Ascensão contra-hegemônica do Sul: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais

VICTOR CARNEIRO CORRÊA VIEIRA

ASCENSÃO CONTRA-HEGEMÔNICA DO SUL: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI

RIO DE JANEIRO 2015

VICTOR CARNEIRO CORRÊA VIEIRA

ASCENSÃO CONTRA-HEGEMÔNICA DO SUL: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI

Dissertação apresentada do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro da Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais. Área de Concentração: Globalização, Integração Regional e Política Comparada.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da Silva

RIO DE JANEIRO 2015

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VICTOR CARNEIRO CORRÊA VIEIRA

ASCENSÃO CONTRA-HEGEMÔNICA DO SUL: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais.

__________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da Silva Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/UCAM

__________________________________________________ Profª. Drª. Cristina Buarque de Hollanda Instituto de Estudos Sociais e Políticos/UERJ

__________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Afonso Monteiro Velasco Júnior Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/UCAM

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de expressar minha profunda admiração ao professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, um dos intelectuais mais brilhantes e com conhecimento mais abrangente que tive o prazer de conhecer. Devo, contudo, acrescentar minha gratidão incondicional por toda a atenção e paciência que demonstrou durante todo o processo de orientação, e mesmo antes de ter se tornado meu orientador pela ação do destino. Com uma solicitude inigualável, seus ensinamentos não se direcionavam unicamente ao tema deste trabalho ou às aulas ministradas por ele, estando constantemente a par de todas as minhas iniciativas acadêmicas ao longo desse período. Ter o Chico como mentor durante esse percurso alterou, definitivamente, a minha percepção da relação entre orientador e orientando, ultrapassando a relação formal de mestre e aprendiz para desenvolver uma relação de amizade, que espero que se estenda por muitos anos. Meu segundo agradecimento é destinado para outra professora que, infelizmente, não pode presenciar a obtenção do meu título de mestre. Como minha primeira orientadora, foi a Nanci Valadares de Carvalho que me ajudou a escolher o tema de pesquisa para as relações entre Brasil e China, e encorajou a aprofundar-me em uma área completamente nova para mim, que até então pesquisava somente a América Latina. Lembrarei-me carinhosamente para sempre de seu jeito gentil, mas ao mesmo tempo corajoso com que defendia o que acreditava, marcando com certeza a minha história acadêmica e expandido meus horizontes profissionais. Estendo minha gratidão a todos os professores do PPGPRI, com os quais aprendi muito ao longo desses pouco mais de 2 anos decorridos desde meu ingresso. Em especial aos professores Paulo Afonso Monteiro Velasco Júnior e Erica Simone Almeida Resende, pelos ensinamentos sobre política externa brasileira e estadunidense, respectivamente, extremamente úteis para a compreensão do meu tema de pesquisa como um todo. Aproveito para destacar o carinho de toda equipe de funcionários do IUPERJ, que sempre desempenharam suas funções com extremo zelo e atenção aos alunos. Dentre todos destaco o empenho, disposição e amizade principalmente da Graziela Miranda-Pando, na atenção e busca de soluções de demandas dos alunos da forma mais eficiente e rápida possível, juntamente com Nerilene Moreira (ou simplesmente Lene) e Ellen Nicácio, igualmente atenciosas, solícitas e extremamente prestativas. Agradeço ainda à CAPES e ao CNPq, pela concessão da bolsa que me possibilitou a dedicação exclusiva aos estudos da pós-graduação, assim como o auxílio nas minhas participações em congressos nacionais e internacionais neste período, tão importantes para minha carreira. Dentro de casa, sempre tive três pilares sólidos que sempre me ajudaram em toda a caminhada acadêmica, desde a graduação em Direito, até o ingresso no Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, onde me aproximei muito da política, até a decisão pelo aprofundamento nas áreas de Ciência Política e, mais especificadamente, de Relações Internacionais. Tenho orgulho de ter pais tão presentes e carinhosos como os meus, os quais tenho certeza que não poderia escolher melhores. Espelho-me nos dois em cada decisão tomada na vida. Em meu pai, Lierce Vieira, admiro a determinação que fez com que, apesar de todos os obstáculos na vida, alcançasse seus objetivos de forma admirável em ser o primeiro de sua família a obter um título de graduação. Já em minha mãe, Eliane Vieira, me inspiro em sua impavidez para entregar-se inteiramente no que ela acredita ser certo, na sua garra e luta diária em disseminar seu conhecimento visando o bem estar de todos ao seu alcance. O amor e os ensinamentos de vocês foram imprescindíveis para que eu me tornasse a pessoa que sou hoje. iii

O terceiro pilar represente a minha avó Laurinette Carneiro, sem a qual jamais estaria concluindo mais essa etapa do meu périplo acadêmico. Desde pequeno, foi ela quem teve a paciência e a firmeza necessárias para estudar e repassar todas as lições comigo, dando “cascudos” para que eu prestasse atenção e ouvindo desaforos de um moleque de dez anos que ameaçava entregá-la para a polícia por maus tratos a menores. Na faculdade, foi ela que me deu apoio para continuar a faculdade nos dias mais difíceis. No mestrado, como não poderia ser diferente, foi ela que fez a revisão de todos os meus artigos apresentados, ônus de ter sido professora de português, sempre questionando o meu posicionamento por fugir ao senso comum e me dando a certeza de que por isso mesmo eu estava no caminho certo. Mais do que isso, seu pragmatismo, que influencia cada decisão da sua vida e, por diversas vezes, dos outros, me inspira, ainda que nem sempre a minha teimosia permita que eu o siga. É por isso e por todo o carinho, consideração e amor que dedico a ela essa dissertação. Não seria possível concluir esse trabalho se não fosse o apoio de amigos e familiares, que sempre estiveram presentes, desde o processo de preparação para o processo seletivo, passando pelas noites em claro lendo livros intermináveis até a entrega desta dissertação. A lista seria tão extensa que optei por suprimí-la com o receio de esquecer de mencionar alguém entre amigos da pós-graduação, de antes dela, e do exterior, assim como tios e primos. Abro apenas duas excessões aqui para o meu irmão Eric Vieira, que apesar de não termos mais a convivência diária, nunca deixará de ser meu parceiro de momentos tão importantes como este; e para a minha afilhada, Antonella, que teve seu tempo comigo reduzido em razão da necessidade de me aprofundar no estudos, mas que sempre esteve presente com carinho em meus pensamentos. Por fim, e não menos importante, gostaria de agradecer à minha companheira Marcelli Valle, que me demonstrou em todos os momentos presentes, todo o apoio que eu podia esperar, sendo compreensiva quando tive que me ausentar, companheira quando precisei que ela renunciasse às suas vontades em razão do meu trabalho e amorosa como sempre. Certamente, seu apoio foi indispensável para a conclusão dessa dissertação, assim como o foi em diversos outros momentos nesse período desde que estamos juntos. Espero continuar merecedor de seu carinho, atenção e companheirismo, tão importantes na minha vida. A todos que fizeram parte desse processo, muito obrigado.

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Para a minha avó Lali, por todo o amor e inspiração que ela representa.

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RESUMO

VIEIRA, V. C. C. Ascensão contra-hegemônica do Sul: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI. 2015. 159 f. Dissertação (Mestrado) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, 2015 O governo Luiz Inácio Lula da Silva representou uma ruptura no modelo previamente estabelecido para a inserção internacional brasileira, ao alterar seu viés exclusivamente economicista e comercial, por uma atuação que também priorize relações políticas e sociais. O Brasil, enquanto potência média, orientou, em um primeiro momento, sua política externa com o objetivo de ampliar a sua projeção por meio de uma divisão em três áreas de atuação, como em um xadrez tridimensional com: um tabuleiro regional, o qual serviria como base para sua projeção global, um tabuleiro intermediário, no qual se observam as relações do país com outros do “Sul Global”; e um superior, onde se relaciona com os países desenvolvidos. Entretanto, a partir da eleição de Dilma Rousseff, passou-se a observar uma deterioração desse modelo em favor de uma gestão mais orientada para os afazeres domésticos. O crescimento econômico chinês ampliou a participação do Império do Meio nos centros de decisão globais, nos quais se apresenta hora como aliada essencial, hora como desafiante do poder hegemônico dos Estados Unidos. Com países do “Sul Global”, a China apresenta-se como uma alternativa à hegemonia estadunidense e um mercado consumidor para as commodities, ao mesmo tempo que é uma ameaça para as indústrias de países que não conseguem competir com sua alta competitividade. O presente trabalho tem o objetivo de analisar as estratégias de inserção internacional de Brasil e China, enquanto potências emergentes, assim como as oportunidades e desafios para o primeiro a partir de uma aproximação com a segunda no sistema internacional. Para concretizar os objetivos almejados, a pesquisa faz uma análise das relações de ambos os países com os Estados Unidos e instituições Ocidentais, assim como com países em desenvolvimento, em especial da América do Sul, para em seguida analisar a atuação em conjunto no cenário internacional, as relações entre eles e o impacto que exercem na política externa do outro. Para isso, utiliza-se a análise qualitativa baseada em uma investigação teórica de Ciência Política, Relações Internacionais, História e Economia Política Internacional e o referencial teórico fundado na Teoria Crítica das Relações Internacionais. Em linhas gerais, foi concluído que a aliança entre os dois países representa uma perspectiva de ampliação do poder de barganha internacional, inclusive na promoção de um revisionismo brando da ordem internacional, ainda que o ingresso de produtos manufaturados chineses no mercado latino-americano e os acordos bilaterais do gigante asiático com países da região, somados ao distanciamento por parte do governo brasileiro, que passou a priorizar a agenda doméstica desde 2011, possam representar um desafio para o Brasil enquanto líder regional. Palavras-chave: Brasil, China, Política externa, Sul Global, América Latina.

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ABSTRACT

VIEIRA, V. C. C. Ascensão contra-hegemônica do Sul: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI. 2015. 159 f. Dissertação (Mestrado) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, 2015 The government Luiz Inácio Lula da Silva symbolized a rupture with the previously established model for the Brazilian international insertion, when it changed the exclusively economistic and commercial bias, for a performance that also prioritize social and political relations. As a middle power, Brazil guided, during a first period, its foreign policy by the objective of increasing its projection through a division into three areas, like a threedimensional chess with: a regional board, which would be the basis for its global projection, an intermediate board, in which are observed the country's relations with others from the “Global South”; and an upper board, in which it negotiates with developed countries. However, since Dilma Rousseff’s election, this model started to deteriorate in favor of a management more focused on domestic affaires. The Chinese economic growth increased the participation of the Middle Kingdom in the centers of global decision, in which sometimes it presents itself as an essential ally, and other times as a challenger of the hegemonic power of the United States. On the other side, with “Global South” countries, China presents itself as an alternative to US hegemony and as a consumer market for commodities, while it is a threat to the industries of other developing countries. This paper aims to analyze the international insertion strategies of Brazil and China, as emerging powers, as well as the opportunities and challenges brought to Brazil by the partnership in the international order. To achieve the intended objectives, the research analyzes the relations of both countries with the United States and Western institutions, as well as with developing countries, particularly in Latin America, so then it’s possible to analyze their performance together in the international arena, and the relationships between them and their impact on foreign policy on the other. It uses a qualitative analysis based on a theoretical investigation of Political Science, International Relations, History and International Political Economy and a theoretical framework based on the Critical Theory of International Relations. Broadly, as it was concluded, the alliance between the two countries represents a perspective of expanding their power of international bargain, inclusively claiming a soft revisionism in the international order, even though the inflow of Chinese manufactured products in the Latin American market and the bilateral agreements between the Asian giant and the countries of the region, added to the Brazilian government’s absence, which began to prioritize the domestic agenda over the foreign policy, since 2011, may pose a challenge for Brazil as a regional leader. Keywords: Brazil, China, Foreign policy, Global South, Latin America.

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LISTA DE MAPAS

MAPA 1 - Separação político-econômico-ideológica entre “Norte Global” e “Sul Global” 37 MAPA 2 - Mapa político da China

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MAPA 3 - Principais rios do Plateau Tibetano

51

MAPA 4 - “Iniciativa da Rota da Seda” e “Rota da Seda Marítima do Século XXI”

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1

Capacidades materiais brasileiras 2002-2004

20

Tabela 2

Capacidades materiais brasileiras 2005-2007

21

Tabela 3

Capacidades materiais brasileiras 2008-2010.

22

Tabela 4

Capacidades materiais brasileiras 2011-2013

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Tabela 5

Comércio do Brasil com a Argentina em US$ milhões(anos selecionados)

101

Tabela 6

Comércio da Argentina com o Brasil em US$ milhões (anos selecionados)

101

Tabela 7

Comércio do Brasil com a China em US$ milhões(anos selecionados)

108

Tabela 8

Comércio da Argentina com a China em US$ milhões(anos selecionados)

108

Tabela 9

Principais produtos exportados por Brasil e Argentina para China (2013)

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LISTA DE SIGLAS

ABC

Agência Brasileira de Cooperação

AD

Acción Democrática

ADB

Banco Asiático de Desenvolvimento (Asian Development Bank)

ADM

Armas de destruição em massa

AFIP

Administração Federal de Receitas Públicas

AIEA

Agência Internacional de Energia Atômica

AIIB

Banco Asiático para Investimento em Infraestrutura (Asian Infrastructure Investment Bank)

ALBA

Aliança Bolivariana para as Américas

ALCA

Área de Livre-comércio das Américas

AGNU

Assembleia Geral das Nações Unidas

APEC

Associação de Cooperação Econômica de Países da Ásia Pacífico

ASEAN

Associação das Nações do Sudeste Asiático

ASU

Associação de Supermercados Unidos

BNDES

Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social

BRIC

Conceito elaborado pelo economista Jim O’Neil com as iniciais dos quatro países emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China, que teriam grande impacto na formulação da nova ordem mundial

BRICS

Arranjo político entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CASA

Comunidade Sul-Americana de Nações

CALC

Cúpula da América Latina e Caribe

CAN

Comunidade Andina de Nações

CBERS

Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres

CCPCC

Comitê Central do Partido Comunista Chinês x

CDB

Banco de Desenvolvimento da China (China Development Bank)

CNP

Congresso Nacional do Povo

Celac

Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe

CEPAL

Comissão Econômica para América Latina e Caribe

COPEI

Comité de Organización Política Electoral Independiente

CRA

Arranjo Contingente de Reservas (Contingent Reserve Arrangement)

CSNU

Conselho de Segurança das Nações Unidas

CO2

Dióxido de carbono

DPI

Direito de Propriedade Intelectual

E3 Initiative

US-ASEAN Expanded Economic Engagement

EUA

Estados Unidos da América

FAB

Força Aérea Brasileira

FAO

Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura

FARC

Forças Armadas Revolucionárias Colombianas

FMI

Fundo Monetário Internacional

FOCEM

Fundo de Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul

FTAAP

Área de Livre Comércio da Ásia Pacífico (Free Trade Area of the AsiaPacific)

GATT

Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio

IBAS

Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBSAMAR

India-Brazil-South Africa Maritime

IED

Investimento direto estrangeiro

IDH

Índice de Desenvolvimento Humano

Indec

Instituto Nacional de Estatística e Censo xi

IPCA

Índice de Preços ao Consumidor Amplo

ISI

Industrialização por substituição de importação

MERCOSUL

Mercado Comum do Sul

MITL

Movimento Islâmico do Turquestão Leste

MNA

Movimento dos Países Não-Alinhados

NAFTA

Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement)

NDB

Novo Banco de Desenvolvimento (New Development Bank)

NSA

Agência Nacional de Segurança

OCDE

Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico

OCS

Organização para Cooperação de Shanghai

OEA

Organização dos Estados Americanos

OMC

Organização Mundial do Comércio

ONU

Organização das Nações Unidas

OPEP

Organização dos Países Exportadores de Petróleo

OTAN

Organização do Tratado do Atlântico Norte

P5

Cinco membros permanentes do CSNU

PAFTA

Área de Livre-Comércio do Pacífico (Pacific Free Trade Area)

PCC

Partido Comunista Chinês

PDVSA

Petróleos de Venezuela

PGT

Petrobras Global Trading

PIB

Produto Interno Bruto

PLA

Exército de Libertação Popular (People’s Liberation Army)

PMDB

Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNUD

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento xii

PP

Partido Progressista

PPP

Paridade poder de compra (power purchase parity)

PT

Partido dos Trabalhadores

PTB

Partido Trabalhista Brasileiro

PSB

Partido Socialista Brasileiro

PSDB

Partido da Social Democracia Brasileira

RC

República da China (Taiwan)

RIC

Interação trilateral entre Rússia, Índia e China

RPC

República Popular da China

SD

Solidariedade (Partido)

TINA

There is no alternative

TNP

Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares

TPP

Parceria Trans-Pacífico (Trans-Pacific Partnership)

UE

União Europeia

UNASUL

União das Nações Sul-Americanas

UNCTAD

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

URSS

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

USAID

Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

ZEE

Zonas Econômicas Especiais

ZOPACAS

Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul

xiii

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO  ..................................................................................................................................  1   2. A INSERÇÃO BRASILEIRA A PARTIR DO “NOVO PROTAGONISMO MUNDIAL”  ..............  8   2.1. HEGEMONIA, CONTRA-HEGEMONIA E O PAPEL DOS ESTADOS NO SISTEMA INTERNACIONAL  .................................................................................................................  10   2.2. QUALIFICANDO UMA POTÊNCIA MÉDIA  .........................................................................  16   2.3. O BRASIL ENQUANTO POTÊNCIA MÉDIA  ........................................................................  19   2.4. O XADREZ TRIDIMENSIONAL DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA  .......................  29   2.4.1.  O  tabuleiro  regional  ............................................................................................................  30   2.4.2.  O  tabuleiro  intermediário  ...................................................................................................  36   2.4.3.  O  tabuleiro  superior  ............................................................................................................  41   OBSERVAÇÕES FINAIS  ................................................................................................................  44   3.  CHINA:  ENTRE  AGENTE  CONTRA-­‐HEGEMÔNICO  E  POTÊNCIA  NEO-­‐IMPERIALISTA  ..........................  46   3.1. A TRAJETÓRIA DO DRAGÃO  ...............................................................................................  47   3.2. A CHINA DIANTE DA HEGEMONIA  ...................................................................................  54   3.2.1.  Da  "Guerra  ao  Terror"  à  Crise  de  2008:  a  trajetória  sinuosa  de  uma  hegemonia  decadente  ............................................................................................................................................  56   3.2.2.  A  política  externa  de  “Desenvolvimento  Pacífico  da  China”  e  promoção  do  “Mundo   Harmônico”  .........................................................................................................................  60   3.2.3.  O  jogo  de  soma  zero  de  Obama  e  a  estratégia  de  “Ásia  para  os  asiáticos”  de  Xi  ...............  67   3.3. CHINA E AMÉRICA DO SUL: FLAMA DE INDEPENDÊNCIA OU UMA NOVA FORMA DE DOMINAÇÃO?  .................................................................................................................  75   OBSERVAÇÕES FINAIS  ................................................................................................................  80   4.  BRASIL  E  CHINA:  ALIANÇA  PROMISSORA  COM  INTERESSES  CONFLITANTES  ....................................  83   4.1. “ONE CANNOT MAKE ‘BRICS’ WITHOUT STRAW”  ........................................................  83   4.2. “PODERES CÓSMICOS E FENOMENAIS DENTRO DE UMA LAMPADAZINHA”  .........  92   4.3. UM INTRUSO NO NINHO  ....................................................................................................  102   4.3.1.  Um  rei  dividido  entre  duas  rainhas  ...................................................................................  107   4.3.2.  Verde  ou  Maduro?  Ideologia  e  pragmatismo  nas  relações  entre  a  Venezuela  e  a  China  .  111   OBSERVAÇÕES FINAIS  ..............................................................................................................  116   CONCLUSÃO  ........................................................................................................................................  118   BIBLIOGRAFIA  ......................................................................................................................................  128  

xiv

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos vinte anos o interesse pelo estudo da China tem crescido vertiginosamente entre acadêmicos de diversas áreas, interessadas na sua política, economia, relações sociais, história, cultura, linguagem, literatura, medicina, tecnologia, enfim, curiosos que buscam compreender a ascensão de um país que muitos afirmam ser a próxima potência mundial. Outros, céticos, mantém-se afastados, esperando por um “novo Japão”, o país que ia desbancar os Estados Unidos nas décadas de 1980 e 1990 e, após comprar cidades estadunidenses em filmes de Hollywood1, observou sua moeda, o iene, disparar, suas indústrias transferirem-se para o exterior e a bolsa de valores de Tóquio ser vítima de um surto especulativo que levaram o país a uma crise política e econômica que minou as expectativas japonesas de se tornar a próxima potência hegemônica (TORRES FILHO, 1997). A curiosidade pelo Oriente foi certamente um dos fatores que atraíram esta pesquisa para a China, porém, esse interesse em nada se aproxima do fascínio que a inserção internacional das potências emergentes desperta. A realidade desses atores internacionais, sua busca por um reformismo, ainda que brando (soft reformism), das estruturas de poder que definem o sistema internacional, suas estratégias de ampliação de sua participação nos organismos internacionais por meio do multilateralismo e suas concertações políticas despertam um grande interesse. Somado a isso, a expectativa de acompanhar um processo que pode vir a originar uma nova sucessão hegemônica completou a lista de razões pelas quais o Império do Meio2 merece um estudo aprofundado. Por outro lado, a América do Sul destaca-se por sua história coletiva de luta por emancipação, sua diversidade política e sua cultura vibrante que a particularizam. Dentre seus países, o Brasil vem ampliando sua influência à medida que seu desempenho econômico surpreendente e sua estratégia de inserção internacional foram combinadas com o carisma de um líder que soube promover a imagem do país entre os diversos atores e foros do sistema internacional. Assim como a China, o país é uma potência regional, com capacidades materiais, poder militar e liderança incontestável no continente, o que faz com que uma                                                                                                                           1

Como se pode observar no filme ROBOCOP 3. Direção: Fred Dekker. Produção: Andrew Eaton. Atlanta: Orion Pictures, 1993. 1 DVD (105 min), NTSC, color., estéreo, linguagem original: inglês. 2 Desde o século III a. C., a dinastia Qin logrou em unificar o território que receberia o nome de Zhōngguó (中国) em mandarim, cuja tradução para o português pode ser identificada como: Império do Meio, Reino do Meio ou País do Meio (GELBER, 2012). Ao longo deste trabalho, o leitor poderá observar que optou-se em diversos momentos por substituir a referência à China pelo termo Império do Meio, assim como pelo nome de sua capital, Beijing, para que a repetição do nome não impactasse na fluidez da leitura.

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análise aprofundada de seu papel no sistema internacional seja primordial para a compreensão de toda a região. A parceria estratégica firmada em 1993 por Brasil e China já sinalizava o interesse dos dois países em aprofundar a cooperação. Com o passar do tempo, a aproximação dos dois países emergentes deixou de ser restrita a um comércio casual, passando a ser observada tanto por meio de suas atuações políticas conjuntas, como por suas interações econômicas. Contudo, foi a partir da popularização do relatório de Jim O’Neil, ex-diretor do Goldman Sachs, que os países passaram a ser vistos como parte de um grupo de países que, num período de 30 anos, ampliariam suas capacidades materiais, tornando-se capazes de construir uma nova ordem mundial. O que começou como um anagrama formado pelas iniciais desses países, BRIC, em alusão à palavra brick, tijolo em inglês, logo desenvolveria-se para constituir um foro de concertação que, junto aos dois, incluiria Índia e Rússia em um primeiro momento e posteriormente adicionaria a África do Sul para completar a formação do que hoje é o grupo dos BRICS. Esses países assumiram um protagonismo entre os países emergentes, em desenvolvimento e subdesenvolvidos, aprofundaram os laços de cooperação Sul-Sul e a repercussão de seus pleitos de reforma. Contudo, a descrença em uma reforma capaz de alterar as estruturas de poder do sistema internacional fez com que a China adotasse, muitas vezes, uma estratégia de atuação unilateral ou bilateral, esvaziando foros multilaterais. A consolidação dos BRICS representou para o país asiático uma ampliação do alcance de seus pleitos entre os países do “Sul Global”, uma vez que a associação com outras potências regionais possibilita que o eco de suas posições atinja diversas áreas do globo. Assim como ocorreu para a China, a diplomacia “ativa e altiva” do governo Lula da Silva encontrou no agrupamento um ambiente propício para defender o interesse nacional e diversificar suas parcerias políticas e econômicas. Sob a chancelaria de Celso Amorim, o governo brasileiro alterou seu padrão de inserção internacional, abandonando o foco exclusivo nos interesses econômicos e comerciais para direcionar suas políticas de modo a incluir as relações políticas e sociais. Essa mudança na sua orientação tornou possível a estratégia que o governo chamou de “novo protagonismo mundial”, cujo objetivo era o de consolidar o Brasil como um ator influente no cenário internacional e como uma liderança entre os países do “Sul Global”. Para isso, o governo brasileiro estruturou sua política externa de modo a dividir sua atuação como em um xadrez tridimensional. A estratégia teorizada por Joseph Nye Jr. (2002) para explicar a política externa estadunidense seria adaptada para a realidade brasileira para compreender três 2

tabuleiros de atuação que se sobrepõe, formando uma pirâmide, de modo que cada tabuleiro serve como apoio para o seu superior. Dentre os três tabuleiros, o relativo às relações promovidas na região em que o país se encontra e exerce liderança, a América do Sul, pode ser considerado a base capaz de sustentar toda a sua política externa, legitimando-o como representante de uma área relevante do sistema internacional. O tabuleiro que se segue imediatamente a esse é o intermediário, referente às interações do país junto com outros países do “Sul Global”, coordenando estratégias de desenvolvimento, de cooperação Sul-Sul e o objetivo de reformar as instituições internacionais para democratizar o sistema internacional. Por fim, o terceiro refere-se às relações do Brasil com os países do “Norte Global”, em especial os Estados Unidos e os países da União Europeia (UE), encerrando o tabuleiro superior. Após oito anos de governo Lula da Silva, o Partido dos Trabalhadores (PT), logrou em eleger sua sucessora, Dilma Rousseff, a qual havia sido Ministra de Minas e Energia e Ministra da Casa Civil do antecessor. Seu estilo de gestão impactaria diretamente a política externa do governo brasileiro. Ainda que não tenha havido uma ruptura intencional das estratégias de inserção internacional desenvolvidas na gestão anterior, a preferência da mandatária pelo gerenciamento doméstico fez com que o Itamaraty fosse relegado a um segundo plano. Dentre todas as áreas geográficas a que presenciou uma perda de prestígio mais sensível foi a região estabelecida como base para a política externa prévia, a América do Sul, a qual foi deixada com a sensação de abandono por parte de sua potência regional. No que diz respeito à China, compreender o momento pelo qual o país asiático está vivendo hoje requer um regresso ao passado, ainda que não seja necessário voltar à época em que o Império do Meio era considerado o “centro do mundo”. As reformas pelas quais o Estado passou a partir da década de 1970 alteraram profundamente a natureza exclusivamente agrária do país, possibilitando a modernização da agricultura, da indústria, da ciência e tecnologia, e do setor militar, com o objetivo de acelerar seu crescimento econômico e seu desenvolvimento social. A abertura econômica que viabilizou a implantação da “economia de mercado com características chinesas” reformulou a forma como a China era percebida pelo mundo, atraindo empresas e investimento estrangeiro que possibilitaram três décadas de crescimento de 10% ao ano. Junto com seu novo poder econômico, Beijing passou a pleitear uma maior participação política no sistema internacional, evitando ao máximo uma confrontação direta com a potência hegemônica. Com o objetivo de sinalizar que o seu crescimento não deveria ser confundido como uma pretensão hegemônica conflituosa, o Império do Meio anunciou 3

sua política de “Desenvolvimento Pacífico”, segundo a qual a paz mundial e o desenvolvimento comum seriam fundamentais para estabelecer um “Mundo Harmonioso”. Entretanto, o diálogo com os Estados Unidos não pode ser confundido com uma inércia chinesa, principalmente no que diz respeito ao seu entorno regional. A constituição da Parceria Trans-Pacífico (TPP), patrocinada pelos EUA, com regras de propriedade intelectual extremamente restritivas, que impediriam o ingresso chinês, pode ser considerada um retrato da tentativa estadunidense de afirmar-se na Ásia Pacífico à revelia da China. Beijing não tardaria a apresentar a sua proposta de integração regional fundada no “Sonho Ásia-Pacífico”, com o objetivo de recriar uma “Rota da Seda”. Porém, diferentemente da proposta estadunidense, a Área de Livre Comércio da Ásia Pacífico (FTAAP), apresentada em novembro de 2014, contrastou um projeto inclusivo, que abarcaria todos os acordos de livre comércio existentes na região, com um excludente, como o TPP e a rigidez de suas regras. Alijada de ampliar sua participação no sistema financeiro internacional, a China começou a construir, em 2014, um novo complexo financeiro que contrasta com os tradicionais Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial por dar maiores poderes aos países emergentes. Conjuntamente aos outros BRICS, apresentou o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Arranjo Contingente de Reservas (CRA) e, independente do agrupamento, lidera o processo de criação do Banco Asiático para Investimento em Infraestrutura (AIIB). A ampliação da influência chinesa não se restringe ao seu imediato entorno regional, tendo crescido também na América do Sul, região sobre a qual o Brasil exerce liderança. O aprofundamento da cooperação política, econômica e financeira de países vizinhos com Beijing tem alterado a configuração de poder na região, impactando diretamente no posicionamento desses países diante do Brasil. Ao mesmo tempo, uma aliança com a China pode garantir ao Brasil uma ampliação do alcance de seus pleitos em foros multilaterais. A partir dessa constatação, a pergunta que se faz é: de que forma a ampliação do poder e da participação chinesa no sistema internacional impactam na inserção internacional brasileira e na sua condição de potência regional? A partir desse questionamento, esta pesquisa faz uma análise das estratégias de política externa de Brasil e China no período de 2003 a 2014 para, posteriormente avaliar a interação promovida por meio do foro de concertação dos BRICS e o impacto de sua inserção política e econômica na América do Sul, em especial nos países do Mercado Comum do Sul (Mercosul). O corte temporal ocorre a partir do ano de 2003, ano em que ambos os países vivenciaram uma mudança de governo, que viria a estabelecer novos padrões de inserção 4

internacional. O período abarcará os governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-atual), no caso brasileiro, e os de Hu Jintao (2003-2013) e de Xi Jinping (2013-atual). Contudo, este trabalho também abordará eventos prévios, quando estes forem considerados essenciais para a compreensão do período analisado. Nas próximas páginas será feita uma análise da inserção internacional dos dois países no período selecionado para, posteriormente, avaliar as oportunidades e os desafios para o Brasil de um maior protagonismo chinês no sistema internacional e na América Latina. Para realizar esta tarefa, o trabalho foi dividido em três capítulos de desenvolvimento. Considerando a introdução o primeiro capítulo, por razões de forma, o segundo abordará os fundamentos da Teoria Crítica das Relações Internacionais, com base nos estudos de Robert Cox, e qualificará o conceito de potência média, constituindo a maior parte da base teórica deste trabalho. Completa a parte anterior, o capítulo tratará também de estabelecer um paralelo entre o conceito de potência média e a condição brasileira no sistema internacional, assim como estudará sua estratégia de inserção internacional com base em um xadrez tridimensional. O capítulo 3 direciona-se para uma análise da China e sua condição de potência emergente. Será apresentada a forma como o Estado posiciona-se diante da atual potência hegemônica pleiteando um revisionismo brando do sistema internacional capaz de acomodar uma maior participação dos países emergentes. Também avaliará a forma como os Estados Unidos respondem aos estímulos chineses e a inserção do Império do Meio na América do Sul, delimitando os interesses de ambos os lados na cooperação. Esses dois capítulos pretendem elucidar de que forma os dois países posicionam-se no sistema internacional independentemente de suas interações e, portanto, servem como base para o objeto de pesquisa, qual seja compreender as estratégias de inserção internacional dos dois países e as oportunidades e os desafios para o Brasil a partir de um maior protagonismo chinês no sistema internacional e na América Latina. O último capítulo de desenvolvimento apresentará a parceria estratégica entre os dois países, principalmente a partir da consolidação do grupo dos BRICS, como uma perspectiva de ampliação do seu poder de barganha internacional, inclusive na promoção de um revisionismo brando da ordem internacional. Posteriormente, será feita uma diferenciação da forma como o governo Dilma Rousseff percebe sua política externa, afastando-se do modelo anterior, de Lula, reduzindo o protagonismo internacional brasileiro, que pode ser sentido pelos próprios vizinhos sul-americanos. Por fim, será abordada a aproximação chinesa dos 5

parceiros brasileiros do Mercosul, em especial a Argentina e a Venezuela, definindo os interesses que levam ambos os lados a desejar um aprofundamento das relações bilaterais. Ao final do trabalho, após concluir que grande parte das ameaças ao protagonismo brasileiro no sistema internacional emanam do próprio afastamento de seu governo, serão feitas considerações sobre os desafios que o governo Dilma enfrentará a partir de seu segundo mandato, iniciado em 2015. Da mesma forma, a partir de uma observação dos esforços chineses de ampliação de sua participação no sistema internacional e associação à iniciativas recentes estadunidenses é possível observar a adoção de uma política de contenção por parte dos Estados Unidos, em especial a partir do discurso State of the Union, proferido pelo presidente Barack Obama (2009-atual), em 20 de janeiro de 2015, e da tentativa de esvaziar a adesão internacional ao projeto de banco de desenvolvimento liderado pela China, o AIIB. O objetivo é o de possibilitar ao leitor a compreensão das estratégias dos dois países e demonstrar os campos em que podem ser alinhados para um benefício mútuo e aqueles em que podem ser considerados concorrentes. Para realizar este trabalho, foi realizada uma análise teórica da literatura de Relações Internacionais, com o objetivo de fornecer as bases necessárias para a sua confecção. Durante a redação foram necessários diversos dados para ilustrar a evolução das capacidades materiais brasileiras durante o período analisado, assim como para avaliar o desenvolvimento do comércio do Brasil e de seu maior parceiro comercial na região, a Argentina, entre si e com a China, definindo, ainda os cinco principais produtos exportados pelos dois países ao Império do Meio, dados que podem ser consultados nas tabelas anexadas ao longo da obra. Para confeccioná-las, utilizou-se a fonte de diversos bancos de dados, em especial o Banco Mundial, o COMTRADE e a CEPAL. Ainda no que diz respeito às fontes, utilizou-se pronunciamentos, declarações e discursos de agentes do governo chinês, brasileiro e estadunidense disponíveis em sítios eletrônicos fomentados pelos governos dos respectivos países. Foram utilizadas, ainda, diversas fontes jornalísticas durante a pesquisa, no caso da mídia brasileira, optou-se por utilizar uma pluralidade de agências, tais como O Globo, Folha de São Paulo, Valor Econômico, BBC Brasil e Estado de São Paulo. Já para notícias referentes à China, utilizou-se prioritariamente o China Daily, fomentado por notícias produzidas pela agência oficial do governo chinês, Xinhua, e, devido a esse fato, pode-se considerar que suas opiniões como "semi-oficiosas", por representarem as diversas posições concorrentes, ainda que autorizadas, dentro do Partido Comunista Chinês (PCC). 6

Em termos de estética, optou-se por diferenciar fontes da bibliografia não só nas listas pós-textuais, mas também no corpo do texto, onde as fontes recebem notas de rodapé, enquanto as referências bibliográficas utilizam o padrão (SOBRENOME, ano, página), determinado pela ABNT. O objetivo ao fazer essa separação é o de facilitar para que o leitor que deseje verificar os dados, documentos, discursos, declarações e matérias jornalísticas tenha acesso rápido ao material consultado. O mesmo não foi feito com o material bibliográfico para que não houvesse uma contaminação do texto por um excesso de notas de rodapé, atrapalhando a fluidez da leitura.

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2. A INSERÇÃO BRASILEIRA A PARTIR DO “NOVO PROTAGONISMO MUNDIAL”

O modelo de inserção internacional brasileira a partir do governo Luiz Inácio Lula da Silva é um assunto que suscitou um grande interesse por parte de acadêmicos ao longo dos anos, sejam críticos ou entusiastas, é incontestável que o Brasil passou por profundas alterações na forma como se relaciona com seus pares. A retomada do crescimento econômico combinada com distribuição de renda e inclusão social ajudaram a projetar o Brasil internacionalmente como um representante legítimo entre os países em desenvolvimento, estratégia que viria a ser chamada de “novo protagonismo mundial”. A partir de então, o Brasil passa a almejar um espaço de destaque no tabuleiro internacional de decisões, pleiteando uma democratização do sistema internacional para que este passe a considerar os interesses de atores não centrais. O primeiro sinal de mudança na política externa brasileira no sentido de atuar mais proativamente em organismos internacionais ocorreu na Conferência da OMC em Cancún, em 2003. Nas palavras de Cervo e Bueno: “desde Cancún, no entender da diplomacia brasileira, ou os emergentes tomam parte na confecção das regras, que se tornariam legítimas e justas, ou a produção das mesmas seria paralisada” (2011, p. 528). A política interna e externa volta a ser focada na promoção do desenvolvimento, com um Estado ativo com autonomia política e econômica, abandonando a cartilha do neoliberalismo que almejava um Estado unicamente regulador. Esse Estado é nomeado de Estado logístico por Cervo e Bueno:

Logístico é aquele Estado que não se reduz a prestar serviço, como fazia à época do desenvolvimentismo, nem a assistir passivamente às forças do mercado e do poder hegemônico, como se portava à época do neoliberalismo. Logístico porque recupera o planejamento estratégico do desenvolvimento e exerce a função de apoio e legitimação das iniciativas dos outros atores econômicos e sociais, aos quais repassa responsabilidades e poder (2011, p. 529).

A política externa que estabelecia como parceiros prioritários os Estados Unidos e seus aliados do Atlântico Norte, na qual o Brasil tentava apresentar-se como um aliado estratégico de seus interesses no Atlântico Sul passa por uma reorientação sob o comando de Celso Amorim. O Itamaraty passou a priorizar a ampliação de parcerias comerciais e a posicionar-se como um representante do Sul, defendendo os interesses de países em 8

desenvolvimento em foros multilaterais e pleiteando a democratização dos espaços de decisão e das instituições internacionais para que refletissem uma maior pluralidade de atores internacionais. Para Teixeira da Silva, a política externa do governo Lula teve como princípios:

1. A diversidade mundial e a multiplicação de centros de poder como o melhor caminho para a paz e a democratização das relações políticas e econômicas internacionais. A defesa do princípio de respeito à soberania, à não agressão e à não ingerência nos assuntos de outros países. 2. A política externa como instrumento de promoção da paz, no plano externo, e de geração de desenvolvimento sustentável, renda e empregos, no plano interno, com ênfase nas negociações e recusa ao recurso da guerra. 3. A defesa e a articulação da reforma dos organismos internacionais para dar-lhes maior representatividade na gestão das questões globais, em especial do Conselho de Segurança das Nações Unidas. 4. A prioridade para as relações externas com a Argentina, demais países do Mercosul e países da América Central, culminando no fortalecimento do Mercosul e na criação da Unasul (União das Nações da América do Sul) e do Conselho Regional de Defesa. 5. A expansão do interçâmbio político, cultural e comercial com países da África e do Oriente Médio, buscando a diversificação e desconcentração da política externa do país. 6. A defesa mundial do combate à fome e à pobreza, pondo em prática vastos programas de cooperação com a África e a América Latina. 7. A consolidação da vocação de multilateralidade no comércio externo por meio da diversificação dos mercados, do fortalecimento do Mercosul e do estabelecimento de cooperação econômica e tecnológica com os países emergentes. 8. A reorientação seletiva do investimento direto externo para aumentar as exportações, substituir importações, expandir e integrar a indústria de bens de capital, bem como fortalecer a capacidade endógena de desenvolvimento tecnológico (2014, p. 163).

Essa mudança na atuação brasileira no exterior resulta, em grande medida, do autoreconhecimento do país como uma potência média, categoria que será explicada a seguir e que ganha interesse dos acadêmicos a partir da atuação do Movimento dos Países NãoAlinhados (MNA) e da industrialização de países em desenvolvimento, ainda nos anos 1960. A seguir, serão apresentadas as diversas categorias de Estados no sistema internacional divididos de acordo com seu poder e seu papel sistêmico, assim como avaliados os requisitos necessários para que um Estado seja classificado como potência média e a forma com que o Brasil preenche cada um desses requisitos. Porém, antes disso é necessário explicar alguns conceitos simples que ajudarão a compreender melhor a inserção dos Estados no sistema internacional, tais como hegemonia, contra-hegemonia e ciclos hegemônicos.

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2.1. HEGEMONIA, CONTRA-HEGEMONIA E O PAPEL DOS ESTADOS NO SISTEMA INTERNACIONAL

A disputa pelo poder tem sido uma constante no cenário internacional desde a formação dos Estados Nacionais, seja no cenário regional ou global, países avaliam sua capacidade de influenciar e de controlar o sistema e outros atores. Dessa forma, a capacidade de poder varia entre os Estados, assim como no lapso de tempo em que são observados. Cox afirma que “no nível exclusivo da política externa, as grandes potências têm uma liberdade relativa de determinar suas políticas externas em resposta a interesses nacionais; as potências menores têm menos autonomia” (2007, p. 114). Ao afirmar que pequenas potências possuem uma menor autonomia em sua política externa, Cox deixa implícito o fato de grandes potências influenciarem não só a própria política externa, como também todo o sistema em seus aspectos econômico, político e social. Esse pensamento é herdeiro dos estudos de Antônio Gramsci, feitos durante o período que esteve preso no regime fascista italiano, que tratavam do Estado, da relevância e capacidade da sociedade civil para a transformação dele e da atuação da política, ética e ideologia e seu impacto nos meios de produção. O principal conceito, tratado por ele, e importado pelos estudos de Relações Internacionais foi o de hegemonia, o qual se refere à dominação de uma classe social sobre as outras por meios políticos e ideológicos, moldando o Estado e a sociedade civil de acordo com seus interesses, combinando estratégias de consenso e coerção. A construção do consenso seria utilizado para angariar aliados entre outras classes da sociedade civil, exercendo uma liderança intelectual e moral, enquanto, nas palavras de Gramsci,

o recurso às armas e à coerção é pura hipótese de método e a única possibilidade concreta é o compromisso já que a força pode ser empregada contra os inimigos, não contra uma parte de si mesmo que se quer assimilar rapidamente e do qual se requer o entusiasmo e a boa vontade (1978a, p. 33).

Nesse sentido, a partir do poder ideológico, cultural e político, um grupo dominante consegue imbuir às classes subordinadas a sua concepção de mundo, contrariando seus interesses e sua própria ação. Para reverter esse quadro, Gramsci estabelece que a consciência crítica só pode ser adquirida por meio do contato direto entre os intelectuais e a sociedade, tornando-a capaz de contrastar perspectivas de mundo distintas e, a partir de então, orientar-se de acordo com seus interesses. Para ele, 10

a posição da filosofia da práxis não busca manter os “simplórios” na sua filosofia primitiva do senso comum, mas busca, ao contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se ela afirma a exigência do contato entre os intelectuais e os simplórios não é para limitar a atividade científica e para manter a unidade no nível inferior das massas, mas justamente para forjar um bloco intelectual-moral, que torne politicamente possível um progresso intelectual de massa e não apenas de pequenos grupos intelectuais (GRAMSCI, 1978b, p. 20).

Somente a partir de sua conscientização, as classes subordinadas se tornam capazes de criar o que Gramsci chama de Bloco Histórico, ou seja, uma articulação interna, composta por uma estrutura e uma superestrutura, sendo a primeira as relações materiais e a segunda as ideológico-culturais, e orientado por intelectuais orgânicos3, sendo capaz de romper com o monopólio ideológico e o sistema hegemônico da classe dominante. A própria criação de um Bloco Histórico indica o declínio da hegemonia da classe dominante, em razão de uma falha cometida ou de conscientização de grande parte da população, que passa a se organizar e a reivindicar melhorias (GRAMSCI, 1978a). Dessa forma, é importante que o primeiro embate contra a classe dominante seja ideológico, na perspectiva de atrair os intelectuais responsáveis pela elaboração de seu sistema hegemônico e sua estrutura econômica. Isso ocorre pela complexidade do Ocidente, no qual a sociedade civil exerce um papel central, juntamente ao Estado, diferentemente do Oriente, que possui um Estado forte, mas uma sociedade frágil, de modo que uma “guerra de movimento”, de curto prazo, baseada na simples tomada do Estado, é suficiente para romper o sistema hegemônico. Nas sociedades ocidentais, essa estratégia não teria o mesmo êxito, já que a hegemonia da classe dominante está arraigada não só no Estado, mas também na sociedade civil. Para isso, seria necessária uma “guerra de posição”, de longo prazo, na qual a classe dominada travaria uma luta pela sociedade civil a fim que construir sua hegemonia desmontando a anterior, assim tomar o Estado seria menos arriscado. Esses conceitos apresentados por Gramsci para compreender a disputa de forças políticas e ideológicas travadas no interior de cada Estado podem ser espelhados nas relações internacionais, uma vez que estes são a base das classes sociais onde, a partir da construção das hegemonias no plano interno, surge a orientação para sua política externa (COX, 2007). No entanto, nem todos os Estados possuem, em suas classes dominantes, a habilidade ou o interesse de planejar uma política externa autônoma vinculada a um interesse nacional.                                                                                                                           3

Gramsci compreende os intelectuais de forma diferente da clássica, que prestigia a formação acadêmica e o status na sociedade, para ele, o intelectual orgânico é aquele cuja consciência o torna responsável pela elaboração da superestrutura, ou seja, a ideologia da classe que pertence, e orientar o Bloco Histórico.

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O que ocorre com muitos países menos desenvolvidos tem um paralelo ao que Gramsci chamava de revolução passiva. São sociedades que não passaram por revoluções sociais completas, capazes de desenvolver economia e relações sociais próprias, e por isso, tiveram que importar a ordem social, política e econômica estabelecida por sociedades externas. Dessa forma, os intelectuais da classe dominante de um país periférico orientam-se pelos ideais traçados pelos intelectuais da classe dominante do país central, ao invés de tentar romper com a barreira do subdesenvolvimento, aproveitam-se desta condição para obter vantagens econômicas e poder.

Nessas circunstâncias, o grupo portador de novas ideias não é um grupo social autóctone engajado em construir uma nova base econômica com uma nova estrutura de relações sociais. É um estrato intelectual que aproveita ideias originadas de uma revolução econômica e social ocorrida anteriormente no estrangeiro. Por isso, o pensamento desse grupo assume uma forma idealista, sem raízes nem processo econômico de seu país, e sua concepção de Estado assume a forma de “um racional absoluto” (COX, 2007, p. 115)

A esse fenômeno, dá-se o nome de dependência, uma vez que estes setores da sociedade associam-se às classes dominantes dos países centrais e condicionam sua economia ao crescimento e desenvolvimento daquela que desejam espelhar, criando uma estrutura interna que estabelece metas e limites para cada setor da economia nacional4. Essa dependência orienta-se por um centro hegemônico e se reorienta sempre que ocorre uma alteração deste. Vale ressaltar que, diferentemente dos Estados onde ocorrem as revoluções passivas, a potência hegemônica passou por uma revolução social completa, alterando não só as estruturas econômicas e políticas internas, por meio de uma nova hegemonia interna, mas também expandem-se para todo o sistema, dando origem a uma hegemonia mundial (COX, 2007). Dessa forma, a potência hegemônica não influencia somente as pequenas potências, mas todo o sistema, em processos cíclicos que remontam desde o século XVI, com a crise do feudalismo. A análise dos ciclos hegemônicos faz parte de uma análise maior, do sistema mundo, estudada por diversos autores, como Immanuel Wallerstein (1974, 1980, 2011a, 2011b), Giovanni Arrighi (1996) e Fernand Braudel (2009), e que toma por base três dimensões de tempo. O primeiro é o tempo estrutural, de longa duração, referente à estrutura social e civilizatória que mantém-se por longos períodos, ainda que hajam várias trocas de potência hegemônica nele. Como expresso antes, o atual tempo estrutural iniciou-se no século XVI,                                                                                                                           4

Para aprofundamento sobre a condição dependente dos países periféricos, ver dos Santos (2000, 2011), Marini (2000, 2012), Bambirra (2012) e Martins (2011).

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com o fim do feudalismo e o surgimento do capitalismo histórico e do moderno sistema mundial, no qual o capital associa-se ao Estado com o objetivo de alcançar o superlucro, ampliando sua área de abrangência e transformando as forças produtivas. Esse

tempo

estrutural

foi

reformulado

em

dois

períodos

históricos

e,

subsequentemente expandiu-se para todo o mundo. O primeiro foi a revolução industrial, de 1790, que expandiu o sistema mundo da Europa e da América para todo o globo por meio do imperialismo, da desvalorização, da exploração da força de trabalho e do estabelecimento de um modelo político estatal a ser seguido. O segundo foi a revolução técnico-científicainformacional, de 1970, que, ao promover uma automação da produção, substituiu o trabalho mecânico por um trabalho mais intelectualizado, de modo que, para que os salários não fossem elevados devido à maior escolaridade demandada dos trabalhadores, foi necessário aumentar a taxa de desemprego, reduzindo a oferta de emprego, ao mesmo tempo que aumentava a demanda. Isso realocou grande parte da força de trabalho do setor secundário, industrial, para o terciário, serviços, e ampliou as margens de lucro do capital, que passou a ser revertido em investimentos no sistema financeiro e no sistema produtivo de países periféricos, onde a força de trabalho era mais barata e com a mesma qualificação dos países centrais5. A segunda dimensão de tempo é a conjuntural, de média duração, que trata de dois processos cíclicos: os ciclos de expansão e estagnação da economia mundial, estudados por Nicolai Kondratiev, e que duram por cerca de cinquenta a sessenta anos; e os ciclos das potências hegemônicas, que compreendem seu crescimento e depressão (WALLERSTEIN, 2011b). Nesse sentido, podem ser identificados quatro ciclos hegemônicos: espanhol-genovês, holandês, britânico e estadunidense. Os ciclos iniciam-se quando um determinado Estado adquire, em comparação com os outros, a capacidade de intervir e de organizar o sistema inter-estatal de acordo com o seu interesse particular, seguindo para uma fase de desgaste que vai culminar no colapso. Neste momento, surgem os candidatos a nova potência hegemônica, normalmente Estados que se beneficiaram do declínio da potência hegemônica para captar os capitais a procura de um sucessor. No entanto, quando há uma concorrência entre candidatos a nova potência hegemônica, ocorre uma bifurcação na sucessão, de modo que cada candidato atrai outros Estados que compartilham do seu projeto de poder até que a concorrência entre os dois                                                                                                                           5

Por questões de escopo, não será aprofundado o estudo do tempo estrutural, assim como o das outras dimensões de tempo. Para maior aprofundamento sobre a teoria do sistema-mundo ver Braudel (2008), Wallerstein (1974, 1980, 2011a, 2011b), Arrighi (1996) e Martins (2011).

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projetos hegemônicos entre em conflito, produzindo guerras-mundo, responsáveis por um caos sistêmico, como experimentado com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), da qual surge a hegemonia dos Países Baixos, com as Guerras Napoleônicas (1792-1815), da qual sai vitorioso o projeto hegemônico inglês, e com a Primeira e Segunda Guerra Mundial (19151945), quando se inicia o período hegemônico dos Estados Unidos. Por fim, a terceira dimensão se refere ao cotidiano, ou seja, aos acontecimentos diários. Após uma análise das três dimensões de tempo e dos ciclos hegemônicos, é necessário que seja delimitado o conceito de hegemonia mundial. Esse conceito não é confundido com o de dominação de um Estado sobre os outros, ou sua simples capacidade de dominação, nclui também a habilidade de adquirir apoios devido à liderança que um Estado obtém perante outros, conforme explicado anteriormente do pensamento de Gramsci. Desse modo, nas palavras de Giovanni Arrighi,

(…) refere-se especificamente à capacidade de um Estado exercer funções de liderança e governo sobre um sistema de nações soberanas. Em princípio, esse poder pode implicar apenas a gestão corriqueira desse sistema, tal como instituído num dado momento. Historicamente, entretanto, o governo de um sistema de Estados soberanos sempre implicou algum tipo de ação transformadora, que alterou fundamentalmente o modo de funcionamento do sistema (1996, p. 27).

Engloba, ainda,

uma estrutura social, uma estrutura econômica e uma estrutura política, e não pode ser apenas uma dessas estruturas: tem de ser todas as três ao mesmo tempo. Além disso, a hegemonia mundial se expressa em normas, instituições e mecanismos universais que estabelecem regras gerais de comportamento para os Estados e para as forças da sociedade civil que atuam além das fronteiras nacionais - regras que apóiam o modo de produção dominante (COX, 2007, p. 118).

Ao conquistar a hegemonia mundial, os grupos dominantes legitimam e ampliam sua capacidade de obter lucro a partir da exploração do trabalho em outras áreas a partir de uma divisão internacional do trabalho. A partir dessa divisão é possível delimitar países centrais, áreas semi-periféricas e áreas periféricas. Os países centrais são aqueles que recebem maior vantagem do sistema-mundo, possuem fortes institucionalização estatal e identidade cultural nacional, modelos que exportam para outros países, e que servem de argumentos de superioridade para manutenção das disparidades do sistema-mundo. As áreas semi-periféricas possuem institucionalização estatal, integridade cultural e atividades econômicas complexas, já foram países centrais ou áreas periféricas, alterando sua condição com as mudanças geopolíticas do sistema-mundo, e atuam como mediadores entre o centro e a periferia, o que a 14

teoria da dependência chamaria de subimperialismo6. Por fim, as áreas periféricas referem-se àqueles Estados fracos, que variam entre a inexistência e o baixo grau de autonomia (WALLERSTEIN, 1974, p. 349). Em paralelo com os estudos de Gramsci, a ação contra-hegemônica nada mais seria do que o que ele chama de “guerra de posição”, já que, assim como nos Estados Ocidentais, a ideologia hegemônica está entranhada por todo o sistema internacional e encontram nas organizações internacionais suas maiores propagadoras. Ainda que sirvam aos interesses do Estado hegemônico, as organizações internacionais necessitam do consentimento de outros atores no sistema internacional e, para isso, cooptam parte da elite intelectual de áreas periféricas e semi-periféricas. Esses, em sua maioria, acabam incorporando elementos do discurso hegemônico e transmitindo para seus países, realizando uma “revolução passiva”. Entretanto, é possível que a existência de um Bloco Histórico de orientação contrahegemônica sirva como guia para que o intelectual orgânico mantenha seu ideal e ajude a transformar uma organização internacional por meio de uma “guerra de posição”. Cox é cético perante a capacidade de transformação a partir das instituições, por estar a superestrutura intrinsecamente vinculada à ideologia hegemônica. Acreditando que somente uma alteração das estruturas políticas internas dos Estados e das relações sociais criariam o ambiente favorável para o surgimento do Bloco Histórico, ainda que reconheça que “a economia mundial e as condições políticas globais influenci[a]m substancialmente as perspectivas de tal empreitada” (2007, p. 122). A capacidade da estrutura e da superestrutura da ordem mundial influenciar na formação de um Bloco Histórico contra-hegemônico no âmbito nacional será utilizada como premissa desta dissertação. Porém, conforme será aprofundado posteriormente, acredita-se que a atuação internacional de áreas semiperiféricas e periféricas no intuito de alterar a balança de poder internacional, pode ser caracterizada também como uma forma de construção de uma consciência contra-hegemônica. Um exemplo deste tipo de atuação foi o MNA durante a Guerra Fria, que articulou Estados explorados pelos países centrais com o objetivo apresentar uma alternativa às duas potências hegemônicas da época. Ainda que seja elucidativa para compreender as relações de dominação e exploração, a divisão de Estados entre centrais, semiperiferia e periferia não parece retratar toda a complexidade do sistema internacional e as assimetrias de poder entre os Estados. Para isso,                                                                                                                           6

Marini (2000, 2012) explica que por meio de lideranças regionais, a potência hegemônica exerce sua influência na região, delegando a elas a responsabilidade pela manutenção dos seus interesses. A essa atuação das potências regionais, chama-se subimperialismo.

15

será aproveitada a divisão apresentada por Robert Keohane, que determina que o sistema internacional é composto por quatro classes de Estados: as Grades Potências, capazes de determinar o destino do sistema seja por ações unilaterais ou multilaterais; as Potências Secundárias, que, apesar de não conseguirem determinar o sistema, são capazes de influenciálo diretamente; as Potências Intermediárias7, são aqueles que necessitam de alianças regionais e globais para que sejam capazes de influenciar o sistema internacional; e as Pequenas Potências, referente aos que são tão pequenos que não conseguem influenciar direta ou indiretamente o sistema (1969, p. 295). Considerando que o objetivo deste capítulo é a análise do caso brasileiro, cabe ressaltar que além de ser uma potência intermediária no cenário internacional, o Brasil exerce, ainda, uma liderança regional na América Latina, o que amplia sua relevância no cenário internacional. Devido a combinação de capacidades objetivas com as condições de potência intermediária e potência regional concedem ao Brasil o status de potência média, o que será melhor explicado a seguir, assim como as estratégias utilizadas pelo país a partir da conscientização de suas capacidades.

2.2. QUALIFICANDO UMA POTÊNCIA MÉDIA

Conforme explicado anteriormente, a assimetria de poder entre os Estados faz com que eles estejam divididos em categorias de acordo com suas capacidades. Dentre as quatro classes, Grandes Potências, Potências Secundárias, Potências Intermediárias e Pequenas Potências, é possível identificar o Brasil como sendo uma Potência Intermediária, uma vez que, apesar de não conseguir influenciar o sistema de acordo com os seus interesses, pode atingir esse objetivo ao aliar-se a outros Estados ou por meio de organizações internacionais. Além do Brasil, esse grupo engloba ainda países como Argentina, Canadá, Suécia e Paquistão, porém, ao mesmo tempo que, segundo essa teoria, possuam capacidades semelhantes, o que se observa na prática é uma maior proatividade brasileira, assim como um reconhecimento de sua relevância em comparação com os outros países, o que concede ao país o rótulo de potência média.

                                                                                                                          7

Preferiu-se utilizar a nomenclatura “Potência Intermediária” em contraposição à “Potência Média”, na tradução literal do autor, para que não houvesse ambiguidade de conceitos utilizados neste trabalho.

16

Muitos autores passaram a analisar a categoria de potências médias para compreender a diferença entre elas e seus pares que pertencem à categoria de Potências Intermediárias. Nesse sentido, Sennes (1998) faz uma análise de diversos trabalhos que tentaram, justamente compreender que fatores seriam os responsáveis por essa diferenciação. Entre os autores analisados, estavam Ronald Schneider (1977) e Wayne Selcher (1981), que fazem uma “avaliação das capacidades” ou “avaliação do poder percebido” desses países, restringindo suas análises a estatísticas formais mensuráveis, tais como tamanho do território, da população, da produção interna, das riquezas minerais, o bem-estar e a integração do país, o poderio militar, o status diplomático e as taxas de importações e exportações. A partir de então, estabelecem um ranking de países baseado nessas variáveis, porém, cometem uma falha ao simplificar sua análise apenas as capacidades objetivas e ignorar a atuação dos Estados no âmbito regional e em processos decisórios internacionais. A insuficiência dessa análise em avaliar a conversão de capacidade material em poder real faz com que alguns autores busquem outros fatores para explicar a fonte diferenciada de poder desses Estados. Sennes cita Bernard Wood (1987), que avalia o grau de participação destes países no comércio internacional e, a partir de então, busca semelhanças nas atuações das potências médias no cenário internacional, partindo da premissa de que esses Estados buscariam cooperar entre si para defender seus interesses e contrabalançar as grandes potências no sistema internacional. Novamente, ainda que tenha buscado um comportamento político, observa-se uma limitação desse enfoque, ao confundir a caracterização do objeto de análise com “países desenvolvidos de economias de mercado de tamanho médio” (SENNES, 1998, p. 389). David Myers (1991), por outro lado, considera a importância de portar-se com uma proeminência regional e a soma ao requisito de ser uma Potência Intermediária, relegando a segundo plano a atuação internacional. Ainda que sua análise não seja ideal para caracterizar uma potência média, é extremamente útil pra a compreensão dos sistemas regionais. Segundo o autor, existem, assim como na ordem mundial, quatro categorias de Estados no sistema regional, sendo o principal deles o Estado hegemônico ou aspirador, cujo poder provém de suas capacidades materiais, poder militar e interesse em exercer a liderança. Além dele, são membros do sistema regional o Estado barganhador, aquele que não está satisfeito com a sua posição e barganha com a hegemonia regional, almejando um papel central; os dependentes periféricos, que se conformam com sua condição reduzida; e os desafiadores externos, que desafia o status quo e não é membro do sistema. 17

Finalmente, Oyving Osterud (1990) diferencia claramente potência regional, e dá o exemplo de Israel, de potência intermediária, com o exemplo do Canadá, afirmando ser possível que um país possua os requisitos para ser um e não outro, como é o caso dos dois citados, e apresenta o conceito de Grande Potência Regional. Para estar incluído nessa categoria, o Estado deve ser uma potência regional, ao mesmo tempo, ter um grau de poder no sistema internacional equivalente ou maior ao de Potência Intermediária, ser um agente influente nas relações econômico-comerciais na região, ter a capacidade de confrontar uma coalizão de Estados da região e ter uma inserção relevante no sistema internacional, ainda que sua atuação regional seja a predominante. Carsten Holbraad (1984) faz um recorte histórico da atuação das potências médias a fim de buscar padrões desde a Liga das Nações até a atualidade e reafirma a importância da combinação da atuação regional com a global em um mundo considerado uni, bi, tri ou multipolar. Por fim, Sennes conclui que a potência média deve combinar as características de potência intermediária no sistema internacional com as de potência regional. Dessa forma, refere-se a

(…) uma determinada faixa de países que não está compreendida nas classificações tradicionais de Superpotências ou Grandes Potências e tampouco se confunde com o conjunto de países cujo impacto no ordenamento e na dinâmica internacional é pouco expressivo. (…) o traço mais marcante (…) é a característica recorrente das Potências Médias, ocupando, de um lado, uma posição intermediária no sistema internacional global, com sua consequente condição de system-affecting states, e, do outro, participando intensamente dos sistemas regionais e sub-regionais onde se encontram (SENNES, 1998, p. 396).

Diferentemente do que ocorria com potências médias no período de Guerra Fria, no qual países como Canadá, Suécia e Austrália, orientavam suas políticas externas em função dos interesses da grande potência, a difusão de poder gerada após o fm da União Soviética permitiu que as novas potências médias exercessem um maior protagonismo na ordem mundial. Isso não significa que a potência hegemônica perdeu sua capacidade de determinar normas e princípios e de alterar a estrutura de acordo com seus interesses, mas que outros atores, a partir da ampliação de suas capacidades e da distensão da política internacional, adquiriram a capacidade de influenciar o sistema de uma forma que poucos países eram

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capazes antes e de protagonizar discussões em regimes internacionais8 de seus interesses. Segundo Cox,

Organizações internacionais são um processo, não uma finalidade, e o direito internacional é um de seus produtos mais importantes. É do interesse das potências médias apoiar esse processo, seja no contexto de uma ordem hegemônica ou (ainda mais vigorosamente) na ausência de hegemonia (COX, 1989, p. 826 - tradução nossa).

Dessa forma, as potências médias querem um revisionismo brando da ordem mundial, não tão radical como o pleiteado na época da Guerra Fria pelos países do MNA, cuja lógica era confrontação com o sistema. Esses países viam os organismos internacionais como órgãos concentradores e desiguais, atuando em conjunto para criticá-los, como foi o G-77, criado em 1964 na primeira reunião da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), e do G24, criado em 1971 para o FMI. O próprio Brasil se recusou de participar do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) entre 1969 e 1988 por acreditar ser ele um instrumento de concentração de poder, além de não assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) até 1998, por acreditar que este era um instrumento de “congelamento do poder mundial”. A partir dos anos 1990, o cenário internacional se apresenta de forma bastante distinta, com uma maior difusão de poder entre outros atores além da potência hegemônica. A estratégia dos países emergentes deixa de ser de ruptura e passa a ser de participação, ao conscientizar-se da necessidades desta para a defesa dos seus interesses e para a alteração das bases desiguais nas quais o sistema internacional está estruturado.

2.3. O BRASIL ENQUANTO POTÊNCIA MÉDIA

O Brasil é um país de dimensões continentais seu território é o quinto maior do mundo, com 8.459420 km2, segundo dados de 2013, sua população ultrapassou a marca de 200 milhões de habitantes, a quinta maior do mundo, seu PIB é de 2.245.673.032.353,76 de dólares, o sétimo maior do mundo, exportação de bens e serviços de 281.917.585.983,128 de                                                                                                                           8

Compreende-se por regimes internacionais um conjunto de princípio, normas, regras e processos decisórios pelos quais se pretende regular o comportamento dos Estados sobre determinado tema, por exemplo meio ambiente, Direitos Humanos, proliferação de armas nucleares e outros.

19

dólares (12,55% do PIB), importação de bens e serviços de 337.688.421.247,798 de dólares (15,03% do PIB) da produção interna e investimentos militares de 67.819.000.000 de reais, todos dados de 2013, fornecidos pelo Banco Mundial9. O acompanhamento do desenvolvimento das capacidades materiais brasileiras no período que compreende de 2002 a 201310 pode ser feito nas tabelas que seguem nas próximas páginas. Porém, não basta a análise de suas capacidades materiais para que seja caracterizado como uma potência média, como explicado anteriormente, deve-se avaliar sua atuação regional, inserção internacional e atuação multilateral. Tabela 1 - Capacidades materiais brasileiras 2002-2004 Capacidade 2002 População, total

179393768

2003

2004

181752951

184010283

População, crescimento (anual %)

1,36131273361399 1,30651418648282 1,23432890464563

PIB (US$) Crescimento do PIB (anual %)

504221228974,035 552469288267,793 663760341880,342 2,65597426675919 1,14674906432275 5,71391691586116

PIB per capita, PPP (US$)

9184,58084592242 9352,55893452222 10033,3686596087

Exportação bens e serviços (% PIB) Exportação bens e serviços (US$)

14,0966232739802 14,9868701866175 16,4250921581726 71078167115,903 82797855053,6237 109023247863,248

Importação bens e serviços (% PIB)

12,5829768402419 12,0751928882531 12,5481393500589

Importação bens e serviços (US$) IED, líquido (US$)

63446040465,3861 66711732206,6948 83289572649,5726 .. .. ..

IED, entrada líquida (% PIB)

3,29026293217978 1,83603412649308 2,73678505766453

IED, saída líquida (% PIB)

..

..

..

Inflação, preços ao consumidor (anual %) 8,45022069641983 14,715325826437 6,59912484724241 Indústria, valor acrescentado (% PIB) 27,0519326792493 27,8457841418618 30,1135838507602 Indústria, valor acrescentado (US$)

117508615101,163 133085472863,178 171545299145,299

Índice GINI Investimentos militares (% PIB)

58,62 58,01 56,88 1,90983758531136 1,51939941692334 1,47350063018317

Invest. militares (% gastos do governo)

8,37823769571619 6,08981506825021 6,43715874047387

Invest. militares (moeda local)

28224000000

25829000000

28608000000

Fonte: Elaboração própria com base no BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Disponível em: .

                                                                                                                          9

Dados extraídos de BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Atualizado em 17 out. 2014. Disponível em: . 10 Os dados de 2014 não foram disponibilizados até a última consulta, em 10 de abril de 2015.

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Tabela 2 - Capacidades materiais brasileiras 2005-2007 Capacidade 2005 2006 2007 População, total 186142403 188134315 189996976 População, crescimento (anual %) 1,1520346395149 1,0644160915339 0,985200701687338 PIB (US$) Crescimento do PIB (anual %) PIB per capita, PPP (US$) Exportação bens e serviços (% PIB) Exportação bens e serviços (US$) Importação bens e serviços (% PIB) Importação bens e serviços (US$) IED, líquido (US$) IED, entrada líquida (% PIB) IED, saída líquida (% PIB) Inflação, preços ao consumidor (anual %)

882185702547,247 1088916819852,94 1366823994658,72 3,15635238812408 3,95541526928329 6,09545497675312 10559,6698242807 11195,0084202673 12073,0752240553 15,1283508131369 14,3684508392759 13,3643803147509 133460147904,684 156460477941,176 182667556879,462 11,5199977645722 11,4657923268494 11,8442831307351 101627773212,818 124852941176,471 161890503826,203 -12549590734,979 9420275576,86432 -27518241273,2649 1,75246340532158 1,77957514430664 3,2615386207618 0,329906828090398 2,64468030248911 1,24824053843367 6,86734958026696 4,18368053152464 3,63702793370322

Indústria, valor acrescentado (% PIB)

29,272960879966 28,7527649157991 27,8112224671385

Indústria, valor acrescentado (US$)

221562037797,864 268819852941,176 326783935082,944

Índice GINI Investimentos militares (% PIB) Invest. militares (% gastos do governo) Invest. militares (moeda local)

56,65

55,93

55,23

1,5405823289432 1,5060669352766

1,498754576167

6,00738245070517 5,53547872503505 5,59465792669352 33080000000

35686000000

39887000000

Fonte: Elaboração própria com base no BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Disponível em: .

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Tabela 3 - Capacidades materiais brasileiras 2008-2010 Capacidade 2008 2009 2010 População, total 191765567 193490922 195210154 População, crescimento (anual %) 0,926546454089764 0,895697585537137 0,884609442807871 PIB (US$) 1653508561457,08 1620188056416,93 2143067871759,89 Crescimento do PIB (anual %) 5,1692990144351 -0,32824803986604 7,53361545286975 PIB per capita, PPP (US$) 12825,816080161 12767,2404445432 13772,8846735976 Exportação bens e serviços (% PIB) 13,6631968033813 10,9789949015313 10,8715851234123 Exportação bens e serviços (US$) 225922128912,64 177880364109,233 232985447930,878 Importação bens e serviços (% PIB) 13,4731370316773 11,1393021679297 11,9029146557704 Importação bens e serviços (US$) 222779474315,629 180477643292,988 255087539790,814 IED, líquido (US$) -24601090273,6125 -36032806300 -36918923577,01 IED, entrada líquida (% PIB) 3,06719928119315 1,94304186327732 2,48917140001372 IED, saída líquida (% PIB) 1,57938779674979 0,280947269174823 0,766457711683722 Inflação, preços ao consumidor (anual %) 5,66309851932564 4,88640844429615 5,03831694621171 Indústria, valor acrescentado (% PIB) 27,9016063089771 26,8288327491843 28,0694513260954 Indústria, valor acrescentado (US$) 392620242120,188 374961988596,579 514922692132,788 Índice GINI 54,37 53,87 .. Investimentos militares (% PIB) 1,47882530331073 1,58309985417071 1,58667510148975 Invest. militares (% gastos do governo) 5,51700838819295 6,02437325735844 5,94511117961405 Invest. militares (moeda local) 44841000000 51283000000 59819000000 Fonte: Elaboração própria com base no BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Disponível em: .

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Tabela 4 - Capacidades materiais brasileiras 2011-2013 Capacidade 2011 2012 2013 População, total 196935134 198656019 200361925 População, crescimento (anual %) 0,879771441280139 0,870037584185466 0,855057482603254 PIB (US$) 2476694763271,16 2248780912395,68 2245673032353,76 Crescimento do PIB (anual %) 2,73250924324444 1,03180364838337 2,49201180265695 PIB per capita, PPP (US$) 14300,7406589422 14573,545144928 15033,7808938686 Exportação bens e serviços (% PIB) 11,8891676713698 12,5872078329835 12,5538126842821 Exportação bens e serviços (US$) 294458393113,343 283058727151,708 281917585983,128 Importação bens e serviços (% PIB) 12,6225466236545 14,0337160361322 15,0372924456352 Importação bens e serviços (US$) 312621951219,512 315587527520,352 337688421247,798 IED, líquido (US$) -67689141256,44 -68093253944,5899 -67,490,979,326.0 IED, entrada líquida (% PIB) 2,88847291439674 3,38452993660852 3,5999451173863 IED, saída líquida (% PIB) 0,15542957533635 0,35652246957392 0,6 Inflação, preços ao consumidor (anual %) 6,63619865693002 5,40196474982338 6,20189961255389 Indústria, valor acrescentado (% PIB) 27,5330208704759 26,0192495763166 24,9763707805878 Indústria, valor acrescentado (US$) 581154949784,792 496254672059,802 475861221841,105 Índice GINI 53,09 52,67 .. Investimentos militares (% PIB) 1,49137765612724 1,51132922018518 1,39982641236043 Invest. militares (% gastos do governo) 5,66913713779588 5,66930632162929 .. Invest. militares (moeda local) 61788000000 66379000000 67819000000 Fonte: Elaboração própria com base no BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Disponível em: .

Em uma análise do caso brasileiro, Maria Regina Soares de Lima e Monica Hirst (2009) indicam que o ambiente pacífico no entorno regional, assim como o interesse na manutenção do status quo na região e sua satisfação com o território levaram o país a optar por uma política externa pacífica, recusando adotar estratégias de poder robusto (hard power), em favor de um poder brando (soft power). Na concepção de Joseph Nye Jr, poder “é a capacidade de obter os resultados desejados e, se necessário, mudar o comportamento dos 23

outros para obtê-los” (2002, p. 30) e pode ser exercido de três formas: por meio da coerção com o uso da força, indução por pagamento, ou por atração ou cooptação. Os dois primeiros estão relacionados a formas de poder robusto, enquanto o último refere-se ao poder brando, o qual utiliza carisma, persuasão e o exemplo para influenciar outros atores. Nas palavras do autor,

Tanto o poder militar como o econômico são exemplos de duro poder de comando que se pode empregar a fim de induzir os demais a mudarem de posição. O poder bruto se apóia tanto em induções (a cenoura) como em ameaças (o porrete). Mas existe um modo indireto de exercer o poder. Na política mundial, é possível que um país obtenha os resultados que quer porque os outros desejam acompanhá-lo, admirando os seus valores, imitando-lhe o exemplo, aspirando ao seu nível de prosperidade e liberdade. A este aspecto do poder - levar os outros a querer o que você quer -, dou o nome de poder brando. Ele coopta as pessoas em vez de coagi-las (NYE JR., 2002, p. 36).

O fato de o Brasil ter solucionado suas questões territoriais e fronteiriças por meio diplomático e não militar, ainda no início do século XX, e de se perceber como “geopoliticamente satisfeito”, conforme afirmam Lima e Hirst (2009), fez com que sua política externa tivesse um foco diverso do padrão entre países de grande porte. Esses países estiveram constantemente envolvidos em conflitos lindeiros e, por isso, necessitaram despender altos investimentos nas forças armadas, o que fez com que a questão militar se tornasse um dos focos centrais de suas políticas externas. O caso estadunidense é icônico, no qual parte de um território composto apenas pelas treze colônias e expande seu território seja por meio de pagamento a França (1803), México (1853) e Rússia (1867) e de anexações, como foi o caso da Flórida (1812-1819) e do Texas (1845-1848), além de intervenções diretas em Estados da América Central, Caribe e Pacífico, a partir de 1898. A própria proximidade dos Estados Unidos, combinada à estabilidade regional, impacta diretamente na formulação da política externa brasileira, que vislumbra uma fragilidade econômica, e não militar. Isso fez com que a política externa brasileira estivesse diretamente relacionada à política econômica adotada internamente e às suas conjunturas críticas. Compreende-se por conjunturas críticas:

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uma combinação simultânea de transformações sistêmicas e domésticas: são momentos nos quais os padrões dominantes de desenvolvimento econômico interno e a inserção internacional se esgotam e uma nova coalizão sociopolítica emerge, alterando tanto a política econômica externa quanto a política externa. Duas dessas conjunturas críticas podem ser identificadas no século XX: a primeira ocorreu nos anos 1930, com a crise do modelo agro-exportador e a consequente adoção do modelo de industrialização por substituição de importações (ISI); e a segunda nos anos 1990, com o esgotamento do regime de ‘industrialização protegida’ e sua substituição por um modelo de integração competitiva à economia global (LIMA; HIRST, 2009, p. 46).

Considerando a distância dos anos 1930 do período que pretende-se analisar, optou-se por esclarecer somente as conjunturas críticas da década de 1990, por impactarem diretamente na política externa brasileira do período imediatamente anterior ao que lançou a estratégia do “novo protagonismo mundial”. No plano internacional, o fim da Guerra Fria trazia consigo o fim de um modelo dual no cenário internacional, consolidando, no período imediato, os Estados Unidos como única potência. Emerge, com isso, a crise do Estado Nacional, com o discurso de que ele seria um limitador das liberdades ao intervir na economia promovendo um protecionismo, o que impedia o livre mercado e a autorregulação, ao conceder uma sobrevida a empresas pouco competitivas no mercado internacional. Ainda na década de 1980, o mundo se deparou com o ressurgimento de um paradigma político-ideológico há muito abandonado, o liberalismo econômico. A restrição ao crescimento econômico promovido pelas políticas keynesianas e social-democratas recolocaram em evidência os partidos conservadores, elegendo Margaret Thatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos. A partir de então, foram aprofundadas políticas de desregulamentação financeira, que, com o fim da Guerra Fria, se impuseram ao mundo como única alternativa viável, como ficou marcado pela expressão de Thatcher “There is no alternative” (TINA). O capitalismo e a democracia liberal burguesa seriam o ápice da evolução da sociedade, uma vez que superaram todas as outras formas de governo. O modelo proposto pelo Consenso de Washington11, de ideologia neoliberal e supremacia do mercado seria o norte a ser seguido por governos de todo o mundo. Fiori credita a universalização dessas políticas à:

                                                                                                                          11

Expressão criada por John Willianson relativo ao "mínimo denominador comum de conselhos de políticas econômicas que estavam sendo recomendados pelas instituições financeiras baseadas em Washington D.C. aos países da América Latina, tais como eram em 1989", termo que seria associado ao receituário neoliberal indicado pelo FMI para os países que lhe pediam empréstimos, sob a justificativa de que este receituários lhes garantiria as bases necessárias para o desenvolvimento econômico.

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Nos países centrais como consequência de sua competição pelos capitais financeiros off shore, e nos países periféricos, como decorrência de sua crise externa e como imposição das políticas de ajuste patrocinadas pelos credores e pelos governos dos países centrais (FIORI, 2007, p. 50).

A limitação de crédito pelo FMI e pelo Banco Mundial aos países subdesenvolvidos fazia parte dos planos dos organismos internacionais para desmoralizar o nacionaldesenvolvimentismo, até então em vigor nos países em desenvolvimento, almejando a abertura de mercados e a desregulamentação das economias. Nesse sentido, Samuel Pinheiro Guimarães afirma que:

As agências internacionais, controladas de fato ou de direito pelas grandes potências, em especial os Estados Unidos, lideram o esforço ideológico de difusão das políticas neoliberais e de cooptação de elites intelectuais e políticas periféricas acompanhada de uma política ativa de promoção de abertura comercial e financeira radical, por meio das negociações comerciais multilaterais da Rodada do Uruguai e das negociações bilaterais das dívidas externas, em que tiveram influência decisiva agências internacionais como o FMI e o Banco Mundial (GUIMARÃES, 2005, p. 380).

Esse conjunto de medidas econômico-financeiras adotadas ao redor do mundo contribuíram para o aprofundamento do fenômeno da globalização. Passa a observar-se na maioria dos países em desenvolvimento a adoção de políticas de reforma econômica e estrutural, que os incluiu na economia global a partir da desregulamentação, abertura comercial, eliminação de restrições ao investimento estrangeiro direto (IED) e autonomia do Banco Central, para que este pudesse promover câmbio e juros de mercado. No caso brasileiro, o governo Fernando Collor de Melo (1990-1992), com o objetivo de combater a hiperinflação, que alcançava a cifra de 1764% antes de seu governo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), lança um plano econômico de bases ortodoxas chamado de “Plano Brasil Novo”, também conhecido como “Plano Collor". Além do bloqueio da liquidez dos haveres financeiros12, pelo qual ficou conhecido, o plano estabelecia redução dos gastos públicos, com diminuição do número de ministérios e órgãos públicos, demissão de funcionários públicos e congelamento dos salários e dos preços. Surgia no governo Collor as bases para a reforma estrutural e a política econômica adotados por toda                                                                                                                           12

Optou-se pela expressão bloqueio de liquidez por tratar-se de uma “suspensão (parcial ou total, temporária ou definitiva) do direito ao exercício da liquidez de ativos financeiros”, que pretendia enfrentar três desafios dos planos de combate à inflação testados nos anos 1980: “a tendência de monetização acelerada e de explosão da demanda agregada em momentos de desinflação abrupta; a elevada liquidez dos haveres financeiros, a chamada ‘moeda indexada’; e a tendência de rápido crescimento da dívida mobiliária interna e a fragilidade do esquema de refinanciamento diário no mercado monetário”. (CARVALHO, 2006, p. 105, 108)

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a década de 1990, ainda que o impacto do neoliberalismo tenha sido menor no Brasil do que em outros países latino-americanos, como Argentina e México. O outro requisito necessário para as conjunturas críticas é a transformação doméstica, que está intimamente relacionada ao fim do regime militar, em 1985. Com isso, veio o desejo de abandonar a política externa defensiva em assuntos que o antigo regime via como questões de soberania nacional, tais como direitos humanos e não proliferação nuclear, passando a atuar em todos os regimes internacionais, ao promover a estratégia conhecida como “autonomia pela participação”. Apresentavam-se duas perspectivas de inserção ao Brasil na época: uma vinculada às grandes potências, as quais deveriam passar a perceber com mais credibilidade, uma vez que o país não teria excedentes de poder13, “enfatizava a necessidade de se enxergar o país pela perspectiva de seus potenciais parceiros” (LIMA; HIRST, 2009, p. 49); e outra que tem como objetivo uma maior autonomia, uma diversificação de parcerias e um engajamento com o multilateralismo. Ao definir que o Brasil não possui excedentes de poder, a primeira perspectiva estabelece que o país deveria limitar sua atuação internacional devido a limitações internas, de modo que só poderia inserir-se internacionalmente nos regimes permitidos pelas grandes potências. Os defensores dessa corrente têm como premissas os fatos de que por possuir desigualdades sociais internas, por exemplo, o Brasil não deveria atuar no combate à fome em países mais pobres, ou que por possuir índices baixos de distribuição de renda e alta dívida interna, não deveria investir em organismos financeiros internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, ou ainda que por necessitar de investimentos em infraestrutura, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não poderia investir em obras em outros países do Sul. A estratégia baseada na autonomia, por outro lado, reconhece as limitações do Estado e busca na inserção internacional meios de superá-las e de ajudar outros países que passam pela mesma situação, orientação a qual caracterizou a atuação brasileira no governo Lula da Silva. Segundo o ex-chanceler Celso Amorim, sua diplomacia foi de encontro “às doutrinas prevalecentes no passado, que afirmavam que o Brasil não tinha ‘excedente de poder’ e que, portanto, não podia fazer isso ou aquilo; não podia defender seus interesses de forma altaneira, muito menos prestar solidariedade aos outros” (AMORIM, 2010, p. 100).

                                                                                                                          13

Tese defendida pelo ex-chanceler brasileiro Ramiro Saraiva Guerreiro, segundo a qual o Brasil, por não dispor de poder em abundância, não poderia cometer erros ou deslizes na condução de sua política externa sob a pena de perder credibilidade.

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Conforme afirma José Humberto de Brito Cruz, esse conflito de interpretações acerca do papel que deve exercer o país no cenário internacional é fruto do processo de transformações pelo qual o Brasil vem passando, em suas palavras:

Esse tipo de debate corresponde, precisamente, à situação de um país em transição, um país que ainda tem na memória coletiva a lembrança do nível de dependência e vulnerabilidade conhecido em momentos anteriores de sua história – e, em mais de um setor, ainda enfrenta desafios que reavivam diariamente essa lembrança –, mas que vislumbra, ao mesmo tempo, padrões de interação com o mundo que já se apresentam sob o prisma da interdependência e da possibilidade do ganho recíproco – inclusive nas relações com os países mais desenvolvidos (CRUZ, 2014).

Retomando a análise dos requisitos necessários para que um Estado possa ser considerado uma potência média, é necessário que este: seja uma potência regional, posicione-se como potência intermediária no sistema internacional e possua uma multiplicidade de temas debatidos em sua política externa. Dos requisitos estabelecidos, o primeiro, de ser potência regional, parece ser incontestável atualmente. O país conquistou desde a década de 1980 um papel de liderança na América do Sul, quando iniciou, juntamente com a Argentina, o processo de criação do Mercosul. A partir de então, o bloco econômico cresceu, foi criada a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), e o Brasil passou a atuar, cada vez mais, como mediador de conflitos e paymaster na região. O conceito de paymaster está diretamente ligado à percepção por parte do Estado economicamente mais forte de que deve assumir a responsabilidade pela integração regional seja como líder político ou financiador do processo. Isso ocorre devido ao fato de Estados mais fracos buscarem ganhos relativos, ou seja, atuarem como em um jogo de soma-zero, no qual receiam cooperar com atores mais fortes sem que tenham a percepção de obter maiores vantagens desta cooperação do que a outra parte. Por isso, o Estado mais forte acaba tendo que oferecer ao mais fraco maiores benefícios ao reconhecer a importância da cooperação. Segundo Snidal, “uma distribuição assimétrica de ganhos absolutos pode ser um requisito para alcançar acordos de cooperação entre Estados de diferentes tamanhos preocupados com seus ganhos relativos” (1991, p. 720). Um exemplo que pode ser citado é o dos desentendimentos entre Equador e Colombia, em 2008, no qual o Brasil conseguiu impedir que a crise tomasse proporções maiores, melhor aprofundado posteriormente. Além disso, o Brasil passou a investir no desenvolvimento de países da região, incluindo a compreensão por parte do governo na nacionalização da Petrobras na Bolívia, a renegociação dos preços da energia comprada do Paraguai, e a 28

nacionalização do sistema ferroviário argentino, que afetou empresas brasileiras, além de empréstimos aos países da região que desejassem fazer investimentos em infraestrutura. Quando o quesito analisado é a inserção internacional, o Brasil tem buscado ampliar sua lista de parceiros comerciais, forjando alianças com outras potências médias com o objetivo de impulsionar sua influência no mundo, como é o caso dos BRICS14, do Fórum IBAS e de sua crescente participação na África. No que diz respeito às relações entre o Brasil e os Estados Unidos, têm se revelado de balanceamento brando e divergência limitada, evitando confrontamento direto e utilizando a estratégia, inaugurada no governo de José Sarney (1985-1990), de “encapsulamento de crises”. Essa política garantiu ao Brasil o reconhecimento americano de interlocutor estratégico. Além disso, o Brasil tem ampliado sua participação em foros multilaterais, inclusive pleiteando um assento permanente no CSNU, uma maior representatividade no sistema financeiro mundial e maior participação em temas de interesse global, como desenvolvimento e segurança.

2.4. O XADREZ TRIDIMENSIONAL DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Nesse sentido, é possível fazer um paralelo à teoria de Joseph Nye Jr. (2002) que analisa a política externa estadunidense como um jogo de xadrez tridimensional e, a partir desta análise, avalia a distribuição de poder no mundo. O primeiro tabuleiro, mais baixo, seria o das relações transnacionais, as quais estão fora do controle Estatal, como por exemplo as transferências bancárias de vastas somas de dinheiro, o fluxo de investimentos estrangeiros entre os Estados, o terrorismo internacional, as ameaças ao sistema internacional de internet por hackers, entre outros. Diferente do primeiro tabuleiro, no qual o poder está extremamente disperso, o segundo tabuleiro é econômico, no qual se pode falar em multipolaridade, entre Estados Unidos, Europa, Japão e, cada vez mais, a China. Neste tabuleiro, os Estados Unidos devem barganhar entre os diversos outros polos econômicos de poder. Já no tabuleiro superior, que trata do poder militar, os Estados Unidos são a única potência em um mundo chamado de unipolar, por serem os únicos que combinam a tecnologia para produzir armas nucleares de alcance intercontinental com um amplo poderio militar, principalmente no que diz respeito ao                                                                                                                           14

Agrupamento de concertação de cinco potências regionais (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o qual será explicado posteriormente.

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exército e a marinha, além de uma poderosa indústria militar, responsável por um dos maiores lobbies da política norte-americana. Adaptando a teoria do jogo de xadrez tridimensional para o caso brasileiro é possível identificar três tabuleiros de atuação da política externa, delimitados pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em janeiro de 2003. O primeiro seria regional, no qual apresenta-se como potência regional da América do Sul, buscando uma maior integração política, econômica e comercial na região. O segundo, que será chamado de intermediário, é aquele em que o Brasil se relaciona com o “Sul Global”, principalmente ao se associar a outros países em desenvolvimento com o objetivo de alterar e democratizar o sistema internacional, como ocorre por meio dos BRICS. O terceiro é o chamado tabuleiro superior, no qual negocia diretamente com os países desenvolvidos, seja os Estados Unidos ou a Europa, pleiteando investimentos e vantagens comerciais.

2.4.1. O tabuleiro regional

No primeiro tabuleiro de atuação da política externa brasileira a ser analisado, o entorno regional apresenta-se como uma área de influência extremamente importante. O Brasil exerce o papel de liderança não só na América do Sul, mas também por toda a América Latina e Caribe, para onde tem buscado ampliar sua participação. Esse tabuleiro é de extrema importância para a pretensão de inserção global brasileira por ser ele que garante as credenciais e a legitimidade para que o país se porte como representante de um conglomerado maior de Estados. A América do Sul tornou-se, ao longo dos anos recentes, uma área de atuação extremamente importante para a política externa brasileira. O Mercosul surge em março de 1991 como o principal projeto de integração proposto pelo país até a época. Originado de acordos com a Argentina, logo o bloco incluiria Paraguai e Uruguai e pretendia promover uma área de livre comércio entre os Estados membros. Essa perspectiva calcada nos ideais neoliberais da época seria ampliada com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, retornando à ideia inicial dos dois principais países de potencializar suas capacidades de negociação no sistema internacional. Nesse sentido, conforme afirma Maria Regina Soares de Lima, o Mercosul reorienta suas prerrogativas, deixando de focar somente no comércio para englobar também "a 30

integração produtiva e os âmbitos políticos, social e da participação da sociedade civil" (2014, p. 83). É possível observar, no referido período uma mudança de postura do Brasil com relação aos países menores do grupo, quando passou a reconhecer que estes mereciam um tratamento diferenciado por serem menos desenvolvidos e mais vulneráveis, pleito histórico do Brasil nas relações com as grandes potências, mas que nunca havia reproduzido com os seus parceiros do agrupamento. Para que as assimetrias intra-bloco fossem reduzidas, foi criado em dezembro de 2004 o Fundo de Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (FOCEM). O Fundo contou com um aporte inicial de US$ 100 milhões não reembolsáveis de modo que o país que contribui com a maior contribuição é aquele que possui o maior PIB e a contribuição dos outros é diretamente proporcional às suas economias. Os recursos são destinados para os Estados-membros, respeitando a lógica inversa do financiamento, para que sejam feitos investimentos em infra-estrutura, na ampliação da produtividade econômica e no desenvolvimento social dos menos desenvolvidos. A partir do ingresso da Venezuela, o Fundo passou a contar com mais US$ 27 milhões15, passando a totalizar US$ 127 milhões. Dessa forma, o Brasil arca com US$ 70 milhões e pode utilizar US$ 11,5 milhões do total destinado anualmente ao FOCEM, a Argentina e a Venezuela arcam com US$ 27 milhões e também podem utilizar US$ 11,5 milhões, o Uruguai, US$ 2 milhões e US$ 36,9 milhões, respectivamente, e o Paraguai, US$ 1 milhão e US$ 55,4 milhões, respeitando a mesma lógica. Outra iniciativa relevante para a ampliação da integração regional foi a Unasul, cujo embrião surge ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), na I Cúpula de Presidentes Sul-Americanos, em Brasília, em 2000. Somente em 2004, na III Cúpula SulAmericana, em Cuzco, surgiria a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), cujo objetivo era o de criar um mercado para ampliar a capacidade produtiva da região. O Tratado Constitutivo da UNASUL foi firmado em 23 de maio de 2008, na III Cúpula de Chefes de Estado, em Brasília, consolidando um processo de integração multissetorial entre todos os países sulamericanos, no qual as principais áreas de atuação são as de defesa e segurança pública, as quais ganharam um enfoque maior a partir da criação do Conselho de Defesa SulAmericano.                                                                                                                           15

Ver MERCOSUL. Decisão 41/12. Participación de la República Bolivariana de Venezuela en el Fondo para la Convergencia Estrutural del Mercosur - FOCEM. Conselho do Mercado Comum, 6 dez. 2012. Disponível em: .

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Somada às duas iniciativas já citadas, a Cúpula da América Latina e Caribe (CALC), realizada na Costa do Sauípe, em 2008, consolidou-se como a primeira reunião de presidentes da região que não contou com a presença estadunidense. Observa-se, portanto, nas últimas décadas, a emergência de um regionalismo pós-liberal, que inclui, além das supracitadas, a Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), alternativa venezuelana à proposta da ALCA. Nas palavras de Soares de Lima, esse regionalismo pós-liberal defende a “primazia da agenda política, [o] papel do Estado na coordenação econômica, [a] preocupação com questões sociais, que vão da neutralização das assimetrias estruturais entre os países à inclusão de amplos segmentos” antes marginalizados (2014, p. 85). Ainda que a liderança regional seja um elemento que amplie o poder brasileiro nas estratégias de balanceamento internacional, pode, também, apresentar certo grau de fragilidade caso haja uma instabilidade regional que leve a conflitos ou ao questionamento de seu poder de influência. É o que ocorre com a Rússia, que perde, desde o fim da União Soviética, cada vez mais, sua capacidade de influência, como pode ser observado recentemente com a Ucrânia, país dividido em um leste com maioria étnica russa e um oeste de maioria étnica ucraniana, o que se traduz em uma clara oposição política entre as regiões do país. Quando o então presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, de etnia russa, foi forçado pela oposição a deixar o país, em 22 de fevereiro de 2014, sendo substituído por um governo interino, ampliou-se o confrontamento político entre os grupos pró-Rússia e os pró-UE, tornando-os cada vez mais violentos. Com o vácuo de poder, assumiu o governo o partido Svoboda, considerado por muitos fascista, que até alguns anos atrás atuava com o nome de Partido Nacional-Socialista da Ucrânia, juntamente ao Pravy Sector (Setor Direita), milícias fascistas armadas, e ao Partido da Patria. O governo interino foi reconhecido imediatamente pelos Estados Unidos e Europa, enquanto a Rússia alegava ter ocorrido um golpe de Estado. A repressão contra manifestantes de etnia russa ampliou drasticamente culminando em um plebiscito que retornou a região da Crimeia16 à soberania russa, resultado que já era esperado, por possuir uma população de maioria russa, cerca de 60%. À revelia dos fatos, o apoio ocidental à atuação do novo governo ucraniano foi total, ajudando no financiamento de suas tropas e ameaçando a Rússia de retaliações caso não abandonasse os territórios anexados, evidenciando uma clara falta de habilidade por parte da Rússia de manter a estabilidade em seu entorno regional.

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A Crimeia havia sido transferida para a Ucrânia por meio de um ato burocrático de Nikita Khrushchev, em 1954. A Ucrânia só se tornaria independente da União Soviética em 1991.

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Diferentemente do caso russo, o Brasil, desde a administração Lula da Silva tem ampliado sua influência na América Latina e, inclusive, sua capacidade de controlar crises, como citado anteriormente. O primeiro exemplo de controle de crises regionais ocorreu já no primeiro mês de governo do presidente Lula, quando é criado, em janeiro de 2003, o Grupo de Países Amigos da Venezuela, composto por Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos, México e Portugal. O vizinho vinha sofrendo forte reação da oposição ao governo de Hugo Chávez (1999-2013) que desde abril do ano anterior vinha tentando derrubar o presidente eleito. Nesse intuito, em dezembro de 2002 foi iniciada uma greve geral, organizada pela oposição, conhecida como el paro, que duraria 63 dias. Como impacto, o PIB venezuelano caiu 17% em 2003 e o bolívar (moeda nacional) desvalorizou-se em 25% com relação ao dólar, obrigando o governo a controlar os preços e o câmbio (MARINGONI, 2009). O Grupo, que atuou em conjunto com o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), pretendia negociar um fim pacífico para a crise de modo a impactar o mínimo possível no povo venezuelano, para isso, procurou-se aliar países que apoiavam o governo a países próximos à oposição. O sucesso na atuação do grupo pode ser observado pelo abandono das exigências de renúncia ou antecipação da eleições por parte da oposição, e a aceitação de que se optasse pelo referendo revogatório, previsto na Constituição, segundo o qual a população teria a oportunidade de avaliar e decidir pela manutenção ou saída do governo na metade do mandato. O referendo deveria ser acompanhado por algum representante da OEA e o próprio governo venezuelano sugeriu nome de Valter Pecly, embaixador brasileiro na OEA, e terminou com a manutenção de Chávez na presidência. Outro exemplo ocorreu quando, março de 2008, houve uma incursão de tropas colombianas em território equatoriano para destruir um acampamento das Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARC)17 localizada a menos de dois quilômetros da fronteira                                                                                                                           17

As FARC são o maior e o mais antigo grupo de guerrilha da América Latina. Surgiu em maio de 1964, como resposta política armada à agressão do governo colombiano, que, apoiado pelo governo dos EUA, lançou um ataque contra a região de Marquetalia. Proclamam-se uma organização político-militar marxista-leninista de inspiração bolivariana e têm como objetivo primário conseguir realizar na Colômbia uma mudança no regime, implementando um governo socialista, por meio de revolução armada. Ao longo de mais de quarenta anos de existência das FARC, diferente do que se pode inferir dos discursos oficiais recentes, ocorreram vários acordos de paz entre a guerrilha e o Governo. Entre eles, o mais marcante foi o acordo de cessar-fogo, assinado em 1982, que resultou de um processo de abertura democrática, o que permitiu às FARC a criação de um partido político, para ascender ao poder pelo sufrágio democrático. Com a trégua, as FARC apoiaram a criação da União Patriótica (UP), que ao lançar os candidatos a presidente e outros cargos eletivos, defendeu uma plataforma político-social transformadora e pluralista, recebendo apoio de diversos setores da sociedade. Muitos foram os membros das FARC que desertaram a guerrilha para atuar na legalidade, com a finalidade de mudar o quadro da sociedade colombiana. Apesar da vigência do tratado de trégua entre o governo e as FARC, houve vários atentados contra os membros da UP no ano de sua criação, com a ocorrência de diversas mortes. Com o acordo de paz frustrado, as FARC voltaram a atuar na ilegalidade, a partir de então, importantes instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Human Rights Watch, bem como alguns

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com a Colômbia. Com um bombardeio aéreo, o exército colombiano logrou matar o segundo mais importante líder das FARC, Raúl Reyes, e mais 22 supostos guerrilheiros. Devido à violação da soberania equatoriana e ao desrespeito de normas de Direito Internacional, os governos da Venezuela e do Equador ordenaram a retirada de seus embaixadores em Bogotá, além da expulsão do embaixador colombiano em Quito. Em seguida, Rafael Correa, presidente do Equador solicitou reuniões urgentes da OEA e da Comunidade Andina de Nações (CAN) para tratar da questão, enquanto Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, acusava os outros dois mandatários de negociarem com as FARC18 (SANTOS, 2010). Com a escalada das tensões, o Brasil interveio com o objetivo de buscar uma solução diplomática para a crise na região, evitando uma intervenção militar norte-americana, ameaça ainda mais eminente com a reativação da IV Frota Naval dos Estados Unidos, a qual será tratada mais a frente nesta seção. Ainda que Equador e Colômbia tenham rompido relações diplomáticas, as tensões foram diminuídas após conversas do presidente brasileiro com os mandatários dos outros três países. O número de exemplos de atuações brasileiras para solução de conflitos na região é extenso e poderiam ser tema de trabalho próprio, de modo que não é possível abarcar todos os casos. Outro fator que pode se tornar um complicador na liderança regional é a ampliação da projeção internacional da potência regional, almejando uma presença mais ativa no sistema internacional. A perspectiva de aumento de poder pode gerar, por parte dos vizinhos, um sentimento de rivalidade ou ameaça, tornando-os reativos a essa maior participação. Um exemplo é a resistência sofrida pelo Brasil, de parte dos países latino-americanos, quando

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            países, entre eles os EUA e integrantes da União Européia, passaram a considerá-la como uma organização terrorista. Essa adjetivação se deve aos métodos usados por esta organização para atingir seu objetivo, uma vez que, por obterem recursos por meio do narcotráfico, quando este é reprimido, utilizam-se de sequestros, extorsão e assassinatos. Os membros das FARC não produzem nem consomem drogas, contrariamente do que é comentado na imprensa, por determinados elementos da sociedade colombiana. Na realidade, os narcotraficantes pagam uma porcentagem dos lucros e, assim, circulam livremente pelos territórios ocupados pelos guerrilheiros. 18 A fronteira entre Colômbia e Equador é extremamente porosa e, apesar de o Equador não ter um cultivo de coca significativo, tornou-se um importante ponto de escoamento da cocaína colombiana, estimado em 40%, além de insumos químicos, tráfico de armas e refúgio para traficantes. Deste modo, as políticas colombianas de combate ao narcotráfico impactam diretamente no Equador, principalmente na década de 2000, pós-Plano Colômbia. No entanto, ainda que tenham atuado para reforçar a presença militar na fronteira e promover combate ao narcotráfico, com programas de desenvolvimento econômico e social da região, “por entender que o conflito é um problema colombiano e não de segurança regional, o Equador tem-se recusado a adotar a mesma estratégia de segurança dos colombianos. Nessa perspectiva, o país não confere às guerrilhas o status de terroristas, como querem os governos da Colômbia e dos EUA. Além disso, o governo equatoriano alega ser vítima do conflito colombiano, que traz um alto custo ao país, que não conta com os mesmos recursos econômicos e militares disponíveis aos colombianos. Essa posição equatoriana gerou duras críticas da administração colombiana de Álvaro Uribe, que sempre considerou seu conflito armado um tema de segurança regional” (SANTOS, 2010, p. 29).

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pleiteia uma reforma do CSNU que inclua o seu nome entre os membros permanentes do órgão, proposta que será abordada mais a frente. Uma terceira situação capaz de desestabilizar a liderança da potência regional ocorre quando a potência hegemônica intervém em conflitos ou tensões na região impedindo que uma solução de controvérsias por parte da potência regional gere um sentimento mais forte de integração, ameaçando os seus interesses na região. Um exemplo a ser citado foi a reativação da IV Frota Naval19 dos Estados Unidos, em julho de 2008. Sob a justificativa de promover a paz nos mares da região e auxiliar em ações humanitárias, a marinha estadunidense disponibilizou uma frota composta por treze fragatas com mísseis, quatro cruzadores com mísseis, quatro destróieres com mísseis e um navio-hospital que, apesar que não estar permanentemente atuante na região, é capaz de locomover-se para qualquer área da América Latina em pouco tempo. O ato unilateral dos Estados Unidos foi rechaçado na época por vários presidentes da região que reclamaram não terem sido comunicados previamente das intenções de Washington. Por parte do Brasil, o então presidente Lula exigiu um contato formal dos Estados Unidos de modo a prestar informações sobre a iniciativa. O contato da secretária de Estado norte-americana, Condoleeza Rice, ao chanceler Celso Amorim ocorreu no dia seguinte, quando ela afirmou que a Frota seria utilizada somente para a cooperação com países da região e que transmitiria maiores detalhes ao embaixador brasileiro em Washington, Antônio Patriota. Como reflexo, aumentou o engajamento brasileiro para o fortalecimento de uma concepção de região no Atlântico Sul, que já vinha sendo discutida desde 1986, quando foi instituída a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). Reativada por iniciativa angolana, em 2007, viria a se consolidar em estratégia essencial para o Brasil minimizar a presença de atores externos na área. O protagonismo brasileiro ficaria ainda mais evidente após a reunião de janeiro de 2013, quando o Brasil propõem um apoio com base em experiências nacionais para auxiliar os outros membros a fazer um levantamento de suas plataformas continentais e capacitar suas marinhas para salvamento e resgate no mar e para a realização de operações de paz e vigilância marítima, com a utilização da tecnologia denominada long range identification and tracking. Além da revitalização da ZOPACAS, a Política Nacional de Defesa, de 2005, Estratégia Nacional de Defesa, de 2008 e o Livro Branco de Defesa Nacional, de 2012                                                                                                                           19

A IV Frota Naval estadunidense remete à Segunda Guerra Mundial, quando em 1943 foi estabelecida para combater submarinos nazistas no Atlântico Sul, sendo posteriormente anexada à II Frota e desativada em 1950.

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ajudaram a consolidar a importância do investimento para a modernização militar. Entre eles, um acordo firmado em dezembro de 2008 com a França para a aquisição de quatro submarinos Scorpène e para o desenvolvimento de um submarino nuclear nacional. Somado a esses esforços, o governo definiu a importância da “Amazônia Azul” por toda sua riqueza natural marinha e pela porosidade das fronteiras marítimas20.

2.4.2. O tabuleiro intermediário

Conforme avaliado por diversos autores, não basta que um país seja uma potência regional, caso este não exerça um papel relevante no cenário internacional. Nesse sentido, a atuação brasileira no exterior pode ser analisada por dois prismas diferentes, os quais ocupam diferentes tabuleiros: um relativo às relações Sul-Sul e outro que trata de seu posicionamento diante das Grandes Potências. Compreende-se por relações Sul-Sul aquelas promovidas entre países do chamado “Sul Global”, o qual não se confunde com países do hemisfério sul, mas países em desenvolvimento, originários da América Latina e Caribe, África e Ásia, e cujo objetivo principal é a promoção do desenvolvimento. São essas as relações que compõem o tabuleiro intermediário da política externa brasileira. Para uma visualização mais clara da divisão política entre “Sul Global” e Norte Global, ver o mapa 1.

                                                                                                                          20

Para aprofundamento no tema, ver ABDENUR; SOUZA NETO, 2014.

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Mapa 1 - Separação político-econômico-ideológica entre “Norte Global” e “Sul Global”21

Fonte: CAVE, K. ThoughtWorks Interview: Agile Principles & Global South. IDG Connect,27 fev. 2014. Disponível em: < http://www.idgconnect.com/blog-abstract/5830/thoughtworks-interview-agile-principlesglobal-south>.

A primeira coordenação deste tipo remonta ao período de Guerra Fria, quando 29 países reuniram-se na Conferência Ásia-África, em Bandung, em 1955, para articular as ações de política externa de países dos dois continentes com o objetivo de manter-se desvinculados da lógica bipolar predominante no mundo, e de condenar políticas imperialistas e colonialistas. Surgia, nessa reunião, o embrião do MNA, cuja primeira conferência ocorreu em setembro de 1961, em Belgrado, e que, posteriormente, consagraria como Estados mais proativos Índia, África do Sul e Egito. O grupo existe até a presente data, ainda que com uma atuação tímida e tendo realizado sua conferência mais recente em 2006, em Havana. Outra iniciativa que remonta ao mesmo período é o Grupo dos 77, dos quais o Brasil é um dos membros fundadores. Sua origem remonta à Declaração Conjunta dos Setenta e Sete Países, assinada em junho de 1964, na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio de                                                                                                                           21

 Cabe destacar que apesar da Rússia estar como parte do Norte Global no mapa, esta não é a visão partilhada pelo autor, apesar de compreender a dificuldade de classifica-la como um membro do Sul Global.  

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Desenvolvimento (UNCTAD). Contudo, ainda que hajam diversas articulações com o foco na promoção da coordenação Sul-Sul, por razões de escopo, serão tratadas neste capítulo somente das iniciativas brasileiras para a consolidação do Fórum de Diálogo Índia-BrasilÁfrica do Sul (IBAS), dos BRICS, além de algumas outras iniciativas independentes do Brasil consideradas relevantes para ilustrar a atuação do país no tabuleiro intermediário. Em junho de 2003, foi firmado o primeiro documento que iniciava as coordenações entre Índia, Brasil e África do Sul, a Declaração de Brasília. O IBAS agrupa três potências médias que compartilham entre si o fato de serem democracias multiétnicas, possuírem um passado colonial e serem países em desenvolvimento, e possui o objetivo de ampliar a representatividade dos Estados membros em foros multilaterais, de promover a cooperação Sul-Sul, de ampliar o comércio entre os membros, o desenvolvimento social, a cooperação técnica e o combate à pobreza. O IBAS diversificaria, posteriormente, suas credenciais, de modo a passar a admitir pleitos de outros países em desenvolvimento, servindo como um amplificador para os interesses dos países do Sul na ordem internacional22. Introduzido pela primeira vez no relatório do economista Jim O’Neil, ex-diretor do Goldman Sachs, intitulado “Building Better Global Economic BRIC”, o termo BRIC referiase a Brasil, Rússia, Índia e China por representarem, segundo o autor, ao final de 2000, as quatro economias emergentes que, no decorrer de 30 anos, se tornariam as maiores economias do mundo, ultrapassando o G7. Em sua perspectiva, tratavam-se de economias dinâmicas, que juntas representavam, em paridade poder de compra (PPP), 23,3% do PIB mundial, cujo crescimento do PIB, renda per capita e movimentos financeiros tornavam incontestável a relevância que os países exerceriam no futuro. O que se iniciou com um anagrama, acabou se tornando um arranjo político, que incluiria posteriormente a África do Sul, alterando o termo para BRICS o que foi inclusive contestado pelo autor, pelo fato de o país africano não compartilhar das características econômicas dos outros quatro emergentes (O’NEIL, 2001). Recentemente, em reunião em Fortaleza, o grupo logrou em fundar um banco de desenvolvimento, que contou com um aporte inicial de US$ 50 bilhões para formar o capital do banco e capacidade de empréstimo de US$ 100 bilhões, além da criação de um fundo de reservas de outros US$100 bilhões, o qual serviria de ajuda a países emergentes em um contexto de crise de liquidez. Juntas, as duas iniciativas surgem como alternativas ao Banco Mundial e ao FMI, uma vez que as grandes potências detentoras da maior parte das cotas resistem a reformar o peso dos votos de forma a refletir a crescente participação dos países                                                                                                                           22

Para aprofundamento no Fórum de Diálogo IBAS e maiores informações, ver MATTOS, 2014.

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emergentes na economia global. Além disso, a criação de duas instituições financeiras coordenadas por países emergentes pode representar um rompimento com o condicionamento de empréstimo a adoção de medidas econômicas monetárias restritivas, conforme praticado pelas instituições financeiras tradicionais. Os BRICS serão aprofundados no quarto capítulo. Outra negociação relevante protagonizada pelo governo brasileiro, em conjunto com a Turquia, foi a referente ao programa nuclear iraniano, em 2010. A articulação ocorreu como reflexo da escalada de desconfianças quanto à natureza pacífica do programa de enriquecimento de urânio do Irã23 e da ameaça de sanções ao país por parte do CSNU e do Grupo de Viena, formado por Estados Unidos, Rússia, França e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Nesse contexto, Brasil e Turquia, que eram membros rotativos do CSNU à época, iniciaram negociações com o governo iraniano em um contexto de ceticismo e contradição por parte dos Estados Unidos24. O acordo de Teerã foi assinado em 17 de maio de 2010 e previa que o Irã entregasse, no prazo de um mês, 1200 quilos de urânio levemente enriquecido para serem guardados na Turquia, de modo que o depósito poderia ser observado pelo Irã e pela AIEA. O Irã estaria disposto, ainda a acertar outros detalhes com o Grupo de Viena, desde que houvesse o comprometimento deste em entregar os 120 quilos de combustível necessários para o Reator de Pesquisas de Teerã, no prazo máximo de um ano. Contudo, o resultado não foi aprovado pelos membros permanentes do CSNU, que votaram por aplicar sanções políticas e econômicas ao Estado árabe. Em análise do chanceler brasileiro à época,

(…) quando o Brasil e a Turquia negociaram, por solicitação, entre outros, do Presidente Barack Obama, um acordo de construção de confiança com o Irã, em maio de 2010. Embora os Estados Unidos tenham depois – por motivos outros, que não me cabe questionar, mas aos quais os objetivos de política interna não eram estranhos – se voltado contra a negociação e trabalhado para que ela não prosperasse, o sucesso que esses dois países emergentes tiveram em obter um acordo com o Irã – que nenhuma outra potência havia logrado – demonstrou a efetividade que novos atores podem emprestar ao anacrônico processo político do Conselho de Segurança (mesmo no formato dos cinco membros permanentes mais a Alemanha, o P5+1). Longe de ser um fracasso, o acordo tem sido frequentemente citado – inclusive por uma ex-assessora direta da Secretária Hillary Clinton (que foi contra o acordo), a

                                                                                                                          23

Vale ressaltar que o Irã é signatário do TNP, o qual afirma em seu artigo segundo que “cada Estado não nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a não receber a transferência, de qualquer fornecedor, de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, ou o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos explosivos; a não fabricar, ou por outros meios adquirir armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, e a não procurar ou receber qualquer assistência para a fabricação de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares” (1968). 24 Enquanto a Secretária de Estado, Hilary Clinton, recomendava ao chanceler turco a abandonar as negociações e afirmava diante da imprensa que acreditava no fracasso da empreitada turco-brasileira, o presidente estadunidense, Barack Obama, encorajava a mediação.

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professora de Princeton Anne-Marie Slaughter – como uma referência útil para a solução dessa controvérsia. Notei, aliás, com agrado que um pesquisador brasileiro tenha percebido a semelhança estrutural entre a Declaração de Teerã, patrocinada por Brasil e Turquia, e as atuais tratativas levadas a cabo pelos Estados Unidos junto ao Irã (AMORIM, 2013, p. 305).

O acordo demonstrou a capacidade de negociação brasileira e a habilidade de países emergentes de solucionar controvérsias de forma pacífica, ainda que o Grupo de Viena não viesse a reconhecer sua validade. O Irã viria a aceitar o congelamento de suas atividades de enriquecimento de urânio a 20%, em novembro de 2013, para que as sanções aplicadas fossem relativizadas, acordo este que seria provisório até meados de 2014, quando deveria ser negociado um acordo final. Porém, o que se observou foi a falta de habilidade das grandes potências de negociar com o país árabe. A exigência atual é que o país reduza o número de centrífugas para o enriquecimento de urânio de 19 mil, das quais 9 mil estão ativas, para 5 mil, proposta rechaçada pelo governo, que acredita que ela é uma ameaça a sua soberania. Por fim, vale ressaltar a recente aproximação da Rússia pelo Brasil, em uma demonstração do senso de oportunidade do país sul-americano no contexto das sanções praticadas pela União Europeia em razão das anexações russas pós-referendos na Ucrânia. Os dois países firmaram uma série de acordos no contexto da visita do presidente russo, Vladmir Putin (2000-2008, 2012-atual), para a final da Copa do Mundo e, em sequência, para a Cúpula dos BRICS, em julho de 2014. Os acordos englobaram, principalmente a cooperação científica na área da saúde, com produção de vacinas contra coqueluche, difteria, meningite e tétano; e de tecnologia, para a instalação de duas estações de sistema de navegação por satélite no Brasil. Foi firmada, ainda, uma cooperação técnico-militar entre os dois países, no qual o Brasil compraria da Rússia um sistema de defesa antiaéreo, inclusive com demonstração do sistema a representantes brasileiros. Os russos ficariam responsáveis pelo fornecimento de foguetes e mísseis e planejam substituir a Ucrânia na parceria da base de Alcântara, caso esta se mantenha sem fazer investimentos até a expiração do prazo. No que diz respeito à economia, os dois países expressaram o interesse em duplicar suas transações econômicas, de aproximados 5,6 bilhões de dólares para chegar a 10 bilhões de dólares, além de um acordo no setor energético, com esforços bilaterais para exploração, extração, armazenamento e transporte de jazidas de petróleo e gás existentes no Brasil. Afirmava-se, dessa forma, os interesses brasileiros na diversificação de suas parcerias, não só no comércio, mas em múltiplos setores. 40

2.4.3. O tabuleiro superior

As relações do Brasil com as Grandes Potências, principalmente com os Estados Unidos, ainda que tivessem curtos períodos de alinhamento automático, se caracterizam, desde a década de 1960, por uma maior autonomia, possibilitada por meio de uma diversificação de parcerias, aprofundada a partir de 2003. Dessa forma, o Brasil evita um confrontamento direto com as grandes potências e se aproveita da estratégia do “encapsulamento de crises”, originária do governo José Sarney, para gerenciar crises evitando a contaminação de sua relação com outros países, o que se pode chamar de divergência limitada. A primeira divergência que merece um destaque refere-se ao projeto da Área de Livrecomércio das Américas (ALCA), de 1994, que propunha um outro tipo de regionalismo, diferente do pós-liberal citado anteriormente, conhecido como regionalismo aberto, cuja origem remonta à divisão internacional do trabalho, de modo que a abertura econômica e comercial dos Estados-membros viabilizaria que a produção fosse dividida entre eles e distribuída por todos os mercados consumidores. Nesse sentido, a proposta da ALCA pretendia eliminar progressivamente as barreiras alfandegárias de todos seus membros, os 34 países da América, com excessão de Cuba, devido ao embargo econômico. Ainda que extremamente nociva aos países da América Latina com industrialização recente, a ALCA foi recebida acaloradamente por muitos países. No caso específico brasileiro, a ALCA representava uma ameaça aos projetos regionais do país, por consolidar a presença da potência hegemônica em toda a região, além de relegar a segundo plano debates referentes a questões de interesse nacional, como os subsídios estadunidenses à agricultura. Contudo, Celso Amorim (2014) afirma que na época, devido ao entusiasmo do presidente argentino, Carlos Menem, e de seu ministro, Domingo Cavallo, o Brasil encontrava-se impedido de barrar a proposta, sob a ameaça de comprometer o Mercosul. Diante desse impasse, o Brasil tentou prorrogar os prazos para implementação de cinco ou seis anos para dez. Já no início do governo Lula, os vizinhos do Mercosul encontravam-se mais sucetíveis ao diálogo, o que, combinada à habilidade do ex-chanceler, fez com que aceitassem agir em conjunto nos pleitos diante dos Estados Unidos. A partir de então, em novembro de 2003, o Brasil conseguiu vincular a concretização da ALCA à flexibilização das regras de propriedade 41

intelectual e à revisão dos subsídios agrícolas estadunidenses, além de eliminar o binômio que opunha o investidor ao Estado e conseguir manter a OMC como órgão para a solução de controvérsias comerciais (AMORIM, 2014, p. 41). O abandono da proposta da ALCA ocorreu na rodada de Mar del Plata, Argentina, em novembro de 2005, quando os quatro membros do Mercosul e a Venezuela posicionaram de forma a resistir as pressões dos outros 29 países. A atuação brasileira na OMC merece um destaque, não só pela quantidade de contenciosos do Órgão de Solução de Controvérsias em que foi parte, mas também pela organização, juntamente com seus parceiros do IBAS e do G20 para contrapor os interesses dos EUA e da UE. Ao disputar seus interesses comerciais por meio de um organismo internacional, o Brasil reafirma sua tradição diplomática e suas credenciais de participação dos regimes internacionais, ademais, a atuação em um órgão multilateral, permite ao país, associar-se a outros Estados com interesses semelhantes, reduzindo os custos da negociação, sinalizando uma conscientização dos limites de sua atuação enquanto potência média. Seus pleitos no órgão estão, em sua maioria, relacionados com questões de subsídios agrícolas e não-agrícolas, de barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias, de medidas antidumping e de propriedade intelectual. Um dos casos emblemáticos para o Brasil foi o Embraer-Bombardier, iniciado pelo Canadá contra o Brasil, em 1996, por questionar os subsídios brasileiros à construção de aeronaves. Observando que a política canadense era a mesma, o país entrou com contencioso contra o ora demandante, de modo que ambos acabaram sendo condenados. Posteriormente, as retaliações viriam a ser suspensas após acordos bilaterais e os países entrariam em acordo, sendo protagonistas na elaboração do “Acordo Setorial sobre Créditos à Exportação para Aeronaves Civis”, na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2007. Merece ser citada, ainda, a disputa contra os subsídios estadunidenses para a produção de algodão para o abastecimento do mercado interno e externo. Após a condenação norteamericana e a ameaça de o Brasil retaliar em produtos e em propriedade intelectual, em 2009, os Estados Unidos chegaram em um acordo de pagar US$ 147 milhões por ano, até o ajuste dos seus programas agrícolas às decisões da OMC ser concluído. Somam-se às outras, a disputa contra o aumento da tarifa de importação do frango assado brasileiro na Europa, de 2003; o contencioso iniciado pela Comunidade Europeia contra a proibição brasileira de importação de pneus reformados, de 2005; e a consulta brasileira sobre as medidas

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antidumping praticadas pelos Estados Unidos contra o suco de laranja brasileiro, de 2008, entre outras25. Outro tema relevante é a proposta de reforma da Organização das Nações Unidas (ONU), que surge, pela primeira vez, no discurso brasileiro na abertura da Assembleia Geral (AGNU), em setembro de 1989, pronunciado pelo ex-presidente José Sarney. O Brasil havia passado por um período de ditadura militar no qual acreditava-se que o conselho servia como um órgão de "congelamento de poder", ou seja, os membros permanentes possuíam todo o poder e não haveria espaço para uma participação que fosse de encontro aos interesses deles, de modo que o país decidiu pela abstenção da participação no conselho como membro rotativo. Ao assumir, Sarney altera a forma como o país via as questões internacionais e passa a pleitear uma ordem internacional mais representativa, na qual os países em desenvolvimento tivessem uma participação ampliada nos órgãos deliberativos. Contudo, a resistência por parte dos cinco membros permanentes era muito grande, até mesmo outros países que pleiteavam a reforma se mostravam resistentes ao ingresso brasileiro, como era o caso da Alemanha e do Japão. O primeiro país a expressar-se favorável a uma reforma foram os Estados Unidos, que logo conseguiram apoio francês e britânico para o ingresso da Alemanha, com o objetivo de evitar uma outra reforma que colocasse um único voto para a UE. Em contraposição, China e Rússia resistiam sob a prerrogativa de que o ingresso alemão ampliaria a participação do ocidente. Logo surgiria a proposta do "ajuste rápido" (quick fix), que incluiria Alemanha e Japão e, dessa forma, ampliava a participação de dois Estados cuja relevância no sistema internacional era incontestável. Nessa perspectiva, o Brasil decide posicionar-se de forma contrária a essa proposta na AGNU, quando o chanceler Celso Amorim, em 1993, afirma que a reforma não pode representar uma concentração de poder ainda maior nos países desenvolvidos, de modo que deveriam constar entre os novos membros permanentes representantes dos países em desenvolvimento. Com o fracasso da primeira tentativa e a apatia dos cinco permanentes (P5) em promover a reforma, em 1997, o presidente da AGNU à época, Razali Ismael, propôs a ampliação dos membros permanentes em cinco e dos rotativos em quatro (5+4), porém esta sofreu forte resistência tanto do P5, quanto da AGNU, encabeçada pelos “rivais” dos principais candidatos a permanentes, alterando, inclusive a regra para aprovação da reforma. Em 2003, Kofi Annan, secretário geral da ONU, instituiu o “Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças” para avaliar os órgãos decisórios da instituição. Em                                                                                                                           25

Para aprofundamento no tema, ver PEREIRA; COSTA; ARAUJO, 2012.

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sua conclusão, o painel reconheceu a ineficiência do CSNU e propôs duas possíveis reformas, a primeira acrescentaria seis membros permanentes sem poder de veto ao órgão, sendo dois da África, um da América Latina, dois da Ásia e um da Europa e três rotativos; enquanto a segunda criaria oito assentos novos, cujos membros teriam mandato de quatro anos e possibilidade de reeleição, e mais um assento rotativo. A criação do G-4, composto por Alemanha, Brasil, Índia e Japão, somado ao apoio dos países africano para a obtenção de dois assentos permanentes com poder de veto e o apoio declarado de França e Reino Unido configuravam sinais de possibilidade da concretização da reforma, porém as expectativas foram frustradas novamente. Desde então, as negociações estão paralisadas26. Pode-se citar, ainda, o pleito do Brasil e de outros países emergentes na reforma das cotas do FMI e do Banco Mundial, que evidenciam, ainda mais, a estratégia de revisionismo brando do sistema internacional, adotada pelo país, tema que será retomado no quarto capítulo.

OBSERVAÇÕES FINAIS

Delimitar os limites de atuação da política externa de um Estado, muitas vezes, caracteriza-se como um trabalho desafiador por, nem sempre, ser possível observa-la dentro das amarras de uma teoria. No caso brasileiro, a proatividade nacional em temas, como o combate a fome fez com que influenciasse diretamente o sistema e as organizações internacionais, que, a partir de então, passaram a conferir maior destaque para programas que pretendessem combater o problema. É possível observar que, nos últimos anos, a expectativa brasileira de expansão de sua atuação internacional, perpassa a necessidade de ser reconhecido como um líder entre os países em desenvolvimento. Contudo, para que esse reconhecimento internacional seja possível, é indispensável a percepção de que o país deve posicionar-se como um elemento unificador e emancipador de sua região, buscando consolidar as instituições regionais e dissolver conflitos e instabilidades entre países latino-americanos. Construir eixos de integração para dentro da região geraria uma coesão, ampliando a capacidade de inserção internacional brasileira.                                                                                                                           26

Para aprofundamento no tema da reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ver PONTES, 2004.

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Contudo, o que se observa é um empenho em um primeiro momento, durante o governo Lula, de aproximação de outros parceiros do “Sul Global”, e posteriormente, no governo Dilma, buscar parceiros mais tradicionais, apesar de ambos pertencerem ao mesmo partido, conforme será aprofundado adiante. Entre as relações Sul-Sul praticadas pelo Estado, cabe ressaltar o caso chinês, que recentemente ultrapassou os Estados Unidos, tornando-se o principal parceiro comercial do Brasil, impactando diretamente na economia nacional. Para compreender a natureza da aliança entre os dois países, com suas ameaças e oportunidades para o líder sul-americano, é necessário fazer uma análise da atuação internacional do gigante asiático. No segundo capítulo será abordada a estratégia chinesa de crescimento econômico e inserção internacional, tentando compreender sua atuação ambígua de agente contrahegemônico e, ao mesmo tempo, potência neo-imperialista.

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3. CHINA: ENTRE AGENTE CONTRA-HEGEMÔNICO E POTÊNCIA NEOIMPERIALISTA

No capítulo anterior, foram explicitados conceitos essenciais para a compreensão desta dissertação como um todo. O primeiro conceito importante que merece ser resgatado é o de hegemonia no sistema internacional, no qual um Estado é capaz de definir e conduzir a ordem internacional, em suas estruturas política, econômica e social, de acordo com os seus interesses. O segundo diz respeito à contra-hegemonia, a qual tornaria possível uma alteração das estruturas por meio de uma atuação proativa dos intelectuais do Bloco Histórico nos foros multilaterais. Já o terceiro, afirma que as classificações dos Estados de acordo com suas capacidades diante do sistema internacional, em Grandes Potências, Potências Secundárias, Potências Intermediárias e Pequenas Potências. Além disso, foi feita uma qualificação do termo potência média e a avaliação do Brasil nesta categoria, com suas capacidades materiais, enquanto Potência Intermediária e Potência Regional, e com uma atuação relevante no sistema internacional. A partir de então, foi possível fazer um paralelo da teoria do xadrez tridimensional da política externa norteamericana, apresentada por Joseph Nye Jr. (2002), para a brasileira, estabelecendo um tabuleiro base, referente às relações regionais, um tabuleiro intermediário, no qual observa-se a cooperação Sul-Sul e as articulações com outros países em desenvolvimento, e um tabuleiro superior, onde ocorrem as relações com os países desenvolvidos. Concluída a primeira análise do Brasil, será iniciada a avaliação da atuação da República Popular da China (RPC) no sistema internacional. Nas primeiras frases da introdução do livro “Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI” de Giovanni Arrighi (2008), o autor observa como a história da primeira metade do século XX, quando analisada à distância dos acontecimentos, ignora a hegemonia europeia, ainda incontestável no período, grifando as revoltas de independência de países da África e da Ásia que o marcaram. Da mesma forma, acredita que quando a segunda metade do mesmo século for observada à distância, o fato mais relevante para a história mundial será o reerguimento da economia da Ásia Oriental, que fundou as bases para o redirecionamento do polo de poder mundial, iniciando-se nos anos 1950 com o Japão, seguido pelo crescimento dos Tigres Asiáticos, até a China, o que ilustra porque o Pacífico substituiu o Atlântico como o oceano mais dinâmico do mundo. 46

A República Popular da China superou seu histórico agrícola e introspectivo e para se tornar o centro da indústria mundial, com a maior reserva internacional do mundo, ultrapassando a marca de 3,88 trilhões de dólares, e o segundo maior produto interno bruto (PIB) do mundo, totalizando mais de 9,24 trilhões de dólares, em 2013, contrastando com o pouco mais de 1,198 trilhões de dólares, que possuía em 2000, e menos de 397 bilhões de dólares, em 1990, segundo dados do Banco Mundial27. Este capítulo irá tratar da forma como isso foi possível e da forma como o Estado passou a atuar a partir do aumento de sua participação no sistema internacional em duas frentes: as relações com os Estados Unidos e as instituições internacionais, e as com os países em desenvolvimento, em especial os da América Latina.

3.1. A TRAJETÓRIA DO DRAGÃO

A partir de uma análise da evolução das capacidades materiais da China é possível observar que o país asiático passou por um grande salto na sua história recente. Esse desenvolvimento não foi fruto do mero acaso, mas de uma série de reformas e planejamentos feitos pelo governo chinês para a ampliação da competitividade do Estado e para a atração de investimentos desde a década de 1970. Deng Xiaoping (1978-1992) assumiu a liderança chinesa em 1978, após a morte de Mao Zedong (1949-1976), e foi o principal responsável pela evolução e transformação da China, através de inúmeras reformas econômicas e implantação de uma nova mentalidade comercial. Entre todas as mudanças é possível destacar quatro modernizações consideradas estratégicas para a preparação da China para um grande desenvolvimento econômico: a modernização da agricultura, da indústria, da ciência e tecnologia e do setor militar. O objetivo era o de acelerar o crescimento da economia nacional, o que foi possível não só pela abertura do mercado chinês como também pela modernização de equipamentos e tecnologias. Com as reformas, o país não só acumulou capital, como conquistou tecnologia e mercados, além de promover seu crescimento econômico em conjunto com o desenvolvimento social. Sem fazer concessões democráticas e mantendo a centralização do poder na cúpula do PCC, Deng Xiaoping pretendia superar o histórico de falta de crescimento econômico, que                                                                                                                           27

Ver BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Atualizado em 17 out. 2014. Disponível em: .

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caracterizava o país após dez anos de Revolução Cultural. A China continuava sendo até então um país imenso, pobre, subdesenvolvido que precisava de grande força para evolução. Para mudar esse cenário nacional e tornar possível que a China viesse a ocupar o lugar de destaque no mundo, desejado por suas elites políticas, Deng anteviu que era necessário criar um enorme e complexo projeto de renovação industrial, técnico, militar e educacional, em outras palavras, uma nova revolução social. Entretanto, a reforma industrial significava uma delicada mudança não só econômica, mas também estrutural, principalmente no que diz respeito à competitividade da indústria chinesa frente ao mercado global. Maquinarias, produtos, educação e tecnologia precisavam ser revistos para estarem equivalentes com a modernidade de todo o mercado, ampliando a capacidade de exportação. A agricultura, por exemplo, precisava não só de incentivo governamental, mas, principalmente, de uma modernização dos meios de produção, tornandoa capaz de ampliar sua produção com o fim de atender a nova demanda. Em 1978, o governo começou uma campanha motivacional sobre a revolução, com lemas como “Abertura e Reforma”, “Procurar a verdade a partir dos fatos” e “A prática é o único critério da verdade” (GELBER, 2012, p. 414). As portas do mercado chinês foram abertas para o comércio exterior, com incentivos fiscais para capitais estrangeiros, com exceção da zona rural. As chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEE), localizadas no litoral e cercadas por arames farpados, nada mais eram do que áreas onde as empresas estrangeiras poderiam instalar-se, desde que houvessem parcerias com empresas chinesas, conhecidas como joint ventures. Diferente de Mao, Deng sempre deixou claro seu interesse em ampliar cada vez mais o comercio internacional do país, com o objetivo de tornar-se uma super potência econômica, com capacidade de competição em bases iguais com países mais desenvolvidos. Com o novo posicionamento a partir da reforma industrial, combinada ao advento da globalização, cogitou-se no Ocidente que a China enfim se inclinaria para um liberalismo Ocidental, o que não aconteceu, pelo contrário, mesmo com a abertura do mercado para investidores estrangeiros, a China prezou pela manutenção das bases políticas fundadas desde a revolução de 1949. A reforma do sistema econômico chinês, fruto do processo modernizante, iniciado em 1978, transformou o Estado, abandonando um modelo econômico extremamente fechado, característico do regime socialista, para permitir uma maior penetração do mercado. Segundo Xing e Shaw, “a intenção por trás do discurso reformista foi de redefinir o conceito de socialismo com o intuito de justificar a legitimação da marquetização econômica” (2013, p. 48

96). O objetivo não era o de abandonar a ideologia política do socialismo chinês, que concedia à elite do PCC poder político e econômico, mas de “se transformar em uma nova classe econômica dominante que poderia continuar a governar por meio das novas relações de classe” (XING; SHAW, 2013, p. 96). A abertura econômica trouxe consigo a ameaça da fragmentação de áreas como o Tibete e a Região Autônoma de Xinjiang, representadas no Mapa 2 para facilitar sua visualização, que pleiteiam historicamente sua independência. Para conter os movimentos separatistas e manter a unificação, Deng aliou-se ao exército a fim de garantir a transição, promovendo uma política de segurança extremamente restritiva e direcionada ao combate de nacionais chineses. Ampliou-se a repressão em nome da modernização e os investimentos militares seriam, posteriormente, importantes para a imposição dos interesses nacionais na região. Em ambos os casos, Tibete e Xinjiang, o pleito separatista embasa-se na segregação sofrida pela população local, em razão de ser minoria étnica na China e restrição na prática de sua cultura e religião. Anexada no século XIX e com maioria étnica uigure, de origem turcomena que utilizam o alfabeto arábico e não encontram no mandarim sua língua materna, a província de Xinjiang faz fronteira com Paquistão e Afeganistão e concentra um terço do total de reservas de petróleo em território chinês. Com a independência das ex-repúblicas soviéticas em 1990, o movimento separatista foi ampliado. Para inibir o separatismo, o governo incentivou a migração de chineses de etnia han para região, por meio de um plano para o desenvolvimento do oeste, que concedeu a eles privilégios perante os uigure, que foram proibidos de praticar sua religião, ação que ampliou sua insatisfação. Com a prática de atentados terroristas e os indícios de ligação entre o Movimento Islâmico do Turquestão Leste (MITL) e a Al-Qaeda, o grupo passou a ocupar a lista de facções terroristas do governo estadunidense em 2002, o que foi corroborado pela ONU, legitimando a radicalização da violência perpetrada pela polícia han contra os uigure.28

                                                                                                                          28

Para maior aprofundamento, ver Chung (2002).

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Mapa 2 - Mapa político da China

É possível destacar as províncias autônomas em verde Fonte: CHALIAND; RAGEAU, 1998, p. 105.

Envolvido em conflitos com a China desde a dinastia chinesa Tang (618-917 d.C.), o Tibete foi anexado em meados do século XIII pela dinastia Yuan. Com a Revolução Chinesa de 1949, o governo central, por meio da revolução cultural, pretendia substituir a tradição budista da região pelos princípios ideológicos do comunismo maoísta. O Tibete é uma região rica em recursos naturais e hídricos29, conforme representado no Mapa 3, além de ser vital para a manutenção da unidade territorial chinesa e estar localizada em uma área estratégica geopoliticamente, no centro da Ásia, com fronteira com Myamar, Butão, Nepal e Índia. O ponto crítico do conflito entre separatistas e o governo chinês ocorreu em 1959, com a                                                                                                                           29

O Plateau Tibetano, que se extende pelas províncias do Tibete e parte de Qinghai, de Sichuan e de Yunnan, possui as nascentes de importantes rios para toda a Ásia, tais como o Yangtse (rio Azul), o Hoang ho (rio Amarelo), o Mekong e o Indus.

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Revolução Tibetana, combatida violentamente pelo Exército de Libertação Popular (PLA) da China, que levou o líder religioso Dalai Lama e seus seguidores a se exilarem na Índia.30 Mapa 3 - Principais rios do Plateau Tibetano

Fonte: BUCKLEY, M. Major rivers sourced in Tibet. Meltdown in Tibet. Disponível em: < http://www.meltdownintibet.com/images/plateaumap_lg.jpg>.

A reforma econômica entraria em nova fase em meados da década de 1990, quando observa-se na China a implantação de uma “economia de mercado com características chinesas” ou “Socialismo de Mercado”, como prefere o governo chinês, ou ainda “Capitalismo de Estado”, segundo analistas externos. Ao longo dos anos, a China alterou sua matriz econômica baseada no controle estatal para promover uma abertura capaz de atrair empresas e IED, cabendo ao Estado a função reguladora do mercado. Para Joshua Cooper Ramo, o modelo chinês apresentou uma nova perspectiva de desenvolvimento sem a

                                                                                                                          30

Para maior aprofundamento, ver Jian (2006).

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necessidade de promoção do livre-comércio neoliberal estabelecido pelo Consenso de Washington, introduzindo o que chamaria de Consenso de Beijing (2004). Para o autor,

A nova abordagem de desenvolvimento da China é impulsionada por um desejo de ter um crescimento de alta qualidade equitativo e pacífico, em termos críticos, alterando idéias tradicionais, como a privatização e livre comércio. (…) O Consenso de Beijing é tanto sobre a mudança social como mudança econômica. É sobre o usar a economia e a governança para melhorar a sociedade, uma meta original da economia do desenvolvimento que de alguma forma se perdeu na década de 1990, impulsionada pelo Consenso de Washington (RAMO, 2001, p. 4).

Posteriormente, ao analisar o modelo chinês, autores como Yasheng Huang (2010) chegaram à conclusão de que o Consenso de Beijing não é válido para todos os setores da economia do gigante asiático, de modo que é possível observar traços dos dois modelos de desenvolvimento dentro do Estado chinês. Dessa forma, a China aproveita-se do experimentalismo do Consenso de Beijing, por acreditar que as condições locais variam em cada Estado e as normas econômicas internacionais não têm muito valor na orientação das políticas de desenvolvimento internas. Por isso, afirma que o governo apostou no fortalecimento do poder do Estado na economia, principalmente após a crise do subprime nos Estados Unidos, tratada posteriormente, porém, essa estratégia trouxe como consequência a redução da distribuição de renda nas áreas rurais e a diminuição do consumo interno, ainda que auxiliasse no crescimento do PIB. Por outro lado, Huang afirma que as reformas realizadas na China na década de 1980 promoveram uma liberalização financeira e ampliação do empreendedorismo privado. Em virtude do modelo adotado, a China já se apresentava, nos anos 1990, como um centro de estabilidade econômica em meio à crise asiática, esboçando sinais de que sua estratégia de “Capitalismo de Estado” lograria em manter o país na rota do crescimento econômico concentrado nas empresas estatais, as quais totalizam 80% do valor das ações na bolsa de valores chinesa31. Kissinger destaca que

O país conseguiu controlar um período de inflação perigosamente crescente no início dos anos 1990, implementando controles de capital e um programa de austeridade fiscal que foi mais tarde considerado responsável por poupar a China dos piores efeitos da crises financeira asiática em 1997-1998. Surgindo, pela primeira vez, como uma fortaleza de crescimento econômico e estabilidade em uma época de crise econômica, a China se viu desempenhando um papel inédito: antes objeto de prescrições estrangeiras, geralmente ocidentais, de política econômica, o

                                                                                                                          31

Ver WEBB, B. The visible hand. The Economist, Londres, 21 jan. 2012. Disponível em: .

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país era agora cada vez mais um proponente de suas próprias soluções - e uma fonte de auxílio emergencial para outras economias em crise (2011, p. 460).

Após três décadas com uma média de crescimento próxima de 10% ao ano, a China apresentou em 2012 e 2013 uma considerável redução do crescimento de seu PIB. Logo apareceram na imprensa comentaristas que previam o fim do crescimento chinês, afirmando, inclusive, que o gigante asiático seguiria os passos do seu vizinho menor, o Japão. O que faltou foi uma análise minuciosa, capaz de compreender a mudança da estratégia de desenvolvimento promovida pelo Comitê Central do Partido Comunista Chinês (CCPCC), pós-crise de 2008. Aprovado em março de 2011 pela Assembleia Popular Nacional, o 12º Plano Quinquenal para Desenvolvimento Nacional Econômico e Social32 estabelecia como meta o “crescimento inclusivo”, tendo como objetivos principais a reestruturação da economia, a redução da desigualdade social e a proteção do meio ambiente, no período que compreende de 2011 a 2015. A partir da análise do Plano Quinquenal é possível compreender a atuação do governo chinês, ao constatar que a crise econômica reduziu as exportações chinesas, impactando diretamente na oferta de trabalho. Dessa forma, o crescimento no índice de demissões fez com que a China decidisse abandonar o modelo de crescimento voltado para as exportações e investimentos, para buscar uma maior ênfase no consumo interno. Somado a isso, a meta de inflação anual inferior a 4,5% levou o 12º plano quinquenal a estabelecer políticas de redução do crescimento do PIB, vinculação do crescimento ao consumo, aprimoramento da indústria e fortalecimento dos “campeões nacionais”. Para promover uma maior igualdade social, o plano estabelece um “crescimento inclusivo”, ao ampliar os benefícios do crescimento econômico a um grupo mais amplo. Pretende reduzir a diferença econômico-social entre campo e cidade, provendo serviços que melhorem a vida no campo, como saúde e melhorias na distribuição de terras. Redirecionar o surgimento de novas indústrias para o oeste do país, com o objetivo de desenvolver a região por meio de políticas preferenciais, como crédito para a alocação, baixas taxas e subsídios. A diferença de renda será combatida com um aumento no salário mínimo, expansão do fundo governamental de bem-estar social e do sistema de saúde. Em razão da degradação ambiental sofrida devido à rápida industrialização, à utilização do carvão como principal fonte de energia, a uma indústria manufatureira altamente                                                                                                                           32

Ver CHINA. China's Twelfth Five Year Plan (2011- 2015). Beijing: Comitê Central do Partido Comunista Chinês, 2011. Disponível em: .

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demandante de energia e à falta de proteção ambiental, o 12º plano quinquenal pretende reduzir o índice de poluição. Para isso, pretende-se elevar a conservação energética, por meio do desenvolvimento de tecnologia com eficiência energética e com redução da taxa de emissão de 20%, estabelecida no 11º plano, para 17%. É, ainda, a primeira vez que um plano trata da qualidade no meio ambiente, ao propor um desenvolvimento verde, com estabelecimento de uma porcentagem do PIB para a proteção ambiental, o estabelecimento de uma taxa de consumo de água por unidade do PIB e a redução das emissões de carbono. Por fim, propõe o aumento da participação das energias não fósseis no consumo chinês, de 8,3%, em 2009, para 11%, em 2015. Cabe ressaltar que essa produção industrial responsável pelas altas taxas de emissão de carbono sustenta o crescimento econômico chinês e foi, basicamente, voltada para o abastecimento dos mercados externos, mesmo possuindo o maior mercado interno potencial do mundo. Uma das razões para este fato está relacionada à cultura e à descrença no sistema de aposentadoria chinês, que levam um chinês médio a guardar entre 40 e 45 por cento de sua renda. Desse modo, a China foi obrigada a buscar mercados de consumo no exterior para sustentar seu crescimento, o que, segundo Ellis (2009, p. 10), levou a China a se tornar o país com o maior volume de comércio internacional em 2007, quando passou a Alemanha. A seguir, será analisado o relacionamento entre a China e os Estados Unidos a partir de seu crescimento econômico e maior influência política no sistema internacional.

3.2. A CHINA DIANTE DA HEGEMONIA

No capítulo prévio, ao analisar a aplicação do conceito de hegemonia no sistema internacional, observou-se a existência de ciclos hegemônicos que perpassam a história do sistema mundo, iniciados a partir do colapso da potência hegemônica anterior e da vitória de seu sucessor nas chamadas guerras-mundo. A partir de então, a nova potência hegemônica torna-se capaz de determinar o sistema internacional de acordo com suas convicções até que seu poder entre em uma constante decrescente, impossibilitando que ela mantenha a sua dominação diante dos outros Estados, quando pode-se observar o surgimento de uma alternativa. O marco de início do sistema internacional atual com hegemonia estadunidense pode ser traçado a partir das conferências de Bretton Woods, de julho de 1944, onde o novo sistema 54

monetário mundial foi estabelecido; das bombas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, onde se demonstrou a capacidade militar que a nova ordem estabeleceria; e da assinatura da Carta das Nações Unidas, em San Francisco, em junho de 1945, que definiria as regras e normas das relações entre Estados a partir de então. Para Eichengreen, Bretton Woods traz três inovações comparativamente ao padrão ouro-divisas anterior:

O câmbio fixo tornou-se ajustável, sujeito a condições especiais (…). Aceitavam-se controles para limitar os fluxos de capital internacionais. E uma nova instituição, o Fundo Monetário Internacional, foi criada para monitorar as políticas econômicas nacionais e oferecer financiamento para equilibrar os balanços de pagamento de países em situações de risco (2012, p. 131).

O sistema monetário baseado no padrão dólar-ouro, em que a moeda estadunidense tinha paridade com o metal precioso, viria a ruir em razão da concorrência cada vez maior de Alemanha e Japão, que, reconstruídos do pós-guerra, cresciam muito acima das taxas dos Estados Unidos, atraindo para si o fluxo de dólares. O temor com a alta da inflação fez com que a Alemanha abandonasse o câmbio fixo, em 1971, seguido de França e Grã-Bretanha. Somado ao ataque especulativo contra o dólar, os Estados Unidos acumulavam subsequentes déficits orçamentários e da balança comercial, intensificados pelos custos da guerra do Vietnã. A credibilidade da paridade do dólar com o ouro estava abalada e as pressões para desvalorização da moeda norte-americana se intensificavam. Diante da conjuntura, o governo Richard Nixon decidiu abandonar a paridade em 15 de novembro de 1971. Fiori (2007) acrescenta que os fracassos políticos e militares da década de 1970 geraram uma sensação entre a academia e a imprensa de “crise da hegemonia norteamericana”. Essa perspectiva só seria abandonada na década seguinte a partir da vitória estadunidense na corrida tecnológico-militar contra a União Soviética, culminando no fim da Guerra Fria e na consolidação dos Estados Unidos como única potência política, econômica, militar e cultural, o que levou alguns acadêmicos a decretar o livre mercado e a democracia liberal ocidental como “o fim da história” (FUKUYAMA, 1992). No entanto, a posição de única potência dos Estados Unidos só pode ser considerada no que diz respeito ao poderio militar. Essa perspectiva encontra eco nos estudos de Joseph Nye Jr. (2002), que afirma que nas relações econômicas e nas relações transacionais os Estados Unidos não podem mais ser considerados a única potência mundial, por não serem capazes de sobrepor os seus interesses de forma unilateral nesses temas. Outro autor que compartilha dessa ideia é Samuel Huntington (2003), que afirma que o mundo atual não pode ser considerado unipolar, por não 55

ser composto por uma única superpotência dominante, sem que haja outras grandes potências que dividam o poder com ela; nem multipolar, no qual se observam várias grandes potências que cooperam e competem entre si, de modo que uma solução para um impasse internacional deva passar por uma negociação entre elas. Huntington afirma que o que se observa no sistema internacional atual é a existência de uma superpotência, mas que, diferente do que se pode esperar, sua atuação depende da cooperação de outras grandes potências. A esse modelo, o autor nomeia uni-multipolaridade, no qual,

Primeiro, no que diz respeito às grandes questões internacionais, a única superpotência é geralmente capaz de vetar as ações de outras grandes potências combinadas. Segundo, a única superpotência só pode resolver questões internacionais importantes quando em cooperação com alguns dos outros grandes Estados (HUNTINGTON, 2003, p. 8 - tradução nossa).

Para compreender melhor as transformações pelas quais o mundo passa com a redução da capacidade de determinação do sistema internacional de forma unilateral por parte dos Estados Unidos de acordo com seus interesses e o papel desempenhado pela China nesse contexto, é necessário retomar aos fatos que levaram a uma redução do prestígio político e à fragilização econômica de Washington. Seguida dessa análise, será analisado de que forma a estratégia de “Desenvolvimento Pacífico” posiciona a política externa chinesa de modo a ampliar sua influência no sistema internacional.

3.2.1. Da "Guerra ao Terror" à Crise de 2008: a trajetória sinuosa de uma hegemonia decadente

Recentemente, muito se tem especulado na academia sobre a decadência da hegemonia estadunidense, principalmente pela percepção coletiva de redução do seu poder relativo no que diz respeito à política e economia internacionais, ou seja, a diminuição do excedente de seu poder quando comparado ao de outros Estados. Para Fareed Zakaria (2008), o que se observa não é uma redução do poder dos Estados Unidos, mas uma ascensão do resto do mundo, o que pode significar, segundo o autor, o prelúdio de uma era em que não haja uma superpotência. Contudo, diversas atitudes unilaterais tomadas por Washington levaram a uma alteração da forma como o mundo interpreta suas escolhas. 56

A atuação unilateral na "Guerra ao Terror", promovida pelo governo George W. Bush (2001-2009), demonstrou que no que diz respeito à capacidade militar, os Estados Unidos mantém sua superioridade incontestável, podendo atuar de forma unilateral à revelia da aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ainda que possa lhe custar a densidade de seu "poder brando" diante do sistema internacional. Por outro lado, a crise de 2008, possibilitou uma ampliação da capacidade econômica chinesa no que diz respeito à determinação do sistema internacional e a confirmação da necessidade de atuação conjunta entre China e Estados Unidos. A preferência estadunidense pelo recurso ao poder robusto, observada principalmente no primeiro governo George W. Bush, justamente por perceber sua superioridade militar, ajudou a erodir seu poder brando. A partir dos atentados terroristas cometidos em 11 de setembro de 2001 contra símbolos do poder estadunidense, o governo Bush obteve a legitimação para iniciar o que ele chamaria de “Guerra Global Contra o Terror”. As bases para essa iniciativa remetem-se ao “Projeto para o Novo Século Americano”, iniciado no governo de seu pai, George H. W. Bush (1989-1993), cujo objetivo seria o de estabelecer as metas para manutenção da hegemonia dos Estados Unidos de forma unilateral por meio de sua indiscutível superioridade militar (ARMSTRONG, 2002). O projeto, anunciado a partir do fim da União Soviética com o objetivo de intimidar possíveis inimigos, ficaria na espera até que os atentados contra os símbolos do poder norteamericano ocorressem. Foi a partir de então que a administração Bush alterou sua política introspectiva em nome da segurança nacional, estabelecendo um “Eixo do Mal”, composto por Iraque, Irã e Coreia do Norte, contra os quais deveria investir para prevenir um possível ataque. A partir de uma análise dessa orientação, Harvey afirma que “a mudança do governo Bush para o unilateralismo, [para] a coerção, em vez do consentimento, para uma visão imperial bem mais declarada e para o recurso ao seu poder militar irresistível indica uma abordagem de alto risco à sustentação do domínio norte-americano” (2012, p. 68). A Doutrina Bush, como ficou conhecida, levaria os Estados Unidos a iniciarem duas guerras, uma contra o Afeganistão e outra contra o Iraque, sob o pretexto de combater o “terror”, de proteger-se contra armas de destruição em massa (ADM), supostamente, em posse do Iraque, e de "espalhar a democracia e a liberdade para o mundo". Contudo, os custos dessa estratégia ficariam claros quando, após a reeleição de 2005, os republicanos perderam a maioria no Legislativo, nas eleições de novembro de 2006. Uma derrota que abalou a visão que até o momento dominava a política de defesa estadunidense, símbolo da gestão de Donald Rumsfeld, de que os Estados Unidos iriam “usar todos os meios à sua disposição para derrotar 57

[o inimigo] e que [estariam] preparados para fazer todos os sacrifícios necessários para alcançar a vitória”, proporcionando “os recursos, as capacidades, e a cultura de inovação não só para vencer a guerra de hoje, mas para impedir e, se necessário, derrotar os agressores que [os EUA] irão certamente enfrentar neste perigoso século” (RUMSFELD, 2002 - tradução nossa). O tempo comprovou que a “Guerra ao Terror” representava um erro, desde a concepção semântica de seu conceito, uma vez que não poderia ser chamada de guerra, por não opor Estados, até a sua concepção política, que sobrepôs o poder robusto ao brando. O próprio erro semântico culminaria em uma falha política derivada do fato de o “terror” ser praticado por um grupo que, como tal, não permanece fixo em um determinado local, como aconteceria com um Estado, dificultando o seu combate. A sucessão de erros, combinada ao recado das eleições congressuais de 2006 provocaria a saída de Rumsfeld do Departamento de Defesa e a condução de Condoleezza Rice ao Departamento de Estado. O objetivo era de abandonar uma política externa unilateral, a partir da percepção da relativização do seu reconhecimento de líder entre potências regionais clássicas e emergentes, reorientando-se para um multilateralismo (PECEQUILO, 2008). A tentativa americana de apagar as marcas deixadas pelo fracasso na Guerra do Vietnã levaram a potência hegemônica a uma nova guerra à revelia das instituições internacionais, sob a crença de que teria o aval posterior de grande parte do mundo. Ao contrário, com a excessão do grupo que Rumsfeld intitulou de “Nova Europa” em detrimento da “Velha Europa”33, os Estados Unidos observaram uma forte resistência por parte de seus principais parceiros em todo o mundo. Segundo Arrighi (2008), a guerra que pretendia “disseminar democracia” e enfraquecer os governos de oposição aos EUA e a Israel, acabou por fortalecer aquele que seria o próximo a sofrer intervenção militar estadunidense, o Irã, já que, uma vez derrotado o inimigo, o Iraque passou a ser comandado por xiitas, aliados ao governo iraniano. Nesse sentido, cabe revisitar o conceito de hegemonia estabelecido por Gramsci aplicado ao caso, o qual

(…) consiste na ‘inflação de poder’, que decorre da capacidade dos grupos dominantes de apresentar seu domínio como se servisse não só aos seus interesses,

                                                                                                                          33

Rumsfeld referia-se por “Nova Europa” aos países que apoiaram a iniciativa estadunidense na “Guerra contra o terror”, entre eles a Grã-Bretanha, a Espanha (ambos viriam a ser vítimas de atentados terroristas em suas capitais nos anos que estavam por vir) e países que pertenceram anteriormente ao bloco soviético e que haviam ingressado recentemente na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Em oposição, encontrava-se a “Velha Europa” de França e Alemanha, que declararam-se contrários à incursão estadunidense, somando suas vozes às de China e Rússia no CSNU. Ver EUROPA e EUA fazem parte da mesma família, diz Rumsfeld. BBC Brasil, 11 jun. 2003. Disponível em: .

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como também aos dos grupos subordinados. Quando essa credibilidade falta ou míngua, a hegemonia se esvazia na pura dominação (…)” (ARRIGHI, 2008, p. 160).

Arrighi acrescenta que, para financiar sua guerra no Iraque, os Estados Unidos se tornaram o maior devedor do mundo, ampliando sua lista de credores que hoje não mais se limita aos aliados do Ocidente, em especial a China, que se tornou sua maior credora por interesses políticos, muito mais do que econômicos (ARRIGHI, 2008). Contudo, isso não significa que a estratégia chinesa seja de conflito, ao contrário, o país apresenta-se disposto a evitar o ônus de uma guerra sistêmica para suplantar a antiga potência hegemônica. Zhao confirma o objetivo de cooperação bilateral ao analizar que “desde o fim da Guerra Fria, os três governos chineses de Jiang Zemin (1993-2003) a Hu Jintao (2003-2013) e agora Xi Jinping (2013-atual) usaram diferentes frases para expressar a mesma intenção de estabelecer um relacionamento cooperativo e construtivo com os EUA (ZHAO, 2014). De fato, assim como grande parte do Ocidente, Beijing não tinha muito como se opor à atuação americana no Oriente Médio, aproveitando para obter vantagens econômicas a partir do endividamento de Washington com a guerra, seus interesses se limitavam ao acesso ao petróleo oriundo da região e proteção dos investimentos feitos no Afeganistão para extração de recursos minerais. O próprio deslocamento das tropas estadunidenses do Leste Asiático e o combate a grupos terroristas coincidiam com os interesses da China, que pretendia desencorajar grupos separatistas de Xinjiang. A aliança tecida entre Hu e Bush representou um enorme senso de oportunidade e cálculo estratégico do gigante asiático, que se reposicionou a ponto de voltar a ocupar um papel central no sistema internacional e no seu entorno regional (KISSINGER, 2011). A crise das hipotecas do subprime de 2008 e o seu impacto nas economias do “Norte Global” mudaria a forma como a cúpula do PCC percebe a sua relação com os Estados Unidos. No período pré-crise os EUA haviam se tornado o principal destino para as exportações, assim como para as reservas chinesas, que buscavam nos títulos do tesouro uma oportunidade de poupança segura com retornos estáveis34. A crise trouxe consigo a incerteza com relação à moeda e aos títulos estadunidenses e, diante disso, a China poderia seguir dois                                                                                                                           34

Isso não significa que a China não tenha tentado formas diversas de investir seus recursos. Antes da crise, a poupança chinesa percorreu diversas oportunidades econômicas, como foi o caso da aquisição de ativos nas bolsas de valores internacionais, o que acabou percebendo ser um erro devido ao alto montante investido, o que impedia a sua liquidez. Outra tentativa foi a de financiar empresas estatais para adquirir companhias internacionais, porém, logo o governo começou a observar o aumento da resistência à China, com atitudes protecionistas por parte dos Estados. Tentou ainda aumentar suas reservas de petróleo e outras matérias primas, com o objetivo de se proteger da instabilidade no seu valor, mas a acabou refém da queda brusca dos preços após a crise global (HO-FUNG, 2011).

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caminhos, um levaria a um colapso ainda maior da já fragilizada economia dos Estados Unidos, caso ela decidisse desfazer-se dos seus títulos; a outra injetaria ainda mais dólares na economia, facilitando a recuperação a partir do financiamento da economia estadunidense, comprando mais títulos e aumentando a vulnerabilidade chinesa a crises futuras (HO-FUNG, 2011). A decisão chinesa foi pela segunda opção, ampliando as reservas chinesas destinadas ao financiamento da dívida e do consumo estadunidenses. Contudo, a incapacidade do Norte de recuperar-se da crise financeira e a habilidade com que a China enfrentou o desaquecimento mundial serviu como combustível para setores do PCC contrários a uma aliança pacífica com os Estados Unidos, defendendo uma atuação mais ativa e defensora dos interesses nacionais chineses. A seguir, será analisada a estratégia de inserção internacional nos governos de Hu Jintao e de Xi Jinping, evidenciando suas diferenças e as razões por trás da reformulação da sua política externa a partir de percepções sobre oportunidades e desafios no seu relacionamento com a potência hegemônica vigente.

3.2.2. A política externa de “Desenvolvimento Pacífico da China” e promoção do “Mundo Harmônico”

O início do século XXI trouxe à China a percepção de que seus primeiros vinte anos representariam um “período de oportunidade estratégica”, diante dos quais o país poderia alterar a forma como interage e suas capacidades diante do sistema internacional. A partir dessa consciência, foram realizadas uma série de conferências, entre 2003 e 2006, nas quais acadêmicos chineses reuniam-se para analizar os ciclos hegemônicos, que viriam a compor uma série televisiva nomeada “A Ascensão das Grandes Potências”. Os temas tratados estavam diretamente ligados aos processos de ascensão de declínio das grandes potências, abrangendo “os meios dessa ascensão, as causas de suas guerras frequentes; e se, e como, uma grande potência moderna podia crescer sem recorrer ao conflito militar com os atores dominantes do sistema internacional” (KISSINGER, 2011, p. 478). A partir de então, a estratégia de inserção internacional chinesa foi claramente estabelecida por Hu Jintao na defesa de uma “Ascensão Pacífica” adequada a um “Mundo Harmônico” na AGNU, em 15 de setembro de 2005, sinalizando ao Ocidente que não 60

pretendia confrontar o sistema vigente. Sua proposta perpassava quatro pontos: (i) o multilateralismo deve ser reforçado para assegurar, por meio de cooperação internacional, a de segurança global; (ii) a globalização econômica fez com que a cooperação mutuamente benéfica se tornasse necessária para alcançar a prosperidade comum; (iii) o espírito de inclusão é essencial para construir um mundo onde todas as civilizações convivem harmoniosamente, respeitando suas independências e suas escolhas para o caminho do desenvolvimento; e (iv) urge uma reforma racional e necessária da ONU para que possa manter a sua autoridade, melhorar a sua eficácia e dar um melhor escopo para seu papel em enfrentar novas ameaças e novos desafios, por meio da ampliação da participação de países de pequeno e médio porte.35 A partir desses princípios, foi publicado, em dezembro de 2005, o “Livro Branco” (White Paper) sobre “O Caminho de Desenvolvimento Pacífico36 da China” (China’s Peaceful Development Road)37 que definiria a forma como o país promoveria seu desenvolvimento de forma pacífica. Beijing pretendia, dessa forma, descolar sua imagem da memória construída a partir de fatos históricos que conecta a emergência de novas potências a uma subjugação da anterior por meios conflituosos, como “invasão, colonização, expansão, ou até mesmo guerras de agressão de larga escala”. O “caminho do desenvolvimento para um crescimento pacífico” propõe que a emergência chinesa seja fruto do “capital, tecnologia e recursos adquiridos por meios pacíficos” (BIJIAN, 2005, p. 20 - tradução nossa) possibilitados por meio da sua inserção no sistema econômico globalizado. Essa orientação foi mantida com a publicação do “Livro Branco” sobre “Desenvolvimento Pacífico da China” (China’s Peaceful Development), em 7 de setembro de 2011, de forma, a atrelar seu desenvolvimento e harmonia internos à promoção de cooperação e paz externamente. Segundo o documento de 2011, o objetivo da política externa chinesa é de:

                                                                                                                          35

Ver HU Makes 4-point Proposal for Building Harmonious World. China.org, Xinhua, 16 set 2005. Disponível em: . 36 Segundo Kissinger (2011), a substituição da expressão “Ascensão Pacífica” por “Desenvolvimento Pacífico” demonstra um cuidado do governo chinês na intensão de afastar a possível interpretação do termo “ascensão” como ameaçador e triunfalista. 37 O “Livro Branco” sobre “O Caminho de Desenvolvimento Pacífico da China” está dividido em cinco capítulos que tratam: (i) “Desenvolvimento pacífico é o caminho inevitável para a modernização da China”; (ii) “Promovendo paz mundial e desenvolvimento com o próprio crescimento da China”; (iii) “Desenvolvimento ao acreditar em sia própria força, reforma e inovação”; (iv) “Buscando benefício mútuo e desenvolvimento comum com outros países”; e (v) “Construindo um mundo harmonioso de paz sustentável e prosperidade comum” (CHINA’S […], 2005 - tradução nossa).

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(…) manter a paz mundial e promover o desenvolvimento comum. A China defende a construção de um mundo harmonioso de paz duradoura e prosperidade comum e trabalha com outros países em busca deste objetivo. Para a China, é tanto um objetivo de longo prazo, como uma tarefa atual.38

Do ponto de visto político, a China defende, a partir do documento, a cooperação e a igualdade entre os Estados, o fortalecimento da ONU, e reafirma sua soberania e a não intervenção nos assuntos internos, quando afirma que “os assuntos internos de um país devem ser decididos pelo seu próprio povo, assuntos internacionais devem ser decididos por todos os países por meio de consultas em pé de igualdade”39. A partir desse discurso, reafirma sua jurisdição sobre diversas áreas de seu território que pleiteiam independência, e afasta a perspectiva de interferência de potências ocidentais em regiões separatistas da China, nas quais a violação de direitos humanos e a violência por parte da polícia contra a população local é uma política de governo, como é o caso de Xinjiang e do Tibete. No que diz respeito à economia, o "Livro Branco" defende a cooperação e a globalização econômica como “um processo equilibrado e de ganho mútuo (win-win) que beneficia todos os países”40. A China adota, a partir de então uma postura crítica ao protecionismo, assumindo a posição defendida pelas potências ocidentais e, por tanto tempo, criticada por ela. E continua, ao afirmar que “os países também devem procurar estabelecer um sistema multilateral de comércio internacional, que é justo, aberto, equitativo e não discriminatório, de modo que o benefício da globalização econômica irá abranger todos os países”41, demonstrando seu alinhamento ao discurso estadunidense do livre-comércio. Defende, ainda, o fim do preconceito ideológico e cultural para “fazer a sociedade humana mais harmoniosa e o mundo mais colorido”42. Sobre segurança, defende a cooperação e a resolução pacífica de controvérsias, completando que “consulta e diálogo devem ser realizados para reforçar a confiança mútua, reduzir as diferenças e resolver os litígios”43. Nessa base, podem ser observados acordos da China com diversos países em questão de segurança, como a cooperação com o Brasil para o lançamento dos Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS), que será tratado no capítulo quatro, e a recente priorização

                                                                                                                          38

Ver INFORMATION OFFICE OF THE STATE COUNCIL. China's Peaceful Development. Beijing, 2011. Disponível em: . 39 Idem. 40 Idem. 41 Idem. 42 Idem. 43 Idem.

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da cooperação de defesa entre Pequim e Moscou, de 19 de novembro de 2014, a qual já existe desde 1989.44 No entanto, a principal iniciativa de segurança na qual a China está envolvida é a Organização para Cooperação de Shanghai (OCS). Formada em 15 de agosto de 2001, a partir do grupo de “Shanghai Cinco”, seria fundada por Cazaquistão, China, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão45, destaca-se por ser um organismo internacional de segurança de iniciativa chinesa. A OCS possui para a China dois objetivos centrais, o primeiro é o de conter os movimentos separatistas do oeste46, principalmente o caso de Xinjiang, com o objetivo de manter seu território e a região estáveis e a fronteira segura; e o segundo é o de promover uma cooperação econômica capaz de desenvolver seus parceiros por acreditar que dessa forma, serão ampliados os investimentos em infraestrutura e, consequentemente, o acesso da China aos recursos energéticos da Ásia Central será facilitado, em uma expectativa de reestabelecer a “Rota da Seda”47, conforme apresentado por Xi em setembro de 2013, na Universidade de Nazarbayev em Astana, Cazaquistão. O surgimento da OCS remonta ao desmembramento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que levou a China a reaproximar-se dos vizinhos da Ásia Central, buscando estabilizar a região e definir fronteiras para evitar conflitos. A partir das subsequentes rodadas de negociação, surgiu o Grupo de Shangai que logrou em firmar acordos sobre Confiança Mútua, em 1996, e Redução dos Efetivos Militares, em 1997 (LUCENA; SILVA, 2011). Ademais, a China investe diretamente em seus parceiros da OCS, atuando como um paymaster da região, conceito explicado no capítulo anterior, ao compreender a necessidade de investir no seu entorno regional para aproximar seus vizinhos e estabelecer uma cooperação econômica. A OCS é considerada por muitos como uma alternativa à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)48, por posicionar-se como um contraponto aos Estados Unidos em                                                                                                                           44

Ver FONTDEGLÒRIA, X. China e Rússia fazem da cooperação militar “uma prioridade”. El País, Beijing, 19 nov. 2014. Disponível em: . 45 A OCS conta, ainda com Afeganistão, Índia, Irã, Mongólia e Paquistão como Estados observadores, e Bielorussia, Turquia e Sri Lanka como parceiros para diálogo. Índia, Irã e Paquistão estão em processo para se tornarem membros plenos. 46 A ampliação do conceito de terrorismo promovido por Rumsfeld para justificar as incursões no Afeganistão e no Iraque seria adotada por diversos Estados para lidar com movimentos rebeldes internos. O mesmo aconteceria com Rússia e China, que passariam a considerar os movimentos separatistas chechenos e uigure como grupos terroristas a serem combatidos com o exército nacional. 47 A “Rota da Seda” foi uma rota de comércio que ligava o Império Chinês à Europa, transportando a seda, tendo seu auge na dinastia Tang, entre 618 e 917 d.C. 48 A OTAN é uma organização militar firmada em 4 de abril de 1949 pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Islândia, Luxemburgo, Itália, Portugal, Noruega e Países Baixos e que passou por sucessivas ampliações até a configuração atual com 28 membros.

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questões de intervenções militares, como ocorreu no recente caso da Síria. No caso supracitado, as razões que levaram Beijing a posicionar-se a favor do governo Bashar alAssad são bem mais complexas do que simplesmente provocar Washington. A Síria costumava ser um dos Estados mais estáveis da região, com uma extensa reserva de gás e uma histórica aliança comercial com a Rússia. Para a China, a derrubada do governo poderia ser o estopim para a concretização de um cenário de conflito permanente, como ocorreu no Iraque, Líbano e Egito, além de fortalecer o Estado Islâmico, grupo radical dissidente da Al Qaeda, a frente dos movimentos para a derrubada do governo, desestabilizando toda a região, o que poderia impactar diretamente na sua unidade territorial, funcionando como um estímulo a movimentos separatistas. A questão relativa ao programa de enriquecimento de urânio do Irã, tratado a partir da atuação brasileira no capítulo anterior, também suscita embates entre os Estados da OTAN e os da OCS. Conforme explicado anteriormente, o Irã figura nas listas de espera por intervenção militar de Washington desde a administração Bush, quando foi incluído no que ficou conhecido como “Eixo do Mal”. Extremamente rico em petróleo e membro da OPEP, o país teve seu comércio diretamente impactado pelas sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU como forma de pressioná-lo a abandonar seu programa de enriquecimento de urânio. A partir de então, começou a vender seu petróleo a um preço mais baixo e com base nas moedas locais para a China, em um comércio extremamente favorável ao gigante asiático, o que, combinado com o objetivo de evitar conflitos no seu entorno regional para preservar seu território e com o fato de Teerã ser membro da OCS, influencia Beijing a posicionar-se contrário a uma intervenção militar. A oposição entre a OTAN e a OCS surge muito mais em resposta de uma crescente atuação por parte da primeira em áreas do entorno regional das duas grandes potências da segunda. De um lado, a crise financeira de 2008 levou os países do Leste Europeu a aproximarem-se do Ocidente e submeterem-se à sua cartilha para receber auxílio econômico, por outro, o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 forneceu aos ideólogos do Programa para o Novo Século Americano a justificativa perfeita para iniciar a “Guerra ao Terror”, levando as tropas da OTAN para o Oriente Médio e para a Ásia Central. A aliança econômico-militar entre China e Rússia apresenta-se, dessa forma, como uma subversão da estratégia estadunidense na Guerra Fria, quando, à partir da ruptura sino-soviética49,                                                                                                                           49

O abandono da ortodoxia soviética e a aproximação com o Ocidente por parte da URSS, possibilitados pela chegada de Nikita Khrushchev ao poder, somada à insistência de Moscou em tratar da China como satélite ampliavam a insatisfação chinesa com a política soviética. Segundo Kissinger, “a União Soviética encarava o

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Washington aproximou-se de Beijing, na década de 1970, com o objetivo de isolar Moscou. A OCS, ao contrário, aparenta ser um pacto entre China e Rússia para neutralizar a ingerência estadunidense na região. O último ponto do “Livro Branco” sobre “Desenvolvimento Pacífico da China” diz respeito ao meio ambiente, com cooperação internacional para a proteção ambiental e combate às práticas que refletem em alterações climáticas. Ainda que o documento invoque o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, segundo o qual os Estados desenvolvidos devem ter maiores responsabilidades quando estabelecidas metas para a redução da emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global, por terem contribuído para esse fenômeno por mais tempo, afirma que “os países devem desenvolver novos modos de desenvolvimento, tomar o caminho do desenvolvimento sustentável e promover o desenvolvimento harmonioso do homem e da natureza”.50 O crescimento chinês baseado na indústria e com fonte energética dependente do carvão e do petróleo fez com que o país se tornasse o maior emissor de dióxido de carbono (CO2) do mundo. Contudo, incentivos recentes do governo para a alteração dessa característica tem começado a inserir matrizes energéticas renováveis que, somadas à recente aprovação, no Congresso Nacional do Povo (CNP), em 24 de abril de 2014, da primeira emenda em 25 anos da lei de proteção ambiental, demonstram que o governo está tentando alterar essa realidade, ao aumentar a rigidez contra a poluição.51 A principal surpresa anunciada no que diz respeito ao combate às mudanças climáticas ocorreu no dia 12 de novembro de 2014, quando, após encontro em Beijing, Barack Obama e Xi Jimping, líderes dos dois países que juntos são responsáveis por 45% das emissões de CO2                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             mundo comunista como uma entidade estratégica homogênea cuja liderança estava em Moscou. (…) A reivindicação chinesa ao direito de definir a ortodoxia ameaçava a coesão do império de Moscou e abria a porta para outras interpretações essencialmente nacionais do marxismo” (2011, p. 169, 171). O discurso de Khrushchev que denunciava os crimes cometidos por Stalin, no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, sinalizou para a China que “a União Soviética começava a se afastar do comunismo para ir em direção ao passado burguês” (idem, p. 173). A segunda crise do Estreito de Taiwan, iniciada em 23 de agosto de 1958, fez uma pressão contra a URSS, que se viu obrigada a escolher entre a coexistência pacífica com os Estados Unidos e a aliança com a China. “Washinton presumiu (…) que Mao estava agindo não apenas com o apoio de Moscou, mas sob suas ordens” (idem, p. 179), no entanto, o verdadeiro “objetivo de Pequim no conflito era a retomada das conversações entre Estados Unidos e China no nível de embaixadores. (…) A única parte nessa relação triangular que não captou o que estava acontecendo foi Khrushchev. Tendo presenciado Mao proclamando sua imunidade à ameaça nuclear (…), ele ficou dividido entre medos contraditórios de guerra atômica e da potencial perda de um importante aliado se deixasse de ficar ao lado da China” (idem, p. 181). Moscou acabaria por fazer a ameaça nuclear, afetando sua relação com Washington. Mao conseguia, assim, conquistar seus dois objetivos, aproximar-se dos EUA e fragilizar a URSS diante do mesmo ator. Como consequência, a URSS suspenderia os acordos de cooperação nuclear com a China (KISSINGER, 2011). 50 Ver INFORMATION OFFICE OF THE STATE COUNCIL. Op. cit. 51 Ver CHINA revises environmental law. China Daily, Beijing, 24 abr 2014. Disponível em: .

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no mundo, apresentaram um “acordo histórico” que estabeleceu metas de emissão para os dois Estados. A China estipulou a marca limite de 2030 para que o país alcance o seu pico nas emissões de gases estufa, somado ao investimento em fontes de energia não-fósseis para que sustentem 20% do consumo primário de energia até 2030. Já Obama comprometeu-se em reduzir as emissões dos gases estufa em seu país de 26 a 28% até 2025, com base nas taxas de 2005. Além disso, ambos os países se comprometeram em trabalhar para alcançar um acordo na Conferência do Clima, que será realizada no final de 2015, em Paris.52 A surpresa para a comunidade internacional ocorreu não porque os dois governos eram considerados rivais, ou por que existia uma desconfiança entre eles, mas porque ambos mantinham, até o momento, posições extremamente conservadoras no que diz respeito à aceitar e estabelecer restrições em razão dos impactos causados pelas mudanças climáticas, ainda que a China já houvesse sinalizado nesse sentido em seu 12º Plano Quinquenal, conforme analisado anteriormente. A estratégia de surpreender a opinião pública não demonstra uma conscientização das lideranças chinesas, e sim uma estratégia de agregação de poder. Por outro lado, de fato, a China sinaliza um interesse de diálogo com os Estados Unidos, assim como em democratizar o sistema internacional e suas instituições de modo a ser mais representativo para as potências que emergem neste início de século XXI. Contudo, crer que Beijing permanecerá inerte diante da resistência estadunidense em aceitar seu declínio hegemônico e a ascensão chinesa não parece condizer com a realidade.  

                                                                                                                          52

Ver OBAMA, Xi agree on climate change plan. China Daily, Beijing, 12 nov 2014. Disponível em: .

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3.2.3. O jogo de soma zero de Obama e a estratégia de “Ásia para os asiáticos” de Xi

A análise feita no capítulo anterior, sobre a sucessão dos ciclos hegemônicos afirma que o declínio do poder relativo de uma potência somada à ascenção de outra tende a dar origem a guerras sistêmicas. Segundo Ikenberry, esse conflito ocorre devido ao fato de:

Estados emergentes quere[re]m traduzir seu novo poder adquirido em uma maior autoridade no sistema global - para moldar as regras e as instituições de acordo com seus próprios interesses. Estados decadentes, por sua vez, temem sua perda do controle e se preocupam com as implicações de segurança de sua posição enfraquecida (2008, p. 26 - tradução nossa).

Contudo, o próprio autor admite que nem sempre as transições hegemônicas são conflituosas, podendo ocorrer de forma pacífica se a nova potência se conformar dentro dos limites da ordem sistêmica estabelecida. A definição da forma de transição que resultará deste processo depende de dois fatores:

a natureza do regime do Estado emergente e o grau de sua insatisfação com a antiga ordem são críticos (…). Mas ainda mais decisiva é a característica da ordem internacional em si - é a natureza da ordem internacional que molda a escolha do Estado emergente de desafiar a ordem ou se integrar a ela (IKENBERRY, 2008, p. 27 - tradução nossa).

Ikenberry credita à ordem internacional vigente a responsabilidade de como a transição hegemônica será realizada, e, consequentemente, à forma como os Estados Unidos, enquanto potência hegemônica, irá moldá-la para acomodar as alterações na balança de poder pela qual o sistema internacional irá passar. Um dos erros cometidos por Washington na "Guerra ao Terror" foi o de optar pela atuação unilateral, relegando as instituições e seus aliados a segundo plano. Para o autor, como bom institucionalista, somente o fortalecimento das instituições e regras da ordem internacional, aproximando seus aliados do Ocidente para os centros de poder global e democratizando seu acesso a países emergentes, poderão encorajar a China a integrar a ordem vigente, e não combatê-la. Em suas palavras, “a China se tornará poderosa: ela já está crescendo, e a arma estratégica mais poderosa dos Estados Unidos é a habilidade de decidir que tipo de ordem internacional irá recebê-la” (IKENBERRY, 2008, p. 34 - tradução nossa). Contudo, diferentemente das expectativas de Ikenberry, a experiência recente indica que não é da natureza dos Estados Unidos aceitar resignadamente um desafiante, ao menos 67

não foi assim com a União Soviética, nem com o Japão. Ao analisar o passado recente da atuação americana para a manutenção de seu poder hegemônico, o Coronel Sênior Liu Mingfu escreve seu livro O sonho chinês: pensamento de grande potência e postura estratégica em uma era pós-americana (Zhōngguó Meng: Hou Meiguo Shidai de DaGuo Siwei yu Zhanlüe Dingwei), um tratado de como a China, ainda que mantendo seus ideais de “crescimento pacífico”, deve preparar-se para uma possível guerra para manter a paz e conquistar a hegemonia. Nesse sentido, o objetivo de aumentar a capacidade militar chinesa seria a de constranger os impulsos bélicos estadunidenses (SAUNDERS, 2010). Kissinger, ao analisar o livro de Liu Mingfu, expõe o pensamento do autor, que prevê que “o mundo se tornará harmonioso porque a liderança chinesa será mais sábia e mais moderada do que a dos americanos, e porque a China se absterá da hegemonia e limitará seu papel a agir como primus inter pares das nações do mundo” (KISSINGER, 2011, p. 486). Desse modo, Mingfu contrapõe-se às interpretações de grande parte dos autores Ocidentais, e até mesmo dos discursos pronunciados pelo governo chinês, principalmente no período de Hu Jintao, que se recusam a acreditar em uma ação mais enfática em direção a uma disputa hegemônica. Contudo, cada vez tem se tornado mais claro o posicionamento chinês de que não recuará diante dos Estados Unidos quando o assunto estiver relacionado à defesa de seus interesses nacionais. A ampliação do “Sonho Chinês” para abranger um “Sonho Ásia-Pacífico” vai nesse sentido, com o objetivo de ampliar sua influência e reduzir o impacto do poder estadunidense na região. Entretanto, desde 2008, a potência hegemônica vem tentando promover sua inserção política, econômica e militar53 por meio da área de livre comércio da Parceria TransPacífico (TPP), criada em 2005, com membros signatários Chile, Brunei, Singapura e Nova Zelândia, e com adesão posterior, ou ainda em andamento, de Estados Unidos, Canadá, México, Austrália, Japão, Malásia, Peru e Vietnã. Segundo Shiro Armstrong, o TPP é uma estratégia “necessária para evitar que uma linha seja traçada no Pacífico deixando os Estados Unidos de fora de um processo de liderança chinesa e de uma Ásia Oriental dominada pela China” (2011, p. 7). O interesse estadunidense de ingressar no TPP foi anunciado em setembro de 2009 pelo embaixador Ron Kirk no Congresso norte-americano, vislumbrando a possibilidade de                                                                                                                           53

Cabe ressaltar a importância estadunidense no desenvolvimento da região até a crise financeira que afetou os países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) em 1997, e fez com que se voltassem seu desenvolvimento para o ambiente nacional. A partir de então, a reorientação da política externa estadunidense para a contenção do terrorismo no Oriente Médio, abandonando a Ásia Pacífico, somada à ampliação dos investimentos chineses nos países da ASEAN fizeram com que Beijing se tornasse o maior parceiro externo da associação, superando os Estados Unidos em 2007.

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moldar o acordo segundo os interesses de Washington, uma vez que não havia sido estabelecidas regras para serviços financeiros e investimentos. Desse modo, foi possível impor padrões rigorosos de acordo com o interesse dos grupos industriais estadunidenses, principalmente no que diz respeito à propriedade intelectual. A estratégia é de “tentar criar um efeito dominó de países que desejam ingressar no TPP” a qual apresenta-se “mais promissora do que continuar fazendo isso por meio da assinatura de acordos bilaterais individuais com países asiáticos” (ARMSTRONG, 2011, p. 8). A exigência de um Direito de Propriedade Intelectual (DPI) extremamente restritivo foi imperativa para manter não só a China afastada do TPP, mas também todos os seus parceiros do grupo dos BRICS, revelando a intenção estadunidense de isolar Beijing. O padrão estabelecido no DPI do TPP foi tão rigoroso que passou a ser um entrave para o ingresso de países tanto em desenvolvimento quanto desenvolvidos no acordo, reduzindo o poder de fiscalização dos governos diante do interesse dos grupos industriais, além de afastar dos países-membros o acesso a medicamentos genéricos. Contudo, Washington já esboça iniciativas comerciais com o objetivo de atrair membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) para o TPP, como é o caso da US-ASEAN Expanded Economic Engagement (E3 Initiative), que conta com auxílio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) para aprofundar o comércio e os investimentos entre os membros. A resposta chinesa viria na Conferência sobre Interação e Medidas de Fortalecimento da Confiança na Ásia (CICA), em maio de 2014, quando o presidente Xi Jinping, enquanto tratava do assunto de segurança regional, pronunciou o provérbio cazaque “aquele que tenta apagar a lâmpada de óleo do outro vai queimar a barba no fogo”. Xi criticou, ainda a manutenção de um pensamento baseado no jogo de soma zero da Guerra Fria no Século XXI, utilizando outro provérbio, desta vez chinês, que diz: “um homem sábio muda de acordo com as mudanças do tempo e das circunstâncias”. Ele conclui ainda que “é para o povo da Ásia executar os assuntos da Ásia, resolver os problemas da Ásia e manter a segurança da Ásia”, deixando clara sua estratégia de “Ásia para os asiáticos”.54 Contudo, a principal medida de auto-afirmação do poder chinês na região ocorreu em novembro, durante uma reunião da Associação de Cooperação Econômica de Países da Ásia Pacífico (APEC), que reune 21 países, incluindo os Estados Unidos. Antes de tratar a                                                                                                                           54

Ver JINPING, X. New Asian Security Concept For New Progress in Security Cooperation. Shangai: Fourth Summit of the Conference on Interaction and Confidence Building Measures in Asia, 21 mai 2014. Disponível: .

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proposta apresentada por Xi durante o encontro, cabe salientar que a APEC tem um histórico semelhante ao TPP, como uma tentativa de isolar a China na Ásia-Pacífico, porém, nesse caso, a iniciativa partiu do Japão. Na década de 1960, em um debate entre a “esquerda” japonesa, que defendia que o comércio com China, Coreia do Norte e União Soviética seriam benéficos para acessar seus mercados-consumidores e obter matéria-prima a preços mais baixos, e a “direita”, que defendia a manutenção da política de alinhamento aos Estados Unidos, surgiu, por parte da segunda, em 1967, a proposta da Área de Livre-Comércio do Pacífico (PAFTA), voltada para os Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia.55 A PAFTA viria a fracassar antes de sair do projeto por diversas razões, entre elas o protecionismo agrícola japonês e a rejeição de Washington a vincular-se a economias menores da Ásia, enquanto tentava articular-se com o que seria o embrião da União Europeia. A resistência de outros países asiáticos à liderança japonesa fez com que as diversas propostas subsequentes fossem recusadas, até que o primeiro ministro australiano, Bob Hawke, lançou a proposta da APEC, fundada em 1989, que uniria os dois lados do Pacífico, ainda que esta nunca tenha se tornado uma área de livre comércio, e mantendo a exclusão da China, que só se tornaria membro em 1991. Contudo, o agrupamento que surgiu com o objetivo de isolar a China na região viria a tornar-se o foro de discussão em que Xi lançaria sua mais ambiciosa proposta para o “Sonho Ásia-Pacífico”. A iniciativa chinesa em direção a um aprofundamento da integração na Ásia passou por uma intensificação de seus esforços no segundo semestre de 2013, quando foram apresentadas diversas propostas aos países da região. A primeira ocorreu no dia 7 de setembro de 2013, quando Xi Jinping propôs a criação do cinturão econômico da “Rota da Seda”56, cujo objetivo é o de reviver a rota de comércio que ligava a Ásia à Europa entre os séculos VII e X. O projeto seria financiado pelo “Fundo da Rota da Seda”, apresentado em 6 de novembro de 2014, com a capitalização inicial de 10 bilhões de dólares que se expandirá gradualmente até a soma de 50 bilhões de dólares, sendo alimentado em mais de 50% pelas reservas internacionais da China, pelo Banco Popular da China, pelo Ministério das Finanças e por bancos de desenvolvimento chineses.57 Não se deve, entretanto, ignorar que uma “Nova Rota da Seda” teria um significado muito maior do que o estritamente comercial. A ligação da China à Alemanha passando pelo                                                                                                                           55

Ver CLARK, G. TPP: APEC’s anti-China son? The Japan Times, 30 nov 2011. Disponível em: . 56 Ver DANLU, T. Xi suggests China, C. Asia build Silk Road economic belt. Xinhua, Astana, 7 set. 2013. Disponível em: . 57 Ver XIANG, L. New fund finances modern Silk Road. China Daily, Beijing, 7 nov. 2014. Disponível em: .

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centro e oeste asiáticos, assim como o segundo percurso marítimo, parte da “Rota da Seda Marítima do Século XXI”, que parte do Império do Meio em direção ao sudeste asiático, à África e à Europa poderá representar um instrumento divulgador de ideais assim como a rota original levou o budismo e o islamismo para a China. Ambos os percursos podem ser visualizados no Mapa 4. Juntas, as duas iniciativas concluem a estratégia chamada de “Um cinturão, uma rota”, a qual seria capaz de proteger Beijing de um possível cerco marítimo, que limitaria seu comércio, assim como ampliaria seu poder brando diante de todos os países beneficiados pela iniciativa. Porém, uma aproximação entre o país e a principal economia europeia representaria uma significativa ampliação da capacidade de reflexão de seus ideais em uma área historicamente aliada e alinhada aos Estados Unidos. Mapa 4 - “Iniciativa da Rota da Seda” e “Rota da Seda Marítima do Século XXI”

Fonte: SILK Road Initiative takes new route on TV map. China Daily, 14 abr. 2015. Disponível em: .

Em reunião da APEC de 11 de novembro de 2014, Xi apresentou o projeto da Área de Livre Comércio da Ásia Pacífico (FTAAP), que agregaria os acordos de livre comércio já 71

existentes, de modo a aprofundar o processo de integração regional. Somado a isso, com o objetivo de aperfeiçoar a infraestrutura e a integração econômica da região para formar a nova “Rota da Seda”, desenvolveu o projeto do Banco Asiático para Investimento em Infraestrutura (AIIB), com expectativa de capitalização de US$50 bilhões subscritos e US$ 100 bilhões comprometidos, que já vinha sendo discutido desde junho de 2014 e que pretende estar em operação antes do final de 2015 (LAN, 2014). De acordo com o mandatário chinês, “chegamos a um consenso de que a integração econômica regional é a força motriz por trás do forte crescimento sustentado na Ásia-Pacífico, e a APEC deve continuar a desempenhar um papel de liderança e coordenação para fazer avançar este processo”.58 Por meio da estratégia de lançamento do FTAAP, a China conseguiu despertar o interesse dos países da região sem que, para integrar a área de livre comércio, fosse necessário abandonar projetos comerciais em curso, em um momento em que crescia o desentendimento entre Japão e Estados Unidos com relação às tarifas agrícolas no TPP e após demonstrar que, apesar do interesse e da constante presença estadunidense na região, isso não significaria que a potência hegemônica tomaria qualquer iniciativa militar contra o gigante asiático em defesa de qualquer aliado na Ásia Pacífico59. Nas palavras de Tang Guoqiang, presidente do Comitê Nacional Chinês para a Cooperação Econômica no Pacífico, o objetivo da China é o de “conter a tendência crescente de fragmentação na região que prejudica diretamente a integração econômica, e não o TPP ou qualquer outro acordo de livre-comércio específico”.60 Apesar da China não atacar diretamente a proposta estadunidense de área de livre comércio, ao apresentar a sua proposta, com a promessa de investir 10 milhões de dólares                                                                                                                           58

Ver XI: APEC economies decide to launch FTAAP process. China Daily, Beijing, 11 nov. 2014. Disponível em: . 59 Essa perspectiva tornou-se evidente após os constantes exercícios chineses nos mares sul e leste do país, próximos às ilhas conhecidas como Diaoyu pelos chineses ou Senkaku pelo Japão, ao longo de 2013 e 2014, territórios próximos a reservas potenciais de petróleo e gás. O episódio suscitou diversas declarações de repúdio por parte tanto do Japão quanto dos Estados Unidos, que mantém bases militares no país em troca de defesa, inclusive com sobrevoos de jatos estadunidenses sobre as ilhas, que passaram a ser consideradas como “Zona de Identificação de Defesa Aérea”. Dessa forma, após comprovar que uma possível ajuda militar estadunidense na região em defesa dos interesses japoneses não passaria de mera retórica, China e Japão assinaram um acordo em 7 de novembro de 2014 com o objetivo de reduzir as tensões na região. Ver PHILIPS, T. Chinese pilots patrol controversial air zone over the disputed Senkaku/Diaoyu islands. The Telegraph, Shanghai, 24 nov. 2013. Disponível em: ; Ver PHILIPS, T. China 'monitored' US flights over disputed islands in East China Sea. The Telegraph, Shanghai, 27 nov. 2013. Disponível em: ; HENDERSON, B. Japan and China agree to reduce tensions over Senkaku islands. The Telegraph, Shanghai, 7 nov. 2014. Disponível em: . 60 Ver YUNBI, Z.; XIANG, L. APEC agrees to work on FTAAP. China Daily, Beijing, 11 nov. 2014. Disponível em: .

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para a capacitação institucional e desenvolvimento da APEC, ela proporcionou aos países que negociam o TPP uma posição mais favorável para pleitear os seus interesses diante da proposta estadunidense. O estabelecimento do ano de 2015 para a conclusão de um acordo de livre comércio entre a China e a ASEAN61 evidencia a urgência com que a China quer concluir a integração, evitando seu isolamento por parte dos Estados Unidos. Xi posicionouse como líder regional, demonstrando que a potência hegemônica não pode mais negar o seu crescimento, muito menos contê-lo, e que qualquer iniciativa de integração da Ásia Pacífico deve considerar Beijing como principal articulador da região. Além do posicionamento de liderança, com as propostas do “Fundo da Rota da Seda”, do AIIB e do FTAAP, a China alterou a forma como se apresenta ao mundo de um país em desenvolvimento em busca de investimento que sustente seu crescimento para um país capaz de investir em outros atores menores para viabilizar o crescimento deles. Isso não significa que a China deixasse de fazer investimentos em outros países ao redor do mundo, porém a criação de um banco com capital nacional com esse intuito é inédito na política externa chinesa. A série de iniciativas do governo chinês para demonstrar sua liderança na Ásia Pacífico reitera seu compromisso com a integração por meio de uma nova “Rota da Seda” e o posicionamento de que a região está incluída no seu interesse nacional. Ainda que o governo Obama repita o mantra de aceitar a “ascensão pacífica” da China, suas ações na Ásia Pacífico com o objetivo de isolar Beijing enviam aos líderes chineses uma mensagem diferente. Inclusive, logo após a reunião da APEC, na qual a China lançou a proposta do FTAAP com amplo apoio dos membros do grupo, Estados Unidos, Japão e Austrália, que estavam em território da última, em razão da reunião do Grupo dos 20 (G20) nos dias 15 e 16 de novembro, realizaram uma reunião trilateral, paralela ao encontro central, para aprofundar acordos militares com o objetivo de promover estabilidade na Ásia Pacífico, segundo o Departamento de Estado estadunidense62. Iniciada no final da Segunda Guerra Mundial e aprofundada na Guerra Fria, quando tornou-se a principal estratégia militar estadunidense de contenção soviética na região, restabelecer a “aliança militar” como estratégica para os Estados Unidos na Ásia Pacífico suscita dúvidas quanto à sua disposição em aceitar a “ascensão pacífica” chinesa.

                                                                                                                          61

Ver YINAN, Z.; NAN, Z. China, ASEAN set 2015 as goal for upgrading free trade agreement. China Daily, Nay Pyi Taw/Beijing, 14 nov. 2014. Disponível em: . 62 Ver HUI, W. Trilateral alliance only shores up tensions. China Daily USA, 26 nov. 2014. Disponível em: .

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A China ampliou seu poder relativo no sistema internacional e assumiu o comando do processo de integração na Ásia Pacífico, apresentando propostas inclusivas para a região, contrapondo-se nitidamente à proposta excludente dos Estados Unidos, e demonstrando que esse tipo de iniciativa integradora deve considerar a sua influência para ser bem sucedida. Contudo, ainda que a China demonstre seu interesse em ampliar seu poder político e econômico e reformular parte do sistema internacional de modo a obter maior capacidade de decisão e influência dos organismos internacionais, ela não apresenta qualquer ameaça para a ordem internacional vigente. Nesse sentido, é possível afirmar que, ao se contrapor às regras com que o sistema internacional é gerido, propondo um revisionismo brando capaz de estabelecer uma maior justiça na forma como as decisões de cúpula dos organismos internacionais são compostas e uma maior participação dos países em desenvolvimento, a China está fazendo uma política contra-hegemônica. Cabe ressaltar que, nesse caso, a atuação contra-hegemônica chinesa não inclui um confrontamento direto da atual potência hegemônica capaz de conduzir o mundo para uma nova guerra mundo, apenas um balanceamento moderado em questões que julga do seu interesse nacional. Ademais, não se deve confundir uma estratégia contra-hegemônica com uma assistêmica, no primeiro caso, o ator pretende apenas alterar a organização do sistema a fim de inserir os seus interesses nele, no segundo, pretende destruí-lo para construir um novo que reflita os seus princípios ideológico-culturais. Em outras palavras, ao imaginar o sistema como um jogo de tabuleiro, o agente contra-hegemônico deseja alterar as regras do jogo, de modo a torná-lo mais atraente para a sua participação, enquanto o assitêmico defende que não se pode jogar o jogo, de modo que só resta a sua destruição para, a partir de então, criar um novo sobre as suas cinzas. A China não poderia ser um agente assistêmico, uma vez que se beneficia do sistema para promover seu crescimento e ampliar sua inserção em outros países em desenvolvimento. Os discursos da redução de barreiras protecionistas e do livre-mercado garantem a ela o conjunto perfeito de medidas que, caso adotadas pelos países com que ela comercializa, ampliarão a sua competitividade e os mercados de consumo abastecidos por ela. Contudo, ela precisa ampliar a sua capacidade de decisão, para que possa participar no estabelecimento das normas que irão reger o sistema internacional. O crescimento econômico chinês fez com que, em certo momento, a Ásia deixasse de ser suficiente como fonte de matéria prima e como mercado consumidor para a sua indústria manufatureira que sustenta o seu crescimento. Somado a isso o interesse de ampliar o seu poder político fez com que a China passasse a se interessar por outras áreas do globo que não 74

o seu imediato entorno regional. Devido a isso, ela passou a ampliar investimentos e comércio com regiões cujo monopólio anterior era de países do “Norte Global”, como pode-se observar na África e na América do Sul. A seguir, será analisado o interesse chinês na América do Sul e a forma como se apresenta para os países da região.

3.3. CHINA E AMÉRICA DO SUL: FLAMA DE INDEPENDÊNCIA OU UMA NOVA FORMA DE DOMINAÇÃO?

A expansão política e econômica chinesa no sistema internacional fez com que o país ampliasse sua atuação em diversas regiões do globo. No caso da América Latina, as tentativas de aproximação remontam a década de 1990, com a visita do presidente Yang Shangkun (1988-1993) a diversos países da região, ainda que o aumento expressivo do comércio só tenha ocorrido a partir da visita do presidente Hu Jintao, em 2004. A partir de então, as exportações chinesas para a região saíram de 2,6% do seu total, em 2004, para 5,29% em 2013, enquanto as importações da região passaram de 3,18% para 5,25% do total de importações no mesmo período.63 A aproximação entre a China e a América Latina, assim como de outros países em desenvolvimento, faz parte das estratégias de cooperação Sul-Sul para atuação conjunta em foros multilaterais. Monica Hirst (2008) enfatiza, por exemplo, a atuação da China em conjunto ao G-77 da UNCTAD no pleito por tratamento especial e diferenciado aos países menos desenvolvidos. Por considerar os foros multilaterais o principal ambiente para a negociação dos seus interesses, o gigante asiático vem construindo uma imagem dissociada de suas capacidades materiais, evitando a associação de seu poder a uma forma de poder robusto. Utilizando o argumento de semelhança entre países em desenvolvimento, dos quais apresenta-se como o maior, e do poder brando, que não se reproduz internamente, a RPC busca uma aproximação dos países menos desenvolvidos de forma menos conflitante do que a praticada pelos Estados Unidos. Para Foot, “a busca da China pelo que ela descreveu como ‘força nacional compreensiva’ está também ligado ao seu forte desejo de reconhecimento como uma grande potência; entretanto, ela ainda reivindica ligações, e em um grau se identifica, com o mundo em desenvolvimento” (2006, p. 80 - tradução nossa).                                                                                                                           63

Dados extraídos de BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Atualizado em 17 out. 2014. Disponível em: .

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Um pronunciamento que ilustra muito bem essa atitude é o proferido por Hu Jintao na cerimônia de abertura da Quinta Conferência Ministerial do Fórum de Cooperação ChinaÁfrica, em julho de 2012, no qual afirmava que:

[A] China é o maior dos países em desenvolvimento, e [a] África é o continente com o maior número de países em desenvolvimento no mundo. (…) China e África compartilham um destino comum, e a amizade entre China e África é compartilhada por seus povos. Os povos chineses e africanos sempre trataram-se como iguais e com sinceridade e amizade, com apoio mútuo e almejando um desenvolvimento comum.64

Contudo, apesar do seu discurso no qual tenta apresentar-se como semelhante aos países em desenvolvimento, as capacidades materiais somadas aos poderes político e econômico exercidos por ela no sistema internacional demonstram uma inconformidade com a forma como ela quer ser vista e a realidade em que se encontra. Dessa forma, alegar uma relação entre iguais ao negociar com a África ou com a América do Sul, como é o caso analisado, caracteriza mais um exercício de retórica do que um retrato da realidade. A indiscutível diferença entre a China e os países em desenvolvimento faz com que surja o questionamento sobre qual seria o verdadeiro interesse por trás do ato de afirmar-se membro de um grupo do qual seu pertencimento é questionável. A criação de uma identidade entre a China e seus parceiros menores faz parte de uma estratégia capaz de desvinculá-la do ideário de potência exploradora e dominadora com a qual os países em desenvolvimento estão acostumados a tratar. Sua influência ocorre mais pelo poder brando do que pelo poder robusto, em termos de hegemonia, mais pelo consenso do que pela coerção. Contudo, seria imprudente acreditar que governos e acadêmicos das mais diversas orientações políticas que compõem esses países deixam-se acreditar no discurso chinês de promoção de relações igualitárias, principalmente em uma região como a América do Sul, repleta de experiências em relações de exploração com Europa e Estados Unidos. Essa seria, justamente, a primeira razão para o interesse de países sulamericanos na China. Segundo Ellis, “o gigante asiático poder[ia] ajudar a região a compensar a dominação política, econômica e institucional dos Estados Unidos, concedendo maior liberdade de ação para perseguir um caminho político mais autônomo” (2009, p. 28). Dessa forma, ao ampliar suas relações entre o maior número de atores, os países da região aumentam o seu poder de                                                                                                                           64

Ver JINTAO, H. Open Up New Prospects for A New Type of China-Africa Strategic Partnership. Ministry of Foreign Affair of the People’s Republic of China, Beijing, 19 jul. 2012. Disponível em: .

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barganha, deixando de ser reféns não só dos interesses estadunidenses, mas também de sua potência regional, o Brasil, conforme será aprofundado no próximo capítulo. A segunda razão, diretamente ligada à primeira é justamente a de candidatar-se como destino ideal para seus investimentos, parte da grande reserva internacional chinesa. Ao longo de sua história, a região contou com diversos investimentos estadunidenses e de potências europeias que, na maioria das vezes, acompanhavam exigências de liberalização econômica ou de reforma política. A China, por outro lado, apresentava-se como uma oportunidade de obter investimentos em áreas de infraestrutura e de desenvolvimento social, expectativa que, em parte, foi atendida, excetuando o fato de os investimentos em infraestrutura feitos pela China terem como objetivo o de controlar as fontes de recursos naturais e o comércio de commodities (ELLIS, 2009). Por fim, a terceira razão está voltada para o comércio internacional, no qual os países da América do Sul vislumbram a possibilidade de ampliar suas exportações para o país mais populoso e com perspectivas de tornar-se o maior mercado consumidor do mundo em 201565. O impacto da ampliação da demanda chinesa por commodities fez com que seus preços aumentassem significativamente desde 2000, iniciando uma desaceleração após a crise financeira de 2008. Contudo, as exportações sulamericanas, para Beijing, mantém a regra estabelecida pelos parceiros do “Norte Global” de envio de produtos primários, sendo incapaz de superar a limitação imposta a eles pela divisão internacional do trabalho, tendo, inclusive, impactado diretamente no setor industrial de diversos países, incapazes de competir com os baixos preços das manufaturas chinesas. Compreendidas as três principais razões pelas quais países da América do Sul vêm a China como um parceiro importante no sistema internacional, cabe fazer uma análise que estabeleça uma razão pela qual a China busca parcerias, a princípio, tão distantes e com culturas extremamente diferentes das suas. A própria heterogeneidade de orientações políticas na região faz com que a expectativa de cada país seja diferente ao aproximar-se da China, enquanto alguns vislumbram uma promessa de sustentação das políticas nacionalistas, afastando-se das amarras da hegemonia estadunidense, como Venezuela, Bolívia e Equador, outros utilizaram políticas liberais orientadas para o mercado como uma estratégia de atrair investimentos, como Chile, Colômbia e Peru (ELLIS, 2009). Do ponto de vista chinês o

                                                                                                                          65

Ver CARDOSO, J. China pode ser o maior mercado consumidor do mundo em 2015. Valor Econômico, São Paulo, 24 mai. 2012. Disponível em .

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interesse na região coincide, em grande parte, com o que ela própria espera e com seu objetivo de ampliação de seu poder global, expresso anteriormente. Desse modo, o primeiro objetivo chinês ao buscar novos parceiros está diretamente relacionado à sua estratégia de “ascensão pacífica” e ao medo de uma política contenciosa por parte dos Estados Unidos. Sua aproximação a outros países em desenvolvimento está fundada, justamente, na estratégia de revisionismo brando do sistema internacional, com o objetivo de construir uma ordem multipolar e um “Mundo Harmônico”. Uma forma utilizada pela China para demonstrar o reconhecimento perante outro país é o estabelecimento de uma “parceria estratégica”66, que constitua coordenação entre os Estados e mecanismos de resolução de disputas. Só na América do Sul a China possui cinco “parceiros estratégicos”: o Brasil, desde 199367; a Venezuela, desde 2001; a Argentina, desde 2004; o Peru, desde 2008; e o Chile, desde 2012 (ZHONGPING; JING, 2014). O segundo interesse chinês na América do Sul diz respeito ao fato da região ser reconhecida internacionalmente por seu caráter de fonte de produtos primários. Esses produtos servem como a base para a indústria e, consequentemente, para o crescimento do gigante asiático. Conforme observa Medeiros (2008), a dinâmica do crescimento do país depende do acesso às matérias-primas e ao petróleo, por isso, o acesso a esses mercados tornou-se foco estratégico e político do governo chinês. A produção industrial chinesa cresceu de tal forma e tão rapidamente que nem os recursos naturais dela, nem os de toda a Ásia são capazes de sustentar a demanda do país. Somado a isso, o desenvolvimento do setor industrial do litoral serviu como um farol atraindo parte da população rural, o que reduziu a capacidade de produção da agricultura nacional, ampliando a necessidade de importação de alimentos de outras áreas do mundo. Em pouco tempo a América Latina passou a ocupar um importante espaço na economia chinesa como a principal produtora de produtos estratégicos, que ajudam a sustentar o crescimento chinês. No setor de alimentos, cada país fornece à China os produtos em que sua competitividade é maior, como: a soja produzida pelo Brasil, o óleo de girassol produzido pela Argentina, a farinha de peixe produzida por Chile e Peru e produtos voltados para a nova classe média chinesa como café colombiano, vinhos chilenos e cerveja mexicana. Contudo, o principal produto exportado para o país asiático é o petróleo, cujos principais fornecedores são Venezuela, Brasil e Equador, que apesar de também ser produzido pelos                                                                                                                           66

O termo parceria estratégica é utilizado “para precisar as interações que permitem ganhos substantivos numa cena internacional caracterizada pelos crescentes apertos das margens de decisão” (LESSA, 1998, p. 37) 67 O Brasil foi o primeiro país a estabelecer “parceria estratégica com a China, em 1993, seguido pela Rússia, em 1996, e pelos Estados Unidos, em 1997 (ZHONGPING; JING, 2014).

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chineses não é suficiente para suprir sua demanda, a segunda maior do mundo. Ademais, os minérios, como o minério de ferro, o aço, o cobre, o nitrato de potássio e o níquel são outra commodity fundamental para a indústria chinesa, fornecidos por Brasil, Chile, Peru e Colômbia (ELLIS, 2009). Por fim, o terceiro objetivo na aproximação com a América do Sul está diretamente ligada à busca contínua de mercados potenciais e parceiros comerciais. Desde a crise financeira de 2008, os principais mercados consumidores da China, ou seja Estados Unidos e União Europeia, sofreram uma contração, o que impactou diretamente nas suas exportações. Surgiu a necessidade de ampliar seus mercados a fim de reduzir sua vulnerabilidade e dependência das grandes potências. A partir de então, a China inicia uma estratégia de ampliar suas exportações para países em desenvolvimento, notadamente a América do Sul, com uma população de quase 400 milhões de habitantes, que passa a receber investimentos em áreas como infraestrutura, telecomunicações e no setor bancário. Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), a China, em 2014, é o segundo maior parceiro comercial de toda a América Latina, tendo a previsão de se tornar o primeiro até 2017.68 Atualmente esse movimento já pode ser observado pela presença cada vez maior de empresas e investidores chineses nos países da América Latina, com abertura de escritórios, estabelecimento de filiais e amplos investimentos em segmentos importantes. Somente no setor automotivo, Chery, Foton, Geely e Yangtze produzirão cerca de 2 milhões de carros apenas para enviar a países da América do Sul. Seus maiores mercados são Brasil, Colômbia, Venezuela, Peru e Argentina, e suas vantagens comerciais possibilitam que seus produtos sejam vendidos por cerca de dois terços ou metade do preço de montadoras americanas, europeias e japonesas já estabelecidas nesses locais69. O baixo custo de suas mercadorias faz com que elas se tornem atrativas aos consumidores, porém, isso coloca em risco a sobrevivência de empresas nacionais e multinacionais instaladas nesses países que precisam competir com os baixíssimos custos de produção e fabricação do gigante asiático. Dessa forma, a América do Sul enquanto destino do IED chinês tem sua expectativa de estabelecer uma complementariedade tecnológica frustrada, sendo obrigada a conformar-se com investimentos que se limitam a atividades primário extrativas, infraestrutura, setor                                                                                                                           68

Ver PUEYO, S. Interesses da China e da Rússia aumentam na América Latina. Gazeta Russa, 21 ago. 2014. Disponível em: < http://br.rbth.com/internacional/2014/08/21/interesses_da_china_e_da_russia_aumentam_na_america_latina_27 015.html>. 69 Ver SALAS, M. Depois da África, China avança sobre América Latina. BBC Brasil, 27 jul. 2014. Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/07/140721_chineses_negocios_america_latina_ms_kb>.

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energético e financeiro70. Observando sob a perspectiva econômico financeiro comercial, a aproximação com a China não diverge muito daquela feita com as potências no “Norte Global”, com as quais a deterioração dos termos de troca faz com que, com o passar do tempo, o preço das commodities tenda a desvalorizar-se frente aos produtos manufaturados, e, assim, a promover uma transferência da renda de países em desenvolvimento para os desenvolvidos. Somado a isso, a competitividade chinesa faz com que seus produtos industrializados possam ser oferecidos ao mercado a um valor inferior ao praticado pelos outros países em desenvolvimento, colaborando para a “reprimarização”71 de suas economias. Do ponto de vista político, por outro lado, a China propõe uma reformulação da ordem internacional a fim de torná-la mais inclusiva para os países em desenvolvimento, abandonando o antigo padrão em que as potências do “Norte Global” são as únicas com o poder e representatividade nos organismos internacionais. Porém, ainda que para os países sulamericanos a aproximação com a China possa ser interessante do ponto de vista político, muitas vezes não só pelo maior protagonismo de seus pleitos no sistema internacional, como também como forma de legitimar governos de orientação contrária aos Estados Unidos, o caso do Brasil possui uma especificidade única que o diferencia do resto do sub-continente. O Brasil, enquanto potência regional, passou a observar negociações entre vizinhos e a China, ocupando, muitas vezes o lugar que antes era brasileiro, além de servir como fonte de barganha em suas negociações com o maior país sulamericano. No próximo capítulo serão analisados os desafios e oportunidades para o Brasil a partir da ampliação do poder político e econômico no sistema internacional, abrangendo o impacto da mudança de orientação do governo brasileiro, a partir da gestão Dilma Rousseff, nos três tabuleiros do xadrez tridimensional que compunham a política externa brasileira do governo Lula.

OBSERVAÇÕES FINAIS

A China busca exercer um papel mais central na ordem mundial a partir de um reconhecimento do seu poder por parte dos países emergentes a ponto de legitimar sua condição de grande potência sem a necessidade de romper com a aliança com os Estados                                                                                                                           70

Ver CEPAL. Promoción del comercio y la inversión con China: Desafíos y oportunidades en la experiencia de las cámaras empresariales latinoamericanas. Santiago: Nações Unidas, 2013. 56 p. Disponível em: . 71 Conceito que será trabalhado no próximo capítulo.

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Unidos e com o sistema Ocidental estabelecido. A constante reafirmação da sua condição de país emergente, mesmo que ela não corresponda a sua atuação, é uma estratégia utilizada para a construção de identidade comum com aqueles Estados. Ao analisar a ampliação do poder chinês e a possibilidade de uma nova era hegemônica cujo centro volte a ser a Ásia Central, o estímulo inicial é imaginar uma sucessão pelo prisma da Guerra Fria, em que duas super-potências disputavam a superioridade do seu modelo perante o outro e visavam destruir o seu antagonista. Porém, Beijing não pensa dentro dessa lógica, ela vislumbra na ordem sistêmica ocidental a base para a manutenção do seu desenvolvimento econômico e, por isso, não busca desconstruí-la, mas reformulá-la de modo a combinar interesses ocidentais e chineses. Contudo, afirmar o interesse chinês em ampliação do seu poder político dentro da ordem sistêmica pré-estabelecida pelo ocidente não significa dizer que a China se submeteria às determinações da potência hegemônica. Desde o início do governo Xi Jinping, a estratégia de “Desenvolvimento pacífico” para a promoção de um “Mundo Harmônico”, estabelecida por governos anteriores, passou a observar uma limitação clara no que diz respeito aos interesses nacionais chineses. Isso significa que, agora, Beijing deixou de atuar como um simples observador para ter um papel mais proativo no cenário internacional. A proatividade chinesa na tentativa de ampliar seu poder brando e de promover um revisionismo brando do sistema internacional, posicionando-se como liderança entre os países em desenvolvimento fez com que o país conseguisse ampliar o mercado de consumo e a fonte de matérias primas para a sua indústria. Dessa forma, a China deixou de limitar-se à Ásia, onde ampliou seus investimentos, o que tornou possível a superação dos Estados Unidos como o maior investidor na região, para ampliar sua participação em outras áreas do globo com países em desenvolvimento, como a América Latina e África. Com o objetivo de manter sua posição central na região da Ásia-Pacífico os Estados Unidos iniciaram uma estratégia de contenção da China, a partir do seu ingresso no TPP e o estabelecimento neste de normas de propriedade intelectual extremamente rígidas de modo que fossem impeditivas à adesão por parte de Beijing. A percepção da política estadunidense para a região fez com que Xi Jinping adotasse uma política externa cujo objetivo principal fosse afastar da Ásia-Pacífico qualquer tipo de ingerência externa, propondo uma área de livre comércio que contou com amplo apoio dos países vizinhos. Com a ampliação da presença chinesa entre países em desenvolvimento, a América Latina tornou-se o segundo destino de investimentos chineses no mundo, sendo o maior na área de hidrocarbonetos. O interesse chinês na América do Sul pode ser analisado com base 81

em três justificativas: ser uma fonte de matérias primas para abastecer sua indústria, possuir um grande mercado consumidor para seus produtos e firmar alianças estratégicas que facilitem o seu caminho para tornar-se uma grande potência. Contudo, cabe avaliar quais os desafios e as oportunidades de uma aliança com Beijing para os países sulamericanos, em especial, o caso do Brasil, enquanto potência regional e ator proeminente no sistema internacional, tema que será aprofundado no próximo capítulo.

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4. BRASIL E CHINA: ALIANÇA PROMISSORA COM INTERESSES CONFLITANTES

Uma das regiões em que a participação político, econômico e comercial da China ampliou-se significativamente foi a América do Sul, que passou a receber as maiores quantias de investimento chinês destinadas a hidrocarbonetos no mundo. Somado a isso, a busca por novos mercados consumidores fez com que seus produtos manufaturados inundassem as prateleiras de lojas sulamericanas representando uma ameaça à sobrevivência da indústria local. Por outro lado, as exportações de caráter exclusivamente primário extrativista repetem nas relações com a China a lógica da deterioração dos termos de troca que caracteriza as relações dos países em desenvolvimento com os do “Norte Global”. Este capítulo tratará da aproximação do Brasil e da China no âmbito dos BRICS, avaliando os interesses de cada um dos dois atores, as expectativas internacionais e seus resultados até o ano de 2014. Concluída a primeira parte, será feita uma análise sobre a política externa do governo Dilma Rousseff no que diz respeito à sua atuação no âmbito regional e a forma como a presidente prioriza a política doméstica à internacional, frustrando a expectativa dos países vizinhos sobre o Brasil. A partir do ponto de vista regional, é possível observar de que forma a inserção chinesa em sua região de influência direta, a América do Sul, representa um desafio a ser enfrentado pelo Brasil.

4.1. “ONE CANNOT MAKE ‘BRICS’ WITHOUT STRAW”

Desde o ano de 2001, economistas e cientistas políticos de todas as partes do mundo direcionaram sua atenção para um grupo de países que, segundo avaliações, seriam atores centrais na nova ordem mundial. O termo BRIC, acrônimo formado pelas iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China, foi introduzido pela primeira vez no relatório do economista Jim O’Neil, intitulado “Building Better Global Economic BRIC” (2001), conforme citado no segundo capítulo. O’Neil explica que o engajamento desses atores no sistema internacional foi um fator que definiria o papel que iriam desempenhar em um futuro globalizado, no qual seriam os tijolos (bricks) para a construção de uma economia moderna e plural. O caminho para chegar 83

a esses países passou pela observação de cada um deles. A abertura econômica da China somada à sua densidade demográfica e à habilidade de seus líderes sinalizava no final da década de 1990 que o país possuía todos os requisitos para tornar-se relevante no cenário global. A Índia, por outro lado, soube aproveitar-se da globalização, de sua demografia e da língua inglesa para utilizar a internet como meio de ampliar sua participação na terceirização de serviços e o mercado consumidor para seus produtos. A Rússia, após o fim da URSS, havia sido convidada a ingressar no G7, em 1997, para compor o G8 como sinalização de apoio às reformas para promover o livre mercado e a democratização (O’NEIL, 2012). A observação de que uma aliança entre esses três atores poderia ser promissora para a constituição de uma nova ordem mundial já havia sido feita antes do relatório de O’Neil. Em dezembro de 1998, Yevgeny Primakov, primeiro ministro russo em exercício de setembro de 1998 a maio de 1999, propôs, em viagem oficial à Índia, a criação de uma interação trilateral estratégica entre Rússia, Índia e China (RIC). Apesar de ter sido recebida em um primeiro momento com reservas pelos outros dois atores, logo o RIC aprofundaria-se para englobar interações econômica e políticas que incluíam coordenações para as reuniões da AGNU entre 2003 e 2005 (PRIMAKOV, 2002). A partir de então, aprofundou-se a institucionalização, com reuniões entre ministros de relações exteriores e reuniões de alto nível entre seus líderes, até que, em outubro de 2007, foram definidas direções de interação, cada uma supervisionada por um dos membros, cujas principais são: agricultura (China), prevenção e eliminação de impactos de desastres naturais (Rússia) e sistema público de saúde (Índia) (LUKIN, 2013). A última peça do quebra-cabeça seria o Brasil, que, ainda que sua adição ao grupo não tenha sido uma decisão automática de O’Neil, ao final dos anos 1990 já apresentava uma estabilidade econômica e uma ampliação de sua participação internacional, que o distanciavam da instabilidade que assolava a América Latina (O’NEIL, 2013). De fato, a década de 1990 havia alterado a forma como o Brasil planejava sua política internacional, enquanto tentava afirmar-se como um global trader, reforçou as relações com seus parceiros tradicionais72, estimulou a integração regional, buscou o multilateralismo como fonte de legitimidade e promoveu uma renovação de credenciais, cujo objetivo era de desvincular a imagem do país daquela construída durante os regimes militares, buscando uma atuação mais cooperativa e participativa em temas como Direitos Humanos, meio ambiente e não proliferação de armas nucleares.                                                                                                                           72

São considerados parceiros tradicionais brasileiros Estados Unidos, Europa e Argentina não só pelo histórico de trocas comerciais, mas também pela prioridade que temas que envolvam estes atores recebem historicamente na política externa brasileira.

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Apesar da maxi-desvalorização do Real e da instabilidade interna em 2002 causadas pelo medo de que Lula pudesse afetar a estabilidade macroeconômica alcançada, o início dos anos 2000 trouxeram novas bases para a política externa, com uma diversificação de parcerias, como, por exemplo, quando o país engajou-se na aproximação daqueles que futuramente formariam, junto com ele, os BRICS. De fato, a redução de embaixadas brasileiras no exterior fez com que, ainda nos anos 1990, o país passasse a focar sua atuação em áreas que acreditava ser vitais para a ampliação de seu reconhecimento internacional, estabelecendo cinco eixos prioritários. Os três eixos tradicionais, correspondentes às parcerias históricas brasileiras, dizem respeito ao Mercosul, aos Estados Unidos e à Europa, além desses, o governo estabelece outros dois eixos prioritários para a política internacional brasileira, o primeiro é o do Pacífico, centrado no Japão, e o segundo é o das potências regionais, que engloba justamente os países que posteriormente se agrupariam nos BRICS, Rússia, Índia, China e África do Sul (LESSA, 1998). Aproximar-se de outros grandes atores regionais sinalizava para o Brasil uma perspectiva de ampliação de sua visibilidade no cenário internacional, considerando a percepção da limitação do seu poder, imposta por sua posição de potência média no sistema internacional. Aproximar-se de outros países que se encontrassem no mesmo patamar consistia na estratégia ideal para ampliar seu protagonismo e, ao mesmo tempo, defender seus interesses nacionais. A China já vinha aprofundando sua relação com o Brasil desde a década de 1980, em artigo de 1998 Lessa destaca “a cooperação em setores de infra-estrutura, energia, matérias primas, indústria pesada, e, mais recentemente, na área espacial” (1998, p. 38). Essa última, fruto de um acordo de parceria para a construção de dois satélites avançados de sensoriamento remoto, firmado em 1988, daria origem ao Programa CBERS (Satélite SinoBrasileiro de Recursos Terrestres) e lançaria o primeiro satélite sino-brasileiro, CBERS-1, em 14 de outubro de 1999.73 As articulações com a Rússia para o estabelecimento de uma parceria estratégica vinham sendo aprofundadas desde 1994, por intermédio do então chanceler, Celso Amorim, contudo, somente em outubro de 1997, com a vinda de Primakov, chanceler russo na época, ao Brasil, os dois países aprofundaram sua aproximação e firmaram acordo para a constituição da Comissão Brasileiro-Russa de Alto Nível de Cooperação. Segundo Bacigalupo, Primakov “ponderava que o reinício das relações com Brasil era importante não somente por causa da posição ‘preponderante’ que o país ocupa na América Latina, mas                                                                                                                           73

Para maiores informações sobre o projeto, acessar .

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também pelas condições atuais de globalização depois de muitos anos de Guerra Fria” (2000, p. 66). No mesmo período, a Índia havia se tornado uma importante aliada nos fóruns multilaterais, principalmente no que diz respeito à regulação do comércio internacional. Liderança histórica do Movimento dos Países Não Alinhados (MNA), a Índia estabeleceu desde a década de 1960 uma estratégia de política externa pautada pelos ideais de desenvolvimento econômico, combate à pobreza e luta pela descolonização. Durante o início das negociações sobre agricultura no âmbito da Rodada Doha da OMC, iniciada em novembro de 2001, Brasil e Índia foram habilidosos ao articular os países em desenvolvimento em torno de uma única coalizão, o G20, com o objetivo de conter a proposta oriunda dos Estados Unidos e da Europa, ainda que dois países discordem com relação à liberalização dos mercados para produtos agrícolas (MIRANDA, 2000). A atuação conjunta dos países do “Sul Global” fez com que o Programa de Trabalho de Doha apresentasse uma dimensão social do comércio, evidenciando sua insatisfação com a forma como o comércio internacional refletia os interesses dos países desenvolvidos. Por fim, a África do Sul tornaria-se um importante aliado do Brasil no continente africano com o fim do apartheid e a redemocratização do país. Sua importância é ampliada a partir da percepção do Atlântico Sul como uma área estratégica aos interesses brasileiros, passando a fazer parte da sua estratégia de segurança. A África passa a ser a fronteira oeste da América do Sul e a preocupação crescente com a presença de atores externos da região fez com que surgisse, ainda em 1986, a ZOPACAS. Mais recentemente, no âmbito do Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), os três países deram início em 2008 a uma série de operações navais IBSAMAR (India-Brazil-South Africa Maritime) para monitorar cargas perigosas transportadas no Atlântico Sul. Contudo, a interação com esses países seria ampliada com a consolidação do arranjo político inspirado nas predições de que os quatro países, que posteriormente adicionariam o membro africano, seriam os tijolos para a construção da nova ordem mundial. A primeira Cúpula do BRIC ocorreu em 16 de junho de 2009, suscitando ceticismo por parte de alguns analistas internacionais que viam o arranjo como artificial e desigual, que se aproveitou de um conceito criado por um banco de investimentos para obter visibilidade, enquanto outros acreditavam na possibilidade de “reequilibrar e democratizar a ordem internacional”, conforme expressava o próprio governo brasileiro74. A cúpula planejava tratar de temas                                                                                                                           74

Ver SALEK, S. Líderes dos BRICs fazem primeira reunião. BBC Brasil, Ecaterimburgo, 16 jun. 2009. Disponível em: .

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relacionados à crise econômica internacional, pleiteando uma reforma das instituições financeiras internacionais e, inclusive, incluindo na pauta a proposta chinesa de busca por uma alternativa ao dólar75. A declaração conjunta restringiu-se a almejar um “sistema monetário internacional estável, previsível e diversificado”.76 Apesar do engajamento brasileiro ao propor a introdução da utilização das moedas locais nas trocas comerciais bilaterais77, a declaração evidenciou o receio chinês em comprometer-se com alterações mais bruscas que impactassem no dólar e, consequentemente no valor de suas reservas depositadas em títulos do tesouro estadunidense. Entretanto o grupo já demonstrava em sua primeira cúpula um direcionamento na busca por um revisionismo brando de instituições internacionais, citando o FMI78, o Banco Mundial e a ONU entre aquelas que necessitavam de uma adequação a fim de refletir em seus processos de decisão a importância que novos atores haviam adquirido no cenário internacional. Tornava-se evidente que o protagonismo no sistema internacional tinha como pano de fundo os interesses econômicos de cada país. Segundo Monica Hirst, “as expectativas econômicas que levaram à criação do bloco [BRIC] são a razão central porque China e Brasil compartilham interesses em foros multilaterais específicos, reforçando a ideia de que ambos são percebidos pelo Norte como jogadores importantes na agenda econômica global” (2008, p. 93 - tradução nossa). A emergência dos países do BRIC trouxe consigo a expectativa do surgimento de uma nova ordem mundial mais igualitária e plural, refletida, inclusive, na pluralidade de orientações políticas observadas entre os Estados do grupo, indo de encontro à lógica chamada de “unipolar” que estabelece regras político-econômicas a serem seguidas. A busca por uma maior pluralidade por parte do grupo levou ao ingresso de um país africano na III Cúpula dos BRICS, em 14 de abril de 2011, agora com um S no final, referente à África do Sul. A adição fez com que Jim O’Neil afirmasse que “no que diz respeito aos critérios econômicos é difícil para [ele] pensar na África do Sul como um genuíno BRIC. É até mesmo difícil considerar a África do Sul um Mercado em Crescimento” (2013, p. 118),                                                                                                                           75

Ver PEIXOTO, F. Tema da reunião dos BRIC, substituição do dólar é vista com ceticismo. BBC Brasil, Brasília, 16 jun. 2009. Disponível em: . 76 Ver SALEK, S. BRICs vão discutir proposta brasileira de comércio sem dólar. BBC Brasil, Astana, 17 jun. 2009. Disponível em: . 77 Idem. 78 Cabe ressaltar que a reforma de cotas e governança do FMI foi aprovada desde 2010, contudo, para que seja implementada, é necessário que sua aprovação atinha 85% dos votos. Esse total é inviabilizado devido à inatividade do Congresso dos Estados Unidos em apreciar a matéria, considerando que o país é responsável por quase 17% do poder de voto. Ver LAMUCCI, S. Reforma de cotas do FMI é “necessidade absoluta” diz Lagarde. Valor Econômico, Washington, 9 out. 2014. Disponível em: .

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porém, o próprio autor reconhece a relevância política do ato, devido à sua importância regional. A escolha de um país africano é simbólica para ampliar a representatividade do bloco, considerando-o como uma liderança regional capaz de unificar as demandas de seus vizinhos. O debate sobre o pertencimento da África do Sul viria a ser ampliado quando uma revisão nos cálculos para medição do PIB da Nigéria fez com que ele quase dobrasse em 2013, passando a possuir, não só 20% da população do continente, mas também a maior economia.79 Somado ao peso político que o continente possui internacionalmente, a disputa por sua matéria-prima, que desencadeou uma “nova partilha da África”, seria mais fácil com um aliado interno. A África do Sul não só é um dos principais destinos de investimento no continente, como também investe em diversos países vizinhos, além de possuir laços comerciais e políticos prévios com os países do grupo, argumentos que, por si só justificam a escolha e a inclusão do país nos BRICS. O ingresso da África do Sul, a revelia das recomendações de O’Neil somada à imobilidade do grupo no que diz respeito à sua institucionalização, à desaceleração das economias do arranjo, em especial a brasileira, que começaram a sofrer impacto direto das políticas expansionistas dos países desenvolvidos com o objetivo de desvalorizar suas moedas para baratear seus produtos exportados, causando o que o governo chamaria de “tsunami monetário”80, e à paralisia política indiana começavam a suscitar dúvidas sobre se a heterogeneidade entre seus membros impediria que o grupo exercesse a relevância esperada. Porém, as novidades apresentadas na Cúpula de 2011 não se limitaram ao ingresso da África do Sul, uma vez que os quatro países defenderam, pela primeira vez em conjunto, a reforma do CSNU e a ampliação da participação de Brasil, Índia e África do Sul81. A declaração custou uma grande habilidade de negociação com a China, resistente ao ingresso da Índia no CSNU, por ser uma concorrente na liderança regional, assim como por ser contrária ao ingresso do Japão, que compõe juntamente com Brasil, Índia e Alemanha um grupo que pleiteia uma inclusão entre as cadeiras permanentes. Por outro lado, ampliar o número de cadeiras permanentes no órgão significa para China e Rússia que haverá uma                                                                                                                           79

Ver NIGÉRIA ultrapassa África do Sul como maior economia africana. Folha de São Paulo, São Paulo, 6 jun. 2014. Disponível em: . 80 Ver SODRÉ, I. Dilma retoma críticas a países ricos, mas evita citar 'tsunami monetário’. BBC Brasil, Nova Déli, 28 mar. 2012. Disponível em: . 81 Ver SCOFIELD JR. G. BRICS pedem mudanças no Conselho de Segurança da ONU. O Globo, Sanya, 14 abr. 2011. Disponível em: .

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diluição do seu poder dos atuais permanentes. Isso pode significar que o poder relativo dos dois países pode vir a diminuir, caso os países ingressantes venham a contrapor suas posições, ou aumentar, caso consigam articular uma coalisão forte quando os interesses coincidirem. Uma institucionalização mais aprofundada do grupo só ocorreria na VI Cúpula, em 15 de julho de 2014, em Fortaleza, com a constituição do Arranjo Contingente de Reservas (CRA) e do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). A proposta de criação de um Banco de Desenvolvimento dos BRICS já havia surgido na IV Cúpula, em 29 de março de 2012, em Nova Déli, na época, com uma previsão de implantação de três anos82. A percepção de que o pleito de revisão do sistema financeiro internacional não seria contemplado, devido à recusa do Congresso estadunidense em aprovar a reforma de cotas e governança do FMI, fez com que os países decidissem acelerar o processo e criar suas próprias instituições financeiras, em contraposição às instituições que ainda refletem a lógica de Bretton Woods. A primeira diferença da estrutura criada pelos BRICS da já representada no FMI e no Banco Mundial estaria relacionada à falta de uma condicionalidade atrelada à concessão de crédito, assim como o interesse expresso pelos países membros de reduzir a dependência do dólar.83 Com um capital inicial de US$100 bilhões, o CRA será um suporte para as economias dos países membros e de outros emergentes que enfrentam períodos de crises. A Declaração de Fortaleza, em seu artigo 20, acrescenta que ele “terá efeito positivo em termos de precaução, ajudará países a contrapor-se a pressões por liquidez de curto prazo, promoverá maior cooperação entre os BRICS, fortalecerá a rede de segurança financeira mundial e complementará arranjos internacionais existentes”84. A defesa de uma estabilidade financeira mundial está diretamente relacionada à estratégia utilizada pelos países desenvolvidos em um primeiro momento de aumentar a liquidez de suas moedas no mercado internacional, depreciando o seu câmbio e tornando seus produtos mais competitivos do que os produzidos em países emergentes, prática que ameaça a saúde econômica de países do “Sul Global”. De acordo com o 11º ponto da Declaração de Fortaleza, o propósito do NDB é de “mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos BRICS                                                                                                                           82

Ver SODRÉ, I. Brics discutem criação de Banco de Desenvolvimento em cúpula da Índia. BBC Brasil, Nova Déli, 27 mar. 2012. Disponível em: . 83 Uma ação tomada em direção à redução da necessidade do dólar ocorreu na IV Cúpula dos BRICS, de Nova Déli, quando os países aboliram a necessidade da moeda estadunidense para financiamento de comércio e investimento em suas relações. Ver SODRÉ, I. Brics assinam acordo de investimento e comércio em moedas locais. BBC Brasil, Nova Déli, 29 mar. 2012. Disponível em: . 84 Ver BRICS. Declaração e Plano de Ação de Fortaleza (2014). Fortaleza: VI Cúpula do BRICS, 15 jul. 2014. Disponível em: .

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e em outras economias emergentes e em desenvolvimento”85. A partir dessa afirmação os países membros reafirmam seu compromisso com a cooperação Sul-Sul e ampliam para todos os países do “Sul Global” a possibilidade de adquirir crédito do NDB para impulsionar suas economias. O artigo acrescenta:

“Com fundamento em princípios bancários sólidos, o Banco fortalecerá a cooperação entre nossos países e complementará os esforços de instituições financeiras multilaterais e regionais para o desenvolvimento global, contribuindo, assim, para nossos compromissos coletivos na consecução da meta de crescimento forte, sustentável e equilibrado.”86

A partir dessa afirmação, o grupo associa o NDB às instituições do atual sistema financeiro internacional, nominalmente FMI e Banco Mundial, os quais são alvos de críticas constantes dos BRICS em razão de sua lentidão no processo de reforma de suas cotas. Juntamente ao CRA, o NDB apresenta-se como uma alternativa aos países emergentes que buscam crédito mas que não estão dispostos a submeter-se aos requisitos exigidos pelas instituições tradicionais. Na América do Sul, a Argentina seria uma forte candidata a pedir um empréstimo com o objetivo de equilibrar sua economia e saldar sua dívida, que já gerou uma prolongada disputa com os “fundos abutres” pela renegociação do pagamento dos títulos, tema que será aprofundado posteriormente. Contudo, ao observar os movimentos orquestrados ao longo de 2014 pela maior das economias dos BRICS e responsável por 40% do aporte de US$ 100 bilhões do capital inicial subscrito do NDB, surge o questionamento quanto à relevância que o órgão alcançará e, até mesmo, ceticismo quanto à sua concretização. As dúvidas quanto ao Banco dos BRICS surgem antes mesmo de sua criação, após a China apresentar, em junho de 2014, a sua iniciativa de criação do AIIB, tratado no terceiro capítulo. Apesar de focado exclusivamente na Ásia, o AIIB e o NDB possuem os mesmos objetivos, de aprofundar a cooperação Sul-Sul, financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento, o que a primeiro momento pode soar como dois projetos concorrentes. Surge então o questionamento sobre qual a razão da China investir em um novo banco de investimento em desenvolvimento se já havia uma iniciativa apresentada previamente e que suscita questionamentos sobre a concorrência entre os dois projetos? A apresentação de uma instituição cujo objetivo é o de contrapor-se ao sistema financeiro estabelecido pela hegemonia estadunidense simboliza o desacordo chinês com as                                                                                                                           85 86

Idem. Ibidem.

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regras impostas pelas instituições hegemônicas e que, após tentar alterá-las, desistiu de esperar um reconhecimento legítimo de sua nova posição na economia internacional e optou por lançar a sua própria instituição. Porém, por ser uma iniciativa exclusiva da China, o AIIB assumia o risco de sofrer uma retaliação da comunidade internacional caso essa não se apresentasse disposta a contrariar os interesses da potência hegemônica ao ingressar na nova instituição. Lançar o NDB, que já vinha sendo esboçado pelos BRICS desde 2012, se apresentaria como uma iniciativa mais abrangente e que, por ser parte de uma instituição de coordenação e cooperação, teria a sua responsabilidade diluída entre os outros membros, ainda que tivesse sua sede fixada em Shanghai. Entretanto, a diluição da responsabilidade sobre o NDB não significa apenas maior respaldo no sistema internacional, por estar fundado com base nas quatro maiores economias emergentes do mundo, também significa divisão do poder político emanado pelo Banco dos BRICS. Apesar de ser o maior ator dentro dos BRICS e ser percebido como tal, isso não significa para a China que será ela a emanar a maior influência política a partir do banco. Somado a isso, a eleição do nacionalista Manmohan Singh, em maio de 2014, na Índia, pode vir a significar uma alteração na forma como o vizinho asiático relaciona-se com a maior economia da região. Caso bem sucedido, um banco de fomento ao desenvolvimento de iniciativa exclusiva chinesa apresenta-se como muito mais atraente para Beijing do que outro no qual faz-se necessário negociar o direcionamento político e econômico da instituição com Brasília, Moscou, Nova Déli e Pretória. Por outro lado, isso não significa que uma possível redução do interesse da China pelo NDB possa levar ao seu fracasso. Apesar do AIIB possuir uma maior possibilidade de ingerência por parte do governo chinês, a maior abrangência do Banco dos BRICS faz com que suas possibilidades de atuação sejam maiores, assim como sua visibilidade. Além disso, o interesse dos outros BRICS na promoção da cooperação Sul-Sul, como é possível observar a partir de iniciativas unilaterais de cada um deles, demonstra que a criação do NDB não é uma iniciativa de interesse exclusivo chinês. No caso brasileiro, por exemplo, cabe ressaltar sua influência não só na América do Sul, mas também na África, institucionalizada por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), parte do Ministério das Relações Exteriores, e do BNDES (CABRAL; WEINSTOCK, 2010). Inspirada pela iniciativa da África do Sul que realizou uma reunião dos líderes africanos com os BRICS na V Cúpula, Dilma convocou uma reunião da UNASUL junto ao grupo, marcada para o dia 16 de julho de 2014. Associando os objetivos buscados pelos dois agrupamentos para “um desenvolvimento justo e equilibrado e uma projeção global autônoma 91

e soberana”87, a presidente soube utilizar do interesse dos BRICS na cooperação Sul-Sul para reafirmar o seu papel de liderança entre os vizinhos e, ao mesmo tempo, apresentar-se como ponte para o acesso de China, Índia e Rússia à América do Sul. Contudo, apesar da atitude de liderança apresentada pelo governo brasileiro durante a VI Cúpula dos BRICS, o governo Dilma vem tendo uma papel aquém do esperado no que diz respeito à sua política externa, em especial às relações regionais, tema que será aprofundado a seguir.

4.2. “PODERES CÓSMICOS E FENOMENAIS DENTRO DE UMA LAMPADAZINHA”

Conforme apresentado no segundo capítulo, a estratégia utilizada pelo Brasil a partir do primeiro governo Lula da Silva e que serviu como norteadora de sua política externa foi o “novo protagonismo mundial”, com o que o ex-chanceler Celso Amorim chamou de política externa ativa e altiva. Este capítulo, porém, será focado nos quatro anos posteriores à saída de Lula do governo, uma vez que, com a chegada de Dilma Rousseff à presidência, mudaram-se as prioridades e o estilo de governar, ainda que se mantivesse o PT no poder. Desde que assumiu o governo, Dilma imprimiu na política nacional o seu modo próprio de governar e suas preferências pessoais. Isso fez com que áreas destinadas a programas sociais ganhassem um maior destaque, enquanto a política externa foi relegada a segundo plano. A análise partirá da política regional, a qual, no modelo anterior de xadrez tridimencional projetado por Lula, servia como base para toda a política externa. Os primeiros sinais de que a comunicação do governo Dilma com o Itamaraty não estava bem ocorreram em junho de 2012, em razão do episódio em que o Senado paraguaio decidiu em menos de 24 horas pelo impedimento do então presidente do país, Fernando Lugo (2008-2012) em um julgamento rápido e repleto de questionamentos sobre sua constitucionalidade. A situação começou a tomar forma no dia 15 de junho, após um conflito na desocupação de uma fazenda na cidade de Curuguaty que terminou com a morte de 11 sem-terras e seis policiais. O governo, que vinha observando a redução de sua base de apoio no legislativo, teve seu destino decidido quando o vice-presidente, Frederico Franco Gómez, e o seu partido, o Partido Liberal Radical Autêntico, retiraram o apoio a Lugo. O processo de                                                                                                                           87

Ver MATOSO, F. Dilma defende relação 'permanente' entre Brics e países sul-americanos. Globo, Brasília, 16 jul. 2014. Disponível em: .

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deposição, que chegaria ao seu ápice no dia 22 de junho, surpreendeu a presidente brasileira, quando em uma reunião da Rio+20 ela foi alertada sobre a situação paraguaia pela mandatária argentina, Cristina Kirchner. O fato que gerou profundas críticas por parte da mídia nacional, como foi o caso do editorial de O Globo de 29 de junho de 2012, que chamou de “sério equívoco diplomático” o fato de “o Brasil aceit[ar] ser terceirizado no contra-ataque ao [Senado do] Paraguai”88. Um pouco menos agressivo, mas igualmente crítico ao desconhecimento por parte da presidente, o editorial do Estadão de 2 de agosto de 2012 que culpou o “estilo centralizador de Dilma” e suas “famosas reações intempestivas” a assuntos que ela não julgue relevantes pelo fato do Itamaraty e da Agência Brasileira de Informação (Abin) não terem levado os relatórios produzidos ao conhecimento da presidente89. A deposição culminaria na suspensão do Paraguai do Mercosul, definida na 43ª Cúpula do bloco, em 29 de junho, com base na cláusula democrática, o qual duraria até que ocorressem novas eleições democráticas no país, uma sanção exclusivamente política, sem impactos econômicos que pudessem afetar a sociedade paraguaia. O episódio desencadearia na incorporação da Venezuela ao Mercosul, ainda na 43ª Cúpula. A inclusão à revelia da aprovação do Congresso paraguaio foi possível por esta já ter sido aprovada anteriormente nos legislativos dos outros membros, restando apenas o Paraguai para consolidar a ampliação do bloco. Não só o contexto do ingresso, assim como a própria entrada da Venezuela foram extremamente criticadas pela imprensa nacional e internacional que questionou a legitimidade do ato, aludindo que ela teria natureza exclusivamente ideológica e desconsiderando os ganhos econômicos que os 30 milhões de consumidores e as reservas de petróleo venezuelanas trariam para o bloco. Apesar de autorizado o retorno do Paraguai ao Mercosul após a eleição de Horacio Cartes, em agosto de 2012, o presidente preferiu aguardar que o Congresso do país apreciasse o ingresso antes, evitando o alongamento da crise diplomática, o que ocorreu em 18 de dezembro de 2013.90 Todo o processo envolvendo o Paraguai já seria o primeiro sinal de que a atenção do governo brasileiro para a política externa estava reduzida. Porém o episódio não foi o único que evidenciou a redução da atenção dispendida pelo governo brasileiro à política regional.                                                                                                                           88

Ver NOBLAT, R. O Mercosul sob influência chavista. O Globo, Rio de Janeiro, 29 jun. 2012. Disponível em: . 89 Ver DILMA no escuro. O Estado de São Paulo, São Paulo, 2 ago. 2012. Disponível em: . 90 Ver CONGRESSO paraguaio aprova entrada plena da Venezuela no Mercosul. Globo, 18 dez. 2013. Disponível em: .

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Abreu e Florêncio (2015) destacaram que a estratégia brasileira a partir do Mercosul é de “promover o regionalismo aberto no plano comercial e de investimento, bem como ampliar a influência político-estratégica regional e internacional do país”, contudo, esses dois objetivos ficaram longe de serem alcançados no primeiro mandato de Dilma. Antes mesmo do impeachment de Lugo, o mês de junho de 2012 trouxe uma amarga derrota à política externa brasileira e ao Mercosul como um todo, com a formalização da Aliança do Pacífico entre Chile, Colômbia, México e Peru. Firmada em 6 de junho de 2012, a Aliança do Pacífico representou um profundo fracasso do projeto brasileiro de integração sul-americana, contrapondo um projeto liberalizante, exclusivamente comercial, ao do Mercosul, institucionalizante, com integração produtiva, interação política, consciência social e participação da sociedade civil. O próprio governo chileno declarou-se insatisfeito com o afastamento do governo brasileiro da política sul-americana, após recusa da presidente a um convite para uma visita bilateral91. Contudo, a associação do Peru à Aliança do Pacífico é o principal fator que evidencia o enfraquecimento do poder brasileiro na região, após o país ter passado por uma eleição presidencial, em 2011, em que o candidato vitorioso, Ollanta Humala (2011-atual) , tentou vincular sua imagem à do ex-presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.92 Somado a isso, a decisão peruana de comprar aeronaves militares KT-1P da Coreia do Sul, em detrimento da Embraer, com quem vinha negociando a compra de aviões Super Tucano desde 200993 e tendo, inclusive assinado, em fevereiro de 2012, dois memorandos de cooperação em programas de desenvolvimento industrial nas áreas aeronáutica e naval94, surpreendeu o governo brasileiro, abalando a relação entre os dois países. A decisão veio após Peru e Coreia do Sul firmarem um acordo de livre comércio em agosto de 201195 e inclui a transferência de tecnologia necessária para que o país comece a produzir aviões de instrução

                                                                                                                          91

Ver CARMO, M. Sul-americanos se queixam de estilo 'distante' de Dilma. BBC Brasil, Buenos Aires, 6 dez. 2012. Disponível em: . 92 Ver GUALDONI, F. Ollanta Humala, la transformación del Lula peruano. El País, Lima, 4 jun. 2011. Disponível em: .   93 Ver SILVEIRA, V. Peru negocia tanques da China e aviões da Embraer. Valor Econômico, São Paulo, 10 dez. 2009. Disponível em: . 94 Ver LAGUNA, E. Força aérea do Peru pode comprar dez aviões da Embraer, diz Amorim. Valor Econômico, São Paulo, 14 fev. 2012. Disponível em: . 95 Ver WESTPHALEN, A. L. Coreia do Sul e Peru anunciam acordo bilateral de livre comércio. Valor Econômico, São Paulo, 31 ago. 2011. Disponível em: .

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básica96. A decisão peruana de trocar a proposta brasileira pela sul-coreana pode ter sido a razão por trás da ausência da presidente Dilma Rousseff na reunião da Unasul, de 30 de novembro de 201297. A ausência de Dilma em uma reunião da Unasul, um processo de integração proposto pelo próprio governo brasileiro e que inclui todos os países do continente, evidencia a redução da relevância da política de integração regional dentro das políticas governamentais. Entretanto, seja pela percepção da importância da integração regional, pela resistência internacional que o ingresso da Venezuela trouxe ao Mercosul, ou pela redução da influência brasileira em controvérsias sul-americanas, o Brasil começou a apresentar sinais de interesse pelo arranjo que, inicialmente, era visto como concorrente ao seu projeto para a América do Sul. Uma evidência disso foi a iniciativa brasileira, em agosto de 2014, de propor aos países da associação que se antecipasse a implementação da tarifa de imposto zero para o comércio do bloco com Chile, Colômbia e Peru, prevista inicialmente para 2019.98 O próprio retorno de Michelle Bachelet à presidência chilena, em 11 de março de 2014, após os quatro anos de governo de orientação político-econômica mais liberal de Sebastián Piñera (2010-2014), simbolizou o regresso do governo a uma orientação mais progressista. A reaproximação do Chile com o Brasil ultrapassa o argumento simplista da afinidade ideológica entre as duas presidentes, retomando uma aproximação histórica com um país que possui o maior mercado consumidor, a maior economia e o maior destino de IED de toda a América Latina, e o quarto maior do mundo99. O principal sinal da intenção de reaproximação por parte do governo chileno foi dado em 24 de novembro de 2014, quando Bachelet promoveu uma reunião inédita entre Ministros das Relações Exteriores e do Comércio do Mercosul e da Aliança do Pacífico em Santiago100. As iniciativas conjuntas de Brasil e Chile podem vir a simbolizar uma esperança de reunificação das estratégias de                                                                                                                           96

Ver PERÚ iniciará industria aeronáutica con apoyo de Corea del Sur. El Comercio, Lima, 11 nov. 2012. Disponível em: . 97 Ver CARMO, M. Op. cit. 98 Ver MATOSO, F. Brasil quer que Mercosul antecipe tarifa zero para Chile, Peru e Colômbia. Globo, Brasília, 24 ago. 2014. Disponível em: . 99 Diferentemente da matéria apresentada pelo jornal O Estado de São Paulo, o Brasil pode ser considerado o quarto destino de IEDs no mundo devido ao fato de Hong Kong, listada como um país pelo jornal, ser uma região administrativa especial, devolvida à China em 1997. Sobre os maiores destinos de investimento de 2014, ver CHADE, J. Pela 1ª vez, China supera EUA como maior destino de investimentos. O Estado de São Paulo, Genebra, 29 jan. 2015. Disponível em: . 100 Ver MERCOSUL e Aliança do Pacífico buscam pontos de convergência. Globo, 24 nov. 2014. Disponível em: .

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integração da região, basta que, para isso, a política regional volte a desempenhar um papel de destaque nas políticas do governo Dilma. Entretanto, a perspectiva de aproximação entre duas iniciativas de integração regional, Mercosul e Aliança do Pacífico, suscita um importante questionamento sobre qual seria o papel desempenhado pelo México nesse cenário. Incluir o país norte-americano nas negociações significaria para o Brasil aceitar um livre-comércio indireto com os Estados Unidos, uma vez que o México faz parte do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA)101. A crítica não está direcionada a um possível acordo de comércio que envolva Brasília e Washington, o próprio governo brasileiro já apresentou interesse na aproximação, com assinatura de acordos de cooperação, dos quais podem ser citadas as áreas aeroespacial, biocombustíveis e educação102. Contudo, um acordo indireto, via México, abriria o mercado brasileiro a produtos estadunidenses de forma unilateral, sem uma negociação prévia capaz de contemplar a entrada de produtos do primeiro no segundo, principalmente em setores em que o governo Obama limita o ingresso por meio de políticas protecionistas. O último e principal desafio para a política regional brasileira está relacionada à Argentina, terceiro maior parceiro comercial do Brasil e segunda maior economia da América do Sul, que passaria nesses quatro primeiros anos de governo Dilma por uma das piores crises econômicas de sua história. Para uma compreensão da atual crise do país platino faz-se necessário regressar às políticas econômicas praticadas pelo governo Carlos Menem (19891999) e, subsequentemente, Fernando de la Rúa (1999-2001). O final da década de 1990 trouxe consigo uma série de choques econômicos à países em desenvolvimento que adotaram para si as políticas econômicas neoliberais recomendadas pelo Consenso de Washington. Iniciada com a crise mexicana, de 1994, o “efeito tequila” espalhou-se atingindo os tigres asiáticos em 1997, a Rússia, em 1998, e, até mesmo, a maxi-desvalorização do Real, a qual teria forte influência na economia argentina. Com o objetivo de promover “relações carnais”103 com os Estados Unidos, e orientado pelos preceitos neoliberais, o governo Menem promoveu a desregulamentação da economia, a privatização de empresas nacionais e a liberalização comercial e financeira. O alinhamento incondicional e ideológico a Washington levou o Ministro da Economia, Domingo Cavallo a anunciar um plano de conversibilidade, em 1991, garantindo a                                                                                                                           101

O NAFTA é um acordo de livre-comércio em vigor desde 1º de janeiro de 1994, do qual fazem parte os Estados Unidos, o México e o Canadá. 102 Ver DUARTE, P.; WEBER, D. Brasil e EUA assinam 10 acordos bilaterais. O Globo, Brasília, 19 mar. 2011. Disponível em: . 103 Essa foi a forma como o chanceler argentino do governo Menem, Guido di Tella, caracterizou as relações que desejava ter com os Estados Unidos.

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paridade do peso argentino com o dólar por lei, inclusive autorizando a circulação do dólar como moeda corrente, com o objetivo de controlar a inflação. Até então, a economia argentina contava com o dinheiro das privatizações e com o crédito disponível externamente, porém, a crise mexicana logo mudaria o ânimo dos credores internacionais com os países emergentes, levando o país a uma severa recessão, que logo levou à renúncia de Cavallo. As subsequentes crises em países em desenvolvimento agravariam ainda mais a resistência ao risco por parte dos credores. No Brasil, o cenário semelhante de esgotamento dos recursos provenientes das privatizações, combinada às elevadas taxas de juros e a redução do crédito internacional levaram o governo Fernando Henrique Cardoso a abandonar a estratégia do câmbio valorizado após a reeleição de 1998. O abandono da estratégia inaugurada com o plano Real do câmbio semi-fixo, em janeiro de 1999 fez com que o real sofresse forte desvalorização frente ao dólar, impactando diretamente no comércio com a Argentina, que mantinha sua moeda atrelada à moeda estadunidense. A eleição de Fernando de la Rúa, em 1999, em meio a uma crise política e econômica promove o retorno de Domingo Cavallo para o Ministério da Economia, em 2001, desta vez com “faculdades especiais ampliadas” pelo Congresso sob o argumento de salvar a estabilidade. Mantendo a paridade do peso com o dólar, logo, o ministro iniciou uma guerra contra a desvalorização do real, que ameaçava a indústria argentina, incapaz de concorrer com os preços reduzidos dos produtos brasileiros. Cavallo chegou a alegar que o desempenho da moeda brasileira tinha como objetivo afetar o peso e que Buenos Aires devia desvincular sua imagem da de um país instável como o Brasil (CANDEAS, 2005). Pressionado pelas crises econômica, política e social pelas quais o país passava, de la Rúa renuncia, dando início a um período de doze dias em que cinco presidentes passaram pela Casa Rosada, até que Rodríguez Saá (2001-2001), concluindo que o país seria incapaz de pagar os títulos de suas dívidas, declarou o calote às dívidas contraídas com credores privados. Somente em janeiro de 2002 Eduardo Duhalde (2002-2003) é eleito pela Assembleia Nacional e põe fim à política de paridade do peso ao dólar, fazendo com que o peso se desvalorizasse em 70% e aumentasse a fuga de capitais. A economia logo voltaria a prosperar e, em consequência do apoio de Duhalde, Nestor Kirchner (2003-2007) seria eleito presidente na Argentina e iniciaria a renegociação da dívida em setembro de 2003. Recusada a primeira proposta, o governo apresenta outra em 2004, em que os títulos em moratória seriam trocados por novos, com o desconto de 75% e juros mais altos. A renegociação seria

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aprovada por 76,07% dos credores, reduzindo a dívida de US$ 191 bilhões (113% do PIB argentino) para US$ 125 bilhões (72% do PIB).104 Já no mandato de Cristina Kirchner (2007-atual), a Argentina lograria aprovar a segunda etapa da renegociação, ampliando para 93% o número de credores que haviam concordado com os novos termos. Contudo, permaneciam 7% dos credores que não haviam aceitado as propostas de renegociação do governo argentino, parte deles optou por vender seus títulos por uma fração do valor devido para fundos especializados em investimentos de risco (hedge). Em posse dos títulos, esses fundos deram ingresso na justiça dos Estados Unidos requerendo o pagamento integral dos títulos, tendo recebido a primeira decisão favorável em 2012. Com o aumento da fuga de capitais do país, parte da população recomeçou105, em 2011, a trocar pesos por dólares com o objetivo de acumular poupança. Isso fez com que o governo, em 24 de maio de 2012, começasse a controlar a compra de dólares para viagens ao exterior por meio da necessidade de preenchimento de uma declaração no sítio eletrônico da Administração Federal de Receitas Públicas (AFIP) para que se autorizasse a compra.106 O controle do governo aos gastos com dólar não parou no câmbio para viajantes, em dezembro de 2013, a Argentina aumentou o imposto sobre compras feitas em dólar no cartão de crédito, subindo de 20% para 35%107. Logo depois, em janeiro de 2014, após uma queda de 30% das reservas internacionais do país em 2013, foram as compras online que passaram por uma reforma nas regras, de modo a limitar cada cidadão à compras de até US$25,00 por ano, devendo ser paga uma taxa de 50% sobre todo o valor que ultrapassasse esse montante, além dos produtos deixarem de ser entregues em domicílio, devendo o comprador retirá-los na alfândega argentina108. Apesar das iniciativas do governo, a estratégia não foi suficiente para reter reservas em dólar no país, nem para conter a desvalorização do peso. Somado a isso, o impacto das restrições à compras em dólar não afetou somente a população, atingindo as                                                                                                                           104

Para maiores informações, ver CUCOLO, E. Argentina tem adesão de 76,07% dos credores na renegociação da dívida. Folha de São Paulo, São Paulo, 3 mar. 2005. Disponível em: . 105 A prática de acumular dólares para poupança era muito comum até 2002, quando havia paridade entre peso e dólar. 106 Para maiores informações sobre a restrição à compra de dólares na Argentina ver ARGENTINA amplia controle do dólar para viagens ao exterior. Globo, 24 mai 2012. Disponível em: . 107 Para maiores dados, ver ARGENTINA reforça controles cambiais para conter queda de reservas. Globo, 03 dez 2013. Disponível em: . 108 Para maiores informações, ver COM reservas em queda, Argentina restringe compras online. Globo, 22 jan 2014. Disponível em: .

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empresas locais. Esse conjunto de fatores fez com que, em 24 de janeiro de 2014, fosse liberada a compra de dólares para viagem e poupança, além de reduzir o imposto que inside sobre essas transações e sobre as compras em dólar no cartão de crédito ao patamar anterior, de 35% para 20%.109 Se a redução das reservas internacionais, necessárias para o país honrar suas dívidas, não fosse suficientemente grave para a situação econômica do país, o controle do comércio de dólar fez com que surgisse um mercado paralelo que variava com uma cotação muito acima da oficial praticada, impactando diretamente nos preços dos produtos. Como consequência, a inflação medida pelo Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec), órgão oficial do governo, para 2012 foi de 10,8%, valor que foi criticado por consultorias independentes argentinas, para quem a inflação anual foi superior a 25,6%. Com o objetivo de conter a inflação, a Secretaria de Comércio Interior e a Associação de Supermercados Unidos (ASU) entraram em um acordo, em fevereiro de 2013, para estabelecer uma cesta de 500 produtos que teriam seus preços congelados110. Somado a isso, a pressão da oposição combinada com a necessidade da presidente de se ausentar para drenar um hematoma cerebral a 20 dias das eleições legislativas de 27 de outubro de 2013 levaram o governo a sofrer uma grande derrota, perdendo nos principais distritos, inviabilizando uma reforma que permitisse uma nova reeleição em 2015.111 Diante do quadro instaurado, a Argentina encontrou-se diante de um impasse que o governo era incapaz de resolver sozinho, a crise econômica e política esta fora do controle e a credibilidade internacional do país encontra-se tão debilitada quanto em 2002. Contudo, diferentemente de 2002, quando empresas brasileiras foram capazes de investir na economia argentina em crise, auxiliando em sua reestruturação (CANDEAS, 2005), desta vez, o subdesempenho econômico do Brasil frusta as expectativas de Buenos Aires por ajuda. Nas vésperas para o pagamento das dívidas, a solicitação argentina por um posicionamento do Mercosul em favor de uma reforma do sistema financeiro internacional112, em 28 de julho de                                                                                                                           109

Ver GOVERNO argentino autoriza compra de dólares após queda do peso. Globo, São Paulo, 24 jan 2014. Disponível em: . 110 Ver NA Argentina, 500 produtos terão preços congelados e tabelados. Globo, São Paulo, 28 mai 2014. Disponível em: . 111 Ver APÓS afastamento, Cristina Kirchner retoma trabalho na Argentina. Globo, 18 nov 2013. Disponível em: . 112 Ver ARGENTINA pede que Mercosul busque reforma para impedir ações de fundos. Globo, 28 jul 2014. Disponível em: .

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2014, fez com que o governo brasileiro, em um discurso na cúpula do Mercosul no dia seguinte, defendesse a eleição de foros imparciais para o julgamento de casos de restruturação de dívidas soberanas.113 Apesar do apoio retórico brasileiro tanto no Mercosul, como no encontro de líderes dos BRICS e no G-20, a Argentina não encontrou no vizinho qualquer sinalização de que pudesse destinar parte de suas reservas internacionais para socorrê-la. Ao contrário, o Brasil manteve e ampliou suas reservas do tesouro americano, atingindo o patamar de US$256 bilhões, aproximadamente 69% da reserva total de US$ 372 bilhões do país no exterior, em 2014, 4,2% a mais do que o investido em 2013, se tornando o quarto maior credor individual dos Estados Unidos, atrás somente da China, Japão e Bélgica114. A própria expectativa de que a ajuda ao vizinho pudesse ocorrer gerou forte especulação na mídia regional, principalmente após o encontro entre Dilma e Cristina na Cúpula da Comunidade de Estados Latinoamericanos e do Caribe (Celac) em razão da forte desvalorização do peso. Após declarações do chanceler argentino, Héctor Timerman, em 2 de fevereiro de 2014, de que o pedido não havia sido feito115, o Ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega reiterou, em 29 de agosto de 2014, após encontro com seu par argentino, Axel Kicillof, que uma ajuda financeira ao país não estava planejada.116 Somada à falta de uma ajuda financeira, o comércio argentino com o seu maior parceiro também foi abalado. Segundo dados do Comtrade, disponível nas tabelas 5 e 6, ainda que a participação argentina nas importações realizadas pelo Brasil desde 2001 viesse caindo, os gastos brasileiros com produtos provenientes da Argentina quase triplicaram entre 2001 e 2011, saindo de US$6.206,5 milhões para US$16.906,1 milhões e se mantendo relativamente estável a partir de então, até que, em 2014, sofreu uma redução para US$14.143,1 milhões. No que diz respeito à Argentina como destino de exportações brasileira, desde 2008, o valor tem se mantido relativamente estável entre os US$17.500 milhões e os US$20.000 milhões, sofrendo uma drástica redução em 2014, quando as compras provenientes do vizinho totalizaram US$14.282 milhões. Apesar da redução do comércio o Brasil manteve-se como o                                                                                                                           113

Ver NÉRI, F. Em apoio à Argentina, Dilma critica 'ação de poucos especuladores’. Globo, Brasília, 29 jul 2014. Disponível em: . 114 Ver BRASIL se torna 4º maior credor dos Estados Unidos. Brasil 247, 21 fev 2015. Disponível em: . 115 Ver ARGENTINA nega ter pedido ajuda ao Brasil. Exame, 2 fev 2012. Disponível em: . 116 Ver PINTO, L.; MOTA, C. V. Mantega: Não há possibilidade de Brasil ajudar Argentina com Dívida. Valor Econômico, São Paulo, 29 ago 2014. Disponível em: .

100

principal parceiro comercial da Argentina, contudo, ficava claro para Buenos Aires que a aliança com o Brasil não seria suficiente para resgatar a economia do país, levando o governo a buscar novas fontes de investimento, tema que será aprofundado mais adiante neste capítulo. Tabela 5 - Comércio do Brasil com a Argentina em milhões US$ (anos selecionados) Participação Participação Saldo da Balança Ano Importações como destino de Exportações como destino Comercial bilateral importações de exportações 2001

6.206,5

11,16%

5.009,8

8,59%

-1.196,7

2006

8.053,6

8,81%

11.739,6

8,51%

3.686

2008

13.257,9

7,65%

17.605,6

8,89%

4.347,7

2010

14.424,8

7,99%

18.437

9,34%

4.012,2

2011

16.906,1

7,47%

22.709,3

8,86%

5.803,2

2012

16.444,1

7,36%

17.997,7

7,41%

1.553,6

2013

16.462,9

6,87%

19.615,4

8,99%

3.152,5

2014

14.143,1

6,17%

14.282

6,33%

138,9

Fonte: Elaboração própria com base no COMTRADE. UN Comtrade Database. Disponível em: .

Tabela 6 - Comércio da Argentina com o Brasil em milhões US$ (anos selecionados) Participação Participação Saldo da Balança Ano Importações como destino Exportações como destino Comercial bilateral de importações de exportações 2001

5.009,8

24,65%

6.206,5

23,32%

1.196,7

2006

11.739,6

34,37%

8.053,6

17,30%

-3.686

2008

17.605,6

30,63%

13.257,9

18,93%

-4.347,7

2010

18.437

32,46%

14.424,8

21,15%

-4.012,2

2011

22.709,3

30,55%

16.906,1

20,11%

-5.803,2

2012

17.997,7

26,27%

16.444,1

20,31%

-1.553,6

2013

19.615,4

26,63%

16.462,9

21,48%

-3.152,5

2014

14.282

*

14.143,1 *

-138,9

* Os dados de 2014 do comércio exterior argentino não estavam disponíveis no momento de confecção da tabela. Fonte: Elaboração própria com base no COMTRADE. UN Comtrade Database. Disponível em: .

101

Em suma, o que se observou ao longo do primeiro mandato de Dilma Rousseff foi uma retração do apresentado no primeiro capítulo sob o conceito de Estado logístico, de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno (2011), distanciando-se dos setores produtivos, dos movimentos sociais e, até mesmo, de seus Ministros, em especial o de Relações Exteriores. Ao não apresentar um planejamento estratégico de desenvolvimento interno, capaz de atrair a sociedade civil, aumentar o IED no país e suprir os entraves infraestruturais, o governo passou a observar a deterioração de sua confiança diante da população, que culminaria nas manifestações críticas à sua gestão nos meses junho e julho de 2013. Na política regional, como observado, Dilma se ateve a manter as iniciativas tomadas por governos precedentes e reduziu drasticamente a prioridade dada pelo governo ao Itamaraty, o que gerou uma sensação de inércia brasileira para assuntos relacionados à América do Sul.

4.3. UM INTRUSO NO NINHO

Como exposto no capítulo anterior, a China, em sua busca por legitimidade e reconhecimento diante do sistema internacional, prefere utilizar seu poder brando, ou seja, o carisma, a persuasão e o exemplo, para atrair outros países em desenvolvimento para a sua área de influência. Sua principal estratégia para isso é a de pronunciar-se como um país em desenvolvimento, devido ao fato de possuir um PIB per capita muito inferior ao dos países considerados desenvolvidos, e, por isso, buscar relações igualitárias com outros do mesmo patamar. Contudo, em outubro de 2014, antecipando as previsões, o FMI anunciou que a China se tornaria em 2014 a maior economia do mundo por PPP, atingindo a meta de US$17,632 trilhões (16,479% do total mundial), contra US$17,416 trilhões dos Estados Unidos (16,277% do total mundial), ainda que mantenha a segunda colocação quando o parâmetro de análise é o PIB.117 Ainda que seja contestável utilizar a medição por PPP para avaliar o peso de um país na economia global, por reproduzir apenas a capacidade de consumo do PIB no país em que foi aferido, a etapa de ultrapassar a economia estadunidense neste quesito demonstra uma aparente superação da qualidade de vida da potência hegemônica pela China. Para somar-se a este fato, a China é o maior produtor de manufaturas, o maior exportador e o segundo maior                                                                                                                           117

Utilizando como base dados apresentados em: FMI. World Economic Outlook Database. Atualizado em out. 2014. Disponível em: .

102

importador do mundo, o principal credor do Tesouro dos Estados Unidos, com a maior reserva internacional e a segunda maior força militar do mundo118. Diante desses dados surge um questionamento sobre a correspondência da afirmação de ser um país em desenvolvimento com a realidade observada. Contudo, quando a lente de observação se volta para as conquistas sociais, apesar do recente avanço, a China permanece muito aquém de um ideal que possa ser considerado desenvolvido. A partir de uma análise do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), percebe-se que o país asiático continua apresentando um cálculo que o classificou, em 2013, como 91º do ranking entre 187 países, com índice de 0,721119, no qual 1 seria o valor máximo e 0 o mínimo. Apesar do progresso chinês tanto na alfabetização, quanto na expectativa de vida e no acesso à saúde, o país permanece com um IDH menor do que o de outros BRICS, como a Rússia, que é o 57º país do ranking, com valor 0,778 e Brasil, colocado em 79º, com IDH 0,744. Dessa forma, apesar da melhora, é evidente que a qualidade de vida da população chinesa não pode ser considerada como se estivesse em um mesmo patamar de países considerados desenvolvidos, demonstrando que, no que diz respeito à análise social, a despeito da econômica e comercial, a China deve ser considerada um país emergente, membro do “Sul Global”. Ainda no capítulo anterior, foram analisados os interesses da América Latina em aproximar-se da China, assim como os interesses da segunda na primeira. Conforme apresentado, a demanda exclusiva por produtos primário extrativistas combinada com a alta competitividade da indústria manufatureira chinesa impactam diretamente nos países industrializados conduzindo-os a uma “reprimarização” da economia. Entende-se por “reprimarização” da economia a redução da participação da produção manufatureira de alto valor agregado em uma economia. Esse processo está diretamente ligado ao que os governos da América Latina e Caribe tentaram combater na década de 1950 sob recomendação de especialistas da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL). Sob o comando de Raul Prebisch, a CEPAL concluiu, a partir da observação da estratégia usada por alguns estadistas da região na década de 1930, que, para que lograssem superar o estágio do subdesenvolvimento, os países latino-americanos deveriam abandonar seu modelo de exportação exclusivo de produtos primários por meio de políticas e investimentos que possibilitassem uma industrialização por substituição de importação (ISI).                                                                                                                           118

Ibidem. Ver PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2014. Nova York: Nações Unidas, 2014. 246 p. Disponível em: .

119

103

Somente por meio da ISI, esses países conseguiriam superar o processo de deterioração dos termos de troca que promove uma transferência da sua renda para os países desenvolvidos. Somado à industrialização, a expansão do mercado consumidor em razão do aumento dos salários dos operários e do lucro da elite local compunha o segundo requisito básico para que a região alcançasse o desenvolvimento econômico e social almejado.120 Hoje, muitos autores afirmam existir um “processo de reprimarização” da economia, o qual seguiria um sentido oposto ao proposto pela CEPAL aos governos da região na década de 1950 como meta para alcançar o desenvolvimento econômico e social. Seria um processo, pelo fato de não poder ser medido de um ano para o outro, e sim de alongar-se por um período, no qual deve-se observar diversas variáveis capazes de alterar a estrutura produtiva, aumentando o peso do setor primário na produção, nas exportações e na contribuição para o crescimento econômico de um país. Nesse sentido,

Nem o peso nas exportações, nem o peso sobre a geração de valor agregado na economia em separado, nos vão indicar que uma atividade seja mais dinâmica. Além da possibilidade de encontrarmos uma economia na qual se incremente o peso do setor primário sobre o total da geração do valor agregado, este fenômeno pode se apresentar em simultâneo com uma maior contribuição do setor industrial ao crescimento econômico. Em outras palavras, o setor manufatureiro pode perder participação em uma economia e ser mais dinâmico simultaneamente (SLIPAK, 2013, p. 7 - tradução nossa).

Dessa forma, seria inexato afirmar que a simples ampliação da participação do setor primário na pauta exportadora de um país seja suficiente para caracterizar um processo de reprimarização, sem que sejam analisados o impacto deste setor na produção e no crescimento econômico em detrimento do secundário e do terciário. Em especial no caso brasileiro, a própria ampliação do setor primário gera uma série de inovações tecnológicas, impulsionando a indústria, a agricultura, o comércio e os serviços, apresentando uma atividade produtiva integrada chamada de “complexo agroindustrial”.

Entenda-se por complexo agroindustrial o conjunto de relações entre indústria e agricultura na fase em que esta mantém intensas conexões para trás, com a indústria para a agricultura, e para frente, com as agroindústrias e outras unidades de intermediação que exercem impactos na dinâmica agrária. O complexo agroindustrial é uma forma de unificação das relações entre os grandes departamentos econômicos com os ciclos e as esferas de produção, distribuição e consumo, relações estas associadas às atividades agrárias (MÜLLER, 1989, p. 130).

                                                                                                                          120

Para um maior aprofundamento nas teorias provenientes da CEPAL nas décadas de 1950 e 1960, ver Prebisch (1964, 1976), Poletto (2000) e Cavalcante (2001).

104

Portanto, não basta que haja uma ampliação da exportação de produtos primários, como o ocorrido em diversos países da América do Sul121, em razão da ampliação de seu comércio com a China, para que se caracterize um “processo de reprimarização”. Como exposto no capítulo anterior, a demanda chinesa por commodities fez com que fosse evidente o aumento da sua proporção no total de exportações de diversos países da região, como foi o caso do minério de ferro do Brasil e do Peru, da soja, do Brasil e da Argentina, do petróleo bruto do Brasil, da Venezuela, da Colômbia e da Argentina e do cobre, do Chile e do Peru. Por outro lado as importações provenientes da China concentram-se em sua maioria entre manufaturados com alta e média tecnologia, realidade que não difere das relações comerciais que caracterizaram as trocas da região com parceiros do “Norte Global” e que geram a deterioração dos termos de troca. No plano político, como explicado anteriormente, China e a América do Sul possuem pretensões de ampliar o poder do “Sul Global” em organismos de governança internacional. A China busca por legitimidade na América do Sul e as “parcerias estratégicas”, uma declaração muito mais política do que econômica e comercial firmada com Brasil, Venezuela, Argentina, Peru e Chile, demonstram esse interesse. Contudo, a China ainda encontra resistência na região, por parte do Paraguai, em um tema extremamente importante para sua unidade nacional e constantemente trabalhado em sua política externa: o reconhecimento do governo de Taiwan como autônomo e a manutenção de relações diplomáticas com o governo que se autodenomina República da China (RC). O Paraguai é o único país do continente a manter relações diplomáticas com a ilha, posicionamento que esboçou alterar em 2008, após a vitória de Fernando Lugo para a presidência, não passou de especulação122. Taiwan declara-se autônomo desde que os nacionalistas chineses perderam a guerra civil para os comunistas, em 1949, levando o governo Chiang Kai-shek (1928-1931) a refugiar-se na ilha, onde proclamou sua autonomia da RPC. Desde então, Taiwan passou a representar os interesses da China em organismos internacionais, inclusive tendo ocupado a                                                                                                                           121

Segundo dados da CEPAL, em 2011, as exportações da América Latina e Caribe para a China foram compostas em 69% de matérias primas, enquanto para o resto do mundo essa taxa foi de 42%, enquanto as manufaturas de baixa, média e alta tecnologia representavam 7% do comércio para a China, para o resto do mundo atingiam 38%. Do ponto de vista das importações, por outro lado, 91% do que a América Latina compra da China são manufaturas de baixa, média e alta tecnologia, enquanto as importações desses mesmos produtos pela região do resto mundo representam 68%. Dados mais aprofundados sobre a exportação e importação da região para a China podem ser consultados em: CEPAL. Promoción del comercio y la inversión con China: Desafíos y oportunidades en la experiencia de las cámaras empresariales latinoamericanas. Santiago: Nações Unidas, 2013. 56 p. Disponível em: . 122 Ver VITÓRIA de Lugo no Paraguai coloca à prova relações China-Taiwan. EFE, Taipei, 22 abr. 2008. Disponível em: .

105

cadeira de membro permanente do CSNU até 23 de novembro de 1971, quando a RC foi substituída pela RPC. Com o fim da Guerra Fria, o governo de Beijing vem tentando reunificar-se com a ilha sob o princípio de “Uma China”, com “um país, dois sistemas” (yi ge guo, liang ge zhi). Após anos de resistência por parte do governo de Taipei, os dois países assinaram um acordo de cooperação econômica, em 2010, normalizando as relações, e em 11 de fevereiro de 2014 iniciaram o primeiro diálogo oficial entre seus governos desde 1949.123 Dessa forma, a proximidade do Paraguai com Taiwan, inclusive com reconhecimento da legitimidade de seu governo, inviabiliza um acordo de preferencias tarifárias do Mercosul com a RPC. O posicionamento chinês quanto às relações com Taiwan foram expressadas, em 2004, pelo embaixador Sun Zhenyu, quando afirmou que “aceitamos que países mantenham relações informais, mas não uma relação formal”124. Contudo, o afastamento do Paraguai após a deposição do presidente Lugo, em 2012, possibilitou ao bloco concluir acordos além do ingresso da Venezuela, quando, no dia 25 de junho, o bloco logrou em firmar um “aliança estratégica global” com a China, inclusive com declarações do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, favoráveis ao estabelecimento de uma zona de livre comércio entre os dois.125 A aproximação da China por países do Mercosul tem impactado política e economicamente as principais economias da região. O comércio chinês com Brasil e Argentina tem alterado suas exportações e importações e deslocado a importância dada por cada um ao vizinho em sua política externa. Focado na resolução de problemas internos, o Brasil relega a segundo plano a sua atuação regional em um momento em que a Argentina, seu principal aliado, necessita de apoio para superar uma crise política, econômica e social. Por outro lado, a política externa venezuelana de contraposição aos Estados Unidos vislumbra na China uma aliada poderosa para pleitear uma alteração no sistema internacional com a ampliação do poder dos países do “Sul Global”. A seguir serão avaliados esses dois aspectos da inserção chinesa na América do Sul.

 

                                                                                                                          123

Ver CHINA e Taiwan iniciam histórico primeiro diálogo oficial desde 1949. Globo, 11 fev. 2014. Disponível em: . 124 ACORDO Paraguai-Taiwan impede união Mercosul-China. Estado de São Paulo, 6 jul. 2004. Disponível em: . 125 FELÍCIO, C. China e Mercosul anunciam ‘aliança estratégica global’. Valor Econômico, Buenos Aires, 25 jun. 2012. Disponível em: .

106

4.3.1. Um rei dividido entre duas rainhas

Primeiramente, cabe avaliar o impacto do comércio com a China nas duas maiores economias da América do Sul, medidas de acordo com seu PIB, e no comércio entre si para, após, focar em questões político-econômicas mais relevantes. Segundo dados do FMI126, Brasil e Argentina possuem os maiores PIBs da região e atingiram em 2014, respectivamente, os valores de 2,244 trilhões e 536 bilhões de dólares. Somado a isso, as relações bilaterais são consideradas historicamente estratégicas para os dois países, de modo que ambos ocupem um para o outro o lugar de principal parceiro comercial da região. As relações brasileiras com a Argentina estão na origem da integração regional, tendo em vista que a aproximação entre os dois países, iniciada na década de 1980 entre José Sarney e Raúl Alfonsín, criou as bases que possibilitariam a criação posterior do Mercosul a partir da assinatura do Tratado de Assunção, em 1991. O crescimento econômico e a ampliação do comércio chinês, que deixou de restringirse à Ásia para englobar todos os continentes fez com que houvesse uma reconfiguração do comércio em ambos os países. No caso brasileiro, as importações provenientes da China partiram de 1.328,4 milhões de dólares, o equivalente a 2,38% do total importado pelo Brasil do mundo, em 2001, para atingirem 37.340,7 milhões de dólares, 16,3% do total, em 2014. As exportações para a China, por outro lado, partiram de 1.902,2 milhões de dólares, 3,26% do total, em 2001, para 40.616,2 milhões, 18,04% do total, em 2014, ver tabela 7. No caso argentino, por outro lado, as importações provenientes da China e exportações enviadas para a China somavam, respectivamente, 1.066,32 e 1.122,6 milhões de dólares, 5,24% e 4,21% do total, em 2001, e alcançaram 11.312,5 e 5.510,7 milhões de dólares, 15,35% e 7,19% do total, em 2013, segundo dados da tabela 8. Esses dados consolidaram o Império do Meio como o maior parceiro comercial do Brasil, superando os Estados Unidos e a Argentina, e como segundo da Argentina, superando os Estados Unidos, mas ainda abaixo do Brasil.

                                                                                                                          126

Segundo dados retirados do FMI. World Economic Outlook Database. Atualizado em out. 2014. Disponível em: .

107

Tabela 7 - Comércio do Brasil com a China em milhões US$ (anos selecionados) Ano Importações Participação Exportações Participação Saldo da Balança como destino de como destino Comercial bilateral importações de exportações 2001

1.328,4

2,38%

1.902,2

3,26%

573,8

2006

7.989,4

8,74%

8.402,4

6,09%

413

2008

20.040,1

11,57%

16.403,1

8,28%

-3.637

2010

25.535,7

14,15%

30.725,4

15,56%

5.189,7

2011

32.788,5

14,49%

44.314,6

17,30%

11.526,1

2012

34.248,5

15,34%

41.227,6

16,99%

6.979,1

2013

37.302,2

15,56%

46.026,2

19%

8.724

2014

37.340,7

16,30%

40.616,2

18,04%

3.275,5

Fonte: Elaboração própria com base no COMTRADE. UN Comtrade Database. Disponível em: .

Tabela 8 - Comércio da Argentina com a China US$ milhões (anos selecionados) Participação Participação Saldo da Balança Ano Importações como destino de Exportações como destino Comercial bilateral importações de exportações 2001

1.066,32

5,24%

1.122,6

4,21%

56,28

2006

3.121,7

9,14%

3.475,8

7,46%

354,1

2008

7.103,8

12,36%

6.354,9

9,07%

-748,9

2010

7.649,15

13,46%

5.798,6

8,5%

-1.850,55

2011

10.572,9

14,22%

6.232,2

7,41%

-4.340,7

2012

9.951,8

14,52%

5.021,3

6,20%

-4.930,5

2013

11.312,5

15,35%

5.510,7

7,19%

-5.801,8

2014

*

*

*

*

*

Fonte: Elaboração própria com base no COMTRADE. UN Comtrade Database. Disponível em: . * Os dados de 2014 do comércio exterior argentino não estavam disponíveis no momento de confecção da tabela.

Somado a isso, é possível observar, a partir da tabela 9, uma concentração das exportações

dos

dois

países

para

a

China,

na

qual

os

cinco

principais

produtos127comercializados por cada um é responsável por mais de 80% do total, além do fato                                                                                                                           127

Dados sobre os cinco principais produtos comercializados pelo Brasil e pela Argentina com a China podem ser encontrados na tabela 9, com dados da CEPAL. Primer Foro de la Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños (CELAC) y China: Explorando espacios de cooperación en comercio e inversión. Santiago: Nações

108

desses produtos serem compostos exclusivamente por bens primários e manufaturas baseadas em recursos naturais. Conforme afirmado anteriormente, para o Brasil, somente a semente de soja e os minerais e concentrados de ferro somados foram responsáveis por 72% das exportações para a China em 2013, enquanto no caso argentino, a semente de soja sozinha representava 58% do total128. O que se observa em ambos os casos é uma pauta exportadora dependente de produtos cujos preços estão sujeitos a uma alta volatilidade no mercado internacional e cuja relação emprego-produto é extremamente reduzida, um cenário diretamente oposto ao que se pode observar quando se trata das importações da China, compostas, quase exclusivamente, de manufaturas, em especial de média e alta tecnologia129. Tabela 9 - Principais produtos exportados por Brasil e Argentina para China (2013)

País

Primeiro

Segundo

Terceiro

Quarto

Quinto

Brasil (total 87%)

Semente de Minerais e Petróleo soja (37%) concentrados de bruto (9%) ferro (35%)

Açúcar de cana ou beterraba e sacarose pura (3%)

Pasta química de madeira (3%)

Argentina (total 85%)

Semente de Petróleo bruto soja (58%) (13%)

Tabaco sem elaborar (2%)

Couro (2%)

Azeite de soja (10%)

Fonte: CEPAL. Primer Foro de la Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños (CELAC) y China: Explorando espacios de cooperación en comercio e inversión. Santiago: Nações Unidas, 2015. 52 p. Disponível em: .

Superada a análise do impacto comercial desempenhado pela China nas duas maiores economias da América do Sul, deve-se avaliar de que forma o país asiático vem influenciando nas relações político-econômicas dos dois Estados. Conforme apresentado anteriormente, a recusa por parte de alguns detentores de títulos da dívida argentina à renegociação dos termos, somada com diversos fatores econômicos e políticos mergulharam o país em uma das mais profundas crises de sua história. Em disputa judicial com fundos americanos e com o Brasil passando por uma fase de estagnação econômica, Buenos Aires observa a impossibilidade de obter ajuda financeira por parte de seus principais parceiros tradicionais. Diante do impasse, a Argentina opta por ressuscitar uma estratégia já praticada anteriormente em períodos em que o país precisava associar-se a uma economia mais forte                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             Unidas, 2015. 52 p. Disponível em: . 128 Para maiores dados sobre os cinco principais produtos exportados por Brasil e Argentina para a China, ver tabela 9. 129 Segundo dados da CEPAL, consideradas as importações da América Latina e Caribe oriundas da China, cerca de 40% é composta por manufaturas de alta tecnologia, 30% de média tecnologia, 20% de baixa tecnologia e 10% de manufaturas baseadas em recursos naturais. Ver CEPAL. Op. cit.

109

com o objetivo de obter benefícios. Assim, Cristina reedita a estratégia utilizada por Menem de perseguir “relações carnais”, desta vez não com os Estados Unidos, mas, com a China. A necessidade argentina de obter crédito somada ao interesse chinês por ampliar a sua influência na região levou o país sul-americano a firmar diversos acordos com o asiático. Somente no dia 18 de julho de 2014, os dois países firmaram acordos para financiamento chinês da construção de duas barragens para hidrelétricas e de um projeto ferroviário na Argentina, com investimento de US$6,8 bilhões e para compensação bancária (currency swap) bilateral de US$10 bilhões entre o Banco Central argentino e o chinês130. Um acordo de compensação bancária no valor de US$10,2 bilhões já havia sido firmado entre os dois países em março de 2009131, em razão da escassez de dólares na Argentina para estabilizar o mercado de câmbio local e possibilitar o comércio entre os dois países sem a necessidade do dólar. O novo acordo é firmado justamente quando a China aprofunda sua estratégia para tornar o yuan mais global, após firmar acordos com os países dos BRICS para investimentos e comércio em moedas locais, reduzindo a necessidade de realizar comércio baseado no dólar. Somado a isso, o contexto no qual esse acordo foi firmado é significativo, uma vez que a viagem de Xi Jinping à Argentina ocorreu em 18 de julho de 2014, imediatamente após a VI Cúpula dos BRICS, em Fortaleza, quando foi ventilada a possibilidade de ingresso do país ao grupo. As primeiras especulações com relação à pretenção argentina de fazer parte dos BRICS ocorreu em 9 de julho de 2014, às vésperas da VI Cúpula, quando a agência de notícias oficial da Argentina, Télam, afirmou que a China proporia sua inclusão132. Contudo, a expectativa argentina foi frustrada pelos outros membros que desconfiavam dos benefícios que uma adesão ao grupo traria, tendo provocado, inclusive, declarações contrárias ao ingresso por parte do mandatário russo, Vladimir Putin, destacando que o grupo deveria focar seus esforços no aprofundamento e institucionalização entre os membros já existentes133. A atitude de Putin surpreendeu grande parte da população argentina, que havia sido informada

                                                                                                                          130

Ver JIAO, W.; SHENGNAN, Z. China Argentina sign deal on dams. China Daily USA, Buenos Aires/Beijing, 19 jul. 2014. Disponível em: . 131 Ver ARGENTINE media hails Argentina-China currency swap deal. Xinhua, Buenos Aires, 30 mar. 2009. Disponível em: . 132 Ver RAÑA, H. China apoyará el ingreso de la Argentina al grupo del Brics. Télam, 9 jul. 2014. Disponível em: . 133 Ver CARMO, M. Putin vê com cautela ideia de Argentina integrar Brics. BBC Brasil, Buenos Aires, 11 jul. 2014. Disponível em: .

110

pela Télam134 de um convite russo para que o país participasse da Cúpula, quando o convite havia sido para a reunião estendida dos BRICS com os países da Unasul. A declaração chinesa de apoio ao ingresso nos BRICS somada às suas iniciativas de financiamento, investimento e comércio com a Argentina serviram como sinalização de interesse no país em um momento em que o país enfrenta uma crise econômica, política e social que se soma aos processos movidos pelos “fundos abutres” para a recuperação do valor referente aos títulos da dívida e à escassez de crédito internacional disponível ao governo Kirchner. Ao mesmo tempo, a inércia brasileira na região, a incapacidade de ajudar economicamente a Argentina em crise e a resistência a uma ampliação do BRICS fazem com que suscite dúvidas por parte do governo argentino quanto ao comprometimento do vizinho na aliança bilateral que os dois países mantém.

4.3.2. Verde ou Maduro? Ideologia e pragmatismo nas relações entre a Venezuela e a China

A história política venezuelana sofreu uma brusca correção de rumos em 1999. Com a eleição de Hugo Chávez, chegava ao fim a política fundada no Pacto de Punto Fijo, de 1957, o qual promoveu uma alternância entre os partidos da Acción Democrática (AD) e do Comité de Organización Política Electoral Independiente (COPEI) no poder. Contudo, a guinada na política venezuelana ocorreria somente após as tentativas de golpe sofridas pelo governo em 2002 e 2003 e que levaram Chávez a direcionar suas políticas para as classes menos favorecidas135. Desde então, a Venezuela observou sua política externa ser alterada de uma aliança histórica e incondicional aos Estados Unidos para uma orientação em busca de uma ordem multipolar, muitas vezes utilizando uma retórica extremamente acalorada e agressiva ao país que até pouco tempo era seu principal aliado. Desde o ano de 1875 o petróleo já era extraído na Venezuela, tendo tido sua exploração iniciada de forma industrial na década de 1910. A partir de então, o petróleo se tornou o principal produto de exportação da Venezuela, reflexo das enormes jazidas que fizeram com que o país sofresse uma especialização de sua economia, o que se convencionou                                                                                                                           134

Ver RUSIA invitó a la Argentina a la cumbre de los Brics en julio. Télam, 28 mai. 2014. Disponível em: . 135 Para maior aprofundamento na ascensão de Chávez ao governo e a política venezuelana, ver VIEIRA (2014) e MARINGONI (2009).

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chamar de “doença holandesa”136, uma terminologia imprecisa para o caso, uma vez que a Venezuela nunca teve uma indústria promissora. Essa dependência fez com que o petróleo se tornasse a principal variável de influência na política e na economia do país, que se encontra refém da cotação do barril do petróleo no sistema internacional. Somente a termo de ilustração, em 2014, o petróleo cru foi responsável por 65% e o refinado por 23% do total das exportações venezuelanas, tendo como principais mercados para as exportações venezuelanas China (32%), Índia (26%), Singapura (8.5%), Espanha (3.8%), e Estados Unidos (2.5%).137 O direcionamento da política externa venezuelana para fazer um contrapeso aos Estados Unidos no sistema internacional, somado à sua dependência do petróleo para a manutenção da estabilidade política e econômica do país fizeram com que vislumbrasse uma aproximação da China como uma estratégia automática. Conforme explicado anteriormente, o interesse chinês na América do Sul está relacionado com três fatores: a busca por aliados que garantam legitimidade ao país em uma eventual estratégia contenciosa orquestrada pelos Estados Unidos contra a China, a busca por commodities necessárias para a manutenção do crescimento de sua indústria, e a necessidade de novos mercados consumidores e parceiros comerciais fora da Ásia. Assim, a Venezuela representa tudo que a China deseja na região, possui a maior reserva de petróleo do mundo, tendo ultrapassado a Arábia Saudita em 2010138, sendo uma valiosa fonte de energia fóssil. Com uma população de 30,405 milhões139, em 2013, possui o quarto maior mercado consumidor da América do Sul, representando para a China um mercado potencial onde teve a oportunidade de ampliar suas vendas, partindo da décima oitava fonte de importações para segunda, sendo hoje responsável por 19% das importações venezuelanas, só perdendo para os Estados Unidos140. Ambos os fatores anteriores coincidem os interesses de Beijing com a expectativa de Caracas de reduzir sua dependência comercial                                                                                                                           136

O conceito de “doença holandesa” refere-se à situação em que um país possui commodities em abundância e, devido a isso, especializa suas exportações em função delas, não se industrializando, ou, até mesmo, causando a desindustrialização. Nas palavras de Bresser-Pereira (2010, p. 121), “É uma falha de mercado decorrente da existência de recursos naturais baratos e abundantes usados para produzir commodities (e da possível elevação dos preços destas) que são compatíveis com uma taxa de câmbio mais apreciada do que aquela necessária para tornar competitivos os demais bens comercializáveis”. 137 Dados obtidos por meio do OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY. Disponível em: . 138 Ver VENEZUELA ultrapassa Arábia Saudita em reservas de petróleo, diz Opep. Globo, 18 jul. 2011. Disponível em: . 139 Segundo dados do BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Atualizado em 17 out. 2014. Disponível em: . 140 Dados obtidos por meio do OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY. Disponível em: .

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de Washington ampliando suas trocas com outros países, aliando, dessa forma, os três objetivos chineses, apresentados no capítulo anterior, com os venezuelanos. A China representa para a Venezuela exatamente o aliado que Chávez e Nicolás Maduro (2013-atual) buscam, não por ter um posicionamento revolucionário, de confrontação direta com os Estados Unidos ou antissistêmico, o que não possui, mas por suas capacidades materiais e seu poder brando, que lhe permitem assumir uma posição crítica caso seja provocada. O próprio pleito chinês por uma reforma nos órgãos de governança do sistema internacional com o objetivo de torná-los mais plurais à medida que novos atores emergentes sejam capazes de ingressar nos círculos de decisão já apresenta para a Venezuela um interessante avanço de democratização do sistema internacional, deixando de centrar-se nos EUA para tornar-se multipolar. O desabastecimento de produtos da cesta básica para o consumo da população desde 2013, como foi o caso do papel higiênico, da farinha de milho, da manteiga e do sabonete, amplamente divulgados pela imprensa brasileira, tem ampliado a insatisfação de setores da população contrários ao governo141. A disputa de versões sobre o desabastecimento passou a dividir a população entre aqueles que culpavam os empresários por querrerem desestabilizar o governo para promover um golpe e aqueles que culpavam o governo por afugentar investidores estrangeiros com suas políticas de congelamento de preções e limitação da oferta para controlar a inflação. A queda do preço do barril de petróleo, responsável por 96% das receitas venezuelanas, aprofundaria a recessão do país e serviria como combustível para a oposição. Para cortar gastos, o governo do país com as maiores reservas do mundo decidiu, em outubro de 2014, importar petróleo cru da Argélia, que, por ser mais leve, teria o refino mais barato.142 A aproximação com a China tem se tornado cada vez mais importante para o governo venezuelano à medida que o país vem sofrendo com a imposição de sanções por parte dos Estados Unidos a oficiais venezuelanos sob a justificativa de violação de direitos humanos contra membros da oposição, principalmente seus líderes, Leopoldo López e María Corina Machado143. As violações teriam ocorrido durante os violentos protestos que se proliferaram                                                                                                                           141

Ver VENEZUELA vai importar 50 milhões de rolos de papel higiênico. O Globo/El País, Caracas, 15 mai. 2013. Disponível em: ; CONSUMIDORES esperam horas para comprar papel higiênico na Venezuela. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 mai 2013. Disponível em: . 142 Ver MEZA, A. Queda do preço do petróleo agrava a crise econômica da Venezuela. El país, Caracas, 17 out. 2014. Disponível em: . 143 Ver SENADO dos EUA aprova novas sanções contra Venezuela. Globo, 9 dez. 2014. Disponível em: .

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no país durante o ano de 2014, em razão da crise econômica que o país está passando devido à queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional, chamando a atenção de instituições internacionais para a agressividade de grupos favoráveis e contrários ao governo. Diante das sanções, os quatro outros membros plenos do Mercosul pronunciaram-se em defesa da Venezuela e contrários à atitude estadunidense144, assim como fizeram os membros da ALBA.145 O auxílio econômico chinês, tem sido promovido desde 2007 por meio do Fundo de Financiamento China-Venezuela, cujo objetivo era o de dar apoio a projetos de cooperação mútua, com o valor inicial de US$ 6 bilhões (ROMERO, 2013). O investimento seria ampliado subsequentemente até ultrapassar o total de US$ 40 bilhões no início de 2014, quando em outubro recebeu USS$ 6 bilhões, dos quais US$ 4 bilhões são do Banco de Desenvolvimento da China e US$ 2 bilhões do Fundo de Desenvolvimento Nacional da Venezuela. A capitalização do fundo, responsável por financiar mais de 200 projetos de desenvolvimento na Venezuela, não foi o único acordo firmado entre os dois países, o Exibank da China assinou um memorando de entendimento e cooperação financeira com a Petróleos de Venezuela (PDVSA), prevendo um investimento de US$ 1 bilhão "para a compra de bens e serviços para a indústria, assim como a promoção de novos projetos petroleiros”, além de US$ 691 milhões para a exploração de reservas minerais no sul da Venezuela.146 Entretanto, as relações bilaterais não restringem-se à obtenção de matéria prima por parte da China. As forças armadas dos dois países têm realizado exercícios de treinamento em conjunto e a Venezuela vem adquirindo equipamentos militares chineses. Podem ser destacados três radares 3-D JYL para monitorar o espaço aéreo, 18 aeronaves Hongdu K-8W, 8 aviões de transporte Shaanxi Y-8, além da especulação acerca da compra dos jatos Hongdu L15 Falcon, oferecidos pela China desde 2013147. Outrossim, existem iniciativas bilaterais na área de telecomunicações, com cooperação para produção de fibra ótica e celulares na                                                                                                                           144

Ver MERCOSUL condena sanções dos EUA à Venezuela. Globo, 17 dez. 2015. Disponível em: . 145 Ver CÚPULA da Alba condena sanções impostas pelos EUA à Venezuela. Correio Brasiliense, Havana, 14 dez. 2014. Disponível em: . 146 Ver CHINA investirá mais US$ 5,691 bilhões na Venezuela. Exame, Caracas, 21 jul. 2014. Disponível em: . 147 Ver VENEZUELA habría cerrado la compra de aviones de entrenamiento chino L15 "Falcon", también la evaluación de más Sukhoi. Defensa.com, 15 abr. 2014. Disponível em: .

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Venezuela, e para o lançamento, em outubro de 2008, de um satélite de telecomunicações, o Venesat I - Simón Bolívar (ROMERO, 2013), e um satélite para sensoriamento remoto, o VRSS-1, em setembro de 2012.148 Não é possível, portanto, confundir os investimentos chineses com uma identificação ideológica do PCC com os governos de Chávez e de Maduro, algo que já foi, inclusive, afirmado pelo Ministério das Relações Exteriores chinês em uma conferência, em 2008, quando questionado sobre as relações de Beijing com o governo venezuelano e sobre as relações do segundo com os Estados Unidos:

China e Venezuela possuem relações interestaduais normais. China está pronta para continuar sua cooperação amigável com todos os países latino-americanos, incluindo a Venezuela, em uma base de benefício mútuo. As relações chinovenezuelanas não são baseadas em ideologia, nem contra qualquer terceiro, desse modo, não irá afetar as relações da Venezuela com outros países. Sobre as relações da Venezuela com os EUA, nós mantemos que os diferentes países devem respeitar-se, respeitar-se em bases iguais, e não interferir em seus assuntos internos.149

A Venezuela, por outro lado, desde 2002, passou a indicar uma orientação antiOcidente em suas relações internacionais, não só na sua tentativa de contrabalançar o poder dos Estados Unidos, mas também na pressão exercida para que o país passasse a ocupar uma maior liderança na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a estratégia de consolidar uma aliança com outros países de orientação de esquerda da América Latina para fundar a ALBA, e a aproximação de atores que o governo identifica como estratégicos para a formação de um bloco contra hegemônico, como China, Rússia, Cuba e Irã. Porém, isso não significa que as relações bilaterais com a China não tenha evoluído para adquirir uma orientação mais pragmática, obtendo investimentos não só para a exploração e refino do petróleo, como também estabelecendo uma cooperação militar e tecnológica.

                                                                                                                          148

Ver CHINA delivers remote sensing satellite to Venezuela. China Daily, Jiuquan, 29 set. 2012. Disponível em: . 149 Traduzido de YU, J. Foreign Ministry Spokesperson Jiang Yu's Regular Press Conference on September 23, 2008. 23 set. 2008. Disponível em: .

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OBSERVAÇÕES FINAIS

Quando as quatro economias emergentes mais poderosas do mundo resolveram aderir ao acrônimo formado pelas suas iniciais e fundar os BRIC, grande parte dos analistas de relações internacionais e da imprensa foram céticos quanto à viabilidade do projeto. Entre seus argumentos, questionava-se a distância, a diferença cultural, política, religiosa e, em alguns casos, o histórico de conflito. Em 2011, o grupo chegou à sua III Cúpula, adicionando um novo membro para compor os BRICS e pleiteando reformas nas instituições internacionais com o objetivo de torná-las mais plurais e democráticas. Na VI Cúpula dos BRICS, em 2014, o grupo aprofundaria sua institucionalização na medida em que percebeu a inviabilidade de promover reformas no sistema financeiro internacional, devido à recusa do Congresso estadunidense em votar a reforma das cotas do FMI. Em razão disso, anunciam a criação de um banco de desenvolvimento, o NDB, e de um fundo de reservas, o CRA, próprios, indicando que não ficariam reféns de reformas no Banco Mundial e no FMI para alinhar sua representatividade no sistema financeiro ao seu poder econômico. Contudo, apesar de uma análise superficial poder indicar que as relações internacionais brasileiras estão avançando, devido às iniciativas promovidas pelos BRICS, o que se observou nos primeiros quatro anos de governo Dilma Rousseff foi uma deterioração do poder adquirido pela chancelaria brasileira nos oito anos de governo Lula da Silva. Essa redução da participação internacional brasileira ocorreu em grande parte devido ao estilo centralizador de governar e preferências por temas domésticos da nova presidente. A alteração não se restringiu à relação com os países do “Norte Global”, mas em especial à própria região em que o Brasil está inserido, a América do Sul. Ao longo desses anos, Dilma soube de um golpe que depôs o presidente paraguaio pela mandatária argentina, Cristina Kirchner, assistiu à criação de um novo bloco na região, a Aliança do Pacífico, ameaçando o projeto brasileiro de integração para toda a América do Sul, foi criticada pelo seu afastamento pelo governo chileno e permaneceu inerte ao observar seu principal aliado regional, a Argentina, enfrentar a pior crise econômica, política e social de sua história. Ao afastar-se da América do Sul, o governo observa Beijing demonstrar na prática um provérbio extremamente repetido na área de política que afirma que “não existe vácuo de poder”, inserindo-se na região por meio de investimentos em infraestrutura, aprofundamento do comércio e disponibilização de crédito. A ampliação da participação da China nos assuntos 116

internos da região passou a ser observada, inclusive, entre os membros do Mercosul, apesar da impossibilidade do bloco de negociar diretamente um acordo com a China, já que o Paraguai mantém relações diplomáticas com Taiwan. A Argentina, engolfada nas crises e pressionada pelos “fundos abutres” que exigem o pagamento integral dos títulos da dívida, passou a ver a China como uma esperança de salvação para a sua economia. Logo, essa expectativa seria transferida para os BRICS, após uma divulgação na agência de notícias oficial, Télam, de que a China havia sinalizado um apoio ao ingresso argentino no arranjo. Logo, as pretenções argentinas seriam frustradas pelos outros membros que negariam o seu ingresso sob a justificativas de que o grupo ainda estava em processo de estruturação e que, por isso, não pretendia uma expansão. A Venezuela, por outro lado, iniciou sua aproximação da China com uma orientação ideológica, ao interpretar que o país asiático faria uma oposição hegemônica aos Estados Unidos. Contudo, com o desenvolvimento das relações bilaterais, Caracas passou a avaliá-la com um maior pragmatismo, buscando, não só substituir a dependência estadunidense, mas também novos investimentos para o desenvolvimento da indústria petroleira, empréstimos para a reestruturação de sua economia, impactada pela queda nos preços do barril de petróleo, coordenação de exercícios de treinamento militar e desenvolvimento tecnológico. A aproximação brasileira da China pode trazer muitas vantagens para o país, caso ele retome o seu posicionamento protagonista no sistema internacional e utilize a relação bilateral, assim como os BRICS como um holofote para a defesa dos interesses nacionais. Entretanto, a política introspectiva praticada pelo governo Dilma tem afetado diretamente as relações do Brasil com outros atores internacionais e, nesse sentido, contribuído para que a inserção chinesa na América do Sul trouxesse uma ameaça, ao invés de consolidar o país como liderança regional e interlocutor dos vizinhos com o país asiático. Após uma análise aprofundada, permanece a impressão de que a maior ameaça para o protagonismo do Brasil no sistema internacional não é a China, nem outros países do “Norte Global” e do “Sul Global”, mas sim, ele mesmo. Caberá ao governo Dilma reverter, no segundo mandato, o declínio no qual se encontra a política externa brasileira, reposicionando o país como um ator relevante na defesa dos interesses do “Sul Global” e como um líder regional capaz de integrar a América do Sul e unificá-la, ampliando a legitimidade de seus pleitos nos organismos internacionais.

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CONCLUSÃO

Ao longo dos capítulos que compõem este trabalho, buscou-se compreender as estratégias de inserção internacional do Brasil e da China com o objetivo de avaliar de que forma a segunda impactava de forma a oferecer oportunidades e desafios para as pretenções do primeiro. Para realizar esta tarefa, optou-se por adotar o referencial teórico da Teoria Crítica das Relações Internacionais, fundado nos estudos de Robert Cox sobre a aplicação do conceito gramsciano de hegemonia nas relações entre Estados. Em seguida, com o objetivo de compreender as limitações pelas quais o Brasil enfrenta, em razão de suas capacidades e protagonismo, foi possível definir sua condição com base no conceito de potência média para, posteriormente estudar a estratégia adotada pela diplomacia ativa e altiva de particionar a política externa brasileira como em um xadrez tridimensional. Compreendida e estratégia que tornou possível a ampliação do poder brando brasileiro durante o governo Lula da Silva, passou-se a uma análise do comportamento chinês no sistema internacional. Para isso, foi necessário diferenciar conceitos constantemente confundidos, como contra-hegemônico e assistêmico, demonstrando que o fato de a China tentar aumentar sua presença dentro das instituições do sistema instituído pela potência hegemônica não são garantias de que o país não possua uma política contra-hegemônica. Para compreender o apresentado, foi feita uma análise de sua política externa fundada no pleito de que seja feita uma reforma das cúpulas de decisão das instituições com o objetivo de democratizá-las, espelhando a realidade de um novo período em que países emergentes detém capacidades materiais e poder brando maiores do que grande parte dos países desenvolvidos. A perspectiva de rápido desenvolvimento chinês, somada à ampliação de sua influência na Ásia fez com que o governo estadunidense se tornasse receoso de que fosse excluído dos processos de integração e comércio da região. Orientado por esse temor, os EUA passaram a investir na promoção de uma área de livre-comércio com regras de DPI extremamente restritivas na Ásia Oriental, provocando o Império do Meio em sua própria região. Como resposta, Xi Jinping apresentaria em reunião da APEC de novembro de 2014 a sua proposta da FTAAP, diferenciando-se dos Estados Unidos por ser uma proposta inclusiva. Porém, a vertente comercial não é a única na qual a China vem se sentindo constrangida pelo posicionamento estadunidense em sua região. A ampliação das ações da OTAN no seu entorno regional fez com que Beijing se aproximasse de Moscou na OCS, especializando a atuação da organização para a área de defesa. Por fim, a principal iniciativa de Beijing para 118

ampliar sua participação no sistema internacional foi na área das finanças com a criação de instituições financeiras não é em conjunto com os outros BRICS, mas também de forma unilateral, como o Fundo da Rota da Seda e do AIIB. A própria instituição dos BRICS apresentou oportunidades para todos os países envolvidos ampliarem seu poder brando entre os países do “Sul Global”. Inicialmente composto por Brasil, Rússia, India e China, o grupo acolheria a África do Sul, em 2011, com o objetivo de ampliar seu respaldo no continente africano. O foro de concertação focado no pleito de reforma das instituições internacionais e na cooperação entre países do “Sul Global” superaria o ceticismo em razão das disparidades entre seus membros e passaria a ser visto como um exemplo de coordenação política de sucesso entre países emergentes, ampliando o poder de barganha entre seus membros, em especial a China e o Brasil. Contudo, a presença internacional brasileira, que poderia ser vista até 2010 como uma crescente, passou a uma fase de declínio a partir da eleição de Dilma. A preferência da mandatária por assuntos domésticos relegou a política externa para um segundo plano. A orientação mais introspectiva por parte do governo brasileiro que antes era observada por opção da mandatária, passaria a ser uma necessidade para a manutenção da governabilidade. O início de 2015 mostrou-se um período conturbado para a presidente Dilma Rousseff, que foi reeleita em 26 de outubro de 2014 no processo eleitoral mais apertado da história brasileira150, no qual enfrentou Aécio Neves, candidato pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). O primeiro fator que já demonstrava as dificuldades a serem enfrentadas no novo mandato seria a natureza da nova composição do Congresso, considerado o mais conservador desde 1964. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com o aumento de religiosos, militares, empresários e ruralistas e a redução de políticos voltados para causas sociais e sindicais, o país encontra-se sujeito a um possível retrocesso nas conquistas de direitos civis e trabalhistas.151 Com o enfraquecimento de seu apoio no Congresso, o PT sofreria uma nova derrota, quando a oposição mostrou-se dividida entre o deputado Julio Delgado, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), e Eduardo Cunha, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), em oposição ao petista Arlindo Chinaglia, nas eleições para a presidência da Câmara. A vitória de Cunha com 267 votos contra os 136 de Chinaglia imporia não só uma                                                                                                                           150

Ver RESULTADO da eleição é o mais apertado já visto no Brasil. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 out. 2014. Disponível: . 151 Ver PASSOS, N. Congresso eleito é o mais conservador desde o fim da ditadura, diz Diap. Carta Maior, Brasília, 7 out. 2014. Disponível em: .

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derrota ao PT no legislativo, mas também ao executivo, com um membro da bancada evangélica e desafeto público da presidente, que dificilmente deixará que temas progressistas, como a descriminalização do aborto, a regulamentação da canabis, a criminalização da homofobia e a democratização dos meios de comunicação, sejam aprovados na Casa. No campo econômico, a redução do crescimento do PIB somado ao aumento do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) com relação a 2013, atingindo 6,41%, pouco abaixo do teto da meta de inflação estabelecido pelo Banco Central, de 6,5%152, suscitavam questionamentos quanto às estrtatégias econômicas traçadas pelo governo que, até pouco tempo, dava lições de como superar a crise na Europa e nos EUA. A escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, conhecido pela sua preferência pela austeridade fiscal, simbolizou uma clara reorientação do governo Dilma, abandonando as políticas desenvolvimentistas e heterodoxas de Guido Mantega para abraçar a ortodoxia e o monetarismo para “dar maior eficiência” aos gastos do governo. A escolha sinaliza a possibilidade de uma redução dos investimentos em projetos sociais, na educação, na saúde, fim das políticas de desoneração da indústria e retrocesso nos direitos trabalhistas, perspectivas que provocaram resistência de sindicatos, movimentos sociais e outros setores progressistas da sociedade. As investigações de corrupção na Petrobras somariam-se aos outros dois fatores para impactar diretamente na popularidade do governo Dilma. A operação da polícia federal que viria a ficar conhecida como Lava Jato, por ter sido descoberta em um posto de gasolina em março de 2014, investiga denúncias de lavagem de dinheiro e desvio de verba pública com participação de grandes empreiteiras, como Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht, e de políticos, entre os quais foi criada uma lista com 50 investigados entre membros dos partidos: PMDB, Partido Progressista (PP), PSDB, PT, Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Solidariedade (SD)153. Para completar o impacto negativo contra o governo, a imprensa brasileira utiliza, novamente, sua estratégia de difamação, atacando o governo constantemente com rumores e vazamentos de declarações de delatores, utilizando-se do jornalismo declaratório em detrimento do investigativo. A crise hídrica e energética, causada pela escassez de chuvas que reduziu os níveis dos principais reservatórios de hidrelétricas, provocou falta de água, principalmente no estado de                                                                                                                           152

Ver CURY, A.; QUAINO, L. Inflação fecha 2014 em 6,41%, abaixo do teto da meta. Globo, São Paulo/Rio de Janeiro, 9 jan. 2015. Disponível em: . 153 Para maiores detalhes, ver ENTENDA a Operação Lava Jato, da Polícia Federal. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 nov. 2014. Disponível em: .

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São Paulo, e apagões em 11 estados, forçando o governo a estabelecer novas regras para a tarifação da conta de luz. O aumento do preço da energia elétrica impactaria em toda a economia, pressionando o IPCA a subir e gerando profundas insatisfações na classe média, já bombardeada pelos ataques constantes da imprensa ao governo. O resultado logo seria sentido com a divulgação, em fevereiro de 2015, da pesquisa sobre a avaliação do governo realizada pelo Instituto de Pesquisas Datafolha. De acordo com o apurado, a aprovação do mandato de Dilma atingiu o nível mais baixo desde sua posse, em 2011. Em uma comparação com a pesquisa de dezembro de 2014, a aprovação do governo (porcentagem que o considera bom ou ótimo) caiu de 42% para 23%, enquanto a reprovação (que o considera ruim ou péssimo) subiu de 24% para 44%.154 O reflexo desse declínio da popularidade da presidente pode ser observado nas manifestações de 15 de março de 2015, que se espalharam por diversos estados, impulsionadas pela massiva divulgação feita pela imprensa nacional. As manifestações que tiveram como foco central o repúdio à corrupção e o pedido de impeachment da presidente Dilma reuniram pouco menos de 1 milhão de pessoas nas ruas de todo o país155, agrupando conservadores e partidários do retorno da ditadura militar. O impacto na aprovação do governo foi divulgado pelo Datafolha, que no dia 18 de março ampliou a taxa de reprovação do governo para 62%156, e reafirmado na declaração de Eduardo Cunha157, preocupando o governo. A resposta do executivo à manifestações também viria no dia 18, com a apresentação de um pacote com sete medidas para prevenir e punir atos de corrupção.158 Diante do exposto, é compreensível que o governo tenda a focar esforços para retomar a confiança perdida em meio aos escândalos de corrupção, dados econômicos ruins e crises hídrica e elétrica, contudo, revisar a política externa, retomando uma estratégia de protagonismo poderia facilitar seu trabalho, ao menos no que diz respeito à economia. A retomada das negociações de comércio com seus parceiros comerciais tradicionais do “Norte                                                                                                                           154

Para maiores dados, ver DATAFOLHA. Avaliação da presidente Dilma Rousseff. São Paulo: Datafolha, 6 fev. 2015. 243 p. Disponível em: . 155 Ver PROTESTOS contra o governo reúnem quase 1 milhão pelo país. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 mar. 2015. Disponível em: . 156 Ver MENDONÇA, R. No 3º mês do novo mandato, 62% desaprovam Dilma. Datafolha, 18 mar. 2015. Disponível em: . 157 Ver HAUBERT, M.; TALENTO, A. Cunha diz que Datafolha constatou o que as ruas já mostraram. Folha de São Paulo, Brasília, 18 mar. 2015. Disponível em: . 158 Ver EM meio a crise, Dilma anuncia medidas de combate à corrupção. Folha de São Paulo, Brasília, 18 mar. 2015. Disponível em: .

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Global” poderia ampliar a capacidade de barganha do país, não só com eles, mas também com a China, estratégia recorrente no passado, em que países do MNA, ditos do “Terceiro Mundo”, que negociavam seu apoio em temas específicos em troca de investimentos e maiores vantagens comerciais por parte dos Estados Unidos e da União Soviética. Uma das iniciativas que o governo poderia retomar seriam as negociações com os Estados Unidos para expansão comercial e de ações diplomáticas, interrompidas após as denúncias, feitas por Edward Snowden, de espionagem praticada pela Agência Nacional de Segurança (NSA) contra diversos chefes de Estado, entre eles a presidente Dilma Rousseff159 e, também, à Petrobras. Em razão do ocorrido, o governo brasileiro decidiu por cancelar a visita de Estado aos Estados Unidos160 e substituir a compra dos 36 caças Boeing F/A-18 americanos, pelos Saab Gripen NG suecos, para a Força Aérea Brasileira (FAB), compra que vinha sendo negociada desde 2001161. Inclusive, o episódio contou com um enfático discurso da presidente na abertura da 68ª AGNU repudiando “um caso grave de violação dos direitos humanos e das liberdades civis; da invasão e captura de informações sigilosas relativas as atividades empresariais e, sobretudo, de desrespeito à soberania nacional do meu país”.162 A perspectiva de retomada das relações, ou pelo menos do interesse estadunidense para isso, aconteceria com a vinda do vice-presidente Joe Biden para a posse de Dilma, em 1º de janeiro de 2015163. A visita, que contou com um encontro bilateral, foi significativa pelo fato de ser raro o envio de uma autoridade como o vice-presidente estadunidense para participar da posse de um presidente brasileiro, algo que ocorreu pela última vez na posse de Fernando Collor de Mello, em 1990, em razão de ser um episódio histórico para a redemocratização. Posteriormente, no dia 13 de março, os dois conversaram por telefone com o objetivo de retomar as negociações bilaterais, com uma possível viagem de Dilma aos                                                                                                                           159

Ver DOCUMENTOS da NSA apontam Dilma Rousseff como alvo de espionagem. Globo, 1 set. 2013. Disponível em: . 160 Ver SADI, A. Dilma decide cancelar viagem aos EUA em outubro. Folha de São Paulo, Brasília, 17 set. 2013. Disponível em: . 161 Ver SADI, A.; NERY, N.; GIELOW, I. Após mais de dez anos, Dilma escolhe caças suecos para a FAB. Folha de São Paulo, Brasília, 18 dez. 2013. Disponível em: . 162 Ver ROUSSEFF, D. Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na abertura do Debate Geral da 68ª Assembleia-Geral das Nações Unidas. Nova York: Assembleia-Geral das Nações Unida, 24 set. 2013. Disponível em: . 163 Ver DILMA e Joe Biden falam sobre relações bilaterais. Portal Brasil, 2 jan. 2015. Disponível em: .

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Estados Unidos em setembro164. Se bem sucedida, a aproximação entre Washington e Brasília pode auxiliar o primeiro em duas frentes na América Latina, a primeira é a rebelde Venezuela de Maduro, e a segunda é Cuba, de Castro, com quem recentemente retomou as relações diplomáticas, dando um primeiro passo para o fim do embargo econômico, comercial e financeiro. Outra aproximação que poderia contar com um maior esforço do governo brasileiro é o prometido acordo entre Mercosul e UE. Desde 1995, os dois blocos possuem um AcordoQuadro de Cooperação Interregional e, desde 1998, iniciaram as negociações para um acordo de livre comércio, que abarcasse também o diálogo político e a cooperação (FLÔRES JR., 2013). Após suspensas em 2004, por impossibilidade de atingir um consenso entre as partes, as negociações foram retomadas em 2010165. O acordo seria extremamente importante para o país, que perdeu o acesso preferencial ao mercado europeu pelo Sistema Geral de Preferências desde janeiro de 2014166. Contudo, após um longo período de resistência argentina, que travou as negociações para um possível acordo de livre-comércio com a União Europeia, hoje, reside em Bruxelas, cidade sede da UE, a necessidade de concluir suas consultas internas para que, finalmente, ambos os blocos apresentem suas propostas.167 A consolidação de acordos tanto com os Estados Unidos como com a União Europeia, assim como o fortalecimento da cooperação Sul-Sul contribuiriam para a consolidação da natureza universalista de sua política externa, diversificando parcerias entre “Norte Global” e “Sul Global”. A partir dessas estratégias, o Brasil aprofundaria seus acordos com importantes mercados consumidores, ampliando, indiretamente o poder do país, uma vez que passaria a contar com um número maior de países com os quais poderia negociar e, dessa forma, barganhar melhores condições para o comércio, assim como outros interesses políticos independentes.

                                                                                                                          164

Ver LAMUCCI, S. Biden fala com Dilma e reforça parceria entre Brasil e Estados Unidos. Valor Econômico, Washington, 13 mar. 2015. Disponível em: . 165 Ver COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION. IV EU-Mercosur Summit Joint Communiqué. Madrid: IV EU-Mercosur Summit, 17 mai. 2010. Disponível em: . 166 Ver BIZZOTTO, M. Fim de vantagens comerciais com UE pode afetar 12% de exportações brasileiras. BBC Brasil, Bruxelas, 12 out. 2012. Disponível em: . 167 Ver MERCOSUL aguarda reação da UE para fechar acordo, diz ministro. Valor Econômico, São Paulo, 13 fev. 2015. Disponível em: .

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No que diz respeito à cooperação Sul-Sul, a maior empresa brasileira168, a Petrobras, tem participado ativamente de diversas parcerias em países da África e da América Latina, contudo, vale ressaltar a atuação da empresa com relação à China. O gigante asiático tornouse o maior comprador da petroleira, aumentando sua participação nas importações de petróleo da empresa de 5% em 2004 para 45% em 2014169. Com as denúncias de corrupção que envolveram a Petrobras e a dificuldade em auditar seu balanço, vieram a crise de confiança de acionistas, o que fez o valor de suas ações despencarem, o processo movido por acionistas minoritários nos EUA por sentirem-se lesados diante da falta de conhecimento dos esquemas que envolviam a petroleira e a perda do grau de investimento dos seus títulos da dívida, dificultando a obtenção de crédito. Para capitar recursos a fim de manter seus projetos de investimento, principalmente para o pré-sal, a Petrobras adotou a estratégia de reduzir sua participação em outros mercados que não o brasileiro, um exemplo foi a venda de ativos de exploração e de produção de petróleo argentino no valor de US$ 101 milhões, no dia 31 de março de 2015. No dia seguinte ao anúncio da redução de seu posicionamento no mercado argentino, uma subsidiária da Petrobras no exterior, a Petrobras Global Trading (PGT) logrou firmar um contrato com o CDB para um financiamento de US$ 3,5 bilhões. Apesar de nenhuma das duas partes comentar as bases nas quais foi firmado o contrato, é provável que tenha sido negociado o fornecimento de petróleo da estatal para a China, repetindo a estratégia utilizada em outros países, e também em um acordo anterior da empresa com o CDB de 2009, que previa o empréstimo de US$ 10 bilhões por dez anos em troca do petróleo, além de compras de bens de capital e de serviços prestados por empresas chinesas.170 O investimento brasileiro na cooperação Sul-Sul resultaria na vitória da candidatura brasileira ao cargo de diretor-geral na OMC, eleição que evidenciou a queda de braço entre o                                                                                                                           168

Segundo dados disponíveis de 2013, a Petrobras é a maior empresa brasileira em vendas líquidas e lucro, ainda que tenha reduzido seu valor na Bolsa de Valores de São Paulo, em razão dos escândalos de corrupção envolvendo a empresa e da quedas do preço do barril de petróleo no mercado internacional. Descarta-se o valor de mercado como método para apuração do tamanho de uma empresa por considerar-se que as ações estão sujeitas a práticas especulativas, capazes de aumentar ou diminuir drasticamente seu preço sem que haja uma real motivo para tal variação. Ver AS 100 maiores empresas do Brasil em 2013. Exame. Disponível em: . Ver também PETROBRAS cai para 3º entre as mais valiosas do Brasil. Terra, 8 dez. 2014. Disponível em: . 169 Ver NINIO, M. Petrobras tem sido tímida em relação à China, diz representante da estatal. Folha de São Paulo, Beijing, 24 mai. 2014. Disponível em: . 170 Ver ORDOÑEZ, R.; ROSA, B. Petrobras fecha empréstimo de US$ 3,5 bilhões com banco chinês. O Globo, Rio de Janeiro, 1 ar. 2015. Disponível em: .

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“Norte Global” e o “Sul Global”. Roberto Azevedo recebeu apoio massivo da América Latina, da África e uma articulação favorável intensa por parte da China contra o mexicano Hermínio Blanco, apoiado massivamente pela UE e pelos EUA. O resultado histórico daria a vitória por 93 dos 159 votos ao brasileiro, em 8 de maio de 2013171, garantindo, pela primeira vez, a vitória de um candidato contrário aos interesses europeus e americanos. O movimento se soma à vitória de outro brasileiro, José Graziano da Silva, que se tornou diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em 1º de janeiro de 2012, sinalizando com uma ampliação do poder do “Sul Global” nas instituições internacionais que não privilegiam o Norte com condições preferenciais de decisão. Contudo, ainda que a participação de países emergentes e a promoção da cooperação Sul-Sul tenham contribuído para ampliar seu poder de voto em algumas instituições, isso não significa que as reformas pleiteadas no sistema financeiro internacional e na ONU tenham deixado de ser apenas uma pretenção longínqua. Como apresentado ao longo desse trabalho, os BRICS representaram um grande avanço em direção à institucionalização dos países emergentes para a coordenação com o objetivo de definir estratégias conjuntas para fortalecer suas posições. Contudo, a frustração em conquistar uma reforma capaz de democratizar o FMI e o Banco Mundial, ampliando a participação do “Sul Global”, levou o grupo da instituir o seu próprio banco de desenvolvimento, o NDB, e fundo de reservas, o CRA, demonstrando claramente uma insatisfação desses países. A percepção da incapacidade de adaptação, por parte das instituições financeiras tradicionais, à nova realidade de poder no mundo começou a demonstrar uma redução de sua relevância entre os países emergentes. A evidência disso é a iniciativa liderada pela China de estabelecer um novo sistema financeiro mundial, composto não só pelas instituições implementadas pelos BRICS, mas também pelo Fundo Rota da Seda e, principalmente pelo AIIB, que surge como opção, não só frente ao FMI e Banco Mundial, mas também diante do Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB), sob influência japonesa. A própria perspectiva de criação do AIIB suscitou declarações contrárias por parte dos Estados Unidos, pressionando aliados para não aderirem ao Banco sob a justificativa de ausência de transparência e governança.172 Contudo, essa não foi a primeira evidência de que o governo estadunidense agiria de forma a conter as pretensões de ampliação do poder brando chinês. No discurso State of the                                                                                                                           171

Ver BONIS, G. "Escolha de Azevedo mostra confiança na liderança do Brasil", diz analista. Carta Capital, 8 mai. 2013. Disponível em . 172 Ver AIIB: US urges allies to think twice before joining. China Daily, Berlim/Washington, 18 mar. 2015. Disponível em: .

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Union, proferido em 20 de janeiro de 2015, o presidente estadunidense Barack Obama não só provocou a China no que diz respeito à sua suposta pretenção de estabelecer as regras para a sua região geográfica, como reafirmou seu compromisso com a proposta de tratado de livrecomércio com a Ásia, como transcrito a seguir:

Hoje, nossas empresas exportam mais do que nunca, e os exportadores tendem a pagar aos seus trabalhadores salários mais altos. Mas, enquanto falamos, China quer escrever as regras para a região que possui o crescimento mais rápido do mundo. Isso colocaria nossos trabalhadores e as nossas empresas em desvantagem. Por que deveríamos deixar que isso aconteça? Nós devemos escrever essas regras. Devemos nivelar o campo de jogo. É por isso que eu estou pedindo ambas as partes para me dar autoridade de promoção comercial para proteger os trabalhadores americanos com fortes novos acordos comerciais desde a Ásia até a Europa ... que não são apenas livres, mas também são justos. (…) Na Ásia-Pacífico, estamos modernizando alianças enquanto assegurando que outras nações sigam as regras do jogo no modo como comercializam, como eles resolvem disputas marítimas, como eles participam no enfrentamento de desafios internacionais comuns, como a não-proliferação e auxílio de desastres.173

No discurso, Obama reafirmou seu compromisso com o processo de abertura econômica da Parceria Trans-Pacífico (TPP), de liderança estadunidense e que excluiria a China e a Rússia devido ao estabelecimento de normas extremamente rígidas de propriedade intelectual, em oposição à proposta chinesa de Área de Livre-Comércio da Ásia Pacífico, que abrangeria toda a região, sem invalidar os acordos de livre-comércio firmados previamente. Entretanto, apesar da tentativa estadunidense de esvaziar a adesão internacional ao AIIB, o que se pode observar foi o interesse de vários de seus aliados em ingressar como membros fundadores do banco174, entre eles o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Itália, a Nova Zelândia, a Austrália, a Coréia do Sul e, até mesmo, Taiwan, que apresentou sua carta de ingresso ao escritório do Estado chinês localizado dentro do seu território, sinalizando com o princípio de "Uma China”175. Dessa forma, apesar da atuação estadunidense, 46 Estados haviam enviado pedido para constar entre os membros fundadores até o dia 1º de abril de 2015176, entre eles as quatro principais economias do BRICS, China (fundadora), Brasil, Rússia e Índia, evidenciando o reconhecimento da capacidade de agregação das novas potências emergentes.                                                                                                                           173

Transcrito e traduzido de OBAMA, B. H. 2015 State of the Union Address. 2015. Discurso. Disponível em: . 174 Ver WEIHUA, C. US losing by pressuring nations not to join Asia bank. China Daily, 16 mar. 2015. Disponível em: . 175 Ver TAIWAN files application to join AIIB. China Daily, Taipei, 31 mar. 2015. Disponível em: . 176 Ver CHUNYAN, Z.; YINAN, Z.; WEIHUA, C. 46 countries apply to AIIB. China Daily, Beijing/Washington, 1 abr. 2015. Disponível em: .

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A partir dessas observações, é possível constatar algumas das oportunidades de ampliação da capacidade de barganha brasileira no sistema internacional a partir da associação com a China, seja a conquista de cargos de grande visibilidade em instituições do sistema internacional, ou seja pelo estabelecimento de instituições alternativas às tradicionais, como o NDB, o CRA e o AIIB, ainda que não tenha sido publicizada até o presente momento como será a estrutura de poder dentro do último. Por outro lado, a alteração do grau de prioridade dado à política externa brasileira pelo governo Dilma fez com que o país perdesse parte da influência que exercia na própria região em que é lider, a América do Sul. Diante da inércia brasileira, e confirmando o provérbio de diz que “não existe vácuo de poder”, a China aprofundou sua cooperação política, econômica e comercial com países sul-americanos. Dessa forma, é possível concluir que a maior ameaça à inserção internacional brasileira reside em sua própria introspecção, priorizando a política doméstica às relações internacionais.

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