë's
Wuthering Heights. New York: Infobase Publishing, 2007, p. 4.
[43] BLOOM. Gênio..., cit., p. 333.
[44] Tradução nossa para: "In Wuthering Heights, the reader is shocked,
disgusted, almost sickened by details of cruelty, inhumanity and the most
diabolical hate and vengeance, and even some passages of powerful testimony
of the supreme powe of love – even over demons in the human form. The women
in the book are of a strange fiendish-angelic nature, tantalising and
terrible, and the men are undesirable out of the book itself..." Citado em
WILKS, Brian. The Bröntes. London, New York, Sydney, Toronto: Hamlyn, 1975,
p. 118.
[45] PAGLIA, Camille. Personas sexuais: O prefácio cancelado. Sexo, arte e
cultura americana. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
[46] PAGLIA. Personas sexuais..., cit., p. 404.
[47] Cf. PAGLIA. Personas sexuais..., cit., p. 419.
[48] PAGLIA. Personas sexuais..., cit., p. 417.
[49] PAGLIA. Personas sexuais..., cit., p. 411 e 412.
[50] Valemo-nos da tradução de José Cavalcante de Souza, publicada em
Diálogos / Platão ; seleção de textos de José Américo Motta Pessanha ;
tradução e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz
Costa. São Paulo : Nova Cultural, 1991. (Os pensadores)
[51] Para uma introdução ao gnosticismo, recomendamos efusivamente a
leitura de BLOOM, Harold. Presságios do milênio: anjos, sonhos e
imortalidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
[52] CECIL, David. Early victorian novelists: essays in revaluation.
London: Constable & Co LTD, 1934, p. 151.
[53] "[...] an original gnosis, a kind of poetic faith, like Blake's or
Emerson's, that resembles some aspects (but not others) of ancient
Gnosticism without in any way actually deriving from Gnostic texts". BLOOM.
Emily Brontë's Wuthering Heights..., cit., p. 4.
[54] BLOOM. Gênio..., cit., p. 338.
[55] Tradução nossa para: "[...] is beyond every ideology, every merely
social formulation, beyond even the dream of justice or of a better life,
because it is beyond this cosmos, 'this shattered prison'". BLOOM. Emily
Brontë's Wuthering Heights..., cit., p. 6.
[56] Tradução nossa para: "But 'love' seems an inadequate term for the
connection between Catherine and Heathcliff. There are no elements of
transference in that relation, nor can we call the attachment involved
either narcissistic or anaclitc. If Freud is not applicable, then neither
is Plato. These extraordinary vitalists, Catherine and Heathcliff, do not
desire in that wich each does not possess, do not lean themselves against
one another, and do not even find and thus augment their own selves. They
are one another, wich is neither sane nor possible, and wich does not
support any doctrine of liberation whatsoever. Only of most extreme of
visions, Gnosticism, could accomodate them, for, like the Gnostic adepts,
Catherine and Heathcliff can only enter the pleroma or fullness together,
as presumably they have done after Heathcliff's self-induced death by
starvation". BLOOM. Emily Brontë's Wuthering Heights..., cit., p. 7.
[57] Tradução nossa para: "Emily Brontë's heroes and heroines do not love
each other because they find each other's personalities pleasant, or
because they admire each other's characters. They may be superficially
attracted for such reasons, as Catherine Earnshaw is attracted to Edgar
Linton. But their deeper feelings are onlu roused for someone for whom they
feel a sense of affinity, that comes from the fact that they are both
expressions of the same spiritual principle". CECIL. Early victorian
novelists..., cit., p. 156.
[58] Texto disponível, na íntegra, em
http://bethanya2literature.blogspot.com/2011/10/butterfly-emily-
bronte.html.
[59] Tradução nossa para: "The first is that the whole created cosmos,
animate and inanimate, mental and physical alike, is the expression of
certain living spiritual principles - on the one hand what may be called
the principle of storm - of the harsh, the ruthless, the wild, the dynamic;
and on the other the principle of calm - of the gentle, the merciful, the
passive and the tame./ Secondly, in spite of their apparent opposition
these principles are not conflicting. Either - Emily Brontë does not make
clear wich she thinks - each is the expression of a different aspect of a
single pervading spirit; or they are the component parts of a harmony. The
world of our experience is, on the face of it, full of discord. But that is
only because in the cramped condition of their eartly incarnation these
principles are diverted from following the course that their nature
dictates, and get in each other's way they are changed from positive into
negative forces; the calm becomes a source of weakness, not of harmony, in
the natural scheme; the storm a source not of fruitful vigour, but of
disturbance. But whem they are free from fleshly bonds they flow unimpeded
and unconflicting; and even in this world their discords are transitory.
The single principle that ultimately directs them sooner or later imposes
an equilibrium". CECIL. Early victorian novelists..., cit., p. 152.
[60] Cf. CECIL. Early victorian novelists..., cit., p. 159.
[61] Tradução nossa para: "On the one hand, we have Wuthering Heights, the
land of storm; high on the barren moorland, naked to the shock of the
elements, the natural home of the Earnshaw family, fiery, untamed children
of the storm. On the other, sheltered in the leafy valley bellow, stands
Thrushcross Grange, the appropriate home of the children of calm, the
gentle, passive, timid Lintons. Together each group, following its own
nature in its own sphere, combines to compose a cosmic harmony. It is the
destruction and re-establishment of this harmony wich is the theme of the
story. It opens wich the arrival at Wuthering Heights of an extraneous
element - Heathcliff. He, too, is a child of the storm; and the affinity
between him and Catherine Earnshaw makes them fall in love with each other.
But since he is an extraneous element, he is a source of discord,
inevitably disrupting the working of the natural order. He drives the
father, Earnshaw, into conflict with the son, Hindley, and as a result
Hindley into conflict with himself, Heathcliff. The order is still further
dislocated by Catherine, who is secuced into uniting herself in an
'unnatural' marriage with Linton, the child of calm. The shock of her
infidelity and Hindley's ill-treatment of him now, in its turn, disturbs
the natural harmony of Heathcliff's nature, and turns him from an alien
element in the established order, into a force active for its destruction.
He is not therefore, as usually supposed, a wicked man voluntarily yielding
to his wicked impulses. Like all Emily Brontë's characters, he is a
manifestation of natural forces acting involuntarily under the pressure of
his own nature. But he is a natural force wich has been frustrated of its
natural outlet, so that it inevitably becomes destructive; like a mountain
torrent diverted from its channel, wich flows out on the surrounding
country, layng waste whatever may happen to lie in its way. Nor can it stop
doing so, until the obstacles wich kept it from its natural channel are
removed". CECIL. Early victorian novelists..., cit., p. 165.
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