Aspectos da cultura pentecostal brasileira: origem, influências e desenvolvimento

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

GLAUBER ALENCAR

ASPECTOS DA CULTURA PENTECOSTAL BRASILEIRA Origem, influências e desenvolvimento

SÃO PAULO 2015

I  

GLAUBER ALENCAR

ASPECTOS DA CULTURA PENTECOSTAL BRASILEIRA Origem, influências e desenvolvimento

Dissertação apresentada ao núcleo de PósGraduação

da

Mackenzie,

como

Universidade

Presbiteriana

requisito

para

parcial

a

obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Bitun

São Paulo 2015

II  

A368a Alencar, Glauber Rodrigues de

Aspectos da cultura pentecostal brasileira: origem, influências e desenvolvimento / Glauber Rodrigues de Alencar – 2015. 52 f.; 30 cm Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Bitun Bibliografia: f. 49-51 1. Pentecostalismo 2. Cultura 3. Transformação I. Título LC BR1644.5.B6

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GLAUBER RODRIGUES DE ALENCAR ASPECTOS DA CULTURA PENTECOSTAL BRASILEIRA Origem, influências e desenvolvimento Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação do centro de Educação, Filosofia e

Teologia

da

Universidade

Presbiteriana

Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião

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Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Ricardo Bitun – Orientador Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Souza Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Ivan de Oliveira silva Universidade São Francisco

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DEDICATÓRIA

À Priscila, Migueo e Manuela

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AGRADECIMENTOS

A DEUS, meu cuidador, por ter me dado vida e por me permitir fazer parte de sua engrenagem fantástica. À minha esposa Priscila. Desconheço outra pessoa tão especial. Sem você a vida não tem graça. Vamos até o fim! Aos meus filhos, Migueo e Manuela, presentes incríveis, bonitos e engraçados. A Universidade Presbiteriana Mackenzie, por incentivar o conhecimento de tantos debaixo do princípio maior da sabedoria. Ao Dr. Ricardo Bitun, professor, orientador, meus agradecimentos e estima. Que Deus o guarde sempre. Aos meus colegas, a quem desejo toda a sorte em suas empreitadas. Deixo aqui meu carinho e admiração. Ao corpo docente, prezados professores portadores de conhecimento. Em cada aula me tornei mais completo. Agradeço por percorrerem o caminho antes de mim e me guiarem, cada um do seu jeito. Aos milhares de pentecostais, que me proporcionaram tantas experiências, algumas descritas neste trabalho, outras que guardo na memória.

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RESUMO

Essa dissertação tem como objetivo apresentar uma leitura do processo que transformações pelas quais o pentecostalismo tem passado. Nosso argumento é que o pentecostalismo brasileiro pode ser lido a partir dos elementos da cultural brasileira, com a qual mantém uma relação de rejeição e assimilação ou aculturação. Trata-se, pois, de considerar os elementos básicos da cultura brasileira para compreendermos algumas de suas expressões no pentecostalismo. Buscaremos identificar alguns fatores que confirmem nosso argumento.

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ABSTRACT The purpose of this research is to show the transformation process through which pentecostalism has undergone. Our main argument is that brazilian pentecostalism can be understood in light of the elements of brazilian culture, whith which it maintains a relation of rejection and assimilation or acculturation. The approach here considers the basic elements of brazilian culture in order to understand how they are expressed in pentecostalism. We will endeavor to identify some factors that can back our argument.

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Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 .................................................................................................................................. 8 Elementos do pentecostalismo brasileiro ........................................................................................ 8 1.1 Origens assembleianas ............................................................................................................... 9 1.2 O objeto comum do pentecostalismo: a glossolalia................................................................. 10 CAPÍTULO 2 ................................................................................................................................ 17 Os elementos formadores da cultura pentecostal brasileira........................................................... 17 2.1 Elementos da cultura brasileira: a miscigenação ..................................................................... 18 2.2 Elementos da cultura sueca: subordinação ritual ..................................................................... 22 2.3 Elementos da cultura americana: americam dream ................................................................. 24 2.4 O livro sagrado dos pentecostais: meio e mensagem .............................................................. 26 CAPÍTULO 3 ................................................................................................................................ 30 O desenvolvimento da cultura pentecostal .................................................................................... 30 3.1 As igrejas da primeira onda – rejeição da cultura ................................................................... 34 3.2 Igrejas da segunda onda – síntese e assimilação cultural ........................................................ 39 3.3 Igrejas da terceira onda – aculturação ..................................................................................... 42 CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 49

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INTRODUÇÃO A relação entre religião e cultura secular é um dos temas clássicos na literatura sociológica e nas ciências da religião, tratando-se de um dos grandes desafios à análise teórica. De modo especial, o pentecostalismo tem sido a vertendo do cristianismo que mais tem desafiado os modelos analíticos, visto que sua mobilidade e transformação é notável conforme nos indica os ultimos dados censitários.1 Na tentativa de produzir modelos explicativos que dêem conta dessas transformações, os pesquisadores proporam uma variedade de tipologias. De modo específico, pode-se dizer que o modelo weberiano, cuja leitura enfatiza um processo de transformações que culmina numa secularização da sociedade, tenha se sido a principal chave de leitura desse fenômeno na modernidade. Exploraremos isso mais adiante. Richard Niehbur (1967), em sua obra clássica Cristo e Cultura, profundamente influenciado por Max Weber, sugere uma tipologia dos cinco modelos históricos de relacionamento de correntes cristãs com a cultura secular. Seu objetivo era caracterizar as tranformações pelas quais a tradição cristã passou, sendo útil pensarmos nos desdobramentos do pentecostalismo brasileiro. Conforme sua tipologia havia dois extremos que era preciso compreender: a primeira ele chama de Cristo contra a Cultura e busca descrever os períodos no qual o cristianismo mantinha uma postura de rejeição da cultura; desse universo fazia parte os grupos monásticos e sectários, e pensadores como Tertuliano e Tolstoy. No segundo extremo, havia o que ele denominava de Cristo da Cultura, modelo segundo o qual buscava descrever correntes do protestantismo que agiam em concordância com a cultura de seu tempo, caracterizando uma assimilação e aculturação. Um exemplo desta corrente é o protestantismo cultural liberal do século XIX. Nessa relação de rejeição e assimilação, grande parte do cristianismo foi moldada na tensão com a cultura secular. Entre esses polos extremos, Niehbur menciona ainda três tipos intermediarios que compõem a “igreja do centro”: o primeiro é o modelo Cristo acima da cultura, que faz uma 1

Para uma problematização dos dados ver dossiê de 2014 produzido pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER).

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síntese com a cultura ora de continuidade ora de descontinuidade; o quarto modelo é Cristo e cultura em paradoxo e representa a tensão entre Igreja e Cultura que pode ser demonstrada no dualismo de Lutero, Roger Williams e algumas formas de Luteranismos. Finalmente, o quinto modelo é Cristo o transformador da cultura caracterizado nos movimentos que pregam o conversionismo como os de Agostinho e Calvino. Estes apesar de aceitarem a decadência da cultura secular não deixam de acreditar em sua transformação. Niehbur se utiliza da nomenclatura “Cristo” para descrever as diferentes correntes cristãs e contrapô-las à cultura secular. O termo “Cristo” representa o “cristianismo” e “cultura” significa cultura secular. A palavra “Cristo” é preferida por este autor, ao invés de “igreja” ou “cristianismo” de modo a evitar a bagagem que estes termos mais comuns poderiam trazer à discussão. De que modo esses modelos podem nos ajudar a pensar o contexto da cultura brasileira e sua relação com o pentecostalismo? Nosso objetivo é traçar um breve perfil da cultura pentecostal brasileira, principalmente através de uma análise da relação entre este movimento religioso e a cultura secular dominante no Brasil. Buscamos relacionar alguns elementos da cultura brasileira e o processo de rejeição e assimilação por parte dos pentecostais. O termo “pentecostalismo” será utilizado de modo abrangente para descrever a cultura pentecostal e os termos “cultura” e “cultura secular” serão usadas em contraponto a “pentecostalismo” e “cultura pentecostal”. Não pretendemos entrar aqui numa discussão prolongada sobre a definição de cultura, cientes das conclusões importantes de antropólogos e sociólogos desenvolvidas sobre o tema.2 Entendemos que toda religião, do ponto de vista social, tem cultura própria. Ademais, cada corrente religiosa dentro de uma mesma religião também desenvolve traços culturais próprios. Ou seja, a cultura pentecostal brasileira tem características que ora diferem ora se assemelham com a cultura secular brasileira; ora se assemelham e ora diferem das demais correntes protestantes. Não obstante, é uma cultura por si só e pode ser estudada como tal. É importante citar também que reconhecemos as limitações das tipologias e categorizações de movimentos de Richard Niehbur. De modo mais amplo, o paradigma da 2

Uma excelente discussão sobre o conceito de cultura pode ser vistas em Clifford Geertz (1989) e Roy Wagner (2010).

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secularização também é prolematizado por muitos autores (GIUMBELLI, 2002; MONTERO, 2003). Alexandre da Silva Chaves Chaves também faz ressalvas ao argumentar que “as tipologias tiveram como sinais auxiliares na observação do fenômeno pentecostal, contudo, compreendo que essas já não conseguem apreender a totalidade do campo religioso brasileiro” (2012, p. 79). Nesse sentido, a configuração do pluralismo brasileiro imprime novos desafios aos modelos analíticos. Richard Niehbur argumentava sobre o “perigo de confundirmos tipos hipotéticos com a rica variedade e com a individualidade multicor das pessoas” (1967, p. 147). Por outro lado entendemos a relevância dos tipos ideais na compreensão de temas complexos, de movimentos em constante mutação como no caso deste objeto de estudo: o pentecostalismo brasileiro. Assim, percebemos que a relação entre o cristianismo e a cultura como descreveu Niehbur ou mais especificamente entre a maneira como os pentecostais tem se relacionado com a cultura secular tem grande peso na análise do desenvolvimento do pentecostalismo. Em aproximadamente cem anos da presença dos pentecostais no Brasil, percebe-se um conjunto de mudanças na maneira como o pentecostalismo se relaciona com a cultura secular, notadamente ocorre um verdadeiro estreitamento dessa relação, de uma igreja fechada para uma igreja assimilada. Buscaremos descrever o processo de assimilação e aculturação dos pentecostais no Brasil, bem como os motivos que levaram a esta integração sócio religiosa, e finalmente compreender os resultados advindos deste estreitamento de relação. Para corroborar com esse objetivo buscaremos analisar fatos históricos que permitiram a abertura nesta relação entre os pentecostais e a cultura secular, identificar acontecimentos marcantes no pentecostalismo e neopentecostalismo e suas relações diretas e indiretas com o ambiente cultural nas dadas épocas, do modernismo e sua relação com o pentecostalismo e do pós-modernismo e sua relação com o neopentecostalismo. Considerando a imensidão do tema proposto, o primeiro capítulo será reservado para se fazer uma breve descrição sobre o movimento pentecostal, especialmente o pentecostalismo tradicional. Argumentamos nesse capítulo o processo de deslocamento do fenômeno da glossolalia, considerado um dos elementos centrais, para novos elementos. O segundo capítulo será dedicado aos elementos formadores da cultura pentecostal. Tratase de verificar o modo como essa “brasilidade” (miscigenação) imprime sua marca no

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pentecostalismo ao recepcionar os elementos da cultura sueca (subordinação ritual) e da cultura americana (american dream). No terceiro capítulo nos debruçaremos sobre os desdobramentos histórico-culturais nas três ondas do pentecostalismo, seguindo a tipologia proposta por Freston (1996) e Ricardo Mariano (1999). Nesse ponto, buscaremos articular os modelos analíticos de Niehbur com a tipologia das três ondas do pentecostalismo. A problematização surge principalmente da observação dos fenômenos e nuances psicossociais da modernidade, e a avassaladora influência que os mesmos exercem no desenvolvimento do pentecostalismo na atualidade. Numa análise histórica, constata-se que apesar de manterem elementos típicos da cultura brasileira, os primeiros pentecostais resistiram de maneira ferrenha a muitos elementos exteriores da cultura, criando suas doutrinas, seus “usos e costumes”, formando uma cosmologia própria até certo ponto alheia ao sistema político, cultural e social. Assim surge a questão de pesquisa: os elementos culturais exteriores são mais influentes do que as tradições pentecostais na formação do pentecostalismo contemporâneo? A partir daí surge outras questões: não teria se transformado o movimento pentecostal atual, em sua essência coletiva, em puro reflexo da cultura? Tem este movimento se consolidado como transformador ou ao menos influenciador da cultura? Qual seria a explicação para tão abrupta transição (teria sido abrupta?) deste movimento que nasce contra cultural e em poucas décadas passa a ser muito parecido com a cultura que o cerca? Não seria a cultura gospel3 uma assimilação do mercado? Tomemos como exemplo o próprio uso da palavra “gospel” e os motivos que levam ao uso de palavras anglicanas no léxico nacional. Numa análise dos “processos de incorporação das palavras inglesas no português brasileiro” conclui-se que “o anglicismo sirva para marcar a diferenciação competitiva entre quem dispõe de capital simbólico e a massa não consumidora”, e que o “anglicismo demarca as diferenças entre as classes sociais” e, além disso, hoje em dia é considerado “chique” falar algumas palavras em inglês, mesmo que existam possíveis sinônimos

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Nome anglicano adotado pelos neopentecostais designado para representar o pentecostalismo moderno.

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na língua pátria, por preferir o glamour do sotaque estrangeiro, e o símbolo de status a que estão associadas (ALCÂNTARA, 2006).4 Que análise podemos fazer, por exemplo, da estratégia de Edir Macedo, que tenta transformar a Rede Record na principal televisão secular do país, optando por uma programação diária que em pouco difere de suas concorrentes? Talvez a pesquisa mostre que no seu âmago a mensagem da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) é um dos exemplos de assimilação da sociedade pós-moderna ocidental. Seja qual for o caso nota-se que no entendimento de Macedo o caminho mais curto para a dominação religiosa passa pela assimilação da cultura de seu tempo, e que o ensino que transforma e conquista as massas atualmente não provém apenas da teologia aprendida em seminários, mas de se entender a cultura popular e oferecer um produto religioso que supra suas necessidades das pessoas. Atualmente os cantores ou “artistas gospel” chegam a ganhar cachês impressonantes em apresentações, possuem contratos lucrativos com gravadoras – muitas delas seculares – e em pouco se diferenciam de artistas seculares, seja na vestimenta, na produção, ou nos mimos. Suas bases de fãs – que os idolatram – são idênticas as de artistas seculares. Perguntamos: qual a diferença – se há – entre a cultura gospel e a cultura secular na música? Seriam realmente duas culturas, ou a mesma cultura com embalagens diferentes – a embalagem da religião e a secular? Qual a diferença entre a indústria musical “gospel” e a indústria secular, a não ser que uma se autoproclama religiosa e a outra não? A sacralidade e reverência ainda tem peso na música popular religiosa atualmente ou teriam estas se rendido à mão invisível do mercado5 ao invés da mão invisível do Deus pentecostal? O mercado gospel, ou os negócios paralelos que possuem fins lucrativos como venda de produtos, se transforma cada vez mais num mercado competitivo. O comércio de produtos evangélicos movimenta enormes quantias anuais. Roupas “gospel”, restaurante “gospel”, filmes “gospel”. Terá o movimento pentecostal se rendido à cultura secular, ou estaria este transformando a cultura ao seu redor? Talvez ambos?

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http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/4mostra/pdfs/539.pdf).

Termo usado por Adam Smith para descrever a força natural que guia o capitalismo de livre mercado através da competição pelos recursos escassos: http://www.investorwords.com/2633/invisible_hand.html#ixzz3K0tgrqDP

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No campo da política partidária, o número de parlamentares pentecostais cresce avassaladoramente, e em épocas de eleição, os processos de campanha nas Igrejas são iguais, ou até mesmo mais “agressivos” do que nos palanques públicos. Qual o momento que votar em “irmão” se tornou uma estratégia? Segundo Ricardo Mariano e Antonio Flávio Pierucci (1992), 1986 teria sido o marco histórico da participação política dos pentecostais. Neste ano teriam elegido 33 parlamentares evangélicos para o Congresso Nacional Constituinte, sendo a maioria da centenária Assembleia de Deus, seguida da Igreja Universal do Reino de Deus, isto é, duas grandes representante do pentecostalismo clássico e neo-pentecostal. Os pentecostais (enquanto instituições), que estiveram ausentes nas lutas democráticas contra o regime ditatorial de 1962 a 1985, e ausentes nas chamadas “diretas já”, em 1984, tiveram a eleição de 1989 como seu primeiro forte envolvimento político. Nossa hipótese é de que o pentecostalismo se iniciou contra cultural e hoje cada vez mais, principalmente no sentido coletivo passa a assimilar elementos da cultura brasileira como um todo, e que, portanto os impactos de transformação social deste movimento se tornarão cada vez menos relevantes se esta tendência continuar. Por esta hipótese, reafirma-se a relevância acadêmica do tema apresentado, isto é, seu valor dentro dos temas tratados na atualidade pela academia brasileira considerando-se o pentecostalismo a vertente evangélica de maior crescimento e influência inegável nas esferas sociais do país na atualidade. No que tange a importância social da pesquisa, uma análise da relação pentecostal com a cultura secular pode contribuir para uma compreensão do pentecostalismo superando estereótipos comumente aplicados a esta corrente cristã peculiar e que pela volatilidade e excentricidade religiosa se faz difícil de compreender, muitas vezes dificultando um diálogo. Apesar de largamente comentado, o pentecostalismo é, dentre as vertentes do protestantismo um movimento ainda pouco compreendido do ponto de vista acadêmico, daí o trabalho das ciências da religião que pode oferecer bases concretas para o debate. Do ponto de vista da importância pessoal, do por que da escolha deste tema proposto, escolhemos como principal argumento o fato de fazer parte do meio pentecostal sendo quarta geração de pastores da Assembleia de Deus, além de ter trabalhado em diversas áreas de atuação no universo pentecostal, nos bastidores de diversas instituições e tendo estado à frente de Igrejas pentecostais. Daí o particular interesse neste objeto de pesquisa e o desejo de contribuir com o

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debate na academia. Nao há razão, pois, para não utilizarmos essa experiência à favor da pesquisa. A metodologia utilizada para o desenvolvimento deste trabalho é basicamente a pesquisa bibliográfica, além da pesquisa audiovisual, em obras de referência, CDs e DVDs do movimento pentecostal, programas de televisão, artigos e textos específicos sobre os temas abordados no decorrer da pesquisa, além de inúmeras experiências pessoais vividas no universo pentecostal.

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CAPÍTULO 1 Elementos do pentecostalismo brasileiro Para compreendermos as transformações pelos quais passa o pentecostalismo brasileiro podemos estabelecer um breve comparativo entre duas grandes e representativas instituições como dois extremos numa escala: por um lado o que poderiamos chamar de pentecostalismo tradicional, representado principalmente pela Assembleia de Deus (Belém ou Missão) e, por outro, o neopentecostalismo, representado pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Aqui é importante ressaltar novamente que a Congregação Cristã no Brasil (CCB) carece de análise independente, por ter se mantido alheia a mudanças e preservado sua cultura praticamente intacta e isolada das demais denominações evangélicas. Estes dois extremos embora imprecisos fornecem elementos comparativos para a compreensão do movimento pentecostal brasileiro. A.D Belém e IURD por coincidência têm suas sedes bem próximas uma da outra no bairro do Brás, formando uma espécie de “corredor da fé”, visto que se trata de uma avenida onde se localiza outras denominações. Nas demais igrejas ocorrem as constantes mutações e interações interdenominacionais e culturais que desenvolvem os mais variados perfis, dificultando sempre uma classificação das mesmas. Embora muitos pesquisadores tenham estudado as fases do pentecostalismo com notável êxito, os desdobramentos constantes dificultam escalas precisas que façam jus ao seu universo. Concordamos com Paul Freston ao afirmar que “o pentecostalismo brasileiro pode ser compreendido como a história de três ondas de implantação de igrejas” (1996, p. 67). A primeira onda se inicia no início do século XX, com a chegada quase simultânea da Congregação Cristã (1910) e da Assembleia de Deus (1911). A segunda onda pentecostal é dos anos 50 e início de sessenta, na qual o campo pentecostal se fragmenta, a relação com a sociedade se dinamiza e três grandes grupos (em meio a dezenas de menores) surgem: a Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), O Brasil para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). A terceira onda começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80. Sua representante máxima é a Igreja Universal do Reino de Deus (1977). Voltaremos à essas classificações no capítulo 3.

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O pentecostalismo brasileiro é descendente direto do movimento pentecostal americano. Chegou ao Brasil entre 1910 e 1911, respectivamente através do ítalo-americano Louis Franciscon, fundador da Congregação Cristã no Brasil (CCB) no sul do país, e dos suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, fundadores das Assembleias de Deus (AD’s) no norte do país, em Belém do Pará. Os missionários vieram dos Estados Unidos com o intuito de espalhar o fervor pentecostal que alcançou visibilidade na Rua Azuza na pessoa do pastor William Seymor, lugar que “ficou famoso e reconhecido como base de divulgação mundial do moderno movimento pentecostal” (CORREIA, 2013, p. 41). Apesar do contexto comum de origem, há consideraveis diferenças entre os modelos de gestão dessas duas representantes do chamado “pentecostalismo clássico” (FRESTON, 1996; MARIANO, 1999). Enquanto a Congregação Cristã no Brasil se manteve fechada durante toda sua história, e segundo Norbert Hans Christoph Foerster, “alheia a certas dinâmicas religiosas, culturais e sociais que atingiram praticamente todos os outros grupos religiosos” (2006, p. 122). As Assembleias de Deus tem uma história dinâmica e, direta ou indiretamente, influenciaram as inúmeras ramificações no movimento pentecostal brasileiro. Durante quarenta anos as Assembleias de Deus formaram as bases do pentecostalismo brasileiro e a partir daí, na metade do século XX, o movimento se dividiu em diversas denominações. É possível afirmar, portanto, que o pentecostalismo brasileiro é em larga escala, uma ramificação das Assembleias de Deus. Vejamos alguns aspectos históricos dessa instituição.

1.1 Origens assembleianas A Assembleia de Deus tem sua origem em Belém do Pará em 1911, à época do final do primeiro ciclo da borracha. Nesse período as constantes migrações causadas pela economia seringueira contribuíram para a disseminação da nova seita na região norte e nordeste. De acordo com Gedeon Alencar, a expansão da “seita” era notável nas primeiras décadas, e logo os “assembleianos” passam por um processo que pode ser entendido como “a institucionalização da Igreja” a partir da década de 1930 (ALENCAR, 2010, p. 50).

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Atualmente a Convenção Geral das Assembleias de Deus (CGADB) permanece como a maior entidade pentecostal do país; agrega cerca de 3,5 milhões de membros. A segunda maior entidade, a Convenção Nacional das Assembleias de Deus (CONAMAD), conta com cerca de 2 milhões de membros segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ambas representam correntes históricas nas Assembleias e foram responsáveis pelo maior embate denominacional na história do pentecostalismo no Brasil que culminou em separação definitiva ao final da década de 80 (ALENCAR, 2010). Além de “Belém” (CGADB) e “Madureira” (CONAMAD), existem os demais assembleianos que se dividem em centenas de Igrejas e ministérios independentes e convenções próprias, com relevância e influência variada, constantemente ligando-se e desligando-se. O fato de o nome Assembleia de Deus ser de domínio público facilita tal configuração e expansão da denominação. Quase qualquer brasileiro pode abrir uma Assembleia de Deus. Considerando as desvantagens de ordem econômica e cultural e o domínio cultural do catolicismo, a expansão assembleiana é um fenômeno notável no Brasil, pois a Assembleia de Deus nesse país tornou-se a maior representante de sua denominação no mundo. De um total aproximado de 25 milhões de pentecostais no Brasil, aproximadamente metade são assembleianos em comparação, por exemplo, aos cerca de 3 milhões de assembleianos nos Estados Unidos segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Association of Religious Data Archives (ARDA).

1.2 O objeto comum do pentecostalismo: a glossolalia O pentecostalismo é geralmente reconhecido por sua cosmologia e um conjunto de práticas tais como a enfase na atualidade dos dons do Espírito Santo. A antropológa Clara Mafra (2009) chama atenção para a enfase pentecostal ao Espírito Santo, argumentando que se trata de uma maneira de mediar a distancia que o cristianismo concebe acerca de Deus. A classificação que os pentecostais fazem dos dons espirituais deve-se à leitura da primeira Epístola de Paulo aos

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Coríntios 12.6 Mauricio Ricci organiza da seguinte forma a classificaçãom que os pentecostais fazem dos dons espirituais:

Nos cultos pentecostais, muitas são as manifestações espirituais reconhecidas pelos crentes que pesquisei, dentre elas os dons de visão (contemplação de seres divinos, anjos, demônios, objetos sagrados, animais); dons de sonhos (imagens oníricas com significado sagrado); dons de curar (habilidade em operar milagres de curas e de classificar males espirituais); dons de revelação e profecia (conhecimento daquilo que é oculto aos olhos humanos); dons da palavra, da sabedoria e da ciência (promovem habilidades especiais no conhecimento das Escrituras e das profundezas de Deus); dom de discernimento de espíritos (faculdade de estabelecer classificações entre o que é de Deus e o que pertence ao Diabo). O dom de línguas e o dom da interpretação das línguas, essa fala extática que necessita da interpretação para que outros membros da igreja a entendam, é o dom mais comum entre os fieis (RICCI, 2007, p. 57).

Dentre os dons, o “falar em línguas” ou glossolalia, é o objeto de maior fascínio e mistério no movimento pentecostal. De acordo com Ricci, “a glossolalia encarna um fenômeno catalisador de uma complexidade de relações simbólicas, portanto culturais, que se processam no interior do Pentecostaismo como uma forma de oração extática reconhecida pelas Igrejas Pentecostais como o “dom de línguas” (2007, p. 55). Ainda conforme Ricci, os pentecostais enfatizam pelo menos três atribuições importantes ao Espírito Santo, a saber, uma capacitação que o orienta para o serviço; uma intercessão, por meio do qual concebem a mediação e a consolação relacionado ao sentimento de pertença (p. 56). Nesse caso, a glossolalia é compreendida como o estabelecimento de um vínculo entre o fiel, o Espírito Santo e a comunidade. No entanto, apesar de a glossolalia fazer parte do imaginário e do mito fundante do pentecostalismo e ter adquirido proeminência na própria teologia assembleiana, muitos pentecostais não falam em “línguas estranhas”. A controvérsia em torno do tema tem origem ainda nos tempos do holiness movement7 americano. Um dos problemas está no fato do chamado 6

“Pelo Espírito, a um é dada a palavra de sabedoria; a outro, a palavra de conhecimento, pelo mesmo Espírito; a outro, fé, pelo mesmo Espírito; a outro, dons de cura, pelo único Espírito; a outro, poder para operar milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a outro, variedade de línguas; e ainda a outro, interpretação de línguas”, 1 Coríntios 12:8-10” (Bíblia NVI).

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Movimento religioso de despertamento espiritual nos EUA que deu origem ao pentecostalismo

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“batismo com Espírito Santo” ter sido associado à experiencia de salvação, gerando uma espécie de angústia por parte daqueles que não se sentem incluidos. A glossolalia foi concebida no início por Charles Fox Parham, fundador e pai doutrinário do movimento pentecostal no mundo, como xenolalia, ou a capacidade de falar uma língua estrangeira que o indivíduo desconhece, a qual não havia aprendido. Parham chegou a ensinar que os missionários não precisavam aprender as línguas dos países para aonde iriam e que o dom de línguas supriria essa necessidade. Muitos tentaram o feito, e após sucessivos fracassos, e não pouca polemica e divisão, a teologia pentecostal passou a entender o dom apenas como glossolalia. Vejamos o relato de uma dessas experiências missionárias: Tom J. McIntosh foi batizado com o Espírito Santo e falou em línguas conforme o Espírito lhe concedeu em 1907. Antes do final daquele ano ele foi enviado à China para espalhar a mensagem do evangelho com alguma ajuda financeira da Pentecostal Holiness Church. No entanto os missionários pentecostais logo descobriram de maneira dolorosa do que desde então passou a ser amado de xenolalia (falar em línguas existentes sem aprender) e glossolalia (língua dos anjos). Notícias de que McIntosh e outros eram incapazes de se comunicar com as pessoas em suas próprias línguas causou desconforto considerável entre os Pentecostais do Sudoeste e suscitou uma nova leva de críticas de seus oponentes. McIntosh foi para a China imediatamente após falar em línguas estranhas, o que ele acreditava ser Chinês, no avivamento de Dunn. Numa edição subsequente do jornal Bridegroom´s Messenger, ele lamentou, “Ó como nós gostaríamos de nos comunicar com essas pobres pessoas”. Claro, Deus fala através das nossas línguas, mas não são a língua local! (HUNTER, 2011, 7, tradução nossa).

Mesmo nas primeiras Assembleias de Deus, nem todos os membros conseguiam receber o “dom” de línguas, e apenas se acomodavam e se acomodam até hoje nessas igrejas sem tê-lo recebido. Ainda assim consideram-se pentecostais. A própria teologia assembleiana reelabora o problema afirmando que “o falar noutras línguas, ou a glossolalia [...] era entre os crentes do NT, um sinal da parte de Deus para evidenciar o batismo no Espírito Santo” e estende sua atualidade sustentando que “esse padrão bíblico para o viver na plenitude do Espírito continua o mesmo para os dias de hoje”.8 No entanto o número de fieis que experimentam a glossolalia não diz respeito à totalidade e desafia essa 8

Verbete “O falar em línguas” na Bíblia de Estudo Pentecostal, 1995, .

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teologia, ainda que essa pressuponha que os que não recebem são porque não buscam com maior afinco – para aumentar ainda mais a frustração de alguns fieis. Nesse aspecto igrejas pentecostais como a Igreja do Nazareno e a Igreja de Deus entre outras que enfatizam a glossolalia como um “dom autêntico”, mas que “não são a evidência inicial do batismo no Espírito Santo” parecem ter alcançado uma teologia que reflete e busca harmonizar os problemas já apontados (SYNAN, 2001, p. 284). Fato é que com o passar dos anos, a busca pelo dom de línguas tem perdido ênfase no pentecostalismo ou pelo menos não possui uma centralidade. Além das limitações que as elaborações teológicas parecem apresentar e da dificuldade que alguns fieis encontram para receber o dom, o advento do chamado neopentecostalismo, cuja enfase esta na Teologia da Prosperidade (MARIANO, 1996) tem contribuído para que a glossolalia deixe de ser gradativamente o fator unificador do movimento pentecostal, ainda que permaneça como mito fundante. A declaração enfática do Bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, considerada umas das maiores denominações neopentecostais, dá-nos uma pista dessa descentralização: “Você jamais em tempo algum pode se preocupar ou pensar em querer falar em línguas. Você tem que se preocupar em falar a língua que você entende e que Deus vai compreender também”.9 Sendo assim, se a glossolalia não é mais considerada central, qual o objeto comum no pentecostalismo? Que elemento pode ser tomado como comum em relaçao a um movimento tão diversificado quanto o pentecostalismo brasileito? Ao que parece, um dos elementos centrais do pentecostalismo é a enfase numa espiritualidade emocional, baseado na crença da intervenção sobrenatural e imediatista nos mais variados assuntos do cotidiano. Conforme Leonildo Silveira Campos e Benjamim Gutierrez, “o cerne do gênio pentecostal pode ser resumido assim: trata-se de um movimento de espiritualidade” dentro do contexto religioso protestante (CAMPOS; GUTIERREZ, 1996, p. 60). Partindo desta forma emocional de expressar a fé como característica principal, pode-se ainda empregar o termo “pentecostalismo” no singular. No vasto e sempre crescente universo pentecostal os varios modelos de gestão emprestam e tomam emprestado doutrinas, teologias e 9

www.youtube.com/watch?v=TwgZBeD5lD8.

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costumes umas das outras. De acordo com Ronaldo Almeida e Paula Montero (2001), o trânsito religioso não se dá apenas pela circulação de pessoas, mas também pela metamorfose e circulação das crencas e modelos de gestão. Nesse sentido, os pentecostais fazem uso do imaginário místico brasileiro e terminam por formar identidades autônomas. Sendo assim, podemos argumentar que o elemento unificador dessas igrejas é o “fluxo emocional do carisma”, para citar as expressões de Roberta Campos (2011, p. 1015). Clara Mafra (2008) também chama atenção para o que chama de “cultura de leitura” dos pentecostais para distinguir de uma “cultura letrada” das elites, o que favoreceria uma enfase na emoção. É o que podemos constatar a partir das palavras de um pastor pentecostal:

Embora tenhamos feito progresso nas áreas da educação, da política e da escolaridade, ainda somos um movimento que abriga uma predisposição profunda contra os aspectos mais racionais da fé. Somos uma subcultura significativa que, na maioria das vezes, produziu um exército, uma massa com aspirações sobrenaturais, ao mesmo tempo em que permitiu que muitos levassem uma vida intelectual superficial (NAÑEZ, 2005, p. 21).

Desse modo, os pentecostais buscam enfatizar um conjunto de práticas e experiencias tais como milagres e curas na relação com o sagrado. Por essas modalidades, concebem a presença divina como resposta as mais diversas situações do cotidiano, sendo uma cosmologia totalizadora da vida. Nessa teologia da experiencia, Deus não apenas fala, como também age, de modo que os dons, uma classe pessoas excepcionais, classificados como “ungidos”, são concebidos como seus canais. É interessante observar, conforme nota Roberta Campos (2011), que essa enfase nos profetas e ungidos, contrária a tradição protestante que sempre buscou “purificar” os mediadores. Nesse caso, a autoridade do texto é transferida para a fala espontanea do profeta que canaliza a palavra divina. É nesse sentido que a noção de dons espirituais pode ser pensada. Um dos exemplos que podemos mencionar é um dos modos de orientação que consiste em abrir a Bíblia aleatoriamente e toma-la como uma fala divina diante de decisões cotidianas. Há, pois, o que poderiamos chamar de “hermeneutica da experiencia”. O sinal de que o pentecostal entrou em contato com o mundo espiritual é quando algo se manifesta “aqui e agora” em relação a situações que exigem respostas imediatas. Seja através de manifestações corpóreas altamente emotivas como choro, gritos nos cultos, o que Catarxo Rolim

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descreve como “múltiplas vozes ecoando como vozerio disforme” (1995, p. 30), orações emotivas, ou até mesmo transes em certos momentos. Clara Mafra assinala o transe pentecostal como um dos modos de construção subjetiva da verdade e santidade (2009). Também se constuma considerar como interferencia divina a providencia por necessidade materiais entendida como uma conquista sobre a privação, o que nos termos nativos são chamados de “portas abertas”. Para um fiel pentecostal não existem coincidências. Desse modo, os pentecostais concebem a ação divina em todos os aspectos da vida. Dentre as correntes cristãs, o pentecostalismo está em completa oposição ao deísmo. Sabe-se que “no tempo áureo do deísmo as Igrejas ficaram vazias”, pois “no deísmo a ligação entre Deus e o mundo rompeu-se ao término dos atos criadores de Deus e o homem ficou só num mundo mecânico perfeito cuja lógica corresponde a sua própria razão” (MENDONÇA, 2001, p.75). Pode-se dizer então que em comparação, por exemplo, com as Igrejas protestantes históricas que assimilam na prática alguns aspectos desse modus vivendi deísta, os pentecostais brasileiros levam uma “vantagem” na sua mensagem, pois apelam ao coração e não necessariamente ao intelecto. É desde o seu nascimento uma religião mais “viva” e acessível ao povo mais simples, o que Clara Mafra (2008) observou como “cultura de leitura”. Em relação ao catolicismo tradicional que também incentiva em larga escala a prática do misticismo, pode-se afirmar que atualmente o “misticismo pentecostal” preenche em maior grau os requisitos da sociedade religiosa brasileira do que o “misticismo católico”, pois o catolicismo é a corrente cristã que mais cede novos seguidores para o pentecostalismo, conforme os dados dos ultimos censos. Por “misticismo”, entendemos aqui os elementos de uma religiosidade popular. Considerando o imaginário religioso do brasileiro, esta presença “real” e “disponível” do sagrado em todos os momentos é um dos atrativos mais contundentes dos pentecostais e explica em grande parte os altos índices de crescimento do movimento. Os cultos pentecostais atraem pessoas de outras religiões ou até mesmo de “irmãos” carentes de experiências espirituais pertencentes às denominações históricas. Muitos novos adeptos são atraídos pela forma de culto mais alegre e espontânea de igrejas pentecostais mais modernas. As profecias, um dos elementos da fala espontânea no meio pentecostal são vastamente disseminadas e ajudam nas novas adesões. Não são raros os “profetas” que usam seus dons em pequenas reuniões nas igrejas de menor expressão e em cultos nos lares. Os “profetas” atraem

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muitas pessoas pertencentes a classes sociais mais altas. Muitos católicos não praticantes, ou pessoas de outras religiões, que até mesmo tendem a rejeitar as instituições pentecostais formalizadas, na busca de uma espiritualidade mais presente e “real”, promovem reuniões em suas casas ou frequentam cultos pentecostais nos lares de pessoas mais simples aonde há maior liberdade para a utilização dos dons do Espírito Santo. Desse fenômeno, pode-se apreender uma resistencia à institucionalização do carisma. Esses encontros fervorosos os mantêm ligados ao “sobrenatural” sem que tenham de se comprometer com o moralismo tradicional das igrejas, nem participar com dízimos e ofertas. Observamos em pesquisas de campo que muitas pessoas pertencentes as classes sociais mais altas mantêm seus “profetas particulares” de origem simples numa relação baseada na diferença de classes e na barganha entre o santo e o profano. O movimento carismático recente, responsável pela permanência de muitos católicos na Igreja Romana incorporou práticas dos pentecostais e como resultado tem obtido crescimento significativo. Seus seguidores, em busca de uma experiência diferente daquela desenvolvida ao longo de vários séculos na Igreja Católica, encontraram no movimento carismático algumas das mesmas sensações do sagrado vividas no pentecostalismo e puderam, portanto, permanecer ligadas a Roma e às tradições católicas, principalmente no apego a Maria mãe de Jesus e aos outros santos de devoção – práticas rejeitadas pelos pentecostais. A liderança romana por sua vez aceitou até certo ponto as transformações carismáticas, e estes por sua vez optaram por “acomodar-se” ao novo arrangement mesclando sua liturgia carismática com a católica tradicional, o que de certa forma deu sobrevida ao catolicismo brasileiro. Em suma, atualmente, um conjunto de práticas e experiências corporais e emocionais, pode ser concebido como elementos unificadores do movimento pentecostal.

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CAPÍTULO 2 Os elementos formadores da cultura pentecostal brasileira   De modo geral, a configuração da cultura brasileira é considerada como extensão do processo expansionista europeu (Portugal), que introduz uma religião católica num contexto de práticas amerindias, e posteriormente, agrega-se às práticas africanas. Desde então, como diria Octavio Ianni, “o Brasil é uma nação em busca de um conceito” (1992, p. 29). Além disso, a literatura sociológica que dedicou a produzir uma reflexão sobre a identidade brasileira, não encontrou senão multiplas identidades. Sendo assim, há multiplas tipologias. Entre as varias tipologias acerca da identidade brasileira, podemos destacar como faz Ianni, as seguintes: em primeiro lugar, há uma abordagem que toma a sociedade civil como tendo sido construida pelo Estado, visto que a sociedade seria pouco organizada e dispersa. Nesse caso, o Estado tutela sempre de acordo com as elites. Uma segunda abordagem defende que o Brasil seria um país cuja história é determinada pelo seu passado colonial. Uma terceira abordagem enfatiza o patriarcalismo que se conforma e se deselvolve sob o escravismo, com desdobramentos no coronelismo, caciquismo e oligarquias. A quarta abordagem busca destacar o Brasil como uma singularidade por sua “democracia racial”. Por fim, uma quinta abordagem destaca o Brasil como uma história de revluções brancas no qual floresce a chamada “democracia racial”. Essas várias abordagens demonstram-nos a complexidade da cultura brasileira. Nesse contexto, o trabalho de Antonio Gouvêa Mendonça (2008) introduz uma nova reflexão ao inserir a história do protestantismo em solo brasileiro desde a Colônia, de modo que nos permite compreender a formação de uma cultura protestante. Mas, no contexto de uma longa tradição católica e protestante histórica, é possível pensarmos numa “cultura pentecostal”? O que chamamos de “cultura pentecostal brasileira”, pode se dizer que foi moldada ao longo de pouco mais de um século de história, como desdobramentos de varios elementos. Muitos fatores, até mesmo anteriores a este período contribuíram para sua formação. Quatro campos de estudos distintos, em maior ou menor escala, são essenciais para se conhecer a formação de uma cultura pentecostal.

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Em primeiro, a própria cultura secular brasileira, por razões óbvias, é o elemento mais influente na formação do homem religioso pentecostal. Como na maioria das religiões, em muitos aspectos o pentecostalismo é fruto de seu ambiente social, da cultura regional que o cerca. É válida a declaração de que “nas Igrejas, as mudanças talvez demorem um pouco mais, mas não há dúvida que igreja-sociedade, querendo ou não, se alteram mutuamente” (ALENCAR, 2010, p. 108). Fato é que o sujeito pentecostal brasileiro está impregnado de brasilidade. Segundo, há de se destacar a influência da cultura sueca na formação do ethos pentecostal. Pastores suecos trouxeram a Assembléia de Deus e a lideraram até meados do século XX, e a partir das Assembleias de Deus se expandiu o pentecostalismo. Clara Mafra argumenta que o modo que os pentecostais encontraram para competir com uma tradição de longa duração como o catolicismo, diz respeito à produção de uma “coletividade da santidade” ou a ideia de um “povo santo” como uma maneira de diferenciação (MAFRA, 2014). Em terceiro, é clara a influência da cultura americana no pentecostalismo brasileiro. A partir da metade do século XX, percebe-se uma clara mudança de mentalidade ocasionada em grande parte devido as novas experiências culturais trazidas da América do Norte. O quarto fator que não deve ser ignorado como elemento formador da cultura pentecostal brasileira é o modo como a Bíblia é compreendida e interpretada. Sua teologia de cunho fundamentalista compõe o que poderiamos chamar de “hermenêutica das experiências” e define suas práticas. Considerando que “o homem é um produto da sociedade” e que “toda biografia individual é um episódio dentro da história da sociedade, que a precede e lhe sobrevive” (BERGER, 1985, p.15), muitas das crenças e costumes dos pentecostais remontam a história de seu próprio povo e da própria cultura de seu país, nesse caso a cultura popular brasileira. Vejamos alguns desses aspectos formadores, considerando alguns elementos da cultura brasileira, da cultura sueca e americana.

2.1 Elementos da cultura brasileira: a miscigenação

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A formação do povo brasileiro pode ser resumida em períodos históricos distintos, tal como assinala Rodrigo Cavalcante (2005). O período pré-colonial é caracterizado pelos grupos indígenas que habitavam a América Latina antes do descobrimento do Brasil em 1500. Os índios contribuíram com inúmeros elementos culturais marcantes perpetuados por gerações no “sangue” e na “alma” brasileira. A toponímia, a culinária, além de elementos mais profundos como alguns traços subjetivos de personalidade coletiva são herança dos índios na formação do brasileiro. O segundo período é o da colonização, que abrange desde o descobrimento do Brasil em 22 de abril de 1500 até o início do século XIX. Gilberto Freyre (1951, 1973) pesquisou as relações entre senhores e escravos da sociedade brasileira do período da colonização, concluindo que a formação familiar no campo e na cidade, se formou a partir do regime patriarcal, sob a influência da miscigenação das culturas indígena, européia e africana. Do ponto de vista sociológico o Brasil pode ser concebido como um grande laboratório das relações entre diversas raças, costumes e crenças religiosas. O terceiro período se inicia com a chegada da família real portuguesa em rota de fuga da Europa conquistada por Napoleão Bonaparte e a instituição oficial do Império em 1822. É um século de transições para o Brasil. Até então uma Colônia, o Rio de Janeiro, passa a ser a sede do governo português. Em 1889 com o enfraquecimento da monarquia é inaugurado o quarto período da história do Brasil. Nasce a República Federativa Brasileira, baseada nos moldes dos Estados Unidos da América. A República passou por inúmeros períodos diferentes e 7 constituições, a última em 1988, que parece ter finalmente consolidado a ideia de democracia na mentalidade brasileira. Os acontecimentos ao longo destes períodos na história de cerca de quinhentos anos formaram o brasileiro que o mundo conhece. Como em todos os países é possível destacar os traços mais marcantes de um povo. Aqueles estereótipos subjetivos comprovados cientificamente. De forma resumida encontramos algumas características marcantes da “essência do que se convencionou chamar de caráter nacional […] os traços que explicam uma série de comportamentos” do brasileiro (CAVALCANTE, 2005). Todas elas são encontradas também na cultura pentecostal brasileira. A miscigenação pode ser tomada como uma das principais caracteristicas do povo brasileiro. Enquanto em muitos lugares a miscigenação é vista com preconceito e desconfiança,

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no Brasil o “orgulho de ser brasileiro” inclui o orgulho de ser miscigenado. Embora o preconceito exista, não há como negar que no Brasil a convivência inter-racial é única.10 Cavalcante argumenta que à época da chegada dos primeiros pentecostais por volta de 1910 “o futuro parecia literalmente negro para os intelectuais brasileiros que sonhavam em reproduzir por aqui a civilização européia. E não era para menos. Se as teorias da época pregavam que a mistura de raças degradava o povo brasileiro, estava claro que a miscigenação era irreversível” (2005). Logo a inevitável mistura de raças promovida pelas aventuras sexuais do colonizador português passou a ser celebrada. O marco dessa mudança de olhar teria aparecido com a publicação de Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, em 1933. Muito antes do advento da genética moderna, Freyre já escrevia que: “todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma e no corpo a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro” (apud CAVALCANTE, 2005). A formação da sociedade brasileira logo contrasta da formação americana. Enquanto nos Estados Unidos o movimento pentecostal se dividiu racialmente logo no início entre negros e brancos, no Brasil miscigenado o oposto aconteceu. A ideia de uma Igreja pentecostal só de negros, comum até os dias atuais nos EUA é inexistente em solo tupiniquim. Outro fator que marca a cultura popular brasileira é sua relação com uma tradição oral, formando o que Clara Mafra (2008) chama de “cultura de leitura”. A época da chegada dos primeiros pentecostais “segundo dados do Recenseamento de 1906, primeiras estatísticas do século XX, o Brasil apresentava a média nacional de analfabetismo na ordem dos 74,6%”.11 Ao contrario do protestantismo tradicional, o pentecostalismo não exigia das classes mais baixas que buscassem a educação formal. Como nos informa Vinson Synan, “os pentecostais encontram na fé uma espécie de compensação pela alienação social” (SYNAN, 2001, p. 423) sem necessariamente optarem pela educação formal. Atualmente o Brasil figura em posições precárias no ranking de educação. Numa avaliação recente entre 76 países “o Brasil ficou na 60ª posição do

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Pude observar em certa ocasião a visita de um coral negro americano de Chicago ao Brasil, na qual resolveram fazer um passeio pelas praias do Rio de Janeiro. Os comentários variavam sobre dois fatos que os impressionaram. Primeiro, o fato das brasileiras de pele escura estarem se bronzeando. Segundo, chamou a atenção dos negros americanos a pluralidade de cores de pele que pintava as areias de Copacabana.

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Fonte: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1354.pdf

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ranking mundial” da OCDE. O povo pentecostal se educa apenas vagarosamente e acompanha estas estatísticas, preferindo muito mais a oralidade.12 Outros autores buscaram caracterizar a cultura brasileira a partir de tipos ideiais. Sergio Buarque de Holanda em seu livro Raízes do Brasil, dedicou-se a descrever o carater do brasileiro como o “homem cordial” em oposição aos aspectos racionais dos europeus. O argumento de Holanda era de que o brasileiro tendia a sobrepor as relações familiares e pessoais em relação às profissionais ou públicas. O brasileiro seria, pois, resistente às burocracias e propenso às relações emotivas. Entretanto, não se deve confundir o “homem cordial” com pacificidade; pelo contrário, ele é belicoso visto que as relações são construidas sob elementos passionais. Ainda do ponto de vista das relações patriarcais, muitos autores destacam o fenômeno do coronelismo e da subserviência como uma das marcas da formação da cultura brasileira. Victor Nunes Leal define coronelismo como “uma forma peculiar de manifestação do poder privado”, “uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência dos chefes locais, notadamente senhores de terras” (2012, p. 40). Leal explica que a origem do termo “coronelismo” surgiu com o intuito de descrever autênticos ou falsos “coronéis” da extinta Guarda nacional. Com efeito, além dos que ocupavam nela tal posto, “o tratamento de ‘coronel’ começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer chefe político, a todo e qualquer potentado” (p. 41). Leal assinala que o surgimento do coronelismo se deu como “resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada” (p. 43). O coronelismo apresenta como “características secundárias o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganização dos serviços públicos locais” entre outras (p. 41). Embora o termo tenha entrado em desuso, o conceito continua bem vivo nos tratos entre algumas relações no Brasil, especialmente em relação ao mandonismo e a questão dos votos de cabresto. É possível afirmar ainda que estas relações atravessam as relações contruídas no universo da religião. Por fim, ainda é possível descatar as heranças do passado colonial e da escravidão como tendo construído marcas profundas na sociedade brasileira. Conforme Lilia Schwarcz, “uma das mais perniciosas heranças escravagistas teria sido a naturalidade com que se convive com a

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http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-e-o-60-colocado-em-ranking-mundial-de-educacao,1686720.

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miséria no Brasil. É como se a escravidão tivesse feito com que o país se acostumasse com a existência de cidadãos de primeira e de segunda classe” (Apud CALVALCANTE, 2005).

2.2 Elementos da cultura sueca: subordinação ritual A partir da metade do século dezenove a “Suécia foi caracterizada pela emigração, primariamente para os E.U.A. Em geral, as causas dos processos migração eram a pobreza generalizada, porém também – pelo menos nas primeiras décadas – a falta de liberdade religiosa e um clima social autoritário com liberdades e democracia limitadas” (ROTH & HERTZBERG, 2010, p. 9, tradução minha). A partir dos Estados Unidos migram para o Brasil os dois missionários de origem sueca. Outros suecos, além de Gunnar Vingren e Daniel Berg, permaneceram na liderança das Assembleias de Deus por cerca de quarenta anos. Aqui perguntamos: até que ponto a cultura sueca teria influenciado na formação da cultura pentecostal brasileira? Tomemos como exemplo o caso de Louis Francescon, o ítalo-americano, que fundou a Congregação Cristã no Brasil (CCB) em meio à comunidade italiana no Brasil. É fato que a CCB tem traços culturais italianos. No entanto, diferentemente de Louis Francescon, os suecos não encontraram uma comunidade de seu país no Brasil. Tiveram que espalhar suas crenças em meio aos brasileiros. Ainda assim, existem traços da cultura sueca no pentecostalismo? Para alcançar respostas partimos para uma análise dos traços culturais mais marcantes deste povo escandinavo. Ake Daun, etnólogo sueco da Universidade Federal de Estocolmo, ainda não publicado em português, descreve em seu “The Swedish Mentality” (A Mentalidade Sueca) traços desta cultura que talvez expliquem alguns comportamentos que marcaram o período de implementação pentecostal no Brasil. Segundo Daun, “a característica mais marcante do sueco é o ‘evitamento de conflito’: uma inclinação particular para o consenso e a ‘amigabilidade’ nos contatos interpessoais diretos”, e por isso “em contraste com muitas outras culturas, o sueco típico não sente alegria ou elação quando vê uma oportunidade de ‘usar todos os seus argumentos agressivos’. Ao invés disso, o sueco prefere esperar e ver ao invés de iniciar uma discussão” (DAUN, 2004, p. 54). Chama

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atenção o fato de que na Segunda Guerra Mundial a Suécia se manteve neutra e Hitler entendeu que não havia necessidade de invadir a nação. Por quase duzentos anos os Suecos haviam optado pela neutralidade na Europa. Conforme registros de reuniões, não foram poucas as reuniões de liderança de igrejas pentecostais, como as Convenções Gerais das AD’s, em que houve conflitos acirrados, em alguns casos, até violência fisica e simbólica. Ainda assim, desenvolveu-se uma tradição cômica para se apaziguar estas situações constrangedoras. De um momento para outro canta-se um hino “espiritual” ou faz-se uma oração prolongada. No intuito de amenizar situações vexatórias usa-se jargões do tipo: “tudo é vontade de Deus”, “o inimigo está furioso (por inimigo lê-se diabo)”, “oh glória!” e mais recentemente “tá amarrado”. Estas categorias apontam para tentativas de amenizar os conflitos de sangue quente com uma espiritualidade anti-confronto totalmente deslocada. É curiosa a unidade das assembleias de Deus por 40 anos no Brasil. Alguns diriam “milagrosa”. Nos Estados Unidos, por exemplo, o pentecostalismo se dividiu logo no início. Em partes a segregação racial foi responsável por isso, mas mesmo as igrejas segregadas se dividiam de forma surpreendente. Tivessem sido missionários americanos os líderes do movimento nas primeiras décadas teria o movimento pentecostal se mantido coeso no Brasil por quase 40 anos? Outra característica dos suecos salientada por Daun não distante da primeira, e confirmada por estereótipos populares é o que ele chama de “subordinação ritual”. “Um exemplo disso é o habito do sueco de dizer obrigado com frequência, refletido em frases comuns como tack för senast (algo como ‘obrigado por sua hospitalidade’ ou mais literalmente ‘obrigado pela última vez que fomos seus convidados’) e tack för maten (‘obrigado pela comida/refeição’)” (DAUN, 2004, p. 20). Segundo Daun, “a pessoa agradece em todos os lugares e em todas as circunstâncias possíveis” (p. 48). Daun cita o sociólogo americano David Propenoe que “tem pesquisado extensamente a Suécia”. Ele “notou que quase todos (na Suécia) respondiam yaa (sim) para suas perguntas. Independente da pergunta, eles iniciaram sua respostas com yaa, sem que isso necessariamente indicasse uma resposta afirmativa”. O que os linguistas chaman de feedbacks se apresentam na Suécia em forma do sinal afirmativo com a cabeça, além de pequenas palavras como yeh, mm, umhm, e yaha, todos os sinais positivos que demonstram características culturais de subordinação (DAUN, 47, tradução minha). Coincidência ou não, esta “subordinação ritual” se assemelha a

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“subserviência” do brasileiro. Teria este traço ajudado a relação dos missionários suecos junto aos brasileiros? São pontos de contato cultural dignos de estudo mais profundos.

2.3 Elementos da cultura americana: americam dream Por volta de 1950 os Suecos, contra sua vontade, porém sem muita resistência, somem de cena no cenário pentecostal. “Os suecos não queriam que os norte-americanos viessem para o Brasil, e sim que escolhessem outros países da América do Sul para trabalharem”.13 No entanto, o desejo dos suecos sucumbiu frente a avassaladora invasão americana. Neste período muitos pastores saíram das Assembleias de Deus optando por inovações nos métodos de pregação e no conteúdo das próprias mensagens. É o início da segunda onda pentecostal e do americanismo. Antonio Pedro Tota destaca: Para o historiador Gerald K. Haines, depois da Segunda Guerra, os americanos acreditavam que os Estados Unidos eram superiores não somente politica e economicamente, mas também culturalmente. Eles pensavam que tinham o dever de difundir os valores e ideais norte-americanos por toda a América Latina, e em especial pelo Brasil. Por isso as agências do governo ‘venderam’ uns Estados Unidos da mesma forma que os produtores de Hollywood vendiam um filme ou a General Motors vendia um Chevrolet ou a RCA vendia um aparelho de televisão (TOTA, 2014, p. 202).

No âmbito religioso, os missionários americanos providos de capital e afluência mundial passaram a importar para o Brasil novidades atraentes. Vários aspectos da cultura americana permearam o mundo moderno. Dentre eles, para fins desta pesquisa, merecem destaque o acentuado empreendedorismo capitalista baseado no American dream e a aptidão do americano para o entretenimento. Ambos influenciaram profundamente o pentecostalismo brasileiro. Para se entender a mentalidade americana é preciso conhecer o american ethos, ou american dream. Este conceito afirma que se alguém trabalhar duro e se esforçar será

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http://mariosergiohistoria.blogspot.com.br/2012/01/virgil-smith-e-o-silencio-da-historia.html

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recompensado com sucesso. O american dream se apresenta sem muitas alterações nos períodos da história desta nação, porém o conceito de sucesso é rotativo. Os founding fathers com sua ética protestante, ficariam surpresos com as mudanças do significado do termo “sucesso” nos tempos atuais. O que se sabe é que o ethos americano contribui para que os americanos desbravassem as fronteiras do conhecimento e da criatividade nos negócios em nível mundial. São empreendedores engenhosos e criativos por natureza. São capitalistas por excelência. O pentecostalismo no Brasil foi profundamente influenciado por esse espírito capitalista americano. O evangelho da prosperidade nasceu em meio a euforia da possibilidade de crescimento econômico. Kate Bowler comenta que “duas mudanças principais ocorreram” nos Estados Unidos no pós-guerra:

Primeiro, a recém-criada teologia do poder da mente, deixa de ser tema secundário e passa a ter primazia. Segundo, enquanto mais e mais pregadores adotavam esta visão enérgica da fé, uma parcela destes itinerantes começaram a alargar o escopo do que a fé poderia trazer, acrescentando, saúde, felicidade, e confortos humanos a longa lista de milagres. Nos anos 1950 os primeiros milagres financeiros se infiltraram nos testemunhos e mensagens (BOWLER, 2013, p. 42).

Ainda neste tema, “o evangelho da prosperidade foi constituído pela deificação e ritualização do American dream [...] ambos compartilham uma antropologia inabalável, fortalecida através de traços que levam à ação, urgência, um senso de ser escolhido, e um desejo de tomar as rédeas da vida.” (BOWLER, 2013, p. 226). A nação americana, tomada pela idéia de que os esforços individuais trariam as soluções para todos os problemas da vida, maquiaram o sofrimento inerente do ser humano. Enquanto o ranking de educação no Brasil é precário Bowler explica que “apesar de estarem na 150ª colocação do ranking de felicidade mundial, os Estados Unidos valorizavam, pastores, profetas, e autores que nos ensinaram a enfatizar o lado bom” (BOWLER, 2013, p. 228). Em seu livro Os Americanos, Antonio Pedro Tota descreve os Estados Unidos em um dos capítulos como “o país do entretenimento”. Ele afirma que “é curiosa e verdadeira a observação de Neal Gabler de que os americanos foram de tal modo capturados pelo entretenimento que já não são capazes de discernir o real da ficção. Todo americano se transforma num ‘eu’ intérprete” (TOTA, 2014, p. 249).

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O pentecostalismo nasceu na mesma época em que a indústria de cinema americana se fixava em Hollywood. A Rua Azuza fica a aproximados 10 kilometros dos estúdios de gravação dos filmes. De um lado uma chamada para a santidade e purificação dos pecados com origem no movimento de santidade (holiness movement). Do outro a cultura hollywoodiana disseminando um comportamento liberal para os padrões morais da época. Em ambos os casos apresentações emotivas que atraiam as massas. Tanto os pentecostais quanto os artistas foram vistos com desconfiança pela população local predominantemente protestante. Hollywood pelos hábitos libertinos dos artistas, e os pentecostais pelas inovações estranhas na forma de culto. “A moral puritana dos habitantes do sul da Califórnia foi abalada profundamente pelo comportamento um tanto quanto ‘liberado’ dos artistas [...] houve protestos, logo abafados pelas vantagens dos trabalhos oferecidos” (TOTA, p. 256). Do lado dos pentecostais o jornal Los Angeles Times noticiava: “Estranha Babel de Línguas: Nova seita de fanáticos se espalha, cena estranha ontem em Azuza” (BLUMHOFER, 1989, p. 99). Os protestos não foram suficientes para impedir o crescimento do cinema, tampouco dos pentecostais. Teria a cultura de shows predominante na cultura americana influênciado o pentecostalismo? Existe alguma relação cultural entre o pentecostalismo e Hollywood além da proximidade física? Provavelmente sim. Kate Bowler indica que na história recente “a Igreja Oasis, situada no coração do distrito de filmes de Los Angeles, comemorou Jesus o Salvador dando-lhe sua própria estrela da fama.” (BOWLER, 2013, p. 227).

2.4 O livro sagrado dos pentecostais: meio e mensagem Do ponto de vista da explicação de uma cultura, mais importante que o próprio texto religioso é a leitura e compreensão que a comunidade religiosa tem do texto. Os linguistas chamam isso de “recepção”. Prova contundente desta declaração são as inúmeras divisões e correntes que se desenvolvem dentro de uma mesma religião – mesmo as monoteístas. Seja o judaísmo com a Torá, o protestantismo com a Bíblia ou o Islamismo com o Alcorão, o processo de recepção se dá das mais variadas maneiras.

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Nesse aspecto, João Leonel Ferreira afirma que “fazendo uso de teorias oriundas da história cultural, e particularmente da história da leitura, os pesquisadores analisam o fenômeno da recepção investigando como elementos concretos – grau de alfabetização, pertencimento aos grupos sociais, ideologias, suportes de leitura etc. – interferem no processo de leitura e produção de sentido” (FERREIRA, 2012, p. 217). Considerando que a Bíblia é para os pentecostais seu guia de regras, seu “livro sagrado” e a “palavra de Deus” literal, uma análise de como o pentecostal lê e entende a Bíblia irá revelar aspectos essenciais de sua cultura. Os pentecostais tem uma profunda admiração pela Bíblia, seu principal objeto de orientação. Há relatos nativos de que muitos aprenderam a ler por causa dela. Para os pentecostais, “todos os outros livros religiosos são relegados a um posto inferior, a tal ponto de alguns primeiros pentecostais os descartarem completamente” (WARRINGTON, 2014). Isso complementa o que discutimos mais acima sobre o índice de analfabetismo no Brasil. O Instituto Bíblico das Assembleias de Deus (IBAD), fundado em 1958 na cidade de Pindamonhangaba, interior de São Paulo, seguiu a tendência das instituições de ensino pentecostais americanas de incluir o termo “Bíblico” em sua razão social para demonstrar a centralidade deste livro na cultura pentecostal. A prática tinha o intuito de afugentar qualquer possibilidade de contaminação educacional por outros meios, que ferissem os princípios biblicos.14 Embora a Bíblia seja primordial para os pentecostais, o estudo teológico é pouco valorizado. A massa pentecostal prefere se acomodar ao que aprende nos púlpitos das igrejas e o que recebe da tradição, preferencialmente pela oralidade. Quando há o ensino, ele se dá no sentido de inculcar as doutrinas nos alunos, coibindo o livre pensamento. A maioria das correntes pentecostais brasileiras ensinam suas verdades bíblicas de maneira que não há espaço para o questionamento. Roberta Campos (2011) também chama atenção para os modos de circulação do carisma pentecostal a partir da oralização da Bíblia, de modo que a autoridade do texto é transferida para o profeta. Robinson Cavalcanti (2001) também destacou vários aspectos do desenvolvimento do culto evangélico no Brasil, culminando nos modelos pentecostais. Para Cavalcanti, o culto 14

O termo Bible College era utilizado para descrever escolas de ensino superior nos EUA.

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protestante centralizado na Bíblia se dá em duas versões: a primeira seria um culto no livro, marcada por expressões culturais não adaptadas ao contexto brasileiro (caso dos primeiros imigrantes) e o culto do livro que apresentaria maior espontaneidade em relação às liturgias. Nesses dois casos, os seguidores não se percebem como “adoradores”, mas como eternos “aprendizes”, uma espécie de igrejas-escolas ou culto-aula. Entretanto, no terceiro caso, Cavalcanti associa o modelo de educação pentecostal ao que chama de culto das emoções, onde a fé, mais que entendida, deve ser sentida. Desse modo, teria se desenvolvido o “culto-espetáculo” e o “culto-espetacular”, onde cenários e personagens mudam em relação ao culto-aula (CAVALCANTI, 2001, p. 31-32). A elaboração da teologia pentecostal é estimulada pela experiência cotidiana. Este método é utilizado inclusive na pregação. João Leonel Ferreira num artigo sobre a Bíblia Pentecostal nota que o leitor “é estimulado a colocar em prática tais ensinamentos. Não basta saber que Jesus venceu demônios e o diabo. O cristão pentecostal é estimulado a fazê-­‐lo igualmente. Não é suficiente saber que o Espírito Santo atua sobre a igreja distribuindo dons espirituais. É necessário tomar posse deles, batizar-­‐se no Espírito e falar em línguas” (FERREIRA, 2012, p. 225). Aqui é possível destacar alguns elementos da performance corporal. No pentecostalismo a forma e o conteúdo são performatizados. No pentecostalismo tradicional o método de exposição da mensagem é bastante valorizado, tanto pelo pregador quanto pelo receptor. Os pregadores que não expressam emoções, ou não aprendem a simulá-las, tem pouca chance de sucesso nas igrejas. Nesta corrente religiosa a forma de pregação é emotiva, gesticulada, com impostação de voz. A partir do neopentecostalismo introduziu-se uma forma de pregação bem mais branda. Edir Macedo da IURD imprime um ar de conversa nos púlpitos. A forma de transmitir sua mensagem tem ar de ensinamento profundo, ora de provocação, ora de ironia, mas sempre em tom comedido. Faz-se perguntas retóricas para convencer o receptor. É mantido um ar de sacralidade através do silêncio enquanto Macedo e seus pastores transmitem a fé “inteligente” como costumam dizer. Enquanto nas igrejas pentecostais tradicionais há uma construção de sua

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identidade como o povo barulhento15, nas neopentecostais o silêncio é valorizado. Em suma, no pentecostalismo a performance emocional é muito efetiva.

                                         

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O hino pentecostal “Desapareceu um Povo” de Cecília de Souza popularizou o termo auto-descritivo “povo barulhento” entre os pentecostais.

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CAPÍTULO 3 O desenvolvimento da cultura pentecostal

Na tentativa de elucidar as transformações e mobilidades da cultura pentecostal brasileira, a literatura sociológica (e antropológica) tem produzido uma variedade modelos analíticos e taxionomias, cujas metáforas têm procurado esclarecer um problema em comum, a saber, o lugar da religião no mundo moderno (cf. MONTERO, 2003). É possível afirmar que o paradigma weberiano da secularização tenha se consistido na matriz interpretativa mais recorrente na leitura dessa questão. A partir dos dados censitários é possível observar a diversidade religiosa no Brasil, tendo como um dos principais destaques a expansão do pentecostalismo, que completou seu centenário em 2011. Com as primeiras igrejas pentecostais surgindo por volta de 1910/11, 16 iniciaria também uma nova postura em relação ao mundo secular. Entretanto, estas igrejas passaram por sucessivas transformações internas que possibilitou uma nova interpretação em relação ao que era considerado “mundano”, inclusive a participação política. Isso tornou o movimento pentecostal ainda mais complexo e heterogêneo. Desse modo, desde a década de 1990, o pentecostalismo tem chamado bastante atenção dos cientistas sociais dispostos a compreender este fenômeno religioso, até então “marginalizado” e sem interesse pela academia. Suscitou-se uma diversidade de abordagens teóricas na tentativa de compreender suas principais transformações e influencias nas transformações do Brasil. As primeiras análises procuravam ordenar esta diversidade religiosa por meio de classificações atualmente superada em alguns aspectos – pelo próprio dinamismo do objeto – mas, ainda com consideráveis contribuições.

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As primeiras igrejas pentecostais são as Assembleias de Deus, originalmente chamadas de “Missão de Fé Apostólica”, fundadas por dois missionários suecos vindos da América do Norte, Daniel Berg e Gunnar Vingren; e Congregação Cristã no Brasil, fundada pelo italiano vindo também da América do Norte, Lois Francescon. Berg e Vingren eram missionários filiados à igreja Batista e Francescon era ministro presbiteriano. Nos Estados Unidos, estas denominações eram consideradas “fundamentalistas”, isto é, representavam uma oposição às igrejas “liberais” da Europa.

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Buscando dar lógica às transformações e diversidades pelos quais o pentecostalismo passou (e passa) em solo brasileiro, Paul Freston (1996) e depois Ricardo Mariano (1999) foram os primeiros sugerirem esta ordenação com a metáfora das “ondas”, nas quais se identificaram pelo menos três ondas: a primeira onda de 1910 a 1950, chamada Pentecostalismo Clássico (Assembleia de Deus e Congregação Cristã no Brasil), cujas principais características seriam a ênfase no batismo com Espírito Santo e o falar em línguas, usos e costumes rígidos e rejeição ao mundo secular (inclusive à política) em detrimento de um de uma recompensa no mundo escatológico.17 A segunda onda, de 1950 a 1970, é conhecida como Deutero-pentecostalismo (Brasil para Cristo, Deus é Amor e Evangelho Quandrangular), cuja principal característica seria o evangelismo para além dos templos (cruzadas em ginásios, estádios de futebol, etc), utilização dos meios de comunicação de massa (o rádio em especial) e ênfase na cura divina. A inserção na política ainda não é uma preocupação destas instituições. A terceira onda, de 1970 à atualidade, identificada como Neo-pentecostalismo, caracterizado pela importação da chamada Teologia da Prosperidade18 surgida na América do Norte, rejeição do estigma causado pelos usos e costumes adotado pelos pentecostais anteriores, forte ênfase na fé e no tele-evangelismo (rádio, TV, etc). As tipologias propostas para classificar o pentecostalismo brasileiro, longe de serem satisfatórias, nos permitem pensar a diversidade e as principais transformações dessas igrejas no Brasil, bem como suas mudanças e aberturas para a participação política. Sabe-se que os pentecostais representam atualmente uma grande parcela do eleitorado brasileiro, fato que chama atenção dos partidos políticos. Em que consiste estas metáforas? Pensando nos termos weberianos, trata-se de “tipos ideais” construídos pelo pesquisador como uma abstração teórica a fim de apreender um determinado quadro da realidade empírica, não se confundindo com ela. Para Max Weber, os “conceitos não se manifestam em sua plena pureza conceitual” (WEBER, 1999, p. 106-109). 17

Acreditava-se que Jesus voltaria para estabelecer um reinado literal de mil anos sobre a Terra, e, portanto, cabialhes anunciar o fim dos tempos que antecediam este reinado. O termo “escatologia” se refere ao sistema de crença em relação ao futuro.

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A Teologia da Prosperidade é uma adaptação cristã ao capitalismo. Diferente da teologia do pentecostalismo clássico, que enfatizava uma “providencia” divina para o sofrimento humano, a teologia da prosperidade enfatiza uma postura de “cobrança” diante das “promessas” de Deus na Bíblia. Acreditam que os cristãos devem desfrutar de todos os bens terrenos; que não devem sofrer ou terem enfermidades. Os cristãos que ainda estão nestas condições, precisariam exercer a fé e “cobrar” de Deus. Um dos meios de colocar a fé em prática é estabelecendo uma relação de “troca” enfatizada por uma nova interpretação do “dízimo”, configurando o “dar e receber”.

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Desse modo, as metáforas permitem uma leitura de um macroprocesso histórico a fim de verificar o papel e lugar da religião no mundo secularizado. Sob o paradigma weberiano, a literatura sociológica brasileira utiliza-se de tipos ideais (metáforas) para sugerir o argumento de que as instituições religiosas, cooptadas pela lógica do consumo, tendem a transformam os “bens de salvação” em “produtos”. Neste caso, o campo religioso brasileiro nos fornece exemplos, tais como a metáfora das agências para descrever o tipo de adesão e serviço religioso (MENDONÇA, 1992); mercado para pressupor uma relação entre capitalismo e a “transformação das crenças em mercadorias” (CAMPOS, 1997); solvente, para descrever uma religião “individualizada”, que dissolve “vínculos” e “heranças” culturais (PIERUCCI, 2006); mochileiros da fé para descrever o nomadismo religioso (BITUN, 2011), etc. Em suma, nas definições de Antônio Flávio Pierucci, um dos maiores expoentes do paradigma weberiano da secularização no Brasil, a “liberdade religiosa implica um grau mínimo de pluralização; e pluralismo religioso não é apenas resultado, mas fator de secularização crescente” (1997, p. 115). Em suma, as metáforas seriam recursos teóricos para descrever uma dada realidade social. De modo geral, a pergunta pode ser: o que teria acontecido para que os pentecostais assimilassem a cultura moderna? Como explicar que um movimento religioso, que por mais da metade do seu centenário tinha uma aversão pela participação política, por exemplo, e que agora, pretende “conquistá-lo”? Entre as muitas possibilidades, a resposta que enfatiza a transformação de sua cosmologia religiosa parece razoável. Ou seja, a suposta rejeição ao mundo pode ser compreendida a partir de sua teologia. O contexto político sobre o qual se desenvolveu o Pentecostalismo Clássico, isto é, de 1910 a 1950, abrangeu as duas grandes guerras mundiais. Além disso, este tipo de pentecostalismo teria adotado como opção a teologia da vertente fundamentalista norte-america, até então em oposição à teologia liberal europeia, tida como “moderna”. 19 A teologia 19

A teologia protestante europeia (Alemã) passou por um desenvolvimento intelectual desde o Iluminismo, que resultou numa “teologia cientifica” que buscava diálogos com o mundo moderno. Esta teologia moderna procurava ajustar a fé cristã à ciência, de modo que o sobrenatural e os supostos milagres eram tidos como “mitos” e frutos de uma mentalidade supersticiosa dos primeiros discípulos, superada pelos modernos. Esta postura que custou o titulo de “liberais”, eram comum nas igrejas protestantes europeias. Sua postura e participação na política se davam também por meio da militância, seja de direita ou de esquerda, conforme suas orientações ideológicas. Em oposição a esta teologia moderna, surge nos Estados Unidos a chamada “teologia fundamentalista”, por enfatizar uma

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fundamentalista consistia numa interpretação literal da Bíblia, ou seja, faziam uma leitura da história humana como já determinada por eventos catastróficos e sob expectativas “messiânicas” de salvação, conhecida como “milenarismo”.20 Esta doutrina teria influenciado os líderes do pentecostalismo e inserida no Brasil por meio de suas pregações, que exigiam um aperfeiçoamento para o mundo vindouro (escatológico) em detrimento do mundo atual, tido como condenado à perdição. Isso, talvez, possa explicar a recusa dos primeiros pentecostais em participar da política ou realizar qualquer sorte de filantropia, pois os males sociais são vistos como castigos divinos contra os infiéis, que seriam curados apenas pela conversão. Mas isso tem mudado. Embora ainda se encontre esta doutrina entre os pentecostais, pode-se afirmar que ao logo dos últimos 100 anos, ela teria se transformado. O sectarismo e o ascetismo começaram a ceder lugar à acomodação ao mundo, embora ainda haja igrejas ascéticas e resistentes à participação política. O cenário para tais mudanças são observadas a partir das décadas de 1970, tendo ganhado mais força no contexto da redemocratização no Brasil. Nesse aspecto, é possível detectar em cada uma das três ondas um escalonamento de aproximações com a cultura secular que terminou por alterar a dinâmica comportamental dos pertencentes ao movimento. As aberturas foram gradativas, ora mais visíveis e em certos momentos imperceptíveis. Como afirma Kate Bowler, trata-se do resultado “da rápida compressão das forças econômicas, sociais, políticas, e culturais se moldando em um sistema complexo de interações” (BOWLER, 2013, p. 229). Vejamos de que modo podemos relacionar essas classificações com o modelo proposto por Richard Niebuhr.

interpretação literal da Bíblia e por manter-se resistente ao mundo moderno. O pentecostalismo brasileiro herda esta vertente teológica e a desenvolve a seu modo. 20

Trata-se do “milênio” descrito em Apocalipse. Este período teria sido interpretado das mais diversas formas. A interpretação “Amilenista” sugeria um período simbólico para o sucesso do pregação cristã (Agostinho); A “pósmilenista” a interpreta de modo literal, estabelecendo a “volta de Cristo” para o final dela; e a “pré-milenista” também a interpreta de modo literal, entretanto, antecede a “volta de Cristo”, que por sua vez é precedida por inevitáveis catástrofes (reinado do Anticristo, questões climáticas, etc). A teologia pentecostal é derivada desta ultima. A concepção da política tem origem nestas interpretações.  

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3.1 As igrejas da primeira onda – rejeição da cultura Nesse ponto passaremos a considerar o pentecostalismo de primeira onda e o modelo de rejeição da cultura. De modo geral, a noção de conversão implicava num mudança radical de rejeição ao “mundo”. O pentecostal deixava seus familiares pelo resgate de sua alma se fosse necessário. Os sofrimentos desta vida passam a ser explicados na medida em que o mal era responsabilizado. Desse modo, a primeira onda nasce contra cultural e se encaixa na escala que Niehbur chama de “Cristo contra a Cultura”. Nessa instância o “conflito do crente não é com a natureza, mas com a cultura, pois é especialmente na cultura que o pecado reside” (NIEHBUR, 1967, p. 75). Os templos das Igrejas de primeira onda servem como um lugar de fuga da cultura secular, onde os pentecostais começam a desenvolver uma cultura própria e procuram se manter alheios à maioria dos acontecimentos exteriores, focando sempre na separação deste mundo. Conforme se constata, neste tipo de comportamento “Cristo desvia os homens da temporalidade e do pluralismo da cultura” (NIEHBUR, 1967, p. 61). Para o pentecostalismo de primeira onda o pecado estava em toda parte. Nos lugares de diversão no “mundo”, bailes, bares, festas ou carnavais e na música secular como um todo. O pecado residia também na prática do esporte – muitos pentecostais foram excluídos por praticarem futebol – o esporte nacional do brasileiro.21 Para a maioria destes pentecostais o pecado residia também na política, considerando-a como dominada por ideais mundanos e corrompidos, e impregnada pela idolatria do catolicismo romano. As mensagens e os próprios meios de comunicação fossem rádios, revistas, cinema e televisão eram categorizados como pecado. Ao se converter um pentecostal deveria abandonar estes interesses passageiros e trocá-los pela participação em cultos e na convivência com os irmãos. Afora o trabalho, qualquer atividade social deveria estar ligada à sacralidade pentecostal. Para as mulheres o legalismo era ainda maior. Em certos aspectos era como se ser mulher fosse pecado. Saias acima dos joelhos, brincos, maquiagem ou quaisquer outros adereços que chamassem a atenção eram considerados “vaidades” e eram vistos como pecado. Ao passo que a

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Daí a dificuldade que perdura até hoje de um assembleiano tradicional aceitar uma igreja pentecostal como a “Bola de Neve”, cujo púlpito é uma prancha de surf (Ver MARANHÃO FILHO, 2014). Mesmo os tradicionais que aceitam igrejas mais modernas, em sua maioria, mantém um preconceito velado.  

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cultura secular promovia um relaxamento nas regras de vestimentas para mulheres, o pentecostalismo se fechava. É possível destacar algumas questões de gênero. Enquanto o homem pentecostal, de posição simples na sociedade tinha seu ego inchado ao vestir seu terno e gravata para ir à igreja (evento raro se a igreja não existisse), a mulher se via distante de tais recompensas. Suas roupas não tinham apelo e sua moda mantinha-se sem graça. Enquanto o homem adquiria posição importante na escala hierárquica da igreja, diferente de sua posição na sociedade, a mulher deveria se contentar em apenas poder ajudar. Aqui a submissão adquire tons de repressão. Tornar-se pentecostal na primeira onda trazia muito mais benefícios psicossociais para homens do que para mulheres. Na Convenção das Assembleias de Deus de 1930, realizada em Natal o tema da participação da mulher entra em pauta. Silas Daniel nos informa que “havia divergência de opiniões entre os convencionais, e os principais líderes da Igreja no Brasil, Gunnar Vingren e Samuel Nystrom, tinham opiniões diferentes sobre o assunto já havia muito tempo” (2004, p. 35). No embate prevaleceu a ideia da superioridade do sexo masculino. Até os dias atuais a CGADB se orgulha desta posição: “na convenção geral de 2001, em Brasília, o tema seria mais uma vez levantado. Na ocasião, os convencionais, por esmagadora maioria, rejeitaram a ordenação de mulheres” (DANIEL, 2004, p. 40). Apesar do machismo estar presente na história das Assembleias de Deus (AD), foi notável a contribuição das mulheres para o crescimento destas igrejas. Frida Vingren, esposa de Gunnar teve participação ativa no início do pentecostalismo. Escrevia matérias, participava de decisões e influenciava mulheres e homens. Em certos aspectos o “espírito” de Frida continuou vivo por muitos anos nas mulheres assembleianas da primeira onda pentecostal; muitas delas tiveram maior impacto que homens em suas gerações, suportando caladas o preconceito e o machismo, exercendo papel social importante em suas comunidades. Em suma, no período inicial do movimento, conforme a teologia pentecostal, toda a cultura brasileira estava tomada pelo pecado, pela idolatria e carnalidade e somente a nova cultura criada dentro das portas fechadas da igreja levaria ao céu. Tentemos detectar as razões para os primeiros assembleianos terem se fechado desta maneira, achar um ponto de contato entre a cultura popular brasileira e o pentecostalismo. À

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época no Brasil já havia um forte embate de classes, o que resultou em um pré-conceito por parte das populações mais pobres no tocante à modernidade. Correntes de diversos segmentos contribuíram inclusive para a industrialização tardia neste país. O comportamento fechado dos primeiros pentecostais estava baseado não somente em um desejo de se fechar para o pecado, como também num fator psicológico pré-existente das camadas mais baixas da população brasileira como um todo: a resistência aos novos ideais elitistas – a europeização – da recém formada república brasileira:

Tanto nas cidades quanto no meio rural, as intervenções do poder governamental deram origem a importantes levantes coletivos [...] essas revoltas podem parecer sem sentido ou fruto da ignorância. Mas, no fundo, elas traduziam uma reação cultural violenta diante das rápidas e autoritárias transformações ocorridas no período, transformações que não levavam em conta as formas tradicionais da maioria da população (Uma Breve História do Brasil, 2010, p. 224).

Daí a comprovada desconfiança destas classes em relação à novidades como o cinema, as vestimentas, visto por elas como imposições mundanas desnecessárias. A hipótese é de que a desconfiança das classes mais baixas como um todo em relação às elites causou nos primeiros pentecostais uma resistência com relação a modernidade. De natureza conformista baseada na ideia de receber uma recompensa após morte, a resistência pentecostal se deu na forma de isolamento. Pacifista em relação ao mundo, porém altamente ativa na política interna da igreja. Constata-se um isolamento pentecostal em relação a assuntos políticos, que se dá por questões puramente práticas. No período da republica velha, justamente nas regiões de periferia aonde o pentecostalismo aflorava, os debates sociais eram escassos. A política não era de interesse primordial. Posteriormente essa oposição à política ganha ares de sacralidade. Neste momento se fundem crenças sociais com crenças religiosas no imaginário dos primeiros pentecostais. Para suecos e brasileiros da primeira onda, todo o conhecimento adquirido fora do âmbito espiritual era menos importante. No contexto educacional brasileiro, esta aversão ao conhecimento racional contribuiu ainda mais para o crescimento do pentecostalismo. Se por um lado a ênfase nas profecias e na glossolalia “aproximava” o pentecostal de Deus, o desprezo pelo entendimento e a falta de explicações mais concretas para os dilemas da vida eventualmente trariam frustração às novas gerações de pentecostais. Talvez isto ajude a explicar em partes o

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fenômeno de que a “Assembleia de Deus é a igreja que mais perde membros, mas é também a igreja que mais ganha membros” (ALENCAR, 2010, p. 46). Apesar de incentivarem a leitura da Bíblia, esta aversão à educação se estendeu também para o ensino da teologia, a qual “os radicais consideram como uma intrusão da sabedoria mundana na esfera da revelação” (NIEHBUR, 1967, p. 138). Neste período tanto os suecos como brasileiros rejeitaram a necessidade de seminários formais, mantendo-se apegados à “direção espiritual” de Deus na resolução das questões doutrinarias. A música também se encerrou dentro dos limites impostos pela denominação assembleiana. A primeira edição da Harpa Cristã, hinário oficial das AD’s foi “instrumento de consolidação nacional da hinologia pentecostal, principalmente por meio do cântico congregacional. Um dos motivos que contribuiu para isso foi o fato de cada crente assembleiano ter que possuir o seu próprio exemplar do hinário e levá-lo para a igreja, diferentemente das igrejas das denominações tradicionais no Brasil, América do Norte e Europa, onde são os templos que possuem exemplares dos seus hinários disponíveis para os fiéis usarem em seus cultos”.22 É importante também destacarmos a relação do pentecostalismo de primeira onda com outras religiões, especialmente o catolicismo. O “mundo em trevas” para os pentecostais nesse período, logicamente, incluía as outras religiões, principalmente o catolicismo dominante. A visão pentecostal da religião dominante se assemelha a opinião de Tertuliano, expoente do tipo “Cristo contra cultura”. Segundo ele “a coisa mais viciosa é, por certo, a religião social pagã, com seu politeísmo e idolatria, suas crenças e ritos e sua comercialização” (NIEHBUR, 1967, p. 75). Assim, o pentecostalismo brasileiro em todos os seus períodos, diferentemente do americano, vem travando uma batalha histórica com a Igreja Católica Romana. Nesse aspecto não houve assimilação entre as religiões como nos casos dos cultos afro-brasileiros que foram incorporados ao catolicismo. Como minoria no norte e nordeste os evangélicos travaram um embate religioso desleal com os católicos, sendo agredidos e perseguidos por parte dos mesmos. Cartaxo Rolim informa que “naquele tempo, muito mais do que hoje, deixar o catolicismo para ingressar em alguma igreja evangélica, principalmente pentecostal, era expor-se a não poucos vexames que iam do não ser cumprimentado até certa forma de agressão à entrada dos templos. E 22

http://www.harpacrista.com.br/historia.php?i=1  

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como não era geralmente a família toda que entrava para as igrejas pentecostais, não faltavam conflitos em casa” (1995, p. 32). Os pentecostais eram chamados de “crentes”, de “bíblias” quando não com alcunhas mais agressivas como “bodes”. Sofriam diversas formas de preconceitos e em geral, suportavam pacificamente e com orgulho, pois ali se identificavam com os primeiros cristãos perseguidos da igreja primitiva de Atos dos Apóstolos. Essa situação, de certa forma, aproximava ainda mais os “irmãos” pentecostais uns dos outros. A nova comunidade se fechava para se proteger dos ataques mundanos. De certa forma, a perseguição contribuiu para o enclausuramento do “povo de Deus”. A questão da ascese é uma construção de identidade social. “Santidade” significava separação da cultura secular aos olhos dos pioneiros pentecostais e “o corolário de toda a concepção era o pensamento de que quem não pertence à comunidade de Cristo está sob o governo do mal.” Isto veio a se expressar na doutrina dos dois caminhos: “há dois caminhos: um da vida e outro da morte” (NIEHBUR, 1967, p. 72). Mais uma vez os pentecostais se aproximam de Tertuliano na visão de mundo, pois este “chega bem perto do pensamento de que o pecado original é transmitido pela sociedade, e que se não fossem os costumes viciosos que cercam uma criança a partir do seu nascimento, e a sua educação artificial, a sua alma permaneceria boa” (NIEHBUR, 1967, p. 75). A ignorância e alienação causadas por um zelo excessivo contra a cultura no período de implementação do pentecostalismo no Brasil contribuiu para formação do ethos pentecostal. Mas foi desta maneira que o pentecostalismo tradicional lançou as bases para o fim da hegemonia católica no cenário religioso como vemos atualmente. Tivesse o catolicismo incorporado a nova seita como fez com outras religiões a história religiosa no Brasil seria diferente. Os pentecostais desafiaram uma sociedade onde ser brasileiro significava ser católico, onde “na falta de sentimento ou da consciência da superioridade da raça, tão salientes nos colonizadores ingleses, o colonizador do Brasil apoiou-se no critério da pureza da fé” (FREYRE, 2011, p. 272). Vale notar que muitas igrejas pentecostais tradicionais (de primeira e segunda onda) por maiores as pressões da pós-modernidade mantém parte deste comportamento de aversão às mudanças. A CGADB, por exemplo, continua a enfocar a dominação masculina como vimos. Alguns tradicionais tentam manter os usos e costumes enquanto podem. Por outro lado, o envolvimento com a política secular está completamente incorporado ao pentecostalismo. A

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abertura cultural foi sacramentada de vez na Assembleia de Deus com os programas televisivos em rede nacional – algo inimaginável para um assembleiano tradicional até pouco tempo atrás. Outras Igrejas tradicionais incorporam elementos do neopentecostalismo em seus cultos, e assim prossegue o processo de assimilação. Constatamos que os próprios tradicionais admitem que maiores aberturas são apenas questão de tempo.

3.2 Igrejas da segunda onda – síntese e assimilação cultural A partir de 1950 o pentecostalismo brasileiro se fragmentou. Manoel de Melo funda a igreja O Brasil para Cristo (OBPC), e o missionário Harold Williams traz a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ) rompendo com aspectos do tradicionalismo assembleiano e abrindo o caminho para a segmentação do movimento. Aqui os embates se deram em torno do envolvimento ou não dos pentecostais com novos elementos da cultura moderna. As novas técnicas de evangelismo, com o uso do rádio e das tendas e o papel proeminente da mulher figuram entre os temas principais. Ao contrário do que ocorria nas ADs, na Igreja Quadrangular “há vários casos em que a pastora titular é a esposa e o pastor auxiliar é seu marido”. Na igreja O Brasil para Cristo o “progressismo político” aventureiro de Manoel de Melo foi símbolo de abertura cultural entre a primeira e segunda fase do movimento (FRESTON, 1996, p. 114-124). As divisões denominacionais entre os pentecostais no Brasil foram tardias se comparadas ao que aconteceu em sua matriz nos EUA. Na América do Norte, já nas primeiras décadas dezenas de igrejas pentecostais distintas se multiplicavam, haja vista o caráter da liberdade individual e empreendedorismo que contribui para que o americano desafie suas instituições religiosas. De qualquer sorte, com a utilização do rádio e das tendas, bem como as grandes cruzadas evangelísticas, multidões aderem ao movimento pentecostal. Os grupos novos tinham a “liberdade de adaptar-se à nova sociedade urbana, porque não carregavam mais de 40 anos de tradição. Puderam inovar com técnicas mais modernas e uma nova relação com a sociedade” (FRESTON, 1996, p. 110). A esta época fica evidente que as AD’s tinham pouca influência norte americana e muita influência Sueco/Nordestina. Como observa Freston “em vez da ousadia de conquistadores,

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tinham uma postura de sofrimento, martírio e marginalização cultural” (FRESTON, 1996, p. 78). Também pode-se argumentar em partes que os suecos se ressentiram das novas metodologias de evangelismo simplesmente por elas terem partido de missionários americanos. Fato é que todo o pentecostalismo foi impactado pelo empreendedorismo americano após os anos 50, inclusive as AD’s, ainda que tardiamente. Estas aberturas de segunda onda contribuíram com alguns elementos peculiares para o que entendemos hoje como cultura pentecostal. A fixação pelos grandes números, a engenhosidade para atrair multidões, a competitividade entre os ministérios, os mitos para reforçar o carisma eram ferramentas aceitas para se “ganhar almas para Jesus.” Segundo Manoel de Melo o grande templo da Igreja O Brasil Para Cristo seria “capaz de abrigar 25.000 pessoas sentadas. Na realidade, dificilmente cabem nele mais de 8.000 pessoas” (FRESTON, 1996, p 119-120) como se constata. Esses exageros não são incomuns por parte dos pentecostais. No intuito de engrandecer sua figura de “grande homem de Deus” Paulo Leivas Macalão, fundador da AD Madureira, hoje representada pela CONAMAD com dois milhões de inscritos, infringiu as leis de direitos autorais livremente. Como a cultura pentecostal era isolada, seus delitos passaram despercebidos. Macalão se apropriou de diversos hinos internacionais na Harpa Cristã, deixando apenas o nome do tradutor da letra para o português e não do compositor. Até mesmo a tradução deve ser posta em xeque nestes casos. Sua figura grandiosa, no entanto, apenas aumentava. Davi Miranda, líder tardio deste período de segunda onda que entrou em cena a partir dos anos 60 e permaneceu ativo até o dia de seu falecimento em 21 de fevereiro de 2015, se comunicava a seus ouvintes radiofônicos de forma pomposa. No ar se dirigia a seu público como se estivesse falando literalmente ao mundo inteiro. Utilizava a expressão “todo o mundo” de forma enfática, dando proporções “universais” a seu programa “Voz da Libertação”. Transmitia seus programas muitas vezes, em um arranhado “portunhol” notadamente para impressionar mais os ouvintes brasileiros do que para alcançar os de origem hispânica. Não obstante Davi Miranda alcançou notável êxito na mídia. São milhares de horas de rádio a serviço de sua denominação no Brasil e em “partes” do mundo.

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Nas Marchas para Jesus atualmente, as discrepâncias dos números oficiais e dos organizadores são abismais. Num ambiente competitivo exagerar nas estimativas dos números de participantes contribui para atrair ainda mais pessoas e para inflar o ego da liderança. Outra caraterística a ser mencionada é a inovação dos locais de culto. Vejamos o que despertou Harold Williams, fundador da Igreja do Evangelho Quadrangular a importar para o Brasil a ideia dos cultos em tendas que já eram comuns nos EUA: Enquanto em Furlough, Harold compareceu as cruzadas de Billy Graham e Oral Roberts, quando ambos eram ainda jovens e no auge de seus ministérios. Ali ele teve grandes ideias que seriam transferidas ao Brasil. Um conceito específico veio como uma luz em sua mente, em uma noite aonde Billy Graham realizava a cruzada em uma tenda. Harold pensou: os brasileiros amam os circos. Eu creio que eles seriam atraídos para cultos de avivamento em tendas (RISSER, 2010, tradução nossa).

Manoel de Mello foi ainda mais longe, se distanciando cada vez mais dos métodos tradicionais vigentes “alugando espaços seculares como cinemas, ginásios e estádios” (FRESTON, 1996, p. 118) para desespero dos assembleianos de raíz. Essa tendência de inovar nos métodos para atrair multidões é fruto da invasão empreendedora americana no Brasil na segunda onda. Para se entender o fruto desta cultura de exageros e inovações é crucial um passeio pela Avenida Celso Garcia em São Paulo. Ali, além de inúmeras igrejas pentecostais oriundas das três ondas, encontra-se também uma réplica do templo de Salomão idealizada pelo bispo Edir Macedo, um símbolo maior da engenhosidade para atrair multidões – e dinheiro – que o pentecostalismo já vivenciou. A Avenida Celso Garcia é um espaço físico que em quase todos os aspectos reflete o todo do movimento pentecostal brasileiro. Para encher os templos paulistanos os pastores dependem principalmente dos programas televisivos, das 8 rádios oficiais da cidade a serviço do movimento, e de um número maior ainda de rádios pirata – todas controladas por pentecostais. Uma hora diária de programação semanal em uma rádio oficial pode chegar aos 50 mil reais mensais, conforme constatamos através de consultas via telefone. Seja nos púlpitos ou nas rádios, os pastores agem debaixo da “liberdade do Espírito Santo” o que geralmente significa “vale tudo” para atrair as multidões.

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As campanhas e correntes são criadas para evitar a estagnação dos cultos normais, e ajudam na fidelização a medida que os membros se comprometem com Deus em retornar várias semanas à mesma igreja. Neste contexto igrejas passam a ter frequentadores e não membros formais. De acordo com Ricardo Bitun, “a imagem é semelhante a um grupo de mochileiros, sem lugar definido para acampar e que instala-se por um breve período em algum ‘acampamento da fé’” (BITUN, 2011, p. 96). A engenhosidade fica a cargo da criatividade dos líderes que aprenderam a detectar as necessidades existenciais das pessoas e fornecer promessas de respostas que supram – de preferência rapidamente – problemas de toda sorte. São realizadas campanhas direcionadas a temas específicos como casamento, vida financeira e libertação. Usa-se a proclamação de temas para o ano todo como o “ano de Davi” ou o “ano da colheita”. Essa engenhosidade pentecostal é advinda de uma competitividade exacerbada que passou a ser constatada no momento de ruptura cultural do movimento entre a primeira e segunda onda pentecostal. Pode-se argumentar que os líderes expoentes desse período no pentecostalismo aderiram a novos elementos culturais com a intenção de alcançar mais fieis, bem como a manutenção do poder pastoral. Em qualquer análise, o fato é que nasce uma postura inédita das igrejas pentecostais que migram da rejeição à cultura secular, ou da clausura, em direção a uma posição intermediária de “brincar” com elementos novos da cultura brasileira. Agora o pentecostal começa a perceber “que pertence àquela cultura” (secular) “e sabe que não pode livrar-se dela; que Deus na verdade o sustenta nela e por meio dela” (NIEHBUR, 1967, p. 187). Resistiriam os pentecostais às forças avassaladoras da cultura secular? Ou ao tentarem utiliza-la terminariam engolidos por ela? Como em todos os movimentos religiosos que nascem sectários e com o tempo se tornam reflexo de sua cultura a resposta é óbvia também para o pentecostalismo.

3.3 Igrejas da terceira onda – aculturação A fase neopentecostal brasileira se inicia com o surgimento da Igreja Universal do Reino de Deus no Rio de Janeiro ao final dos anos de 1970. Mesma época do surgimento “oficial” do pós-modernismo. Esta terceira onda pentecostal é um período essencial para o entendimento do

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pentecostalismo brasileiro atual. A partir de 1980, diversos acontecimentos políticos e culturais importantes influenciariam os rumos do movimento pentecostal brasileiro. A política do país passava por profundas mudanças com a constituinte e as primeiras eleições diretas após um período três décadas anos de ditadura. A democracia instituída, baseada principalmente no modelo americano, iniciou um ciclo singular na história do Brasil, abrindo novos horizontes capitalistas e desencadeando, inevitavelmente, novas experiências culturais e religiosas. O Brasil despertava para novos tempos. No cenário pentecostal aconteceu a maior divisão denominacional na história das igrejas brasileiras. Nas Assembleias de Deus surge a CONAMAD como fruto da divisão entre o ministério de Madureira e a CGADB. Nesse período de euforia política e cultural nasciam novas Igrejas pentecostais com características culturais singulares. No campo da música, o chamado “louvorzão” transforma o perfil musical das igrejas evangélicas e atrai inúmeros jovens para os templos. Inicia-se um processo de assimilação de novos ritmos músicais, antes proibidos nos púlpitos. As gravadoras se multiplicam assim como uma enxurrada de artistas de pequeno, médio e grande porte. Ministérios de louvor como o “Diante do Trono” de Belo Horizonte se transformam em fenômenos de vendas. Cantores despontam nas paradas de sucesso evangélicas, vendem milhares de cds e fazem shows que atraem milhares. Logo o mercado secular enxerga o potencial comercial. Aline Barros, famosa cantora pentecostal, aparece no programa da Xuxa na Rede Globo e grava um clipe ao lado da mesma. Apenas um exemplo das aberturas culturais que ocorrem no período recente do pentecostalismo. A chegada das “igrejas em célula”, que incentivam a multiplicação dos fiéis através de reuniões nos lares sistematizadas transforma membros comuns em líderes de pequenos grupos, disseminando ainda mais o fervor pentecostal. O processo de fragmentação a partir dos anos 80 promoveu altos índices de crescimento dentro do pentecostalismo. Novos ministérios surgem e crescem a partir desse período, cada um com características culturais distintas suprindo os anseios por uma espiritualidade viva presente em todas as camadas da sociedade. Surge a igreja Sara Nossa Terra em Brasília, o Ministério Internacional da Restauração (MIR) em Manaus, a Igreja Fonte da Vida em Goiânia, e centenas de outros ministérios. Em São Paulo surge a Renascer em Cristo, que se torna uma igreja de vanguarda cultural. A Renascer foi a precursora

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das igrejas “descoladas”, totalmente livre dos usos e costumes do pentecostalismo de raiz. A Bola de Neve Church, mais recente, continua a tendência de quebra com os usos e costumes. Alderi Matos aponta ainda para algumas características do neopentecostalismo, afirmando que “os grupos neopentecostais distinguem-se da sua matriz ou por darem uma ênfase incomum a determinados aspectos da herança pentecostal (por exemplo, curas, revelações e exorcismos), ou por adotarem novas ideias e práticas, muitas delas provindas dos Estados Unidos (como batalha espiritual, o “evangelho” da prosperidade, maldição hereditária e assim por diante)” (MATOS, 2011). Porém estes aspectos ficam à sombra de outro maior, desconhecido até então no pentecostalismo e fora dele. Um fator determinante e exclusivo deste período é o modelo administrativo eclesiástico implementado pelo bispo Edir Macedo em suas Igrejas. Esse modelo foi algo jamais visto na história do protestantismo mundial. Como numa linha de montagem de automóveis de Henry Ford, Macedo revolucionou a “indústria” do evangelho de Cristo. Mantendo sempre o elemento do “Deus Vivo”, incorporando a ele a teologia da prosperidade e a mensagem triunfalista da confissão positiva, Macedo utilizou conceitos de marketing e administração na IURD, transformando a mensagem do evangelho em um negócio altamente eficaz do ponto de vista empresarial. Em 1989 Edir Macedo inicia as negociações para adquirir a Rede Record de televisão que mais tarde viria a ser um dos principais meios de comunicação do país, sustentado principalmente com o dinheiro das ofertas dos membros da Igreja Universal do Reino de Deus. Sobre essa controvérsia, ver o trabalho de Ronaldo Almeida (1996). Iniciou seus programas de rádio e posteriormente TV nas madrugadas do Rio de Janeiro, e ali descobriu seu público alvo: os desesperados. Em questão de pouco tempo passou a multiplicar suas ações de evangelismo encaminhado este público às inúmeras igrejas Universal que se tornavam cada vez mais organizadas para os padrões de administração eclesiástica até então vistos. Além de arrebanhar a mesma classe de pessoas desiludidas com o catolicismo brasileiro que já era alcançada em números expressivos pelos pentecostais da primeira e segunda onda, Macedo passou a chamar a atenção também, por estar na televisão, de pessoas de outras classes sociais, fossem crentes, católicos ou espiritas sem respostas concretas para seus dilemas. Seguindo a lei da oferta e procura do mercado, a IURD aprendeu que as necessidades das pessoas

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são diferentes umas das outras. Um culto para a área financeira, outro para a vida emocional, outro ainda para a libertação espiritual, e assim por diante – método que passa a ser copiado pelas outras igrejas pentecostais e neopentecostais. Em comparação aos templos pentecostais tradicionais que se mantinham fechados a maior parte do tempo, abertos geralmente para apenas um culto maior aos domingos e alguns outros menores na semana, a IURD mantém seus templos abertos por longos períodos, extrapolando o horário comercial, oferecendo oração e aconselhamento e em alguns casos promovendo cinco ou mais cultos por dia. No caso da mensagem pentecostal tradicional as pessoas eram atraídas pela salvação da alma, o perdão dos pecados, a libertação dos vícios e a cura física das enfermidades. Na mensagem de Macedo, além desses “benefícios” a recompensa material passa a ser proeminente. Porém estes elementos da mensagem neopentecostal talvez tivessem se consolidado no Brasil por outros vieses. A teologia da prosperidade, por exemplo, se originou nos Estados Unidos e foi importada até mesmo antes do nascimento da IURD por outras Igrejas. Portanto, não se pode dizer que estes acréscimos à mensagem original do pentecostalismo foram o maior responsável pelo divisor de águas no movimento. Deve ser creditado como principal objeto fundador do neopentecostalismo brasileiro a implementação de uma visão empresarial e marqueteira na administração das instituições religiosas pentecostais. Edir Macedo criou um modelo de administração eclesiástica única e centralizada, e trabalhando de maneira contundente na mídia, criou uma rede de Igrejas que lembram as grandes empresas multinacionais. Esse modelo é imitado e seguido por outras igrejas. Não seria possível Igrejas como a Mundial do Poder de Deus, apesar dos apelos e do carisma dos líderes, crescerem tão rapidamente sem ele (BITUN, 1997). Foi na Universal que Valdemiro Santiago aprendeu a multiplicar-se rapidamente, utilizando pastores com aparência e fala parecida com a sua e administrando suas igrejas como viu na Universal. O pentecostalismo com o Edir Macedo pastor manter-se-ia pentecostalismo, depois do Edir Macedo empresário nunca mais seria o mesmo. Pode-se dizer que Macedo foi o pai do neopentecostalismo brasileiro. Nesse aspecto, podemos ainda descatar o fato de que a IURD promove o empreendedorismo de seus membros incentivando-os a buscarem uma posição social mais digna, fazendo-os acreditar em seu potencial para os negócios ou para a ascensão profissional. Pregam que a “pobreza é resultado da falta de fé ou de ignorância” (FRESTON, 1996, p. 147).

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Desde os tempos de pertencimento a Igreja Nova Vida,23 Macedo foi introduzido a “um modelo pentecostal mais culturalmente solto” (FRESTON, 1996, p. 133). A IURD se encaixa no tipo ideal “Cristo da cultura”. Incorpora elementos da cultura secular como nenhuma outra corrente do pentecostalismo o faz. Para fins comparativos é essencial ressaltar uma enorme variedade entre os fieis da IURD, como bem demonstra os estudos sobre o trânsito religioso (ALMEIDA; MONTERO, 2001). Há aqueles que vêm de outras religiões, principalmente do catolicismo brasileiro e do espiritismo; outros são compostos por pessoas que migram de outras igrejas pentecostais. Os que vêm de outras religiões mantém na bagagem um conjunto de repertórios simbólicos, pois assim foram atraídos ao movimento pentecostal. Portanto, não é incomum encontrar pessoas que carregam consigo amuletos de diferentes religiões a procura da solução para seus problemas. O “terço”, a “rosa ungida”, o “anel da promessa”, o “óleo de unção”, o “manto da fé”, e assim por diante, são objetos que circulam na produção dos corpos dos fieis. Por outro lado, é enorme a parcela de pentecostais tradicionais que passam a incorporar vários elementos do neopentecostalismo em sua teologia, liturgia, nos métodos de evangelização mais agressivos e na administração eclesiástica, conforme veem na IURD. Estes elementos são incorporados e adaptados pelas demais igrejas pentecostais para acelerar o crescimento. Muitas denominações

plagiam

estratégias

e

as

acomodam

em

suas

denominações.

É

o

neopentecostalismo temperando o pentecostalismo tradicional. Com esse fenômeno, as Igrejas tradicionais, alteraram profundamente o perfil geral da Igreja pentecostal brasileira transformando-a de certa forma em uma massa mais homogênea, apagando ainda mais as fronteiras entre o pentecostalismo e neopentecostalismo.

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Igreja da década de sessenta fundada por Robert McAlister, aonde Macedo iniciou seus aprendizados.

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CONCLUSÃO Conforme nosso argumento fica evidente que o pentecostalismo brasileiro está cada vez mais parecido com a cultura secular. De fato constata-se que o pentecostalismo em 2015 encontra-se numa fase adiantada de aculturação. Essas mudanças, não ocorreram repentinamente, mas como resultado, em parte, de uma série de acontecimentos da relação entre o pentecostal e a cultura secular. A noção de conceito de “mundano” presente na primeira onda do pentecostalismo brasileiro estava baseada numa leitura dicotomica da vida, uma espécie de ascese ou fuga do mundo. Isso englobava, inclusive, a participação na política partidária, fenomeno que veem mudando nos ultimos anos. Richard Niehbur argumentava:

Quer sejam os cristãos exclusivistas escatologistas ou espiritualistas, em ambos, os casos eles têm de levar em conta o “por enquanto”, o intervalo entre a aurora de uma nova ordem de vida e sua vitória, o período em que a temporal e o material não têm sido transformados ainda em espiritual. Eles não podem, portanto, se separar completamente do mundo da cultura que está ao seu redor (NIEHBUR, 1976, p. 95).

A segunda onda do petecostalismo marca o período das primeiras rupturas e transformaçoes. Foi também o estágio intermediário de aculturação do movimento. Acompanhou a invasão da indústria do entretenimento americano e a engenhosidade para a evangelização. Essa herança americana levou os pentecostais a romperem algumas barreiras culturais exteriores. A principal delas foi a utilização dos meios de comunicação em massa. Surgem as primeiras figuras carismáticas através da mídia. Os primeiros cantores e pastores estilo popstar. Apesar do crescimento do pentecostalismo na segunda onda, o problema principal persistia. Davam-se as grandes conversões nas tendas e nos estádios, e logo a clausura institucional se apresentava. Crescia uma subcultura pentecostal, lugar aonde “os radicais falham em reconhecer o que estão fazendo, e continuam a falar como se estivessem separados do mundo” (NIEHBUR, 1967, p. 92). Assim como suas irmãs mais velhas as igrejas de segunda

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onda eram cheias de tradições anticulturais e, portanto, não puderam conter as novas gerações de filhos insatisfeitos. Mais uma vez ganham-se muitos fiéis e perdem-se muitos fiéis. Na terceira onda pentecostal nasce o pentecostalismo aculturado. É o momento na história das maiores controvérsias teológicas. Os neopentecostais adotam uma postura completamente materialista em relação aos pentecostais anteriores que enfatizavam uma teologia da privação. Dentre os milhares de ministérios que existem no pentecostalismo brasileiro, alguns adquirem maior destaque que outros. Levando em conta que a lei de oferta e procura é também uma realidade no cenário religioso, cada igreja supre diferentes anseios culturais dos determinados segmentos. Tomemos por exemplo a Bola de Neve Church, considerada de vanguarda cultural no pentecostalismo, cujo símbolo é uma prancha de surf. Segundo a história contada pela própria igreja em seu site, foi num evento esporádico numa loja especializada em produtos de surf que se deu a escolha (ver também MARANHÃO FILHO, 2013). Em suma, o pentecostalismo de terceira onda promoveu inúmeras aproximações no que tange seu relacionamento com a cultura secular. A IURD, apesar de isolada em relação às outras denominações pentecostais tem servido de modelo, se não em sua totalidade, mas em muitos elementos, para as outras. Nesse ímpeto, as denominações pentecostais tornam-se cada vez mais parecidas entre si e mais parecidas com a sociedade que tentam “salvar”. Conforme Zygmunt Bauman, a “fluidez como a principal metáfora para o estágio presente da era moderna” (2001, p. 8), o pentecostalismo se torna cada vez mais um reflexo de sua cultura e não um transformador da mesma. No universo líquido em que vivemos, assinala Bauman, “qualquer rede densa de laços sociais, e em particular uma que esteja territorialmente enraizada, é um obstáculo a ser eliminado” (2001, p. 22).

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