AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS : Arquitetura e as relações urbanas nos Núcleos Habitacionais Ferroviários

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AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS Arquitetura e as relações urbanas nos Núcleos Habitacionais Ferroviários

Marcelo de Morais D i s s e r t a ç ã o de M e s t r a d o Apresentada ao programa de Pós-Graduação: Tecnologia

do

Ambiente

Construído,

Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo.

Professor Orientador:

Dr. Nabil Georges Bonduki São Carlos, Dezembro de 2002

EPÍGRAFE

“A história deve ser o ponto de partida de todo projeto arquitetônico. Um projeto não pode nascer do nada. Sem o componente histórico, não passa de um objeto isolado. Sem passado, não é possível pensar no futuro. O passado é a memória do homem, com todas suas fantasias e esperanças. E a arquitetura é o receptáculo da história, o território da memória do homem. Os monumentos, os templos, os palácios do passado, tudo isso faz parte da história da arquitetura, testemunhando a evolução humana.” (BOTTA apud WOLF, 2001, p.59).

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AGRADECIMENTOS Agradeço a todas as pessoas que contribuíram para a realização de meu trabalho, em especial àqueles que me acompanharam nessa jornada que transcorreu como um desafio e um sonho de ver a pesquisa realizada. A todos os funcionários da Escola de Engenharia de São Carlos que me auxiliaram durante o mestrado, em especial ao Marcelo Celestini, que sempre se prontificou a auxiliar-me nos prazos e nos processos burocráticos que transcorreram ao longo do curso. Aos funcionários dos Museus e Bibliotecas em que pesquisei, pela imensa compreensão e auxílio no trabalho documental; destaco a paciência dos ferroviários do Departamento de Patrimônio da FEPASA SA, que dispuseram boa parte de seu tempo elucidando alguns fatos e me acompanhando por entre as pilhas de documentos. Entre eles, o Eng. Celso Marcondes foi um dos responsáveis pela autorização do meu acesso aos documentos históricos da Companhia. Aos funcionários da Prefeitura Municipal de Araraquara, que contribuíram na coleta de dados sobre as Vilas do município e me incentivaram na finalização do trabalho. À Professora Dra. Telma de Barros Correia e ao Professor Dr. Ricardo Siloto da Silva, pela contribuição na banca de qualificação, na qual apresentaram observações e questionamentos valiosos para o desenvolvimento do trabalho. Ao meu orientador, Professor Dr. Georges Nabil Bonduki, que me incentivou no estudo das Vilas Ferroviárias Paulistas e pela sua contribuição na conclusão do trabalho, auxiliando junto ao CNPQ e à CAPES para que financiassem parte deste trabalho, viabilizando desta forma a realização das pesquisas e dos levantamentos iconográficos. À grande amiga Liene Cunha Viana, que com dedicação e paciência me auxiliou na revisão final do texto. A todos os meus familiares, que estiveram presentes em mais esta etapa, dando-me forças para que conseguisse finalizar a dissertação; agradeço aos meus pais por terem me ensinado a acreditar em meus sonhos. Em especial, à Ana Maria, presente em cada momento, acolhendo-me e dando-me forças para que conseguisse transpor as madrugadas que passei em claro. Ao estímulo de poder conviver e compartilhar ao seu lado as dificuldades e alegrias de nossas vidas.

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SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS.____________________________________________________________9 LISTA DE TABELAS___________________________________________________________18 RESUMO._____________________________________________________________________19 ABSTRACT.___________________________________________________________________20 INTRODUÇÃO.________________________________________________________________21

I - AS FERROVIAS PAULISTAS

1- Histórico do desenvolvimento do estado de São Paulo em função das ferrovias .________26

2 - O apogeu ferroviário, o surgimento das primeiras Companhias de Estrada de Ferro. _____32 2.1 - Estrada de Ferro Santos – Jundiaí .__________________________________35 2.2 - A Companhia Paulista de Estradas de Ferro. _________________________36 2.3 - Companhia Ituana de Estradas de Ferro._____________________________38 2.4 - Companhia Sorocabana.__________________________________________40 2.5 – Companhia Mogiana.____________________________________________41 2.6 - Companhia São Paulo – Rio de Janeiro.______________________________42 2.7 - Companhia de Rio Claro._________________________________________44 2.8 - Pequenos ramais férreos .________________________________________ 45 2.9 - Noroeste . ____________________________________________________46 2.10 - Estrada de Ferro Araraquara._____________________________________47 2.11 - Estrada de Ferro São Paulo – Minas._______________________________48

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3 – Considerações Finais, o Declíno Ferroviário.____________________________________49

II - AS VILAS OPERÁRIAS E NÚCLEOS FABRIS

1 - A habitação como questão social._____________________________________________55

2– As Vilas Operárias._________________________________________________________70

2.1- As Vilas Operárias Particulares._____________________________________71 2.2- As Vilas Operárias de Empresa._____________________________________77 2.2.1- Os núcleos fabris.__________________________________________84

III – AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

1 - As vilas como sustentação do modo de produção ferroviário ._______________________88

2 - Inventário e descrição das Vilas Ferroviárias no Estado de São Paulo._________________98

2.1- Paranapiacaba: uma Company Town brasileira.________________________106 2.2- Vilas Ferroviárias da Companhia Sorocabana. ________________________117 2.3.- Vilas Ferroviárias da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.__________151 2.4.- Vilas Ferroviárias da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro._________165 2.5.- Vilas Ferroviárias da Estrada de Ferro Araraquara.____________________172 2.6.- Vilas Ferroviárias da Estrada de Ferro São Paulo – Minas.______________178

3 - Aspectos relevantes das Vilas Ferroviárias._____________________________________180

IV - AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA.____________________________184

1– Vila ferroviária da Companhia Paulista de Estradas de Ferro em Araraquara.__________191

2. - Vila da Estrada de Ferro Araraquara._________________________________________198

CONCLUSÃO________________________________________________________________214

BIBLIOGRAFIA______________________________________________________________220 BIBLIOTECAS E ARQUIVOS PESQUISADOS. __________________________________232 APÊNDICE __________________________________________________________________233

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LISTA DE FIGURAS Figura Capa. Destacando-se na paisagem de Paranapiacaba a torre do relógio ao alcance da vista dos funcionários da Inglesa única lembrança da estação completamente destruída no incêndio de. (Foto, 1998). CAPÍTULO I Figura 1.1. Ilustração da “The Rocket” , primeira estrada de ferro ligando Liverpool a Manchester..........................................................................................................................................31 Figura 1.2. Trecho da serra do mar........................................................................................34 Figura 1.3. Ponte sobre o Rio Mogi-Guaçu...........................................................................37 Figura 1.4. Pequena composição da EFS. ...........................................................................40 CAPÍTULO II Figura 2.1. Os Bairros pobres de Londres, sob os viadutos ferroviários; gravura de Gustave Doré. ....................................................................................................................................58 Figura 2.2. Uma rua de um bairro pobre de Londres (Dudley Street); gravura de Guustave Doréde 1827.......................................................................................................................................59 Figura 2.3. Casa Modelo desenhada por Henry Roberts a pedido do príncipe Alberto.......61 Figura 2.4. Familistério em Guise de J. B. Godin….............................................................63 Figura 2.5. Cidade industrial de Robert Owen. Vista de uma unidade proposta para Harmony E.UA. ..................................................................................................................................63 Figura 2.6. Bairro Siemensstadt, Berlim , 1929......................................................................66 Figura 2.7. Habitações Mínimas no Bairro Dammerstock.....................................................67 Figura 2.8. Conjunto Habitacional de Pruitt-igoe..................................................................68 Figura 2.9. Villa Economizadora Paulista..............................................................................77 Figura 2.10. Vista geral das habitações Vila Maria Zellia.....................................................82 Figura 2.11. Escola Villa Maria Zellia...................................................................................82 Figura 2.12. Igreja Villa Maria Zellia....................................................................................82 Figura 2.13. Villa Cerealina, Construída pelas Industrias Matarazzo...................................83 9

Figura 2.14. Vila dos Engenheiros Barragem de Ibitinga......................................................87 Figura 2.15. Vila dos Barrageiros, localizada na ciddade de Iacanga..................................87 CAPÍTULO III Figura 3.1. Trabalhadores realizando corte para construção da estrada de ligação entre Santos e Mairinque.............................................................................................................................90 Figura 3.2. Construção de Vila Ferroviária da Companhia Paulista....................................92 Figura 3.3 e 3.4. Casas financiadas pela CAPs da Paulista no município de Campinas.....93 Figura 3.5 e 3.6. Casas financiadas pela CAPs da Mogiana no município de Campinas.....93 Figura 3.7. Acampamento provisório implantado no Alto da Serra.....................................103 Figura 3.8. Obras de Arte......................................................................................................107 Figura 3.9. Patamares de onde localizava-se os sistemas funiculares...................................108 Figura 3.10 e 3.11. Máquinas que tracionavam o sistema funicular baseado em cabos de aço sem fim..............................................................................................................................................108 Figura 3.12. “loco-breques”, locomotivas que tracionavam as composições no sistema funicular............................................................................................................................................108 Figura 3.13. Implantação da Vila de Paranapiacaba...........................................................109 Figura 3.14. Antigo hospital Vila Velha. .............................................................................109 Figura 3.15 e 3.16. Casas que foram construídas na “Vila Velha” sem o recuo que passou a ser usado nas tipologias adotadas na Vila Martin Smith. ...............................................................109 Figura 3.17. Tipologia de um dormitório para solteiros, Vila Martin Smith. ....................110 Figura 3.18 e 3.19. Tipologia geminada de dois dormitórios, Vila Martin Smith. ..............110 Figura 3.20 e 3.21. Vila de Paranapiacaba, esplanada da Estação e Torre do relógio.....111 Figura 3.22 e 3.23. Tipologia três dormitórios, isolada no lote reservada para funcionários com cargos de chefia ou serviços vitais para ferrovia, Vila Martin Smith. ....................................111 Figura 3.24. Tipologia três dormitórios, em primeiro plano placa de sinalização das ruas, Vila Martin Smith. ............................................................................................................................111 Figura 3.25. Viela sanitária uma das características higienistas encontradas na Vila Martin Smith. ...............................................................................................................................................112 10

Figura 3.26. Ao fundo casa do Eng. e logo a frente Alojamento Vila Velha.......................112 Figura 3.27. Vista do “Castelinho” localizado na cota mais alta da Vila Martin Smith....113 Figura 3.28 e 3.29. Fotos do fogão e da Lareira do “Castelinho”. ............................... ....113 Figura 3.30. Vista do “Castelinho” para o mercado onde era comercializado os produtos perecíveis como hortifrutigranjeiros. ..............................................................................................114 Figura 3.31. Lata utilizada para efetuar o pagamento dos funcionários da São Paulo Railway. ............................................................................... ...........................................................114 Figura 3.32 e 3.33. Clube Lira Serrano na Vila Martin Smith. ...........................................114 Figura 3.34 Vista geral de uma rua da Vila Martin Smith, ao fundo o clube Lira Serrano. ............................... ............................... ............................... .................. ............................... .......115 Figura 3.35. Coperativa que funcionava como posto de abastecimento de suprimentos da Vila Martin Smith. .............................. ............................... ............................... .............................115 Figura 3.36. Delegacia em ruínas na Vila Martin Smith. ....................................................115 Figura 3.37. Posto Médico na Vila Martin Smith. ...............................................................115 Figura 3.38 e 3.39. Vista da passarela metálica interligando a Vila Martin Smith com a Parte Alta da Vila de Paranapiacaba. .............................................................................................116 Figura 3.40. Vista dos prédios comercias onde se concentra grande parte dos Estabelecimentos que vendiam bebida alcoólica na Parte Alta da Vila de Paranapiacaba...........116 Figura 3.41. Vista Parte Alta Paranapiacaba. ..................................................................117 Figura 3.42. Vista Parte Alta Paranapiacaba. .......................................................................117 Figura 3.43. Vista geral Vila MartinSmith e Vila Velha de Paranapiacaba........................117 Figura 3.44. Implantação Esplanada da estação de Iperó. ................................................120 Figura 3.45. Casa chefe de estação, esplanada da estação de Iperó. ................................121 Figura 3.46 e 3.47. Casas da Vila Santo Antônio em Iperó. .............................................121 Figura 3.48. Casa da Vila Santo Antônio em Iperó. .........................................................122 Figura 3.49. Plantas e Fachadas das casas da Vila Santo Antônio em Iperó. ................122 Figura 3.50. Implantação da Vila Santo Antônio em Iperó. ............................................123 Figura 3.51. Estação de Mairinque. ...................................................................................124

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Figura 3.52 e 3.53. Fotos aéreas de Mairinque.. ...............................................................125 Figura 3.54. Armazém regulador da Sorocabana em Mairinque. ...................................125 Figura 3.55, 3.56, 3.57 e 3.58. Casas localizadas em a frente da estação de Mairinq....126 Figura 3.59. Foto aérea da cidade de Mairinque. ............................................................127 Figura 3.60 e 3.61. Loteamento Fazenda Mairinque. ......................................................127 Figura

3.62, 3.63, 3.64 e 3.65.

Casas localizadas em

a frente da estação de

Mairinque.........................................................................................................................................128 Figura 3.65, 3.66 e 3.67. Casas de linha em Mairinque. ..................................................128 Figura 3.68 e 3.69. Estação de Botucatu em 1906 e segunda estação em 1922...............129 Figura 3.70. Estação de Botucatu em 1934. ......................................................................129 Figura 3.71. Casa do chefe de estação de Botucatu. .........................................................130 Figura 3.72 e 3.73 Casas de Funcionários da Sorocabana em Botucatu. .......................130 Figura 3.74. Foto aérea da estação e esplanada de Botucatu. ..........................................130 Figura 3.75. Implantação das casas de Funcionários da Sorocabana em B.otucatu. ......131 Figura 3.76. Foto casa modernista de Botucatu. ...............................................................131 Figura 3.77 e 3.78. Outras casas em Botucatu. .................................................................132 Figura 3.79. Implantação da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. .................................132 Figura 3.80 Foto aérea da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. ....................................133 Figura 3.81 Plantas da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. ..........................................134 Figura 3.82, 3.83 e 3.84 Casas da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. ........................134 Figura 3.85 e 3.86. Casas de madeira em São Vicente. ......................................................135 Figura 3.87, 3.88, 3.89 e 3.90. Outras tipologias encontradas em São Vicente. ................135 Figura 3.91 Foto aérea da esplanada de estação de São Vicente. .....................................135 Figura 3.92. Planta de regularização dos Sobrados da Sorocabana em santos.. .............136 Figura 3.93 e 3.94. Sobrados da Sorocabana em santos. ..................................................136 Figura

3.95.

Planta de regularização dos Sobrado de 74m²

da

Sorocabana em

santos................................................................................................................................................137 Figura 3.96, 3.97 e 3.98. Sobrados da Sorocabana em santos. .........................................137

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Figura

3.99 e 3.100.

Foto aérea do Porto de Santos, detalhe dos sobrados da

Sorocabana.......................................................................................................................................138 Figura 3.101 e 3.102. Outras tipologias adotadas pela sorocabana em Santos. .............138 Figura 3.103 e 3.104. Estação de Luz. ............................................................................,.139 Figura 3.105. Torre estação Júlio Prestes............................................................................,139 Figura e 3.106.

Projeto para a estação Júlio Prestes_Samuel e Cristinao

Neves................................................................................................................................................,139 Figura e 3.107. Prédio de Apartamentos de três dormitórios.............................................,140 Figura e 3.108. Prédio de Apartamentos de três dormitórios............................................,.140 Figura e 3.109. Projeto de Prédio para Pernoite ...............................................................,141 Figura e 3.110 e 3.111. Tipologia de três pavimentos adotada pela Sorocabana em São Paulo. .............................................................................................................................................,141 Figura e 3.112, 3.113, 3.114 e 3.115.

Casas com influências modernistas em São

Paulo................................................................................................................................................,142 Figura e 3.116, 3.117, 3.118, 3.119, 3.120 e 3.121.

Outras tipologias adotadas pela

Sorocabana em São Paulo. ..............................................................................................................142 Figura e 3.122 e 3.123.

Tipologias da

Sorocabana na Vila Leonor em Osasco.

..........................................................................................................................................................143 Figura e 3.124. Foto aérea Vila Leonor em Osasco. ..........................................................143 Figura e 3.125 e 3.126. Sobrados da Sorocabana em Osasco. ...........................................143 Figura 3.127. Foto aérea Sobrados da Sorocabana em Osasco. ....................................... 143 Figura 3.128. Ante-projeto proposto pelo Eng. Willian Finger para núcleo residencial em Carapicuíba. .................................................................................................................................. .144 Figura 3.129. Plantas fachadas de um e dois dormitórios para núcleo residencial em Carapicuíba. .................................................................................................................................. .145 Figura 3.130. Perspectiva Escola, núcleo residencial em Carapicuíba. ...........................146 Figura 3.31. Ante projeto escola, núcleo residencial em Carapicuíba................................147 Figura 3.132. Foto aérea edifícios implantados em Carapicuíba. ...................................147

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Figura 3.133. Detalhe edifício e escola Carapicuíba. ........................................................148 Figura 3.134. Implantação com 32 blocos, edifício_tipo6, Carapicuíba. ...........................148 Figura 3.135. Projeto e perspectiva edifício tipo6, Carapicuíba. .......................................149 Figura 3.136. implantação com 6 blocos, edifício_tipo6. ...................................................149 Figura 3.137. Fachada Principal, edifício_tipo6. . ............................................................149 Figura 3.138. Fachada Posterior, edifício_tipo6. ...............................................................150 Figura 3.139. Planta Baixa, edifício_tipo6. ........................................................................150 Figura 3.140 e 3.141. Vistas, edifício_tipo6. .......................................................................150 Figura 3. 142 . Vista da Vila Arens. .....................................................................................153 Figura 3.143 e 3.144. Planta baixa e vista de casa geminada em Jundiaí. .........................153 Figura 3.145, 3.146 e 3.147. Casa tipo 4, para Vila Operária da CP, com três dormitórios. ...........................................................................................................................................................154 Figura 3.148. Palnta da casa tipo 4, para Vila Operária da CP, com três dormitórios. ...........................................................................................................................................................155 Figura 3.149. Palnta da casa tipo 2, para Vila Operária da CP, com dois dormitórios......... ...........................................................................................................................................................155 Figura 3.150 e 3.151. Tipologias adotadas pela CP em Jundiaí. ........................................155 Figura 3.152. Casa do Engenheiro residente CP em Franca...............................................156 Figura 3.153. Implantação Vila da CP. em Barretos............................................................157 Figura 3. 154. Evolução das aberturas segundo Lúcio Costa ............................................157 Figura 3.155, 3.156 e 3.157. Casas geminadas da Vila da CP. em Barretos......................158 Figura 3.158. Foto aérea da Vila da CP. em Barretos .......................................................158 Figura 3.159. Casa isolada no lote na Vila de Barretos......................................................159 Figura 3.160. Foto aérea da esplanada da estação de Bebedouro. ...................................159 Figura 3.161. estação de Bebedouro. ..................................................................................160 Figura 3.162 e 3.163. Casas em renque Bebedouro. ..........................................................160 Figura 3.164. Primeira estação de Bebedouro. ...................................................................160 Figura 3.165, 3.166, 3.167 e 3.168. Casas em renque Bebedouro. ....................................161

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Figura 3.169. Implantação Vila em Bebedouro. ................................................................161 Figura 3.170. Foto aérea Vila em Bebedouro. ...................................................................161 Figura 3.171. Implantação Vila em Bebedouro. ................................................................162 Figura 3.172. Implantação Vila Industrial em Campinas. .................................................163 Figura 3.173, 3.174, 3.175 e 3.176. Vila Industrial da CP em Campinas..........................164 Figura 3.177. Vila construída pela CP em Campinas. .......................................................164 Figura 3.178 e 3.179. Vila construída pela CP em Campinas. ..........................................165 Figura 3.180. Foto aérea Vila construída pela CP em Campinas. ....................................165 Figura 3.181. Casa do Engenheiro residente......................................................................165 Figura 3.182. Oficina de Locomotivas Companhia Mogiana. ............................................168 Figura 3.183. Implantação da Vila e estação da Mogiana em Campinas. .........................168 Figura 3.184. Casa para Mestre de linha da Mogiana em Campinas. ..............................169 Figura 3.185, 3.186, 3.187 e 3.188. Casas construídas pela Mogiana em Campinas. .......169 Figura 3.189 e 3.190. Casas construídas pela Mogiana em Campinas...............................170 Figura 3.191. Foto aérea Uberaba. ....................................................................................170 Figura 3.192. Foto aérea Vila da Mogiana em Uberaba. ....................................................171 Figura 3.193, 3.194 e 3.195. Casas da Vila Mogiana em Uberaba. ...................................171 Figura 3.196. Vila Ferroviária da Mogiana em Uberaba. .................................................171 Figura 3.197. Vila Ferroviária da EFA em São Jisé do Rio Preto. ....................................173 Figura 3.198, 3.199, 3.200 e 3.201. Casas da Vila Ferroviária da EFA em São Jisé do Rio Preto. ................................................................................................................................................174 Figura 3. 202. Foto aérea estação de Jales. .......................................................................175 Figura 3.203, 3.204 e 3.205. Casas da EFA em Jales. ........................................................175 Figura 3.206. Planta e fachada de tipologia construída pela EFA em Jales. .....................176 Figura 3.207, 3.208, 3.209, 3.210 e 3.211. Casas construídas pela SPM em Altinópol......179 Figura 3.212, 3.213 e 3.214. Casas de turma em Aguaí. .....................................................179 CAPÍTULO IV

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Figura 4.1. Plantas e fachadas de Habitação Operária em Araraquara. ............................186 Figura 4.2. Planta da cidade de Araraquara........................................................................189 Figura 4.3. Foto aérea da cidade de Araraquara. ..............................................................190 Figura 4.4. Vila Ferroviária da Companhia Paulista. .........................................................191 Figura 4.5. Vista aérea Vila Ferroviária da Companhia Paulista e o barracão do IBC. ......192 Figura

4.6.

Implantação

da

Vila

Ferroviária

da

Companhia

Paulista.

..........................................................................................................................................................192 Figura 4.7. Planta das Casas da Vila Paulista. ...................................................................193 Figura 4.8. Casas em renque e Geminada da Vila Paulista. ............................................. 194 Figura 4.9. Vista do banheiro localizado no fundo do lote, corredor lateral e as cas.s de madeira. ...........................................................................................................................................194 Figura 4.10. Vista aérea da Vila da Companhia Paulista. ..................................................195 Figura 4.11. Armazém de café. .............................................................................................195 Figura 4.12. Casas de Turma ao longo da Linha da CP. .....................................................197 Figura 4.13. Vista aérea da Vila Paulista. ...........................................................................197 Figura 4.14. Primeira Oficina da EFA em Araraquara. .....................................................198 Figura 4.15. Escola Profissionalizante da EFA. ..................................................................200 Figura 4.16. Oficinas da EFA. ............................................................................................203 Figura 4.17. Vista aérea da Vila da EFA. ...........................................................................204 Figura 4.18. Implantação Vila da EFA. ..............................................................................205 Figura 4.19. Vista das Casas da EFA. ................................................................................205 Figura 4.20. Planta das Casas da EFA. ..............................................................................206 Figura 4.21. Casas neocolonias conhecidas por missões espanholas. ................................207 Figura 4.22. Vista geral da Vila Ferroviária. ......................................................................207 Figura 4.23. Vista geral da Estação e Rotunda. ..................................................................208 Figura 4.24. Vista casa tipo 5. ..............................................................................................208 Figura 4.25. Vista casa tipo 4. ..............................................................................................208 Figura 4.26. Vista aérea da Vila da EFA . ...........................................................................209

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Figura 4.27. Conjunto da

EFA na rua Dr.Leite de Morais, ao lado da estação.

...........................................................................................................................................................210 Figura 4.28. Escola da EFA ao lado da estação. ................................................................211 Figura 4.29. RAPA, mercado que atendia aos ferroviários . ...............................................211 Figura 4.30. RAPA, Casa de turma, localizada ao longo da via férrea . ............................211

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01. Relação entre o número de Funcionários das Companhias Ferroviárias e o de habitações.........................................................................................................................................101 Tabela 02. Cidades com intensa atividade Ferroviária . ....................................................105 Tabela 03. Média da área construída por casa por Empresa. ............................................180 Tabela 04. Distribuição dos atendimentos habitacionais no Estado de São Paulo.(193764).....................................................................................................................................................182 Tabela 05. Evolução da População de Araraquara.............................................................184 Tabela 06. Crescimento populacional de Araraquara.........................................................184 Tabela 07. Estatística industrial em Araraquara.................................................................199 Tabela 08.

Evolução do número de edificações em Araraquara 1921 – 1940 em

Araraquara.......................................................................................................................................199 Tabela 08.

Evolução do número de edificações em Araraquara 1921 – 1940 em

Araraquara.......................................................................................................................................200

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RESUMO

O desenvolvimento econômico do estado de São Paulo tomou proporções significativas no século XIX, com o binômio café e ferrovias, que proporcionou outra dinâmica à vida urbana paulista, influenciando na aceleração do processo de industrialização do estado. Dentro deste contexto surgem as Vilas Ferroviárias, que viabilizaram operacionalmente o modo de produção ferroviário, espalhando-se pelo interior de São Paulo. Percussoras dos modelos adotados nas Vilas Operárias, garantiam o funcionamento do Complexo Ferroviário Paulista vinte e quatro hora por dia, fixando os trabalhadores nas proximidades do leito ferroviário e de suas oficinas. Com as mais diversas tipologias e características urbanísticas ímpares, o inventário e a descrição das Vilas significativas do estado de São Paulo, realizados neste trabalho, demonstram a importância desses empreendimentos e a sua localização estratégica para as Ferrovias; seu estudo elucida parte da memória viva do estado, de um tempo em que, impulsionadas pelas locomotivas, novas fronteiras se estabeleceram para o desenvolvimento paulista. Em outras épocas orgulho nacional, o complexo ferroviário, atualmente em estado de abandono e degradação, não pode ser tratado como um obstáculo físico que segmenta as cidades. A importância da interligação regional e a influência que todo complexo ferroviário exerceu no passado deve retomar as discussões urbanas em busca do desenvolvimento regional sustentável das cidades paulistas.

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ABSTRACT

The economic development of Sao Paulo state took on significant dimensions in the nineteenth century as a result of the dinamic between coffee plantations, railways and paulista urba n life, which accelerated the state's industrialization process. In that context, the Railways Villages started to emerge, spreading through the countryside of Sao Paulo and offering operational viability to the railway production. As the first models later were adopted by the Works Villages, they guaranteed full-time work to the Paulista Railway Complex settling the workers near the railways and its garages.Presenting an uneven and wide variety of urb anistic characteristics, the inventory and description of these significant villages of Sao Paulo state, included in this research, prove its importance and strategic location to the railways. Studying this subject clarifies part of the state's memory up to including the time that new frontiers were being set ted to the Paulista develelopment, impelled by the locomotives. Although once the railways villages were considered to be a symbol of national pride, nowadays they are frequently seen in neglected a nd degraded condition. However, they must not be considered as a physical obstacle which segment s the towns. The importance of the regional interconnection and the Railway Complex's influence in the past must be taken up in urban discussions again, aiming for a balanced regional development of the Paulista towns.

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INTRODUÇÃO O desenvolvimento urbano e econômico de São Paulo esteve atrelado, desde o final do século XIX, ao traçado ferroviário. Com o advento do binômio café-ferrovias, ocorreu um grande crescimento no estado, as atividades agrárias de subsistência sendo substituídas pelas plantações de café e pelas atividades urbanas que apareceram com o incremento da economia, gerado pela expansão do trabalho assalariado. As Vilas Operárias surgiram no século XIX como uma das soluções adotadas para resolver o problema de habitação da classe trabalhadora. Podemos classificá-las em dois tipos distintos de empreendimentos: Vilas Operárias Particulares (segundo Bonduki (1998), construída por particulares para a venda ou locação) e Vilas de Empresa (as quais edificavam suas casas buscando resolver parte do problema da falta de moradia de seus funcionários, principalmente os que exerciam função fundamental para a empresa, sendo necessária sua presença nas proximidades do local de trabalho). Entre essas últimas, destacam-se os Núcleos Fabris ou Company Towns que, segundo Correa (1998) e Minami (1994), constituem-se de Vilas autônomas, geralmente isoladas da malha urbana, criadas com a função de viabilizar a produção de diversos setores das indústrias, precursoras do pensamento urbanístico moderno. As Vilas Operárias e as Ferroviárias, como se poderá constatar por meio de nosso trabalho, apresentaram características peculiares que aproximam umas às outras. Ambas eram modelos de produção de habitação que possuíam como característica principal fixar parte da mão-de-obra nas proximidades do local de trabalho. No período em que as Vilas Ferroviárias foram empreendidas outros setores investiram em Habitação. Entre eles, os IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões), criados nos moldes das CAPs (Caixa de Aposentadoria e Pensões), com a função principal de reverter benefícios previdenciários, também investiram em habitação, devido à alta rentabilidade do mercado imobiliário no período. Segundo Bonduki (1998), a questão da habitação social era tratada, pelos Institutos Previdenciários, com caráter ambíguo: ora como forma de garantir o bem estar social, ora como instrumento de capitalização dos recursos recolhidos pelo sistema previdenciário, dessa forma distanciando-se do caráter social de tais empreendimentos. É possível realizar-se, assim, uma analogia entre esses empreendimentos e as Vilas Operárias de empresas e Núcleos Fabris. Muitas vezes, enquanto o discurso das empresas buscava demonstrar o aspecto social de seus empreendimentos habitacionais, na verdade o que realmente

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interessava eram as formas como aquele capital ali empregado garantiria seu retorno, na confecção dos produtos industriais e na operacionalidade da empresa. Outro órgão criado na década de 30, por Getúlio Vargas, com a finalidade de resolver o problema habitacional, foi a Fundação da Casa Popular (FCP), que empreendeu seus conjuntos por todo o país. Tais empreendimentos, no entanto, não lograram sanar a grande carência habitacional que surgia no período de acelerado desenvolvimento industrial (influenciado pelo crescimento econômico gerado pelo complexo cafeeiro). Os trilhos acompanhavam e muitas vezes antecediam as plantações de café que surgiam em São Paulo. Tomando a dianteira entre os outros produtos de exportação brasileiros, o café rapidamente se difundiu no interior do estado - segundo Milliet (1982), o processo de migração do café para o Oeste Paulista desenvolveu e urbanizou o interior do estado. Devido à carência de infra-estrutura encontrada nos locais por onde passava, a ferrovia adotou a construção de casas como uma forma de viabilizar seu modo produção e expansão de suas linhas. Com seu crescimento, a necessidade das Ferrovias em investir em habitação se torna comum em todas as Companhias Ferroviárias, as quais garantiam casas para os serviços essenciais a seu funcionamento, privilegiando e controlando desta forma os setores estratégicos da empresa. Uma outra característica comum entre as Vilas Operárias e Ferroviárias era sua localização em relação ao local de trabalho. As Companhias Ferroviárias foram dos primeiros setores produtivos a adotar no Brasil a construção de casas para seus funcionários, como forma de reter a força de trabalho próxima de suas instalações (Blay, 1985, p. 32 ). A partir do final do século XIX, até a primeira metade do XX, com o desenvolvimento econômico do estado de São Paulo, ligado à lavoura cafeeira e à política expansionista das Ferrovias, as Companhias de Estrada de Ferro começaram a investir em habitação, como forma de viabilizar a operacionalização de suas linhas e garantir seu funcionamento vinte e quatro horas por dia. O projeto, adotado como política das próprias empresas, era uma forma de servir parte de seus funcionários (os que possuíam alguma característica essencial para o funcionamento da empresa), fornecendo-lhe infra-estrutura necessária e de condições mínimas de higiene, mas também de mantê-los na maior parte do tempo sob seu controle, próximos do local de trabalho, facilitando eventuais serões extras essenciais ao funcionamento da ferrovia. Praticamente ao longo de toda a linha, na qual localizavam-se também as ofícinas, armazéns, entroncamentos e estações, distribuíam-se as casas destinadas aos funcionários das estradas de ferro. As chamadas Vilas Ferroviárias tinham como tendência, além de uma organização sanitarista forma de oferecer condições morais e de higiene para os trabalhadores -, a finalidade de trazer para

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perto a mão-de-obra, a fim de que os empregados pudessem ser controlados e ficassem à disposição das empresas praticamente vinte e quatro horas por dia, mantendo em pleno funcionamento os maquinários das ferrovias e facilitando a sua manutenção. De extrema importância para o desenvolvimento do interior do estado de São Paulo, como alternativa apresentada pelas Companhias Ferroviárias para a escassez de moradias existente no início do século XX, esses núcleos habitacionais construídos pelas Companhias Ferroviárias tiveram também papel fundamental no próprio desenvolvimento do ferroviário, na medida em que as Vilas funcionavam como extensão do trabalho ferroviário, fixando os operários em locais estratégicos para o bom funcionamento da empresa ferroviária, garantindo a pontualidade das composições e a manutenção permanente das linhas férreas. As Vilas de Ferrovia brasileiras são relativamente pouco estudadas nos meios científicos. É notável, especialmente, a inexistência de trabalhos de arquitetura a respeito da importância das Vilas Ferroviárias, suas contribuições em relação aos aspectos construtivos, tecnológicos e arquitetônicos. Existem alguns trabalhos de sociologia, economia, história e sobre a preservação das ferrovias – entre eles, podemos citar os estudos de Liliana Segnini (Ferrovia e Ferroviários), Flávio Azevedo Marques de Saes (As Ferrovias de São Paulo – Paulista, Mogiana e Sorocabana), Wilson Cano (Raízes da Concentração Industrial em São Paulo), Sergio Silva (Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil), Sérgio Milliet (Roteiro do Café e outros ensaios) e Adolpho Augusto Pinto (História da Viação Pública e As Estradas de Ferro de São Paulo); sobre conservação de patrimônio e Arquitetura Ferroviária e Urbanismo encontramos a obras de Beatriz Mugayar Kühl (Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em São Paulo), Nilson Guirardello (À beira da linha: Formações urbanas da Noroeste Paulista) e Issao Minami (Vila Martin Smith no Alto da Serra em São Paulo: um Exemplo Típico de “Model Company Town” e Expressão e Representação do Espaço Urbano por Meio da Codificação Visual da Imagem: Memória da Vila de Paranapiacaba). Relativamente às outras vilas construídas pelas Companhias Ferroviárias, não há trabalhos que as abordem sistematicamente, e nem que busquem organizar todos os dados relativos à grandiosidade dos empreendimentos e seu reflexo na produção arquitetônica das Ferrovias. As Empresas Ferroviárias foram um dos setores que investiram em habitação para seus funcionários. Segundo nosso levantamento, em um período do final do século XIX até a metade do XX, no qual o processo de urbanização estava se iniciando no estado, as cinco principais Companhias Ferroviárias de São Paulo empreenderam aproximadamente 6.000 casas – sem contarmos as Vilas construídas pela São Paulo Railway, entre elas a de Paranapiacaba, que sozinha possui 300 casas e as Vilas empreendidas pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, em São Paulo.

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As Vilas Operárias e as Ferroviárias foram empreendidas em grande número no país e se apresentaram como solução para a viabilização do novo modo de produção que surgiu com o desenvolvimento industrial, trazendo consigo inovações construtivas e arquitetônicas para a área habitacional. O objetivo principal de nosso estudo é sistematizar os dados levantados em pesquisa realizada em bibliotecas, museus e arquivos das Ferrovias, relativo aos núcleos, vilas e conjuntos de casas ferroviárias construídas pelas Companhias Sorocabana, Paulista, Mogiana, Estrada de Ferro Araraquara e Estrada de Ferro São Paulo - Minas, as quais formaram a já extinta Fepasa. Assim, esta pesquisa visa elucidar a importância quantitativa e qualitativa do patrimônio ferroviário em seus aspectos técnico-construtivos e arquitetônicos, e localizar os empreendimentos no estado por meio do mapeamento das Vilas Ferroviárias. Dessa forma, busca-se apresentar os empreendimentos realizados pelas Companhias Ferroviárias que formavam a extinta FEPASA e, de forma mais específica, abordar as Vilas Ferroviárias construídas na cidade de Araraquara, analisando seus aspectos arquitetônicos, urbanísticos e os motivos que levaram à implantação do conjunto naquela cidade. Alicerce do modo de produção ferroviário gerado pelo binômio café-ferrovias, essas Vilas garantiam o apoio operacional, fixando o trabalhador no local de trabalho, dado essencial para o avanço da malha ferroviária que, entre outros produtos, levava consigo os materiais de construção que revolucionaram nossa arquitetura, as mercadorias manufaturadas e os maquinários importantes para o desenvolvimento industrial do estado. Retornando para o porto de Santos depois de prover o interior de produtos importados que operariam uma transformação no modo de vida – assim como nas técnicas e materiais construtivos os trens levavam o principal produto de exportação do estado (o café) e outras mercadorias de menor relevância. No entanto, a importância das Vilas Ferroviárias de São Paulo não reside apenas em seu papel no modo operacional das ferrovias; mas também na arquitetura, marcando um período de transformação do processo construtivo ferroviário. Além disso, aquelas Vilas são significativas porque, em face à parca produção habitacional no país, seus empreendimentos foram mais que relevantes, e trouxeram consigo uma grande diversidade tipológica, bem como influências oriundas de outros países, que acabaram por se espalhar por construções de todo o interior do estado. A ferrovia, atualmente, mesmo quando desativada, encontra-se presente na maioria das cidades paulistas por meio de suas realizações, entre as quais estão as Vilas destinadas a

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trabalhadores. Estas, em muitos locais serviram elas mesmas como primeiro pólo urbanístico, lançando as bases para a fundação das cidades; em outros, tiveram papel fundamental na expansão dos núcleos urbanos, determinando-lhes em alguns casos até mesmo o traçado futuro. A fim de desenvolver nossa dissertação, trabalhamos, inicialmente, na realização de pesquisa bibliográfica a respeito de habitação social, das Vilas Operárias, os Núcleos Fabris – e sua efetivação no Brasil -, assim como do desenvolvimento histórico das estradas de ferro no estado de São Paulo e outros trabalhos relacionados à ferrovia. Em uma segunda etapa dos trabalhos buscamos, em fontes como arquivos históricos (Arquivo Departamento de Patrimônio da FEPASA, Arquivo Histórico Municipal de Araraquara , Arquivo Histórico Rodolfo Telarolli, Arquivo da Secretaria Estadual de Cultura), museus (Museu Ferroviário Barão de Mauá em Jundiaí, Museu da Estrada de Ferro Araraquara e Museu Municipal Araraquara) e em algumas das Vilas remanescentes, dados referentes às Vilas de Ferrovia construídas pelas cinco maiores Companhias Ferroviárias no estado de São Paulo (as quais, posteriormente, deram origem à já extinta FEPASA). Entre esses dados, verificamos, entre todos os empreendimentos: quantidade de vilas, quantidade de casas em cada uma delas, tipologia das construções, materiais empregados na implantação dos núcleos. Especificamente em relação aos empreendimentos realizados em Araraquara - nosso estudo de caso -, abordamos também o histórico do desenvolvimento da cidade, o entorno e a função das Vilas do município. Por meio do mapeamento das Vilas de Ferrovia paulistas e da realização de um levantamento quantitativo, relacionando-as com as cidades das quais fazem parte, buscamos estabelecer a influência que esses núcleos exerceram sobre o modo de produção ferroviário, bem como sua distribuição no estado. Desta forma, nosso trabalho resgata um dos esteios do modo de produção ferroviário e da política de expansão cafeeira no estado: as Vilas de Ferrovia, que se consolidaram como empreendimentos necessários para o funcionamento da malha ferroviária. Suas características arquitetônicas inseriram novos conceitos e tipologias em várias cidades do interior paulista. Localizadas ao lado das estações, ao longo das linhas ou em núcleos próximos às atividades ferroviárias, as Vilas fizeram parte do processo de consolidação do binômio café-ferrovias e refletem o posicionamento empresarial em face da questão habitacional como uma das formas de se alcançarem os interesses capitalistas (por meio da concessão de moradias aos funcionários).

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I - AS FERROVIAS PAULISTAS 1 – Histórico do desenvolvimento do estado de São Paulo em função das ferrovias A região correspondente ao estado de São Paulo, desde o início da colonização do país até o advento das ferrovias, possuía uma grande dificuldade de interligação com os mercados externos, devido à trabalhosa transposição da Serra do Mar. Esse isolamento do Planalto foi objeto de diversos estudos de pesquisadores do passado paulista. Por intermédio das Bandeiras, fundaram-se os primeiros povoados do interior, caracterizados pela pequena propriedade, a agricultura de subsistência, a policultura e o nomadismo dos habitantes. Matos (1990) compara a vida do desbravador paulista à do nordestino, encontrando entre elas a existência de uma grande diferença nos meios de produção: os estados do Nordeste gozavam do desenvolvimento proporcionado pelo Ciclo do Açúcar e toda a riqueza que deste provinha. Com relação às vilas de São Paulo, no entanto, o autor constata que “o núcleo paulista foi de uma pobreza talvez sem igual no país. Tanto, que seus filhos precisaram deixá-lo à procura de atividades em outras áreas” (MATOS, 1990, p. 25). Esse fato deveu-se principalmente às modalidades de expansão paulista: o pastoreio e o apresamento de indígenas, que só podem ser compreendidos se considerarmos as condições físicas, sociais e econômicas que vigoraram no desenvolvimento do Planalto, isolado da orla marítima. Com extrema dificuldade para se relacionar com a metrópole e com outras regiões do país, o povoamento da região nos dois primeiros séculos coloniais foi reduzido, ocorrendo apenas a transformação de algumas aldeias indígenas em freguesias, vilas e cidades. Agregado a esse fato, e devido a esse desenvolvimento deficitário, houve um enfraquecimento desses povoados e uma migração em busca de alternativas. Segundo Matos:

O povoamento e conseqüente desenvolvimento das regiões de mineração tornaram-nas dentro em pouco capitanias autônomas, destacadas de São Paulo, de maneira que, ao atingir os meados do século XVIII, a primeira capitania paulista vê-se reduzida a menos de um terço de sua área original. O despovoamento quantitativo e qualitativo que sofre a capitania com a corrida para as minas leva-a a tais condições de decadência, o que redundou na sua própria extinção. Em 1748 desaparecia, assim, a Capitania de São Paulo, então simplesmente anexada ao governo do Rio de Janeiro. Dezessete anos perdurou esta situação, único hiato em toda a

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história administrativa de São Paulo. Em 1765, era novamente restaurada a capitania paulista, compreendendo apenas o atual território do Estado de São Paulo e mais o Paraná, o qual, só em 1853, portanto já no segundo reinado, seria constituído em província autônoma, o último dos muitos ‘cortes’ sofridos por São Paulo durante sua história quadrissecular. (MATOS, 1990, p. 29). De acordo com os historiadores, a restauração sócio-econômica de São Paulo deu-se no início do chamado “Ciclo Paulista do Açúcar”, quando a província voltou a exercer certa influência no país. Esse ciclo foi de fundamental importância, portanto, para o desenvolvimento da cafeicultura e de todo o processo de desbravamento do interior paulista por esta desencadeado, pois funcionou como um financiador, garantindo capitais e mão-de-obra para o processo. O advento da cultura da cana-de-açúcar impulsionou ainda o surgimento dos centros urbanos e núcleos de povoamento periféricos no estado. Além da representatividade desta nova atividade econômica, começaram com ela a se desenvolver importantes alterações nos sistemas de transportes e comunicações, os quais utilizavam ainda, muitas vezes, os difíceis caminhos das Bandeiras. Porém, as ligações entre o Planalto e o litoral permaneceram precárias por muito tempo, e a relação cana-de-açúcar - atividade tropeira caracterizava a vida econômica de São Paulo ainda no século XVIII. O caminho do Planalto até a cidade de Santos, de extrema importância para a história do desenvolvimento dos transportes em São Paulo, a princípio só era possível de ser feito a pé. Parte das mercadorias era transportada por índios, e a dificuldade de escoamento tornava impraticável a expansão das lavouras naquela região. Com o aumento da produção, quando do advento da cultura da cana, tornou-se necessária a implantação de uma forma mais eficaz de escoamento de cargas. Foram então realizadas diversas melhorias no “Caminho do Mar”, entre fins de 1791 e começo de 1792. De acordo com Matos, parte do trecho passou a poder ser percorrida com tropas de bestas; o leito da estrada, porém, ainda não era carroçável. Esse fato ocorreria somente no início do século XIX, já no Primeiro Reinado, o que representou talvez um dos grandes momentos da história dos transportes do território paulista. Nesse período, o advento das ferrovias também estava próximo de se concretizar. Analisando o histórico da implantação e expansão das ferrovias em São Paulo, podemos perceber que o processo de povoamento do estado, assim como seu desenvolvimento, só foram

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possíveis graças ao transporte ferroviário, que seguia as plantações de café ou ia desbravando as matas para que as linhas adentrassem pelo interior do território paulista. O café passou a se destacar como o principal produto exportado pelo Brasil a partir de 1870. Nesse período, a exportação era realizada também com a borracha e o fumo. Devido à diminuta quantidade de produtos que sustentavam nossa economia e à dependência desses produtos em relação ao mercado externo, nossa economia era extremamente frágil. O Brasil era o maior produtor de café, responsável por 70% do total do produto consumido no mundo; o estado de São Paulo se destacava no país, fornecendo 60% das exportações de café (PRADO JÚNIOR, 1998). O café trouxe consigo novas divisas para a economia brasileira, operando uma transformação não apenas nas exportações do país, mas também no modo de produção e na própria sociedade. Uma das características dessa transformação que ocorreu no período de ascensão do café como esteio da economia brasileira foi a substituição da mão de obra escrava pelo trabalho assalariado, o que contribuiu para o desenvolvimento do mercado, a rápida expansão das estradas de ferro e o surgimento das primeiras indústrias. Tais fatos puderam se consolidar apenas com a grande acumulação de capitais gerados pelo café. Suas principais crises (que se iniciaram já em 1886) fizeram com que ocorresse um aquecimento de novos setores da economia capitalista, como alternativa para os capitais excedentes da produção cafeeira (SILVA, 1986). Outro fato importante a ressaltar é a presença de capitais estrangeiros, que passam a investir no país. Esses capitais representaram importante contribuição principalmente na construção das Estradas de Ferro e na implantação e melhoramento de outros serviços públicos, como eletricidade, gás e transportes urbanos, além de incentivar maciçamente o processo de imigração de trabalhadores – o que levou à criação de um mercado de trabalho assalariado no país que substituiria a mão de obra escrava (SILVA, 1986). Apesar de sua importância para a economia paulista, o cultivo do café não se iniciou no estado, mas no vizinho Rio de Janeiro. Na década de 1880 ocorreu um processo de deslocamento das plantações de café, que deixaram o estado do Rio de Janeiro e migraram para São Paulo (MILLIET, 1982). Essa mudança pode ser explicada pela decadência (até a eliminação) do uso do trabalho escravo, que predominava no estado do Rio de Janeiro. O novo modo de produção das fazendas cafeeiras atrelava-se à figura do imigrante, que chegava ao país em grandes levas (2/3 dos imigrantes que aportaram no Brasil dirigiu-se às plantações de café).

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Outro fator determinante do desenvolvimento das plantações cafeeiras no território paulista foi a especificação criada para o beneficiamento do café, que passou a aparecer com freqüência nos centros urbanos onde a ferrovia possuía influência. As ferrovias exerceram também um papel econômico no aumento da produção cafeeira, pois com a facilidade de escoamento da produção das fazendas tornava-se possível a ampliação das áreas de plantio – anteriormente, parte da produção era perdida ou extraviada do seu destino pelo precário transporte, realizado por muares e sujeito a diversas intempéries (CANO, 1977). O processo de consolidação da concentração capitalista no estado de São Paulo não pode se reduzir, segundo Cano (1977), na análise da economia cafeeira em São Paulo antes de 1930, mas sim em todo o “complexo econômico cafeeiro”, presente nas relações que surgiram com aquela atividade, assim como ao processo de migração das plantações de café para Oeste Paulista . Dentro deste contexto, poderemos observar o papel das Vilas Ferroviárias em face dos volumes de investimentos que surgiram com a expansão ferroviária, ou seja, o complexo ferroviário e todas as suas edificações. Sobre o complexo econômico cafeeiro, Cano (1977) relata também como os principais componentes e as variáveis que iriam completar o ciclo capitalista proporcionado pelos excedentes das plantações de café transformaram o estado de São Paulo em grande centro de expansão da economia capitalista:

i) atividade produtora de café ii) a agricultura produtora de alimentos e matérias primas, vista em dois seguimentos: o primeiro, representado pela produção desenvolvida dentro da área da propriedade cafeeira, quer como cultivos intercaldos, quer como produção elaborada em terras cedidas pelo próprio proprietário aos trabalhadores do café; o segundo, pela agricultura que produz essencialmente para o mercado, operando fora da propriedade cafeeira; iii) a atividade industrial, que em função do objeto de análise, deve ser vista também em pelo menos três segmentos: um, representado pela produção de equipamentos de beneficiamento de café; outro pela importante indústria de sacarias de juta para a embalagem do café, e o terceiro, representando os demais compartimentos produtivos da indústria manufatureira, entre os quais, notoriamente se destaca a têxtil; iv) a implantação e desenvolvimento do sistema ferroviário paulista;

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v) a expansão do sistema bancário; vi) a atividade do comércio de exportação e de importação; vii) o desenvolvimento de atividades criadoras de infra-estrutura - portos e armazéns, transportes urbanos e comunicações - bem como daqueles inerentes à própria urbanização, como o comércio por exemplo; viii) finalmente, a atividade do Estado, tanto do governo federal como do estadual, principalmente pela ótica do gasto público. Além dos elementos acima, destaco as seguintes variáveis: i) o movimento imigratório; ii) a disponibilidade de terras; iii) os saldos da balança comercial com o exterior e com o resto do país; iv) o capital externo; v) e por último, as políticas de defesas e valorização do café (CANO, 1977, p. 21).

Os principais componentes e as variáveis acima citadas demonstram a importância do café e das atividades que surgem com a nova concentração urbana. O desenvolvimento e a implantação do sistema ferroviário exerceu,então, uma grande influência no processo de acumulação de capitais e de estímulo ao surgimento de novas indústrias. Além disso, o desenvolvimento da ferrovia proporcionou também o surgimento de inúmeras inovações na arquitetura. A importação de novos materiais para construção levou a um aumento significativo no ramo das construções. De acordo com Mautner (1992), o mercado da construção civil se desenvolveu rapidamente naquele período, a indústria da construção civil ligando-se diretamente à expansão do ciclo cafeeiro e dos novos meios de transporte, em especial a ferrovia. A fim de possibilitar a implantação da cultura cafeeira no país, o ciclo do açúcar foi um dos sistemas de produção que destinou parte acumulação de seus capitais a essa nova cultura. O café, por sua vez, por meio de seus excedentes de capital, estimulou direta e indiretamente o processo de industrialização de São Paulo e levou a uma nova fase na economia paulista, provocando a implantação e expansão das linhas ferroviárias. São Paulo entrou em uma fase de grande crescimento com o advento das ferrovias. Impulsionadas pelo binômio café - ferrovia, que agia fixando a população no interior, de 1900 a 1930 nasceram mais de 120 cidades e “a população do estado em milhões de habitantes passava, de

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0,8 em 1872 para 1,40 em 1890 e 2,3 em 1900; daí até 1920 este total seria duplicado, atingindo 4,6 milhões” (CANO, 1977, p.70). Dessa forma, como afirmamos anteriormente, a expansão das estradas de ferro através do estado de São Paulo constituiu-se no fato decisivo para que a região pudesse não apenas se desenvolver, como se tornar um dos mais povoados estados brasileiros e grande potência econômica nacional. Assim, justifica-se a pertinência e relevância de se estudar a questão habitacional do estado em função do desenvolvimento ferroviário. Como veremos na seção seguinte, devido à migração para as cidades e ao aumento populacional que ocorreu em função dessa transferência, a necessidade de construção de novas habitações se tornou patente. Além disso, é necessário considerar-se que a expansão das ferrovias foi, ela própria, responsável pela criação de inúmeras cidades, ao agregar pessoas no entorno de trechos importantes das linhas. No estado de São Paulo, especificamente, essas características fizeram com que ferrovia e habitação se tornassem elementos intimamente associados.

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2 – O apogeu ferroviário, o surgimento das primeiras Companhias de Estrada de Ferro A ferrovia talvez tenha sido uma das maiores invenções da era industrial. Transformou o modo de vida que imperava até seu surgimento pois, rompendo as barreiras de tempo e espaço, transformou a sociedade, a qual passou a existir cada vez mais em função do tempo. As distâncias passaram a ser transpostas com maior facilidade e o novo modo de locomoção substituiu as tropas de muares e as diligências que anteriormente trafegavam por entre caminhos tortuosos. Dessa forma, ocorreu uma mudança no modo de produzir (que precisou se acelerar), no comércio Figura 1.1. Ilustração da “The Rocket” , primeira estrada de ferro ligando Liverpool a Manchester em 1829 (Arquivo museu histórico Barão de Mauá, 1998).

(também mais rápido e eficiente) e na própria vida das pessoas, dentro dessa nova sociedade cujas exigências e recompensas progressivamente se afastavam da

tradicional. O início da era ferroviária se deu na Inglaterra, com a invenção da primeira locomotiva. Quando da inauguração, naquele país, do primeiro trecho que ligaria duas importantes cidades da era industrial, o interesse por esse meio de transporte já despertava no Brasil. De acordo com Pinto:

Havia apenas algumas dezenas de annos que as estradas de ferro tinham começado a apparecer na Europa. A princípio sob forma de simples caminhos feito de trilhos de madeira, como os que usavam nas usinas de New Castle, na Inglaterra, por tracção animada; depois em 1770, sobre trilhos de ferro fundido; mais tarde, em 1820, sobre trilhos de ferro laminado e logo em seguida com o emprego das primeiras machinas locomotivas, entre as quaes é digna de citar-se a que Stephensob produziu e fez trabalhar, em 1829, no caminho de ferro de Liverpool a Manchester, contendo os principaes elementos das machinas modernas, taes como a applicação do princípio de adherencia, a caldeira tubular e a tiragem produzida pelo escapamento do vapor da chaminé – quando se deu no Brasil o primeiro passo para a introducção no paiz d’esse extraordinário instrumento de civilização e progresso. (PINTO, 1903, p. 22). A primeira iniciativa nesse sentido ocorreu em 31 de outubro de 1835. Promulgada pelo Regente do Império, Padre Diogo Antônio Feijó, a Resolução número 101 da Assembléia Legislativa determinava que o governo concederia privilégios para a implantação de uma ou mais

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companhias que pretendessem construir estradas de ferro que ligassem o Rio de Janeiro às capitais das províncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. A Resolução estabelecia, entre outras vantagens, a concessão da exploração das ferrovias por um período de quarenta anos; a importação, com isenção de impostos, de máquinas e equipamentos necessários para a implantação das estradas de ferro; a cessão gratuita de terrenos do Estado para a construção dos trilhos, ou direito de desapropriação de terras privadas que os caminhos percorressem. Nesse período, denominado por Pinto de “Primeira Fase de Implantação das Ferrovias”, apesar de terem ocorrido as primeiras tentativas de realização de diversas concessões, nenhuma foi concretizada. O autor justifica esses fracassos como característicos de um primeiro momento, no qual o grande esforço do país para que esses empreendimentos se concretizassem foi vão, devido ao fato de este encontrar-se “na infância de seu desenvolvimento econômico” (PINTO, 1903, p. 27), com uma população ainda insignificante diante de sua grandeza territorial. Além disso, outro fator relevante para esse fracasso foi a insegurança dos capitais estrangeiros em investir em uma colônia que tinha conseguido sua independência havia tão pouco tempo. Entre as tentativas frustradas nessa época podem-se destacar duas, que ocorreram no estado de São Paulo. A primeira delas, em 1838, outorgava à firma Aguiar, Viúva, Filhos & Companhia e à Platt & Reid a concessão para a construção de uma estrada de ferro que ligaria Santos à zona central da província. A prioridade na construção dessa obra justificava-se pela grande importância de tais logradouros para a época. Apesar de o país ter sua economia baseada na produção da cana-de-açúcar, o café começava a se destacar como o novo esteio do estado. Em pouco tempo, a cultura cafeeira suplantaria a do açúcar. Vindo pelo Vale do Paraíba, migrado de terras fluminenses, o café logo dominou todo o oeste paulista. Também de grande importância foi a concessão que o inglês Thomaz Cochrane recebeu do governo imperial para a construção de uma estrada de ferro que ligaria o Rio de Janeiro à Província de São Paulo. A ferrovia não se concretizou. Porém, alegando que sua empresa iria à ruína se o governo não garantisse o pagamento dos juros para o capital necessário à construção da estrada, Cochrane reivindicou mais privilégios. O processo de tramitação das reivindicações ocorreu entre 1840 e 1842, sob a justificativa de que em diversos países a garantia de juros era uma forma de viabilizar as estradas de ferro.

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O governo recusou-se a dar a Cochrane tais privilégios. Com isso, o capital para a viabilização das estradas de ferro voltou-se para países que concediam essas garantias. Na década de 50, o país tornou-se mais suscetível a empreendimentos ferroviários pois, após a extinção do tráfico de escravos, o capital até então empregado no comércio negreiro ficou livre. Além disso, o país gozava de uma maior estabilidade política, com o fortalecimento da ordem pública interna. De acordo com Matos, “uma nova era de prosperidade abre-se para o país na segunda metade do século, refletindo-se nos mais variados setores da vida nacional, principalmente no desenvolvimento da civilização material” (MATOS, 1990, p. 63). Em 1852, de acordo com Pinto, inaugura-se a “Segunda Fase das Ferrovias”. Por intermédio da Lei Geral número 641, promulgada naquele ano, o governo concederia privilégios à construção total ou parcial de uma estrada que tivesse início na corte (Rio de Janeiro) e terminasse em São Paulo e Minas Gerais. A favor dessa concessão estariam: 

o direito de desapropriação de terrenos;



o uso de madeira, minerais e outros materiais que fossem encontrados

nesses terrenos; 

a isenção de impostos sobre a importação de trilhos, máquinas e

demais objetos destinados à construção da estrada; 

privilégios de zona de extensão de 5 léguas tanto de um lado como de

outro da estrada, e ao longo de todos os trilhos; 

garantia de juros de até 5% do capital empregado na sua construção.

Além desses 5% dos juros dados pelo governo imperial, a província do Rio de Janeiro comprometeu-se a pagar mais 2%, em contrato estabelecido em 10 de maio de 1855. A empresa que incorporou a estrada chamava-se Companhia de Estrada de Ferro D. Pedro II. No entanto, a estrada não foi concluída em toda sua extensão, devido às dificuldades de transposição da Serra do Mar e a outros interesses, como sua localização a oeste das fazendas de café, direção oposta ao projeto inicial. Puseram-se em funcionamento somente os trilhos de Visconde de Mauá a Petrópolis. Em 1865, a estrada foi encampada pelo governo imperial, que deu continuidade às obras, e em 1875 os trilhos chegavam ao seu destino, no Vale do Paraíba.

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Em São Paulo as necessidades de se construir uma ferrovia eram cada vez maiores. Os transportes em operação na época e as condições precárias dos caminhos que desciam ao litoral não condiziam com a produção de açúcar e do café, que começava então a avançar pelo Noroeste. Eram claras as vantagens que tal estrada traria para a província: o desenvolvimento do comércio de Santos e a possibilidade de aumentar as exportações, a expansão do processo de colonização do estado, o incentivo ao trabalho livre, a redução dos custos de transportes.

2.1 - Estrada de Ferro Santos - Jundiaí A firma Aguiar, Viúva, Filhos & Cia, detentora da concessão para a construção da estrada de ferro que ligaria Rio Claro a Santos, não conseguiu viabilizá-la devido à falta de recursos. Sem condições de obtê-los, o empreendimento foi abandonado, e os estudos e levantamentos topográficos realizados pelo engenheiro inglês Mornay, guardados por Frederico Foomm, representante da companhia, até a sua morte. Sua viúva entregou os planos a um seu parente, o Marquês de Monte Alegre. Seu protegido, o Visconde de Mauá, vendeu-os, juntamente com a concessão, à Companhia Inglesa pela quantia de quarenta e cinco mil libras esterlinas. Esses planos serviram de base para o atual traçado da estrada de Santos a Jundiaí. Com a aprovação dos artigos da Associação da Companhia da Estrada de Ferro de Santos a Jundiaí, em 6 de Junho de 1860, na cidade de Londres, constituiu-se a firma que brevemente construiria a primeira ferrovia de São Paulo, a São Paulo Railway Company. A construção dessa estrada começou em 24 de novembro de 1860. A obra teria que transpor, em seu trecho mais difícil, uma diferença de nível de 800 metros. A densa floresta da Mata Atlântica e as chuvas torrenciais que

Figura 1.2. Trecho da serra do mar (Arquivo museu histórico Barão de Mauá, 1998).

causavam grandes desabamentos aumentavam enormemente o custo do empreendimento. Porém, as dificuldades não foram intransponíveis: a subida da Serra foi vencida por intermédio da construção de vários patamares, e em 16 de fevereiro de 1867 os 139 quilômetros de estrada foram entregues ao público. Efetuou-se, assim, um grande passo para o desenvolvimento ferroviário do estado de São Paulo.

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2.2 - A Companhia Paulista de Estradas de Ferro Logo após a conclusão da obra, tratou-se de organizar um projeto para a construção de uma articulação da ferrovia, ligando São Paulo a Cachoeira. Nos moldes da concessão cedida para a empresa inglesa, o projeto que privilegiaria o Norte do estado de São Paulo e a região Sul de Minas, não se viabilizou naquele momento. Muito importante para São Paulo, esse prolongamento, a ser realizado pela Companhia Paulista, teria início em Jundiaí, com direção ao Oeste do estado. Acompanhava, portanto, o processo de migração que ocorria naquele momento, no qual o café deixava o solo fluminense e o vale do Paraíba em busca das terras roxas da região a ser privilegiada pela estrada.Outro motivo para o delineamento da um novo traçado para as estradas de ferro era a grande importância da cidade de Campinas na época. Destacado centro agrícola, funcionava como ponto de escoamento da produção dos cafezais que se alastravam pelo interior do estado. Além disso, era precursora de atividades pioneiras em diversas áreas, como a indústria, a educação e a área hospitalar, constituindo-se em um dos centros urbanos e culturais mais importantes do país. A concessão feita pelo Império estendia-se até a região de Rio Claro. No entanto, a São Paulo Railway não possuía interesse em estender seu traçado pela província, pois sua localização já era estratégica, garantindo ao capital inglês o monopólio de toda a mercadoria que se destinava ao porto de Santos, pelo qual saía a carga vinda de diversos locais. Por isso, a empresa construiu a estrada somente até Jundiaí. A necessidade de a estrada de ferro avançar para o interior era evidente, e o desinteresse da “Inglesa” em prolongar seus trilhos até Rio Claro levou o então presidente da província de São Paulo, Joaquim Saldanha Marinho, a interessar-se pelo projeto de extensão dos trilhos até o interior do estado. Sendo Campinas o ponto-chave do prolongamento, naquela cidade, em 16 de dezembro de 1867, foi lançada a idéia da criação de uma companhia nacional, a qual se realizaria pela iniciativa de fazendeiros, negociantes e capitalistas, visando atender ao crescimento da lavoura cafeeira na região.

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A São Paulo Railway Company alegava ao governo imperial que tal empreendimento necessitaria da garantia de 7% de juros do capital investido na construção da estrada, somando-se 9% com os 2% garantidos pela província. O governo e a elite do estado de São Paulo passaram então a exercer uma pressão sobre a companhia, para que esta abrisse mão da concessão. Sua desistência possibilitou a formação da Companhia Paulista. De acordo com Pinto: Tendo a São Paulo Railway Company declarado desistir do direito de preferencia que, pelo seu contracto, lhe cabia, em egualdade de condições, para o prolongamento da linha ferrea além de Jundiahy, desistencia que era mais tarde officialmente acceita pelo Governo, a 30 de janeiro de 1868 installava-se provisoriamente na capital da Província a Companhia Paulista das Estradas de Ferro de Jundiahy a Campinas. (PINTO, 1903, p. 38). Com a desistência da empresa inglesa, realizou-se uma assembléia, na qual foram discutidos e aprovados os estatutos da Companhia Paulista. Elegeu-se uma diretoria provisória, composta por Francisco Antonio de Souza Queirós, Martinho da Silva Prado, Bernardo Avelino Gavião Peixoto e Clemente Falcão de Souza Filho, ao qual coube a presidência da empresa. Estabelecia-se no país a primeira empresa de capital nacional constituída como sociedade anônima. Dividida em 25 mil ações, a companhia foi distribuída entre 654 acionistas, que possuíam no máximo 4% delas. O processo para se arrecadar o montante do capital necessário para a construção das estradas foi considerado uma forma de investimento seguro, devido aos juros oferecidos e à amortização do capital que se daria com a redução dos valores de fretes vigentes na época. Dessa forma, eram privilegiados os fazendeiros, detentores do capital ligado à produção do café, e as casas comissárias, que serviam de intermédio entre os produtores e o mercado exportador. A empresa, gozando do regime de garantia de juros e de zonas privilegiadas, foi formada ainda no período que Pinto denomina “Segunda Fase do Desenvolvimento das Estradas de Ferro”. Em 11 de agosto de 1872, após dois anos do início da construção, inaugurava-se o primeiro trecho da Companhia Paulista, ligando Jundiaí à cidade de Campinas. Executada com bitola larga, não havia a necessidade da realização de baldeações entre as companhias Inglesa e Paulista. Fato histórico que marcou a cidade de Campinas, a inauguração desse trecho ocorreu com uma grande festa, que teve como o principal homenageado Saldanha Marinho, considerado o precursor da Companhia Paulista.

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A Companhia tinha, a princípio, interesse em parar seus trilhos em Campinas pois, após um ano de sua implantação, a estrada já gerava lucros. Parte dos acionistas, no entanto, desejava estender as linhas até o interior do estado. Consultada pelo governo da província em 1873, foi deliberada pela assembléia dos acionistas a autorização para a construção da estrada de Campinas a Rio Claro. Em 12 de maio do mesmo ano o governo firmou o contrato para a extensão da linha, com as mesmas concessões dadas ao contrato anterior, mais a garantia de renda de 7%, por meio da graduação de tarifas. Tendo-se os trabalhos iniciado em 19 de janeiro de 1874, inauguraram-se os trechos até Santa Bárbara em 27 de agosto de 1875; até Limeira em 30 de junho de 1876 e, por fim, até Rio Claro em 11 de agosto do mesmo ano. Sem ao menos ter concluído esta estrada, a Companhia já pretendia prolongar suas vias até a margem do rio Mogi-Guaçu. Em 1876 a Assembléia Provincial aprovou o privilégio de uma zona de 31 quilômetros de cada lado da linha, além dos mesmos favores da concessão anterior. A extensão foi inaugurada em 1880, às margens do rio Mogi-Guaçu, passando pelas cidades de Araras, Leme, Pirassununga e Porto Ferreira.

Figura 1.3. Ponte sobre o Rio Mogi-Guaçu.

(Arquivo

Museu

histórico Barão de Mauá, 1998).

A Companhia Paulista crescia e, com ela, provocava o desenvolvimento do estado, como constata Pinto:

O exemplo da organisação da Companhia Paulista, como a semente que chae em terreno fertil, não podia deixar de frutificar, aviventando o espirito de iniciativa para a conquista de novos triumphos. Assim é que nos mesmos moldes que serviram à formação da Companhia Paulista, se foram sucessivamente organisando as companhias Ytuana, Sorocabana, Mogyana, S. Paulo e Rio de Janeiro, Minas e Rio e Bragantina, para construção de novas linhas ferreas, todas gosando os favores da garantia de juros de 7% e zona de privilegiada, sendo geralmente de 90 annos o prazo de privilegio (PINTO, 1903, pp. 46-47).

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2.3 - Companhia Ituana de Estradas de Ferro Foi criada, em 1870, a segunda companhia de estradas de ferro do estado de São Paulo, a Ytuana. Empresa de menor porte que a Paulista, fundou-se a fim de realizar a ligação entre Itu e Jundiaí. Recebeu do governo concessão semelhante à estabelecida pela Companhia Paulista, mas adotou em suas linhas o sistema de bitola estreita (0.96m), levando à necessidade de se realizarem baldeações em Jundiaí. Alguns fundadores da empresa já estavam presentes na Companhia Paulista, como Paes de Barros e Pacheco Jordão, dois fazendeiros de café da região na qual se estenderiam os trilhos. Em 17 de abril de 1873, foi inaugurada a primeira linha da companhia, um dia antes da reunião Republicana conhecida como “Convenção de Itu”, que aproveitaria o ambiente festivo instalado na cidade. Sem as garantias de juros e de privilégio de zona, a Ituana foi impossibilitada, por dificuldades financeiras, de concluir o ramal entre Capivari e Piracicaba, que pretendia realizar. Apenas mais tarde, com auxílio do poder público, pôde estender suas linhas até Itaici, Capivari e Piracicaba, ramal concluído em 1879. Da questão do privilégio de zona surgiu o primeiro conflito entre as ferrovias: algumas das estações construídas pela Ituana estavam situadas na zona de privilégio da Companhia Paulista. A situação foi resolvida amigavelmente entre as duas empresas, em um acordo assinado em 18 de outubro de 1872, no qual foi estabelecido que a Paulista receberia 10% das rendas brutas provenientes de carga e descarga de passageiros e mercadorias nas estações que estivessem em sua zona de privilégio. Ainda devido a dificuldades financeiras, a Companhia Ituana não conseguiu estender suas linhas até Brotas e Jaú, como desejava. Contudo, lançou vistas aos portos que se encontravam às margens dos rios Tietê e Piracicaba, como Pinto revela:

Neste sentido tratou a Companhia Ytuana de obter a concessão da linha do porto Martins a S. Manoel, ao mesmo tempo em que chamava a si o serviço de navegação dos rios Piracicaba e Tieté, e adquirida a linha férrea do Engenho Central de Piracicaba e o direito de prolonga-la até a estação João Alfredo, à margem do rio Piracicaba (PINTO, 1903, p. 49).

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Iniciava-se assim o serviço conjugado de navegação fluvial com ferrovias, com monopólio da Ituana naqueles dois rios. Novo conflito surgiria nessa área, zona de privilégio da Sorocabana. Após negociações entre as duas companhias, ocorreu sua fusão em 1892. A Lei Provincial de 24 de março de 1870, número 34, autorizou a construção da linha que veio a ser a Sorocabana, que ia de Jundiaí a Itu e posteriormente a Sorocaba. Esse traçado, porém, era inconveniente para os moradores de Sorocaba pois, apesar de a distância até Itu ser de apenas 46 km, aumentaria o caminho para a capital em mais de 70 km. Além disso, a ligação direta à capital atenderia melhor a seus interesses, pois evitaria o pagamento de taxas para o uso das linhas da Ituana.

2.4 - Companhia Sorocabana Por intermédio da Lei Provincial número 33 de 29 de março de 1871, foram concedidos à Companhia Sorocabana os mesmos privilégios dados à Paulista - garantia de 7% de juros sobre o capital investido na construção da estrada, zona de 31 km para cada lado dos trilhos e concessão pelo prazo de 90 anos; porém, sua bitola deveria ser estreita (de 1.00 metro). No movimento pela construção da Estrada de Ferro Sorocabana, destacou-se o polonês Luís Mateus Maylasky, um dos que perceberam o prejuízo de ligar-se a cidade de Sorocaba à capital através de Itu. Encabeçando o movimento pela estrada de Sorocaba, Maylasky e um grupo de fazendeiros fundaram a Companhia Sorocabana, com um capital de 1.200 contos, divididos em ações de duzentos mil réis (capital mais tarde elevado para 4.000 contos). Iniciou-se a construção da estrada em 13 de julho de 1872, e em 10 de julho de 1875 a ferrovia chegava até Sorocaba. A Estrada de Ferro Sorocabana possuía uma característica que a distinguia das demais ferrovias paulistas: seu objetivo inicial era o transporte de algodão, produto de grande influência naquela região, visto que o café ainda não havia se desenvolvido naquelas terras. Devido à Guerra Civil Americana, o algodão contava com preços elevados, o que estimulou sua plantação em Sorocaba, na época. Porém, com o declínio da produção algodoeira e a expansão da lavoura cafeeira para o Oeste da província, a Sorocabana transformou-se também em uma estrada sustentada pelo transporte do café. Três anos depois da fundação da Sorocabana, suas linhas já se estendiam em direção ao rio Tietê. Quando atingiu Botucatu, ocorreu um novo conflito por zona de privilégio, pois a área era explorada pela Ituana, que atravessava algumas dificuldades financeiras nessa época. As duas

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companhias atuavam praticamente na mesma região, e tinham interesses comuns na área de transporte. Assim, as empresas se uniram no dia 24 de maio de 1892, formando a maior rede ferroviária do estado, a União Sorocabana. Com 905 km de extensão, a nova companhia assumiu toda a dívida da Ituana para com o Estado. Em 1905, a Companhia União Sorocabana foi adquirida pelo governo federal. A extensão de suas linhas até os

limites

dos

estados

do

Paraná

e

Mato

Grosso

desestabilizara a empresa, levando-a a uma crise econômica devido à qual foi obrigada a dispor de seu acervo. Por um período de doze anos, a companhia foi arrendada a um consórcio franco-americano denominado Sorocaba Railway Company. Em 1919, ela voltou à

Figura 1.4. Pequena composição da EFS. (Arquivo Museu histórico Barão de Mauá, 1998).

administração do Estado, vinculada à Secretaria de Viação e Obras Públicas. Em 1927, a Sorocabana realizou uma obra de grande vulto, a fim de acabar com o monopólio da São Paulo Railway, a única estrada que fazia a ligação com o litoral do estado: construiu uma estrada ligando a estação de Mairinque a Santos. Trata-se de uma das grandes obras da engenharia nacional, pois o relevo, de difícil transposição, e o clima, com abundantes chuvas, consistiram em obstáculos quase intransponíveis para conclusão do trecho, vencidos pela necessidade e a importância do empreendimento. Concluído este ramal, o tronco ferroviário de bitola estreita facilitou as comunicações com as demais estradas do interior. Somente a Paulista, que possuía bitola larga, não podia ter interesses no trecho, pois a necessidade de se realizarem baldeações ainda justificava o uso da São Paulo Railway, de bitola de 1.60 m.

2.5 - Companhia Mogiana A Mogiana foi a terceira empresa ferroviária criada no Brasil, em 1872, tornando-se mais tarde uma das mais importantes companhias do país. Fundada em Campinas, teve entre seus incorporadores figuras ligadas ao café, como o Tenente Coronel Egídio de Souza Aranha e Antônio Queiroz Telles (Barão, Visconde e Conde de Parnaíba), entre outros. A finalidade da companhia era contratar com o governo provincial a

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construção de uma estrada de ferro entre as cidades de Campinas e Mogi-Mirim e outro ramal para a cidade de Amparo. Foram-lhe concedidos privilégios nos mesmos moldes da Paulista, ou seja, garantia de 7% de juros, privilégio de zona e concessão por 90 anos, além do direito de prolongamento da estrada até as margens do Rio Grande, passando pelas cidades de Casa Branca e Franca, com bitola métrica de 1.00 m. A Mogiana foi a primeira companhia a atingir as divisas do estado de São Paulo, em 6 de março de 1888, em Jaguara, à margem do Rio Grande. Destacou-se também por ser a empresa que mais estendeu suas linhas férreas no estado de São Paulo (além de outras em Minas Gerais) durante a “Segunda Fase do Desenvolvimento Ferroviário”. A companhia conseguiu também concessão para prolongar suas linhas até Ribeirão Preto. Sua ligação com o triângulo mineiro, por meio da transposição do Rio Grande, em muito contribuiu para o desenvolvimento do estado de São Paulo, transportando mercadorias e grande quantidade de gado da região sul de Minas, atividade econômica fundamental naquela região na época. 2.6 - Companhia São Paulo – Rio De Janeiro Também em 1872 teve origem a Companhia da Estrada de Ferro São Paulo – Rio, que ligaria a cidade de Cachoeira, ponto final da estrada D. Pedro II, à cidade de São Paulo. A ferrovia percorreria 231 km até alcançar a estrada existente, como forma de tentar manter a produção cafeeira da região, que já dava sinais de esgotamento. A estrada que traspassava o Vale do Paraíba, aspiração de muitos, inaugurou-se apenas em 8 de julho de 1877. Em 1890, o governo provisório autorizou o resgate da estrada de ferro, modificando sua bitola para que se juntasse à antiga ferrovia D. Pedro II, unificando-se na Estrada de Ferro Central do Brasil. Nessa “Segunda Fase das Ferrovias” surgiram ainda outras companhias de estradas de ferro, gozando dos privilégios aos quais já nos referimos. Entre elas, podem-se citar a Estrada de Ferro Rezende, a Arêas, a The Minas and Rio Railway Company e a Companhia Bragantina. Sobre a “Terceira Fase das Ferrovias”, Pinto afirma:

Chegamos ao anno de 1880, em que, fechado o cyclo começado a meados do seculo, das companhias que se haviam constituido com os favores da garantia de juros e privilegio de zona, se inicia a terceira phase de evolução ferro-viaria em S. Paulo, a phase das

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empresas da evolução para construir estradas, prescindindo do favor de garantia de juros, mas não dispensando ainda o privilégio de zona. Durante o periodo que acabamos de percorrer, consederavel foi o progresso realizado pela Provincia de S. Paulo. A lavoura de café, tomando grande incremento, começou a estender-se pelos districtos mais remotos do noroeste e oeste; o commercio de exportação e importação, que em 1868, no primeiro anno depois de inaugurado o trafego da linha de Santos a Jundiaih, havia sido de umas 50.000 toneladas de mercadorias, elevára-se ao triplo, isto é, a um movimento de cerca de 160.000 toneladas, orçando o valor official da exportação por cerca de 30.000:000$000 de réis; o numero de navios de longo curso e de cabotagem, a vela e a vapor, entrados no porto de Santos, elevárase a cerca de 650; as companhias de estradas de ferro regularmente administradas prosperavam, dando bons dividendos, sendo os seus titulos cotados com agio elevado. Iniciava-se o serviço de introducção de immigrantes estrangeiros, havia animação, confiança no futuro e já alguma experiência nos negocios ferro-viarios. Estava pois o terreno preparado para a industria de transporte, em plena vitalidade, continuar a desenvolver-se prescindindo de qualquer auxilio dos cofres publicos, ao menos pelo que se dizia respeito às linhas de caracter commercial, ficando o favor reservado às de puro interesse politico ou estratégico (PINTO, 1903, pp. 61-62). Devido ao grande progresso em que se encontrava o desenvolvimento das estradas de ferro de São Paulo, o governo imperial empenhou-se em um estudo para a construção de uma ferrovia que, partindo de Rio Claro (então ponto final da Companhia Paulista), chegasse até a província do Mato Grosso. Após diversos estudos elaborados pelo engenheiro Francisco Antônio Pimenta Bueno, foram estabelecidas três possíveis direções: pelo Vale do Tietê, pelo do Mogi-Guaçu ou pela cumeeira entre esses dois rios. A linha deveria passar pelas cidades de São Carlos e Araraquara, estendendo-se pela margem direita do Rio Grande até o ponto de Santana, no Rio Paraíba. O governo imperial, no entanto, desistiu do empreendimento. Apesar disso, recebeu diversas petições reivindicando a concessão para a construção do trecho entre Rio Claro e Araraquara. Estabeleceu, então, contato com a Companhia Paulista sobre a preferência a que ela tinha direito. Depois de realizar diversos estudos, a Companhia Paulista comunicou, em 20 de maio de 1880, que não aceitava as condições da lei votada pela Assembléia Provincial, provocando o adiamento do prolongamento entre Rio Claro e Araraquara.

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2.7 - Companhia de Rio Claro Após a Paulista ter manifestado desinteresse em estender suas linhas de Rio Claro a Araraquara, o ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Conselheiro Manuel Buarque de Macedo, mandou publicar, em 29 de julho de 1880, editais para o prolongamento da via planejada por Pimenta Bueno, a qual deveria ter bitola de 1.0 m e passar por Brotas, Dois Córregos e Jaú. Após receber várias propostas, foi aceita a proposta apresentada pelos engenheiros Adolpho Augusto Pinto, Luís Augusto Pinto e o capitalista Benedicto Antonio da Silva, considerada a mais vantajosa para o governo provincial. Em 4 de outubro de 1880, firmou-se o contrato, inaugurandose assim a chamada “Terceira Fase”. De acordo com Pinto:

A proposta que foi acceita - por ter sido considerada a mais vantajosa - e depois reduzida a contracto, mostra, em differentes disposições d’este, que os concessionários bem comprehendiam a responsabilidade que tomavam de organisar a primeira companhia tendo por objecto construir uma estrada de ferro sem garantia de juros do Governo, iniciando com este facto a terceira phase do desenvolvimento ferro-viario em S. Paulo (PINTO,1903, p. 65). A garantia de juros fora eliminada e o prazo de privilégio reduzido de 90 para 50 anos. No entanto, se em outros contratos a renda máxima estipulada pelo governo era de 12% (ultrapassado esse valor, a companhia deveria reduzir suas tarifas), agora ficou estipulado apenas que metade do excedente líquido deveria ser revertido em prol da própria empresa. Pouco tempo depois de terem assinado o contrato de 1880, o engenheiro Adolpho Augusto Pinto e o capitalista Benedicto Antonio da Silva transferiram seu privilégio à empresa que incorporaram (cujo presidente era o Barão do Pinhal - posteriormente Conde), tendo seus estudos aprovados em 12 de agosto de 1882. A linha de Rio Claro a São Carlos inaugurou-se em 15 de outubro de 1884; até Araraquara em 18 de janeiro de 1885 e até Jaú em 18 de fevereiro de 1887, em uma extensão total de 264 km. Em 30 de setembro de 1889 a estrada foi vendida para a The Rio Claro Railway Company, empresa sediada em Londres. De posse da linha, a companhia inglesa buscou melhorá-la e desenvolvê-la, aumentando o material rodante, ampliando e construindo novos edifícios. Obteve

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concessão para a construção de novas linhas, de Araraquara a Jaboticabal e de São Carlos a Santa Eudóxia e Ribeirão Bonito. A linha, que partia de Rio Claro para o interior, era considerada de grande importância para o desenvolvimento da Companhia Paulista que, em 1892, acabou adquirindo a The Rio Claro - São Paulo Railway Company.

2.8 - Pequenos ramais férreos Desde o início da implantação dos serviços ferroviários no estado de São Paulo surgiram, ao lado dos grandes ramais empreendidos pelas companhias, pequenas ferrovias, devido ao interesse de alguns fazendeiros em escoar o café de suas propriedades até o ramal principal. Devido a isso, essas pequenas linhas ficaram conhecidas como estradas “cata-café”. As grandes companhias possuíam interesse na criação e no desenvolvimento dessas estradas, pois além de cobrarem tributos pelos direitos de concessão e uso, aumentariam o número de mercadorias a trafegar em suas linhas. A maior parte das pequenas empresas que possuíam essas ferrovias não tinha infra-estrutura para se manter independente, e acabou sendo incorporada pelas grandes companhias, como a Paulista ou a Sorocaba, interessadas em sua localização e privilégios. Como exemplo desses pequenos ramais podemos citar a Estrada de Ferro Bananal, a Companhia Ramal Férreo Rio Pardo, Companhia Itatibense, Companhia Agrícola Fazenda Santos Dumont, Companhia Descalvadense, Companhia Ramal Férreo de Santa Rita, Companhia Ramal Férreo Campineiro, Companhia Carril Agrícola Funilense, entre outros. Em 1889, após a Proclamação da República, formava-se a República Federativa do Brasil. Uma das primeiras preocupações do Governo Provisório foi organizar um plano ferroviário, que deveria assegurar os interesses da União. Em 14 de julho de 1891, São Paulo promulgava sua Constituição, a qual firmava a necessidade do desenvolvimento das estradas de ferro no território do estado. A esse respeito, Pinto relata:

De accôrdo com tal disposição, um dos primeiros actos do Congresso Legislativo do Estado foi votar a lei no 30 de 13 de junho de 1892, regulando a concessão de estradas de ferro no territorio paulista. Pelo regimen de plena liberdade que instituiu, essa lei assignala o princípio de uma era nova, o ultimo estadio da evolução historica porque passou em S. Paulo o desenvolvimento da industria ferro-viaria em suas relações com o poder publico.

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Pela lei de 13 de junho de 1892, que regula a concessão de estradas de ferro no Estado de S. Paulo, é livre a qualquer particular, empresa ou companhia, o direito de construir e explorar estradas de ferro dentro do territorio paulista, precedendo licença do respectivo Governo, sujeita unicamente às condições seguintes: Serem respeitados os direitos adquiridos em virtude de contracto ou concessão legalmente feita, até à data da lei, pelo Governo do Estado de S. Paulo, da União Federal ou pelas municipalidades. Depositar o pretendente no thesouro do Estado, no acto de requerer a licença, uma caução em moeda corrente ou apolice da divida publica correspondente a 2% da importância total do custo approximativo da estrada. Apresentar o requerendo estudos geraes da zona que a estrada projectada tiver de atravessar e o traçado approximado da linha pedida (PINTO, 1903, pp. 77-78). 2.9 - Noroeste No início do século XX realizaram-se importantes empreendimentos ferroviários no país. Entre estes, devemos destacar a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, destinada a viabilizar as comunicações terrestres com o Mato Grosso e interligar os oceanos Atlântico e Pacífico, através da Bolívia. A aspiração por essa estrada vinha de longe — a guerra contra o Paraguai já demonstrara a precariedade de nossas ligações com o restante do continente. Apenas parte do projeto de Pimenta Bueno fora realizado pelas companhias Paulista e Araraquarense, ficando para meados do século XX a chegada da estrada na divisa do estado de Mato Grosso. A companhia à qual caberia a tarefa de realizar essa ligação, criada em 21 de junho de 1904, recebeu o nome de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil e teve como primeiro presidente Teixeira Soares. A ferrovia precedeu o povoamento da região Centro-Oeste, que ocorreu em decorrência de sua implantação. Os núcleos de povoamento muitas vezes consistiam nas próprias estações e alojamentos construídos para abrigar os operários das obras da estrada. Muitas modificações foram feitas no traçado inicial com a finalidade de viabilizar a estrada, e em função das dificuldades apresentadas durante a construção. Superando-as, em 1910 a linha alcançou as margens do rio Paraná, desbravando matas, pântanos e regiões insalubres que provocaram diversas baixas. Os inúmeros ataques de índios, o falecimento de muitos operários e o

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recrutamento de novas turmas para substituí-los concorreram para onerar e atrasar o empreendimento. No início da década de 50, somando um total de 842 Km desde Bauru, a estrada atingiu Ponta-Porã, às margens do rio Paraguai. Posteriormente, com a construção de uma ponte de grande extensão a Noroeste, atingiu os trilhos de uma ferrovia da Bolívia, tornando-se assim parte de uma linha transcontinental.

2.10 - Estrada de Ferro Araraquara Outra empresa que atingiu as divisas com o estado de Mato Grosso foi a Estrada de Ferro Araraquara (conhecida também como Araraquarense), resultado de esforços de fazendeiros da região que, em 1896, organizaram a companhia e aprovaram seus estatutos, legalizando-a. Em 1901, foi inaugurado seu primeiro trecho, de 75 quilômetros, até Taquaritinga, interligando-se com a Paulista. Em 1908, a lavoura paulista passava por uma crise, o que dificultou o desenvolvimento da estrada. No entanto, naquele mesmo ano o governo autorizou a extensão das linhas da Araraquarense até Fernando Prestes e posteriormente, em 1912, até São José do Rio Preto. Contudo, a construção da ferrovia só foi possível porque a Companhia Paulista abriu mão da concessão a que tinha direito sobre toda a região que pertencera à The Rio Claro - São Paulo Railway. A partir de 1914, porém, a estabilidade financeira da E.F.A. não pôde mais resistir à crise da lavoura cafeeira. Em 1916 a firma entrou em processo de falência, passando a ser controlada pela São Paulo RR Co., com sede em Delaware, USA. Como a sede da empresa no Brasil era no Rio de Janeiro, a administração da E.F.A. ficou difícil, a distância atrasando a chegada dos incentivos à região de Araraquara. Em 1919 o estado, por intermédio do governador Altino Arantes, encampou a E.F.A.. Na década de 30, seu traçado atingiu a cidade de Porto Taboado, no Rio Paraná, fronteira com o Mato Grosso. A E.F.A., ligando as cidades de Araraquara a Rubinéia, passando pelas regiões de Catanduva e São José do Rio Preto, servia de escoamento para toda a região agrícola. Porém, os custos de baldeação, feita de vagão para vagão, tornaram-se grandes devido à diferença com relação à bitola das outras companhias (de 1,60m). Em 1922, a Companhia Paulista iniciou a execução de um plano de modificação de bitola, que posteriormente atingiu a E.F.A.

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2.11 - Estrada de Ferro São Paulo-Minas Construída em 1890, para atender a um grupo de Fazendeiros da região de São Simão à Freguesia de Serra Azul, a ferrovia foi inicialmente chamada de Companhia Melhoramentos de São Simão. Em 1893 a empresa, criada por intermédio de contrato de concessão de Intendência municipal, inaugurava o trecho de São Simão à Estação Central. Logo após a firma realizar contrato de participação com a Companhia Mogiana no entroncamento de Bento Quirino, houve o rompimento da concessão municipal firmada com São Simão, o que proporcionou o avanço das linhas até a fronteira de Minas Gerais. Em 1908, após sua compra por grupo estrangeiro, a empresa passa a se chamar "The São Paulo and Minas Railway Company”, levando suas linhas até São Sebastião do Paraíso, e alcançando a extensão total de 136 quilômetros. Em 1922, a ferrovia foi vendida para a Companhia Eletro-Metalúrgica Brasileira, voltandose ao transporte de minérios, ao realizar a interligação da cidade de Ribeirão Preto - sede da Companhia - às jazidas em Jacuí. Devido a diversas dificuldades financeiras, relacionadas ao empréstimo contraído com o Governo para a extensão das linhas – situação agravada, em 1929, por uma grave de funcionários por falta de pagamento de salários -, em primeira tentativa a Companhia tentou entregar a estrada ao Estado. Este, no entanto, recusou-se a recebê-la como pagamento. Um ano mais tarde a Companhia decretou falência; então, o Estado precisou realizar uma intervenção na empresa, passando a administrá-la. Em 1934, foram realizados os serviços de alargamento de suas bitolas, que passaram de 0,60m para 1,0m. Essa readequação de bitola permitiu que locomotivas e composições da Estrada de Ferro Araraquara e da Sorocabana atingissem Minas Gerais. Dessa forma, a São Paulo-Minas logrou manter tráfego mútuo com a Mogiana. Na década de 40, passou a desempenhar importante papel para a economia dos dois estados aos quais servia, trazendo cargas do Sudoeste mineiro diretamente para as zonas da Alta Mogiana e Alta Paulista. Em 1967, a Estrada de Ferro São Paulo-Minas foi transferida para a administração da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro e, em 1971, incorporada pela FEPASA.

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3 – Considerações Finais: expansão e declínio ferroviário Segundo Matos (1990, p. 134), o decênio de 1910 a 1920 foi marcado na história das ferrovias paulistas pela conquista do “sertão desconhecido”: a Estrada de Ferro Araraquara atingiu São José do Rio Preto; a Sorocabana alcançou Santo Anastácio, próximo às margens do rio Paraná; a região dominada pela Noroeste começou a se urbanizar, criando-se cidades progressistas servidas por um grande número de estações. Naquele período construiu-se praticamente a maioria das linhas ferroviárias do estado de São Paulo. Em 1940, a malha ferroviária começou a perder sua força e importância. Com a II Grande Guerra Mundial e a crise do café que se prolongava desde a década de 30, as exportações do produto caíram vertiginosamente. Sem possibilidade de expansão e nem mesmo de repor peças e muito menos de modernizar suas linhas e material rodante, as ferrovias entraram em um definitivo processo de decadência. Em 1952 foi completado um amplo programa de retificação do traçado das estradas de ferro encampadas pelo governo estadual paulista, com o alargamento da bitola, acabando com os gargalos que geravam as baldeações. Essa tentativa de refrear a decadência do transporte ferroviário, no entanto, não logrou obter resultados efetivos, e os caminhos de ferro caminharam para seu declínio. Vários são os fatores que podem ser apontados como responsáveis pelo declínio das ferrovias em São Paulo. De acordo com Saes (1974), o declínio percentual do volume de café transportado constituiu-se um agravante desse processo, tendo-se em vista que os preços praticados no transporte do produto era maior do que em relação às outras mercadorias. Além disso, a grande especialização da ferrovia nesse tipo de transporte não permitiu que ela se desenvolvesse em regiões de economia diferente. Desse modo, o declínio das exportações do café acabou levando ao declínio das ferrovias. Outro aspecto relevante apresentado pelo mesmo autor é o problema da existência de zonas de privilégio. Estabelecidas pelas companhias, essas divisões tinham como finalidade protegê-las da concorrência. Seu resultado, no entanto, foi extremamente negativo para as empresas: não permitindo que avançassem em outras áreas, dificultaram a interação dos ramais férreos de forma que, se analisamos seus traçados em forma radicular, surgem grandes trechos sem articulações. Outro agravante dessa situação relaciona-se ao processo de industrialização e o aumento do consumo de mercadorias no mercado interno, devido aos quais perdiam a função as ferrovias de transporte agrário exportador. Com maior mobilidade, as rodovias tornaram-se opção para transpor os grandes vazios deixados pela estrada de ferro entre seus ramais.

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Contando com incentivos fiscais e subsídios desde o pós-guerra, o transporte rodoviário tornou-se uma opção rápida para cargas e passageiros. Com a implantação da indústria automobilística, nos anos 50, sua utilização só fez aumentar. O monopólio gerado pelas empresas férreas impediu que se realizasse uma reação para fazer frente à concorrência rodoviária, que oferecia fretes a preços competitivos. As estradas de ferro, seguindo um itinerário único, muitas vezes cruzavam o interior do estado com pouca carga, aumentando o custo do transporte por elas realizado. Com o decrescente valor de remuneração dos fretes, depois da crise da lavoura cafeeira o desenvolvimento ferroviário parou. No entanto, havia a necessidade de se manterem esses serviços, os quais ainda eram essenciais para a economia do país. Como solução, deu-se um processo de estatização das companhias: a Mogiana, em 1950, e na década seguinte, a Paulista. O governo passava a administrar uma rede de transporte ferroviário já em declínio. Na década de 70, como nova tentativa de recuperar as ferrovias, o governo do estado unificou as principais companhias de São Paulo. Assim, visando modernizar a estrutura e a qualidade dos serviços prestados Paulista, Mogiana, Sorocabana, Araraquara e São Paulo-Minas deram origem à FEPASA (Ferrovia Paulista Sociedade Anônima). Apesar das evidentes vantagens da unificação – principalmente a maior facilidade de coordenar a operação de todas, assim como sua interligação, e a eliminação da concorrência entre elas -, essa atitude deve ser vista com ressalvas. A partir da criação da FEPASA, ocorreu um processo de descaracterização das empresas, pois cada uma possuía seus próprios métodos e suas sedes administrativas localizadas no interior - o que, por outro lado, também acabou por dificultar uma perfeita unificação. Em vez disso, houve uma aceleração do processo de sucateamento de toda a rede ferroviária. Em 1996 iniciou-se o processo de privatização da FEPASA e da Rede Ferroviária Federal. Atualmente, as estradas de ferro não têm mais nada da importância que possuíam na época de sua implantação. Na maior parte do estado as ferrovias estão abandonadas - muitos trilhos foram até mesmo arrancados, e as estações encontram-se em ruínas. Todo o patrimônio que conta a história da construção da riqueza e da liderança de São Paulo em relação às outras regiões do país abandonouse devido a uma transformação dos interesses dos grupos dirigentes da economia. Acompanhando o apogeu do processo de expansão do café e das ferrovias, assim como em decorrência dessa expansão (e também de seu declínio) ocorreu uma intensa urbanização do estado de São Paulo. Os imigrantes, que haviam chegado atraídos pela cultura cafeeira, com a diminuição

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do cultivo daquele produto dirigiram-se às cidades, em busca de emprego nas nascentes indústrias. Estas, que haviam começado a surgir graças aos excedentes da produção cafeeira (muitos dos primeiros industriais paulistas eram fazendeiros de café, que buscavam novas aplicações para investir o dinheiro gerado pelas exportações), ampliaram-se em número e variedade quando do declínio da cultura cafeeira. Despreparadas para receber todo o fluxo de pessoas e fornecer habitação para os grandes contingentes que, principalmente nas primeiras décadas do século XX, dirigiram-se às cidades paulistas, estas passaram a ser palco da proliferação de pestes. Interessados na “políticas higienistas”, em cujas regiões centrais apinhavam-se cortiços, e também na melhoria de qualidade de vida dos trabalhadores (que assim poderiam produzir mais), algumas iniciativas passaram a ser tomadas pelas empresas privadas e pelos governos, no sentido de construírem-se moradias populares. Na seção seguinte, essas iniciativas serão expostas e analisadas, com o objetivo de contextualizar-se o empreendimento de casas pelas Companhias Ferroviárias.

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II- As Vilas OPERÁRIAS e OS Núcleos fabris 1 - A habitação como questão social O Urbanismo começa a surgir na Europa como ciência na segunda metade do século XIX, quando as cidades apresentavam diversos problemas de saúde pública que levaram à necessidade realização de uma série de intervenções. As grandes epidemias, desencadeadas pelas condições insalubres de vida que as cidades ofereciam, fizeram com que médicos, sanitaristas, engenheiros e filantropos se engajassem na luta contra o processo de degradação urbana. Tais preocupações podem ser explicadas pelo crescimento acentuado das cidades. Durante o processo de industrialização, houve uma grande migração do campo para as cidades, as quais cresceram de forma vertiginosa e apresentam uma sensível piora na condição de vida de seus habitantes. Londres, por exemplo, em 1801 possuía 864.845 habitantes e passou a ter 1.873.676 em 1841 e 4.232.118 em 1891; as cidades inglesas com mais de cem mil habitantes passaram de duas para 30, entre 1800 e 1850. De acordo com Engels:

A concentração fundiária, operada na segunda metade do século XVIII, forneceu os braços de que a indústria necessitava, alterando bruscamente a distribuição da população. Se, em 1770, 40% dos ingleses residiam nos campos, aí só permanecem, em 1841, 26% deles. (...) Pari passu, a evolução da população total do Reino Unido registra um ritmo antes inimaginável: triplica entre 1750 e 1850, duplica entre 1800 e 1850. O crescimento demográfico e a urbanização conectam-se diretamente à industrialização - evidencia-o a hipertrofia das cidades industriais que, em apenas 40 anos (1801-1841), sofrem o seguinte acréscimo no seu número de habitantes: Manchester - 35.000 / 353.000; Leeds - 53.000 / 152.000; Birmingham - 23.000 / 181.000; Sheffield - 46.000 / 111.000. Por outro lado, a mesma industrialização deflagra movimentos migratórios de tipo novo; no caso inglês, a corrente preferencial é dos irlandeses. Quanto à polarização social, concomitante à emergência da cidade moderna, ela se expressa, enquanto fenômeno necessário da industrialização capitalista, na generalização da miséria. A civilizada Inglaterra, ‘oficina do mundo’, tem, nos anos 40, 10% da sua população oficialmente qualificada como indigente. E é preciso considerar que o precaríssimo sistema de assistência social, regulado pela draconiana Lei dos Pobres (1834), era implementado de forma tal que, para escapar àquela classificação, os miseráveis viam-se compelidos a aceitar os salários mais vis. As taxas de mortalidade são assustadoramente altas na prole dos trabalhadores urbanos, amontoados em cortiços 55

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onde as epidemias grassam. É reduzida a esperança de vida dos operários. A jornada de trabalho, que a partir de 1805 foi excessivamente prolongada graças ao emprego da iluminação artificial (gás), raia o absurdo - 15 / 17 horas. No que tange à instrução, é de ressaltar a inexistência de qualquer organização pública mínima para atender às menores necessidades das massas trabalhadoras (ENGELS, 1988, pp. III-IV). Esses dados, os quais Engels cita em referência à Inglaterra, podem ser extendidos, em maior ou menor grau, a todos os outros países em que a Revolução Industrial se operou, naquela época. O processo de crescimento das metrópoles, a partir dessa época, é assustador. Os problemas advindos da aglomeração urbana, com inúmeras pessoas morando em condições subumanas, a pobreza e a falta de estrutura sanitária eram algumas das questões mais graves que as cidades enfrentavam. Desde o final do século XVIII, as cidades haviam começado a sofrer um acelerado processo de degradação, devido à existência de uma infinidade de pessoas excluídas; a pobreza e a miséria ocuparam os grandes centros urbanos quando do advento da industrialização. Sobre a condição de vida do proletariado urbano inglês do século XIX, Engels relata:

Todas as grandes cidades possuem um ou vários ‘bairros de má reputação’ - onde se concentra a classe operária. É certo que é freqüente a pobreza morar em vielas escondidas, muito perto dos palácios dos ricos mas, em geral designaram-lhe um lugar à parte onde, longe dos olhares das classes mais felizes, tem de se safar sozinha, melhor ou pior. Estes ‘bairros de má reputação’ são organizados em toda a Inglaterra mais ou menos da mesma maneira, as piores casas na parte mais feia da cidade; a maior parte das vezes são construções de dois andares ou de um só, de tijolos, alinhadas em longas filas, se possível com porões habitados e quase sempre irregularmente construídas. Estas pequenas casas de três ou quatro cômodos e uma cozinha chamam-se cottages e constituem vulgarmente em toda Inglaterra, exceto em alguns bairros de Londres, as habitações da classe operária. Habitualmente as próprias ruas não são planas nem pavimentadas; são sujas, cheias de detritos vegetais e animais, sem esgotos nem canais de escoamento, mas em contrapartida semeadas de charcos estagnados e fétidos. Além disso, a ventilação torna-se difícil, pela má e confusa construção de todo o bairro, e como aqui vivem muitas pessoas num pequeno espaço é fácil imaginar o ar que se respira nestes bairros operários. De resto, nas ruas, quando há bom tempo, estendem-se varais de uma

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casa a outra, onde se pendura roupa úmida (ENGELS, 1988, p. 38). O problema, portanto, era não apenas de habitação, mas também de falta de condições mínimas de higiene nos locais em que as classes economicamente desprivilegiadas viviam. Esse fato poderia prejudicar a ascensão burguesa e o processo de consolidação do capitalismo industrial. Diversos outros autores fazem referência às condições de higiene nesse período. Segundo Guerrand (1991, P. 357), a pobreza estava presente na cidade e no campo e as epidemias tomavam aspectos assustadores; a disenteria, a febre tifóide, o tifo, a cólera chegaram a estados endêmicos. No ano de 1888 a varíola causou a morte de 782 pessoas nas proximidades de Lorient; em 1890 a rubéola, na mesma região, levou 232 crianças à morte; inúmeros casos de lepra foram encontrados na Bretanha. As condições de habitação e higiene constituíam um dos aspectos que levaram ao surgimento das grandes epidemias da época. O problema estava presente na maioria das casas das classes operárias e camponesas; no entanto, as preocupações dos especialistas em história social não se referiam a esse assunto. Somente no decorrer do século XIX, devido à sua premência, o tema da habitação social passa a ser discutido pelos reformadores sociais. Então, pôde-se identificar que um dos fatores de grande relevância na constituição dos aglomerados de insalubres habitações populares – as chamadas “vilas de má fama” - foi o processo de transformação do modo de produção que ocorria naquele início de século. A mão-de-obra do artesão, anteriormente ligada à sua habilidade pessoal, estava sendo substituída pelo processo de industrialização da produção. O trabalho, dessa forma, passava a ser cada vez mais impessoal, dependendo menos do artesão: a produção em série e o uso do relógio rompiam com o processo produtivo dos tecelões e artesãos. Essa ruptura ocasionou grande problema de aceitação pela inadequação aos novos métodos, como o uso do relógio: o tempo que ordenava as linhas de produção descontinuava a tradição do serviço realizado por camponeses ou artesãos, regulado não pelo tempo e sim pela natureza e as aspirações do trabalhador. Desse novo modo de produção surgiram as relações entre patrão e operários, as quais descaracterizavam o contato pessoal no trabalho. A impessoalidade e a relação entre oferta e procura de mão-de-obra, levaram a relações mercantilistas: o operário era visto como uma mera ferramenta, que servia de apoio para o crescimento industrial, estando sua exploração diretamente relacionada à geração de grandes lucros industriais.

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Não somente o grande crescimento das cidades, a exploração do trabalhador em jornadas de trabalho desumanas, a despreocupação do Estado e sua ineficácia em resolver os problemas do proletariado acentuavam os problemas que afligiam a massa de excluídos: a classe trabalhadora seria alvo também da especulação imobiliária, que passou a regular o mercado de aluguéis, devido à pequena oferta de moradias.

Conforme Guerrand, nas proximidades de Paris, nos arrondissements populares, formou-se então uma concentração de cortiços, corredores e becos dominados pela máfia dos locatários que repartiam os aluguéis de casas construídas de tábuas e refugo de construção. Em Paris, de acordo com o censo de 1881, cerca de 14% da população (33.1976 moradores) viviam em excessiva aglomeração; em alguns

Figura 2.1. Os Bairros pobres de Londres, sob os viadutos ferroviários; gravura de Gustave Doré. (Benévolo, 1997: p.560)

locais, o número de membros da família ultrapassava o dobro do número de cômodos - ou

seja, uma casa com três cômodos era ocupada por pelo menos sete pessoas, e em uma moradia com quatro cômodos habitavam mais de nove pessoas. A essa grande concentração de pessoas relacionava-se um grande número de falecimentos, devidos à proliferação de doenças . Contribuía também para que as classes mais desprivilegiadas se aglomerassem no centro das cidades de forma desumana a ausência de meios de transporte acessíveis a toda a população. Em relação à Inglaterra, Engels relata:

O operário é constrangido a habitar estas casas em mau estado porque não pode pagar aluguel de outras melhores, ou então porque não existem melhores nas proximidades da fábrica, e até talvez porque estas casas pertencem ao industrial e este só empregue os que aceitem habitar uma destas moradias. Claro que esta duração de quarenta anos [de cada moradia] não é rígida, porque se estas habitações estão situadas num bairro com grande densidade de imóveis, e se por conseguinte, apesar da renda predial mais elevada, há sempre possibilidade de encontrar locatários, os empreiteiros fazem alguns esforços para assegurar a habitabilidade relativa de tais habitações para mais de quarenta anos. Mas neste caso não ultrapassam o mínimo indispensável, e então estas casas reparadas são em muitos casos as piores. De

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tempos em tempos, quando se receiam epidemias, a consciência dos serviços de higiene, normalmente muito sonolenta, desperta um pouco. Então empreendem expedições aos bairros operários, fecham toda uma série de porões e de casas, como foi o caso de várias ruelas nas cercanias de Odham Road. Mas isto não dura muito; em breve estas habitações voltam a ser ocupadas e os proprietários ainda têm mais facilidade em encontrar locatários; sabe-se bem que os fiscais dos serviços de higiene não voltarão tão cedo (ENGELS,1988, p. 72). A evidência dos

problemas

da

habitação e das epidemias fez com que a burguesia passasse a se preocupar com as condições

subumanas

proletariado. devido

à

Essa

de

moradia

preocupação

necessidade

de

o

do

surgiu Estado

desembolsar quantias elevadas para conter as epidemias, e também porque a classe trabalhadora estava a cada dia se afastando dos valores morais regrados no modelo burguês, os quais serviam de sustentação

Figura 2.2. Uma rua de um bairro pobre de Londres (Dudley Street); gravura de Guustave Doréde 1827. (Benévolo, 1997:p.560)

para os ideários de produção das indústrias capitalistas. Segundo Engels:

Nas habitações operárias de Manchester não há limpeza nem conforto, e portanto não há vida familiar possível; só uma raça desumanizada, degradada, rebaixada a um nível bestial, tanto do ponto de vista intelectual como moral, fisicamente mórbida, poderia sentir-se à vontade e sentir-se em casa (ENGELS,1988, p. 77). As grandes epidemias ocasionadas pela aglomeração de pessoas constituíam-se em enormes problemas de saúde pública. A Cólera, segundo Guerrand (1991), foi a maior epidemia do século XIX. Em sua última aparição, em 1882, 1797 vidas apenas no Departamento do Sena (em Paris). A necessidade de se buscarem soluções torna-se cada vez mais visível. Muitos médicos sanitaristas, engenheiros e estudiosos em geral tentam convencer a população das vantagens de uma

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reestruturação urbana. Luta-se pela implantação de uma infra-estrutura necessária para o processo de higienização. Muitos pensadores começaram então a idealizar os caminhos para a formação de uma sociedade que vivesse de forma harmônica, mesmo constituindo-se uma parte dela por explorados. Em alguns lugares, os médicos sanitaristas agiam implacavelmente, desocupando cortiços e expulsando seus moradores para a periferia das cidades. As preocupações com as condições de higiene e habitabilidade tornaram-se prioritárias; alguns especialistas até mesmo acreditavam que a moradia era uma das chaves para a paz social. Seguindo este princípio, o Estado se viu na necessidade de investir em grandes obras urbanas, dotando de infra-estrutura o centro das cidades, reestruturando as antigas vielas, corredores e cortiços construídos sem qualquer autorização do poder municipal e normatizando os padrões construtivos. Essas modernizações começam em Paris, com Haussmam, que buscou exilar na periferia as classes mais desprovidas de recursos. Nesse período, muitos cortiços e outros locais degradados tiveram seus habitantes removidos para fora da malha urbana. Além disso, a preocupação com as epidemias que predominavam nas concentrações urbanas levou também ao estabelecimento de novas regras de construção. As moradias passavam a ter outro aspecto, novos elementos incorporando-se em seu programa. Com a implantação de infra-estrutura básica nas cidades, como redes de água e esgoto, as casas começaram a se modificar: o banheiro, outrora no fundo da habitação, em fossas, passou a fazer parte do corpo da construção; a circulação, realizada entre os quartos, impossibilitando a existência de privacidade, é substituída pelo uso de corredores, e o projeto da casa busca a individualização das pessoas. Segundo Perrot (1991), ao estabelecer-se o modelo de uma habitação popular de acordo com as aspirações burguesas, imaginava-se reverter o quadro de desmoralização para

o

qual

o

proletariado

caminhava. Esse modelo, tomado como ideal, nada mais era do que uma forma de tentar regrar as classes trabalhadoras segundo os padrões

Figura 2.3. Casa Modelo desenhada por Henry Roberts a pedido do príncipe Alberto. (Ruskin , 1992:p.250)

burgueses que eclodiam na época, e que contradiziam os da classe que dominava anteriormente - a

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aristocracia. A figura da família burguesa e trabalhadora se opunha à visão desta última, desregrada e entregue aos prazeres da vida, e que via o trabalho como algo humilhante. Tais mudanças na maneira de se pensar a casa, ligadas à substituição das classes dominantes pela ascensão da burguesia, acompanharam as transformações e as utopias que se fizeram presentes a partir daquele início do século XIX. A cidade passava a ser vista pelos intelectuais como lugar de inúmeras questões sociais. De um lado, atraía as pessoas, por sua modernização - as ferrovias, as ofertas de emprego advindas do acelerado processo de industrialização, faziam com que um grande contingente humano migrasse para os centros urbanos atrás dessas novas oportunidades. Porém, com esses grupos em busca de trabalho, constituídos principalmente por camponeses sem nenhuma instrução e operários, surgiam também vagabundos e bêbados que, residindo em locais próximos ao centro das cidades, representavam, além de diversos problemas morais, o perigo de instabilidade da produção industrial. Os pensamentos humanistas e os idealizadores de uma nova sociedade concluíam que o homem deveria se adequar à nova sociedade industrial que então surgia. Assim, os “reformadores sociais” tiveram grande influência naquele período. Em 1822, dentro desses princípios, o filósofo Francês Charles Fourier idealiza o “Palácio Societário” e descreve-o minuciosamente, sem tê-lo construído. Tratava-se de um grande edifício que deveria ser instalado fora da malha urbana e que abrigaria em torno de 3500 pessoas; oferecendo outros serviços além da habitação, seria uma unidade autônoma, com economia própria, baseada em atividades agrárias e manufatureiras que complementariam sua renda. Em 1834, o Eng. Victor Considérant coloca em prática tais princípios, porém fugindo, em certos aspectos, da proposta inicial de Fourier (GUERRAND, 1991, p. 367). Em 1851 é inaugurada na França uma das que seriam as primeiras experiências em habitação social, a Cité Napoléon. Construída por uma sociedade que propunha criar uma habitação com aspectos higiênicos aceitáveis, bem arejada, e que possuísse aluguel mais barato do que aqueles pagos pelas moradias insalubres, a unidade habitacional possuíam uma pequena cozinha, um cômodo com estufa e um quarto grande e bem iluminado (GUERRAND, 1991, p. 357). O empreendimento continha 200 unidades, nas quais residiam aproximadamente 600 pessoas. O conjunto compreendia, além das unidades habitacionais, creche para as crianças e assistência de um médico que fazia a consulta gratuita toda manhã. Essa foi uma das novas respostas ao modelo construtivo freqüentemente utilizado - da casinha com jardim, considerada por muitos um padrão ideal para solução do problema habitacional. Tal padrão, conforme discorreremos em seção posterior, será adotado em larga escala pelas Companhias Ferroviárias na produção de casas para seus funcionários.

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Enquanto eram construídas as instalações da Cité Napoléon, na Câmara dos Deputados francesa o assunto “habitação popular” era extensamente discutido. Novas iniciativas para construção de conjuntos residenciais surgiram em toda Europa. Sob a ameaça do Socialismo, a sociedade capitalista, grupos e entidades organizadas passaram a se preocupar com o assunto e a questionar cada vez mais os abusivos aluguéis pagos por construções precárias. No entanto, os investimentos realizados pela iniciativa privada no campo da habitação social pouco avançaram na resolução do problema, pois os trabalhadores ainda comprometiam até 15% de seu salário com custos de moradia. De acordo com Engels, esse fato denuncia que o problema principal não é ausência de moradia, e sim a exploração desta como objeto de especulação, o que dificulta que o trabalhador tenha acesso a esse produto. Nesse contexto, podemos compreender a intenção do deslocamento dos trabalhadores do centro das cidades para regiões periféricas (nos núcleos fabris). Essa mudança foi proporcionada pelo crescente desenvolvimento do transporte ferroviário, o qual, por volta da metade do século XIX, exercia uma influência decisiva no desenvolvimento das cidades e suas articulações. Em 1859, Jean Baptiste Godin coloca em prática as idéias de Fourier (a respeito do “Palácio Societário”), em um empreendimento que denominou “Familiastério”. Localizada em Guise, na França, a unidade habitacional ficava próxima de uma fábrica de fogões. Entre as características mais relevantes do Familiastério de Godin, podemos ressaltar a importância dada à escola societária, a qual cuidaria da educação das crianças, que ficavam nas creches até estarem preparadas para serem os futuros trabalhadores.

Figura 2.4. Familistério em Guise de J. B. Godin. (Howard, 1996:p.23).

Essa visão se justificava pelos princípios burgueses, de acordo com os quais os trabalhadores fabris não se enquadravam no modo de vida industrial, por “não possuírem a devida vontade e dedicação ao trabalho”. Na verdade, não se submetiam às aspirações capitalistas de exploração de

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sua mão de obra, o que poderia lhe proporcionar as condições de bem-estar, sob uma concepção burguesa. A busca por um novo modo de produção ideal teve início, como observamos anteriormente, com as preocupações provenientes das epidemias e a degradação urbana que crescia junto com a expansão da Revolução Industrial. Algumas das primeiras experiências surgiram, portanto, na precursora Inglaterra, como tentativa de conciliar a indústria e a vida agrícola na busca por uma nova sociedade. Nesse sentido, em 1799 Robert Owen adquiriu New Lanark, na Escócia, e com

seu

sócio

Jeremy

Bentham,

em

1814

começam a realizar uma série de reformas. A fim de aumentar a produção, ele implantou uma série de medidas

que

visavam

Figura 2.5. Cidade industrial de Robert Owen. Vista de uma unidade proposta para Harmony E.UA. (Benévolo,1997:p.568).

controlar seus trabalhadores. Entre estas, Correia (1998) destaca o “monitor silencioso”, que consistia em uma peça de madeira com quatro faces pintadas de cores deferentes. Cada uma delas representava um score da produtividade do operário: preto para ruim, azul para indiferente, amarelo para bom e branco para excelente. A cada dia, esse cubo permanecia à frente da vista do funcionário, lembrando-o de sua performance no trabalho do dia anterior. Esse método evitava a necessidade de repreensão verbal, por parte do instrutor. Outra forma que as indústrias então encontraram a fim de oprimir seus funcionários foi a criação do “Instituto de Formação do Caráter”, que desenvolvia atividades educacionais junto com as de lazer (CORREIA, 1998, p. 86). Outro importante exemplo de iniciativa de investimentos em habitação pelas indústrias que ficaram conhecidas como Company Towns podemos citar na Inglaterra a Saltieri, construída em Yorkshire por volta de 1850, e que continha equipamentos coletivos como igreja, enfermaria, escola secundária e armazém. Nos Estados Unidos, as Company Towns foram os modelos de Núcleos Fabris predominantes. Como exemplo, pode-se citar a Vila implantada em 1838, pela Brothers Manufacturing Company, em South Manchester. Iniciando-se com uma fábrica e uma pensão, o núcleo se expandiu e, no final do século, possuía 5 mil habitantes.

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AS VILAS OPERÁRIAS E NÚCLEOS FABRIS

O principal objetivo da Company Town consistia em proporcionar um ambiente digno ao funcionário seguindo, no entanto, o princípio de dominação com o objetivo de, por meio da melhoria na qualidade de vida do operário através de aparatos higienistas, manufaturar produtos de forma economicamente mais viável. De acordo com Minami (1994), eram as seguintes as garantias que as empresas concediam a seus funcionários, por intermédio das Company Towns:

Outra característica importante era o fato da Model Company Town comportar população variando de 2.500 a 5.000 habitantes. Para essa população, garantir-se-ia oferta de habitação, infra-– estrutura e equipamentos comunitários, permitindo assim o controle e a coordenação do planejamento. Por outro lado, esta população possuía uma característica comum: o comportamento influenciado pelo tratamento espacial e arranjo das construções das fábricas e das moradias. As facilidades comunitárias, cuidadosamente estratificadas, estabeleciam uma rotina aos trabalhadores, proporcionando produtividade dentro da empresa por meio da eficiência na força de trabalho. Da mesma forma, o paternalismo também esteve presente nas Model Company Towns, onde assumiu caráter simbólico e substantivo, implicando na reciprocidade entre empresa e empregados. Estes deveriam cuidar do espaço em que viviam como um bem que deveria ser gerido e conservado. O reflexo imediato deste paternalismo por parte da empresa foi o programa de manutenção das construções que cuidava da aparência e conservação das edificações e seu entorno. Eram realizados reparos periódicos e melhoramentos, desde serviços de jardinagem e plantio de árvores em parques e ruas, até pinturas das fachadas das edificações (MINAMI, 1994, pp. 79-80). Tais características são semelhantes a alguns casos de Núcleos Fabris e Vilas Operárias, como analisaremos posteriormente neste capítulo, servindo da mesma forma, para que cada empresa pudesse administrar suas dependências e o cotidiano de seus funcionários. Muitas fábricas tiveram que se deslocar das cidades, implantando-se próximas a fontes de energia natural, muitas vezes em áreas rurais. Esse fato constituía-se também em uma estratégia de isolamento, não permitindo que os operários se misturassem com as pessoas que habitavam as cidades. Entre as Companhias Ferroviárias, a construção da Vila de Paranapiacaba (no estado de São Paulo) demonstra esse aspecto: a Parte Alta da cidade, que não era controlada pela São Paulo Railway, concentrava todo o comércio e a venda de produtos não permitidos pela empresa - como

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de bebidas alcoólicas. Ali se concentravam os bares, os locais de jogos e as zonas de prostituição. Nos locais onde habitavam os funcionários da Companhia, estes ficavam salvaguardados desses instrumentos “pervertedores da ordem”. A localização afastada do centro urbano fazia com que o núcleo fabril possuísse a mesma autonomia das grandes cidades e ao mesmo tempo fixava seu funcionário próximo ao local de trabalho, procurando impor-lhe regras morais de conduta, controlando sua vida e seu cotidiano. De acordo com a necessidade de mão-de-obra especializada e obediente, muitos empresários passaram a investir em meios para melhorar a condição de vida de seus funcionários - o que automaticamente aumentaria seus lucros, pois as concessões de casas e outros benefícios para os operários tinham sobretudo o intuito de fixá-los e controlá-los. Pode-se considerar o intuito de criar-se uma ARQUITETURA DE CUNHO SOCIAL como tributário das lutas operárias que, existentes desde o final do século XIX e exacerbadas nas primeiras décadas do século XX, buscavam resolver os grandes conflitos sociais e ideológicos pelos quais o mundo de então passava, o que se acreditava poder ser realizado principalmente por intermédio da criação de um estado socialista (lembremo-nos, por exemplo, da Revolução Russa de 1917 e o pós-guerra de 1914 a 1918). Nas décadas seguintes, com a grande conscientização e fortalecimento da classe trabalhadora, praticamente em todos os outros países capitalistas a burguesia viu-se ameaçada em sua situação de poder, o que levou o Estado, temendo sua substituição pela onda socialista que emergia na época, a promover intervenções nas condições sociais das classes operárias, como a melhoria das condições de trabalho, de habitação, de previdência e saúde pública. A Habitação e seus equipamentos anexos passou a ser o centro das discussões urbanísticas. Na Áustria, especificamente em Viena, na década de 20 e no início dos anos 30 produziu-se um grande número de habitações auto-suficientes, ocupando a estrutura urbana já existente da cidade. As Höfes, formadas por blocos contínuos fechando o quarteirão com jardins internos no centro, buscavam soluções econômicas, como o compartilhamento dos equipamentos coletivos dos conjuntos (KOPP, 1990). A questão da habitação para os trabalhadores tornou-se tema central das discussões sobre arquitetura moderna. Tendo como ideal a realização de uma transformação na sociedade, cientistas sociais passaram a se preocupar em como se poderiam resolver os problemas habitacionais das grandes massas operárias. Criaram-se congressos que tinham a finalidade de encontrar soluções para a moradia social.

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Nos anos 20, na Alemanha surgem com grande força os movimentos sindicais, devido principalmente a condições como acúmulo de conhecimento cultural e alto índice de alfabetização. Decorrente do poder dessas associações operárias, os problemas de habitação social passaram a receber uma atenção especial do governo e das elites produtoras de idéias. Essa preocupação levou à criação de diferentes formas de pensar a habitação. Nesse contexto, surgiu a escola vanguardista Bauhaus que, tendo à frente Walter Gropius, trazia concepções radicais sobre métodos e modos de construir, com preocupações voltadas para a arte e a industrialização. De acordo com essas idéias, a Bauhaus introduziu inovações na área habitacional popular, realizando Blocos de Habitação Mínima em Figura 2.7. Habitações Mínimas no Bairro Dammerstock (GROPIUS, 1990: PG69)

Karlsruhe, em 1929, o bairro Simensstadt em Berlim,

entre outros. Esses Blocos inovavam os conceitos habitacionais, atrelando-os a novos modelos urbanísticos, elaborados de acordo com temas como

as

relações

entre

espaços

livres

e

construídos, a verticalização contrapondo a baixa densidade,

zoneamento,

necessidade

de

equipamentos coletivos. Com o surgimento de diversas propostas urbanistas, a questão habitacional passou a fazer

Figura 2.6 – Bairro Siemensstadt, Berlim , 1929 (GROPIUS, 1990: PG73)

parte das discussões também dos arquitetos, dando origem a um novo período na arquitetura, que levou à fundação dos Congressos Internacionais de Arquitetura e Urbanismo, em 1928. No conceito moderno, a Arquitetura deve ser considerada também através de seu caráter social: deixando de tratar apenas dos grandes palacetes e monumentos, preocupa-se com a necessidade imediata que então afligia grande parte do mundo, a escassez de moradia. Com essa preocupação surgiu, principalmente, a idéia de uma nova forma de morar, que tentava romper com as idéias absorvidas até então pela grande massa – idéias essas criadas e disseminadas pela classe burguesa (KOPP, 1990, p. 17), e sobre as quais discorremos anteriormente. Algumas resoluções do primeiro CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna), realizado na Suíça, serviram de diretrizes para os demais congressos, destacando-se a ruptura com

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os conceitos formais do passado, as novas expectativas de mudança social, aliadas à nova arquitetura de transformação da sociedade e aos novos recursos tecnológicos que surgiam. No segundo CIAM, na tentativa de atender à totalidade população, criou-se o conceito da utilização do mínimo espaço necessário para habitar, permitindo assim aos projetos de habitação popular abranger o maior número possível de trabalhadores. Le Corbusier, inspirado nos moldes da linha de montagem adotada por Henry Ford na indústria automobilística, visando abaixar o custo da produção, criou a idéia da racionalização para o barateamento do produto final. Dessa forma, temos o surgimento do conceito da “máquina de morar”, ou seja, de uma célula básica para a condição humana de habitação (a “célula mínima”) e a execução de milhares de unidades em série (KOPP, 1990, p. 53). O novo modo de vida familiar, de acordo com as funções que começaram a surgir nessa época de intensa industrialização, criou a necessidade de um tipo diferente de habitação. Com a entrada das mulheres no mercado de trabalho, houve a necessidade de diminuição dos espaços destinados à cozinha e sua mecanização; a inversão da idéia de lazer na própria residência levou à necessidade da criação de espaços e equipamentos coletivos, em função dos quais o homem passou a viver menos tempo na casa, dedicando-se mais a atividades integradas à sociedade extra-moradia. Essas alterações na forma de viver criaram a necessidade de realizarem-se inúmeras alterações na forma das habitações e no urbanismo das cidades. Com o passar dos anos, várias críticas surgiram em relação às intervenções então realizadas pelos governos a fim de sanar o problema da habitação. A partir dos anos 50, os projetos criados pelo movimento moderno sofreram reavaliações, principalmente voltadas ao modo como foram implantados - de forma centralizada pelo Estado e sem a participação dos possíveis moradores. Provindo, parte do movimento moderno de uma vanguarda cultural ligada a raízes de cunho social, pretendia resolver o essencial, que era o problema da escassez de habitação, e tentar a ruptura com o antigo modo de vida das classes operárias. No entanto, acreditava-se que o futuro morador não entenderia “O Espírito da Época”, e que suas aspirações de moradia eram imagens de tipologias burguesas – pequenas casas para ricos. A partir disso, os projetos então desenvolvidos ligaram-se a uma idéia de fabricação em série e a uma uniformidade formal. As fachadas sem ornamentos, em muitos casos, geraram monotonia; a falta de identificação dos futuros moradores com suas habitações provocou diversas discussões sobre o assunto. Como marca da inadaptação desse tipo de construção em série, símbolo da concepção moderna de moradia social, em julho de 1972 houve a demolição, em St. Louis, do conjunto residencial Pruitt Igoe. O prédio de habitação pública, de nove andares, fora construído apenas vinte

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anos antes, tendo sido premiado por sua arquitetura inovadora e moderna. Sua não-aceitação pelos moradores levara-o a um estado de abandono e vandalização (WOLFE, 1990). O inglês Jonh F. C. Turner foi um dos questionadores de todo o repertório da Arquitetura moderna de cunho social e sua forma de implantação, centralizada pelo Estado. Tendo em suas concepções tomado por base várias experiências realizadas no terceiro mundo, Turner privilegia totalmente o futuro usuário da moradia, de acordo com o pensamento de que o alojamento faz parte da cultura dos povos, e da existência de uma “cultura de morar”, indissociável aos cidadãos e suas ligações culturais. Esse pensamento cria a necessidade da busca de uma identidade dos moradores com os conjuntos habitacionais.

Figura 2.8. Conjunto Habitacional de Pruitt-igoe ( WOLF, 1990: PG.63)

Segundo Turner (1977), o alojamento não é um produto de consumo, mas sim o próprio consumo, uma atividade permanente em constante processo de transformação e extremamente ligada ao usuário. De acordo com suas idéias, o Estado deveria garantir à população o suporte urbano, toda a infra-estrutura, os transportes, para que o usuário pudesse produzir sua habitação de acordo com suas necessidades e condições. Sem influenciá-lo em seus direitos de propriedade, deveria realizar um planejamento participativo, no qual o futuro usuário tivesse voz ativa. O Estado deveria agir como órgão distribuidor de verbas para o usuário, baixando os custos de administração do capital a ser investido e do empreendimento. A realidade descrita por Turner pode ser observada na maioria dos conjuntos habitacionais construídos em São Paulo. Como um dos exemplos possíveis, vejam-se o bairro popular araraquarense “Jardim Roberto Selmi-Dei” e as Vilas Ferroviárias de Araraquara. Construídos, respectivamente, em 1970 e 1948, atualmente apresentam diversas modificações do projeto original, demonstrando as necessidades das famílias em adequar a moradia às suas necessidades e à dinâmica da vida familiar, a qual não é estática. Atualmente, a grande maioria dos programas habitacionais encontra-se centralizada pelo Estado, por intermédio do CDHU, e pelo governo Federal, através da Caixa Econômica Federal, distanciando-se dos municípios e suas reais necessidades. No Brasil, a conjuntura político-econômica das primeiras décadas do século XX foi fortemente marcada pela implantação e expansão das estradas de ferro pelo interior do país. As Companhias Ferroviárias, seguindo o modelo empresarial das nações mais avançadas, 68

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empreenderam diversas Vilas destinadas a abrigar seus funcionários. De acordo com a influência de outros setores que tratavam da construção de casas, como os IAPs, as características desses núcleos habitacionais não se distanciam dos outros empreendimentos realizados no país. No entanto, pela dimensão numérica dos empreendimentos, assim como pela importância que acabaram por assumir, estudaremos mais detalhadamente as Vilas Operárias, as quais se assemelham em diversos aspectos com as Vilas construídas pelas empresas ferroviárias.

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2– As Vilas Operárias

As Vilas Operárias se difundiram por todo o país como uma forma de solucionar a falta de moradias para os trabalhadores. Localizavam–se, em sua maioria, perto das fábricas ou próximas a linhas férreas - tendência esta justificada pela facilidade de transporte e pelo baixo valor imobiliário das glebas mais distantes do centro urbano. Esses empreendimentos caracterizavam-se pela existência de grupos de pequenas habitações, ocupadas pelos trabalhadores. Localizadas próximo ao local do trabalho, o seu período de maior desenvolvimento foi até a década de trinta e quarenta. O termo extensamente utilizado - “Vilas Operárias” - pode causar, a princípio, uma interpretação dúbia. Essa ambigüidade pode ser atribuída ao fato de que, nas legislações urbanísticas do final do século XIX até a década de trinta do século posterior, esse termo foi usado de forma genérica como forma de incentivar a construção de moradias para a classe trabalhadora. As Vilas Operárias eram, na verdade, na maioria das vezes construídas pela iniciativa privada, empresas imobiliárias ou fazendeiros com o excedente dos capitais que circulavam na época. Como observamos no caso dos IAPs, tais empreendimentos significavam um investimento seguro na época. Deixou de sê-lo, entretanto, em 1942, com a promulgação da Lei do Inquilinato, por Getúlio Vargas. Ao congelar os aluguéis, o governo inviabilizou economicamente a rentabilidade promissora dessas construções, feitas na sua maioria para a locação ou a venda. O mesmo termo acabou sendo usado, então, por diversos autores, indiscriminadamente tanto para denominar esses empreendimentos da iniciativa privada, que tinham por fim a obtenção de lucro, quanto as construções realizadas pelas fábricas e indústrias para alocar seus trabalhadores próximos ao local de trabalho. Outros autores, no entanto, utilizam o termo de forma a diferenciar esses dois tipos de empreendimento. De acordo com Bonduki (1998), havia duas modalidades de Vilas Operárias, uma sendo o assento habitacional construído por empresas e destinado a seus funcionários, e a outra, realizada pela iniciativa privada, com a intenção de locação ou venda. Apresentando, muitas vezes, a mesma característica física, ambos os núcleos se confundiam dentro do tecido urbano. Bonduki as distingue chamando as primeiras “Vilas Operárias de Empresa”, e as segundas de “Vilas Operárias Particulares” - ou simplesmente “Vilas de Empresa” e “Vilas Particulares”. Correa (1998), por sua vez, faz referência as Vilas Operárias construídas pelas empresas no

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núcleo urbano, dos conjuntos de casas construídos para seus operários em cidades ou subúrbios, e das Vilas que surgiram isoladas no campo. Estas últimas caracterizavam-se pela sua independência e autonomia, o que acarretava em um modelo bem diferente daquele construído pelas fábricas, nos quais as relações de trabalho estavam o tempo todo presentes. Buscando diferenciá-las, a autora denominou as aglomerações industriais de “Núcleos Fabris” que estão inseridas na descrição das Vilas de Empresa, ressaltando que nas referências internacionais os termos surgem com várias designações, como company town, industrial village, cité ouvvrière e cottage system. Adotaremos, neste trabalho, uma denominação que visa a distinção dos núcleos residenciais, classificando-os segundo os critérios adotados pelos autores citados. 2.1 – As Vilas Operárias Particulares Nas primeiras décadas do século XX, como primeira atitude em relação ao problema da casa popular, a Câmara Municipal de São Paulo, por intermédio de seus sanitaristas, propôs a interdição de alguns cortiços da cidade, obrigando os proprietários a reformar o prédio de acordo com aprovação prévia da planta pela Prefeitura. Muitas demolições e readequações foram realizadas, então. Em alguns casos, ocorreu a desapropriação do imóvel pelo poder público, no local implantando-se uma Vila Operária, contemplando os aspectos mínimos de higiene e salubridade. De acordo com Blay (1985), uma comissão, criada no município de São Paulo por volta de 1890, começou a elaborar normas para a construção da casa operária. Entre essas, o principal destaque é que a nova casa operária passou a poder ser, legalmente, de menor qualidade do que os padrões da época, estabelecidos no Código de Posturas. Seguindo padrões inferiores das casas construídas pela burguesia, a nova regulamentação indicava, por exemplo, a altura do pé direito, reduzindo-o de 5 para 4 metros; as janelas poderiam ser mais estreitas e mais baixas e os revestimentos, de qualidade inferior. A comissão propunha dois tipos de “habitações operárias de caráter urbano”. O primeiro tipo custaria em torno de 2.500$000 (1893) e o segundo de 4 a 8 contos (fora o terreno). Esta última tipologia poderia ser construída em qualquer local, enquanto a outra era específica para a reconstrução de cortiços localizados em áreas centrais. Propunha-se também uma construção em forma de vila, quando “quando se dispuser de ‘larga superfície fora da cidade’”. As habitações de tais empreendimentos deveriam ter no mínimo 54m² e pelo menos 27m² de área livre. A proposta estipulava também um valor máximo de aluguel de 40$000 por mês e casa deveria ter seis cômodos - isto é, sala, varanda, três quartos e cozinha,

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podendo alojar até seis pessoas. De acordo com Sampaio (1998), como forma de atração de investimentos,

o poder

municipal propunha a construção das Vilas Operárias fora do perímetro central, próximo aos meios de transporte coletivo (na época destacavam-se, entre estes, o ferroviário e os bondes), os quais deveriam cumprir a função de trazer o morador para próximo do local de trabalho. O texto da regulamentação, citado por Sampaio, estabelecia ainda que:

A situação mais conveniente para as vilas operárias deve ser, sem dúvida, aquela que reúna a facilidade de comunicação à barateza dos terrenos, que devem ser amplos, bem como as vantagens de um abastecimento regular. Em torno da cidade de São Paulo, num raio de 10 a 15 kilômetros, não faltam lugares que preencham estes requisitos, como vamos rapidamente descrever. Admitindo as vias férreas, que irradiam desta Capital, no intuito de facilitar o desenvolvimento desta e proporcionar-lhe mais abundante suprimento dos produtos da pequena lavoura, duplicassem as suas linhas ou pelo menos, multiplicassem os desvios até a distância de 15 kilômetros, ainda que para isso ocorresse o Estado com um auxílio qualquer, as vilas operárias, as construções destinadas ao agasalho das classes proletárias surgiriam pouco a pouco ao longo dessas linhas, talvez sem maior auxílio dos cofres públicos. Estamos cientes que bastará a fácil e pronta comunicação dos subúrbios por meio de trens especiais com horário adequado para se conseguir a criação e desenvolvimento dessas vilas. (SAMPAIO, 1998, p.35).

Redigido em 1893 pela Comissão, nesse texto fica patente a intenção de fazer o poder público estimular o investimento em Vilas Operárias, através do suporte logístico para a viabilização de tais empreendimentos. Ainda sobre o mesmo texto, é necessário destacar:

Uma cidade como esta, rodeada de campos vastíssimos, com

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terrenos largos adequados a todas as construções não deve possuir em seu seio esses antros, denominados cortiços, onde fenece a saúde mais robusta e onde o operário incauto, à busca de uma economia ilusória e fatal encontra quase sempre os germes de morte que o dizima. Portanto, para a solução do problema das vilas operárias julgamos adequadas as seguintes providências: 1) criar e manter multiplicados trens de subúrbios até a distância de 15 Km da cidade, ainda que para tanto careça o estado de fazer algum sacrifício; 2) facilitar a organização de empresas destinadas a construir vilas e habitações operárias, mediante favores que o Congresso do Estado conceder; 3) o poder municipal poderá desapropriar os cortiços existentes e reedificá-los sob outro tipo, por meio de forma que conceder a quem arrematar tais cortiços em hasta pública. Deliberada a construção de vilas e habitações operárias em terrenos municipais ou desapropriados para esse fim, organizados os projetos e orçamentos para elas, se abrirá concurso para sua construção, uso e gozo nas seguintes bases: 1) A concessão durará os anos precisos para a reversão do capital; 2) O poder público garante a renda de 10% sobre a quantia orçada e efetivamente despendida com a construção; 3) Isenção de todos os direitos municipais e estaduais sobre esses prédios; 4) Concessão de privilégio de transporte por ônibus ou diligências se não for possível a concessão de linha bonde desde o centro da cidade até a sede da vila operária; 5) Fixação e revisão anual do preço dos aluguéis pelo poder municipal; 6) Os operários poderão adquirir por compra a prazo os prédios de sua habitação, procedendo aprovação na Câmara.

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Tais são as medidas que julgamos adequadas a solver o problema das habitações operárias entre nós. Os fatores que o Estado e o Município deliberarem conceder, no intuito de estimular ou criar empresas que se proponham construir vilas operárias nos termos atuais, quanto à crise financeira está em período agudo, e quando por outro lado, as epidemias nos ameaçam todos os anos, dizimando a classe operária e roubandonos braços úteis que importamos com sacrifício, epidemias que não raro nos forçam a gastar exagerada e precipitadamente, os favores, dizemos, não podem, agora ser muito regateadas, porquanto o que se gastar com a melhoria das condições da população operária, deixaremos de despender, em boa parte com higiene defensiva (SAMPAIO, 1998, p.36).

É importante lembrar que alguns dos maiores problemas daquela época eram a grande concentração urbana e as epidemias dela decorrentes. Como os arredores das cidades eram parcamente dotados de serviços, locais de trabalho e infra-estrutura urbana, cabia ao Governo incentivar a expansão dos limites urbanos, realizando as modificações necessárias para que os subúrbios se tornassem habitáveis. A Comissão, preocupada com as epidemias e suas conseqüências, despertou um pensamento segundo o qual o Governo Estadual deveria unir-se ao Municipal com a finalidade de, em vez de continuar remediando as epidemias, buscar soluções que evitassem o aparecimento da doença, por meio da criação de locais apropriados para habitação e levando à construção de vilas. Nessa mesma época, devido ao excesso de procura e à escassez de casas nas cidades, os valores dos aluguéis sofreram uma grande majoração, criando um mercado atrativo para o investimento da produção rentista da habitação. Investimento de alta rentabilidade, o aluguel de casas de moradia produzia então cerca de 12% ao ano sobre o valor do investimento, em época de inflação baixa. Além disso, o proprietário de imóvel possuía direito absoluto de propriedade, e havia a denúncia vazia, por meio da qual se podia trocar o inquilino a qualquer momento. A especulação imobiliária tornou-se um ótimo negócio, e o valor dos aluguéis comprometia boa parte da renda dos trabalhadores. Em muitos casos, de acordo com Bonduki (1998, p. 52), várias pessoas da mesma família precisavam trabalhar para conseguir arcar com tais custos. As preocupações do governo com a questão habitacional não se restringiam à capital

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paulista. Segundo Badaró (1996), o Plano de Melhoramentos Urbanos de Campinas vigorou por um período de 4 anos. Iniciado com a contratação de Prestes Maia, foi aprovado pelo Ato Municipal nº 118 de 23/04/1938. Esse Plano possuía como principais características a preocupação relativa à localização dos bairros industriais, que deveriam ter como referência os eixos de transportes ferroviários, e a necessidade de investimentos do poder público para que se efetivasse a descentralização urbana. Entre as disposições do Plano, Badaró refere-se a: “- Bairros Industriais: serão facilitadas as formações de bairros industriais:- Ao longo da Estrada de Ferro Paulista, além dos armazéns reguladores. - Ao longo da Paulista além do Cemitério. - Na Vila Nova e Taquaral. - A principal delas, situada a NO, para lá dos armazéns reguladores

da

Estrada

de

Ferro

Paulista,

estaria

estrategicamente localizada, próxima ao entroncamento das três ferrovias e permitiria fácil acesso rodoviário. Apresentava ainda outras vantagens como a proximidade da cidade, dos bairros operários, especialmente Vila Industrial e São Bernardo, além de situar-se favoravelmente em relação aos ventos dominantes. Como providência inicial, seriam previstos, de imediato, cruzamentos em desnível com a ferrovia (BADARÓ, 1996, p. 83).

Sobre os incentivos realizados no município de Campinas para a regulamentação de moradias, o autor relata que em 1934 já era previsto, pelo Código de Construções, um padrão arquitetônico e urbanístico especial para as casas operárias. A preocupação com o assunto, porém, reportava-se à década de 20, quando se iniciou o desenvolvimento industrial da cidade, trazendo consigo o problema das moradias operárias como decorrência da baixa remuneração dos trabalhadores assalariados. As Vilas Operárias particulares foram as que mais se expandiram na malha urbana. Segundo Bonduki (1998), foi um tipo de empreendimento realizado tanto por pequenos investidores quanto

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por empresas ligadas ao ramo da construção ou mercado imobiliário, ou mesmo sociedades mutuárias. As construções possuíam características arquitetônicas as mais distintas possíveis. Constituíam-se de desde pequenos conjuntos de casas, casas em ao longo de corredores (lembrando a formatação dos cortiços), até grandes empreendimentos que ocupavam vários quarteirões. Entre elas, havia em comum o maior aproveitamento possível dos terrenos, o projeto visando economia de materiais de construção (com uso de paredes em comum), o mínimo espaço para as áreas livres e de lazer e geralmente a falta de recuos. Estes fatores contribuíam para que os investimentos se caracterizassem pela sua alta rentabilidade, a qual era reforçada ainda pelas isenções de impostos com que o poder público municipal as beneficiava. Podermos apresentar como exemplos de Vilas Particulares a tipologia empreendida na rua São João na cidade de São Paulo pelo sr. Regino de Aragão. Nesse projeto, cuja construção data de 1911, nota-se a preocupação com a racionalização da construção e o aproveitamento do terreno, deixando o mínimo de espaços livres. O modelo da Vila do sr. Regino, de acordo com Bonduki (1998), é similar a diversos empreendimentos, “todos baseados numa viela central, casas ou cômodos geminados em um ou ambos os lados da viela, e casas ou espaços comerciais que davam para rua” (BONDUKI, 1998, p. 50), realizados por investidores do setor privado com a finalidade de locação. Outra característica comum a esses empreendimentos, segundo Grostein (1998), era a ocupação dos miolos de quadra pelas Vilas Operárias. Esse fato pode ser observado pelas resoluções contidas no artigo 749 do Código de Construções de 1934. Autorizando a abertura de vias e passagens, esse artigo objetivava induzir a ocupação dos vazios deixados nos quarteirões e assim viabilizar o valor dos lotes devido ao maior aproveitamento da área. Criava-se, assim, um espaço de circulação semi-público, permitindo um maior adensamento da malha urbana. Um dos empreendimentos do setor rentista que se destacou dos demais no início do século XX foi a construção

da

“Vila

Particular

Economizadora”. Edificada pela Mútua “A Figura 2.9. Villa Economizadora Paulista ( BONDUKI, 1998: PG66)

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Economizadora

Paulista”,

que

investia em casas para aluguel, foi uma das antecessoras dos IAPs. Segundo

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Bonduki (1991, p. 66), essa tipologia se destaca pelas suas características peculiares, tendo sido um investimento vultuoso para a época. Isenções fiscais, doação de áreas, entre outros benefícios oferecidos pelo poder público municipal ou pelo governo estadual, constituíam-se de meras camuflagens do problema habitacional. Na verdade, contribuíram para financiar os setores capitalistas na construção de Vilas e acabaram gerando um processo de especulação e valorização de diversas glebas da cidade, sem a preocupação de resolver a questão habitacional de forma efetiva. 2.2 – As Vilas Operárias de Empresa As Vilas Operárias de Empresa, construídas nas proximidades das instalações fabris, tinham como função alojar os funcionários que exerciam as atividades essenciais ao perfeito funcionamento das fábricas. Essa característica pode ser facilmente observada, ao analisar-se maioria desses empreendimentos. É possível fazer-se uma analogia entre o modelo de habitação utilizado nas Vilas Operárias de Empresas e outros, desenvolvidos com a finalidade de fixar o homem próximo aos locais de trabalho. De acordo com Blay (1985), trata-se de uma grande influência do passado escravocrata, uma releitura do modelo gerado pela casa grande patriarcal e as senzalas:

A moradia na forma de vilas operárias encontra raízes em um remoto passado. Elas aparecem como um sucedâneo da senzala. Conforme já analisáramos no período escravocrata, junto à casa senhorial, rural ou urbana o proprietário destinava parte da construção à senzala; pela habitação o proprietário preservava e protegia sua mercadoria - o escravo. Posteriormente, o trabalho livre rural, exercido pelo colono, também foi controlado e parcialmente remunerado pelo uso da habitação nas ‘colônias’ no interior das fazendas. O surgimento, no cenário urbano, das vilas operárias é parte do processo de industrialização e constitui etapa da formação do operariado (BLAY, 1985, p. 30).

Na implantação das Fazendas de Café, voltada para o modo de produzir da cultura cafeeira, a

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AS VILAS OPERÁRIAS E NÚCLEOS FABRIS

característica principal é a posição da tulha e do terreiro logo à frente da grande casa na qual, através da varanda, garantia-se a vigília dos serviços. Do lado oposto ao da casa grande, era comum localizar-se a senzala, que com a Abolição passou a ser substituída pelas casas de colonos. A implantação desses conjuntos obedecia, dessa forma, não apenas às necessidades de um modo de produção, mas também a toda uma ideologia da necessidade de o dominador exercer vigilância constante sobre o dominado. A presença – mais ou menos velada - dessa mesma ideologia pode ser observada ao analisarem-se as relações que transformaram o cotidiano do operariado brasileiro. Quando do advento da Abolição e da expansão do trabalho livre no Brasil, indústrias do interior e das capitais surgiam já utilizando esse tipo de mão-de-obra. Em muitos casos, os locais onde iriam ser instaladas não contavam com nenhum tipo de infra-estrutura e as empresas eram praticamente obrigadas a construir moradias para seus empregados. Essas habitações, no entanto, já se implantavam sob as contradições inerentes às relações trabalhistas características do capitalismo: de um lado, os industriais na busca de acumulação de capital e por outro, os operários na luta pela melhoria de suas condições de sobrevivência. Assim, foi nesse contexto contraditório que as Vilas Operárias Empresariais foram concebidas e construídas, tanto na capital como no interior do estado. Funcionavam como intermediadoras das relações de produção, na medida em que o fornecimento de moradia ao trabalhador representava uma forma de redução salarial, ampliando a capacidade de acumulação da empresa e induzindo o empregado a permanecer no emprego, o qual pelo menos lhe oferecia condições mínimas de habitação. Segundo Reis Filho (1994), a construção das casas era feita em etapas, pois as empresas possuíam equipes de funcionários ligados ao ramo da construção civil que trabalhavam na Vila quando não estavam fazendo manutenção na fábrica. Como forma de estreitar a relação de dependência entre o operário e a empresa, as casas lhes eram alugadas em vez de vendidas ou financiadas. Dessa forma, o funcionário, além de sofrer a redução salarial, não podia deixar a firma, sob o risco de não ter onde morar. Muitas Vilas possuíam equipamentos complementares como creches, escolas, igrejas e, principalmente, um armazém:

(...) sistematicamente

tinham

um

armazém,

no

qual

os

trabalhadores faziam compra anotadas em uma caderneta como exatamente como os colonos das fazendas.

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Como os empregados realizavam todas as suas compras nos armazéns das próprias fábricas, no final do mês as indústrias desembolsavam muito pouco com salários. Isso era comum na Capital, no interior e em outros estados. Em época de escassez de numerário, era uma solução muito conveniente para os empresários. (REIS FILHO, 1994, p. 96).

Como afirmamos anteriormente, o processo de industrialização e as grandes concentrações urbanas que iniciaram sua consolidação no final do século XVIII e início do XIX trouxeram consigo uma quantidade de problemas urbanos. Entre eles, destacam-se a instabilidade do mercado, as condições precárias de moradias citadinas e os altos preços de aluguéis. Esses fatos eram ainda agravados pela baixa remuneração, e acabavam desencorajando os imigrantes estrangeiros que foram atraídos pela promessa de trabalho. Uma forma de garantir o crescimento do setor industrial e estabilizar a economia do país seria justamente a fixação da mão-de-obra, principalmente a mais especializada, imprescindível ao funcionamento de alguns setores da indústria. A construção de Vilas Operárias Empresariais convinha aos industriais ainda sob um outro aspecto: uma das formas de garantir excedente de produção para as fábricas era a concessão de casas para as famílias que possuíssem um grande número de indivíduos empregados na empresa. Segundo Blay (1985), essa política foi adotada, por exemplo, pelo grupo Matarazzo, que desde o início da construção de seu conglomerado industrial previu a construção de casas para os funcionários como instrumento que garantiria à empresa poder de barganha constante com os funcionários. A casa, muitas vezes, era repassada por um valor simbólico para alguns trabalhadores. Havia casos de famílias que mantinham até duas pessoas trabalhando na fábrica, enquanto outros agregados iam procurar emprego fora daquela empresa. Dessa forma, garantiam a casa. Mesmo se sujeitando a ganhar menos, convinha-lhes essa situação porque assim deixavam de pagar os exorbitantes custos do aluguel fora dos portões da indústria. Nesse contexto, é possível verificar-se que o número de casas existentes nas fábricas era, na maioria dos casos, inferior ao de operários contratados pela empresa. Dessa forma, muitos empregados também reivindicavam moradias, o que, de acordo com Blay (1985), deveria ser contornado pela empresa:

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AS VILAS OPERÁRIAS E NÚCLEOS FABRIS

Embora se possa afirmar que a vila é um modo de atrair a força de trabalho, garantir a permanência de um certo contingente e de ter à disposição um trabalhador qualificado 24 horas por dia, sob este prisma, a casa aparece como um fator de reforço da dominação estabelecida entre a fábrica e o empregado; entretanto, o sentido desta relação não é tão simplesmente linear e incorpora outros planos que certos depoimentos permitem visualizar. O outro lado da problemática surge quando o empregado exige a casa e pressiona a indústria para obtê-la (BLAY, 1985, p. 167). Assim, segundo a autora, a casa constituía-se em um poder de troca entre patrões e empregados e, muitas vezes, esta troca era pleiteada durante anos dentro da empresa. A realização do desejo de morar em uma casa da Vila poderia demorar até 5 ou 6 anos depois da contratação do indivíduo para ser concretizada. Morar na Vila Operária, no entanto, era um sonho que não tinha uma durabilidade muito longa: em relatos recolhidos por Blay (1985) é possível observar-se que, em alguns casos, quando o operário conseguia comprar sua própria casa e sair da moradia fornecida pela empresa, ele ganhava a liberdade que não possuía na Vila. As fábricas, ao reunirem toda a família de seus funcionários nas Vilas Operárias, tinham como finalidade também atingir as crianças. Isso ocorria por intermédio das creches, as quais realizavam, como forma de disciplinar as crianças, recrutamento de mão-obra ocultado por noções de aprendizado. As preocupações pedagógicas e humanitárias escondiam, de fato, os interesses reais das empresas em enfrentar a instabilidade dos trabalhadores por meio de sua disciplinarização. As famílias e seus filhos sentiam-se coagidos a permanecer nas fábricas pelas grandes ameaças que rondavam a classe trabalhadora: a fome, a miséria e a degradação familiar, contra as quais, desde a infância, o filho do operário era discretamente “alertado” por seus patrões, nas creches e escolas das Vilas1. Os critérios para a ocupação das casas eram os mais variáveis possíveis. Na maioria das vezes, estas eram entregues a pessoas ligadas a áreas essenciais das empresas, como setores elétricos, de manutenção, mecânico, geralmente ligados à área de manutenção. Poucos trabalhadores comuns tinham acesso às moradias. Quando as casas eram locadas, os aluguéis eram quase sempre menores que os praticados 1

Paoli identifica as relações obscuras que se desenvolviam nas fábricas, o uso do trabalho infantil através do disciplinamento das crianças. PAOLI apud LOPES, 1987, p.83.

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pelo mercado e acompanhavam os aumentos salariais. Mas as habitações poderiam ser simplesmente cedidas, o que ocorria em algumas indústrias. Era comum também, em casos de aposentadoria ou falecimento do funcionário, ocorrer a ordem de despejo dos ocupantes da casa, procedimento garantido por termo assinado entre as partes, o qual vinculava a cessão da casa ao trabalho. O papel do Estado em relação a essas Vilas foi, freqüentemente, o de legalizar as formas de apropriação da empresa capitalista. Blay (1985) relata que a Lei do Inquilinato não poderia ser aplicada sobre os moradores das Vilas devido à existência dos contratos que atrelavam a casa ao trabalho. Desta forma, esse direito deixava de ser garantido ao trabalhador, que podia ser despejado a

qualquer

momento.

Figura 2.10. Vista geral das habitações Vila Maria Zellia (BONDUKI, 1998:PG 64 e 65)

Como vimos, a necessidade de alguns funcionários permanecerem 24 horas de prontidão na fábrica era um dos fatores que determinavam a escolha dos que iriam ocupar uma casa na Vila. Este procedimento levava a uma economia de capital, pois empregava-se na produção o acúmulo de horas realizadas por esses funcionários, dispensando a necessidade de contratações adicionais, o que refletia diretamente nos capitais empregados pelas fábricas. De acordo com Blay (1985) o pensamento dos operários em relação às casas das Vilas seguia duas tendências principais. Parte deles assimilava a concessão de casas como fatores humanitários, uma preocupação dos empresários em relação às condições de vida de seus funcionários; a maioria, entretanto, sabia que mesmo desembolsando um aluguel menor que os correntes no mercado, na prática eles pagavam essa diferença através da força de trabalho e dos serões que faziam. Uma das mais significativas Vilas Operárias de Figura 2.11. Escola Villa Maria Zellia (BONDUKI, 1998:PG65)

Empresa construídas no início do século XX é a Vila Maria Zélia, construída em 1919 por Jorge Street, na

cidade de São Paulo. Servida por diversos equipamentos coletivos como escola, creche, jardim de

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AS VILAS OPERÁRIAS E NÚCLEOS FABRIS

infância, grupo escolar, teatro, associação recreativa e beneficente, consultório médico e dentário, armazém e comércio diversificado como açougue, padaria, mercadinho e farmácia, todos os equipamentos da Vila eram controlados pelo industrial, proprietário da Cia Nacional de Tecidos de Juta em São Paulo2. A Vila Maria Zélia é considerada referência única ao se estudarem as diversas Vilas Operárias de Empresa de importante valor urbanístico, devido à sua implantação percussora dos conjuntos habitacionais modernos. De acordo com Blay (1985), a Maria Zélia, com seus jardins bens cuidados e suas 196 casas de seis tamanhos deferentes foi um modelo único, não reproduzido em outro local. Segundo Bonduki (1991), seu fundador foi comparado por alguns aos primeiros socialistas utópicos, como Fourrier, pois acreditava que seus investimentos na Vila retornariam em forma de produção. Contrariando as aspirações dos funcionários que recebiam casas, esse benefício constituía-se em uma ação social com dupla

Figura 2.12. Igreja Villa Maria Zellia (BONDUKI, 1998:PG64).

finalidade. A Vila, que chegou a abrigar em torno de 1000 operários, destacava-se também por suas atividades e pelos aspectos higiênicos que eram observados no local. De acordo com Correa, a Maria Zélia incorporou as noções de higiene e ordem difundidas na época, o que causava boa impressão nas pessoas que a visitavam. Destaca-se

também,

entre

as

Vilas

Operárias Empresariais do século XX a Ceralina. Tomando um quarteirão inteiro, o empreendimento do Grupo Matarazzo, possui 79 casas, de três tamanhos variados (as da esquina com 77,50m² no pavimento inferior e 68,50m² no superior; as casas que ficam no interior da Vila possuem 40m² e apenas um quarto). São 30 casas térreas e 49 sobrados, que compõem a parte externa da Vila. 2

Figura 2.13. Villa Cerealina, Construída pelas Industrias Matarazzo (BLAY, 1985: PG145)

Devido a uma grave crise financeira, em 1923 Street perdeu a Vila Maria Zélia, que passou a pertencer a Nicolau Scarpa.

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Capítulo II _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS OPERÁRIAS E NÚCLEOS FABRIS

Não há a presença de escolas no local, somente o comércio para suprimentos básicos, “embrião dos futuros supermercados” (BLAY, 1985, p. 247). Um dos maiores grupos empresariais do Brasil que começaram suas atividades no final do século XVIII, o Matarazzo foi reestruturado-se em 1911. Fazia parte da política da empresa a construção de casas para seus funcionários, tendo empreendido diversas Vilas Operárias. Em comum, estas possuíam o fato de serem construídas por profissionais ligados ao quadro de funcionários das indústrias, e em terrenos próximos das fábricas pertencentes ao Grupo. De acordo com Blay (1985), essas Vilas constituíram-se, como era corrente, em ações sociais de cunho duplo:

Cada vila teve seu planejamento e uma época de construção específica. (...) Os motivos que levaram à construção das vilas foram: -

segurar e atrair mão-de-obra (como indivíduos não

residentes na cidade); -

dispor de mão-de-obra quando urgente e necessário;

-

por paternalismo (BLAY, 1985, p. 246).

Dessa forma, podemos observar como o trabalhador, ao receber moradia fornecida pela empresa, submetia-se a um processo de constante controle de sua vida privada. Ao mesmo tempo em que, na maioria das vezes, os empresários agiam sob inspiração do paternalismo que caracterizava as relações patrão-empregado principalmente no início do século XX, tinham também, como objetivo, a reprodução da força de trabalho, garantindo assim maior remuneração para os capitais investidos na produção. Na medida em que exercia papel de barganha entre os empresários e seus funcionários, a moradia podia ser utilizada por ambos os lados (com privilégios dos primeiros) como instrumento de pressão. Blay (1985) relata, como exemplo desse fato, uma greve que os vidreiros da Fábrica Santa Marina realizaram em meados de 1907, reivindicando aumento de salário para os meninos ajudantes; após a paralisação, os grevistas foram despejados das casas da Vila Operária. Observando-se o discurso predominante na concepção das Vilas Operárias é facilmente perceptível o processo de apropriação da vida do trabalhador, que se sente ameaçado pelas condições de sobrevivência, tornando-se, dessa forma, um títere, à mercê das políticas sociais implantadas com segundas intenções por grande parte dos setores que detêm o capital.

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Capítulo II _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS OPERÁRIAS E NÚCLEOS FABRIS

2.2.1 – Os Núcleos Fabris O surgimento dos Núcleos Fabris pode ser explicado por fatores diversos, entre os quais o interesse no desenvolvimento da fábrica longe dos problemas urbanos que ocorreram com o processo de industrialização. O fator econômico foi igualmente fundamental na escolha por implantarem-se as indústrias longe do centro das cidades, pois os recursos naturais que uma empresa precisaria para implantar seu complexo industrial freqüentemente estavam distantes; havia maiores áreas disponíveis e, além disso, o afastamento do centro urbano contribuía para viabilizar o preço da terra (CORREIA, 1998, p. 78). Ainda sobre a necessidade da criação de Núcleos Fabris, Correia afirma:

A criação de núcleos fabris constituiu uma estratégia importante no sentido de impor aos pobres a idéia de uma vida voltada ao trabalho, atraindo trabalhadores para o emprego fabril e procurando retê-los nessa atividade. Foi também coerente com o combate ao absenteísmo, ao permitir uma supervisão patronal sobre o cotidiano do operário. O controle pela fábrica sobre instituições como a escola e a igreja, possibilitando que fossem instrumentalizadas na difusão da ética do trabalho e de valores a ela relacionados, constitui um instrumento adicional de inserção do trabalhador no mundo fabril (CORREIA, 1998, p. 52).

Entre esses núcleos, apresenta-se como característica determinante a imposição, aos operários, de uma vida mais regrada, por intermédio do isolamento da fábrica em relação à cidade, de condições precárias de acampamento, ou mesmo de locais planejados pelos próprios industriais ou já com regras para controlar o cotidiano dos moradores. Esses fatores contribuíam para a dependência do operário em relação à empresa, pois as dificuldades de locomoção faziam com que ele dependesse de todos os equipamentos contidos no Núcleo. Mesmo os empreendimentos que se consolidaram apenas como Vilas Operárias, inseridas na malha urbana, próximas dos locais de trabalho (como vimos no caso das Vilas Operárias de Empresa pertencentes ao Grupo Matarazzo), sem a presença de equipamentos coletivos como escolas, hospitais, mercados, áreas de lazer, possuíam características fundadas em um paternalismo

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Capítulo II _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS OPERÁRIAS E NÚCLEOS FABRIS

de concessões e disciplinarização. Foram várias as formas de resistência do operariado à dominação burguesa que então surgiram: as tentativas de conscientização da classe trabalhadora pelos anarco-sindicalistas, as greves que ocorriam nas fábricas e que muitas vezes podiam levar até mesmo à destruição dos equipamentos das indústrias, como forma de os operários afetarem diretamente o capital do empresariado. Ainda nesse sentido, as indústrias foram pioneiras na utilização de formas de urbanização do espaço para controlar seus empregados. A autonomia das empresas e o controle dos operários também se destaca como fator determinante no isolamento dos Núcleos Fabris. Esse fator garantia à empresa um total controle do espaço produtivo do local, pois com o distanciamento era possível criarem-se regras próprias, que se incorporavam ao cotidiano dos trabalhadores. O início da criação dos núcleos fabris ocorreu ainda no final do século XVIII, constituindose nos precursores de algumas idéias sobre o Urbanismo Moderno: alguns, localizados em áreas rurais, possuíam características semelhantes ao modelo das Cidades-Jardins; outros, características específicas de autonomia, tendo praticamente todos os serviços básicos para a sobrevivência de seus moradores. Nesses modelos que viriam, posteriormente, a ser chamados pelo Movimento Moderno de “Unidades de Vizinhança”, destaca-se não apenas a preocupação com a higiene, como também com o aspecto moral da degradação das cidades. Os Núcleos Fabris foram criados segundo aspectos da idéia de racionalização do espaço de trabalho. Dessa forma, seus projetos urbanísticos seguiam regras claras e precisas: o modo de produzir ordenava as vias de circulação, a insolação e os aspectos higienistas; a localização das casas e do comércio buscava manter o trabalhador atento ao seu dia-a-dia da fábrica; as atividades de lazer e esportes eram, muitas vezes, coordenadas pela própria empresa, a qual controlava seu empregado mesmo nas horas vagas. No Brasil, podemos citar como exemplo de Núcleo Fabril a Vila de Pedra. Idealizada por Delmiro Gouveia no sertão do Nordeste, apresentava-se como um núcleo rigidamente controlado, elevando os preceitos morais e de higiene ao extremo, conforme relata Correia:

Em Pedra, formas discretas e sutis de disciplina conviveram com o uso de violência explícita contra os moradores. Ao lado da concessão de ajuda e prêmios, do aconselhamento e da vigilância, adotou-se uma diversidade de mecanismos de punição. O respeito às normas impostas foi buscado pelo medo de um patrão que construiu uma reputação de ser implacável, que determinava as

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Capítulo II _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS OPERÁRIAS E NÚCLEOS FABRIS

regras, fiscalizava pessoalmente seu cumprimento e punia severamente quem deixasse de segui-las utilizando, muitas vezes, requintes de crueldade. Não havia prisões: o próprio núcleo em si era uma instituição de seqüestro, onde só havia lugar para os que se submetessem ao regime de trabalho, à severa disciplina imposta e à autoridade do patrão. A imposição de uma disciplina rigorosa no interior das fábricas e vilas operárias é uma característica básica desses empreendimentos (CORREIA, 1998, p. 254). O controle por intermédio da concessão de casas esteve presente na maior parte da história do nosso operariado. Atualmente, apesar de algumas empresas ainda cederem casas aos seus funcionários, esse procedimento é bem menos freqüente. A partir dos anos cinqüenta, as usinas hidroelétricas passaram a usar deste artifício, em grande escala, para alocar seus funcionários. Fatores importantes a serem observados no caso destes empreendimentos referem-se ao fato de haver uma clara definição entre os extratos sociais formados pelas classes trabalhadoras - as Vilas se dividem em Figura 2.14. Vila dos Engenheiros Barragem de

Vilas de Engenheiros, com casas de padrão alto, e

Ibitinga. (Ibitinga, 1961)

em

Vilas

de

Barrageiros,

destinadas

aos

trabalhadores de qualificação técnica. Como exemplo dessa característica, podemos citar as diferenças entre os aspectos construtivos da Vila dos Engenheiros e a dos Barrageiros

da

Usina

Hidroelétrica

de

Ibitinga. Além desses aspectos construtivos diferenciados, havia ainda o fato de a primeira Figura 2.15. Vila dos Barrageiros, localizada na ciddade de Iacanga. (Ibitinga, 1961)

ficar locada dentro do canteiro de obras, garantindo

todo

suporte

técnico

ao

desenvolvimento da barragem e a segunda, formada pelos operários da construção civil, distar cerca de 15 Kilômetros da obra, inserindo-se na cidade de Iacanga. O fornecimento de habitação pelas empresas se constituía não somente em forma de salário não pago, evitando possíveis manifestações e reivindicações, como também no provimento de necessidades causadas pela carência de habitações - a moralização da classe operária e a higienização para evitar a proliferação de doenças, freqüentes no período devido às condições

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Capítulo II _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS OPERÁRIAS E NÚCLEOS FABRIS

subumanas de moradia:

Ao prometer a construção das vilas operárias como resposta para o problema da saúde da população pobre da cidade, os higienistas abrem caminho para a realização da utopia burguesa de fabricação da classe trabalhadora desejada, combinando imperativos econômicos e políticos. Na verdade, muito mais que uma maneira de morar, as vilas representam a vontade de impor sutilmente um estilo de vida. Através da imposição das vilas operárias, vilas punitivas e disciplinares, estabelece-se todo um código de condutas que persegue o trabalhador em todos os espaços de sociabilidade, do trabalho ao lazer. As vilas, antíteses dos cortiços, permitem que o poder disciplinar exerça um controle fino e leve sobre o novo continente das pequenas relações cotidianas da vida do trabalhador. Eliminando todos os intervalos que separavam vida e trabalho do dia-a-dia do operário, a forma burguesa da habitação designada para o pobre instaura um novo campo de moralização e de vigilância. Segregado nos bairros periféricos e distantes da cidade, o proletariado é ainda internado nos limites da minicidade que a vila pretende constituir, possibilitando uma gerência patronal absoluta sobre todos os seus comportamentos (RAGO, 1985, p. 177). Tais características, semelhantes a alguns casos de Núcleos Fabris e Vilas Operárias brasileiros, permitiam que cada empresa administrasse suas dependências e o cotidiano de seus operários. Um dos aspectos que diferenciavam as cidades dos Núcleos Industriais, das Vilas Ferroviárias e das Model Company Town eram, segundo Minami (1994), as diferenças nas escalas operacional e administrativa, sendo que o tempo todo, nesses empreendimentos criados por empresas, a relação entre os habitantes e a paisagem é de produção.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

III – AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO 1 - As Vilas como sustentação do modo de produção ferroviário Como expusemos em capítulo anterior, o transporte ferroviário começou a ser implantado no Brasil na segunda metade do século XIX, a fim de viabilizar a ampliação do sistema agrárioexportador. Na segunda parte deste estudo, buscamos descrever o processo de degradação urbana que se expandiu pela maioria das cidades a partir do século XIX, proveniente do grande crescimento dos centros urbanos e das precárias condições de infra-estrutura. Como observamos, tais fatos fizeram com que diversas atitudes fossem tomadas e que soluções higienistas e urbanísticas começassem a fazer parte do cotidiano das empresas. Especificamente no caso do Brasil, buscamos elucidar as necessidades que levaram ao surgimento das Vilas Operárias. Nesta seção, complementaremos nosso estudo abordando as relações entre as Companhias Ferroviárias - em especial e Cia Paulista - e seus funcionários, identificando em que momento da história da ferrovia se deu o processo de concessão de moradias e qual motivo teria levado as empresas a investir em casas para seus funcionários. Com grande apoio do Estado para viabilizar sua implantação, as empresas ferroviárias recebiam concessões do Império por um período de noventa anos. O poder da máquina estatal assegurava ainda o desenvolvimento do sistema de produção capitalista, reprimindo ameaças contra o capital das empresas. Um número elevado de funcionários compunha o aparelho jurídico-político que legislava em favor das Companhias Ferroviárias e as Forças Armadas tinham por função conter quaisquer manifestações contrárias ao novo sistema de produção. Segnini (1982, p.16) analisa as relações entre os ferroviários e a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, dividindo, sob esse aspecto, em três fases a história da empresa. Essas fases, no entanto, não podem ser delimitadas rigidamente, pois apresentam características muito semelhantes e episódios nos quais pode ser identificada a utilização dos mesmos instrumentos, objetivando a dominação de seus funcionários. Na primeira fase, de 1868 a 1885, o sistema de produção apresenta uma mudança nas relações trabalhistas: ocorre a substituição do antigo modo de produção escravocrata-feudal pelo sistema capitalista. As relações “patrão-empregado” sobrepõem-se às do tipo “senhor-escravo”. As Companhias de Estradas de Ferro, mesmo antes da Abolição, restringiram a utilização do trabalho escravo. Primeiro, a fim de aumentar a oferta de mão-de-obra para a agricultura, que se apresentava escassa na época, mas também devido à necessidade de contratar funcionários com grau de especialização compatível com a tecnologia implantada nas ferrovias.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Neste período, com influências visíveis de um passado de relações trabalhistas dominadoras, os funcionários

das

ferrovias,

apesar

de

se

constituírem, na sua maioria, de mão-de-obra livre, eram comandados de forma severa, a fim de aumentar os ganhos da empresa. No final do século XIX a ferrovia se expandia Figura 3.1. Trabalhadores realizando corte para construção da estrada de ligação entre Santos e Mairinque. (Relatório da Estradas de Ferro

constantemente, impulsionada pelo boom do café. Aumentando

rapidamente

seu

quadro

de

funcionários, em 1870 possuía 515 trabalhadores e

Sorocabana, 1935).

em 1890, 1312 empregados. A maioria prestava serviços comandados por uma minoria, como aponta Segnini:

Na administração central, 2,29% dos ferroviários determinavam o que os 97,7% restantes deveriam executar. Ferroviários aposentados, que tiveram contato com trabalhadores dessa época, informaram que a força bruta muitas vezes era utilizada como corretivo aos indisciplinados. Os salários eram miseráveis; às vezes inexistentes, como por exemplo, no emprego de presidiários como mão-de-obra utilizada na conservação e implantação dos trilhos. Mas não era esta a força de trabalho preferida (SEGNINI, 1982, p. 39). Os imigrantes contratados – especialmente europeus - já traziam de seus países a consciência da exploração da produção capitalista, posto já conviverem com esta em seus locais de origem há muito tempo. A conscientização da exploração, nos trabalhadores, pela influência do imigrante, levou a diversas formulações dos aparatos burocráticos da Companhia, tentando manter sua posição dominadora. Característica das empresas ferroviárias brasileiras, a burocracia esteve sempre presente, desde os primeiros anos da Companhia Paulista e marcou toda sua existência. A hierarquia se estabelecia por intermédio de inúmeras normas e regulamentos administrativos que se modificavam constantemente, de acordo com as necessidades de sanções e coesões em função das mudanças que ocorreriam na relação capital-trabalho.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Manter a dominação era o objetivo maior da burocracia, a qual, por meio de regulamentos, procurava garantir com segurança a maior rentabilidade possível para o sistema de produção capitalista. Com o passar do tempo e o surgimento de uma maior organização dos trabalhadores, as Companhias Ferroviárias sentiram a necessidade de realizar mudanças em suas estruturas. Criaram então uma nova política administrativa, inaugurando o que Segnini denomina de segunda fase (de 1885 a 1928), e caracteriza como “paternalista”. Neste período, a ferrovia se organiza para fornecer a seus empregados superiores instrumentos que pudessem garantir a dominação da mão-de-obra, pois a “força bruta” até então utilizada já não mais respondia às necessidades vigentes na época. A Companhia passou a organizar diversas entidades, como sociedades beneficentes, associações protetoras das famílias dos empregados, escolas de aprendizes, cooperativas de consumo. Mas, principalmente, realizou a construção de casas para os trabalhadores, a fim de exercer fiscalização sobre eles, mantendo-os sob controle. Mesmo assim, as relações entre os operários e a empresa sempre se caracterizaram pela ocorrência de conflitos entre a diretoria e os ferroviários. Qualquer tentativa de uma maior organização da classe operária - como a criação da Liga Operária da C.P., no início do século XX – era rechaçada pela companhia, e seus mentores, perseguidos. Como solução à dissolução da Liga, a empresa criou a Sociedade Beneficente dos Empregados da Companhia Paulista, administrada pela própria Companhia, com a finalidade de prestar serviços aos seus funcionários, que contribuíam com parte de seus salários já descontada na folha de pagamento. Em 1901 ocorreu a primeira greve dos ferroviários, nos armazéns de Rio Claro. Contida pela polícia, a mobilização serviu para demonstrar o poder da empresa, que demitiu vários funcionários e abriu vagas para substituição dos ferroviários que reivindicavam maiores salários. A Associação Protetora das Famílias dos Empregados da Companhia Paulista foi criada em 1904, com a finalidade de gerar um pecúlio para os funcionários. Nessa época, outras reivindicações destes também foram atendidas pela cúpula da C.P.. Outro mecanismo de grande importância para a consolidação do sistema foi a criação da Escola de Aprendizes, em 1901. Resolvendo o problema da necessidade de mão-de-obra especializada, gerado pelo crescimento da ferrovia, na escola crianças eram treinadas para executar os serviços nas frentes de trabalho. A Escola de Aprendizes dava preferência à admissão de filhos de funcionários, fazendo com que a idéia de “família ferroviária” fosse embutida no modo de vida

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

dos trabalhadores. Essa iniciativa teve grandes resultados no aspecto disciplinar, pois substituía a mão-de-obra imigrante que, como afirmamos, muitas vezes revelava-se problemática para o sistema de exploração da Companhia. Em 1906 ocorreu outra greve, logo após a qual (em 1907) a jornada de trabalho foi reduzida para oito horas. No entanto, na prática essa limitação da jornada era utilizada apenas nos armazéns que participaram da paralisação. Somente em 1918 foi adotada por toda a ferrovia, que imediatamente repassou para o preço dos serviços os custos de redução da jornada. Um grande déficit de habitações ocorria no país nesse início do século XX. As moradias existentes estavam em péssimas condições e eram insalubres. A crise da habitação se deu nas cidades que possuíam maior aglomeração de operários e trabalhadores e relacionava-se ao afluxo de imigrantes estrangeiros ao interior do estado de São Paulo, em busca de empregos nas fazendas de café e na indústria nascente. A instabilidade dos preços de aluguéis, regidos pelo mercado e em alta constante, poderia levar os ferroviários a reivindicar melhores salários. Como solução, a C.P. construiu casas para seus funcionários. Próximas aos locais de trabalho,

Figura 3.2. Construção de Vila Ferroviária da Companhia Paulista. (Arquivo museu Histórico Barão de Mauá, 2000).

essas moradias possibilitaram que a mão-de-obra fosse utilizada e fiscalizada em tempo integral. A Companhia cobrava por elas aluguéis simbólicos, como forma de salário não-pago, criando uma grande dependência entre a empresa e os ferroviários. As Vilas cresceram rapidamente, segundo Segnini em várias cidades do interior do estado. A Cia Paulista construiu 220 casas em Bebedouro; 60 em Barretos; o mesmo número em Rincão e em Jundiaí a Paulista chegou a ter 110 casas. Preferencialmente, as casas eram fornecidas a trabalhadores estratégicos para a Companhia: maquinistas, guarda-trens, foguistas, ajustadores, eletricistas e pessoal da estação. De acordo com Segnini,

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

A presença desta mão-de-obra poderia ser solicitada a qualquer instante. O trabalho por ela desenvolvido implicava a existência de uma unidade entre o trabalhador e seu meio de trabalho, isto é, implicava domínio por parte do ferroviário sobre seu instrumento de trabalho: sua habilidade pessoal valia. Portanto, a dependência com relação a esta mão-de-obra, por parte do capital, era acentuada. Tê-la morando sob o controle da empresa minimizava esta dependência (SEGNINI, 1982, p. 54). Uma das principais conquistas dos ferroviários, ainda nesse início de século, foi a criação do Fundo Especial de Pensões, em 1910. Motivo de grande orgulho para a classe dos ferroviários, em 1923 este fundo transformou-se em caixa de aposentadoria e pensões, um dos ícones do sistema previdenciário brasileiro.

Figura 3.3 e 3.4. Casas financiadas pela CAPs da Paulista no município de Campinas .

Figura 3.5 e 3.6. Casas financiadas pela CAPs da Mogiana no município de Campinas .

Para a classe ferroviária da Companhia Paulista, a criação das caixas de aposentadoria representava uma grande vantagem, obtida devido à sua representatividade e importância econômica.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Na verdade, as caixas de aposentadoria eram controladas pela cúpula administrativa da Companhia Paulista e da São Paulo Railway. O direito de aposentadoria, adquirido em 1923, foi retirado em 1940, só se restabelecendo em 1948. Mesmo com o direito adquirido, muitos ferroviários com mais de quarenta anos de serviço não se aposentavam, e os que não conseguiam assimilar o advento da eletrificação nas ferrovias, por motivos físicos ou psíquicos eram simplesmente afastados, mesmo com tempo suficiente para se aposentar. Devido a uma série de acontecimentos - como o processo de industrialização que se iniciou no final do Séc. XIX e a crise do setor agrário-exportador -, o transporte ferroviário passou, paulatinamente, a ser substituído pelo rodoviário, o que diminuiu o poder de barganha dos ferroviários com a Companhia. O sistema de produção passou a ser regulamentado pelo sistema taylorista (provindo dos Estados Unidos, segundo concepções de Frederick Taylor), dividindo-se as tarefas da Companhia em várias áreas, como “parte técnica”, “trabalho” e “administração”. A esse período que se encerra após a Cia Paulista ter sido encampada pelo Estado, Segnini denomina de terceira fase. Foi criada uma classe administrativa que se ocupava de pensar e determinar as tarefas. Superintendentes e fiscais, denominados “condutores e inspiradores de homens”, os quais possuíam autoridade para julgar e punir os funcionários sob seu comando, sem a interferência do alto escalão da empresa. Na execução das tarefas eram colocados funcionários provindos da Escola de Aprendizes, que já possuíam identidade com o sistema implantado pelas ferrovias. No entanto, as Escolas não conseguiam suprir a demanda da Companhia por trabalhadores. A empresa uniu-se a outras quatro empresas ferroviárias e empenharam-se com o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, que criou assim a Escola Profissional do Liceu de Artes e Ofícios. Ensinando de acordo com os critérios tayloristas de racionalização do trabalho, em 1934 a escola passou a ser denominada Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional – CFESP. O processo de racionalização e a reforma administrativa adotada pela ferrovia, implantados de 1928 a 1929, obtiveram grande êxito. A setorização e divisão das tarefas, de acordo com planejamento executado pelo alto escalão, reduziu a dependência do capital em relação aos funcionários, desqualificando o operário. Assim, a Companhia conseguia alcançar seus objetivos: explorar a mão-de-obra, obtendo com isso altos índices de produtividade, permitindo grandes lucros com baixa remuneração dos funcionários.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

A partir desse tipo de relações trabalhistas que desde o início se estabeleceram entre as Companhias Ferroviárias e seus funcionários, tivemos, ao longo de sua história, o desenvolvimento de um processo de invasão da privacidade dos empregados, por meio da cessão de casas. Como exemplo desse processo podemos citar o caso de Araraquara. As duas Companhias Ferroviárias que atuaram na região na primeira metade do século (a Companhia Paulista de Estradas de Ferro e a Estrada de Ferro Araraquara) construíram Vilas para seus operários no município, pois ali se dava o entroncamento entre as ferrovias. Também na cidade localizavam-se os barracões de armazenamento de café, que era trazido pela E.F.A.. As duas empresas empreenderam juntas um total de 188 moradias no município, número significativo tendo-se em vista que a Fundação Casa Popular, órgão federal responsável pelo empreendimento de casas populares (como já citamos anteriormente), no mesmo período (primeira metade do século XX) edificou cerca de 120 unidades. Por intermédio dos estudos de Segnini, pode-se desvendar o aparato de dominação utilizado pela Companhia Paulista sobre seus funcionários; por meio de nossas pesquisas, pudemos observar que o sistema administrativo da E.F.A. exercia pressão semelhante sobre os ferroviários. A política adotada por ambas as empresas buscava fixar o funcionário ao máximo dentro da Companhia, oferecendo-lhe moradia. Criando um vínculo por meio da concessão da habitação, faziam com que o operário perdesse a característica de nômade em busca de serviço. A maioria das casas, na data da construção, localizava-se longe da cidade, porém eram próximas do local de trabalho. O isolamento dos ferroviários em Vilas tinha como finalidade assegurar seu distanciamento e deter qualquer forma de interação com o espaço público da cidade, possibilitando o controle do funcionário pela empresa. A formação de uma Vila próxima das linhas, da qual os ferroviários geralmente pouco se deslocavam para seus postos de trabalho, levava a uma forte dominação destes, pois mesmo em seu tempo livre estavam em estado de prontidão e vigília, podendo ser acionados a qualquer horário. Além da cessão da casa, os ferroviários dependiam ainda de diversos serviços de manutenção, executados pelas Companhias. No núcleo construído pela Estrada de Ferro Araraquara, por exemplo, o morador escolhia a planta que adornaria seu jardim. No entanto, sua manutenção era realizada por funcionários da E.F.A.. Freqüentemente, também, fiscais entravam nas residências para observar seu estado e relatar à empresa. Além de anotar possíveis manutenções necessárias nas casas, como pintura, troca de telhas, essas visitas tinham como finalidade fiscalizar os moradores, usurpando seu direito à privacidade.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

A seleção para o recebimento das residências era feita de acordo com o cargo do ferroviário, em relação à localização das casas. A Vila da Estrada de Ferro Araraquara, construída próximo às oficinas e à rotunda da Companhia, só começou a funcionar após a inauguração desses equipamentos. Os primeiros a obterem as concessões eram os maquinistas, truqueiros, eletricistas, feitores, mestres de linha e foguistas, funcionários de grande importância estratégica, e os que trabalhavam nas oficinas. A Vila foi planejada de forma que cada quarteirão possuísse um tipo de mão-de-obra. Cada casa recebeu uma numeração com o nome e função do funcionário que a ocupava. Assim, em caso de emergência, a procura por um truqueiro, por exemplo, seria restrita a determinado quarteirão da Vila, no qual diversos profissionais com a mesma habilitação se concentravam lado a lado. Isso poupava tempo para a Companhia e o processo de prontidão permanente era imposto a todos os operários. Dessa forma, nas palavras de Garcia, o que ocorria era “uma invasão na vida doméstica pelo cotidiano do trabalho. O ferroviário deve estar sempre alerta para o fato de ser chamado a prestar socorro, independente de já ter cumprido sua jornada de trabalho” (GARCIA, 1992, p. 122). As condições de locação variavam de acordo com a política implantada pela Companhia na época, e os aluguéis vinham descontados na folha de pagamento. Para os profissionais que representavam maior interesse para a empresa, o desconto era menor ou a casa lhes era simplesmente cedida. Os pedidos de ingresso para as residências eram feitos por escrito, e a concessão era realizada dando preferência a filhos de ferroviários. Quando uma casa ficava vazia, podia-se requerer a mudança, na Vila da E.F.A., para uma casa com maior número de quartos. Com a chegada da aposentadoria, o operário era obrigado a deixar sua casa sem nenhum direito, com um prazo máximo de três meses para a desocupação. Nesse período, a empresa deixava de cobrar o aluguel para que se firmasse a ação de despejo, se necessária. A distância das Vilas em relação à cidade, bem como a aglomeração dos profissionais em locais próximos ao trabalho, atendia aos anseios das empresas em seus moldes de produção. A idéia era vista como uma atitude paternalista adotada pelas ferrovias. Acolhidos em uma atitude paternalista, camuflando o verdadeiro aspecto de controle, os funcionários eram enxotados das residências quando não mais serviam às Companhias. A única alternativa aos operários era morar nas casas das empresas, por causa dos baixos salários que lhes eram pagos e da escassez de moradias na cidade. Dessa forma, devido à falta de outra opção, os ferroviários se sujeitavam a se fixar nos núcleos, sob as vistas das empresas.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Se o funcionário possuísse condição de deixar a Vila, não hesitaria em fazê-lo, pois desse modo poderia usufruir de liberdade e de seu tempo livre, pois para a empresa era inviável localizar um funcionário em outros bairros quando um socorro imediato era necessário. Até mesmo as relações domésticas, como o lazer e a vida íntima dos casais eram fiscalizados. O modelo do bom funcionário era aquele que correspondia às expectativas morais dos padrões vigentes da época. Não era permitido o acesso de ferroviários solteiros ou desquitados às casas da Companhia, pois estes não possuíam o caráter de fixação. A idéia de liberdade vigiada está presente em todas as casas. Algumas, por exemplo, não possuíam comunicação com o arruamento da cidade e se isolavam, dentro dos terrenos da ferrovia. A frente das residências era voltada para pátios internos ou trilhos. Essas casas mais isoladas tinham como função alojar funcionários que trabalhavam no almoxarifado ou faziam manutenção nas linhas-tronco, localizando-se nas extremidades da cidade. O grau de responsabilidade dos ferroviários era tido como pressuposto para a perfeita realização dos seus serviços. A cobrança e a vigilância da empresa, portanto, abrangiam – como afirmamos anteriormente - até mesmo o caráter moral dos empregados, os quais possuíam a responsabilidade pela perfeição no andamento da empresa. Em situação similar à dos empregados das ferrovias, Lopes descreve a vida dos funcionários de uma usina de açúcar: Esse simples fato de localização, devido aos imperativos técnicos do processo de produção, traz algumas repercussões importantes sobre o caráter específico dos operários do açúcar: as usinas tendem a manter verdadeiras vilas operárias em seus domínios, próximas à planta fabril, e portanto geralmente distantes da cidade mais próxima , em cujas casas a administração da usina concede o usufruto temporário da moradia a grande parte de seus operários e suas famílias. Uma segunda característica dessa grande indústria agrícola é assim a tendência à “imobilização” de sua mão-de-obra através da concessão de moradia: a administração da usina controla os recursos estratégicos envolvendo a esfera da moradia dos operários. Se no modo de produção capitalista a reprodução da força de trabalho, contrastando com os outros modos de produção, é um momento controlado pela esfera privada do trabalhador e sua família, uma das características específicas da usina é ao contrário, o controle que sua administração exerce sobre a própria reprodução de seus trabalhadores. A interpenetração e dominação da esfera do trabalho sobre a esfera doméstica dos operários tem nessa característica da usina seu maior sustentáculo (LOPES, 1978, p. 206).

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Habitando fora do perímetro urbano (atualmente, apenas, as Vilas, em sua maioria, localizamse dentro das cidades), os ferroviários viviam de modo semelhante aos operários do açúcar descritos por Lopes, segregados e em constante prontidão para o trabalho, nas Vilas construídas pelas usinas. Os operários das ferrovias de Araraquara, quando suas residências se localizavam distante do local de trabalho, a locomoção era resolvida pela proximidade à linha do trem. Como exemplo, podemos citar a Vila construída pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro, cuja grande parte dos residentes se deslocava até Rincão, a 20 km de distância; outros, dirigiam-se ainda ao IBC (Instituto Brasileiro do Café), e outros barracões que ficavam nas proximidades da Vila Paulista. Próximo às duas Vilas Ferroviárias de Araraquara foram construídos locais para lazer. Na Vila da E.F.A. encontra-se a Associação Ferroviária de Esportes, que funcionava como área de lazer para os ferroviários. Como na empresa, a administração da Associação ficava a cargo dos funcionários que possuíam os postos mais altos, de forma a manter-se a hierarquia existente nas frentes de trabalho, e a vigilância da conduta dos ferroviários até mesmo em seus momentos de lazer. Na Vila Paulista, os ferroviários possuíam um grêmio - atualmente abandonado - que era o local do lazer e diversão das famílias que ali habitavam. Naquele clube também todo o sistema de hierarquização e vigilância existente no trabalho se repetia. Dessa forma, torna-se patente o fato de que, mesmo quando oferecia benefícios aos funcionários, as Companhias Ferroviárias ainda privilegiavam a necessidade de controlar e disciplinar os hábitos de seus empregados, com isso gerando maiores divisas e garantindo maior reprodução do capital das empresas. Nesse contexto devemos entender a criação das vilas ferroviárias, que na verdade funcionavam como forma de “salário não pago” e garantiam o aparato despótico implantado para manipular a classe trabalhadora ferroviária.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

2 – Inventário e descrição das Vilas Ferroviárias no Estado de São Paulo Neste capítulo abordaremos a questão das Vilas empreendidas pelas principais Companhias Ferroviárias do estado de São Paulo. Essas empresas, unificadas em 10 de Novembro de 1971, pelo governador Laudo Natel, deram origem à FEPASA - Ferrovias Paulistas / S.A, resultado da união das cinco principais ferrovias que operavam no estado: a Estrada de Ferro Sorocabana, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a Estrada de Ferro Araraquara, a Companhia Mogiana e a Estrada de Ferro São Paulo - Minas. A idéia de unificação das ferrovias era já cogitada desde as décadas de 40 e 50, quando do grande desenvolvimento automobilístico e a expansão das rodovias, que passaram a competir com aquele meio no transporte de carga e passageiros. Outros motivos, segundo alguns historiadores, apontavam os motivos que levaram ao declínio do transporte ferroviário, e com ele o processo de sucateamento da malha ferroviária, colaborando para a falência das Companhias, que foram encampadas pelo Estado. O processo de unificação foi encaminhado inicialmente em 1962 à Assembléia Legislativa, mas foi rejeitado. Sempre voltando à pauta essa questão nos anos posteriores, foi deliberada a unificação somente em 1971. A importância dessas cinco ferrovias no estado de São Paulo foi significativa. Entre as 29 que operavam no estado, elas foram as que mais se destacaram. Devido à sua localização, escoavam a produção de café dos pequenos ramais, tornando-se indispensáveis para a sobrevivência das demais estradas. Realizamos, nos arquivos do patrimônio da FEPASA, um levantamento através do qual buscamos estudar os empreendimentos habitacionais realizados pelas Companhias. O propósito da pesquisa consistiu em: 

Levantar o número de casas empreendidas por cada Companhia.



Determinar espacialmente a localização das Vilas no estado de São Paulo.



Analisar os aspectos que levaram à construção de alguns núcleos de importância relevante no estado.



Estudar os projetos urbanísticos das Vilas das quais exista material iconográfico disponível.



Analisar as características arquitetônicas e as tipologias adotadas pelas Companhias Ferroviárias.

O relatório que usamos como base de nossa pesquisa foi o levantamento realizado pela empresa Terrafo S.A. em 1981, o qual buscava levantar todos os imóveis que ainda faziam parte do patrimônio da FEPASA. Esse levantamento está organizado em 69 livros, que contêm a 98

Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

especificação de mais de oito mil imóveis pertencentes ao patrimônio da extinta FEPASA. Cada página descreve um imóvel, por meio de dados como: 

área quadrada



pé-direito



material de construção



tipo de bem patrimonial



número de pavimentos



foto do imóvel



cálculo do valor da benfeitoria



estado de conservação.

Ao manusearmos tais dados, procuramos sistematizá-los tendo como diretriz realizar o agrupamento das casas que cada Companhia empreendeu em determinada cidade e tentar elucidar qual motivo considerou-se na escolha da localização das Vilas pelo interior do estado. Verificamos a existência de algumas tipologias determinantes de cada empresa, as quais se repetem, mostrando que cada uma das Companhias possui particularidades e similaridades no que diz respeito às tipologias habitacionais, materiais empregados de suas características urbanísticas e a inserção de seus conjuntos na malha urbana. No quadro geral de investimentos percebemos que o número de casas construídas pode ser relacionado à extensão das linhas das Companhias. Quando se iniciou o transporte ferroviário no Brasil, segundo o Boletim Defontaines, “estações fictícias eram estabelecidas a cada 20 quilômetros num cruzamento necessário destas linhas de uma única via” (DEFONTAINES, 1944, p.8). Ao lado dessas estações, as Companhias Ferroviárias construíam pelo menos três casas – as chamadas casas de turma -, as quais garantiam o funcionamento daquele entreposto e a manutenção das linhas. Por meio do levantamento que realizamos nos arquivos da FEPASA, pudemos identificar a existência dos seguintes números relativos a essas casas. A Estrada de Ferro Araraquara se destaca das demais Companhias quando comparamos a quantidade de funcionários da empresa que possuíam acesso a moradia. Em 1945 a empresa fornecia residência para 18% do total de seus funcionários, número representativo se comparado ao das outras empresas e de outros setores como as industrias e suas Vilas Operárias. Blay (1985) cita, como exemplo para comparação, a Vila da Nadir Figueiredo, indústria do vidro com 2100 operários e que possuía 192 casas que abrigavam os funcionários mais qualificados. As Companhias Ferroviárias, assim como muitas indústrias, não pretendiam alojar todos os seus funcionários em suas Vilas, mas apenas a parte essencial para a garantia dos serviços das empresas.

99

Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Empresa

Número de

Extensão das

Número de

Relação

Relação

Funcionários

Estradas

unidades

Moradia /

Moradia/Km

Em 1945

(Km)

habitacionais funcionário %

Estrada

de

Ferro

Sorocabana (EFS)

20.728

2.194

2.749

13,2

1,25

15.681

2.072

1.612

10,2

0,77

8.381

1.959

745

8,8

0,38

2.321

504

415

18

0,83

249

74

Companhia Paulista de

Estradas

de

Ferro (CP) Companhia Mogiana (CM) Estrada

de

Ferro

Araraquara (EFA) Estrada São

de

Ferro

Paulo-Minas

0,30

(SPM) FEPASA Total Geral (FEPASA, 1986

24 47.111

6.978

5.621

0,80

e LIMA apud CALO, 1965, p. 51).

Nos relatórios da Estrada de Ferro Sorocabana podemos perceber a preocupação com todos os edifícios do complexo ferroviário e as necessidades de investimento em Habitação para abrigar parte de seus funcionários, como podemos observar:

Parece-nos de imprescindível necessidade atacar com intensidade o concerto e mesmo reforma geral da maioria dos edifícios da Estrada. Com verbas, sempre exíguas, que tem tido esta Divisão, e dentro das quaes nos cingimos estrictamente, têm sido relegados para melhor época taes concertos.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Urge, tambem, no interesse não só dos empregados como principalmente da própria Estrada, cuidar da moradia do seu pessoal, o que trará com o conforto melhor que se lhe der, maior fixação em seus postos e maior disposição para o trabalho. Há na Sorocabana necessidade de abrigar talvez 15% dos empregados que, por força de suas occupações, fazem jus á moradia por conta da propria Estrada. Além dessas novas installações, faz-se mister melhorar as habitações existentes, dando-lhes maior

conforto hygienico

(RELATÓRIO ESTRADAS DE FERRO SOROCABANA, 1935, p, 205).

A partir do trecho acima transcrito de um Relatório da Sorocabana, podemos analisar as relações entre a habitação cedida pela empresa e o cargo ou função ocupada por aqueles funcionários. Aos 15% dos trabalhadores da empresa que prestavam serviços essenciais à Companhia, pretendia-se fixá-los em seus postos por meio do fornecimento de moradia, fazendo com que ficassem à disposição da empresa praticamente vinte quatro horas por dia. A grande extensão das linhas justifica investimentos, os maiores realizados pela Estrada de Ferro Sorocabana e Pela Companhia Paulista de Estrada de Ferro. Além das distâncias percorridas, outro fator importante a ser considerado é o período em que tais Companhias prolongaram suas linhas. Se observarmos os levantamentos realizados por Saes (1981), os quais descrevem a população de São Paulo e as estradas de ferro que cortaram o estado, observaremos que a Paulista e a Sorocabana prolongaram suas linhas a regiões pouco povoadas. É esse o mesmo caso da Araraquarense, que apesar de ter a metade da extensão da Paulista, proporcionalmente se destaca das demais, tanto por sua importância econômica quanto pelo número de casas que empreendeu. A localização das Vilas no interior do estado obedeceu a uma constante, de acordo com o Relatório Defontaines de 1944. Esse fato pode ser constatado por meio da observação do mapa realizado com os dados levantados na pesquisa. Os agrupamentos de casas são freqüentes em todas as cidades onde a linha passa. Se realizarmos ainda uma comparação com os mapas de Saes (1981), verificaremos que os maiores empreendimentos ferroviários localizam-se nos entroncamentos ou em cidades que funcionaram como pontos finais de linha como Araraquara, Ribeirão Preto, Presidente Prudente.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

As cidades que funcionavam como ponto final de linha concentravam as mercadorias produzidas na região e que deveriam ser exportadas, o que gerava um grande acúmulo de tarefas na cidade. Os armazéns deveriam guardar não apenas os sacos de café com destino ao porto de Santos, como também os materiais importados que chegavam às cidades. Essas mercadorias eram então comercializadas ou entregues naquele ponto; assim, também, os passageiros que seguiam com destino à capital deveriam embarcar naquelas cidades ou se aventurar em diligências ou lombos de burros. Com o passar do tempo e o aumento do movimento das ferrovias, não somente as cidades pontos finais de linha, por sua grande concentração de serviços ferroviários, passaram a contar com um número representativo de casas construídas pelas Companhias Ferroviárias ao redor de seus pátios, como também as cidades que abrigavam atividades ferroviárias concentraram parte representativa desses investimentos. Algumas delas possuíam oficinas, depósitos, armazéns, sedes da Companhia (próximas dos Hortos Florestais); outras, por serem vizinhas de municípios de grande importância ferroviária concentravam também mão-de-obra - como o caso de Rincão que, apesar de possuir barracões e armazéns

da

Companhia

Paulista, deslocava parte de seus moradores para a cidade de Araraquara. A

necessidade

de

construção de Vilas aumentava também quando as cidades às quais a ferrovia chegava eram pontos

estratégicos

Companhia.

Os

para

a

maiores

Figura 3.7 Esquema da invasão cronológica do café.(Milliet, 1982: p.125)

empreendimentos habitacionais das ferrovias se localizaram nesses pólos, devido à sua importância operacional em relação à malha ferroviária. Tais fatores podem explicar o maior crescimento de algumas cidades em relação a outras, assim como o abandono de cidades que tiveram grande importância quando do desenvolvimento ferroviário e que não conseguiram se desenvolver após o declínio deste meio de transporte, devido à sua grande dependência da linha férrea.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

A seguir, exemplificamos esse fato por meio de algumas cidades do estado de São Paulo que, devido à sua importância como núcleo ferroviário, tiveram Vilas construídas pelas empresas: Cidade

Companhia

Araraquara

EFA

Araraquara

CP

Atividade ferroviária

Numero de casas

Escritório e oficinas

118

Armazéns do IBC, interligação entre a CP a

67

EFA Rincão

CP

Armazéns do IBC

54

Marília

CP

Armazéns

40

Bauru

CP

Armazéns, entroncamento que interligava a

115

CP, a Noroeste e a RFSA Campinas

CP

Armazéns, interligação entre a CP e a CM

73

Campinas

CM

Armazéns, oficinas e escritórios

74

Itirapina

CP

Armazéns,

pátio

de

manobras,

90

de

manobras,

91

entroncamento ferroviário Dois Córregos

CP

Armazéns,

pátio

entroncamento ferroviário Sorocaba

EFS

Armazéns, oficinas e escritórios

80

Botucatu

EFS

Armazéns, oficinas

128

Iperô

EFS

Entroncamento e armazéns

114

Itapetininga

EFS

Entroncamento e armazéns

90

Mairinque

EFS

Última estação da EFS antes da descida da

175

serra e presença de armazéns Osasco

EFS

Entroncamento ferroviário de carga, e

93

funcionários que trabalhavam em São Paulo São Paulo

EFS

Armazéns,

pátio

de

manobras,

160

entroncamento ferroviário e escritórios, ponto final das estações de passageiros. Santos

EFS

Final de linha, área portuária, armazéns

118

São Vicente

EFS

Final de linha, área portuária, armazéns

80

Casa Branca

CM

Armazéns

76

Uberaba

CM

Final de linha, armazéns e escritórios

93

Altinópolis

SPM

Armazéns

45

São José do

EFA

Armazéns e pátio de manobras

40

EFA

Armazéns

47

Rio Preto Votuporanga

103

Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Fonte: FEPASA/SA ( 1986).

Pudemos observar, ao longo de nossa análise, que em muitos casos as Companhias Ferroviárias empreendiam casas em cidades vizinhas, fazendo com que os funcionários se deslocassem pela linha para ir trabalhar na outra cidade. Nesses casos, a subsistência da Vila, devido à sua distância da cidade, só era possível através da ferrovia. Assim, é possível estabelecer-se uma analogia à situação que ocorria, tradicionalmente, com as Vilas Operárias, as quais, por esse motivo, deveriam ser construídas próximas das linhas férreas. Essa vizinhança era a única forma possível de viabilizar o custo da terra e amenizar o investimento na construção das casas, garantindo assim que a remuneração do capital investido ocorresse o mais rápido possível. Em muitos casos, as Empresas Ferroviárias concentravam parte das casas próximas à esplanada da estação (geralmente do lado oposto ao acesso desta), em área central; e concentrava as instalações como armazéns, oficinas, rotundas e chaves ao longo das linhas. Desta forma, garantiam uma separação entre os serviços ferroviários dos barracões, o transporte de mercadorias dos trens de passageiros e suas estações. As estações das Companhias Ferroviárias geralmente inovavam arquitetonicamente as cidades, contribuindo para nosso desenvolvimento artístico e cultural. A cidade mudava de cena, a concentração urbana se deslocando da praça da Igreja para a esplanada da estação, conforme relata Ghirardello: “o largo junto à capela das cidades do século XIX, será substituído pela área descampada fronteiriça à estação, a ‘Praça da Estação’ ou ‘Largo da Estação’” (GUIRARDELLO, 2002, p. 173). Os núcleos ferroviários representam a maioria dos investimentos em habitação. Em 50 cidades consideradas núcleos ferroviários, as Companhias construíram cerca de 60% das casas do município; ao passo que nos outros 162 municípios onde a ferrovia edificou, localizam-se os 40% restantes. A forma como as ferrovias pensavam em investir seu capital em habitação torna claro que, além da necessidade de moradia, contavam, de forma significativa, os aspectos da funcionalidade de tais empreendimentos. A seguir, abordaremos, em nosso estudo, a Vila de Paranapiacaba. Construída pela São Paulo Railway, destaca-se entre as demais Vilas empreendidas pelas Companhias Férreas como modelo ímpar, com características peculiares da arquitetura inglesa.. Destacaremos, ainda, as Vilas mais significativas do estado realizadas pelas cinco maiores Companhias, escolhidas de acordo com sua importância no complexo ferroviário. São elas: Vila de

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Mairinque, Vilas da cidade de Campinas e as tipologias encontradas em São Paulo e Carapicuíba, (prédios de apartamentos construídos para abrigar os funcionários). Ainda outras Vilas foram abordadas devido à sua importância e à disponibilidade de documentação iconográfica. Esse último, aliás, constitui-se um fator decisivo para a escolha das Vilas que a pesquisa compreenderia devido ao fato que, atualmente, grande parte do material relativo a tais empreendimentos já se perdeu. Dessa forma, apresentaremos o material levantado e por intermédio dele nos aprofundaremos nos aspectos arquitetônicos desses empreendimentos.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

2.1 – Paranapiacaba: uma Company Town brasileira Um dos exemplos significativos de Núcleo Ferroviário brasileiro, a Vila criada em Paranapiacaba pela São Paulo Railway Company foi, de acordo com Minami (1994), uma Company Town. A Vila resultou da necessidade de fixação dos trabalhadores ferroviários na estação de Alto da Serra. Para a execução da estrada que ligaria Santos a Jundiaí, foi necessária a construção de acampamentos provisórios para alojar os trabalhadores que fariam a preparação do leito e a implantação da linha férrea. Segundo os relatórios dos Engenheiros Fiscais

do

Governo,

milhares

de

homens

trabalharam na construção da São Paulo Railway Company. Em 1860, eram 1050; em 1862, somavam 2400, e em maio de 1865 o número médio de trabalhadores chegava a um total de 2363, distribuídos em três sessões diárias. Figura 3.7. Acampamento provisório implantado no Alto da Serra. (Jornal o Ferroviário, 1956).

Devido

à

complexidade

do

trabalho,

requeria-se um número grande de profissionais qualificados, o que justificava a presença de

diversos imigrantes no canteiro de obras. Devido a inúmeras dificuldades, somente em 1864 foi inaugurado o primeiro plano inclinado, e em 1867 toda a linha, ligando o porto de Santos a Jundiaí (MINAMI, 1994, p. 139). Após o término das obras, grande parte dos operários foi dispensada, ficando apenas os que fariam a manutenção do maquinário e a conservação das linhas de tráfego. O local onde a empresa instalou a maior parte de seus funcionários e os escritórios de apoio, no trecho de descida da serra, ficou conhecida

Figura 3.8. Obras de Arte. (Jornal o Ferroviário, 1956).

como Alto da Serra. Inicialmente, a Vila era um acampamento rudimentar, com as mesmas construções de pau-apique que alojaram os trabalhadores na época de construção da estrada-de-ferro. Devido à importância do acampamento e sua localização estratégica para o transporte ferroviário - no último ponto antes da descida da Serra do Mar -, de um pequeno acampamento o núcleo passou a agrupar

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

oficinas, barracões, depósitos e os principais funcionários para a manutenção da linha férrea. Em 1867, o primeiro sistema funicular já estava em operação. Com quatro patamares no caminho que levava do litoral ao Alto da Serra, cada um deles encontrava-se disposto de forma a garantir o transporte das composições ferroviárias até o próximo patamar. Esse sistema prevaleceu até 1901, quando foi substituído por um mais moderno. Ambos, no Figura 3.9. Patamares de onde localizava-se os sistemas funiculares. (Foto, 1998).

entanto,

possuíam

um

“avançado”

sistema de tração por cabos de aço que persistiu até 1974, quando foi trocado pelo sistema de tração mista, denominado “cremalheira-aderência”, utilizado até hoje. Esses sistemas de tração por cabo de aço, chamados de “funiculares”, necessitavam de um grande número de funcionários para a manutenção de suas máquinas, que consistiam em cabos de aço “sem-fim” tracionados por máquinas subterrâneas fixas, que possuíam grande força e ficavam em cada um dos patamares (os cabos eram fixados

em

pequenas

locomotivas que seguiam à frente das composições e

eram

chamadas

“loco-breques”).

Os

Figura 3.10 e 3.11. máquinas que tracionavam o sistema funicular baseado em cabos de aço sem fim. (Foto, 1998 e Jornal o Ferroviário, 1956).

de “loco-breques”

subiam

e

desciam

simultaneamente a serra um em cada ponta dos cabos de aço; uma agulha ou odômetro indicava o local correto de cada trem e onde os dois iriam se cruzar. O núcleo do Alto da Serra acabou ficando conhecido por Vila de Paranapiacaba (“lugar de onde se vê o mar” ou “miramar”), nome Figura 3.12. “loco-breques”, locomotivas que tracionavam as composições no sistema funicular. (Jornal o Ferroviário, 1956).

que, segundo relatos levantados por Minami (1994), já era usado pelos povos indígenas que ali habitavam, para denominar a Serra de Cubatão.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Considerando-se a distribuição das residências e a relação entre as casas e a estrada-de-ferro, podemos distinguir três fases distintas na ocupação de Paranapiacaba, todas elas sob forte influência da ferrovia Para melhor entendermos como se deu o

2

processo de ocupação da Vila de Paranapiacaba, separaremos o processo em três momentos distintos:

1

o primeiro, correspondente às primeiras edificações realizadas no núcleo chamado de Vila Velha (1); o segundo, resultante dos planos de ampliação da Vila devido às necessidades de se reforçar o sistema de escoamento de todo o café do estado de São Paulo,

3

quando o núcleo ficou conhecido como Vila Martin Smith (2); e a última parte da Vila (a Parte Alta (3)), que surgiu simultaneamente com as demais

Figura 3.13. Implantação da Vila de Paranapiacaba.. (FERREIRA, 1990: p03).

mas não era de propriedade da São Paulo Railway Company. A primeira dessas fases de ocupação deu-se entre 1860 e 62, quando o núcleo foi chamado de Vila Velha. Segundo Ferreira (1990), nesse local, onde estão localizados os antigos depósitos da empresa, as casas foram construídas desordenadamente, sem a implantação de um modelo de arruamento, existindo apenas um eixo de acesso entre as moradias e os locais de trabalho. Figura 3.14. Antigo hospita,l Vila Velha. (Foto, 1998 e Jornal o Ferroviário, 1956).

proximidade

entre

Basicamente, as tipologias das casas da Vila Velha não possuíam recuo frontal; as ruas eram de terra batida sem calçadas; a as

moradias era significativa tanto que os fundos dos lotes de algumas residências dão para

as

oficinas.

Nessa

primeira fase de implantação da Vila, as construções eram predominantemente de madeira,

Figura 3.15 e 3.16. Casas que foram construídas na “Vila Velha” sem o recuo que passou a ser usado nas tipologias

adotadas na Vila Martin

Smith. (Jornal o Ferroviário, 1956 e Foto, 1998).

108 Figura 3.1.11 e 3.1.12 Fotos das casas que foram construídas

Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

geminadas em blocos e havia o alojamento formado por quartos coletivos onde eram abrigados os trabalhadores solteiros. Nesse período, o desenvolvimento da Vila ficou restrito à rua principal, próxima à estação (MINAMI, 1994, p. 148). A implantação do segundo sistema funicular veio a modernizar a ferrovia. Essa modernização tornou-se necessária devido à crescente demanda de produtos que trafegavam no trecho da São Paulo Railway, único acesso ferroviário até o litoral. Por essas linhas, portanto, era escoada toda a produção Figura 3.17. Tipologia de um dormitório para solteiros, Vila Martin Smith. (Foto, 1998).

agrário-exportadora do estado de São Paulo até a década de 30 (quando perdeu seu monopólio, com a construção da estrada de ferro de Mairinque a Santos).

A inauguração do novo sistema abriu possibilidades para a Vila de Paranapiacaba e, por volta de 1901, a empresa inglesa viu-se diante da necessidade de realizar investimentos naquele povoado. O projeto para nova Vila, diferente do anterior, foi planejado minuciosamente pela Companhia Inglesa. Baseada em aspectos racionalistas e higienistas, a Vila Martin Smith provavelmente

foi

uma

das

percussoras dos Núcleos ris no Brasil. Entre então

os

realizados,

investimentos estava

a

construção de uma estação de passageiros, que vinha a substituir Figura 3.18 e 3. 19. Tipologia geminada de dois dormitórios, Vila

as estações provisórias que foram

Martin Smith. (Foto, 1998).

implantadas na inauguração da linha e que não condiziam mais

com as necessidades do local, devido ao aumento do número de passageiros e de carga. Tudo no vilarejo girava em função dos trens e a nova estação, de uma arquitetura requintada, na qual a torre e o relógio marcavam a paisagem de Paranapiacaba. Como um ponto de referência, o relógio marcava os horários que deveriam ser seguidos rigidamente pelos ferroviários.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.20 e 3.21.

Vila de Paranapiacaba, esplanada da Estação e Torre do relógio. (Jornal o

Ferroviário, 1956).

As casas construídas na Vila Nova possuíam características bem distintas das usadas no processo de colonização das cidades brasileiras. Eram todas de madeira em pinho de riga, dispostas em blocos de duas, três, quatro e seis residências; possuíam recuo frontal e varanda voltada para rua. Nos fundos, uma rua de pedestres funcionava como viela sanitária, na qual se localizavam os banheiros das casas.

Figura 3.22 e 3.23. Tipologia três dormitórios, isolada no lote reservada para funcionários com cargos de chefia ou serviços vitais para ferrovia, Vila Martin Smith.

Figura 3.24. Tipologia três dormitórios, em primeiro plano placa de sinalização das ruas, Vila Martin Smith. (Jornal o Ferroviário, 1956).

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

A implantação da Vila se caracterizava pelo processo de organização e hierarquização do espaço. As moradias foram dispostas hierarquicamente no terreno garantindo, desta forma, a realização das intenções de dominação e intimidação da empresa. Figura 3.25. Viela sanitária uma das características higienistas encontradas na Vila Martin Smith. (Foto, 1998).

A implantação da Vila Martin Smith deu-se segundo os moldes de desenvolvimento dos Núcleos Industriais. De acordo com essa

proposta, a disposição das casas foi realizada em quarteirões organizados em uma malha xadrez. Dessa forma, com ruas nomeadas e de fácil visualização, assegurava-se que funcionários necessários para suprir necessidades imediatas da Companhia teriam rápida localização. Indo

Figura 3.26. Ao fundo casa do Eng. e logo a

além, essa disposição das casas, como nos relata

frente Alojamento Vila Velha. (Foto, 1998).

Ferreira (1990), proporcionava a possibilidade do controle sobre a vida do operário, mesmo quando ele não estivesse a serviço:

Esse espaço acontece de forma que o seu produto é o quadriculamento do espaço, ou seja, geométrico, evitando efeito de repartições indecisas, do esquema de circulação confusa, a vadiagem, aglomeração, ou seja, como o indivíduo deve se comportar, andar, produzir, dentro desse espaço (FERREIRA, 1990, p. 7). Outra importante construção que se destaca na paisagem de Paranapiacaba é o “Castelinho”, como hoje é chamada a residência ocupada pelo superintendente inglês. Caracterizada por seu aspecto simbólico de liderança, da casa visualiza-se todo o núcleo urbano, dos pátios da estação até as casas dos operários, e atrai as atenções de qualquer ponto, por situar-se no local mais elevado entre as Vilas.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.27. Vista do “Castelinho” localizado na cota mais alta da Vila Martin Smith. (Foto, 1998).

Figura 3.28 e 3.29. Fogão e da Lareira do “Castelinho”. (Jornal o Ferroviário, 1956).

De acordo com o filósofo Foucault,

O aparelho disciplinar perfeito capacitaria um único olhar tudo ver permanentemente. Um ponto central seria ao mesmo tempo fonte de luz que iluminasse todas as coisas, e lugar de convergência para tudo o que se deve ser sabido: olho perfeito a que nada escapa e centro em direção ao qual todos os olhares convergem (FOUCAULT, 1997, p. 146). A idéia do panóptico, que Benthan criou na idealização de um presídio, faz-se também presente no desenvolvimento de alguns modelos de Núcleos Fabris. Segundo essa idéia, os habitantes devem a todo instante parecer estarem sendo vigiados, sob os olhos de um superintendente que não é visto.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Alguns moradores dessa época relataram que os ingleses tratavam até mesmo das roseiras na frente de cada casa, bem como da manutenção das habitações, sujeitando os moradores a uma constante inspeção e invasão de privacidade. O pagamento era feito em latas numeradas para cada funcionário,

Figura 3.30. Vista do “Castelinho” para o mercado onde era

e vinha com recompensas ou descontos

comercializado

devido às suas preocupações e zelo

hortifrutigranjeiros. (Foto, 1998).

os

produtos

perecíveis

como

para com o maquinário da empresa. Podemos identificar ainda, nessa segunda fase de expansão da Vila, diversas preocupações urbanísticas, de caráter higienista, sanitarista e controlador, encontradas em alguns Núcleos Fabris, como: recuos laterais e frontais nas casas, quarteirões servidos por vielas sanitárias, construções respeitando a topografia, conforme a altitude e de acordo com o grau hierárquico dos funcionários, galerias pluviais e de esgoto, espaços reservados para atividades de lazer, bem como equipamentos sociais e educacionais e sistemas de comunicação visual. Figura 3.31. Lata utilizada para efetuar

o

pagamento

dos

Nesta mesma época, na Vila de Paranapiacaba foram

funcionários da São Paulo Railway.

inaugurados o mercado, onde eram vendidas frutas, legumes e

(Jornal o Ferroviário, 1956).

funcionava um açougue; a escola (em 1911); o hospital e o Lira Serrano, um dos primeiros clubes de futebol do estado.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.32 e 3.33. Clube Lira Serrano na Vila Martin Smith. (Foto, 1998).

Figura 3.34. Vista geral de uma rua da Vila

Figura 3.35. Coperativa que funcionava como

Martin Smith, ao fundo o clube Lira Serrano.

posto de abastecimento de suprimentos da Vila

(Foto, 1998).

Martin Smith. (Foto, 1998).

Figura 3.36. Delegacia em ruínas na Vila

Figura 3.37. Posto Médico na Vila Martin

Martin Smith. (Foto, 1998).

Smith. (Foto, 1998).

T anto as

casa s da Vila

Velha como da Martin Smith eram de propriedade da companhia inglesa, cedidas aos funcionários por valores irrisórios. Ao se aposentarem, os moradores eram obrigados a deixá-las.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Talvez seja esse um dos motivos que levaram à ocupação da chamada “Parte Alta”, cujos moradores constituíram-se na maioria por aposentados da São Paulo Railway. De acordo com relatos resgatados por Minami (1994), já em 1890 havia moradores naquela área, além de uma igreja e um cemitério. Não fazendo parte do patrimônio da empresa, mas do município de Santo André, a única comunicação entre esse local e as Vilas Velha e Martin Smith é

Figura 3.38 e 3.39. Vista da passarela metálica interligando a Vila Martin Smith com a Parte Alta da Vila de Paranapiacaba.(Foto, 1998).

uma passarela de estrutura metálica que segmenta a cidade, passando sobre o pátio de manobras. O vilarejo logo se destacou pela quantidade de comércio que ali se estabeleceu. Longe dos olhares dos ingleses, a Parte Alta praticamente abasteceu a Vila de Paranapiacaba por um bom tempo. Mesmo não sendo a Vila de Paranapiacaba pertencente à FEPASA, cujas Vilas paulistas constituem-se nosso objeto de estudo, não poderia deixar de ser analisada em nosso trabalho por tratarse de um modelo ímpar de Vila Ferroviária brasileira. Apresentando semelhanças muito intensas com os Núcleos Fabris, todo seu plano urbanístico reflete as relações entre patrão-empregado; suas formas de controle do espaço privado se repetirão em outros modelos, assim como as associações beneficentes,

os

clubes

de

esportes,

todos

controlados pela empresa, visando vigiar até mesmo os momentos privados do trabalhador. Nesse sentido, é interessante a contraposição existente entre a Vila Inglesa e a chamada Parte

Figura 3.40. Vista dos prédios comercias onde se concentra grande parte dos Estabelecimentos que vendiam bebida alcoólica na Parte Alta da

Alta. Ligadas por uma única passarela, esta última

115

Vila de Paranapiacaba.(Foto, 1998).

Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

representa “a cidade informal”, o refúgio do trabalhador longe dos olhos de seu patrão. Na Parte Alta os trabalhadores encontravam espaço para exercer sua “liberdade”, e era para lá que iam quando seus serviços não mais eram necessários à empresa.

Figura 3.41. Vista Parte Alta Paranapiacaba. .(Arquivo Municipal da Prefeitura de Santo André, 1998).

Figura 3.42. Vista Parte Alta Paranapiacaba. (Arquivo Municipal da Prefeitura de Santo André, 1998).

Figura 3.43. Vista geral Vila MartinSmith e Vila Velha de Paranapiacaba. (Arquivo Municipal da Prefeitura de Santo André, 1998).

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

2.2 - Vilas Ferroviárias da Companhia Sorocabana A Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) construiu um total de 2.704 casas e 45 apartamentos, que se espalharam por toda a extensão da ferrovia. Segundo Monteiro Filho (1955), o principal traçado da empresa era:

Estrada de Ferro Sorocabana, com 2194 quilômetros, bitola de 1,00m; as principais linhas: São Paulo – Presidente Epitácio (via Botucatu), 890 quilômetros; Mairinque (ou Mayrink) – Santos (km. 221); Mairinque-Pádua Sales (km 277,0); ramal de Itararé (km. 408,0); ramal de Bauru (de Toledo a Bauru, km. 296); Tamanduateí-Cantareira (ex-Tramway da Cantareira, bitola mista 0,60 e 1,00), com 17 quilômetros e ramal de Guarulhos, idem, com 20 quilômetros e outros ramais. Tramway Cantareira, com 43 quilômetros, na cidade de São Paulo, hoje incorporada à E.F. Sorocabana (MONTEIRO FILHO, 1955, p. 256). A Sorocabana foi a empresa que, entre as estudadas, empreendeu o maior número de casas, destacando-se pela diversidade e quantidade de núcleos espalhados por toda a extensão da linha. O fato de a Sorocabana ter realizado o maior número de investimentos habitacionais pode ser explicado por vários fatores: - o maior número de funcionários e a maior extensão das linhas da Sorocabana influenciaram tais empreendimentos; - ao romper com a hegemonia do tráfego até o porto de Santos, a empresa criou uma rota alternativa para as exportações através da cidade de Mairinque; - de bitola estreita, a Cia Sorocabana mantinha acesso a várias companhias de penetração do estado, como a Noroeste do Brasil, que também possuía bitola de 1,00m; - diferente de outras estradas - como a Paulista - a Sorocabana foi encampada pelo Governo Federal já em 1919, o que pode justificar o interesse do Estado na política paternalista de concessão de moradias. Grande parte dos documentos do período em que os Núcleos da Sorocabana foram construídos se perdeu (documentos, mapas e plantas que seriam de grande valia para o estudo de parte de nossa história). Dessa forma, perdeu-se também o acesso a muitos dos motivos que levaram a esses empreendimentos. Auxiliou nesse processo de degradação dos documentos da empresa a fusão das cinco Companhias e sua unificação administrativa.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Dessa forma, por meio da reunião de vários elementos, buscaremos analisar, de forma breve, uma pequena parte dos empreendimentos realizados pela Sorocabana. As Vilas da Sorocabana em Iperó A cidade de Iperó, conhecida na data de sua fundação por Vila Santo Antônio, possuía grande influência no traçado da Estrada de Ferro Sorocabana. Localizada no entroncamento das linhas que seguiam para Bauru, Itararé e Presidente Epitácio, a trens de todas essas procedências era obrigatório passarem por Iperó para descer a serra por Mairinque. Justificou também a implantação da Vila de Santo Antônio (em 1964 passou a se denominar Município de Iperó) a proximidade da estação a três Hortos Florestais - Bela Vista e Iperó -, um no município e o outro no Km 142, na cidade vizinha de Boituva. Como afirmamos anteriormente, as Companhias com freqüência construíam seus escritórios administrativos perto de hortos. Além disso, o município fica próximo da cidade de Sorocaba, onde se localiza a sede da Companhia.

Figura 3.44. Implantação Esplanada da estação de Iperó. (Arquivo FEPASA, 1986).

Encontramos dois modelos de implantação, usados em várias cidades que possuem Vilas Ferroviárias. O primeiro e mais comum é o conjunto formado na esplanada da estação, onde se localizam as casas, implantadas linearmente ao longo dos trilhos, e voltadas para o pátio da Companhia. Em Iperó, as casas localizadas na Esplanada da Estação serviam diretamente aos empregados ligados ao setor de tráfego da ferrovia - como chefe de estação, telegrafistas, bilheteiros, conferentes, manobristas, pessoal da conservação de linha e telégrafos -, garantindo desta forma a

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

pontualidade dos serviços e o serão extra em casos de emergência. Esse tipo de implantação proporcionava também a segurança do local, ao formar uma barreira física entre a cidade e os fundos da estação, protegida do movimento das pessoas que circulavam nos portões de acesso à estação. A maioria das casas construídas na Esplanada da Estação é de alvenaria. A fim de economizar

material

empregado

racionalizar o espaço e na

construção,

são

geminadas. A Vila de Santo Antônio (como é denominada nos arquivos da E.F.S.) possui características distintas da Vila 3.45. Casa chefe de

próxima à Esplanada da Estação. Esse mesmo procedimento

estação, esplanada da estação de Iperó.

pode ser encontrado em outras cidades (como veremos no

(Arquivo FEPASA, 1986).

capítulo cinco), onde as ferrovias localizavam suas Vilas de

Figura

maior porte nas proximidades de armazéns ou oficinas, afastadas da estação, na qual circulavam os passageiros e as pequenas encomendas. O café, principal produto transportado pelas ferrovias, era embarcado a partir de armazéns dispostos estrategicamente ao longo da linha férrea. A Vila construída em Iperó, próxima aos barracões, possui as características anteriormente citadas. Constitui-se de 66 casas geminadas de 2 quartos, com área de 28,35m² cada e 4 casas com 75 m², com três quartos, que serviam aos encarregados e chefes do almoxarifado.

Figura 3.46 e 3.47. Casas da Vila Santo Antônio em Iperó. (Arquivo FEPASA, 1986).

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.48. Casa da Vila Santo Antônio em Iperó. (Arquivo FEPASA, 1986).

Figura 3.49. Plantas e Fachadas das casas da Vila Santo Antônio em Iperó. (Arquivo FEPASA, 1986).

A implantação da Vila de forma ortogonal, com lotes irregulares ao fundo, aproveita o terreno resultado dos cortes e aterros realizados na implantação da linha. O sistema viário da Vila era simplificado, constituindo-se de três ruas de menor dimensão, caracterizando a hierarquização do sistema e sua interligação.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.50. Implantação da Vila Santo Antônio em Iperó. (Arquivo FEPASA, 1986).

As casas não possuem ornamentação. As de 2 quartos têm telhados de duas águas e cumeeiras paralelas à rua, como as casas coloniais; as casas de 3 quartos já demonstram uma maior preocupação formal, com telhados de quatro águas e detalhes em argamassa na fachada, que distinguem o morador, demonstrando sua hierarquia dentro da ferrovia. Assim, o sistema de poder se refletia nas construções da empresa.

A Vila de Mairinque, o núcleo ferroviário da Sorocabana Em 1937, a Sorocabana inaugura uma das mais vultuosas obras de engenharia desde a construção da São Paulo Railway, com um sistema diferenciado para transpor a Serra do Mar. Diferente do adotado pela Estrada de Ferro Santos - Jundiaí, era formado por um conjunto de planos inclinados e cabos de aço. A opção por esse método exigiu a perfuração de 31 túneis; a linha, toda realizada em bitola estreita de 1,00m, serpenteava a Serra do Mar. A nova estrada passou a concorrer com o monopólio da Inglesa junto ao Porto de Santos; porém, somente as Companhias de bitola estreita passariam a utilizar esse trajeto, ficando a Cia Paulista, com sua bitola de 1,60m, destinada a veicular pela Inglesa devido às dificuldades de baldeação causadas pela falta de padronização das estradas de ferro (CALO, 1978, p. 57). A quebra do monopólio da Inglesa já era pretensão das Companhias Ituana e Sorocabana desde o final do século XIX. Em 1892, decidiu-se que no local conhecido como Mairinque ficaria o entroncamento entre as linhas Ituana e Sorocabana. Assim, foi adquirida pela Companhia uma área 122

Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

de 260 alqueires, a antiga fazenda Cangüera. No local foi realizado estudo para a implantação das novas oficinas de manutenção, armazéns, depósitos, moradias e uma estação (SOUKEF, 1998, p. 65). A estação deveria atender as duas Companhias simultaneamente. Para isso, o arquiteto Victor Dubugras projetou para o local o que seria um dos ícones do art nouveau: construída em 1908; era inteira em concreto armado, localizando-se entre as linhas da Sorocabana e da Ituana, com acesso subterrâneo para passageiros.

Figura 3.51. Estação de Mairinque. (Giesbrecht, 2002).

Nos relatórios da Companhia Sorocabana, descritos por Geisbrecht (2002), podemos vislumbrar a importância do núcleo implantado na Vila de Mairinque: Serviços Feitos na Estação Mairink, Entroncamento da Linha Ituana e da Nova Linha para Santos, na linha S. Paulo ao Tibagy e Itararé Projectando a Companhia vender os terrenos, que possue nas immediações desta estação para formar ahi uma povoação, foi levantado o terreno numa área de 125 hectares ou cerca de 52 alqueires paulistas, dos quaes ficam destinados 72 hectares approximadamente para as futuras officinas centraes da Companhia, para as moradias do pessoal das mesmas e para mais necessidades futuras, sendo os restantes destinados para a futura povoação. A planta elaborada previne por ora 355 lotes, com uma área média de 800 metros quadrados (20 m de frente por 40 m de fundo), variando as áreas entre 460 m. q. e 1.400 m. q. e mais duas chacaras, com uma área total de 331.464 metros quadrados. Os 6 largos projectados, as avenidas e ruas representam uma área de 199.109 m. quadrados ou cerca de 38% da área total da povoação. O projecto teve assim em vista garantir boas condições hygienicas para a futura povoação que pela sua posição no cruzamento de linhas importantes e altitude de 870 metros sobre o mar, pelo seu clima sadio e pela faculdade de obter-se água das cabeceiras próximas do Rio Piragibú, além da facilidade de prevenir-se exgotos em tres

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

direcções, poderá tornar-se no futuro um ponto importante (GEISBRECHT, 2002). A empresa implantou também um de seus Hortos em área próxima da Vila. Apesar de a interligação da cidade ao Porto de Santos só ter ocorrido em 1937 a Vila, até aquele período, desenvolveu-se exclusivamente em função da ferrovia, empregando diversos trabalhadores em suas oficinas.

Figura 3.52 e 3.53. Fotos aéreas de Mairinque. (Arquivo FEPASA, 1971).

A Vila de Mairinque possui uma implantação ímpar de uma cidade ferroviária. Os trilhos dividem a cidade ao meio com certa simetria; as ruas possuem forma orgânica, lembrando os traçados desenvolvidos nos bairros jardins americanos, a hierarquização das ruas cria vias coletoras que convergem para a estação ferroviária e a cruzam por uma passagem em nível que interliga a cidade.

Figura 3.54. Armazém regulador da Sorocabana em Mairinque. (Arquivo FEPASA, 1961).

A presença da ferrovia é, portanto, marcante no espaço urbano. O traçado ferroviário envolve toda a cidade, na qual se destacam as construções ferroviárias, em tijolo à vista, com

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AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

detalhes em argamassa demarcando a estrutura e as cintas de amarração da edificação, com um desenho limpo e claro característico no movimento art déco. A maioria das casas construídas para os funcionários da Sorocabana em Mairinque localizase no alinhamento predial, ocupando três quadras na frente da estação. Além desses módulos, encontramos algumas residências dispostas ao longo do traçado ferroviário, que abrigam as turmas de manutenção de linha. Em outra quadra, próxima aos escritórios da Companhia, encontramos quatro residências de área superior a 300m², que deveriam alojar os engenheiros da empresa. A algumas quadras dali há outro conjunto, formado por residências menores, com áreas em torno de 200 m², isoladas no lote, que caracterizam, como em Paranapiacaba, a hierarquia imposta na construção das casas de seus funcionários.

Figura 3.55, 3.56, 3.57 e 3.58. Casas localizadas em a frente da estação de Mairinque. (Arquivo FEPASA, 1986).

As casas dos funcionários em frente à estação são todas geminadas, obedecendo a duas tipologias básicas. Uma delas é formada por casas em renque, com pouca ornamentação, de um e dois dormitórios; a outra, casas com platibanda com detalhes em argamassa, lembrando o desenho característico do art déco, como é possível visualizar nas fotos acima.

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AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.59. Foto aérea da cidade de Mairinque. (Arquivo FEPASA, 1971).

Figura 3.60 e 3.61. Loteamento Fazenda Mairinque. (Arquivo FEPASA, 1960).

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AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.62, 3.63, 3.64 e 3.65. Casas localizadas em a frente da estação de Mairinque. (Arquivo FEPASA, 1986).

As casas de linha seguem um padrão estabelecido pela Sorocabana, utilizado também em diversas cidades no interior paulista. Trata-se de habitações de um ou dois dormitórios, agrupadas horizontalmente a cada três, com características peculiares que mesclam a simplicidade do uso do tijolo aparente com os detalhes em argamassa. Estes possuem função estética, dando acabamento às juntas de amarração que correm sobre as portas e janelas (como se pode observar nas fotos abaixo).

Figura 3.65, 3.66 e 3.67. Casas de linha em Mairinque. (Arquivo FEPASA, 1986).

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AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Casas da Sorocabana em Botucatu A estação de Botucatu funcionou muito tempo como ponto final de linha. Construída em 1889, passou por três modificações: em 1922 foi construído um novo prédio, que em 1934 cedeu lugar para a nova estação reformada em 1934 onde localiza-se o prédio atual de arquitetura eclética destaca-se por seu frontão de pé direito duplo marcando o acesso para plataforma de embarque por duas torres que apóiam a marquise.

Figura 3.68 e 3.69. Estação de Botucatu em 1906 e segunda estação em 1922. (Giesbrecht, 2002).

Figura 3.70. Estação de Botucatu em 1934. (Giesbrecht, 2002).

Como a estação era ponto final de linha, a Companhia foi levada a realizar alguns investimentos na cidade, a fim de fixar seus trabalhadores próximos ao local de trabalho. Desta forma, destacam-se o prédio construído na esplanada de Botucatu, juntamente com a casa do chefe da estação. Esta última, de características particulares, era uma das quatro casas do conjunto construídas isoladas no lote, com o telhado de várias águas e alpendre, destacando-se do bloco contínuo de 14 casas geminadas, de extrema simplicidade, com aberturas e portas modestas como as das casas coloniais.

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Figura 3.71. Casa do chefe de estação de Botucatu. (Arquivo FEPASA, 1986).

A casa geminada possui algumas características semelhantes às construções edificadas em São Paulo no período denominado “rentista”. Como nas casas de aluguel, notamos a existência de uma preocupação na economia de material, com a utilização de paredes comuns e o aproveitamento da testada do lote, deixando apenas um corredor lateral no fundo para garantir a circulação e a destinação dos resíduos, concentrando toda área molhada da construção. Como nas casas construídas em Iperó, o bloco de casas geminadas, assim como as casas destinadas à chefia, possuem suas frentes voltadas para a plataforma de embarque da estação. Impedindo o acesso àquele local, protegia os fundos da estação, que se comunicava com a cidade por meio apenas do fundo dos lotes das casas. Assim, o acesso ao terminal ferroviário ficava limitado ao pórtico da estação.

Figura 3.72 e 3.73 Casas de Funcionários da Sorocabana em Botucatu. (Arquivo FEPASA, 1986).

Figura 3.74 Foto aérea da estação e esplanada de Botucatu. (Arquivo FEPASA, 1971).

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Figura 3.75 Implantação das casas de Funcionários da Sorocabana em Botucatu. (Arquivo FEPASA, 1978).

Com a extensão das linhas partindo de Botucatu e alcançando Presidente Epitácio e Bauru, a Sorocabana construiu na cidade algumas de suas oficinas. Não foi possível levantar, nos arquivos da FEPASA, dados sobre a implantação dos conjuntos. Pudemos ter acesso apenas a dados que comprovam a construção de 128 residências no município, a maioria em alvenaria, e área variando de 60,00 a 100,00m². Por meio das fotos abaixo observa-se a utilização de uma tipologia com linhas modernistas, cuja principal característica é a simplicidade do desenho e a substituição do telhado pela laje inclinada, modelo que será adotado pela Sorocabana também em outras cidades.

Figura 3.76. Foto casa modernista de Botucatu. (Arquivo FEPASA, 1986).

Outras tipologias foram encontradas também no município, como podemos observar nas fotos abaixo.

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Figura 3.77 e 3.78 Outras casas em Botucatu. (Arquivo FEPASA, 1986).

A Vila de Sambaiatuba em São Vicente A Sorocabana adquiriu, em 1927, a antiga estação construída pela São Paulo Sourthern Railway em São Vicente, incorporando-a ao ramal Mairinque – Santos. Apesar de esse trecho ter sido inaugurado em 1937, em 1930 já havia transporte de mercadorias entre São Vicente a Samaritá, em Santos.

Figura 3.79. Implantação da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. (Arquivo FEPASA, 1975).

A nova linha quebrou o monopólio da São Paulo Railway. Devido ao crescente volume de mercadorias que desciam a Serra do Mar, a Sorocabana construiu, nas proximidades da antiga

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estação, uma Vila Ferroviária, com 216 residências, clube com quadra de malha, bocha, campo de futebol e armazém; o local foi denominado Vila de Sambaiatuba. Junto à Vila, a empresa possuía uma serraria, almoxarifado, depósitos e o pátio da estação.

Figura 3.80. Foto aérea da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. (Arquivo FEPASA, 1971).

Sambaiatuba possui características semelhantes a algumas Vilas Operárias que surgiram no final do século XIX, com equipamentos coletivos que buscavam suprir a subsistência dos moradores - como o armazém, existente também em várias Vilas Ferroviárias. Outro dado relevante é a preocupação da empresa com as atividades esportivas - também presente em outras Vilas Ferroviárias abordadas neste trabalho, por meio de campos de futebol e sedes de clubes, que direcionavam o lazer dos empregados das Companhias nas horas de folga. A implantação da Vila foi realizada a Oeste da estação, isolando-se do acesso principal. Entre a cidade e o pátio ferroviário, que fica do lado oposto da linha, o traçado adotado pela empresa centraliza as ruas principais para a sede do clube, dando importância ao complexo esportivo. O grande complexo industrial que se destaca ao fundo da Vila é a fábrica da Vidrobrás, que recebia areia transportada pela Sorocabana. Todas as casas construídas pela empresa em Sambaiatuba são geminadas e possuem dois dormitórios, mas duas tipologias distintas. Uma delas tem área de 45,61m² e a outra, 67,75m², totalizando 54 unidades no conjunto. Ambas não possuem recuo frontal e sua locação em relação ao lote busca racionalizar o aproveitamento da área; a parte hidráulica das casas está agrupada e localiza-se próxima do corredor lateral, facilitando a saída do esgoto.

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Figura 3.81. Plantas da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. (Arquivo FEPASA, 1971).

Como afirmamos anteriormente, a tipologia adotada pela Sorocabana na Vila de Sambaiatuba acabou por ser adotada também em diversas outras cidades.

Figura 3.82, 3.83 e 3.84. Casas da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. (Arquivo FEPASA, 1986).

Observamos ainda o uso da madeira, nas proximidades do litoral. Em São Vicente foram construídas 33 casas com esse material, que possui boa durabilidade em áreas sujeitas a intempéries marítimas.

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Figura 3.85 e 3.86. Casas de madeira em São Vicente. (Arquivo FEPASA, 1986).

Outras tipologias foram adotadas também na linha de São Vicente a Samaritá, como a que observamos abaixo:

Figura 3.87, 3.88, 3.89 e 3.90. Outras tipologias encontradas em São Vicente. (Arquivo FEPASA, 1986).

Figura 3.91 Foto aérea da esplanada de estação de São Vicente. (Arquivo FEPASA, 1971).

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Os empreendimentos da Sorocabana na área portuária de Santos Com a construção do ramal de Mairinque a Santos, ocorreu uma grande concentração de trabalhadores na área portuária desta última cidade. A fim de alocar seus funcionários, a Sorocabana empreendeu quatro sobrados geminados na Av. Senador Dantas, no Bairro do Macuco, nos fundos dos depósitos da empresa. Os sobrados possuíam área de 103, 26m² e mais edícula que variava de 15 a 90m². Como se pode observar pelas fotos, as residências apresentavam características arquitetônicas específicas. A ornamentação com elementos clássicos, ao estilo eclético, com frontões, caracteriza o conjunto como uma obra com apelo formal, diferenciando-os na paisagem

Figura 3.92. Planta de regularização dos Sobrados da Sorocabana em santos. (Arquivo FEPASA, 1971).

Figura 3.93 e 3.94. Sobrados da Sorocabana em santos. (Arquivo FEPASA, 1986).

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Na rua perpendicular à Av. Senador Dantas, nos fundos dos lotes das residências acima descritas, encontram-se outros sobrados, distribuídos em cinco blocos de seis unidades em renque, com acesso por travessas internas. Esses imóveis são um pouco menores, possuindo área de 74,10m², e não apresentam o rebuscamento formal daquele primeiro bloco.

Figura 3.95. Planta de regularização dos Sobrado de 74m² da Sorocabana em santos. (Arquivo FEPASA, 1971).

Figura 3.96, 3.97 e 3.98. Sobrados da Sorocabana em santos. (Arquivo FEPASA, 1986).

Como podemos visualizar na implantação do conjunto, o primeiro bloco possui a fachada voltada para o pátio de manobras da Companhia, fato que pode justificar-se pela política adotada

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pelas Companhias Ferroviárias descrita por Segnini e Ferreira em relação à Vila de Paranapiacaba. Dessa forma, o trabalhador pode ser observado a todo o momento por seus superiores; a localização estratégica do prédio e a hierarquização das construções confirmam, a todo instante, o sistema administrativo adotado pelas Companhias Ferroviárias.

Figura 3.99 e 3.100. Foto aérea do Porto de Santos, detalhe dos sobrados da Sorocabana. (Arquivo FEPASA, 1971).

A solução adotada em Santos foi utilizada pela Companhia Paulista ainda em outras cidades, como Araraquara, mantendo-se duas Vilas no município: uma na cidade e outra em Rincão. A iniciativa de concentrar menos funcionários em um mesmo empreendimento viabilizou-se devido às facilidades do transporte ferroviário, por meio do qual os trabalhadores se deslocavam de Rincão para Araraquara - como no caso da Vila Sambaiatuba, em São Vicente, cujos moradores se dirigiam à área portuária de Santos.

Figura 3.101 e 3.10. Outras tipologias adotadas pela sorocabana em Santos. (Arquivo FEPASA, 1986).

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A verticalização como uma das soluções adotadas pela Sorocabana em São Paulo

A cidade de São Paulo é marcada atualmente pela presença de duas das maiores obras da arquitetura ferroviária do país: a Estação da Luz, construída em 1901 pela São Paulo Railway e a estação Júlio Prestes, construída em 1930 pelo escritório técnico de Samuel e Cristiano das Neves, com projeto premiado em 1927 no III Congresso Pan-Americano de Arquitetos de Buenos Aires.

Figura 3.103 e 3.104. Estação de Luz. (Kühl, 1998: p122).

Figura 3.105. Torre estação Júlio Prestes (MASSARANI, 1990) Figura e 3.106. Projeto para a estação Júlio Prestes_Samuel e Cristinao Neves. (Kühl, 1998: p.127 ).

A beleza de tais edifícios e seus aspectos monumentais demonstra a importância das ferrovias na época. A Sorocaba mantinha parte de seu pessoal em São Paulo. O novo prédio da Estação Júlio Prestes abrigava parte dos escritórios e das seções administrativas da empresa e concentrava os passageiros que circulavam do interior com destino à Capital. Outras estações, como a Barra Funda e a de Osasco (pertencente ao município até 1961), possuíam características de transporte de carga, concentrando ao seu redor barracões e depósitos da empresa e transportando muitos produtos 138

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manufaturados que saíam da capital com destino ao interior. Essa característica deve-se, principalmente, ao fato de tratarem-se de estações de bairros periféricos, onde se localizavam as fábricas. Devido às dificuldades para aquisição de lotes no município, a Sorocabana adotou tipologias construtivas de mais de dois pavimentos só encontradas em Carapicuíba e na Capital. Construiu-se, nas proximidades da Barra Funda, um prédio de quatro pavimentos, com dois apartamentos por andar, três dormitórios e 105m² de área.

Figura e 3.107. Prédio de Apartamentos de três dormitórios (Arquivo FEPASA, 1986).

Figura e 3.108. Prédio de Apartamentos de três dormitórios (Arquivo FEPASA, 1970).

Para esse mesmo local, a Sorocabana realizou ainda o projeto de um edifício – que não foi construído - com de apartamentos para pernoite. Possuiria 8 quartos e 4 banheiros que se destinariam a abrigar os funcionários que trabalhavam em turnos que se prolongavam pela madrugada. Os edifícios de pernoite faziam parte do cotidiano do trabalho ferroviário.

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Figura e 3.109. Projeto de Prédio para Pernoite (Arquivo FEPASA, 1970).

Outra tipologia adotada no município de São Paulo foi a de prédios de três pavimentos, com área de 121,33m² e três quartos. No levantamento da FEPASA de 1986 constam 18 apartamentos dessa tipologia

Figura e 3.110 e 3.111. Tipologia de três pavimentos adotada pela Sorocabana em São Paulo. (Arquivo FEPASA, 1970).

Além desses exemplos, nos quais a Sorocabana, buscando otimizar o preço do lote, adotou tipologias com até três pavimentos, encontramos um conjunto de 30 casas realizadas em alvenaria e telha de fibrocimento, com desenho com fortes linhas modernistas, que demarcam a pouca inclinação do telhado e os vãos das aberturas com maiores dimensões do que os padrões adotados pelas Companhias.

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Figura e 3.112, 3.113, 3.114 e 3.115. Casas com influências modernistas em São Paulo (Arquivo FEPASA, 1986).

Devido à grande concentração de trabalhadores ferroviários em São Paulo, existem também outras tipologias, as quais não descreveremos por repetiram as de outros municípios. Entre elas, podemos citar tipologia semelhante à adotada nos sobrados de Santos, casas de turma agrupadas e modelos em madeira (estes localizados em regiões afastadas da área urbana).

Figura e 3.116, 3.117, 3.118, 3.119, 3.120 e 3.121. Outras tipologias adotadas pela Sorocabana em São Paulo. (Arquivo FEPASA, 1986).

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Figura e 3.122 e 3.123. Tipologias da Sorocabana na Vila Leonor em Osasco. (Arquivo FEPASA, 1986).

Figura e 3.124. Foto aérea Vila Leonor em Osasco. (Arquivo FEPASA, 1986).

Figura e 3.125 e 3.126. Sobrados da Sorocabana em Osasco. (Arquivo FEPASA, 1986).

Figura e 3.127. Foto aérea Sobrados da Sorocabana em Osasco. (Arquivo FEPASA, 1986).

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As Vilas da Sorocabana em Carapicuíba A primeira estação da Sorocabana em Carapicuíba foi construída em 1921, mas funcionava como posto telegráfico do Km 23 - apenas a partir de 1923 passou a ser conhecida como Estação de Carapicuíba. Segundo relatórios da Sorocabana, essa estação pertencia ao município de Cotia; entretanto, a Vila do povoado de Carapicuíba já tinha cerca de quatrocentos anos e ficava a 10 km da estação. Em 1927, a região onde se localizava a estação passou a ser denominada Silvânia, nome do primeiro loteamento, formado ao lado do edifício. Ao redor do novo prédio, construído naquele ano, deu-se o início de uma concentração urbana que acabou por se tornar município independente em 1964. No ano de 1979 foi inaugurada uma nova estação, que atualmente serve aos trens urbanos da CPTM. A importância de Carapicuíba esteve sempre atrelada ao transporte de passageiros e aos trens de subúrbios que atendiam a capital, no processo de industrialização da cidade de São Paulo. A Vila de Carapicuíba se destaca principalmente por ser um exemplar de construção de Vilas Operárias com prédios de apartamentos. Na bibliografia pesquisada e nos exemplares levantados na FEPASA, este foi o único caso que apresentou esta solução arquitetônica.

Figura 3.128. Ante-projeto proposto pelo Eng. Willian Finger para núcleo residencial em Carapicuíba. (Arquivo FEPASA, 1949).

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O primeiro projeto proposto para a construção de um núcleo residencial em Carapicuíba adotou um partido totalmente oposto ao que foi edificado próximo da nova estação. O primeiro anteprojeto foi realizado em maio de 1949 pelo engenheiro Willian Fillinger; o programa proposto possuía diversos equipamentos coletivos, como um grupo escolar, uma casa para diretor, um parque de recreio e um posto de saúde. Podemos perceber, na implantação dessa Vila, a forte presença da ferrovia, que divide o loteamento em toda a sua extensão, em uma de suas laterais. As áreas de lazer e recreio se encontram no centro do conjunto e percebe-se claramente a preocupação do engenheiro em hierarquizar o sistema viário, criando lotes voltadas para pequenas ruas. No local foi proposta a construção de 84 casas geminadas de um dois a três dormitórios e 128 m² a 200m². As edificações tentam ao máximo aproveitar o tamanho do lote, por meio da adoção de três tipologias distintas: uma de um quarto, outra para casas de dois dormitórios e a última para três quartos. Característica comum a todas essas casas era o aproveitamento das paredes comuns, visando a economia de material e a racionalização das áreas úmidas da construção. Os estilos adotados são os chalés de duas águas, tipologia que, segundo Saia (1995), só passou a ser executada com a ruptura do modelo colonial, no qual as casas geralmente possuíam suas cumeeiras paralelas ao passeio e as casas eram construídas lado a lado.

Figura 3.129. Plantas fachadas de um e dois dormitórios para núcleo residencial em Carapicuíba. (Arquivo FEPASA, 1949).

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Por diversos motivos, o anteprojeto proposto em 1949 não foi executado. Então, para o mesmo local foram realizados novos estudos, que partiam para solução pouco utilizada pelas Companhias Ferroviárias. Somente a Sorocabana inovou sob este aspecto, concentrando três conjuntos verticais nas proximidades da capital - dois deles, já citados, implantados na cidade de São Paulo e o terceiro em Carapicuíba. Este último, inicialmente deveria ser um conjunto de trinta e quatro blocos de apartamentos, implantados ortogonalmente em relação às linhas da Sorocabana e possuiria alguns equipamentos públicos como grupo escolar, armazém de abastecimento e farmácia. O projeto data de 1952 e foi de autoria do arquiteto João Caciola, chefe da Divisão de Arquitetura da Sorocabana. A proposta possuía características adotadas pelo movimento moderno, como a quebra da idéia de lotes e a implantação dos blocos obedecendo à melhor insolação possível, com as faces dos quartos e a sala voltadas para o sol da manhã e a presença, nos fundos da habitação, de um a área de serviço que amenizava as temperaturas da face Norte - como uma varanda que protegia a cozinha. A disposição dos prédios compreendia, entre eles, áreas livres; entre o conjunto e a Estrada de Itu havia uma passagem de nível que garantia independência à Vila, contribuindo para maior segurança dos pedestres, que podiam circular por suas vias internas.

Figura 3.130. Perspectiva Escola, núcleo residencial em Carapicuíba. (Arquivo FEPASA, 1949).

O grupo escolar possuía linhas arrojadas e modernas, com o acesso para área de recreio realizado por meio de uma rampa coberta desenhada em linhas curvas, contrastando com a

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sobriedade imposta pelo conjunto. Os pilotis do prédio, que acompanhavam a declividade do terreno, liberavam o subsolo para as atividades de lazer do Grupo Escolar.

Figura 3.31. Ante projeto escola, núcleo residencial em Carapicuíba. (Arquivo FEPASA, 1949).

Das propostas realizadas pela Divisão de Arquitetura da Companhia Sorocabana, ainda uma terceira foi edificada. Constitui-se de cinco blocos de apartamentos de três pavimentos e dois dormitórios que adotavam característica peculiar: acompanhando a declividade do terreno, permitiam a existência de um apartamento um nível abaixo da rampa de acesso. Tal solução seria adotada ainda, em menores proporções, em Pedregulho, e diminuía os gastos com um quarto pavimento.

Figura 3.132. Foto aérea edifícios implantados em Carapicuíba. (Arquivo FEPASA, 1971).

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Figura 3.133. Detalhe edifício e escola Carapicuíba. (Arquivo FEPASA, 1971).

Conforme afirmamos anteriormente, o conjunto construído em Carapicuíba às margens da linha possuía um grupo escolar e um armazém de abastecimento, além de uma passagem em nível que garante o acesso à plataforma da nova estação, construída pela FEPASA em 1979. A arquitetura do conjunto possui fortes influências do movimento moderno. Sem ornamentos na fachada, a planta disposta de forma racional privilegia a insolação do conjunto: os quartos são voltados para a face Sudoeste e a área de serviço, voltada para o Nordeste, é fechada com elementos vazados em cerâmica, criando-se um anteparo do sol e dessa forma amenizando o calor proveniente do sol da tarde; a cobertura dos blocos é feita por uma laje plana.

Figura 3.134. Implantação com 32 blocos, edifício_tipo6, Carapicuíba. (Arquivo FEPASA, 1952).

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Figura 3.135. Projeto e perspectiva edifício tipo6, Carapicuíba. (Arquivo FEPASA, 1971).

Figura 3.136. implantação com 6 blocos, edifício_tipo6. (Arquivo FEPASA, 1952).

Figura 3.137. Fachada Principal, edifício_tipo6. . (Arquivo FEPASA, 1952).

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Figura 3.138. Fachada Posterior, edifício_tipo6. (Arquivo FEPASA, 1952).

Figura 3.139. Planta Baixa, edifício_tipo6. (Arquivo FEPASA, 1952).

Figura 3.140 e 3.41. Vistas, edifício_tipo6. (Arquivo FEPASA, 1986).

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2.3 - Vilas Ferroviárias da Companhia Paulista de Estradas de Ferro A Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CP) construiu um total de 1.612 casas, as quais se espalharam pelas suas linhas e seguiram seus principais entroncamentos ferroviários. De acordo com Monteiro Filho, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, com 2072 quilômetros, sede em Jundiaí. Linhas principais: Jundiaí - Colômbia, bitola de 1,60m, com 507 quilômetros; Itirapina – Tupã (ramal de Jaú, do km 191 ao km 616,00, bitola de 1,60m até Pederneiras), Ribeirão Preto – Novo Horizonte, na bitola de 1,00m (42 quilômetros) e outros ramais de várias extensões e nas três bitolas: 1,60m, 1,00m e 0,60m. Pertencem atualmente à Cia Paulista, de que são agora meros ramais as antigas EEFF. do Dourado (que partia de Ribeirão Bonito) e de São Paulo – Goiás (partindo de Bebedouro e atingindo Nova Granada com 149km) (MONTEIRO FILHO, 1955, p. 256). A Vila construída em Jundiaí e as casas tipo padrão da Companhia Paulista

Fundada em 1651, com a construção de uma capela, o povoado de Jundiaí foi reconhecido como cidade em 1865, caracterizando-se como um dos principais entroncamentos do estado, interligando a São Paulo Railway (inaugurada em 1867) a outras Ferrovias. Por ali chegavam todas as mercadorias do interior que seguiam com destino ao porto de Santos. No princípio, o transporte dessas mercadorias era feito por tropas de mulas, mas em 1872 deu-se a inauguração do primeiro trecho de linha de estradas de ferro da Companhia Paulista, ligando as cidades de Jundiaí a Campinas. Segundo Segnini (1982), Jundiaí chegou a construir 110 residências que deviam atender aos funcionários que trabalhavam nas oficinas da Ferrovia. De acordo com o levantamento realizado na FEPASA, no entanto, na cidade constavam apenas 18 unidades empreendidas pela CP, fato que pode ser explicado pela venda de muitas das casas na década de setenta, quando se realizou a unificação das cinco Companhias estudadas. Nos arquivos do patrimônio da FEPASA não constam dados sobre a Vila em Jundiaí. Em relatos e fotos de jornais da década de 50 podemos observar a localização da estação da Paulista ao fundo da cidade. Em suas proximidades, visualizamos um bloco de casas construídas pela Paulista. Assim:

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Figura 3. 142 . Vista da Vila Arens. (Jornal O FERROVIÁRIO, 1956).

A estação ferroviária de Jundiaí, construída longe da cidade, se localizava no alto da colina, onde hoje é o centro da grande cidade vinícola industrial. Entre a cidade e a estação floresceu o bairro Vila Arens, que apresentamos nesta fotografia tirada em fins do século passado. Vila Arens é hoje parte global da rica cidade, com novos bairros florescentes em toda sua periferia (Jornal O FERROVIÁRIO, 1956).

No Museu da Paulista em Jundiaí encontram-se alguns modelos de casas construídas pela Companhia naquele município. Eram, em sua maioria, casas geminadas, cuja construção buscava-se racionalizar ao máximo. No modelo reproduzido abaixo, localizado próximo de uma das linhas da CP, concentram-se três casas de proporções modestas, construídas para os responsáveis pela manutenção daquele trecho ferroviário:

Figura 3. 143 e 3.144. Planta baixa e vista de casa geminada em Jundiaí. (Arquivo FEPASA, 1986).

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Nos arquivos da FEPASA em Jundiaí encontramos também alguns modelos padrões para construção de casas da Paulista. Entre eles, estão a “casa tipo 2 para Vila Operária” e a “casa tipo 4 para Vila Operária”, cujos projetos datam de 1919. Neles, pode-se observar a preocupação com características higienistas, como a existência de porões como medida que permitia a circulação do ar abaixo do piso; o pé direito e as janelas seguindo os padrões mínimos propostos no Código de Edificações proposto para a cidade de São Paulo. Os banheiros, naquela época, ainda não ocupavam o corpo da casa, localizando-se geralmente no fundo do lote, sobre fossas que serviam a duas residências. O telhado dos modelos propostos pela Cia Paulista era rebuscado; possuindo águas furtadas; as moradias possuíam detalhes em argamassa dando acabamento nos caixilhos, cintas de amarração e destacando a estrutura em alvenaria com o reforço dos tijolos nos cantos de parede.

Figura 3. 145, 3.146 e 3.147. Casa tipo 4, para Vila Operária da CP, com três dormitórios. (Arquivo Museu ferroviário Baraão de Mauá, 1998).

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Figura 3.148. Palnta da casa tipo 4, para Vila Operária da CP, com três dormitórios. (Arquivo FEPASA 1920).

Figura 3.149. Palnta da casa tipo 2, para Vila Operária da CP, com dois dormitórios. (Arquivo FEPASA 1920).

Figura 3.150 e 3.151. Tipologias adotadas pela CP em Jundiaí. (Arquivo FEPASA, 1986).

Encontramos ainda outro modelo, que é a casa do Engenheiro residente. Sua principal característica, além dos aspectos estéticos, é a unidade ser isolada no lote, garantindo a privacidade do funcionário e de sua família. A casa destaca-se das demais residências, geminadas, com o

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telhado de duas águas e voltadas diretamente para a linha, sem nenhum anteparo separando os trilhos e as moradias.

Figura 3.152. Casa do Engenheiro residente CP em Franca (Arquivo Museu ferroviário Baraão de Mauá, 1998).

A Vila da Paulista em Barretos

A cidade de Barretos teve sua estação inaugurada em 1909, permanecendo como ponta de linha até 1926. Com a extensão das linhas até Colômbia, na divisa do estado, a intenção da Paulista era atingir Goiás. Porém, devido às constantes privatizações das Companhias, o projeto nunca saiu do papel. Foram construídas no município 44 casas próximas da rotunda da Companhia e de seus armazéns de carga. As residências são todas geminadas, seguindo o padrão adotado pela Paulista em várias outras cidades. As casas, dispostas ortogonalmente, possuem dois dormitórios e áreas variando de 61 a 78 m²; os banheiros se concentram no fundo do lote, em grupos de quatro, reduzindo assim o número de paredes e otimizando a fossa, utilizada como solução para a destinação dos resíduos. Nessa Vila não se encontram equipamentos de uso coletivo.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.153. Implantação Vila da CP. em Barretos (Arquivo FEPASA, 1986).

Podemos observar, nas casas de Barretos, a demarcação da estrutura com o destaque na alvenaria reforçando o encontro das paredes; as janelas são estreitas, devido às dificuldades do material empregado em vencer grandes vãos. Dessa forma, assemelham-se às moradias características do período colonial. De acordo com Lúcio Costa (1962), as aberturas das casas da época possuem modestas dimensões; apenas com o avanço tecnológico e o uso do concreto armado pôde-se chegar a soluções que chegam até mesmo a grandes panos de vidro. Devido à busca por melhores condições de iluminação e insolação, aumenta a altura das aberturas; os telhados de duas águas são adotados freqüentemente. Nas casas da Ferrovia em Barretos, a tipologia adotada é bem mais singela. Cercas de madeira demarcam os lotes das casas (algumas delas atualmente destruídas); o arruamento do conjunto não possui integração com o arruamento da cidade. Rompendo com a malha urbana, a Vila possui a Figura 3.154. Evolução das aberturas segundo Lúcio Costa (COSTA, 1998).

linha ferroviária como diretriz de seu traçado urbano, disposto em ortogonal.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.155, 3.156 e 3.157. Casas geminadas da Vila da CP. em Barretos (Arquivo FEPASA, 1986).

Da mesma forma que pudemos identificar em outros Núcleos, a relação trabalho / moradia predomina na Vila de Barretos, onde os equipamentos da Ferrovia reforçam o traçado que se isola da cidade, delimitando o espaço público e o da Companhia.

Figura 3.158. Foto aérea da Vila da CP. em Barretos (Arquivo FEPASA, 1986).

Além da Vila, a Paulista edificou na cidade de Barretos ainda outras casas, que somam um total de 66 unidades. Algumas delas localizam-se próximas da estação, e outras espalham-se pelas linhas.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Próxima da estação há uma tipologia distinta da encontrada na Vila de Barretos: cada unidade, isolada no lote, possui as mesmas características da casa para engenheiro encontrada nos arquivos do Museu de Jundiaí.

Figura 3.159. Casa isolada no lote na Vila de Barretos. (Arquivo FEPASA, 1986).

A Vila da Paulista em Bebedouro

A estação de Bebedouro funcionou como ponto final de linha de 1902 a 1909. Com a inauguração do trecho que vai para Barretos, em 1929 foi aberta uma linha, pela Estrada de Ferro São Paulo - Goiaz, interligando a cidade de Olímpia com o traçado da Paulista em Bebedouro. Esta passou, então, a ser o ponto inicial da São Paulo - Goiaz. Em Bebedouro encontram-se dois modelos distintos de conjuntos: um grande bloco de casas construídas na esplanada da estação, com características peculiares, e outro, localizado próximo dos depósitos de Carros e Oficinas da Companhia, constituído por uma Vila com 104 casas. Na esplanada da estação, a solução adotada pela Companhia Paulista pode ser comparada com a mesma utilizada em Botucatu pela Sorocabana. Um grande bloco de casas em

renque

buscava

viabilizar ao máximo o custo da obra; as construções eram simples,

marcando

a

paisagem na esplanada da estação, ao contrapor-se à qualidade

estética

Modelo

de

eclética,

a

desta.

arquitetura estação

de

Figura 3.160. Foto aérea da esplanada da estação de Bebedouro. (Arquivo FEPASA, 1986).

Bebedouro possui um grande

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

frontão, demarcando seu acesso e reforçando as diversas influências no desenho do prédio. As casas, que ocupam quase um quarteirão inteiro na frente da estação, adotaram um estilo muito próximo do nosso passado colonial, otimizando os telhados alinhados paralelamente à rua. A arquitetura desse conjunto de casas está muito próxima do projeto da primeira estação implantada no município, como se pode verificar em fotos da antiga

Figura 3.161. estação de Bebedouro. (Arquivo FEPASA, 1986).

estação, já demolida.

Figura 3.162 e 3.163. Casas em renque Bebedouro. (Arquivo FEPASA, 1986).

O outro conjunto encontrado no município é formado por casas com três tipologias distintas. Quatro residências, isoladas no lote, possuem três dormitórios em 97,90m²; 22 casas, geminadas, têm dois quartos em 77,95m²; as outras

78

casas,

também

geminadas, possuem 77,10m², e dois quartos. A tipologia é a mesma adotada pela Companhia em Barretos; a presença das quatro unidades

isoladas

arquitetonicamente reforça

a

no

lote,

distintas,

hierarquização

da

Figura 3.164. Primeira estação de Bebedouro. (Giesbrecht, 2002)

moradia no Núcleo.

159

Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.165, 3.166, 3.167 e 3.168. Casas em renque Bebedouro. (Arquivo FEPASA, 1986).

Como

em

outros

conjuntos da Companhia Paulista,

não

equipamentos

há coletivos

nesse Núcleo; o espaço de trabalho se interliga à Vila, que se encontra isolada da malha urbana, com parte das casas voltadas para a rua

e

outra

para

os

barracões da Companhia. As

casas

de

Figura 3.170. Foto aérea Vila em Bebedouro. (Arquivo FEPASA, 1986).

engenheiros e chefes estão localizadas na extremidade do empreendimento, próximas às casas de áreas maiores; o restante das residências se divide em outras duas quadras, contínuas ao arruamento. Instaladas de frente para uma rua secundária sem saída, essas moradias se isolam da malha urbana.

160

Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.171. Implantação Vila em Bebedouro. (Arquivo FEPASA, 1986).

A Paulista na cidade de Campinas

O trecho de Campinas até Jundiaí foi o primeiro a ser inaugurado pela Companhia Paulista (em 1872). Trata-se de um dos mais importantes da história ferroviária de São Paulo, pois ali deu-se início à criação da principal Companhia Ferroviária de capital nacional - a Paulista. De acordo com Debes (1968), na data da criação da empresa já havia a intenção de estenderem-se suas linhas ao longo dos cafezais dos fazendeiros que se associaram para sua construção. Devido à grande necessidade de se ampliarem as linhas da Companhia, já em 1876 a Paulista chega até a cidade de Rio Claro. Campinas, cidade de grande importância ferroviária, possuía diversas linhas que cruzavam a cidade - entre elas, a Sorocabana, a Mogiana e a Funilense e ramais “Cata-Café”. As linhas da Mogiana e da Sorocabana se encontravam nas proximidades da estação da Paulista, área que, dessa forma, concentrava uma série de atividades ferroviárias, principalmente o transporte de passageiros, devido à sua localização privilegiada, próxima da área central da cidade. Como vimos anteriormente, as habitações operárias constituíam-se, especialmente, de pequenas Vilas, construídas pelas indústrias ou pela iniciativa privada. Ambas as tipologias eram estimuladas por lei municipal na cidade de Campinas (Lei nº 308 de 1923 e Lei nº 457 de 1936), por meio da isenção de pagamento de taxas, impostos e emolumentos, a quem se propusesse a construir moradias econômicas com a finalidade de vendê-las ou locá-las (BADARÓ, 1986). Nas proximidades da estação encontramos um caso semelhante ao descrito por Blay (1985) em relação à indústria Matarazzo, que construía ou comprava casas de particulares, constituindo Vilas com a finalidade de serem alugadas ou vendidas aos funcionários. A Vila Industrial de Campinas possui as peculiaridades de algumas dessas Vilas Operárias. De acordo com a descrição

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

dos Relatórios da Companhia Paulista, 16 residências foram adquiridas do Sr. Germano Hansem em 1919.

Figura 3.172. Implantação Vila Industrial em Campinas. (Arquivo FEPASA, 1986).

As casas adquiridas pela Paulista possuíam características semelhantes a modelos de Vilas Operárias construídas em São Paulo, como a Vila da Rua São João, anteriormente descrita neste estudo. Seus cômodos localizavam-se no alinhamento predial, havendo um corredor lateral e grande quantidade de paredes geminadas, visando o maior aproveitamento do lote e a economia da construção.

Figura 3.173, 3.174. Vila Industrial da CP em Campinas. (Arquivo FEPASA, 1986).

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.175 e 3.176. Vila Industrial da CP em Campinas. (Arquivo FEPASA, 1986).

As casas da Vila Industrial possuem também características estilísticas peculiares aos prédios construídos no início do século, no período colonial. As cumeeiras estão dispostas paralelamente ao passeio, as janelas e portas são estreitas e altas devido às dificuldades tecnológicas para vencer grandes vãos e ao mesmo tempo cumprir as exigências previstas no Código de Obras. Nas

proximidades

da

Vila

encontra-se outro grupo de casas de propriedade

da

Companhia

Paulista.

Essas moradias, porém, foram edificadas nos

moldes

anteriormente empreendimento

das

outras descritas.

possui

doze

Vilas O casas

geminadas do tipo 1, oito do tipo 2 , 20 do tipo 2 A, e possui também uma casa de guarda, localizada na esquina do conjunto, garantindo a segurança do local. As casas localizam-se nas proximidades dos armazéns de inflamáveis da Paulista. A implantação do conjunto foi feita de forma hierarquizada, com as casas maiores Figura 3.177. Vila construída pela CP em Campinas. localizadas na avenida principal, isoladas (Arquivo FEPASA, 1919). das menores. Entre elas, estão as residências intermediárias. Essa segregação espacial aparece também em diversas outras Vilas Ferroviárias, reproduzindo a hierarquia da empresa na forma de concepção do projeto arquitetônico.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.178 e 3.179. Vila construída pela CP em Campinas. (Arquivo FEPASA, 1986).

Há também na cidade de Campinas uma casa construída pela Paulista com traços influenciados pelo movimento art déco. Trata-se da residência do engenheiro, isolada no lote, com ornamentações

realizadas

em

argamassa armada, demarcando as linhas retas do desenho precursor do movimento

moderno.

Novamente,

pode-se identificar nessa casa o caráter

Figura 3.180. Foto aérea Vila construída pela CP em Campinas. (Arquivo FEPASA, 1971).

simbólico que possuíam as construções das Companhias Ferroviárias, reforçando as relações de autoridade e dominação impostas pelas empresas.

Figura 3.181. Casa do Engenheiro residente. (Arquivo FEPASA, 1986).

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

2.4- Vilas Ferroviárias da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro (CM) construiu um total de 745 casas. A empresa chegou a ser a terceira maior de São Paulo, destacando-se como uma das que fizeram a interligação com outros estados. Transpondo o Rio Grande, as linhas da Mogiana chegavam a Minas Gerais, iniciando também o transporte fluvial. Ao atravessar a fronteira do estado, a Companhia trouxe para São Paulo parte do comércio desenvolvido na região do Triângulo Mineiro. Seu principal traçado ferroviário, segundo Monteiro Filho, pode ser resumido desta forma:

Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, com 1959 quilômetros, sede em Campinas. Serve aos estados de São Paulo e Minas. Principais linhas: Campinas – Ribeirão Preto - Araguari – (via Igarapava), com 783 quilômetros; ramal de Uberaba (de Jurucê a Rodolfo Paixão, km 330 ao km 600); ramal de Poços de Caldas (km 201); ramal de Passos (de Guaranésia, km 269, a Passos, km 427) e vários outros ramais de extensões menores (MONTEIRO FILHO, 1955, p. 250). Os investimentos da Mogiana na construção de Vilas não foram, no entanto, dos mais significativos do estado se comparados aos realizados pelas Companhias Sorocabana e Paulista. Diversos fatores podem justificar este fato; entre eles, as dificuldades financeiras nas quais a empresa se envolveu devido à sua dependência em relação à Companhia Paulista e à Sorocabana, que monopolizavam as cargas transportadas pela empresa com destino ao porto de Santos. Neste estudo, serão destacadas duas Vilas construídas pela Mogiana, a fim de demonstrar, brevemente, qual sua contribuição arquitetônica para o conjunto das Vilas de Ferrovia paulistas.

A Mogiana na cidade de Campinas A companhia Maogiana concentrou grande parte de suas atividades no município de Campinas, como escritórios, escolas de aprendizes e oficina de locomotivas. Esta última é uma construção em estilo neoclássico, que se destaca no pátio de manobras da cidade, pelo qual passavam os trens de três das grandes Companhias Ferroviárias: a Paulista, a Sorocabana e a Mogiana. A estação da Mogiana funcionou, a princípio (desde 1872), junto com a estação da Paulista. Em 1893, com a primeira retificação de traçado visando desafogar o fluxo de trens que passavam pelo local, a Mogiana construiu, no Bairro da Guanabara, o “Pátio de Guanabara”, com 13 linhas.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Abrigando também os escritórios da Companhia, no local trafegavam os trens da Sorocabana que vinham através da linha da antiga Funilense. Nos arquivos encontra-se a notícia da implantação, na cidade, de um conjunto de casas, construídas para os funcionários da Mogiana. Composta por cinqüenta casas, a Vila

Figura 3.182.

da Mogiana possui características

(Arquivo FEPASA, 1986).

Oficina de Locomotivas Companhia Mogiana.

peculiares às outras Vilas Ferroviárias. Nas suas proximidades há um campo de futebol, onde funcionava o “Esporte Club Mogiana”, e as instalações de atividades ligadas ao trabalho nas linhas, como barracões, depósitos e os escritórios.

Figura 3.183. Implantação da Vila e estação da Mogiana em Campinas. (Arquivo FEPASA, 1970).

Muitas casas tinham suas frentes voltadas para os trilhos. Como forma de controlar os funcionários que residiam no local, a Mogiana adotou o mesmo sistema encontrado em outras Vilas. Conforme a descrição de Seginini (1982), a de Minami (1994) e a Vila da EFA em Araraquara, o sistema consistia no agrupamento de diversas categorias de trabalho, que se espalhavam estrategicamente na Vila, facilitando a convocação dos trabalhadores em situação de emergência.

166

Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Várias tipologias de casas foram adotadas pela empresa no local. Diferente do que ocorre na Vila executada em Uberaba, a diversidade

de

modelos

é

significativa no conjunto, que se destaca pelo número reduzido de casas

geminadas

(14).

Figura 3.184. Casa para Mestre de linha da Mogiana em Campinas. (Arquivo FEPASA, 1930).

Predominam as moradias isoladas, sem padronização de seus modelos, com um número variado de metragem quadrada e estilo arquitetônico. Algumas casas possuem telhados de duas águas e são construções bem simples, lembrando os modelos adotados pela Companhia Paulista. Em algumas, a alvenaria levava um reforço no encontro das paredes; outras, possuíam platibandas que se destacavam no aspecto formal e na inovação de alguns recursos que passaram a fazer parte do repertório da Arquitetura Paulista. De acordo com Saia (1995), com o advento da ferrovia, o uso de calhas e rufos - que na maioria das vezes eram importados (até o início do século XX) - deu outra característica ao desenho da cidade, permitindo novas formas de ocupação do lote e o rompimento com a arquitetura colonial, de acordo com a qual as casas em renque acompanhavam a testada do terreno em toda sua extensão.

Figura 3.185, 3.186, 3.187 e 3.188. Casas construídas pela Mogiana em Campinas. (Arquivo FEPASA, 1986).

167

Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.189 e 3.190. Casas construídas pela Mogiana em Campinas. (Arquivo FEPASA, 1986).

A Vila de Funcionários da Mogiana em Uberaba A linha de Uberaba foi inaugurada em 1889. Até 1895, período em que foi realizada

extensão

da

estrada

até

Uberlândia, a Mogiana concentrou suas atividades naquela cidade, interligando Campinas com o Triângulo Mineiro, criando laços entre as cidades de Ribeirão Preto e Campinas, diversificando parte do transporte da ferrovia e incentivando o Figura 3.191. Foto aérea Uberaba. (Arquivo FEPASA, 1971).

crescimento

da

pecuária

nas

regiões

mineiras. Construídas pela Mogiana em 1956,

nas proximidades dos armazéns da empresa em Uberaba, encontra-se a Vila de Funcionários. Constituída por 30 casas geminadas de 80m² e 5 isoladas no lote, com área de 110 m², a Vila está situada entre a malha urbana e os depósitos. Um dos blocos de casas possui apenas uma interligação com as ruas da cidade, ficando praticamente isolado, com a frente das residências voltadas para uma passarela de pedestres. O empreendimento não possui equipamentos públicos ao seu redor, caracterizando-se somente pelas relações entre moradia e trabalho.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Na implantação do conjunto ficaram vagos 20 lotes, que posteriormente deveriam ser ocupados por mais casas. Porém, como se verifica na documentação da Companhia, esse projeto não foi realizado porque o plano da Mogiana de expandir suas linhas até encontrar a Estrada de Ferro Goiás não foi realizado. Assim não houve necessidade de aumentar o número de casas no conjunto. As casas construídas são simples do ponto de vista formal, sem

grandes

inovações.

Em

alvenaria, cobertas com telhas cerâmicas Figura 3.192. Foto aérea Vila da Mogiana em Uberaba. (Arquivo FEPASA, 1971).

em

duas

águas,

procuram solucionar o problema de moradia para os funcionários da Mogiana, com baixo custo.

Figura 3.193, 3.194 e 3.195. Casas da Vila Mogiana em Uberaba. (Arquivo FEPASA, 1986).

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.196. Vila Ferroviária da Mogiana em Uberaba. (Arquivo FEPASA, 1986).

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

171

Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

2.5 - Vilas Ferroviárias da Estrada de Ferro Araraquara A Estrada de Ferro Araraquara (EFA) construiu um total de 415 casas, caracterizando-se como uma ferrovia de povoamento, que levou divisas para a região em que passou. Seu processo de expansão se deu da década de 30 à de 50 (posterior, portanto à expansão da Paulista, que implantou a maior parte de suas linhas até 1930). Segundo Monteiro Filho (1955), os principais trechos da Companhia são: “E. F. Araraquara, com 504 quilômetros, bitola de 1,00 m; sede em Araraquara. Linha principal Araraquara - Votuporanga (km 452,5) e ramal de Tabatinga (51,2 quilômetros)” (MONTEIRO FILHO, 1955, p. 259). A Estrada de Ferro Araraquara foi uma das Companhias que, proporcionalmente ao número de funcionários, mais investiu na construção de moradias, atendendo em seus núcleos a 18% de seus empregados. A EFA, porém, espalhou suas casas em diversas cidades, tendo empreendido também “casas de turma” ao longo do seu traçado. Em Araraquara encontra-se seu maior empreendimento, com mais de cem unidades habitacionais e características específicas que não encontramos em outras cidades. As casas da EFA em São José do Rio Preto São José do Rio Preto funcionou como ponto final de linha de 1912, data da inauguração da estação, até 1933. No local, a Araraquarense concentrou algumas de suas atividades, como depósitos e escritórios. A chegada da ferrovia àquela cidade inaugurou um novo período para toda a região, que passou a se desenvolver de forma mais acentuada (conforme se pode observar nos mapas realizados por Saes (1981)) povoando-se rápida e intensamente. Na cidade destaca-se um conjunto de casas realizadas nas proximidades dos depósitos da Companhia, à beira da linha, com as fachadas voltadas para o Pátio Ferroviário, sem integração com o restante da malha urbana.

Figura 3.197. Vila Ferroviária da EFA em São Jisé do Rio Preto. (Arquivo FEPASA, 1986).

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

A tipologia adotada pela EFA em São José do Rio Preto foi utilizada também em outras cidades. Constituídas por três dormitórios e área de 110m², as residências variam em aspectos formais, quanto ao acabamento e ao número de cômodos. As tipologias recebem as influências do estilo Colonial Americano, o que pode ser explicado pela aquisição da empresa por um grupo americano, por um período de três anos.

Figura 3.198, 3.199, 3.200 e 3.201. Casas da Vila Ferroviária da EFA em São Jisé do Rio Preto. (Arquivo FEPASA, 1986).

A esplanada da estação de Jales

Os trilhos só chegaram a Jales em 1951, no período considerado por Saes (1981) como de “declínio ferroviário” quando diversos fatores levaram ao sucateamento e término da expansão ferroviária em São Paulo. A expansão da linha até Jales pela EFA fazia parte de um plano de prolongamento das estradas da Companhia até as divisas do Rio Paraná, que só ocorreria em 1955. Jales funcionou como ponto final de linha até a inauguração da ponte rodoferroviária sobre o Rio Paraná, obra de grande vulto que marcou um novo período, o final da Fepasa e o início dos processos de concessão da malha paulista por empresas do setor privado. Ao analisar-se a implantação das casas da EFA na esplanada de Jales pode-se concluir que houve uma separação dos conjuntos de casas edificados no local com algumas casas isoladas da

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

malha urbana e depois dos trilhos delimitando o pátio da estação. Segundo Geisbrecht (2001), esta se localiza longe da área central da cidade. A

EFA

construiu

também

pequenos núcleos nas cidades em que passava, como podemos observar nos levantamentos anexos no final deste trabalho. Na esplanada da estação de Jales, há um grupo formado por 12 casas geminadas, com área de 81,53m² e três dormitórios, e 7 residências geminadas com

área

65,66m²,

contendo

Figura 3. 202. Foto aérea estação de Jales. (Arquivo

dois

FEPASA, 1986).

dormitórios. É notável o isolamento das residências menores em relação ao restante do conjunto; as casas destinadas aos trabalhadores ficavam dentro do pátio, sem comunicação com a cidade. Em Jales foram utilizadas duas tipologias diferentes: as casas maiores foram realizadas com tijolo aparente e diversos adornos, no estilo colonial americano, com revestimento na altura da cinta de amarração que circundava toda a casa; as menores, geminadas, com dois dormitórios, possuíam um acabamento mais modesto e telhado de duas águas, sem nenhuma ornamentação.

Figura 3.203, 3.204 e 3.205. Casas da EFA em Jales. (Arquivo FEPASA, 1986).

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Ao longo das estações da Araraquarense há variações do modelo de três dormitórios encontrado em São José do Rio Preto. As casas de Jales possuem as mesmas características supracitadas, com área de 87,32 m² e detalhes construtivos iguais aos encontrados em São José do Rio Preto. As casas empreendidas pela EFA possuem características construtivas e de acabamento diferentes das construídas pela Paulista e Sorocabana. Esse dado se deve, provavelmente, ao fato de a Araraquarense ter construído suas casas entre as décadas de 30 e 40, sob forte influência da política de privilégios do Estado para com a classe ferroviária. Esse fato será elucidado quando abordarmos a construção da Vila da Araraquarense na cidade de Araraquara e o papel do Estado naquele empreendimento.

Figura 3.206.

Planta e fachada de tipologia construída pela EFA em Jales.

(Arquivo FEPASA, 1986).

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AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

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AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

2.6- Vilas Ferroviárias da Estrada de Ferro São Paulo - Minas

A Estrada de Ferro São Paulo Minas (SPM) construiu um total de 74 casas, sendo esta a menor produção de habitações entre as Companhias (a extensão de suas linhas também é a menor). De acordo com Monteiro Filho, a ferrovia pode ser assim descrita: “E. F. São Paulo Minas, de Bento Quirino a São Sebastião do Paraíso (137 quilômetros) e de Serrinha (km 34) a Ribeirão Preto (km 78)” (MONTEIRO FILHO, 1955, p. 259). Considerada uma das Companhias “Cata-Café” que surgiram no interior do estado, a função inicial da linha era de ligar a fazenda Santa Maria à cidade de São Simão. No entanto, a Mogiana possuía grande interesse na expansão da SPM, pois seria uma das formas de ampliar suas linhas sem maiores investimentos, cobrando pelas mercadorias que iriam trafegar por ela sem onerar o custo com a infra-estrutura necessária para ampliações. A empresa foi encampada em 1930 pelo governo federal devido às dificuldades financeiras constantes na história da Companhia.

As Casas da SPM em Altinópolis A cidade de Altinópolis certamente se destacou entre as outras nas quais a SPM trafegava, concentrando 60% dos investimentos em construções de moradia para funcionários. Esse fato se justifica devido à linha da São Paulo - Minas ter começado a ser construída a partir daquela cidade em direção a São Sebastião do Paraíso, no estado mineiro. A localização de Altinópolis permaneceu central em relação às duas extremidades da linha.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Figura 3.207, 3.208, 3.209, 3.210 e 3.211. Casas construídas pela SPM em Altinópolis. (Arquivo FEPASA, 1986).

Esse motivo levou à concentração de diversas atividades ferroviárias na cidade, como sede administrativa da empresa, casa para diretor, 40 casas para funcionários, depósito de vagões e outras benfeitorias. As casas em Altinópolis se assemelham às construídas pela Estrada de Ferro Araraquara, devido ao fato de as duas Companhias terem sido encampadas ainda na década de trinta. Como se pode observar, as casas foram construídas próximas da linha férrea, como ocorreu na implantação de alguns núcleos da EFA. A utilização de três tipologias distintas abrigava, de forma diferenciada, cada classe de trabalhadores. Por meio de padrões distintos de solução arquitetônica em suas moradias, a empresa privilegiava diversos cargos.

Figura 3.212, 3.213 e 3.214. Casas de turma em Aguaí. (Arquivo FEPASA, 1986).

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AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

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AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

3 - Aspectos relevantes das Vilas Ferroviárias

Como pudemos analisar neste capítulo, cada Companhia possuía suas particularidades e similaridades em seus investimentos na área habitacional, deles o principal a ser destacado é a necessidade de fixar seus funcionários nas proximidades do local de trabalho. A Paulista se destaca das demais pela simplicidade de suas moradias. Autores como Saes (1981), Giesbrecht (2001) e Leme (1986) relatam a insatisfação dos funcionários daquela empresa em relação a seus salários e à construção de suas casas, que são mais modestas que as construídas pela Sorocabana e a Araraquarense. Como se pode observar nos Anexos deste trabalho, a Paulista destaca-se ainda por ter sido a empresa que empreendeu o maior número de casas mistas de madeira e tijolo, solução apropriada para a época em que a empresa se desenvolveu. O uso desses materiais se concentrou principalmente nas Vilas de Marília e Bauru, cidades que praticamente surgiram com a ferrovia e em cuja região existia madeira abundante. A Sorocabana também adotou o uso da madeira em suas obras, perfazendo um total de 250 unidades nesse material, freqüentemente nas regiões de povoamento ou nas proximidades dos Hortos. Em relação às metragens das casas, observe-se o quadro abaixo:

Companhia

Média da área construída por casa

Estrada de Ferro Araraquara

114,61m²

Estrada de Ferro Sorocabana

98,62m²

Companhia Paulista

78,42m²

Companhia Mogiana

68,91m²

Estrada de Ferro São Paulo - Minas

61,60m²

De acordo com a tabela, referente ao tamanho médio das moradias edificadas por cada empresa, é possível comprovar-se a qualidade dos empreendimentos construídos pelas Companhias, comparando-se seus números aos das casas populares construídas pelo estado ou pelo Governo Federal, que possuem área em torno de 42,00m². Como podemos verificar, as Vilas Ferroviárias constituíram-se de grande importância, trazendo uma fundamental contribuição para os investimentos na área de habitação. Sua importância

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

para o estudo desse campo não está apenas no número de casas construídas, mas também em como e por que as casas foram edificadas. Outros órgãos investiram em habitação nessa primeira metade do século XX. Muitas Vilas Operárias foram construídas no país, havendo também os empreendimentos realizados pela Fundação da Casa Popular (FCP) e pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões, que se destacaram em um período posterior ao da implantação das Vilas Ferroviárias. Entre 1946 e 1950, em um período posterior ao do desenvolvimento das Vilas Ferroviárias, marcado pelo pós-guerra, pela crise mundial e pela politização da questão da moradia, Getúlio Vargas criou um órgão centralizador para construir moradias, a FCP (Fundação Casa Popular), primeiro órgão criado pelo governo federal com o fim exclusivo de suprir a necessidade de habitação popular. A FCP teve um período pequeno de atuação (18 anos), durante o qual implantou no país cerca de 143 conjuntos habitacionais, com um total de 16.964 unidades. Esse número pode ser considerado muito baixo se comparado aos empreendimentos dos IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões), que não tinham como característica específica enfrentar o problema da moradia e ainda assim viabilizaram a edificação de 124.025 unidades habitacionais, além de financiarem a construção de milhares de edifícios de classe média. Esses Institutos foram criados de acordo com o modelo das CAPs. A princípio, sua principal função era reverter benefícios previdenciários de aposentadoria e pensões para seus contribuintes e oferecer-lhes assistência médica ou auxílio hospitalar. Porém, os IAPs acabaram representando um grande precursor das instituições públicas que começaram a tratar do problema da habitação, devido à rentabilidade trazida pelas contribuições dos previdenciários – observe-se que então o número de depósitos era significativamente maior que o número de retiradas, pois ainda não havia beneficiados. Devido à necessidade de movimentar-se o capital acumulado nos fundos, sob a orientação do governo federal, os IAPs realizaram investimentos em vários segmentos. O setor imobiliário representava então um investimento seguro e rentável. O período de maior atuação dos IAPs e da FCP caracterizou-se por um processo acelerado de construções de caráter social. Porém, devido à má distribuição dos recursos, sem retorno para os investimentos nos imóveis, essa política tornou-se frágil, incapaz de suprir as reais necessidades da população.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Distribuição dos atendimentos habitacionais no Estado de São Paulo.(1937-64)

Órgão

n-moradias

IAPs

25.428

FCP

2.959

Total

28.387

(FARAH, 1983 e MELO, 1987. Apud BONDUKI, 1990, p. 129).

As Companhias Ferroviárias e os IAPs diferenciavam-se da FCP principalmente por não possuírem sua principal função voltada para a área habitacional. Mesmo assim, pode-se observar que seus empreendimentos, do ponto de vista quantitativo, supriam parte do déficit habitacional, demonstrando a incapacidade do poder público em resolver tal questão. Tais fatos reforçam as necessidades das Companhias Ferroviárias destinarem parte de seus recursos para a construção de unidades habitacionais - o que, além de viabilizar seu modo operacional, acabava por suprir parte da carência por moradia existente na maioria das cidades paulistas. Analisando as Vilas e os arquivos das Companhias Ferroviárias, pode-se observar o desenvolvimento das empresas no ramo da construção civil, devido ao representativo número de prédios, estações, oficinas e Vilas. As empresas dispunham de quadros permanentes de funcionários ligados à área da construção civil; em grande parte das vezes em que os projetos das estações foram realizados por terceiros, analisando-se as plantas-modelos da Paulista e os conjuntos de Carapicuíba verificamos que eram de autoria de funcionários do próprio Departamento de Engenharia e Arquitetura da Sororcabana. Muito do material iconográfico a esse respeito, no entanto, ficou comprometido ou perdeu-se no processo de unificação das cinco Companhias.

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Capítulo III _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Atualmente, o quadro de funcionários da área de Engenharia e Topografia é mantido. Possui, no entanto, a função de realizar o levantamento e a avaliação dos bens da empresa, que estão em processo de licitação, visando o desmanche do patrimônio ferroviário. A seguir, em nosso trabalho, buscaremos avaliar a importância das Vilas no desenvolvimento ferroviário do estado, tomando-as como umas das peças-chave para a sustentação da economia e, assim, direcionando a expansão da ocupação territorial. Estudaremos, no próximo capítulo, a construção das Vilas Ferroviárias empreendidas na cidade de Araraquara. Essa escolha decorreu do número de unidades habitacionais empreendidas naquela cidade, assim como de sua importância para o desenvolvimento das ferrovias (o município possui o entroncamento de duas malhas ferroviárias que foi fundamental para o funcionamento das linhas no interior do estado).

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Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

IV - AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA Fundada em 22 de Agosto de 1817, a freguesia de São Bento de Araraquara em 1889 se tornou cidade. Desde o século XVIII, no entanto, muitos aventureiros já passavam por aquela região em busca de ouro e foi nesse período que ali se estabeleceu o primeiro povoado. Até o início do século XIX, Araraquara possuía pequena representatividade econômica, sendo suas principais atividades relacionadas à subsistência - criação de animais e plantação de cereais. O parco desenvolvimento econômico da região pode ser explicado pelas dificuldades de transporte, um dos fatores que dificultavam a circulação de mercadorias e o desenvolvimento urbano também de outras cidades paulistas. Araraquara não possuía acesso fácil aos portos exportadores, um dos requisitos fundamentais para que as atividades ligadas à cultura cafeeira se desenvolvessem. O desenvolvimento da cidade se transformou quando, em 19 de Janeiro de 1885, os trilhos da Estrada de Ferro Rio Claro interligaram São Carlos e Araraquara. Por alguns anos, a cidade foi ponto final de linha da Companhia, até que os trilhos foram expandidos até Jaboticabal em 1893, proporcionando a concentração de algumas atividades na cidade que passaram a influenciar a região, em especial as atividades ligadas à atividade cafeeira (AMÉRICO, 1988, p. 46). Depósitos para armazenar o café, bancos e fábricas de beneficiamento de café foram importantes para o processo de consolidação das cidades paulistas, nas quais os excedentes da produção agrícola incrementaram a economia. Como exemplo dessa aceleração do desenvolvimento da cidade, nos anos seguintes à implantação da Ferrovia a população de Araraquara praticamente triplicou, conforme se observa no quadro abaixo:

Araraquara

Evolução da População de Araraquara 1836 1854 1874 1886 2.764 4.965 9.767 9.559

1900 28.900

FRANÇA, 1915, p.17.

Como ocorria em outras cidades em processo de urbanização acelerado, a imigração massiva, segundo Américo (1988) multiplicaria a população e incrementaria as relações monetárias com o número crescente de trabalhadores assalariados. Como ponto final de linha, Araraquara concentrou a massa de imigrantes que através dela iriam se aventurar pelas regiões próximas da cidade.

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Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Outro fato relevante para o período era a grande concentração da população na área rural, devido ao desenvolvimento das atividades ligadas à cultura cafeeira. O nascente processo de industrialização colabora igualmente para que as taxas de crescimento da cidade, a partir do início do século, passem a ser maiores, crescendo também a concentração urbana, em taxas de até 5,9 % ao ano, como se pode observar na tabela abaixo:

TABELA DE CRESCIMENTO POPULACIONAL 1900

1920

1934

1940

População Total

28.900 48.119 66.916 67.724

População Urbana

4.000 11.300 23.517 33.172

Taxa de crescimento pop. Total

2,6

2,4

0,2

5,3

5,4

5,9

% ao ano Taxa crescimento pop. Urbana % ao ano AMÉRICO, 1988, p.93.

Assim, os problemas urbanos e de saúde pública - como as grandes epidemias de febre amarela e varíola, em 1890 - começam a fazer parte do cotidiano da cidade. A carência de moradia para a classe trabalhadora, assim como a precariedade e insalubridade das que existiam, passa a ser uma das preocupações do poder público municipal, levando a prefeitura a criar padrões de casas para a construção operária.

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Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Figura 4.1. Plantas e fachadas de Habitação Operária em Araraquara. (Arquivo municipal de Araraquara, 1920).

Rapidamente, após a implantação da Ferrovia, as plantações de café se multiplicam em Araraquara, pulando de 11.428 pés em 1900 para 18.212 em 1905 e 20.799 em 1929, período marcado pela grande crise cafeeira. Nos anos seguintes, o café passará a ser erradicado, chegando em 1938 ao número de 14.521 pés (AMÉRICO, 1988, p. 73). Com a chegada da Ferrovia e do Café, ocorreu um sensível aumento da população urbana na região de Araraquara. Nas décadas que seguintes a esse acontecimento, podemos observar a inversão da concentração urbana: em 1940, 70% da população se concentrava na área rural e 30% na área urbana; em 1980 a cidade já possuía 70% da sua população na área urbana. Tais números não são diferentes dos que podem ser encontrados na maioria das outras cidades do interior paulista, e refletem a crise no setor agrícola e a tecnificação do campo, que expulsou os trabalhadores para as periferias das cidades do interior. De acordo com Américo, a Ferrovia era uma das opções de emprego no período de entressafra do café, quando as atividades no campo diminuíam e a busca por emprego tornava-se uma verdadeira luta. Então, muitos trabalhadores eram absorvidos pelo mercado da construção que empregava, junto com a Ferrovia, a maioria da massa trabalhadora da época. No Álbum de Araraquara de 1915, diversas atividades econômicas aparecem relacionadas às estações ferroviárias. Como a maioria da população era rural, o comércio da época já se desenvolvia em torno das pequenas estações, que funcionavam também como entrepostos comerciais e canalizavam a produção das fazendas para os barracões localizados nas proximidades da estação.

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Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Esse dado é representativo do poder dos fazendeiros, os quais eram tão mais importantes quantos fossem os pés de café de sua propriedade, em relação às outras fazendas, tomando-se como ponto de referência a estação ferroviária. A seguir, levantamos as estações existentes na região de Araraquara e suas atividades comerciais que serviam às fazendas ao seu redor: Estação de Cesário Bastos: 

Lojas de fazendas e armarinho



Sapataria



Armazém de secos e molhados, ferragens e louças.

Estação Itaquerê: 

Sapataria



Lojas de fazendas e armarinho



Armazém de secos e molhados, ferragens e louças.

Estação do Ouro: 

Armazém de secos e molhados, ferragens e louças.

Estação Fortaleza: 

Armazém de secos e molhados, ferragens e louças.

As atividades das estações garantiam parte do material de subsistência das fazendas. Em cada uma, havia uma casa do chefe da estação. Na Estação do Ouro funcionava a Usina Hidroelétrica do Córrego do Ouro, onde havia três casas e escola, que posteriormente foram completamente abandonadas. A Estação Itaquerê servia a Usina de mesmo nome e transportava o açúcar ali produzido; as outras estações atendiam grandes fazendas, escoando sua produção. As estações existentes nas proximidades de Araraquara e os distritos do município interligados pela linha férrea justificam a concentração de pessoas fora da área urbana de Araraquara. A cidade se destacava como centro regional especializado em serviços ferroviários e ligado ao beneficiamento de café. Desta forma, neste primeiro período em que a Companhia Paulista esteve presente na cidade de Araraquara, as dificuldades de moradia existentes nos centros urbanos em desenvolvimento levaram a empresa a investir em melhores condições de moradia para seus funcionários, sanando parte de seus problemas operacionais e garantindo a proximidade dos empregados ao local de trabalho.

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Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

De acordo com essa política, encontramos, em um álbum sobre a Ferrovia de Araraquara, a seguinte citação: As estações de hoje, comparadas com as de vinte anos atrás, são verdadeiros palacetes, e tudo, dentro delas, corresponde devidamente a esse aspecto, quer na parte destinada ao público, quer nas acomodações reservadas aos chefes e suas famílias. Aposentos vastos, arejamento perfeito, água encanada, boa iluminação, tudo se encontra nessas habitações. A estrada fornece casa também a outros empregados. São geralmente construídas em grupos, em lugares bem expostos e salubres. Simples, mas sólidas e de agradável aspecto, servidas de água encanada, com as acomodações indispensáveis, são moradias que os trabalhadores dificilmente encontrarão em outra parte, mesmo pagando, na hipótese que possam pagar (ÁLBUM DA CIA PAULISTA DE ESTRADAS DE FERRO, 1938).

Como podemos observar nessa citação, os dizeres da própria Companhia satirizam a baixa remuneração de seus funcionários, declarando publicamente que eles não teriam condições de pagar por casas com os mesmos padrões higiênicos que possuíam as oferecidas pela empresa - diga-se de passagem, os mínimos, característicos das casas operárias. A implantação das Vilas em relação à cidade deu-se originalmente em locais periféricos, às bordas da ferrovia – que atualmente corta a cidade ao meio. Os locais onde ocorreram essas construções, com o passar do tempo, foram se transformando em zonas centrais. Inicialmente, a Vila da Companhia Paulista estava isolada da malha urbana de Araraquara, como podemos observar em mapas da década de 1930: Segundo Corrêa (1967), ao traçado da linha férrea esteve atrelado o próprio desenvolvimento de Araraquara. De um lado, tínhamos a praça da Matriz, primeiro centro de influência e encontro da população, promovendo o enlace social da cidade de outro, a estação da estrada de ferro, que funcionava como porta de comunicação com outras regiões. Devido à sua importância, a cidade passou a se desenvolver ao seu redor da estação, “envolvendo” aos poucos os trilhos dentro de si. A seguir, analisaremos o empreendimento de Vilas e casas isoladas pela Companhia Paulista em Araraquara, buscando elucidar as necessidades que levaram a empresa a construir tais núcleos no município, assim como os aspectos arquitetônicos das unidades e suas relações com a cidade.

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Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

02

01

03

Planta da cidadae de Araraquara de 1935. 01-Estação 02- Casas construídas pela Cp. Próx. Ceagesp. 03- Vila Paulista Cp

Figura 4.2. Planta da cidade de Araraquara (Arquivo municipal de Araraquara, 1935).

189

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

08

04 08

05 06

07 02

03

01

Vista Aérea da Cidade de Araraquara de 1970. 01 - Estação Ferroviária 02 - Vila Paulista _CP 03 - Barracão IBC 04 - Oficinas EFA 05 - Rotunda 06 – Vila Ferroviária _ EFA 07 - Fundação Casa Popular (FCP) 08 - Casas de linha da CP. Figura 4.3. Foto aérea da cidade de Araraquara (Arquivo FEPASA, 1964).

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Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

1- Vila Ferroviária da Companhia Paulista de Estradas de Ferro em Araraquara A Vila Paulista foi construída na década de 20, pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro, para alojar seus funcionários. Localiza-se próximo à Estação Ferroviária e ao IBC (Instituto Brasileiro do Café), um barracão edificado entre 1922 e 1926. De área construída total de 31.837 metros quadrados, nesse barracão eram armazenados os sacos de café da região, que dali seguiam para o porto de Santos. Os funcionários que morariam na Vila possuíam relação tanto com a Estação quanto com esse barracão, o que justificava sua localização próxima aos locais de trabalho, mesmo que longe do centro da cidade.

Figura 4.4. Vila Ferroviária da Companhia Paulista. (Arquivo municipal de Araraquara, 1930).

Observamos este fato analisando a malha urbana da cidade na década de vinte: a única concentração urbana que surge ao lado posterior do traçado ferroviário é a Vila Paulista. Este dado demonstra como, em função daquele núcleo, a cidade começa a tomar um novo sentido para seu crescimento; a geração de demanda por serviços e equipamentos urbanos levou, por sua vez, ao incremento populacional daquela região. No mesmo lado onde a Vila se formou, a Companhia Paulista intensificou diversas de suas atividades: criou um armazém distribuidor de alimentos, onde os ferroviários faziam suas compras, e um clube associativo ao lado da Vila, mantendo os funcionários nas suas proximidades. O núcleo é constituído por cinqüenta e sete residências, que apresentam três tipologias distintas. Apenas uma casa possui dois dormitórios; as outras têm apenas um. O banheiro, isolado do corpo da casa, situa-se, em toda as edificações, no alinhamento dos fundos do lote, onde se

191

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

encontram também a fossa séptica e a lavanderia. Na implantação original do empreendimento, as casas estavam recuadas do passeio; porém, a malha urbana da cidade não coincidiu com o plano da Vila (já existente quando de sua implantação),

fazendo

com

que

algumas casas fossem localizadas na testada do lote. O conjunto possui também, em suas

imediações,

algumas

casas

isoladas. Na imagem abaixo, pode-se observar três delas - de madeira, agrupadas,

com

características Figura 4.5. Vista aérea Vila Ferroviária da Companhia Paulista e

distintas do núcleo; duas delas com

o barracão do IBC. (Foto, 1998).

dois dormitórios. A presença dessas

residências na extremidade do empreendimento, com a frente voltada para os barracões do IBC, pode explicar a motivação para sua construção: trata-se de uma posição estratégica para o funcionamento das instalações da ferrovia. Fazem parte da Vila também 24 casas de 59,92m², geminadas, de um dormitório, sem porão, com corredor lateral e telhado de duas águas utilizando telha francesa (lembrando o estilo de chalés); as janelas dos quartos originalmente deveriam ser recuadas da rua, como se pode observar em fotos da época. O modelo de casa com jardim frontal e corredor lateral proposto em algumas Vilas Operárias e tomado como padrão ideal se repete na Vila da Paulista. O acabamento dessas casas demarca os pilares de Vila

tijolos nos cantos da parede, reforçando sua estrutura.

Paulista.

Com janelas tipo guilhotina, em madeira, diferenciam-se

(Arquivo Municipal de Araraquara, 1970).

das outras casas construídas no núcleo, com características

Figura

4.6.

Ferroviária

Implantação da

Companhia

da

mais simples.

192

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Casa em renque 29 casas de 44,80m²

Casa de madeira 2 casas de 64,49m² e 1 de 62,26m²

Casa Geminada 24 casas de 50,92m²

Figura 4.7. Planta das Casas da Vila Paulista. (Arquivo Municipal de Araraquara, 1970).

A tipologia que predomina no empreendimento (29 casas) possui 44,08m². As residências são construídas em renque, enfileirando-se em toda extensão da rua, lembrando as implantações realizadas no período colonial. A tipologia adotada nessa casa busca o máximo de economia de material de construção civil, usando diversas paredes em comum.

193

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Figura 4.8. Acima casas em renque e abaixo casas geminadas da Vila Paulista, com alterações realizadas do primeiro modelo construído pela CP. (Foto, 1998).

As janelas utilizadas nas casas, de madeira maciça, com folhas de abrir, são inferiores às empregadas nas geminadas. A sobreposição dos ambientes é clara, pois nessas residências moravam famílias inteiras e era comum a utilização da sala como dormitório para os filhos, o estar vinculando-se à cozinha. Mesmo tendo sido construída em uma área afastada e isolada do centro, a Vila tentou obedecer ao traçado da cidade, agrupando-se as casas dentro de quarteirões. A implantação da Vila da

Paulista

pode

ser

comparada a outras Vilas Operárias empreendidas no país: por meio da utilização de duas tipologias básicas, buscava-se a economia de material e organização dos funcionários em blocos de casas

implantadas

ortogonalmente, acompanhando sugerido

pelo

o

desenho traçado Figura 4.9. Vista do banheiro localizado no fundo do lote, corredor lateral e as casas de madeira.(Foto, 1998).

ferroviário. Se

compararmos

a

194

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

implantação desta Vila com alguns tópicos do Movimento Moderno, perceberemos muitas das características então propostas para tipologias de moradia social: as metragens modestas das casas, a presença no programa somente das dependências essenciais em uma residência (um dormitório, sala, cozinha e banheiro) e a construção em série, com a repetição de duas tipologias básicas em todo o conjunto tentando com isso abaixar o custo das edificações. No entanto, as construções ainda trazem nas fachadas ornamentos e apliques feitos em argamassa. Posteriormente à data da implantação da Vila, a Companhia dotou o local de equipamentos e espaços coletivos, como de lazer (praças) e subsistência (mercados, lojas, açougue). Estes implantaramse

no

núcleo

apenas

com

o

crescimento de Araraquara e a conseqüente aproximação da área Figura 4.10. Vista aérea da Vila da Companhia Paulista. (Foto, 1998).

urbana. Podemos afirmar que a Vila

da Companhia Paulista assemelha-se à tipologia das Vilas Operárias e das Company Towns também principalmente pela proximidade entre as casas e o local de trabalho, como afirmamos anteriormente, em relação às Vilas de Ferrovia em geral. A presença da estrutura do barracão nas proximidades da Vila demonstra a necessidade de mão-de-obra para realizar o carregamento dos vagões da Paulista, transportando as cargas trazidas por muares ou armazenadas no armazém nos trens com destino ao porto de Santos. Basicamente, as casas foram construídas por meio de sistemas artesanais, em alvenaria de tijolos de saibro assentados com argamassa de barro e cimento. O baldrame foi executado em arenito, pedra abundante na região naquela época; o contrapiso foi feito de terra apiloada no nível do passeio, no qual localizava-se o porão da casa (de 50 cm de altura, segundo a exigência das leis do código sanitário vigentes na época). Sobre este havia um piso de tábua corrida

195

Figura 4.11. Armazém de café. (Arquivo Municipal de Araraquara, 1910).

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

(Peroba) na sala e nos quartos; na cozinha não havia o porão e o piso era de ladrilho hidráulico. A alvenaria da construção era estrutural, havendo uma cinta de amarração feita em concreto e com dois ferros que passavam ao redor de toda a casa na altura da verga das janelas e portas (de Cedro). O forro foi feito com lambris de madeira (Peroba) colocados na diagonal dos cômodos, a três metros do piso. O madeiramento da cobertura foi coberto por telhas de tipo francesas, procedentes da região de Pirassununga. Notamos nas casas que ainda não foram modificadas por seus atuais proprietários, um razoável estado de conservação, que se deve, especialmente, à boa procedência dos materiais. No entanto, essas casas vêm, ao longo do tempo, sofrendo pela falta de manutenção e restauração. A maioria foi vendida, por meio de financiamento da FEPASA, para seus antigos inquilinos – funcionários que tinham o aluguel descontado na folha de pagamento da Companhia. A venda ocorreu na década de setenta, como parte do projeto do Governo do Estado que pretendia diminuir as instalações e o número de imóveis pertencentes às Companhias Ferroviárias, visando desta forma baixar os custos de manutenção das empresas. A intenção era conservar no patrimônio da Ferrovia somente a área necessária para a operação do transporte de cargas que atualmente continua funcionando na área denominada “tronco de linhas” pela Rede Ferroviária Federal, liquidante do capital da antiga FEPASA. Atualmente, grande parte das casas da Vila de Araraquara já sofreu modificações. Ao verificarmos que algumas delas ainda conservavam suas características da data da construção, obtivemos a informação de que não foram ainda modificadas por não terem sido vendidas pela FEPASA, ou estarem com os processos de regularização em andamento ou ainda devido à falta de condição financeira de seus proprietários – algumas modificações necessárias seriam relacionadas a ampliações, troca do forro de madeira por laje pré-moldada, reforma dos telhados. Os primeiros moradores da Vila não residem mais no local, situação que se explica pela política da C.P. de só ceder casas para funcionários que estivessem trabalhando. Ao aposentar-se, eram obrigados a deixá-las. Ao longo da malha ferroviária da Companhia Paulista de Estradas de Ferro que se estendia através da cidade de Araraquara, foram construídas ainda outras residências, em pontos estratégicos nos quais a Companhia necessitava de funcionários de prontidão. Não muito distante da Vila da C.P., encontramos um pequeno conjunto com seis casas construídas ao lado da linha (praticamente na entrada da cidade, para quem vem da capital do estado). Essas casas eram conhecidas como “casas de turma”, pois os funcionários que ali residiam eram responsáveis pela manutenção de um determinado trecho da ferrovia, próximo ao local onde se

196

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

encontravam as instalações e depósitos de combustíveis. Essas casas possuem também, em sua maioria, apenas um quarto, e são geminadas duas a duas; a única residência que possui dois quartos encontra-se

isolada

Atualmente,

no

nelas

funcionários

da

lote.

habitam

FEPASA,

que

pagam aluguel à Companhia. No outro extremo da linha encontramos

mais

três

casas,

construídas pela C.P. em 1926. I.B.C

Essas

casas

próximas

às

foram

construídas

instalações

do

Ceagesp, no extremo da linha da Companhia, dentro da cidade de Figura 4.13. Vista aérea da Vila Paulista. (Arquivo FEPASA, 1964).

Araraquara. Atualmente, localizamse em um vazio urbano, em uma

área em estado de abandono. Por estarem em uma região de “tronco de linha”, não foram vendidas pela empresa. Basicamente, os métodos construtivos adotados nessas casas não fogem do padrão utilizado pela C.P. na Vila Paulista – as residências foram feitas em alvenaria de tijolos, e cobertas com telhas francesas. Porém, nestas casas ainda não há esgoto, e a água, até dois anos atrás, era retirada de poços. Estas residências não foram vendidas pela FEPASA, fato que justifica seu estado de abandono, pois

a

Ferrovia não se preocupa com sua conservação. Os moradores pagam uma taxa de aluguel, que já vem descontada na folha de pagamento. Relativamente

ao

tamanho

das

residências, o valor do aluguel é

Figura 4.12. Casas de Turma ao longo da Linha da CP. (Foto, 1998).

menor do que os de mercado.

197

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

2. - Vila da Estrada de Ferro Araraquara Como nos referimos em seção anterior, a Ferrovia, desde o final do século XIX, exerceu influência significativa na cidade. Com o processo de crescimento urbano de Araraquara, desenvolveu-se de forma acentuada, triplicando sua população. Se a cidade, naquele período, já possuía influência das atividades ferroviárias, no início do século XX, com a inauguração da Estrada de Ferro Araraquara (em 1901), cada vez mais a ferrovia passa a se incorporar no cotidiano da cidade. Esse fato se explica pelo motivo de a Estrada de Ferro Araraquara ter concentrado grande parte de suas atividades em Araraquara - como serrarias, escritórios, alfaiatarias, marcenarias e a sede administrativa da empresa. Com a encampação da Estrada de Ferro pelo Estado, em 1919, houve um grande investimento estatal nas linhas - com ponto inicial na cidade de Araraquara, na década de trinta chegavam à divisa do estado do Mato Grosso. Suas atividades, assim como seu processo de desenvolvimento, continuava atrelado à cidade de Araraquara, onde a EFA se interligava à Paulista em direção ao Porto de Santos. Uma

das

intervenções

realizadas pelo Estado na cidade foi a construção das oficinas da empresa, que a princípio produzia miniaturas para eventos ferroviários. Em 1922, foi montada a primeira dessas peças uma

pequena

locomotiva,

com

algumas peças confeccionadas pela própria empresa (AMÉRICO, 1988, p. 164).

Figura 4.14. Primeira Oficina da EFA em Araraquara. (Foto, 2001).

O Estado realizou um projeto vultuoso para o município na década de trinta. Entre os empreendimentos então realizados, estão as novas instalações para as Oficinas da EFA, as quais, em 1935, segundo levantamentos estatísticos, era o setor da área industrial que mais empregava funcionários, somado um total de 390. Nos anos posteriores, os funcionários das oficinas da Ferrovia chegaram a 432 – conforme se observa no quadro abaixo (AMÉRICO, 1988, p. 93).

198

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Estatística Industrial Número de estabelecimentos e de operários segundo atividade principal 1928

1929

1930

1931

1932

1933

1934

1935

1936

n.o n.e. n.o n.e. n.o n.e. n.o n.e. n.o n.e. n.o n.e. n.o n.e. n.o n.e. n.o n.e. Fundição e 10

1937 n.o

n.e.

1

30

2

17

2

4

1

5

1

8

1

17

3

19

2

23

3

7

2

0

0

5

1

14

2

3

1

2

1

2

1

33

9

30

10

56

8

32

5

Malharias

0

0

88

1

0

0

52

1

63

1

74

1

74

1

82

1

92

1

108

1

Serrarias

16

1

46

3

29

3

30

3

33

3

33

3

38

3

38

3

40

3

42

3

e 53

2

39

2

36

3

51

5

25

6

27

6

75

11

83

11

98

8

77

7

66

7

110 14

77

14

90

16

68

14

65

12

71

11

65

12

87

9

109

10

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

325

1

e 43

5

24

6

24

6

24

6

21

6

19

5

24

5

24

5

18

4

25

4

19

1

19

1

20

1

20

1

19

1

20

1

20

1 390 1 411 1

432

1

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

25

1

18

1

10

1

18

1

5

1

3

1

21

2

7

1

9

2

16

2

11

2

74

3

88

3

70

2

Diversos

20

4

38

8

41

9

35

8

47

12

46

13

56

18

40

12

26

8

28

6

TOTAL

232 22 402 39 279 42 326 43 292 47 312 46 439 65

863

61

949

49 1273 43

Serrarias Conserto e reparo

de

Veículos

Móveis Madeira Produtos

alimentares Óleos vegetais Sabão

perfumarias Oficinas de Estrada de Ferro Artefatos para Lavoura Artes Gráficas

AMÉRICO, 1988, p.93. É necessário observar que os números relacionados na tabela acima não englobam as outras atividades ferroviárias que eram executadas no município, como os funcionários que trabalhavam nas linhas e armazéns da Paulista e da EFA.

199

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Se analisarmos os levantamentos referentes à evolução do número de edificações em Araraquara, veremos que mesmo com taxas de crescimentos anuais em torno de 3% do total de edifícios edificados ao ano, as taxas de Crescimento Populacional são superiores, contribuindo para que o déficit habitacional se elevasse a cada dia:

Evolução do número de edificações Araraquara 1921 – 1940 Número de edificações Ano 1921

1.396

1922

-------

1926

1.833

1927

2.083

1932

-------

1936

3.652

1940

4.747

em

Fonte: Prefeitura Municipal de Araraquara

Uma das atividades que então se destacaram no município foi o aumento a construção civil. Devido ao grande número de edificações empreendidas na época, essa era uma das atividades que empregavam parte significativa dos trabalhadores. Já em 1915 os setores envolvidos na construção civil em Araraquara possuíam 441 operários. As marcenarias das Companhias Ferroviárias se destacavam dentro desse ramo. A fim de formar trabalhadores qualificados, havia a Escola Profissionalizante da EFA. De acordo com Segnini e relatos de moradores da Vila da Araraquarense, essa escola servia praticamente apenas aos filhos de ferroviários, os quais, na maioria

das

vezes,

acabavam

dando

continuidade à profissão do pai na empresa ou buscavam

melhor posição por meio das

especializações

Figura 4.15. Escola Profissionalizante da EFA. (Foto, 2001).

Profissionalizante.

200

oferecidas

na

Escola

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Como podemos observar, as atividades ferroviárias na cidade se desenvolveram ao longo da linha férrea, em cuja margem existiam armazéns, oficinas, barracões, depósitos de combustíveis, escolas profissionalizantes, supermercados e estações. As Vilas das Companhias Paulista e Araraquarense se localizaram nas proximidades dessas atividades da empresa - a da Paulista foi construída ao lado dos barracões do IBC, onde se armazenava todo o café da região, e a Vila Ferroviária, pertencente à Estrada de Ferro Araraquara, ficava ao lado das oficinas da Companhia. A necessidade da Vila só se justificaria se sua implantação servisse estrategicamente à empresa. A localização das casas tornava-as essenciais para o funcionamento da Companhia, o que pode explicar a motivação que a Araraquara teve para construir suas casas. A primeira tentativa para a implantação da Vila da Estrada de Ferro Araraquara no município foi realizada em 1938, como podemos verificar em jornais da época que noticiaram o fato. A construção das casas para os funcionários seria realizada no terreno do antigo campo de aviação do município, o qual seria doado, por intermédio de Lei Municipal, que destinava a área para “doação, para construção de prédios residenciais para trabalhadores” (O IMPARCIAL, 4 de Outubro de 1938, p. 01). De acordo com um jornal da cidade, a doação da área pelo poder público era uma das formas deste contribuir para amenizar o problema da falta de moradias e da especulação urbana. A referência a esses problemas está no texto do diário, o qual descreve também as dificuldades do trabalhador em ter acesso a terrenos baratos para que pudesse construir sua casa. A construção das casas da EFA ficaria a cargo da recém criada Carteira Predial da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários da Estrada de Ferro Araraquara, a presidência da junta administrativa da C.A.P, que pleiteou ao poder público municipal a cessão da área para a entidade. Ainda segundo o jornal, os Planos Urbanísticos em estudo do que seria a chamada “Cidade Ferroviária” contariam com:

Essa cidade - dentro de outra cidade - vae por certo ser digna de imitação. Segundo os planos já em estudos, a Cidade Ferroviária terá um traçado urbanístico dos mais modernos que já vimos. Arruamento caprichosamente delineado. Casas modernas e confortáveis quintais amplos e bem cercados, terrenos iguais nas frentes e nos fundos. Serviços de água e esgoto. Ruas calçadas e iluminadas. Sede social e praça de esportes do Grêmio Ferroviário, contendo no seu interior o parque para crianças, jardim público, Egreja, ambulatório médico com clínicas para adultos e crianças, Gabinete dentário, Escolas primárias e profissional. Comunicação rápida e barata com o centro urbano de Araraquara por meio de auto ônibus. (O IMPARCIAL, 4 de Outubro de 1938, p. 01).

201

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

A descrição do projeto demonstra a proporção do empreendimento que estava sendo proposto para Araraquara. Além da doação da área, segundo informações obtidas no mesmo jornal, do dia 30 daquele mês a Prefeitura arcaria com a infra-estrutura do empreendimento, realizando as obras de saneamento, rede de água, calçamento e rede elétrica, com recursos do orçamento municipal, enquanto a CAP da EFA deveria executar as casas e prestar contas de seus atos para o Conselho Nacional do Trabalho, que analisaria a proposta para a construção das casas no referido local. As perspectivas para a construção das casas por intermédio das Caixas de Aposentadoria e Pensões foram frustradas e os ferroviários da EFA tiveram que aguardar mais dez anos para que de fato fosse construída a Vila Ferroviária em Araraquara. Segundo Bittencourt (1996), um dos motivos que levaram à desistência desse primeiro projeto foi a unificação, em 1942, das Caixas de Aposentadorias e Pensões. Anteriormente autônomas, foram reunidas em uma instituição única, a CAPFESP, que passou a ser responsável por todas as contribuições dos servidores públicos. Esse fato dificultou a conclusão do projeto de construção das casas e a posterior venda dos imóveis pela CAP da EFA. A área a ser doada para a EFA ficava do lado oposto ao da linha da Companhia. Para a locomoção dos funcionários, seria utilizado o auto-ônibus, transporte que oneraria a folha de pagamento da Companhia, pois o local de implantação do núcleo, próximo à Vila Xavier, não ficava nas proximidades do leito ferroviário. Ao longo do processo de construção da Vila, ocorreram inúmeras mudanças de condições necessárias para o acesso dos funcionários às casas. Na primeira proposta, os imóveis seriam vendidos para os trabalhadores. No final, foram alugados ou cedidos para os funcionários que possuíam papel representativo dentro da ferrovia. No local onde inicialmente foi proposta a construção das casas da EFA, a Fundação Casa Popular empreendeu, em 1948, 120 unidades habitacionais, vendidas para as pessoas que comprovassem suas necessidades. As casas deveriam ser pagas no prazo de vinte anos, sem juros e com suaves prestações mensais. Um jornal local noticiava, no final de novembro de 48, passados dez anos do projeto inicial da EFA: “Já foram iniciadas as construções das Casas Populares. Três tipos de casas serão construídos, com Material de primeira, Conforto e Higiene. Por ocasião do Natal serão inauguradas as primeiras residências, com Cooperação da Prefeitura...” (TRIBUNA, 25 de novembro de 1948).

202

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Mas o problema da EFA permanecia. Já em 1938, o número de funcionários das oficinas da Companhia, inauguradas em 1935 em um terreno cedido pela prefeitura, aumentava progressivamente. Dez anos mais tarde, foi concretizada a construção da Vila, em um novo local. Em 1947, a Estrada de Ferro Araraquara adquiriu três glebas que perfaziam um total de 124.310,00m². O terreno possuía localização mais favorável à empresa, pois ficava ao lado da Rotunda e das Oficinas. A construção das casas naqueles terrenos concentraria, portanto, as principais atividades da Ferrovia, facilitando e agilizando os trabalhos e reduzindo-lhes os custos.

Figura 4.16. Oficinas da EFA. (Foto, 2001).

A inauguração das residências ocorreu no dia 10 de agosto de 1948, pelo governador Adhemar de Barros. No total, foram construídas 112 unidades. A idéia original da venda das casas para seus funcionários foi substituída pela ocupação da Vila de forma estratégica. Em um primeiro momento, as residências deveriam servir apenas aos funcionários da oficina. Porém, muitos se recusaram a morar no local, alegando a dificuldade de acesso, o isolamento do núcleo e o alto preço dos aluguéis. Dessa forma, a Estrada de Ferro passou a permitir que outros funcionários morassem no local (BITTENCOURT, 1996, p. 31). A mudança do modo de ocupação da Vila justifica-se, como vimos anteriormente, pela real intenção da empresa. De acordo com vários autores (entre eles, Segnini (1982), Blay (1985) e Correa (1998)), tanto nas Vilas Operárias como nas de Ferrovia investiu-se na construção de moradia como forma de fixar os funcionários próximo do local de trabalho, controlando-lhes o cotidiano e fazendo com que ficassem à disposição da empresa vinte e quatro horas por dia.

203

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Oferecendo moradia como forma de melhoria de vida do trabalhador – em forma de “salário nãopago” –, também a E.F.A. estaria garantindo a constante disponibilidade de mão-de-obra. Como a estratégia já adotada pela C.P., a cobrança de aluguel já descontado na folha de pagamento

dos

funcionários

assegurava

a

manutenção dos salários em níveis baixos, reprimindo até mesmo possíveis reivindicações salariais.

Segundo

relatórios

da

Companhia

Paulista, os salários eram menores para os funcionários que moravam nas casas da empresa. A E.F.A. promoveu a ocupação da Vila de forma estratégica: cada quadra se destinava a um determinado departamento da empresa, facilitando Figura 4.17. Vista aérea da Vila da EFA. (Foto, 2001).

a chamada de profissionais em caso de emergência durante a madrugada.

A construção da Vila em área ainda não habitada levou-a ao isolamento com relação ao resto da cidade, distante da degradação da área central (característica presente também nas Vilas Operárias, construídas nas proximidades do local de trabalho) e ao alcance da fiscalização Companhia. Observando a implantação da Vila Ferroviária, percebemos formas e pensamentos distantes das

idéias

do

Movimento Moderno. Há unidades isoladas no lote; o padrão adotado como ideal é

Figura 4.18. Implantação Vila da EFA. (Foto, 2001).

204

o

descrito

por

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Guerrand (1991) como “conjunto de casinhas com jardins”; a densidade demográfica é baixa; o método de construção, artesanal; as casas são agrupadas como em quarteirão; faltam equipamentos no conjunto e existe uma diversidade de tipologias. A Vila construída pela Araraquarense possui algumas outras características que são marcantemente modernas, no entanto. O sistema viário, por exemplo, é racionalizado, privilegiando-se duas avenidas que distribuíam o tráfego para o restante do núcleo. Tal preocupação relaciona-se ao projeto de saneamento da Vila, pois as quadras estreitas permitiram que a rede de esgotos fosse colocada apenas no sentido longitudinal do empreendimento. Assim, garantia-se a redução dos custos de implantação das redes de água e esgoto. O núcleo assemelha-se ao “Movimento das Cidades - Jardins” no que diz respeito ainda a outros aspectos, como hierarquia das vias (há duas avenidas principais interligando o núcleo à cidade, e outras secundárias, que garantiam um menor fluxo de automóveis).

3

2

1

Figura 4.19. Vista das Casas da EFA. (Foto, 2001).

As 112 unidades da Vila da EFA diferenciam-se muito das Vilas da Paulista, com casas realizadas com grande simplicidade. O conjunto da Araraquarense possuía grande diversidade tipológica (8 tipologias diferentes, em modelos de um, dois ou três dormitórios), distribuídas em:

205

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

1

2 Casa 1 dorm. 57,61m² (8 unid)

3

Casa 1 dorm. 51,10m²(19unid)

4

5 Casa 2 dorm. 86,53m² (3 unid)

Casa 2dorm.64,64m² (49 unid).

6 Casa 3 dorm. 76,94m²(20unid)

Casa 3dorm.84,43m² (5 unid).

7 8 Casa 3 dorm. 84,00m² (4 unid)

Casa 3 dorm. 87m²(4unid)

Figura 4.20. Planta das Casas da EFA. (Arquivo Municipal de Araraquara, 1970).

206

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Nas habitações da Vila da E.F.A percebemos uma preocupação com a setorização dos ambientes: na maioria das plantas há um vestíbulo de distribuição, a fim de isolar as atividades da moradia: porém, nas casas de um dormitório é clara a sobreposição de atividades de estar, lazer e o repouso. Essa sobreposição é descrita por Lemos (1999) e ocorre principalmente nas casas de mais baixa renda. Os estilos das casas, segundo Veríssimo (1999), podem ser descritos como uma tendência da década de trinta, assemelhando-se as Vilas da Araraquarense às residências neocoloniais “missões espanholas”:

Figura 4.21. Casas neocolonias conhecidas por missões espanholas. (VERÍSSIMO, 1999, p.73).

E os subúrbios? Continuam em franca efervescência ao longo das ferrovias com seus casarões assobradados, residências ‘achalezadas’, pequenos bangalôs. Já encontramos regiões em que a classe média afastada das áreas onde a especulação imobiliária começou a onerar os imóveis, constrói suas residências ‘missões espanholas’ ou ‘luso brasileiras’. Não encontramos garagens, mas temos grandes quintais com árvores frutíferas, jardins, ruas arborizadas. A varanda, sempre presente, onde as jovens ao cair da tarde ou nas tardes de domingo, flertam, disfarçadamente, com um séqüito de admiradores, incansáveis nos passeios pelas ruas. Casas simples, porém hospitaleiras (VERÍSSIMO, 1999, p.73). A casas construídas pela E.F.A., comparadas às da C.P., visivelmente são de um padrão superior. De acordo com informação obtida a partir de antigos ferroviários, também os salários da Araraquarense eram melhores.

207

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Todas as casas possuíam alpendre na entrada, bem como uma sala, cozinha, banheiro e, de acordo com o tipo, um, dois ou três quartos. Foram construídas por meio de sistemas artesanais, em alvenaria de tijolos de pó-de-mico – seguindo a amarração francesa – aparentes até a altura das vergas, com uma cinta de amarração feita em concreto, dois ferros que passavam ao redor de toda a casa, sobre as janelas e portas (de Cedro). Acima destas, as casas eram rebocadas e pintadas de amarelo. O baldrame foi executado em arenito, pedra abundante na

Figura 4.22. Vista geral da Vila Ferroviária. (SILVA, 1996: p.60) )

região nessa época. O contrapiso de terra era elevado com relação ao nível do passeio. Sobre esse, havia um piso de lajota na sala e nos quartos; na cozinha, o piso era de ladrilho

hidráulico.

O

forro

foi

confeccionado em lambris de madeira (Peroba), colocados na diagonal dos cômodos a três metros do piso. O madeiramento

da

cobertura

foi

executado também em Peroba e coberto de telhas capa e canal. À semelhança do que ocorre na Vila da Figura 4.23. Vista geral da Estação e Rotunda. (Foto, 1998)

C.P., observam-se diversos adornos

feitos em argamassa. As tipologias de Vila de Ferrovia assemelham-se aos moldes do Garden City Moviment (Movimento das Cidades Jardim), surgido na Inglaterra no final do século XIX. Sua finalidade era solucionar o problema da escassez de moradias nas cidades por intermédio da utilização de métodos de planejamento regional, com habitações unifamiliares de baixo custo, isoladas no

208

Figura 4.24. Vista casa tipo 5. (Foto, 1998)

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

lote, distribuídas em quarteirões. A ocupação das casas da Vila muitas vezes não levava em consideração o tamanho da família, fazendo com que o número de integrantes não estivesse relacionado com o de quartos da casa cedida pela

Figura 4.25. Vista casa tipo 4. (Foto, 1998)

empresa. A concessão era feita de acordo com o cargo e a função do trabalhador; o pedido para a ocupação da

casa era feito por escrito quando vagava uma unidade no conjunto. A pessoa se mudava para o núcleo, se quisesse uma casa maior, deveria solicitar para a empresa. A construção da Vila em área ainda não habitada levou-a ao isolamento com relação ao resto da cidade, distante da degradação moral da área central (característica presente também nas Vilas Operárias) e ao alcance da fiscalização Companhia. O único acesso entre a Vila da EFA e a cidade era constituído pelos trilhos, como o sistema viário urbano não tinha continuidade até o local. Os equipamentos urbanos, como a escola que atendia a Vila, foram locados estrategicamente na extremidade do empreendimento, lembrando as “unidades de vizinhança” propostas por Perry (1929). Os equipamentos de lazer do bairro se transformaram no orgulho da cidade, instituindo-se de

grande

importância

o

clube

o

e

“Estádio

da

Ferroviária”. Oficinas

O complexo

Escola

da

Clube

Vila Ferroviária localiza-se em

Vila

local atualmente muito valorizado.

Rotunda

A

Vila da E.F.A. encontra-se ao

Figura 4.26. Vista aérea da Vila da EFA . (Arquivo FEPASA,1964)

lado da Fonte

209

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Luminosa, bairro de alto padrão, fato que expõe as casas às leis de mercado e à especulação imobiliária, vilã das iniciativas de planejamento urbano e de conservação do patrimônio histórico. Como afirmamos anteriormente, a Vila Ferroviária da E.F.A. assemelha-se em alguns pontos ao “Movimento das Cidades-Jardins” – no que diz respeito à implantação de casas unifamiliares isoladas no lote, distribuídas em quarteirões –, e assemelha-se, em outros aspectos, com descrições dos IAPs:

Na verdade, bem pouco valeria construir habitações econômicas e as dividir em pequenos lotes, misturados entre as construções existentes, duma outra era, com toda a promiscuidade dos cortiços vizinhos. Semelhante critério concorreria para agravar o mal que se procura combater, sendo certo que teríamos retrogradado (PORTO, 1938, p. 57). A construção da Vila em área ainda não habitada acabou por impulsionar o crescimento da cidade naquelas regiões. Obedecendo a necessidades específicas das Companhias Férreas, o procedimento de construir suas casas em locais deslocados dos centros de expansão das cidades, em busca de áreas mais baratas, levou, muitas vezes, a um crescimento desordenado, criando vazios urbanos e fazendo com que a cidade se desenvolvesse de forma rarefeita e com baixas densidades nos arredores desses conjuntos. Atualmente, as Vilas Ferroviárias de Araraquara estão inseridas dentro da malha urbana e apresentam visível processo de degradação ocasionado pela falta de manutenção e pela descaracterização de suas tipologias. As tentativas para a preservação do patrimônio ferroviário encontram dificuldades principalmente quanto à especulação imobiliária. Influenciando o cotidiano do conjunto, com a valorização dos terrenos na Vila muitas casas estão sendo demolidas para a construção de novas residências, buscando padrões e gostos da época, desprezando o valor histórico do conjunto. A Estrada de Ferro Araraquara, assim como a C.P., também construiu outras casas ao longo de sua linha férrea. Dentre estas, destaca-se um conjunto de oito habitações próximas da Estação Ferroviária, na (atual) rua Dr. Leite de Moraes. Essas casas destinavam-se aos funcionários que trabalhavam na Estação. Todas elas possuem três quartos, foram construídas na década de 40 e se assemelham muito às da Vila Ferroviária, com relação às suas áreas, métodos construtivos e estilo arquitetônico.

210

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Figura 4.27. Conjunto da EFA na rua Dr.Leite de Morais, ao lado da estação. (Arquivo FEPASA,1964)

Ao lado desse conjunto de casas está localizada a Escola da Estrada de Ferro Araraquara, que atendia os filhos dos Ferroviários. A estação que servia a Paulista e a Araraquarense se encontra a alguns metros dessas casas. A

implantação

deste

pequeno

conjunto está inserida na malha urbana, dando continuidade ao viário existente, que se prolongou até o limite do leito ferroviário, que segmenta a cidade em toda sua extensão. Outro bloco de casas (constituído por três unidades isoladas no lote) encontra-se Figura 4.28. Escola da EFA ao lado da estação. (Foto,

atrás de alguns barracões e do mercado que abastecia os ferroviários, conhecido como

2001)

RAPA da E.F.A. (onde funciona atualmente o almoxarifado e mercado da empresa). Quando de sua construção, essas casas ficavam de frente para o barracão, dado relevante com relação à não existência de separação entre a moradia e o trabalho – realizado literalmente “na porta da residência”,

proporcionando

integral

funcionário

do

para

disponibilidade a

empresa.

Atualmente, com a venda das casas, o acesso a elas passou a ser feito pelos fundos.

Figura 4.29. RAPA, mercado que atendia aos ferroviários . (Foto, 2001)

211

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

Próximo das casas construídas pela C.P., no ponto extremo da linha, no sentido interiorcapital, encontramos outras três casas (geminadas) construídas pela E.F.A., que se diferenciam do padrão adotado pela empresa para as residências de seus funcionários. Provavelmente, essa diferença relaciona-se à época distinta de construção – estas últimas são mais recentes, datando do final década de 50. Atualmente, esse bloco já sofreu diversas alterações. Há ainda a presença, nestas casas, de um poço de água, devido à distância da cidade, motivo pelo qual elas não possuíam infraestrutura de água e esgoto.

Figura 4.30., Casa de turma, localizada ao longo da via férrea . (Foto, 2001)

212

Capítulo IV _______________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA

213

Conclusão ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS

CONCLUSÃO Como se pôde constatar, assim como todo o complexo ferroviário as Vilas Ferroviárias tiveram grande importância no processo de formação do estado de São Paulo, determinando influências regionais e até mesmo o nascimento de algumas cidades. Expandindo-se a partir das estações e ou de Vilas Ferroviárias, muitos núcleos se tornaram prósperas cidades, ao passo que outros, com o findar do transporte ferroviário, tiveram seu desenvolvimento dificultado a ponto de se estagnarem em pequenos vilarejos. Por intermédio da verificação das funções ferroviárias que eram exercidas em diversas cidades do estado, pôde-se avaliar como as Vilas interferiram no processo de formação das cidades paulistas. O Boletim de 1944 do Conselho Nacional de Geografia (p. 44) caracteriza vários municípios como “cidades – estações”, destacando o fato de a Ferrovia ter sido a responsável pela numerosa geração urbana que se deu no estado de São Paulo. Nesse mesmo sentido, Cano (1977) se refere à influência do complexo econômico cafeeiro – no qual a Ferrovia representava papel fundamental - no ciclo capitalista e na formação das primeiras indústrias paulistas. Seria simplificador imaginar cidades surgindo apenas de estações. Havia, em torno destas, todo um complexo sistema ferroviário, composto por diversas edificações necessárias ao funcionamento da Ferrovia. Entre as edificações desse complexo destaca-se a importância das Vilas Ferroviárias, que fixavam o trabalhador (e sua família, com suas diversas necessidades de consumo, lazer e educação) em locais até então ainda não desbravados. O investimento do setor ferroviário na construção de Vilas foi uma das soluções adotadas para possibilitar que o complexo econômico cafeeiro se desenvolvesse. A forma como o modo de produção das Companhias operava, com forte influência regional, obrigou-as a fixar parte de seus funcionários nas proximidades do local de trabalho. Os complexos ferroviários com maior movimento eram aqueles que centralizavam as atividades econômicas, que convergiam através das pequenas Vilas Ferroviárias ou pequenas estações, cujo papel, por sua vez, também era essencial na viabilização da produção das fazendas cafeeiras e da atividade econômica da população que ali residia. No interior do estado de São Paulo, esse relacionamento da expansão da cultura cafeeira – expansão ferroviária – expansão urbana do território é tão patente que, na linha férrea da Alta Paulista, as estações foram classificadas seguindo a ordem alfabética e a data da fundação da cidade, considerada a mesma da estação e de seu complexo ferroviário (Américo, Brasília, Cabrália, Duartina, Esmeralda, Fernão Dias, Gália, Herculândia, Jafa, Lácio, Marília, Nipônio, Ormuz e Pompéia (ponto final da linha) fazem parte dessa lista).

214

Conclusão ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS

Bauru, ponto final da estrada de ferro no ano de 1886, praticamente surgiu de um núcleo ferroviário. Na inauguração da cidade, em 1887, havia 50 casas construídas em madeira; 2 anos depois, contavam-se 4000 habitantes. As mesmas características podemos citar em referência a Marília, que também nasceu de um aglomerado ferroviário e se transformou em uma das cidades de grande importância do estado (seu núcleo teve origem em um dos planos de prolongamento de linhas da Companhia Paulista). Ao mesmo tempo em que provocavam o surgimento e expansão de núcleos urbanos, as Companhias Ferroviárias padeciam do problema de conseguir alojar seus funcionários. Em um período em que nascia a preocupação com a qualidade de vida das classes trabalhadoras como forma de incremento da produção, as empresas ferroviárias passaram a investir na construção de casas, na tentativa de resolver o problema de moradia de parte de seus funcionários. Os critérios adotados para a construção dos empreendimentos buscavam atrelar a localização da Vila à importância da atividade exercida pela empresa na cidade. Assim, havia as Vilas que serviam aos armazéns, pontos finais de linha, pátios de manobra, entroncamentos ferroviários, sedes de escritórios, entre outras atividades fundamentais das Companhias. Assim, pode-se destacar três soluções básicas adotadas pelas empresas ferroviárias na implantação de seus núcleos habitacionais, dividindo-os em: 

As Vilas de fato, sempre nas proximidades dos barracões, armazéns, oficinas ou estações das Companhias.



As casas em grupos de três ou mais, implantadas nas esplanadas das pequenas estações.



As casas em pequenos grupos, localizadas ao longo das linhas, próximas das chaves, bifurcações, passagens de nível.

Em todas essas formas de implantação das moradias, o objetivo da empresa era disponibilizar a mão de obra desses funcionários vinte e quatro horas por dia, garantindo desta forma a realização das articulações de toda malha ferroviária, e assim reforçando as influências regionais exercidas pelas Companhias nos períodos estudados. A implantação das Vilas obedecia a princípios operacionais das empresas, mas não eram esquecidos os custos e a remuneração do capital investido. Por esses motivos, observamos, na maioria das Vilas Ferroviárias estudadas a preocupação da racionalização do espaço e o aproveitamento de material através de tipologias geminadas ou em renque. Em muitas cidades do

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estado de São Paulo as Companhias Ferroviárias, em busca de terras mais baratas, edificaram seus núcleos, oficinas ou armazéns adjacentes à linha férrea, longe da malha urbana já consolidada das cidades. As tipologias adotadas pelas Companhias e as novas técnicas construtivas demonstram a adoção, pelas empresas, de processos de pesquisa e avanço tecnológico. A Sorocabana, por exemplo, inovou em seus conjuntos verticalizados, com forte influência modernista, apresentando modelos únicos entre as Vilas de empresa. A diversidade de tipologias encontrada nas Vilas pode ser compreendida por meio das influências regionais, pela disponibilidade de materiais da região e pela origem dos acionistas majoritários da empresa (nesse sentido, podemos citar a Vila de Paranapiacaba que, segundo Minami (1994), se destaca como um modelo de Company Town, e que possui características peculiares, do ponto de vista urbanístico e de seus equipamentos coletivos). Os estudos realizados e as soluções encontradas para cada Vila demonstram a preocupação em adotar as melhores tipologias, adequando-as ao local onde seriam implantadas, como também viabilizar o uso de materiais abundantes na região. No caso de Bauru e Marília, por exemplo, ocorreu o aproveitamento, pela CP, da madeira de reflorestamento para a construção das casas, buscando reduzir os custos das obras. Pôde-se constatar, ao longo da realização de nosso trabalho, a grande importância das Vilas Ferroviárias também do ponto de vista arquitetônico. Os modelos adotados e a diversificação do repertório das Companhias influenciaram diversas moradias que se espalharam no interior do estado. O estudo de caso específico da cidade de Araraquara teve por finalidade descrever a importância de todo o complexo ferroviário e sua influência no processo de formação econômica e urbana da cidade. Devido à impossibilidade de abordar todas as Vilas de Ferrovia existentes em cada cidade paulista, optamos por retratar, de forma mais detalhada, o caso de Araraquara, onde a influência da ferrovia foi marcante – diríamos mesmo decisiva - para a constituição do traçado urbano da cidade. A implantação da Vila da Estrada de Ferro Araraquara acabou por criar um desenvolvimento urbano desordenado, pois a demanda gerada pelo novo núcleo, refletindo-se no mercado de manufaturas, acabou interferindo no crescimento da cidade. A desordem no crescimento pode ser caracterizada, neste caso, pela existência de vazios urbanos, que demorariam alguns anos para serem preenchidos, a fim de gerar um crescimento homogêneo.

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Em Araraquara, a Vila da CP foi construída do lado oposto da linha férrea, gerando uma série de reivindicações de seus moradores por qualidades melhores de vida - como água encanada e esgoto, que tardaram a chegar àquelas residências devido às dificuldades de interligação do núcleo com a malha urbana existente e sua infra-estrutura. A implantação da Vila naquela posição em relação à cidade provocou um crescimento urbano que cruzou os trilhos, fazendo com que a cidade ficasse segmentada pela linha férrea. Grande parte das áreas existentes entre a cidade e essa vila demorou quase vinte anos para ser apenas parcialmente ocupada, repetindo uma situação comum em várias outras cidades do interior paulista. Situada fora da malha urbana na data de sua implantação, a vila empreendida pela EFA em Araraquara recebeu vários investimentos do município para sua sustentação, como a construção de uma escola, desapropriação de área para a construção de um clube (o qual acabou por se tornar referência da cidade na década de quarenta), que servia também como sede de um time de futebol, financiado pela Estrada de Ferro Araraquara. Os investimentos do município valorizaram as áreas lindeiras ao empreendimento. Assim, quem muito se beneficiou com a implantação da Vila naquele ponto foram os proprietários de terras dentro do vazio que então se criou entre o núcleo e a cidade. Pressionado pelos moradores da Vila, o município passou a investir de forma sistemática naquela região, levando asfalto, transporte coletivo, o que levou à implantação, ao lado do núcleo, de um dos bairros mais valorizados da cidade de Araraquara (a “Fonte Luminosa”). A história das Vilas Ferroviárias elucida os processos de dominação e viabilização do capitalismo que se instauraram no cotidiano das pessoas e das cidades Paulistas, no momento de expansão das atividades industriais e comerciais que ocorreu a partir da metade do século passado. Um exemplo de como algumas empresas construíram locais onde ofereciam a seus funcionários melhores condições de vida, mas à custa de sua liberdade e privacidade, em forma de concessões paternalistas que dominam e ferem a liberdade humana (os operários tinham sua vida vigiada, eram obrigados a estar permanentemente em disponibilidade para o trabalho e não podiam deixar o local porque seu salário não lhes possibilitava pagar por outra habitação). Podemos ainda destacar, nas Vilas Ferroviárias, a existência de dois tipos de ações distintas relacionadas à atuação do Estado sobre os investimentos na área habitacional: a garantia de juros, que era freqüente nas concessões de tais empresas, remunerados pelo governo federal e estadual sob o capital empregado das empresas, retornava em duplicidade ora pela garantia do Estado e ora pelo o aluguel descontado na folha de pagamento. Assim, de acordo com Leme (1986), na Paulista o

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reajuste salarial dos ferroviários que moravam nas Vilas era inferior ao dos demais trabalhadores, pois a eles deveriam-se descontar os benefícios já cedidos através da casa. A segunda verificação é o papel do Estado na construção de moradias através das empresas já encampadas pelo Estado. A questão habitacional – também nas Companhias Ferroviárias - passou a ser tratada sob um ponto de vista político, tendo sido divulgada como obra realizada pelo Governador. Na verdade, por trás do discurso paternalista e solidário estava a necessidade de fixar os ferroviários nas proximidades do local de trabalho. Tais fatos podem ser observados em toda a história da implantação das Vilas da EFA em Araraquara, nas quais se destacou a dualidade das intenções. Segundo Blay (1985), toda vez que o Estado subsidia as Vilas Operárias, o trabalhador acaba pagando a conta. Esses fatos se repetem no nosso dia, a política de concessão ou financiamento de casas populares acaba por demonstrar as reais condições da classe trabalhadora que passam a ocupar áreas, executar suas autoconstruções nas periferias de acordo com suas condições sociais. Reafirmam-se, assim, os dizeres de Engels (1987), segundo o qual o problema de fato não é o da habitação e sim da pequena remuneração da classe trabalhadora, que inviabiliza a aquisição de melhor qualidade de vida pelos trabalhadores é praticamente inviabilizada pelo desemprego e os baixos salários. Portanto, a solução do problema da habitação no país passa obrigatoriamente pela melhoria da condição sócio-econômica da população. O trabalhador, na verdade, assistia a uma espécie de “migração das concessões” em relação ao acesso à habitação. Recluso na senzala no passado escravocrata, mudou-se para as colônias das fazendas de café, percorrendo a saga dos imigrantes paulistas, ou dirigiu-se às Vilas Operárias e Cortiços. Essa transposição da história levou à exclusão da classe trabalhadora para as periferias urbanas e favelas. Excluídos do acesso a esse bem material, a moradia, os pobres utilizavam seus parcos recursos, de acordo com suas condições, gerando soluções precárias de habitação que tanto foram condenadas desde os séculos XVIII e XIX.. A despeito de suas características negativas, é importante ressaltar um dos aspectos mais positivos observados neste trabalho foi a pulverização das Vilas em pontos estratégicos. Esse fato propiciou que o estado de São Paulo tivesse características únicas de aglomerações urbanas espalhadas ao longo da malha ferroviária paulista, garantindo destaque econômico ao estado, em detrimento de outros. A disposição das Vilas Ferroviárias em São Paulo justifica o grande número de municípios e vilarejos que predominam nas paisagens paulistas, diferenciando-as da maioria dos estados

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brasileiros onde as distâncias entre Vilas e cidades é maior e processo de urbanização não foi tão intenso como o proporcionado pelo binômio café-ferrovias. Não apenas as Vilas, como todo o complexo ferroviário do estado de São Paulo deve ser alvo de análise e discussão minuciosa, pois foram essenciais para o desenvolvimento urbano do estado e atualmente estão ainda presentes na maioria das cidades mais importantes de São Paulo. Propostas, muitas vezes precipitadas, para resolver o problema do novo uso das ferrovias podem condenar o desenvolvimento integrado do estado com suas articulações ferroviárias. Por outro lado, propostas idealizadas sob uma nova ótica de transporte coletivo podem evitar a retirada dos trilhos das áreas centrais dessas cidades, fato que vem ocorrendo devido ao interesse em comercialização dessas áreas pela iniciativa privada. A relação entre moradia e trabalho nas Vilas Ferroviárias deriva do modelo que se optou por utilizar, em detrimento de uma política habitacional sustentável. O modelo de pólos regionais de centralidade presente no Complexo Ferroviário, lembrando as propostas nas cidades Jardins, deverá retornar à pauta das discussões. As interligações intermunicipais e a potencialidade do traçado ferroviário serão peças fundamentais para amenizar as diferenças sociais. Atualmente, os locais das cidades paulistas por onde a Ferrovia ainda passa são totalmente sub-utilizados, servindo apenas de corredor de passagem para produtos como a soja, minério de ferro e combustíveis que na maioria das vezes somente circulam pelos já abandonados pátios de estação. A fim de garantir, com segurança, a conservação da memória do progresso que significou, para o estado de São Paulo, a estrada de ferro, seria necessário que as linhas tivessem uma nova utilidade perante os olhos da população. Essa utilidade poderia estar mesmo na interligação das cidades, nas quais o transporte ferroviário viabilizou a instalação de complexos industriais. Essa reutilização do complexo ferroviário paulista poderia ser a solução para o estado de abandono em que se encontram as construções desse complexo e ao mesmo tempo as relações intermunicipais poderiam se intensificar. Sem essa reutilização, que poderia mudar a forma de as pessoas enxergarem todo aquele “elefante branco” que corta as cidades (as construções do complexo ferroviário), medidas infundadas continuarão sendo tomadas a fim de “limpar” as cidades – como simplesmente retirarem-se os trilhos do centro, desprezando-se a potencialidade de seu uso em beneficio da coletividade.

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Bibliografia ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS

BIBLIOTECAS E ARQUIVOS PESQUISADOS Arquivo Departamento de Patrimônio FEPASA – São Paulo/SP Arquivo Histórico Municipal de Araraquara – Araraquara / SP Arquivo Histórico Prof. Rodolfo Telarolli – Araraquara / SP Arquivo do Museu Ferroviário da Estrada de Ferro Araraquara – Araraquara / SP Arquivo do Museu Ferroviário Barão de Mauá – Jundiaí / SP Arquivo do Museu Municipal Araraquara – Araraquara / SP Arquivo da Secretaria Estadual de Cultura – São Paulo

Biblioteca da Escola de Engenharia da USP de São Carlos - São Carlos / SP Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP de São Carlos – São Carlos / SP Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara – Araraquara / SP Biblioteca da Pós – Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP – São Carlos / SP Biblioteca Municipal Mário de Andrade – Araraquara / SP

232

Apêndice ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS

Apêndice

233

Apêndice ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS

RESUMO DO LEVANTAMENTO DAS COMPANHIAS FÉRREAS PASTA LIVRO MUNICÍPIO 9 39 MAIRINQUE 14 57 SÃO PAULO 3 BOTUCATU 15 60 SÃO VICENTE 6 29 IPERÓ 10 42 OSASCO 7 31 ITAPETININGA 16 62 SOROCABA 2 ASSIS 14 54 SANTOS 15 59 SÃO ROQUE 12 48 PRESIDENTE EPITÁCIO BERNARDINO DE 3 CAMPOS 2 AVARÉ 9 37 LARANJAL PAULISTA 8 34 ITU 7 32 ITAPEVA 14 56 SÃO MANOEL 6 28 INDAIATUBA 5 26 EMBÚ GUAÇU 12 48 PRESIDENTE PRUDENTE 11 46 PIRACICABA 11 43 PALMITAL 13 53 SANTO ANASTÁCIO 7 33 ITARARÊ 3 BURI 4 CANDIDO MOTA 7 33 ITATINGA 10 41 MIRACATÚ 4 CERQUILHO 11 44 PARAGUAÇU PAULISTA 12 49 RANCHARIA 4 CARAPICUIBA (APTOS) 11 43 OURINHOS 6 30 ITANHANHÊM 4 CONCHAS 17 69 XAVANTES 16 65 TEODORO SAMPAIO 16 64 TAPIRATINGA 12 49 REGENTE FEIJÓ 5 24 COTIA 7 32 ITAPEVI 9 38 LENCÓIS PAULISTA 11 45 PERUÍBE 12 49 QUATÁ 7 33 ITARIRI 16 65 TATUÍ 3 BOITUVA

ESTADO SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP

234

CP

EFA EFS CM SPM FEPASA TOTAL 176 176 149 149 128 128 128 2 130 114 114 93 93 92 92 80 80 74 74 68 68 67 67 54 54 53 52 52 48 43 43 42 41 40 39 37 36 35 34 34 33 31 30 30 30 29 29 28 27 25 23 22 21 20 20 20 20 20 19 18 17

53 52 52 48 43 43 42 41 40 39 37 36 35 34 34 33 31 30 30 30 29 29 28 27 25 23 22 21 20 20 20 20 20 19 18 17

Apêndice ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS 4 10 10 5 6 8 1 11 12

CERQUEIRA CÉSAR 40 MARTINÓPOLIS 41 MONGAGUÁ 26 ELIAS FAUSTO 28 INDIANA 36 JUQUIA ANGATUBA 46 PIRAPOZINHO 48 PRAIA GRANDE PRESIDENTE 12 49 VENCESLAU 13 51 RIO DAS PEDRAS 1 AGUDOS 6 28 IPAUAÇU 11 45 PEDRO DE TOLEDO 1 ÁLVARES MACHADO 3 CAIUÁ 10 40 MANDURI MIRANTE DO 10 41 PARANAPANEMA 1 ANHEMBI 8 35 JANDIRA 11 45 PIQUEROBI PRESIDENTE 12 48 BERNARDES 2 AREIÓPOLIS 6 30 ITAPECIRICA DA SERRA 6 27 IBIRAREMA 10 42 ÓLEO 16 64 TARABAY 16 65 TIÊTE 4 CAPIVARI 8 36 JOÃO RAMALHO 3 BOFETE 13 52 SALTO 13 52 SALTO GRANDE 10 41 MOMBUCA 12 49 RAFARD 6 30 ITABERA 13 52 SANDRALINA SÃO PAULO (aptos15 58 800m2) 16 63 SOROCABA PASTA LIVRO MUNICÍPIO 2 BAURU 5 25 DOIS CÓRREGOS 8 34 ITIRAPINA 3 CAMPINAS 2 BARRETOS 11 45 PEDERNEIRAS 17 66 TUPÃ 13 51 RINCÃO

SP SP SP SP SP SP SP SP SP

17 17 17 16 16 16 15 15 15

17 17 17 16 16 16 15 15 15

SP SP SP SP SP SP SP SP

15 15 14 14 14 13 12 12

15 15 14 14 14 13 12 12

SP SP SP SP

12 11 11 11

12 11 11 11

SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP

11 9 9 8 8 8 8 7 7 6 6 6 5 4 3 2

11 9 9 8 8 8 8 7 7 6 6 6 5 4 15 2

SP SP ESTADO SP SP SP SP SP SP SP SP

235

12

CP 108 92 91 69 66 62 60 54

1 1 0 0 EFA EFS CM SPM FEPASA TOTAL 14 122 92 91 80 149 66 62 60 54

Apêndice ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS 5 8 14 3 10 1 11 11 12 13

24 36 55

9 12

38 47

13 2 9 16 9 11 1 9 6 11 3 8 10 4 17 12 13 6 12 17 17 11 13 6 10 2 4 5 5 5 6 8 11 17 6 13 5 12

52

40 46 46 47 51

37 63 38 43 38 27 44 36 42 69 47 50 27 48 66 68 44 53 27 42

25 25 26 30 36 43 69 27 52 24 49

CORDEIRÓPOLIS JAÚ SÃO CARLOS BROTAS MARÍLIA ARARAQUARA PITANGUEIRAS PIRASSUNUNGA PORTO FERREIRA RIO CLARO ADAMANTINA LUCÉLIA POMPÉIA SANTA BÁRBARA D' OESTE ARARAS LEME SUMARÉ LOUVEIRA OSVALDO CRUZ AMERICANA LIMEIRA IBATÉ PANORAMA BEBEDOURO JUNDIAÍ NOVA ODESSA COLOMBIA VINHEDO PONTAL RIBEIRÃO PRETO HERCULÂNDIA PRADÓPOLIS TORRINHA VALINHOS PARAPUÃ SANTA LÚCIA IACRI ORIENTE BARRINHAS COLINA DESCALVADO DRACENA FLORIDA PAULISTA IRAPURU JUNQUEIRÓPOLIS PACAEMBÚ VERA CRUZ GARÇA SANTA GERTRUDES CONQUISTA QUINTANA

SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP

53 52 44 41 40 39 39 31 29 29 26 25 25

SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP MG SP

25 24 24 24 23 23 21 21 20 20 18 18 18 17 17 16 16 15 15 14 14 13 13 12 12 11 10 10 10 10 10 10 10 10 9 8 5 5

236

1

30

3

7 25

54 52 44 41 40 69 39 31 29 32 26 25 25 25 24 24 24 23 23 21 21 20 20 18 18 18 17 17 23 41 15 15 14 14 13 13 12 12 11 10 10 10 10 10 10 10 10 9 8 5 5

Apêndice ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS 1 AMÉRICO BRASILIENSE 6 28 INÚBIA PAULISTA 11 43 OURO VERDE PASTA LIVRO MUNICÍPIO 17 67 UBERABA 4 CASA BRANCA SÃO SEBASTIÃO DO 15 59 PARAÍSO 6 27 GUAXUPÉ 8 35 JAGUARIUNA 17 68 UBERLÂNDIA 12 47 POÇOS DE CALDAS 5 26 FRANCA 1 AGUAÍ 7 32 ITAPIRA SÃO JOSÉ DO RIO 14 56 PARDO MONTE SANTO DE 10 41 MINAS SÃO JOÃO DA BOA 14 55 VISTA 2 BATATAIS 11 44 PASSOS 1 ÁGUAS DA PRATA 12 48 PRATÓPOLIS 13 50 RESTINGA 8 35 JARDINÓPOLIS 6 30 ITAMOGI 6 27 GUARANÉSIA 3 BRODOSQUI 10 41 MOJI-GUAÇÚ 16 64 TAMBAÚ 15 60 SÃO SIMÃO 8 34 ITOBI 5 24 CRAVINHOS 10 41 MOJI-MIRIM 16 62 SERTÃOZINHO SANTA RITA DO 13 53 VITERBO PASTA LIVRO MUNICÍPIO 17 69 VOTUPORANGA SÃO JOSÉ DO RIO 14 56 PRETO 8 35 JALES 5 24 COSMORAMA 10 41 MONTE APRAZÍVEL 10 40 MATÃO 5 26 FERNANDÓPOLIS 16 64 TAQUARITINGA 4 CEDRAL 5 26 ESTRELA DO OESTE 11 45 PINDORAMA 17 68 VALENTIM GENTIL

SP SP SP ESTADO MG SP

4 4 0 CP

4 4 0 EFA EFS CM SPM FEPASA TOTAL 89 89 77 77

MG MG SP MG MG SP SP SP

49 41 36 32 30 29 27 24

49 41 36 32 30 29 27 24

SP

24

24

MG

22

22

SP SP MG SP MG SP SP MG MG SP SP SP SP SP SP SP SP

22 21 21 20 20 20 18 16 14 9 7 7 6 5 4 4 3

22 21 21 20 20 20 18 16 14 9 7 7 6 5 4 4 3

SP ESTADO SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP

237

CP

0 0 EFA EFS CM SPM FEPASA TOTAL 47 47 40 33 31 26 23 22 20 15 15 13 12

40 33 31 26 23 22 20 15 15 13 12

Apêndice ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS 2 10 13 16 10 13 4 4 17

BALSAMO 41 MIRASSOL 52 SANTA ERNESTINA 64 TANABI 40 MERIDIANO 52 SANTA FÉ DO SUL CATINGA CATANDUVA 66 TRÊS FRONTEIRAS SANTANA DA PONTE 13 53 PENSA 17 68 URÂNIA 17 68 UCHOA 13 52 SANTA ADÉLIA PASTA LIVRO MUNICÍPIO 1 ALTINÓPOLIS 16 62 SERRANA 15 61 SERRA AZUL 1 APIAÍ 5 24 CUBATÃO 5 25 DOBRADA 5 26 FERNANDO PRESTES 8 34 ITUVERAVA 10 42 ORLANDO 11 44 PAULÍNIA 13 50 REGISTRO 13 50 RIBEIRÃO BRANCO SANTO ANTÔNIO DA 13 53 POSSE SÃO JOAQUIM DA 14 55 BARRA

SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP ESTADO SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP

11 11 10 10 8 8 7 6 6

CP

11 11 10 10 8 8 7 6 6

3 3 3 3 2 2 0 0 EFA EFS CM SPM FEPASA TOTAL 45 45 19 19 17 17 24 24 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

SP

0

0

SP

0

0

CP EFA EFS CM SPM FEPASA TOTAL 1666 412 2784 809 81 30 5782

TOTAIS

238

Apêndice ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS

239

Apêndice ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS

240

Apêndice ______________________________________________________________________________________________________

AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS

241

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