Aspectos da experiência neurojurídica: livre-arbítrio, responsabilidade e racionalidade (Parte 3)

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Aspectos da experiência neurojurídica: livre-arbítrio, responsabilidade e
racionalidade (Parte 3)




Atahualpa Fernandez(
Manuella Fernandez(




"A ninguno de nosotros le gusta el pensamiento
de que lo que hacemos depende de procesos que no
conocemos; preferimos atribuir nuestras elecciones a
la voluntad, el libre albedrío, el autocontrol…
Quizás sería más honesto decir: Mi decisión fue
determinada por fuerzas internas que desconozco".
Marvin Minsky




Livre-arbítrio (1)
Os filósofos profissionais se perguntam desde há muito tempo, sem
haver avançado grande coisa, se é possível conciliar o que sabemos do
comportamento dos humanos, submetidos, como tudo o que pertence ao mundo
natural, a forças que não controlam, e nossa tendência a julgar-lhes como
se fossem livres e responsáveis de seus atos. Esse debate sobre o livre-
arbítrio, que durante muito tempo pertenceu ao âmbito exclusivo dos
filósofos, cobrou uma nova vida entre os neurofilósofos, psicólogos
evolucionistas e neurocientistas em geral que estudam como funciona o
cérebro. E dado que a questão de se temos livre-arbítrio não é um arcano
debate acadêmico sobre filosofia, senão uma pergunta crítica cuja resposta
nos afeta de muitas maneiras, cada vez de modo mais urgente o mundo
jurídico começa a exigir respostas.
Pois bem, o conhecimento atual da neurobiologia demonstra que não é
possível falar-se de uma completa liberdade e nos diz que no momento em que
o indivíduo experimenta algo conscientemente o cérebro já fez seu trabalho,
isto é, respalda a ideia de que o livre-arbítrio é uma inteira ilusão[1]:
quando somos conscientes de que tomamos uma decisão o cérebro já induziu
esse processo (o que levanta a questão de se as ações escapam a nosso
controle). Um poderoso argumento contra o livre-arbítrio, quer dizer,
contra a livre vontade da pessoa, surgiu com o famoso e surpreendente
experimento realizado por Benjamin Libet em que se demostrava que os
processos inconscientes no cérebro são o iniciador verdadeiro dos atos da
volição, ou seja, que o cérebro decide o que vamos fazer antes que sejamos
conscientes de tomar a decisão.[2]
Também os psicólogos e os neurocientistas estão demonstrando que a
própria experiência da vontade poderia ser uma ilusão que a evolução nos
proporcionou para conectar nossos pensamentos, que surgem de processos
inconscientes, e nossos atos, que também surgem de processos inconscientes.
Creem isto porque nossa sensação de ter a «vontade» de realizar um ato
"puede ser cambiada, creada o incluso eliminada mediante la estimulación
cerebral, la enfermedad mental o los experimentos psicológicos. La
ineluctable conclusión científica es que aunque sintamos que somos
personajes en la obra de nuestras vidas, reescribiendo nuestros papeles
sobre la marcha, en realidad somos marionetas que representan guiones
escritos por las leyes de la física". (J. A. Coyne)
Ainda assim, como é evidente que todos temos a sensação de que
causamos conscientemente nossos atos, a maioria das pessoas (filósofos e
juristas incluídos) considera esta ideia intolerável: tão poderosa é nossa
ilusão de que realmente decidimos. Por que temos esse sentimento, essa
sensação? Que função adaptativa cumpre a experiência do livre-arbítrio? Por
que o livre-arbítrio, que vem a ser a relação entre nossos pensamentos e
nossas ações, é uma possessão tão querida?
Para o que aqui interessa, e evitando perder-nos em disquisições
filosóficas ou em realizar um exame exaustivo do amálgama de (neuro)
teorias e crenças que conformam o pot-pourri da liberdade de decidir, nos
limitaremos a dizer que o livre-arbítrio é a ideia de que podemos atuar ou
fazer eleições sem estar constrangidos por circunstâncias externas,
condicionantes internos ou instâncias como o destino ou a vontade divina;
isto é, a capacidade de elegir entre formas de ação, incluindo o não fazer
nada, no mundo que nos rodeia (John Searle, por exemplo, define o livre-
arbítrio como "la posibilidad de haber actuado de otra manera diferente a
como lo hicimos")[3]. Esta capacidade tem raízes profundíssimas: algumas
vêm da evolução, "otras de partes de la corteza cerebral, el órgano que más
finamente nos ajusta al mundo que nos rodea y que contienen lo que Ortega
llamaba la «circunstancia»". (J. M. Fuster)[4]
Assim que ninguém nem nenhuma lei da natureza pode torcer em princípio
nossa vontade. Consideramos-nos capacitados para tomar decisões e
continuamos pensando que nossas decisões são nossas, como se vivêramos
excluídos ou em uma dimensão à parte da atividade fisiológica dos tecidos
de um cérebro moldado geneticamente ao longo da história evolutiva de nossa
espécie e aparelhado para pensar, eleger e decidir de certa maneira,
inventando-nos toda classe de agentes que rompam as cadeias causais,
invocando "centros de poder transempíricos, egos inmateriales, yoes
nouménicos, causas inobjetivables, y toda una letanía de otras instancias
especiales cuyas operaciones no quedan muy claramente explicadas" (R. Kane)
- por isso o livre-arbítrio vai estreitamente vinculado ao conceito de
responsabilidade (moral, civil, penal, etcétera).
A ideia básica consiste em que fazemos uso da deliberação consciente
quando decidimos como atuar, quer dizer, que em ausência de coação, tomamos
decisões livremente. Os argumentos a favor dessa liberdade (livre-arbítrio,
ou dito mais acertadamente, a "natureza da ação") se baseiam tipicamente na
intuição ou na experiência subjetiva direta: «Sinto que tomei a decisão de
levantar o dedo justo agora». Mas, como afirmar que somos livres nesse
sentido se bailamos ao som da química, da genética e da física? Não requer
a avaliação do livre-arbítrio de certos matizes mais além de nossas
intuições imediatas? Por acaso não sabemos que a intuição humana é uma guia
da realidade notoriamente pobre?[5]














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( Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public
Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/
Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research)
Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu
Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-
civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral
research)/Center for Evolutionary Psychology da University of
California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/
Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-
Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia
Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista
Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate
Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y
Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana (Human Evolution and Cognition Group)/Unidad
Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y
Sistemas Complejos/UIB/España; Independent Researcher.
( Abogada Il Ltre. Col legi d'Advocats de les Illes Balears – ICAIB/España;
Doctora (Ph.D.) Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes
Balears-UIB, España; Doctorado Derecho Público/ Universitat de les Illes
Balears-UIB, España; Master (M.Sc.) Evolución y Cognición Humana/
Universitat de les Illes Balears-UIB, España; Research Scholar/ Fachbereich
Rechtswissenschaft /Institut für Kriminalwissenschaften und
Rechtsphilosophie, Johann Wolfgang Goethe-Universität, Frankfurt am Main,
Deutschland; Miembro de la Comisión de Derechos Humanos del ICAIB/España.
[1] A palavra ilusão não significa que não exista: "existe como fruto de la
actividad cerebral que al parecer genera esa ilusión en nuestro propio
beneficio" (S. Blackmore). Ademais, tudo indica que as ilusões cognitivas
que nos induzem a pensar no livre-arbítrio favorecem de algum modo a nossos
genes, razão suficiente para manter intensamente viva essa ilusão no
cérebro humano; ilusão que pode ser tão convincente que perfeitamente
podemos negar-nos a admitir que é uma ilusão. (J. Bering)
[2] Em 2008, John Dylan Haynes modernizou o estudo de Libet (Unconscious
determinants of free decisions in the human brain) e pôde predizer com uma
précisão de 60% das vezes o que elegeriam os participantes. Em seu segundo
estudo de 2011 (Tracking the Unconscious Generation of Free Decisions Using
UItra-High Field fMRI) utilizou técnicas de exploração mais precisas e foi
capaz de confirmar seus descobrimentos anteriores: que as intenções motoras
eram codificadas no córtex frontopolar até sete segundos antes de que os
participantes foram conscientes de suas decisões. Em 2011, Itzhak
Fried (Internally Generated Preactivation of Single Neurons in Human Medial
Frontal Cortex Predicts Volition)estudou indivíduos com eletrodos em seus
cerebros e pôde predizer o momento em que se toma uma decisão com mais de
90% de precisão: "La voluntad podría surgir cuando la acumulación de
actividad de conjuntos neuronales cruza un umbral". A meados de 2014, um
estudo realizado pelo Center for Mind and Brain da University of
California, Davis, e publicado no Journal of Cognitive Neuroscience
(Spontaneous Neural Fluctuations Predict Decisions to Attend), encontrou
que a ilusão do livre-arbítrio poderia proceder de ruído do cérebro: "Este
hallazgo proporciona evidencia para una explicación mecanicista de la toma
de decisiones mediante la demostración de que la actividad neuronal en
curso sesga las decisiones voluntarias sobre a dónde ir en un momento
dado". Nota bene: O experimento de Libet mostrava que a atividade que o
cérebro realiza para preparar um movimento ocorre uns décimos de segundos
antes de que a pessoa manifeste ser consciente de sua intenção de realizá-
lo. Para entender-nos, é como se os neurônios de uma pessoa tomassem uma
determinada decisão antes que ela mesma. Nada obstante, há que reconhecer
que esse razoamento parece enviar mensagens contraditórias, porque
pressupõe que os neurônios são algo diferente ao indivíduo e, se isso fora
correto, teríamos um grande problema para explicar que é a pessoa se não é
seu cérebro e a mente que esse cérebro cria. Ademais, como explica Richard
Restak, "el hecho de que pueda mostrarse que la decisión y sus fundamentos
neurológicos se produjeron antes de que los sujetos tuvieran conciencia de
haber tomado una decisión no implica que quien tomó la decisión no fuera el
yo". Por outro lado, os resultados de dito experimento também já foram
questionados por outros mais recentes realizados com técnicas mais
precisas, que afirmam que o processo cerebral de deliberação (a tomada de
decisões) consciente não é instantâneo, senão que requer um tempo, e o
momento em que a pessoa diz ser consciente de sua decisão não é posterior a
ela, senão mais bem a conclusão desse mesmo processo (I. Morgado). Por dizê-
lo de alguma maneira: a atividade cerebral preparatória não deve pensar-se
como uma sequência, senão como múltiplos processos, que involucram muitas
áreas, desenvolvendo-se em paralelo dentro de uma complexa rede "en la que
las interacciones diseminadas se producen de forma continua" (R. Restak).
Essas evidências não demonstram, obviamente, a existência do livre-
arbítrio, porque se as condutas muito distantes da normalidade estão
determinadas por nossa química cerebral, não há nenhuma razão para supor
que as condutas consideradas mais comuns não estejam igualmente causadas
por nosso cérebro.
[3] A liberdade costuma entender-se como uma propriedade da vontade, e
dizemos que temos vontade livre quando se dão ao menos as seguintes
condições: 1) entre um conjunto de possibilidades, a que elegemos está em
nossas mãos; 2) uma ação é livre se existe também a possibilidade de não
fazê-la (poderíamos haver atuado de outra maneira, porque existem
possibilidades alternativas; quer dizer, a opção que tomamos em um momento
dado era evitável); 3) a fonte de nossas ações está em nós, e não em algo
sobre o que não temos controle; 4) a ação há de ser intencional; 5) é
necessário que se tenha a impressão de realizar a ação por si mesmo (ainda
que, por suposto, não seja mais que uma impressão).
[4] O livre-arbítrio a miúde se contrapõe ao determinismo, segundo o qual
todos os acontecimentos do mundo estão supostamente determinados por
acontecimentos prévios, concepção geralmente aceitada como verdadeira pelos
cientistas. Os incompatibilistas afirmam que o livre-arbítrio e o
determinismo não podem reconciliar-se, e que, portanto, se pensamos que o
determinismo é verdadeiro não podemos crer no livre-arbítrio. Os
compatibilistas sustentam – com diferentes argumentos – que, ainda quando o
determinismo seja verdadeiro, podemos fazer eleições complexas que contam
como livre-arbítrio.(S. Blackmore)
[5] "Medio siglo de investigación psicológica ha demostrado que cuando la
gente trata de evaluar intuitivamente las cosas, sus cabezas activan
estereotipos, eventos memorables, impresiones subjetivas, incidentes
escogidos selectivamente, escenarios vivos y narrativas morales". (S.
Pinker)
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