As Vendedeiras de Cabo Verde: circulação de produtos, informalidade e mulheres no espaço público de Cabo Verde

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As vendedeiras de Cabo Verde: circulação de produtos, informalidade e mulheres no espaço público de Cabo Verde . Celeste Fortes Universidade de Cabo Verde Revelando os argumentos: abrindo o álbum de uma nação em construção. O

contexto

sociocultural

cabo-verdiano,

conforme

afirmam

algumas

investigações, tem sido marcado por dinâmicas de construção dos papéis de gênero que revelam múltiplos conflitos e antagonismos entre o formalmente esperado e o vivido (Rodrigues, 2007; Martins, Fortes, 2011; Silva, Fortes, 2011; Fortes, 2013a; Fortes, 2013b). Trata-se de afirmar a existência de desencontros entre o status quo de um projeto de construção histórica de uma sociedade colonial e pós-colonial, machista e patriarcal e práticas quotidianas de estar numa relação conjugal e de fazer e pertencer a uma família. Perceber as raízes e fundamentos deste projeto instiga a um diálogo, ainda que breve, com a história da formação da sociedade cabo-verdiana. Trata-se de um recuo analítico ao seu processo de construção enquanto arquipélago achado desabitado e cujo povoamento se deu a partir do encontrão colonial (Lourenço, 1995) de vários grupos com posições sociais distintas e recursos de participação diferenciados e desiguais (Carreira, 1977; Mariano, 1991; Rodrigues, 2003, 2005). Importa lembrar que a colonização de Cabo Verde, assim como noutros espaços, foi fortemente marcada, sobretudo, pela união sexual (Rodrigues, 2003, 2005) de homens senhores brancos com mulheres escravas negras. Relações que foram a base da formação de uma sociedade miscigenada, na qual o mestiço passa a ser a figura de referência (Mariano 1991; Rodrigues, 2003, 2005).

* Para Citar o artigo / To quote this paper: Fortes, C. (2015) As vendedeiras de Cabo Verde: circulação de produtos, informalidade e mulheres no espaço público de Cabo Verde. In José Rogério Lopes (Org). Visagens de Cabo Verde: Ensaios de Antropologia Visual e outros ensaios. Brasil. Editora Cirkula, pp.101-121.

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Um projeto de construção de uma sociedade que contou com forte empenho da Igreja Católica trazida como aliada da máquina colonial portuguesa, cuja missão seria a de legitimar a dominação masculina tanto na esfera privada como no espaço público (Carreira, 1977; Semedo 2009). Nestas ilhas, a partir destas duas forças - o poder colonial e a sua aliada verificou-se, desde sempre, a tentativa de instituir a divisão dos papéis de gênero, seguindo uma lógica patriarcal, dando aos homens o papel formal de responsáveis pelo sustento da casa e pela criação de um lar de respeito e às mulheres a responsabilidade de reprodução e cuidadoras da família (Rodrigues, 2005, 2007; Fortes, 2013b). Aos homens, o trabalho, a função de perpetur os valores patriarcais e o espaço público, às mulheres o espaço doméstico, o lar e a obediência das regras patriarcais. Contudo, este projeto de sociedade e família nuclear e patriarcal sempre encontrou várias resistências e vários constrangimentos, resultando em múltiplas configurações familiares, embora se continue a verificar a sua valorização como ideal de família a ter e a pertencer (Rodrigues, 2005, 2007; Martins, Fortes, 2011; Fortes, 2013b). As dinâmicas familiares em Cabo Verde são marcadas por vários constrangimentos1 que desafiam a construção de leituras críticas em relação ao projeto normativo, monolítica e moralista que se procura instituir, particularmente por algum poder de algumas instituições governamentais, não-governamentais e pelas confissões religiosas. Nesta medida, quando olhados a partir do discurso destas instituições, por exemplo, estes desvios no projeto da família nuclear são criticamente categorizados como sendo configurações familiares desestruturadas, que estão em crise e que precisam ser resgatadas (Fortes, Rainho, 2013; Martins, Fortes, 2011). Isto é, apesar de para muitas casas a concretização do sonho de uma família nuclear ser difícil, os caboverdianos continuam a perseguir este ideal (Martins, Fortes, 2011; Fortes, 2015). Diante desta realidade, homens e mulheres desenvolvem múltiplas estratégias para driblarem estes constrangimentos quotidianos e ao mesmo tempo cumprirem as expectativas colectivas de construírem uma família e um lar.

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Como migrações, violência baseada no gênero, consumo de álcool e outras drogas, doenças sexualmente transmissíveis e infectocontagiosas, descrédito na relação conjugal, poligamia informal.

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Em Cabo Verde, de acordo com os dados revelados pelo Censo de 2010, cerca de 47,6% dos agregados familiares, num universo de 117.289 agregados contam apenas com as mulheres como garantidoras do sustento da casa, sendo que 26,1% destas famílias são monoparentais. Neste quadro, detectam-se desencontros entre os papéis socialmente esperados para os homens - de cumprirem o papel de provedores do sustento para as famílias - e uma realidade na qual cada vez mais são as mulheres que desempenham o duplo papel de pai e mãe dos seus filhos (Fortes, 2013a, 2013b). Neste ensaio, pretendo analisar a importância do comércio informal em Cabo Verde, como recurso central para que muitas mulheres possam desempenhar e cumprir o papel de sustentadoras do lar e da família (Grassi, 2003, Pólvora, 2013; Silva, 2015) à semelhança de muitas outras cidades africanas (Costa, 2007; Lopes, 2007). Ao longo deste retrato da nação cabo-verdiana, a partir do importante papel econômico do trabalho feminino, revelarei um álbum em construção no qual a saída para o espaço público, a partir do comércio informal, coloca as mulheres numa outra arena de negociações e conflitos, com os poderes, sobretudo municipais, das cidades da Praia e do Mindelo2. Mulheres rabidantes3 que ocupam espaços de comércio considerados informais e que, a partir desta prática, contribuem com receitas importantes para as suas famílias e para movimentarem a economia nacional (Grassi, 2003, Pólvora 2013; Silva 2015). Estas circulam por vários espaços, locais, nacionais e internacionais e fazem circular inúmeros produtos, desde produtos alimentares, comida já pronta para comer, calçados, vestuários, bijuterias, produtos para casa, produtos de cosmética etc.

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Praia é a capital de Cabo Verde, localizada na ilha de Santiago, a mais populosa de Cabo Verde e situada na região de Sotavento. Mindelo é a segunda maior cidade de Cabo Verde, localizada na ilha São Vicente, situada na região de Barlavento. 3 Nome dado às pessoas que rabidam, sendo na maioria mulheres. Rabidar significa criar estratégias para dar a volta por cima, através da compra de produtos para vender, tanto em espaços fixos, como mercados ou pelas ruas (Grassi, 2003, Pólvora 2013; Silva 2015). Creio que é necessário um trabalho contínuo e aprofundado de discussão sobre a interligação entre ser rabidante e estar no comércio informal, se tivermos em consideração, por um lado as lógicas organizacionais e as relações que estabelecem com o poder municipal, sobretudo com a parte da fiscalização e do registo e, por outro lado, a definição de economia informal dada pela organização internacional do trabalho.

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Contudo, esta circulação e o desempenho deste papel, muitas vezes, colocam as mulheres em espaços públicos identificados como interditos à prática do comércio informal, por parte do poder municipal. Nesta medida, argumenta-se, ao longo deste ensaio fotográfico e textual, que o projeto das mulheres, de participarem economicamente na vida familiar e nacional, esbarra-se num projeto municipal de uma cidade cosmopolita, sensorialmente clean, arejado e arrojado, onde a informalidade é vista, por muitos, como ameaça. Duas performances antagônicas, carregadas de jogos de poder e resistências, que são altamente estimulantes e importantes para pensarmos a construção da nação caboverdiana e os lugares que cada um pode e consegue, de fato, ocupar. Clique 1 – Captando as mulheres vendedeiras: entre espaços públicos e privados, sustentando a casa e desejando um lar patriarcal. Ao anunciar esta sessão fotográfica fiz referência, ainda que de forma breve, que o projeto de construção de uma sociedade machista e patriarcal não é possível de se substantificar, num contexto marcado por grandes constrangimentos (Martins, Fortes, 2011; Fortes, 2013a; Fortes, 2013b). Diante desta constatação e perante os números quem têm sido revelados pelos censos, abre-se um debate em torno da convivência nas ilhas do sistema patriarcal machista e do sistema matrifocal (Rodrigues, 2007; Martins, Fortes, 2011; Fortes, 2013b; Fortes, 2015). Em Cabo Verde a vida quotidiana de muitas famílias está centrada na figura da mulher, sobretudo mãe e avó. Assim, ser rabidante e estar no comércio informal permite a muitas mulheres pôr em xeque o quadro sociocultural machista e patriarcal teoricamente vigente (Rodrigues; 2007; Lobo, 2012; Fortes, 2013b). Esta resistência feminina revela-se, particularmente, nos casos em que na relação conjugal com os seus parceiros, estes não cumprem o papel paternal esperado e não apoiam as mulheres no sustento da casa e da família. A monoparentalidade no feminino, é uma realidade frequente, o que não sinifica - e é preciso clarificar este fato – que as mulheres assumem o papel de sustento da casa, apenas nos casos em que ficam sozinhas com os filhos e com demais membros do agregado doméstico.

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Neste sentido, é preciso acautelarmo-nos de uma leitura binária das relações de gênero em Cabo Verde, na esteira da necessidade de debater criticamente a visão vitimizadora que muitas vezes se tende a produzir sobre as mulheres cabo-verdianas, e contribuir para leituras plurais das experiências de fazer-se mulher cabo-verdiana (Fortes, 2013b). Evitando o risco de olhares homogeneizantes, as observações etnográficas aliadas às imagens aqui partilhadas permitem uma análise dialética entre as motivações subjacentes à saída das mulheres do espaço privado da casa e as estratégias para a entrada no espaço público, pela via do comércio informal. Em concreto, estas mulheres pertencem a uma sociedade que ainda não conseguiu livrar-se – apesar do quotidiano mostrar o contrário - da ideia de que sendo o homem o provedor da família, o seu salário é o recurso central para a organização da vida do lar. Isto é, ainda persiste uma hipervalorização do salário do homem em detrimento do contributo que as mulheres podem dar para a economia e finanças do lar, sobretudo quando este advém do comércio informal. De facto, a definição formal de salário como montante fixo auferido por um trabalhador por conta de outrem ou por conta própria é a mais corrente na sociocultura cabo-verdiana. Por conseguinte, o trabalho destas mulheres na economia informal4 coloca-lhes diante deste desafio de redimensionar estes significados culturalmente enraizados de salário, que é imediatamente interligado ao papel de quem provém o sustento. O que fazem as mulheres com o dinheiro auferido com comércio informal? Não sendo um fim de mês, isto é, um salário fixo mensal, as investigações (Grassi, 2003; Pólvora, 2013; Silva, 2015) têm chamado atenção para o fato de que o dinheiro ganho pelas mulheres, apesar de ser obviamente variável, é significativamente importante para vários objetivos. Entre as quais se destaca o investimento que estas fazem na educação 4

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, expressão “Economia informal” refere-se a todas as atividades econômicas de trabalhadores e unidades econômicas que não são abrangidas, em virtude da legislação ou da prática, por disposições formais. Estas atividades não entram no âmbito de aplicação da legislação, o que significa que estes trabalhadores e unidades operam à margem da lei; ou então não são abrangidos na prática, o que significa que a legislação não lhes é aplicada, embora operem no âmbito da lei; ou ainda, a legislação não é respeitada por ser inadequada, gravosa ou impor encargos excessivos.

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dos filhos (Fortes, 2013a; Fortes, 2013b), na construção de moradia própria e mesmo na expansão do negócio, chegando a garantir trabalho para outras pessoas, sobretudo mulheres (Grassi, 2003; Pólvora, 2013; Silva, 2015). Diante deste poder aquisitivo que algumas destas mulheres conseguem ter e proporcionar às suas famílias e perante o seu papel na produção de novas oportunidades de trabalho, é possível reafirmar a urgência de análises críticas sobre os modelos importados de desenvolvimento econômico e social, que procuram condenar a importância da informalidade, para a economia nacional (Grassi, 2003; Pólvora, 2013). Com efeito, deve-se propiciar uma reflexão dialógica e interdisciplinar, sobre a dimensão e o alcance deste papel na vida destas mulheres, tendo como ponto de ebulição da discussão o embate cultural e social para cumprir as expectativas de construir um lar nuclear e patriarcal. O trabalho de pesquisa, que tenho vindo a desenvolver com algumas mulheres cabo-verdianas, responsáveis pelo sustento da casa, leva-me a considerar que o desempenho deste papel não é grandemente valorizado, quando comparado com a valorização da presença de um homem dentro de casa, mesmo que não sustente, mas que mande (Araújo, 2004; Fortes, 2013b; Fortes, 2015). Nota-se que as mulheres exaltam o fato de não ficarem dependentes dos homens e de terem saído de casa para participarem na vida econômica da família, porém, muitas outras afirmam que, mais importante do que serem sustentadoras da família, desejam que no seu lar esteja presente um homem. São mulheres pertencentes a um contexto sociocultural defensor da ideia de que ter um homem dentro de casa significa ter uma casa de respeito, já que uma casa sem homem é um navio à deriva (Fortes, 2013b; Fortes, 2015). A arena de conflitos no espaço privado do lar, entre prover sustento para a família e lutar para a presença de um homem, enquanto garante a construção de uma casa respeitada, não é a única batalha que muitas destas mulheres travam. Sair de casa para rabidar, coloca-lhes numa outra arena, desta vez, no espaço público, lutando para pertencerem a este espaço a partir do comércio informal. Clique 2 - Espaço público: conflitos entre projetos de pertença e escalas democráticas de apropriação. 106

É facilmente detectável, quer em observações etnográficas quer pela vivência quotidiana enquanto pertencente a este contexto sociocultural, que os espaços públicos tanto na cidade da Praia como na cidade de Mindelo são palcos que, vivenciados nas suas dimensões funcionais, interacionais e polissêmicas, são fortemente marcados por conflitos, resistências e contra-resistências (Cordeiro, Vidal, 2008; Rocha, Eckert, 2013). Verificam-se, diariamente, grandes desencontros entre os objetivos que estão por trás da escolha destes espaços, como lugares para estar e passar, enquanto vendedores ambulantes5 e o projeto do poder, sobretudo municipal, para aquelas áreas. Analisar as atuais lógicas organizacionais destes espaços, pelo poder municipal, tanto na Praia como no Mindelo, leva-nos a considerar alguns dados antropológicos relativos aos seus objetivos, particularmente no que toca a algumas zonas das cidades consideradas mais emblemáticas e centrais: Plateau, no caso da Praia e Morada no caso da cidade do Mindelo. Primeiro, constata-se que há uma valorização da tendência funcionalista e ao mesmo tempo cosmopolita, no sentido de procurar consolidar e instituir uma área central da cidade vista como reformulada e ordenada, que responda a determinadas funções. Quer-se construir uma cidade, particularmente um centro, a ser procurado e consumido, por exemplo, por visitantes locais, nacionais e estrangeiros (Pereira, 2013; Pólvora, 2013). Deseja-se que este espaço seja sensorialmente clean, arejado e arrojado, frequentado por grupos consumidores de produtos culturais como música, cinema, literatura, isto é, tornando-os espaços lúdicos (Baptista, 2005) tanto de dia como de noite. Em segundo lugar, este desejo está frequentemente apoiado no discurso da valorização da história e do patrimônio material e imaterial (Velho, 2007), buscando-se ordenar a cidade (Carvalho, 2003) a partir da invenção de um quotidiano (Certeau, 2004) no centro da cidade, que é iminentemente resgatado. Uma gestão conflituosa 5

Para este ensaio opto por considerar que existem essencialmente dois subgrupos dentro do grupo de

rabidantes. O grupo que se fixa num local e um outro que circula. Em relação à situação de legalidade ou ilegalidade identifico duas situações: um grupo que tem licença para a venda ambulante e outro grupo que não tem licença. Em concreto, o grupo fotografado e interlocutor na discussão, são mulheres que praticam a venda ambulante, nas ruas, becos e travessas das cidades da Praia e de Mindelo, sendo que algumas não estão inscritas no livro de matrícula, portanto, praticam venda em espaços públicos que não são considerados locais de exercício de comércio pelo código de posturas municipal.

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entre o que sempre lá existiu - que faz parte da memória coletiva dos grupos - e a vontade de introduzir o novo, muitas vezes visto com anunciador da modernidade (Velho, 2007; Rocha, Eckert, 2013). Por conseguinte, estamos diante de duas lógicas, aparentemente desencontradas em termos temporais/históricos quando pensamos em projetos de cidades, mas que se confluem para a realização do objetivo de ter este centro. De um lado, a importação de um modelo de centro citadino europeia, isto é, pretende-se, no limite, que estas cidades sejam a face mais visível de uma nação em construção, modelo de nação africana capaz de dialogar com o cosmopolitismo tipicamente das cidades europeias (Pólvora, 2013). Por outro lado, há na restauração e no resgate do patrimônio, particularmente arquitetônico, uma tentativa de manter o centro intocável, salvaguardado dos perigos da modernidade, vista no seu sentido de corrosão do antigo e no limite como estorvo para a manutenção da autenticidade. Assim, intenta-se introduzir uma lógica cosmopolita, marcada por aquilo que vários investigadores têm chamado de gentrificação, isto é, segue-se um plano de requalificação dos centros, pintando-lhes física e discursivamente com áureas de nobreza e ao mesmo tempo de singularidade e autenticidade. Espaços que passam a ser lugares de confluência, sobretudo, de uma elite política, cultural, econômica e intelectual, conforme anteriormente referenciado. Em decorrência destes objetivos – de construir centros nobres e turistificados, por exemplo - criam-se estratégias e práticas organizacionais apoiadas em discursos que evidenciam aquilo que pode ser designado por política de higienização, incluindo social, do centro da cidade (Costa, Arguelhes, 2008). Nesta medida, a observação destas práticas políticas leva a crer que existe uma relação íntima entre o processo de gentrificação e de higienização que, juntos, identificam e produzem excluídos (Grassi, 2003 Costa, Arguelhes, 2008; Pólvora, 2013). Isto é, ordenar a cidade (Carvalho, 2003) implica a retirada de elementos que podem manchar a imagem de um centro a visitar. Pelo que, materializam-se sinais de interdição e de proibição e criam-se zonas afastadas para que estes excluídos possam estar e onde a informalidade é tolerada, quando estes não acatam as leis vigentes para ocuparem os espaços criados para estes fins, como, por exemplo, os mercados municipais. 108

Investigações disponíveis (Grassi, 2005; Costa, 2007; Pólvora, 2013; Silva, 2015) e observações etnográficas realizadas permitem-nos constatar que as vendedeiras ambulantes são um dos alvos principais desta exclusão social e física dos centros, particularmente das cidades africanas. Esta tentativa de limpeza física e social coloca-nos diante de mecanismos aparentemente contraditórios de tentar chamar toda a sociedade a participar nesta construção do centro a visitar, mas ao mesmo tempo promover a exclusão de alguns grupos, destes espaços. Com efeito, diante da vivência heterogênea nestes espaços, é importante e urgente uma discussão mais alargada sobre os significados objetivos e subjetivos do conceito e ideia de espaço público e uma análise dos lugares e papéis que cada um ocupa e desempenha neste projeto. Constata-se que cada grupo, apropriador deste espaço público, tenta introduzir regras para o funcionamento do espaço de acordo com os seus objetivos. São diferentes esquemas de apropriação e pertenças que frequentemente esbatem-se com regras de organização e vivência no espaço público ditado pelo poder municipal. Desencontros que abrem caminho para troca de acusações e críticas à discriminação de alguns grupos e choque entre os grupos que se sentem colocados à margem deste projeto e outros protagonistas convidados ou recrutados para integrarem este projeto de fazer um centro da cidade. No caso em análise, nota-se que além da visibilidade da interdição às práticas de comércio informal, o poder municipal também mobiliza outros protagonistas para este projeto de fazer um centro. O poder municipal não consegue concretizar o seu plano sem constituir um grupo de apoio na introdução das regras, que proíbem o uso destes espaços para fins não instituídos por ele. Este grupo, a que podemos chamar aliados6, deve ser capaz de uma vigilância aos que transgridem estas regras e que passam automaticamente a ser identificados como outsiders (Becker, 2009) e ser capaz ainda de fazer valer as punições previstas pelo uso indevido - na lógica discursiva do poder municipal - destes espaços7. Se o processo de imposição das regras cria situações de formação de grupos com 6

Na definição do poder municipal são considerados agentes de fiscalização municipal. O Artigo 99º do Código de Posturas da Câmara Municipal de São Vicente estabelece que os vendedores ambulantes devem, obrigatoriamente, inscrever-se no livro de matrículas próprio da Câmara Municipal. E o artigo 104º do mesmo código determina que a venda ambulante sem licença é punível com a multa de 5.000$00 a 100.000$00. 7

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perspectivas diferentes sobre o uso do espaço público, é importante evidenciar que esta relação conflituosa gera automaticamente uma identificação e atribuição identitária dos que passam a ser vistos como transgressores e os agentes da imposição, quotidiana, das regras. E torna-se interessante analisar as narrativas e imagens que cada um produz sobre o outro, sendo que nestas narrativas, frequentemente, aparece o discurso da perseguição, por parte das mulheres vendedeiras ambulantes, por exemplo. Na linha das propostas de Becker (2008), as relações de conflito, no caso da venda ambulante em Cabo Verde, ocorrem mais frequentemente entre as vendedeiras ambulantes, os fiscais da câmara municipal e polícias municipais. Estas dizem se sentir perseguidas pelos fiscais e pela polícia e evocam a incompreensão de que são vítimas, já que estes não percebem que estão lá, porque têm de fazer pela vida. Ao mesmo tempo, afirmam ser duplamente vítimas, já que notam um tratamento diferenciado, face a outros grupos de vendedores ambulantes, por exemplo, os provenientes de outros países do continente. De fato, foi possível durante a pesquisa em São Vicente, notar que as ruas onde as vendedeiras ambulantes entram em grande choque com as autoridades, por exemplo, a rua 5 de Julho ou nas imediações do edifício da Câmara Municipal de São Vicente (CMSV), são ruas muito frequentadas por homens vendedores ambulantes do continente. Destaco um episódio ocorrido à frente de um dos estabelecimentos comercias, em São Vicente, que ilustra estas diferenças de tratamento. Assistia, em São Vicente, a uma discussão entre algumas vendedeiras, de Santiago8, e um grupo de homens fiscais da CMSV, porque estes haviam apreendido as mercadorias e perguntei-lhes porque havia esta diferença de tratamento. Se a CMSV proíbe a venda ambulante, porquê que os vendedores ambulantes do continente não são retirados destes espaços? Um dos fiscais, aparentemente nervoso com a minha interpelação, respondeu-me que estavam a cumprir ordens e que as mulheres teimam em vender nas ruas, sem a devida licença e que são abordadas porque vendem alimentos que devem estar sujeitos a processo de conversação. Estes são categóricos em afirmar que estão a evitar que as 8

Grande parte das mulheres que se dedicam à venda nestas ruas são mulheres que vieram da ilha de Santiago e vendem sobretudo frutas da época (banana, manga, papaia).

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mulheres promovam a concorrência desleal, face aos vendedores dos mercados, que pagam os seus impostos e cumprem com os seus deveres enquanto ocupantes dos espaços no mercado e a responder a solicitações dos donos das lojas, mercearias e supermercados. Durante uma conversa com uma vendedeira de Santiago, esta reclamava do fato de serem perseguidas por estarem a vender frutas e nada mais, fazendo alusão ao fato de muitos vendedores ambulantes do continente, aparentemente estarem a vender produtos como roupas, óculos de sol, mas abordarem as pessoas perguntando-lhes se não têm ouro para vender.9 Ao longo da pesquisa e das conversas, inclusive com profissionais da Câmara de São Vicente, por exemplo, fiquei a saber que algumas mulheres, particularmente as vendedeiras de Santiago, usam espaço de alguns edifícios abandonados do centro da cidade, para ali guardarem as suas mercadorias. Na fala desse profissional, é melhor as mulheres ocuparem estes espaços como armazém do que os vândalos usarem o espaço para consumo de drogas ou para servir de espaço para a prostituição. Ou seja, não deixa de ser interessante notar que o poder municipal e central que tem um projeto clean para o centro histórico, conta com estas mulheres para irem salvaguardando a integridade de alguns edifícios públicos, que são patrimônio do estado e que estão abandonados, enquanto não é possível restaurá-los. Diante destas arenas de conflitos, trocas, negociações, como as mulheres fazem para driblar a vigilância a que estão sujeitas por parte da fiscalização?

Clique 3 - Espaço público: comércio informal e lógicas femininas de apropriação dos espaços. As imagens fotográficas captam as dinâmicas relacionais que as mulheres vendedeiras, sobretudo ambulantes, mantêm com estes espaços públicos da cidade no exercício da atividade de comércio informal. Neste contexto relacional, pode-se considerar, em linha com a proposta de Thibaud (2013) que existe um mecanismo duplo de apropriação, que acaba por ser parte de respostas encontradas para driblarem as perseguições de que falam. 9

Fato que tem gerado muitas notícias sobre a apreensão de ouro, sobretudo roubado, que reproduzem vários comentários, generalizados e tendencialmente contra a presença dos imigrantes da costa africana em Cabo Verde.

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Enquanto para algumas mulheres estas ruas, avenidas, becos e praças usadas para a comercialização dos vários produtos são espaços atravessados, para outras vendedeiras estes mesmos espaços são quotidianamente apropriados numa lógica de fixação, isto é, são espaços vivenciados (Thibaud, 2013). Esta duplicidade relacional implica, ainda, em uma reflexão mais crítica sobre a categoria de vendedeira ambulante. Aproximar esta discussão à proposta de Thibaud (2013), de diferenciação de vivência dos espaços, implica observar os comportamentos, inclusive corporais, que estas mulheres adotam nos espaços onde marcam presença diária. Centremos a nossa atenção no primeiro caso. Desde logo, é preciso esclarecer que a existência de espaços de venda atravessados não significa necessariamente que a presença destas mulheres não se faz notar. Pelo contrário e como defende Thibaud (2013), atravessar também é uma possibilidade de criar ambiência. No caso das mulheres vendedeiras, as observações realizadas permitem considerar que a estratégia de atravessar está intimamente ligada à necessidade de maior circulação e que esta, por sua vez, resulta de pelo menos dois fatores. A possibilidade de vender mais e a necessidade de fugir ao controle dos fiscais e da polícia. Frequentemente, quando se assiste numa rua de comércio ou numa rua menos movimentada mulheres vendedeiras a correrem com balaios, tinas de plástico ou cestos de produto à cabeça ou nos braços, de imediato se associa à fuga das autoridades. Assisti, durante algumas observações, a algumas ocorrências em que as mulheres, apesar de estarem sempre atentas à aproximação das autoridades, não conseguiram fugir a tempo. Outras situações, em que avistam a chegada das autoridades e apesar de conseguirem correr, são facilmente apanhadas, dado que tentam fugir com a mercadoria e muitas vezes, acompanhadas por crianças de colo. Quando apanhadas, as autoridades retiram-lhes as mercadorias, não optando pela aplicação da multa. Diante desta situação de perseguição, algumas mulheres optam por não ocupar um espaço por muito tempo e, sobretudo, por manterem sempre a mercadoria na cabeça. Questionadas sobre esta estratégia, afirmam que assim não podem ser acusadas de estarem a vender na rua e as autoridades têm menos argumentos para aprender-lhes a mercadoria. Inclusive muitas optam por não carregar demasiada mercadoria, evitando perdas avultadas em caso de serem abordadas pelas autoridades.

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Por conseguinte, estar de passagem é um recurso encontrado para algumas vendedeiras fazerem o escoamento dos seus produtos, de forma menos exposta à fiscalização e com maiores capacidades para driblarem as autoridades. Estas, a partir desta postura corporal, adotam uma interação com os clientes que não pode suscitar dúvidas quanto à natureza da relação, isto é, de que estão a abordar pessoas para venderem. Por conseguinte, na senda da proposta de Thibaud (2013), esta prática relacional com os espaços públicos, tornados lugares possíveis de comercializar, não implica necessariamente uma não relação com o lugar. Esta se dá a partir de comportamentos de repetições de frequência e passagem. Isto é, observa-se que algumas vendedeiras mesmo que circulem por várias ruas, sobretudo as com menos concorrências e as menos expostas à vigilância das autoridades, acabam por repetir trajetos e por criar uma rotina de repetição, inclusive porque é preciso manter os fregueses. Não repetir implicaria um esforço maior para, diariamente, criar relações com potenciais compradores. Ao contrário das mulheres que se fixam em determinados espaços, as que circulam afirmam que conseguem ter uma carteira maior de clientes, que acabam por ser procuradas nas suas residências e nos seus locais de trabalho, não precisando, muitas vezes, sair para vender os produtos. Um discurso de diferenciação, que não significa necessariamente uma desvantagem das mulheres que se fixam, mas exaltado pelas mulheres que circulam como uma estratégia mais prática e comercial. Clique final: composições

fotográficas e textuais,

polifonias e desafios

antropológicos. Esta foi uma sessão fotográfica e textual que teve como objectivo analisar criticamente os lugares ocupados pelas mulheres no espaço público, sobretudo da cidade da Praia e do Mindelo, a partir da prática do comércio informal. Argumentou-se que para muitas mulheres o comércio informal é um recurso central para o exercício do papel de sustentadoras do lar e da família. Contudo e para cumprirem o papel de sustentadoras das famílias, estas mulheres entram em choque com o poder político municipal destas cidades que desejam concretizar o projecto de uma cidade cosmopolita, sensorialmente clean, arejado e arrojado, onde a informalidade é vista como ameaça.

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Pelo diálogo, que evita hierarquizações entre texto e imagem, seguimos o quotidiano destas mulheres, em duas arenas de conflito, privado e público. Na minha experiência de produção antropológica é uma estreia, no sentido em que este exercício de diálogo de recursos de pesquisa e de reflexão colocou-me diante de uma reavaliação do poder dos textos e das imagens. Embora a fotografia tenha conquistado a atenção da antropologia e de outras ciências, desde muito cedo, não deixa de ser interessante notar que a sua popularidade tendeu a secundarizá-la diante dos textos. Mas, considero que a fotografia é altamente desafiadora, na medida em que instiga e produz leituras polifônicas e subjetivas. No caso deste ensaio, a composição fotográfica usada resulta dos olhares e das mãos do José Rogério. A leitura desta composição para traduzi-la em palavras e num texto foi um exercício de olhar sobre as imagens, procurando os detalhes das cenas e dos cenários, mas ao mesmo tempo escrevendo sobre o que me ocorreu dizer sobre o que eu vi, ao ver as fotos. Vi mulheres a rabidar pela vida. Mais do que guardar momentos da vida quotidiana de Cabo Verde, a partir do protagonismo das mulheres, o mais importante, creio, é a possibilidade de olharmos para lá do momento captado e produzir intersubjetividades. Se vi mulheres a rabidar, o que viu o José Rogério que fez o registo e o que verão os leitores ao lerem os resultados desta parceria?

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