ASPECTOS DA HOMOSSEXUALIDADE SOB A ÓTICA DA DOMINAÇÃO MASCULINA DE BOURDIEU

June 4, 2017 | Autor: Mônica P.Santos | Categoria: Inclusive Education, Homosexuality
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Retratos do Brasil Homossexual Fronteiras, Subjetividades e Desejos

Horácio Costa et al. organização

Horácio Costa et al. (orgs.)

Retratos do Brasil Homossexual Fronteiras, Subjetividades e Desejos

PPG em literatura portuguesa PPG em estudos comparados FFLCH - DLCV I CELP

Secretaria Especial dos Direitos Humanos

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Reitora Vice-reitor

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Retratos do Brasil Homossexual: Fronteiras, Subjetividades e Desejos

Copyright © 2010 by organizadores

Ficha catalográfica elaborada pelo Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP

Retratos do Brasil homossexual : fronteiras, subjetividades e desejos / Horácio Costa ... [et al] (org.). –- São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo : Imprensa Oficial, 2010. 442 p. ; 23 cm.

ISBN 978-85-314-1242-4 (Edusp) ISBN 978-85-7060-961-8 (Imprensa Oficial)

1. Homossexualidade-Sociologia. 2. Identidade sexual. I. Costa, Horácio, 1954-. CDD 306.766

Depósito Legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto Nº 10.944, de 14 de dezembro de 2004.

Direitos reservados à Edusp – Editora da Universidade de São Paulo Av. Prof Luciano Gualberto, Travessa J, 374 6o andar – Ed. da Antiga Reitoria – Cidade Universitária 05508-010 – São Paulo – SP – Brasil Divisão Comercial: Tel.: (11) 3091-4008 / 3091-4150 SAC (11) 3091-2911 – Fax (11) 3091-4151 www.edusp.com.br – e-mail: [email protected] Printed in Brazil 2010

Sumário

Discurso de Abertura do IV Congresso da ABEH HORÁCIO COSTA ...................................................................................... 15

Parte I Homocultura e Direitos Humanos A União Homoafetiva e a Constituição Federal MARIA BERENICE DIAS ............................................................................. 27

El Matrimonio Heterosexual: ¿Un Mito? FERNANDO GRANDE MARLASKA ................................................................ 33

¿Peligrosos y Normales? Sobre la Situación de la España Democrática Respecto de la Diversidad Sexual JUAN VICENTE ALIAGA .............................................................................. 43

Homocultura & Política Homossexual no Brasil: do passado ao por-vir JOÃO SILVÉRIO TREVISAN ......................................................................... 55

Direitos Humanos e Estudos Gays e Lésbicos: O que nós e Michel Foucault Temos a Ver com Isso? MÁRIO CÉSAR LUGARINHO ........................................................................ 67

Constâncias PAULA VITURRO ...................................................................................... 77

Homofobia Letal: A Violência Velada contra a Liberdade de Orientação Sexual no Brasil DANIELLE ROSE, HELENA BARCELOS, LEA SANTOS, MARILENE DURÃES E TÂNIA CARNEIRO ................................................................................... 87

Programa Vitória sem Homofobia DURVALINA MARIA SESARI OLIOSA ............................................................. 99

5

A Arte-Educação como Instrumento Significativo de Diminuição da Evasão Escolar da População LGBT JOÃO BATISTA DA SILVA JUNIOR ............................................................... 717

Aspectos da Homossexualidade sob a Ótica da Dominação Masculina de Bourdieu JOSÉ GUILHERME DE O. FREITAS E MÔNICA PEREIRA DOS SANTOS ............ 727

Parte VI Homocultura, Psicologia e Saúde Pública Homoparentalidade e Práticas Sutis de Discriminação à Diversidade Sexual: Um Estudo de Caso LINDOMAR EXPEDITO S. DARÓS .............................................................. 741

Psicologia, Homofobia e Processos de Subjetivação: Impactos da Resolução 001/99 do Conselho Federal de Psicologia LUAN CARPES BARROS CASSAL, CAROLINA MOREIRA RIBEIRO, RAQUEL MARIA FERREIRA DE MENEZES, LUCIANA FRANCEZ CARIELLO, CARLOS EDUARDO LOURENÇO DOS SANTOS NÓRTE E PEDRO PAULO GASTALHO DE BICALHO .......................................................................... 753

Club Drugs e Homocultura VIRNA TEIXEIRA ..................................................................................... 763

Conhecimento de Jovens Homens que Praticam Sexo com Outros Homens Sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids e Aderência ao Sexo Protegido HUGO FERNANDES ................................................................................. 775

Parte VII Homocultura e Catolicismo Homossexualidade e Contra-Hegemonia no Catolicismo LUÍS CORRÊA LIMA ................................................................................ 791

Sociedade Moderna e Conceito do Mal: Socialização e Inclusão Perante a Escolha Homossexual HERMIDE MENQUINI BRAGA .................................................................... 799

11

Aspectos da Homossexualidade sob a Ótica da Dominação Masculina de Bourdieu

J OSÉ G UILHERME

DE

O LIVEIRA F REITAS

M ÔNICA P EREIRA

DOS

E

S ANTOS 1

Este trabalho tem por objetivo destacar, discutir e problematizar os trechos do livro A Dominação Masculina, de Pierre Bourdieu (1998), que tratem, de maneira direta ou indireta, do tema da homossexualidade. Nessa perspectiva, este artigo foi dividido em seções distintas, sendo elas: o preconceito em relação às mulheres e aos homossexuais, e os binarismos masculino/ativo e feminino/passivo, com ênfase na forma com que foram tratadas por Bourdieu as relações homossexuais, mitos e estigmas que envolvem a homossexualidade e a relação entre dominante/dominado, inclusive na escola. Ao considerarmos que a escola é um ambiente onde se faz necessária uma permanente interlocução entre professores e alunos, tratar de questões como a discriminação naturalizada dos papéis e das identidades de gênero, dos atos de violência simbólica ou não percebida nas relações entre homens e mulheres, assim como entre heterossexuais e homossexuais, seria uma boa forma de contribuição em direção ao não preconceito contra mulheres e homossexuais. Na primeira seção discutiremos o preconceito em relação às mulheres e aos homossexuais, argumentando que há diferenças no tratamento dado a ambos, tendo em vista a generalização feita por Bourdieu quando se refere às mulheres e aos homossexuais, como se fizessem parte de uma mesma

1. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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categoria. Na segunda seção trataremos dos mitos e estigmas que envolvem a homossexualidade e da relação entre dominante/dominado, inclusive na escola, tendo em vista defender o direito a um tratamento digno e igualitário aos homossexuais.

Bourdieu e a homossexualidade Ao iniciar o livro, logo no prefácio, Bourdieu (2007) evidencia os assuntos que constituem alvo de sua preocupação, que são as estruturas da divisão sexual, as relações entre os sexos e a subordinação eternizada da mulher. Segundo este autor, a divisão entre os sexos está naturalizada em todo o mundo social e incorporada nos corpos e nos habitus das pessoas de ambos os sexos e funciona como esquemas de percepção, pensamento e ação em que a força da ordem masculina, sua autoridade e domínio dispensam justificação por serem legitimadas pela sociedade. Neste sentido, ele expressa a necessidade de mobilização política por parte das mulheres como um meio de resistência contra esta subordinação da seguinte forma: É desejar que elas saibam trabalhar para inventar e impor, no seio mesmo do movimento social e apoiando-se em organizações nascidas da revolta contra a discriminação simbólica, de que elas são, juntamente com os (as) homossexuais, um dos alvos privilegiados, formas de organização e de ação coletivas e armas eficazes, simbólicas, sobretudo, capazes de abalar as instituições, estatais e jurídicas, que contribuem para eternizar sua subordinação (Bourdieu, 2007, p. 5).

Achamos oportuno tanto a denúncia sobre a condição de inferioridade a que são assujeitados mulheres e homossexuais quanto a expressão do desejo do autor no sentido de que as mulheres lutem para mudar esta situação de inferioridade imposta, ou pelo menos que expressem sua insatisfação.

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Neste particular concordamos com o autor no que diz respeito ao gênero, pois é essencial à dignidade humana que cada qual possa, sem constrangimentos ou medos, viver sua identidade de gênero, sem aniquilar suas subjetividades, nem limitar suas possibilidades, nem tampouco escandalizar os hipócritas, mas que tenham o direito de ser e de se sentir iguais, em valor como ser humano, nas sociedades em que vivam. Igualmente importante, em nosso ver, é a denúncia da violência simbólica existente na naturalização de papéis de domínio, entre os homens, e de dominadas, entre as mulheres. Porém, quando Bourdieu (2007) diz que as mulheres são, juntamente com os homossexuais, um dos alvos privilegiados de discriminação simbólica, colocando-os em situação de igualdade no que tange a tais processos discriminatórios, questionamos sua colocação. Acreditamos não ser possível estabelecer este nivelamento entre as categorias mulheres e homossexuais simplesmente pelo fato de ambas serem discriminadas. A discriminação, somente, não é suficiente para colocar mulheres e homossexuais em situações de semelhança quando se trata da criação social desta desigualdade. Devemos considerar, assim, que as concepções de gênero diferem não apenas entre as sociedades ou entre os momentos históricos, mas no interior de cada sociedade, ao se considerar os diversos grupos que a constituem. Como nosso foco de interesse é a homossexualidade, destacaríamos duas formas de discriminação que vêm sendo amplamente divulgadas e veiculadas nas diversas mídias na sociedade, e que se manifestam diferenciadamente para mulheres e homossexuais. Uma dessas formas situa-se no campo do Direito, no sentido latu da palavra e a outra no campo da homofobia, conforme veremos a seguir. No que tange à questão do Direito, Silva (2002) diz que, à exceção do jurista Roger Raupp Rios, que publicou um livro sobre este tema, o problema da sexualidade humana, e mais especificamente da homossexualidade, não está presente nos livros de Direito, leis, ou na jurisprudência e cultura jurídica deste país. Parece algo pouco merecedor de atenção e proteção. No entanto, no caso das mulheres, embora ainda sofram preconceito e discriminação, já

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existem leis2 que as protegem, tendo muito mais provisões legais em textos da Lei do que os homossexuais. Como exemplo, poderíamos citar a Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar sob o nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. A outra dimensão refere-se a aspectos de criminalidade que são praticados e percebidos de diferentes maneiras. Um exemplo típico de extremo desrespeito se dá quando um homossexual chega a uma delegacia para fazer uma denúncia. Normalmente, ele é tratado como se ele fosse “o problema” enquanto no caso das mulheres este tratamento é “diferenciado”. Não estamos aqui dizendo que elas não sejam discriminadas, mas são tratadas, geralmente, como “as vítimas”, mesmo que não sejam. Ainda para as mulheres, já existem instituições públicas destinadas ao atendimento de mulheres, tendo em vista o alto índice de violência doméstica. Estes seriam dois exemplos num universo macro, mas se refletirmos sobre o âmbito da escola, nos dias de hoje, a discriminação em relação aos homossexuais ainda é explícita, enquanto com relação às mulheres parece haver uma tendência a ser mais controlada. Outro trecho do livro em análise que nos fez questionar o uso não só de termos como homossexuais e homossexualidade, mas também o pensamento do autor sobre a postura e o proceder de homossexuais, foi o encontrado no capítulo I, que se inicia da seguinte forma: Se a relação sexual se mostra como uma relação social de dominação, é porque ela está construída através do princípio de divisão fundamental entre o masculino, ativo, e o feminino, passivo, e porque este princípio cria, organiza, expressa e dirige o desejo – o desejo masculino como desejo de posse, como dominação erotizada, e o desejo feminino como 2. Fonte: Cartilha da Legislação de Cidadania CECF/SP do governo de São Paulo.

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desejo da dominação masculina, como subordinação erotizada, ou mesmo em última instância, como reconhecimento erotizado da dominação. No caso em que, como se dá nas relações homossexuais, a reciprocidade é possível, os laços entre a sexualidade e o poder se desvelam de maneira particularmente clara, e as posições e os papéis assumidos nas relações sexuais, ativos ou passivos principalmente, mostram-se indissociáveis das relações entre as condições sociais que determinam ao mesmo tempo, sua possibilidade e sua significação (Bourdieu, 2007, pp. 31-32).

Quando o autor faz referência à relação sexual como uma relação social de dominação, dizendo que ela é construída nas bases do masculino/ativo e do feminino/passivo, e não só isso, mas também reconhecendo o desejo masculino como o de posse e de dominação erotizada e o desejo feminino como desejo da dominação masculina e de subordinação erotizada, poderíamos pensar nas bases do patriarcado, em que é clara a dominação e o poder do homem sobre a mulher. No entanto, nossas dúvidas começam a surgir quando ele começa a falar das relações homossexuais e destacando a reciprocidade ser possível, que os laços entre a sexualidade e o poder se desvelariam de maneira particularmente clara, e ainda que as posições e os papéis assumidos nas relações sexuais, ativos ou passivos, mostrar-se-iam-se indissociáveis das relações entre as condições sociais. Inevitavelmente, surgem as seguintes questões para reflexão: será que somente nas relações homossexuais a troca, o dar e o receber são possíveis? Se considerarmos as inúmeras formas de possibilidades de relações sexuais homossexuais, se considerarmos ainda a diversidade de gostos de maneiras de relação do tipo “homossexual”, bem como nas do tipo “heterossexual”, podemos reconhecer que Bourdieu (2007) sinalizou algo, mas temos que admitir que aprofundou pouco. A sinalização importante dá-se quando ele vincula reciprocidade, laços, posições e papéis à condições sociais. Certamente, há que se reconhecer que tal vínculo é inevitável, pois que o (des)valor 731

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que cada sociedade dará aos aspectos mencionados dependerá da própria cultura e história destas mesmas sociedades, ao mesmo tempo em que estas serão marcadas por sujeitos-atores, pertencentes à categorias sociais que mobilizam, produzem, reproduzem e transformam a própria sociedade e, consequentemente, sua cultura e sua história. Entretanto, entendemos que o aprofundamento está ausente no texto de Bourdieu pelo fato deste não considerar perspectivas que classificam posturas de homens homossexuais, que podem ou não definir suas preferências no momento do ato sexual, mas que de certa forma representariam um sinal, face aos estigmas já consagrados pela sociedade.

A homossexualidade e seus mitos Se nos reportarmos ao conceito de habitus desenvolvido por Bourdieu e Passeron (1998) – que o definem como um princípio gerador de atitudes, podendo traduzir estilos de vida, julgamentos morais e estéticos e que é também um meio de ação que permite criar ou desenvolver estratégias individuais ou coletivas, não tendo uma regra fixa, pois há espaço para improvisação e mudanças – poderíamos supor que Bourdieu (2007, p. 31) ao dizer que as relações sexuais homossexuais são claras e recíprocas, estaria em desacordo com este conceito, tendo em vista que os homossexuais, como todos os seres humanos em sua complexidade, podem se utilizar de mecanismos e dispositivos que os permitam, como a todos, no momento do ato sexual em si, improvisar. Quando ele afirma ainda sobre as relações homossexuais, que os laços entre a sexualidade e o poder se desvelam de maneira particularmente clara surgem novos questionamentos. Claro para quem? De que clareza ele está falando? Seria a de que face aos estigmas existentes contra os homossexuais haveria um ativo/másculo e um passivo/afeminado? Ou que considerando o mito de que todos os homossexuais são promíscuos, nada haveria de se esconder? Ou que apenas os passivos e afeminados são considerados homossexuais? 732

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Ou mesmo, por se considerar que nas relações homossexuais não há sentimentos envolvidos, tudo ficaria às claras? Poderíamos considerar que nesta afirmativa, Bourdieu se valeu do senso comum e dos mitos que envolvem a homossexualidade. Furlani (2007) destacou em seu livro cinco ideias que caracterizam os mitos mais comuns em relação à homossexualidade, a seguir: 1. os desequilíbrios existentes ao nível dos hormônios sexuais são os responsáveis pelas práticas homossexuais; 2. os(as) homossexuais são infelizes ou que é impossível alguém ser feliz vivendo a homossexualidade; 3. gays praticam, necessariamente, sexo anal e lésbicas não gostam de homens porque não gostam de sexo com penetração vaginal; 4. homossexuais são promíscuos(as), irresponsáveis, imorais etc.; 5. na relação homossexual não existe amor, carinho, respeito, fidelidade (p. 156-7).

Não desenvolveremos todas estas ideias aqui, apenas nos deteremos nas quarta e quinta ideias para argumentar contrariamente ao senso comum, que acredita no mito de que os homossexuais são promíscuos(as), irresponsáveis, imorais etc., e que, na relação homossexual, não existe amor, carinho, respeito e fidelidade e por isso discrimina, desrespeita e agride os homossexuais. Concordamos com Furlani (2007), quando este diz que esta não é a realidade observada em pesquisas realizadas com gays e lésbicas que amam, se apaixonam, sofrem, se desiludem e sonham como quaisquer outras pessoas e negar aos homossexuais sentimentos nobres humanos seria mais uma forma cruel de preconceito. O trecho do capítulo I de Bourdieu (2007) continua fazendo observações sobre questões que envolvem a homossexualidade. Neste particular, vai falar do poder de domínio através da penetração, que segundo o autor “jamais está de todo ausente na libido masculina”. Sendo assim, poderíamos pensar que numa relação sexual entre dois homens, pelo menos no pensar de cada

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um, ambos estariam em situação de domínio, o que contradiria o trecho em análise, do próprio Bourdieu (2007), que diz: A penetração, sobretudo quando se exerce sobre um homem é uma das afirmações da libido dominandi, que jamais está de todo ausente na libido masculina. Sabe-se que em inúmeras sociedades, a posse homossexual é vista como uma manifestação de potência, um ato de dominação (exercido como tal, em certos casos, para afirmar a superioridade “feminizando” o outro) e que é a este título que, entre os gregos, ela leva aquele que a sofre à desonra e à perda do estatuto de homem íntegro e de cidadão; ao passo que para um cidadão romano, a homossexualidade “passiva” com um escravo é considerada algo “monstruoso”. Do mesmo modo, segundo John Boswell, “penetração e poder estavam entre as prerrogativas da elite dirigente masculina; ceder à penetração era uma ab-rogação simbólica do poder e da autoridade. Compreende-se que, sob esse ponto de vista, que liga sexualidade à poder, a pior humilhação, para um homem, consiste em ser transformado em mulher (pp. 31-32).

Teria ele considerado que mesmo no homem que está assumindo o papel de passivo, também está presente o desejo de domínio? Será que naquele instante ele (o passivo) não pensa que é o dominador, assim como uma mulher pode entender que domina quando o homem lhe pede, e se utiliza de variados meios de sedução, para possuí-la? Quando um homem compra uma revista que contenha fotos de mulheres nuas e dali tira seu prazer, quem está exercendo o poder de domínio? Não seria possível responder concretamente a estas questões considerando-se as diversidades existentes nos seres humanos. Porém, poderíamos refletir sobre os papéis ativo/passivo que rotulam os homens homossexuais. Segundo Bourdieu (2007) esta oposição binária ativo/passivo e a oposição entre os sexos se inscreve na série de oposições mítico-rituais: alto/baixo, em cima/embaixo dentre outros. Se a relação de dominação entre o homem e a 734

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mulher for estabelecida somente a partir da relação sexual em que a mulher assume a posição de submissão, “por baixo”, em que a suposta superioridade seria a daquele que preenche o outro, no caso das relações sexuais entre homens o cima/embaixo seria analogamente substituído por frente-trás e o passivo estaria na mesma posição da mulher submissa e dominada e o ativo na postura hierarquizada de dominação do possuidor sobre o possuído. Levando-se em conta que embora a orientação sexual seja a homossexual, este indivíduo pode abrir mão ou não do poder do falo, do poder que a sociedade confere ao homem através dos tempos. Porém, o sujeito homossexual passivo, de acordo com o modo de pensar de nossa sociedade, contraria toda uma construção social do que se entende por masculino. Deixar-se penetrar representaria a perda desse poder conferido aos homens. A maneira depreciativa como são tratados os homens que assumem o papel de dominado tem perpassado os séculos. Bourdieu (2007) sinaliza que, desde os gregos antigos aos dias atuais, se atribui poder hierárquico e uma suposta superioridade a quem desempenha o papel ativo. Daí, o motivo de muitos guardarem em segredo sua orientação sexual, pois aqueles que se mostram homossexuais, para a sociedade, são aqueles que abriram mão desse poder, ao abrir mão de todas as expectativas de gênero esperadas, como casar, ter filhos e ter o controle da família. Portanto, a questão não seria a passividade em si, mas a visibilidade ou não dessa postura. Mais uma vez, infelizmente, a hipocrisia é a grande vencedora, como forma de defesa daqueles que não querem ser perseguidos nem discriminados em seu convívio social. O último trecho do livro em que Bourdieu (2007) faz menção aos homossexuais se refere à instituição escolar e diz o seguinte: [...] de todos os fatores de mudança, os mais importantes são os que estão relacionados com a transformação decisiva da função da instituição escolar na reprodução da diferença entre os gêneros, tais como o aumento do acesso das mulheres à instrução, e, correlativamente, à independência econômica e à transformação das estruturas familiares (em consequência, sobretudo, da elevação nos índices de divórcios):

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assim, embora a inércia dos habitus, e do direito, ultrapassando as transformações da família real, tenda a perpetuar o modelo dominante da estrutura familiar e, no mesmo ato, o da sexualidade legítima, heterossexual e orientada para a reprodução; embora se organize tacitamente em relação a ela a socialização e simultaneamente,a transmissão dos princípios de divisão tradicionais, o surgimento de novos tipos de famílias, como as famílias compostas e o acesso à visibilidade pública de novos modelos de sexualidade (sobretudo os homossexuais) contribuem para quebrar a dóxa e ampliar o espaço das possibilidades em matéria de sexualidade (p. 107).

Sob esse aspecto estamos de acordo com Bourdieu, pois achamos que a escola como um todo deve perceber a existência dos preconceitos e suas consequências, bem como adotar uma postura de enfrentamento em relação a quaisquer tipos de discriminação e violência. Para tanto, a escola precisa ter consciência de que, enquanto instituição que educa e protege, jamais deve ter ligada à sua estrutura ações discriminatórias ou preconceituosas, silenciosas ou não. Para que isso ocorra será necessário que algumas mudanças ocorrem. O ambiente escolar deve ser um espaço onde se pratique os esclarecimentos, a discussão e a reflexão sobre as questões da homossexualidade, de forma respeitosa, adotando-se uma postura crítica e inovadora, propiciando, assim, a inclusão deste segmento populacional na vida cotidiana das instituições, e que todos que participem desse movimento se sintam tocados e propensos a criar em si espaços renovadores com novos conceitos e modelos que fujam aos antigos, preconceituosos e heteronormativos.

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Referências bibliográficas BOURDIEU, P. A Dominação Masculina. 5ª ed., Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2007. & PASSERON, J. C. Escritos de Educação. Petrópolis, Vozes, 1998. FURLANI, J. Mitos e Tabus da Sexualidade Humana: Subsídios ao Trabalho em Educação Sexual. Belo Horizonte, Autêntica. 2007. SILVA, S. M. O Princípio Constitucional da Igualdade e a Discriminação Homossexual: Ações e Omissões dos Poderes Públicos no Brasil. Fortaleza, UFC, Dissertação de mestrado, 2002.

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