Aspectos da vida familiar na estratégia de ascensão social e politica do 1.º marquês de Pombal

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ASPECTOS DA VIDA FAMILIAR NA ESTRATÉGIA DE ASCENSÃO SOCIAL E POLÍTICA DO 1.º MARQUÊS DE POMBAL  1 ASPECTOS DA VIDA FAMILIAR NA ESTRATÉGIA DE ASCENSÃO DO 1.º MARQUÊS DE POMBAL

João Bernardo Galvão-Telles

O tema que aqui venho expor prende-se com a estratégia de ascensão social e política prosseguida pelo 1.º marquês de Pombal. Até que ponto dela fizeram parte alguns aspectos da sua vida familiar? Que influência tiveram os seus casamentos? Quem foram os padrinhos das crianças que lhe nasceram? A que famílias pertenciam as noras e os genros do estadista? Em que contexto se realizaram os respectivos matrimónios? São estas as principais questões às quais procurarei dar alguma resposta. Sebastião José de Carvalho e Melo é personagem que tem tanto de incontor­nável como de controverso. Entre as inúmeras paixões que a sua figura sempre suscitou contou-se também uma acesa divergência quanto às suas origens familiares. Descendente do tronco principal dos Carvalhos, mero fidalgote da rua Formosa ou até pequeno morgado beirão, como o designou o seu próprio descendente, 3.º marquês de São Paio, são algumas das expressões que espelham bem essa disparidade de entendimentos. Em jeito de síntese sobre o assunto, e depois dos estudos de Pedro de Azevedo e de José Augusto de Mancelos Pereira de Sampaio  2, Veríssimo Serrão evidenciou que se Carvalho e Melo não descendia O presente texto corresponde à comunicação inicialmente apresentada à Academia Portuguesa da História, em sessão de 22 de Fevereiro de 2012, depois também proferida no Instituto Português de Heráldica, na sua sessão de 20 de Junho do mesmo ano. 2 Azevedo, Pedro de, “Os antepassados do Marquês de Pombal”, Archivo Historico Portuguez, vol. 3, pp. 321-353. Sampaio, José Augusto de Mancelos Pereira de, “Os Costados do 1.º Marquês 1

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de uma estirpe tão remota como a sua genealogia pretendia, também não tinha as máculas que a corrente anti-pombalina propalou: “Não pertencendo à primeira nobreza do Reino, não tinha contudo a ascendência baixa que os seus inimigos, com propósito escarninho, fizeram circular. Entre os seus antepassados contaram-se alcaides-móres, capitães do exército e da armada, lentes da Universidade, desembargadores, médicos e eclesiásticos”  3.

Manuel de Carvalho e Ataíde MFCR, Com. Ord. X.º, Capitão de Cavalos, etc.

Sebastião de Carvalho e Melo FCCR, FSO, Cav. Ord. X.º, Capitão de Cavalos, etc.

D. Leonor Maria de Ataíde

Seastião José de Carvalho e Melo 1.º Conde de Oeiras, 1.º Marquês de Pombal, etc.

João de Almada e Melo

D. Teresa Luísa de Mendonça

Alcaide-mor de Palmela, Com. Geral da Cavalaria da Beira

D. Maior Luísa de Mendonça

Figura 1: Costados de Sebastião José de Carvalho e Melo.

Sem prejuízo, porém, desse enquadramento social, é conhecido o período de reconhecidas dificuldades de natureza familiar que o futuro marquês de Pombal atravessou na sua juventude. Em 1720, com efeito, completados os 21 anos de idade, Sebastião José perdera já o pai e os avós paternos, vendo-se no papel de mais velho de um vasto leque de irmãos – o mais novo dos quais nascido naquele mesmo ano. A família permanecia entregue aos cuidados da mãe, mas de Pombal”, in Costa, Luís Moreira de Sá e, Descendência dos 1.os Marqueses de Pombal, Porto: Tip. Costa Carregal, 1937, pp. XV-XIX. 3 Serrão, Joaquim Veríssimo, O Marquês de Pombal. O Homem, o Diplomata e o Estadista, 2.ª edição, Lisboa: [s.n.], 1987, p. 13. Cfr., também, São Paio, Marquês de, O Tenente General 1.º Marquês de São Paio (1762-1841), in Anais, Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1958, 2.ª série, vol. 8, p. 201. O cardeal-patriarca de Lisboa, D. José de Mendóça, referiu-se à família de Sebastião José de Carvalho e Melo dizendo que “a sua Varonia hé ilustre pois todos os seus ascendentes se empregárão no Serviço da Coroa em Lugares de Letras, e de Armas”. Vd. Mendóça, Dom Filipe Folque de, O Cardeal-Patriarca de Lisboa Dom José de Mendóça. O Homem e o seu Tempo (1725-1808), Lisboa: Universidade Lusíada Editora, 2010, p. 210.

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encontrava-se dependente do amparo económico do arcipreste Paulo de Carvalho e Ataíde, tio do – nesse tempo – improvável estadista  4. Neste contexto, e olhando para todo o seu percurso de vida, não deixa de ser verdade que Sebastião José de Carvalho e Melo soube indubitavelmente trilhar uma trajectória ascensional, para cujo arranque não foram alheias duas circunstâncias particulares: a primeira consistiu no facto de, tanto quanto sei, nenhum dos seus irmãos ter casado; a segunda traduziu-se nas escolhas matrimoniais que o fidalgo conseguiu granjear para si próprio. Vejamos, com um pouco mais de pormenor, como cada um destes aspectos influenciou o seu caminho. 1698

Manuel de Carvalho e Ataíde = D. Teresa Luísa de Mendonça

1720

João Inácio

(?)

António

(?)

Joaquim

(?)

Diogo

1716

Leonor

1712

José Joaq.m

1710

Luís

1708

1707

Maior Luísa

1684-...

Luísa

1705

M.ª Madal.ª

1704

Manuel

1702

Paulo Ant.º

1701

1700

João

Franc.º Xav.

1699

Sebastião José

1676-1720

Figura 2: Os pais e irmãos de Sebastião José de Carvalho e Melo.

Entre os irmãos que permaneceram celibatários e os que seguiram a vida religiosa, Sebastião José foi o único a consorciar-se, o que, mais do que evidenciar a incapacidade familiar de conferir aos filhos segundos uma atractividade nupcial, revela sobretudo um inevitável esforço de concentração de meios no primogénito  5. Foi, aliás, à luz deste princípio que, anos mais tarde, Francisco Xavier de Mendonça Furtado e Paulo de Carvalho e Mendonça – os mais conhecidos e destacados irmãos de Pombal – lhe foram efectuando sucessivas dotações, traduzidas nas mercês com que este último foi recompensado por serviços prestados pelo primeiro ou no engrandecimento patrimonial que aqueles dois proporcionaram ao seu irmão mais velho  6. A expressão desta profunda união entre os Permito-me remeter para Galvão-Telles, João Bernardo, Geração Pombalina: Descendência de Sebastião José de Carvalho e Melo (Livro Primeiro), Lisboa: Dislivro Histórica, 2007, pp. 16-24, e para a bibliografia e fontes aí indicadas. 5 “Com efeito, desde finais da Idade Média que as linhagens fidalgas peninsulares desenvolviam mecanismos específicos diferenciados destinados a evitar a partilha de bens entre os filhos e privilegiando um único, o sucessor, por norma, o primogénito varão”. Monteiro, Nuno Gonçalo, “Casa, casamento e nome: fragmentos sobre relações familiares e indivíduos”, in Mattoso, José (Direcção); Monteiro, Nuno Gonçalo (Coordenação), História da Vida Privada em Portugal. A Idade Moderna, [s.l.]: Temas e Debates / Círculo de Leitores, [2010], p. 133. 6 Entre as referidas mercês, concedidas a Sebastião José no ano de 1766 em retribuição de serviços de Francisco Xavier, destacam-se a doação do senhorio da vila de Oeiras e da alcaidaria-mor da cidade de Lamego, a concessão de duas vidas mais nas comendas que Sebastião José já possuía, 4

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três irmãos haveria de manifestar-se no admirável tecto da sala da concórdia, no palácio de Oeiras, onde Sebastião figura num eloquente lugar central, ladeado por Paulo e por Francisco. No que respeita às opções matrimoniais, começo por recordar que Sebastião José de Carvalho e Melo casou duas vezes, como é sabido. Em 1723, a escolha recaiu sobre D. Teresa Maria de Noronha  7, senhora mais velha e já viúva, pertencente a uma “alta Jerarquia, cuja familia tinha levado a mal a sua alliança”  8, conforme depois relatou Jácome Ratton numa afirmação que permite entrever algum desequilíbrio social a desfavor do noivo. Para além deste e de outros testemunhos em sentido idêntico  9, esta percepção parece ficar escorada no facto de Teresa ter sido representada na cerimónia pelo mencionado Francisco Xavier de Mendonça Furtado, juntando-se à ausência da noiva, a avaliar pelo conteúdo do respectivo assento, a de qualquer outro membro da sua família, fosse pelo lado paterno, ligado aos Noronhas, condes dos Arcos, fosse pelo materno, procedente dos Almadas, senhores de Carvalhais  10. Sebastião José não teve filhos desta sua primeira mulher, falecida em Lisboa no ano de 1739, quando o marido dava em Londres os primeiros passos na sua carreira diplomática  11. O segundo matrimónio celebrou-se em 1745, na cidade de Viena de Áustria, para onde Carvalho



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o privilégio de vincular ao morgado de Oeiras os quartos e direitos do seu reguengo e a dispensa de três vezes fora da Lei Mental no título de conde de Oeiras. No que respeita ao aumento do património, mencione-se a anexação de propriedades e a realização de benfeitorias no morgado de Oeiras, promovidas por Francisco Xavier e por Paulo a favor do irmão Sebastião, ou a sucessão deste no antigo palácio Alvor, às Janelas Verdes, em Lisboa. Vd. Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), pp. 44-45, 63-64 e 73-79. Realizou-se a cerimónia na freguesia de Santa Engrácia, em Lisboa, na manhã do dia 16 de Janeiro desse ano. D.G.A./T.T., Registos Paroquiais, Santa Engrácia (Lisboa), Casamentos, Cx. 14, L.º 4, fl. 86v. Ratton, Jácome, Recordações de Jácome Ratton sobre as ocorrências do seu tempo, de Maio de 1747 a Setembro de 1810, 2.ª edição, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1920, p. 137. O cardeal-patriarca D. José de Mendóça, por seu lado, afirmou que “alguns parentes desta Fidalga quizerão embaraçar-lhe o cazamento, de que se desvancerão”. Cfr. Mendóça, op. cit., p. 210. Na verdade, o celebrante foi o cura da própria igreja de Santa Engrácia, padre Manuel Gomes de Almeida, e serviram de testemunhas o padre Manuel Pereira Fresco e José Correia, ambos residentes naquela paróquia. D.G.A./T.T., Registos Paroquiais, Santa Engrácia (Lisboa), Casamentos, Cx. 14, L.º 4, fl. 86v. O cardeal Mendóça, porém, afirmou que o casamento se celebrou na presença da “mayor parte” dos parentes da noiva, o que não deixaria de ser algo estranho face à ausência desta da própria cerimónia. Cfr. Mendóça, op. cit., p. 210. Dona Teresa Maria de Noronha morreu em Lisboa, a 6 de Fevereiro do referido ano, sendo sepultada no dia seguinte na capela-mor da igreja de Nossa Senhora das Mercês, de que era padroeiro seu marido. D.G.A./T.T., Registos Paroquiais, Mercês (Lisboa), Óbitos, Cx. 24, L.º 1, fl. 58. Vd. também Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), pp. 26-28.

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e Melo fora nomeado no ano anterior com a qualidade de ministro plenipotenciário do rei de Portugal, pertencendo a noiva, D. Leonor Ernestina, condessa de Daun, a uma ilustre família do Sacro Império Romano-Germânico  12. O casal teve sete filhos, cinco dos quais chegaram a idade adulta e casaram; sobre eles me centrarei um pouco mais adiante. D. Tomás de Noronha D. Bernardo de Noronha

3.º Conde dos Arcos, do Conselho de S.M., Presidente do Conselho Ultramarino, etc.

D. Madalena de Brito f.ª do 1.º Conde dos Arcos

D. Teresa Maria de Noronha Cristóvão de Almada

D. Maria Antónia de Almada

Senhor de Ílhavo, Ferreiros e Avelães de Cima, Com. Ord. X.º, Gov.or e Capitão-General de Mazagão, etc.

D. Filipa de Melo

Figura 3: Costados de D. Teresa Maria de Noronha (Arcos), 1.ª mulher de Sebastião José de Carvalho e Melo. Guilherme João António Henrique Ricardo Lourenço Conde de Daun

Conde de Daun

Ana Madalena

D. Leonor Ernestina Eva Josefa Wolfganga Condessa de Daun

Francisco Paradis Maria Violante Josefa

Condessa de Peyersperg

Conde de Peyersperg, Barão Livre de Boymond, Schwamburg e Nulemthor

Maria Catarina Bárbara Condessa de Peyersperg

Figura 4: Costados de D. Leonor Ernestina, condessa de Daun, 2.ª mulher de Sebastião José de Carvalho e Melo. A cerimónia decorreu a 18 de Dezembro desse ano, sendo presidida por Segismundo de Kollonitz, presbítero cardeal do título de São Crisógono, protector da Alemanha, arcebispo de Viena, príncipe do Sacro Império, senhor de Freyberg, Grosschutzen e Sibenbrunn, conselheiro do rei da Hungria e Boémia. B.N.P. (Reservados), Pombalina 640, fl. 36. Vd. Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), p. 29.

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Por agora, refira-se que estas duas alianças trouxeram a Sebastião José de Carvalho e Melo importantes consequências no modo como se foi desenhando o seu futuro. O casamento com D. Teresa Maria de Noronha haveria de conferir a Sebastião José um importante acréscimo patrimonial, resultante do facto de este ter sido instituído herdeiro universal da mulher, no testamento que ela lavrara logo após a partida do marido para Londres  13. Já o matrimónio com D. Leonor de Daun possibilitou a Carvalho e Melo, num primeiro plano, uma significativa promoção junto da corte imperial (atente-se, desde logo, nas assinaturas e sinetes que encerram o respectivo contrato antenupcial  14), o que não deixou de ter relevância política e diplomática no desempenho da sua missão  15. Devemos ter presente, por outro lado, que tanto Teresa, como Leonor foram damas da rainha D. Maria Ana de Áustria, a segunda com a particularidade de ser compatriota da soberana, o que, especialmente neste último caso, contribuiu para uma decisiva aproximação do futuro estadista à corte portuguesa  16. Mas o casamento de Sebastião José de Carvalho e Melo com a condessa de Daun traduziu-se, acima de tudo, na valorização social que a ascendência materna conferia aos filhos que nasceram de ambos. O fidalgo português percebeu a importância de que se revestia esta circunstância e, por isso, não se estranha que ao regressar de Viena tenha trazido um conjunto de documentos familiares que, de forma expressiva, designou de “Colecção de Certidões de Baptismos e recebimentos de meus Sogros, e de minha Mulher e filhos; tudo nos originais autênticos, os quais fiz extrair em dois diferentes duplicados para que no caso de se perder um deles na viagem de Portugal se possa achar sempre outro. E tudo foi coligido em

O testamento de D. Teresa Maria de Noronha fora lavrado a 5 de Outubro de 1738. D.G.A./T.T., Confirmações Gerais, Maço 22, Docs. 42-44. Casa da Suplicação – Registo Geral de Testamentos, L.º 217, fl. 121v. Vd. Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), pp. 27-28. 14 B.N.P. (Reservados), Pombalina 640, fls. 22v e 25v-26. 15 Serrão, op. cit., p. 49, afirmou que a notícia do casamento de Sebastião com D. Leonor de Daun “foi bem acolhida em Lisboa, por representar um novo laço para o estreitamento das relações entre as duas coroas”. 16 Escreveu o cardeal-patriarca D. José de Mendóça que “tanto que Sebastião Jozé se reccolheo a Lisboa, foi beijar a mão a Suas Magestades, e Altezas; recebendo a mesma honra da Raynha, a Condessa sua Mulher, que como Alemãa, a estimou, e attendeo muito”. Cfr. Mendóça, op. cit., p. 211. Afirmou Pedro Cardim que “para se gozar de influência política, mesmo no final do século XVIII e quando se vivia já uma fase de, digamos, «burocratização», continuava a ser determinante «privar» com o rei, ou seja, era fundamental ter acesso à pessoa régia, com ela conviver e, se possível, conquistar a sua confiança”. Cardim, Pedro, “A corte régia e o alargamento da esfera privada”, in Mattoso / Monteiro, op. cit., p. 195. 13

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Viena de Áustria por Mim Sebastião José de Carvalho e Melo em benefício de meus filhos (…)”  17.

Uns bons anos depois, mais precisamente em 1773, Carvalho e Melo teve ainda a preocupação de mandar transcrever essas certidões num dos livros de registo da paróquia das Mercês, em Lisboa  18. Através desta diligência, a prova não apenas do nascimento dos filhos mais velhos, mas também – e porventura até mais importante – da origem materna da sua prole ficava devidamente averbada e susceptível de ser publicamente verificada no futuro. Uma informação tão relevante para o estatuto social da sua descendência já não se confinava às simples certidões que duas décadas antes trouxera de Viena, documentos oficiais mas avulsos e arquivados particularmente, o que os sujeitava a uma maior probabilidade de extravio em resultado da voragem dos tempos (o que felizmente não aconteceu, achando-se essa Colecção de documentos depositada na secção de Reservados da Biblioteca Nacional de Portugal). Esta iniciativa enquadrou-se numa outra estratégia que Sebastião José já seguira nos baptismos dos filhos que entretanto lhe foram nascendo em Lisboa. Nos respectivos assentos, com efeito, lavrados na mencionada paróquia das Mercês, indicaram-se com exactidão as datas e os locais de baptismo e de casamento de D. Leonor de Daun e de seus pais, acrescentando-se também, na referência aos matrimónios, o nome dos respectivos celebrantes. Ora, a minúcia desta informação sobre o lado materno das crianças extravasou aquele que era o teor habitual deste tipo de registos, contrastando com os dados disponíveis para o B.N.P. (Reservados), Pombalina 640, fls. 20-46 e 62-76. D.G.A./T.T., Registos Paroquiais, Mercês (Lisboa), Baptismos, Cx. 5, L.º 5, fls. 2-3v. Logo depois da abertura do livro, encontra-se lavrado, a fl. 2, o seguinte termo: “José Ballester, Pároco desta Igreja de Nossa Senhora das Mercês, certifico e atesto que por parte do Ilustríssimo e Excelentíssimo Marquês de Pombal me foi entregue uma petição, e nela um Decreto do Eminentíssimo Senhor Cardeal Patriarca no qual me ordenava lançasse no Livro corrente dos Baptismos as certidões Autênticas dos Baptismos assim da Ilustríssima e Excelentíssima Marquesa de Pombal, como de seus Ilustríssimos e Excelentíssimos Pais e filhos, as quais certidões se achavam encadernadas em um Livro, cujo título é na forma seguinte: Colecção de certidões de Baptismos e Recebimentos, etc.”. Encontram-se assim transcritos, em latim, os seguintes assentos de baptismo: Henrique Ricardo, pai da marquesa de Pombal (fl. 2); Maria Violante Josefa, mãe da marquesa de Pombal (fl. 2); Leonor Ernestina Eva Josefa Wolfganga, marquesa de Pombal (fl. 2v); D. Teresa Violante Josefa Maria Eva Judite, condessa de São Paio (fl. 2v); Henrique José Maria Adão João Crisóstomo, conde de Oeiras (fl. 3); D. Leonor Joana Maria Eva (fl. 3). A sequência é fechada por um pequeno termo de encerramento (fl. 3v), pelo qual o padre José Ballester atesta que os assentos originais “se achavam encadernados no Livro que me foi apresentado e entreguei, do qual fielmente aqui trasladei e ao mesmo Livro me reporto, o qual se acha no Cartório do Ilustríssimo e Excelentíssimo Marquês de Pombal”.

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lado paterno, que, nos termos habituais, se resumiram à menção do local de baptismo do pai e dos correspondentes avós. A única excepção deu-se no caso da filha mais nova, Maria Amália, nascida na Ajuda, cujo assento de baptismo, exarado nos livros desta paróquia, apresenta um conteúdo usual, sem qualquer distinção, no tipo de informação inscrita, entre a ascendência paterna e materna da criança. Deste sacramento, porém, numa circunstância que me parece ser algo invulgar, foi lavrado um segundo registo num dos livros da freguesia das Mercês, onde se seguiu aquele modelo mais pormenorizado sobre a família de D. Leonor de Daun. Se atentarmos nos dois documentos, são verdadeiramente notórias as respectivas diferenças, o que reforça a singularidade do caso  19. Parece-me ser lícito concluir, por conseguinte, que Sebastião José de Carvalho e Melo revelou um especial cuidado na forma de preservar e promover a informação sobre a família materna dos seus filhos, certamente por compreender que essa ascendência contribuiria para um relevante abrir de horizontes no que respeita às alianças matrimoniais a que a sua prole poderia vir a aspirar. Ao plano que prosseguiu para este fim não foi alheio, como vimos, o facto de ser padroeiro da referida igreja de Nossa Senhora das Mercês. Viena de Áustria 1745

Sebastião José de Carvalho e Melo = D. Leonor de Daun 1.º Conde de Oeiras, 1.º Marquês de Pombal

Teresa

Henrique José

Condessa de Daun

Leonor Maria Francisca Mariana José Francisco Maria Amália

Viena 1746 Viena 1748 Viena 1749 Condessa 2.º Conde de Oeiras de São Paio 2.º Marquês de Pombal

Mercês 1751

Mercês 1753

Mercês 1754 1.º Conde da Redinha 3.º Marquês de Pombal

Ajuda 1757 Condessa de Rio Maior

Figura 5: Filhos de Sebastião José de Carvalho e Melo e de D. Leonor de Daun.

Vejamos então quem foram os sete filhos de Sebastião José de Carvalho e Melo e de D. Leonor Ernestina de Daun: em Viena de Áustria, nasceram-lhes Teresa Violante, Henrique José e Leonor Joana, respectivamente em 1746, 1748 e 1749; já em Lisboa, vieram ao mundo Maria Francisca, Mariana Xavier, José Reportando-se muito embora ao baptismo de D. Maria Francisca de Daun, Torres, João Carlos Feo Cardoso de Castello Branco e; Baêna, Visconde de Sanches de, Memorias Historico-Genealogicas dos Duques Portuguezes do Seculo XIX, Lisboa: Por ordem e na tipographia da Academia Real das Sciencias, 1883, pp. 384-385, procederam à transcrição do respectivo assento, alegando que “pelo bem lançado que está, póde servir de modêlo aos que por ahi se fazem”.

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Francisco e Maria Amália, nascidos em 1751, 1753, 1754 e 1757  20. Entre os diversos nomes próprios que receberam no baptismo, contaram-se o de Adão, para os rapazes, e o de Eva, para as raparigas. Referindo-se apenas às duas crianças mais velhas – Teresa e Henrique –, Lúcio de Azevedo comentou a original circunstância onomástica, não deixando de a associar a uma vida nova que o sangue Daun traria à geração do futuro marquês: “O affecto recíproco dos conjuges prompto desabrochou em prole, da qual os primeiros rebentos, um filho e uma filha, tiveram entre outros nomes, recebidos no baptismo, o primogenito, rapaz, o de Adão, a menina o de Eva. Seria a idéa uma innocente phantasia dos paes, acaso tradição do lado materno, ou deveremos vêr nella um pensamento reservado, que d’esta maneira Carvalho consubstanciava em formula mystica? Porventura antecipava elle, para a sua geração, vida nova, em um mundo tambem novo. Os laços, que o prendiam ao passado, quebravam-se alli. Acabava-se a estirpe, pouco limpa, que as genealogias inventadas na familia não conseguiam exaltar. Os herdeiros do seu nome traziam já o sangue illustre dos Dauns, cuja sequencia facilmente se destrinçava, até aos primeiros annos do seculo duodécimo. Um Adão, uma Eva, d’este sangue nascidos, iam ser tronco da nova familia, essa agora de nobreza incontestada”  21.

A valorização da família materna ficaria ainda bem expressa na circunstância de todos, à excepção do primogénito varão, terem adoptado o apelido Daun, perpetuando-se este na linha sucessória da casa Pombal e ainda em alguns descendentes da filha mais nova, que a esse nome juntaram também o uso das respectivas armas. Será interessante atentarmos nas escolhas que Sebastião José e Leonor Ernestina fizeram para apadrinhar os seus filhos:

D.G.A./T.T., Registos Paroquiais, Mercês (Lisboa), Baptismos, Cx. 3, L.º 3, fls. 93v, 131v e 164v; Cx. 5, L.º 5, fl. 2v. Ibidem, Ajuda (Lisboa), Cx. 3, L.º 8, fl. 99. B.N.P. (Reservados), Pombalina 640, fls. 43 e 44. Vd. Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), pp. 108-109. 21 Citado por Rodrigues, Alfredo Duarte, O Marquês de Pombal e os seus biógrafos – Razão de ser de uma revisão à sua história, [s.l.: s.n.], 1947, p. 308. 20

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Viena de Áustria

Ano

Nome do Filho

Padrinhos

1746 Teresa Violante

Violante Josefa, condessa de Daun, nascida condessa de Peyersperg

O 2.º padrinho representado por Filipe, conde de Daun

1748 Henrique José

Henrique, conde de Daun, marechal de campo

Maria Teresa, condessa de Colloredo

Os padrinhos eram casados

1749 Leonor Joana

António, conde de Daun,

Pedro da Mota e Silva, do 1751 Maria Francisca Conselho de S.M., secretário de Estado

Lisboa

Observações

Francisco Luís da Cunha de Ataíde, do Conselho de S.M., chanceler e governador das Justiças da Relação do Porto

1753 Mariana Xavier

1754 José Francisco

1757 Maria Amália

Paulo de Carvalho e Mendonça, prelado da Santa Igreja Patriarcal de Lisboa

Marco António de O 2.º padrinho representado Azevedo Coutinho, conselheiro e secretário por Bento, conde de Daun, de Estado dos Negócios general-major da Guerra Representados por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, do Conselho de S.M., capitãoD. Teresa Luísa de general e governador dos Mendonça, Estados do Grão-Pará, e por Fernando da Costa de Ataíde Sousa Coutinho e Teive

D. Maria Madalena de Mendonça

Representados pelo conde de A rainha-mãe D. Maria Unhão, camarista do rei, e por O rei D. José I Ana de Áustria D. José de Meneses e Távora, veador da rainha-mãe Condessa de Caveluner (?), nascida princesa Henrique José de de Lindenstein, Carvalho e Melo embaixatriz do Império na corte de Portugal

Quadro 1: Padrinhos dos filhos de Sebastião José de Carvalho e Melo.

Através da observação do quadro acima, verifica-se, em primeiro lugar, um significativo predomínio dos familiares mais chegados dos progenitores. No caso das crianças nascidas em Viena, a escolha incidiu naturalmente nos parentes do lado Daun, também chamados a representar os dois únicos padrinhos provenientes de fora do grupo. Esta circunstância parece demonstrar uma forte coesão da família de D. Leonor de Daun em torno dela e de seu marido. Já no que respeita aos filhos naturais de Lisboa, a preferência recaiu sobre alguns membros 82

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da família Carvalho: os dois irmãos dilectos de Sebastião José, Paulo e Francisco Xavier (embora este apenas como procurador); uma outra irmã, D. Maria Madalena de Mendonça, religiosa professa, com quem aquele manteria relação mais próxima; o seu filho varão primogénito, Henrique José, que apadrinhou a irmã mais nova; e ainda a mãe do estadista, D. Teresa Luísa de Mendonça, madrinha da primeira neta natural da capital portuguesa. Note-se, aliás, que já a avó materna fora madrinha da neta mais velha, nascida na Áustria. A escolha das duas matriarcas prendeu-se, certamente, não apenas com razões de ordem afectiva, mas também de carácter simbólico, já que ambas representavam cada uma das famílias aliadas, de cuja vasta geração haviam sido progenitoras. Num segundo círculo de relações, encontram-se como padrinhos de alguns dos filhos de Sebastião e de Leonor os nomes de Francisco Luís da Cunha de Ataíde, de Marco António de Azevedo Coutinho e de Pedro da Mota e Silva, os dois primeiros ainda ligados por parentesco ao futuro marquês. Francisco Luís da Cunha de Ataíde, com efeito, para lá desses remotos laços familiares, era também padrasto de Sebastião José de Carvalho e Melo, já que desposara D. Teresa Luísa de Mendonça por volta de 1723-1724. A sua escolha para padrinho da primeira filha do enteado permite, a meu ver, se não afastar, pelo menos relativizar a gravidade do incidente e mal-estar familiar que este enlace terá causado a Sebastião José, a ponto de o levar, naquela época, a abandonar Lisboa e a refugiar-se no “campo de Coimbra”  22. E admite ser interpretada como um reconhecimento que o então diplomata na corte austríaca quis prestar a quem fora um dos principais promotores do início da sua vida pública  23. Formado na Universidade de Coimbra, Francisco Luís da Cunha de Ataíde principiou a sua carreira judicial ainda no reinado de D. Pedro II, mas foi já no tempo de D. João V que logrou alcançar alguns dos mais destacados lugares da magistratura: desembargador extravagante da Casa da Suplicação em 1715, corregedor do Crime da Corte no ano seguinte, chanceler da Relação e Casa do Porto em 1721, desembargador do Paço em 1727, o seu valimento junto daquele monarca haveria de culminar com a nomeação no importante cargo de chanceler-mor do reino em 1749, já depois de ter apadrinhado a filha de Carvalho e Melo  24. Mas a protecção que este alcançou na corte joanina e que lhe permitiu o ingresso nos meandros da diplomacia ficou igualmente a dever-se ao forte empenho daquele seu outro parente, Marco António de Azevedo Coutinho, a quem aliás Carvalho e Melo sucedeu como enviado extraordinário na corte de Londres, em 1738, ao que consta por Serrão, op. cit., pp. 17-19. Cfr. Serrão, op. cit., pp. 19 e 29; Monteiro, Nuno Gonçalo, D. José, [s.l.]: Círculo de Leitores, [2006], p. 50. 24 D.G.A./T.T., Registo Geral de Mercês, D. João V, L.º 7, fls. 381-381v; L.º 16, fl. 410. 22 23

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João Bernardo Galvão-Telles

indicação do próprio primo, na ocasião chamado a ocupar uma das Secretarias de Estado recém-criadas  25. A escolha de Marco António para padrinho de uma das filhas de Sebastião José, já no final do reinado de D. João V, afigura-se também, na minha opinião, como um gesto de agradecimento pelo apoio recebido, não apenas nos momentos-chave das nomeações para a primeira e segunda enviaturas, mas ao longo de toda uma década de relacionamento político, marcado pelo respeito de Carvalho e Melo para com o velho parente e mentor  26. Com o falecimento de Azevedo Coutinho em 1750, pouco antes da morte do próprio rei, abriu-se uma segunda vaga nas três Secretarias de Estado criadas em 1736 (o secretário António Guedes Pereira já falecera, não tendo ainda sido substituído). O jogo de influências e o equilíbrio de forças em torno da nomeação dos futuros titulares dos cargos revelaram-se assaz complexos  27. Em funções desde aquela data inicial, Pedro da Mota e Silva mantinha-se à frente dos Negócios do Reino, sendo incumbido, em tão delicado período, de encontrar novos secretários de Estado para as pastas vacantes. Sem prejuízo do estado de invalidez física em que há algum tempo se achava, este governante continuava a gozar de elevada confiança, já que era irmão do falecido cardeal da Mota, de cujos papéis – ditos de elevada importância e segredo – ficara depositário  28. Ora, o desaparecimento de D. João V e a consequente subida ao trono de D. José I precipitaram a designação – por uns tida como improvável, por outros como indesejada – de Sebastião José de Carvalho e Melo para os Negócios Estrangeiros e da Guerra  29. Pelas circunstâncias apontadas e porque o novo soberano, como na ocasião foi revelado, estimava em primeiro lugar o conselho de Pedro da Mota, é de aceitar que este tenha interferido na escolha do antigo diplomata para aquela Secretaria. Sabe-se, aliás, que nos primeiros anos de funções Sebastião José consultava regularmente o expe Cfr. Serrão, op. cit., p. 30; Monteiro, D. José, p. 50. Silva, Maria Beatriz Nizza da, D. João V, [s.l.]: Círculo de Leitores, [2006], p. 171, evidenciou que Marco António de Azevedo Coutinho, ao ocupar a Secretaria que lhe fora destinada, levava consigo a experiência diplomática que adquirira, conhecendo os indivíduos que deveria indicar a D. João V para servirem nas cortes estrangeiras. 26 Serrão, op. cit., pp. 30, 32 e 44. 27 Monteiro, D. José, pp. 51-56. 28 Silva, op. cit., pp. 204-205. 29 D.G.A./T.T., Ministério do Reino – Decretos, Maço 5, Doc. 39. B.N.P. (Reservados), Pombalina 696, fls. 17 e 28. A 3 de Agosto de 1750, dirigiu Pedro da Mota e Silva a Carvalho e Melo o seguinte aviso: “Sua Majestade foi servido nomear a Vossa Senhoria para seu Secretário de Estado de uma das repartições que se lhe destinará e ordena o mesmo Soberano que Vossa Senhoria entre logo a exercitar”. Três dias depois, o mesmo Pedro da Mota escrevia: “Sua Majestade faz mercê a Vossa Excelência de o nomear para servir de Secretário de Estado dos negócios Estrangeiros e da Guerra, o que me manda participar a Vossa Excelência para que assim o tenha entendido”. Cfr. Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), p. 31. 25

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riente político nos diversos assuntos de governação  30 e por isso, neste quadro de relações, não se estranha que o novel estadista tenha escolhido Mota e Silva para padrinho da primeira filha que, corria o ano de 1751, lhe nascera em Lisboa. É também certo que no processo de selecção de Carvalho e Melo para integrar o ministério teve especial relevância uma outra intervenção: a de D. Maria Ana de Áustria. Nuno Gonçalo Monteiro destacou o facto do enviado extraordinário inglês em Lisboa ter informado o seu governo de que a escolha do futuro marquês de Pombal se devia às ligações da sua mulher com a corte austríaca e à protecção da rainha-mãe, a cujo conselho o rei D. José não era indiferente  31 . Diga-se, também, que nesses primeiros anos de funções, a acção governativa de Sebastião José foi gerando a progressiva confiança do monarca. Deste modo, quando em 1754 a Providência brindou o secretário de Estado com o nascimento de um segundo filho varão, coube àquelas reais personagens – mãe e filho –, ainda que não presencialmente, tomar o novo rebento por afilhado. E foi em homenagem ao régio padrinho que a criança recebeu os nomes próprios de José Francisco. Dona Maria Ana de Áustria fez-se representar na cerimónia pelo seu veador, D. José de Meneses e Távora, senhor da Patameira e da Caparica, aristocrata em quem concorriam as circunstâncias de ser neto materno dos condes de Breyner e marido da condessa de Rapach, ambas famílias do Império. O aparecimento, três anos mais tarde, da embaixatriz austríaca como madrinha da derradeira filha de Sebastião e de Leonor, demonstra, em definitivo, a importância, mesmo depois da morte da rainha-mãe, desse núcleo de pessoas relacionadas com a corte de Viena, ao qual, afinal de contas, a própria condessa de Daun pertencia. Já após se encontrar estabelecida em Lisboa, e pelos anos fora, a família nunca deixou de privilegiar o contacto com o Sacro Império, o que se traduziu não apenas na correspondência que Leonor trocava com os seus parentes mais chegados, mas também com os próprios membros da família imperial, de que é exemplo a carta que em 1770 recebeu da imperatriz Maria Teresa  32. Entretanto, Lisboa sucumbira ao terramoto, Pedro da Mota e Silva falecera quinze dias depois da catástrofe e Carvalho e Melo ascendera, em Agosto de 1756, à pasta dos Negócios do Reino, na qual se manteria durante as duas décadas seguintes. Do baptismo da sua filha mais nova ao casamento da mais velha decorreram apenas dois anos, o que permite traçar uma linha de continuidade entre esses sucessivos sacramentos, não obstante a sua diferente natureza. Atentemos, pois, nos matrimónios dos filhos de Pombal! Monteiro, D. José, pp. 52-53 e 75. Monteiro, D. José, pp. 52-53 e 56. Vd. também Serrão, op. cit., pp. 58 e 60-61. 32 B.N.P. (Reservados), Pombalina 640, fls. 139, 144, 205-206 e 370-371. Vd. Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), p. 85. 30 31

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Ano

Filho

Idade

Cônjuge

12

António de São Paio Melo e Castro Moniz Torres de Lusignano

1763 M.ª Francisca

12

D. Cristóvão Manoel de Vilhena

43

1764 Henrique José

16

D. Maria Antónia de Meneses

12

1768 José Francisco

14

D. Isabel Juliana de Sousa Monteiro Paim

12

João de Saldanha de Oliveira e Sousa

1759 Teresa Violante

1769 M.ª Amália

1776 José Francisco

22

D. Francisca Maria de Albuquerque da Silveira e Lorena

Idade

38

Observações

Lugar: oratório do pai da noiva Celeb.: Paulo de Carvalho e Mendonça Test.: conde de Avintes e João de São Paio Melo e Castro Lugar: oratório do pai da noiva Celeb.: Paulo de Carvalho e Mendonça Test.: D. Luís da Cunha e D. Jorge de Sousa Manoel e Meneses Lugar: oratório do pai da noiva Celeb.: Filipe Caetano Tinoco Test.: Francisco Xavier de Mendonça Furtado e conde de São Paio Lugar: oratório da avó pat. da noiva Celeb.: Paulo de Carvalho e Mendonça Test.: condes de Oeiras, Sebastião José e Henrique José Lugar: oratório do pai da noiva

23

Celeb.: D. José de Vasconcelos Test.: conde da Ponte e D. José de Portugal Lugar: oratório do avô mat. da noiva

21

Celeb.: D. Fernando de Sousa da Silva e Meneses Test.: conde de Oeiras, Henrique José, e conde de São Paio

Quadro 2: Casamentos dos filhos de Sebastião José de Carvalho e Melo.

A primeira nota que a observação deste quadro permite evidenciar reside no facto de todos os filhos de Sebastião José de Carvalho e Melo que chegaram a idade adulta terem casado, num nítido contraste com o que sucedera na geração do pai, como atrás referi. Isto denota, a meu ver, que Pombal procurou seguir uma estratégia de estabelecimento de alianças com um conjunto alargado de outras famílias, recorrendo para o efeito à aptidão matrimonial dos seus filhos, num contexto em que à efectiva vontade dos nubentes ainda se sobrepunha a decisão dos progenitores, orientada pelos interesses da casa, e numa altura em que o paradigma do destino dos secundogénitos se modificava imperceptivelmente, mas onde a percentagem de filhos celibatários era ainda significativa  33. O leque de relações Monteiro, Nuno Gonçalo de Freitas, O Crepúsculo dos Grandes (1750-1832), [s.l.]: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, [1998], pp. 68-72. Monteiro, “Casa…”, in Mattoso / Monteiro, op. cit., pp. 132-133 e 137. Afirmou este autor que “o casamento e o celibato eram escolhas estratégicas, cautelosamente decididas, visando a perpetuação e acrescentamento das casas”.

33

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assim criado aumentava a capacidade de interferência de Carvalho e Melo junto de diversos membros da nobreza de corte e talvez lhe atenuasse alguns ataques provenientes de personagens que, de forma mais ou menos próxima, passavam a deter, ainda que por afinidade, algum tipo de ligação familiar ao estadista. Um segundo aspecto que também salta logo ao olhar prende-se com as idades: os filhos de Pombal eram especialmente novos à data dos respectivos enlaces. As três raparigas casaram todas aos 12 anos; os dois rapazes, aos 16 e 14. Se considerarmos que, nesta época, os homens na aristocracia de corte se casavam em média quando tinham entre 23 e 25 anos e as senhoras, à roda dos 21, verificamos que existiu na prole de Carvalho e Melo uma significativa antecipação  34. Ora, Sebastião José foi um pai tardio e estava prestes a completar os 60 anos quando casou a primeira filha. Por outro lado, o despótico ministro sabia que o seu governo tinha forte oposição e que no dia em que ele ou D. José desaparecessem tudo mudaria  35. Estou em crer, por conseguinte, que a decisão de conferir estado a todos os filhos, mormente numa idade tão prematura, se prendeu com o desejo de os colocar numa situação menos vulnerável às adversidades que um futuro – sempre imprevisivelmente próximo – poderia trazer. No caso das filhas, em particular, deverá ter-se em consideração que “as mulheres casadas possuíam na aristocracia uma personalidade jurídica e uma autonomia pessoal muito maior do que as demais”  36, circunstância que terá favorecido a opção pelo seu matrimónio. A questão dos casamentos precoces – designadamente no que respeita aos dois filhos varões – relacionou-se ainda, a meu ver, com um outro motivo. O  futuro marquês de Pombal assumiu-se e comportou-se não só como representante da primitiva estirpe dos de Carvalho, como procurou ser um refundador desta mesma linhagem. Julgo serem exemplos de tal atitude, por um lado, o empenho que o estadista colocou na eleição como administrador do velho morgado de Carvalho e, por outro, a adopção e profusa utilização que fez das armas plenas desta família  37. Como assinalou Nuno Gonçalo Monteiro, Monteiro, “Casa…”, in Mattoso / Monteiro, op. cit., p. 138. Vd. também Monteiro, O Crepúsculo…, pp. 64-65. 35 Não posso deixar de assinalar a quase coincidência temporal entre o processo dos Távoras – repare-se que a sentença e execução dos implicados na tentativa de regicídio acontecera a 12 e 13 de Janeiro de 1759 – e o envolvimento de Sebastião José num assunto de natureza tão íntima e familiar como foi o casamento da sua primeira filha, ocorrido cerca de um mês e meio depois. Já o 3.º marquês de São Paio notara a proximidade dos dois acontecimentos: “Coincidiu, com efeito, ao que parece, a festa dos esponsais com a prisão do Marquês de Távora, sua família e demais implicados no atentado”. São Paio, O Tenente General…, in loc. cit., p. 201 36 Monteiro, “Casa…”, in Mattoso / Monteiro, op. cit.,, p. 137. 37 Galvão-Telles, João Bernardo; Seixas, Miguel Metelo de, Sebastião José de Carvalho e Melo, 1.º Conde de Oeiras, 1.º Marquês de Pombal: Memória genealógica e heráldica nos trezentos anos do seu 34

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João Bernardo Galvão-Telles

“O primeiro elemento de identificação nobiliárquica era o primeiro apelido, que correspondia a certo brasão de armas, e estabelecia uma conexão com uma antiga linhagem ou família fidalga, em princípio de origem medieval”  38.

Neste quadro mental, a sucessão biológica, como forma de assegurar a sucessão jurídica e simbólica da casa, constituía uma forte preocupação: “um dever fundamental para com a casa era o dos seus presuntivos sucessores: casar e dar-lhe descendência”  39. Creio, por conseguinte, que foi neste contexto que o filho segundo de Sebastião José, José Francisco, casou ainda mais novo do que o primogénito, pois Henrique já se achava consorciado há quatro anos sem que do seu matrimónio resultassem esperanças de nascer o desejado sucessor… Os planos do futuro marquês, porém, sofreram forte contrariedade! São conhecidas, com efeito, as circunstâncias que rodearam o casamento de José Francisco de Daun com o célebre Bichinho de Conta e que acabariam por ditar a anulação do matrimónio ao fim de outros quatro anos de uma união não consumada. Por isso, quando em 1776 o ainda jovem aristocrata casou segunda vez – e visto que o irmão mais velho permanecia sem filhos –, augurou-se que “a Castíssima Esposa (…) ao decimo mez ha de dar á luz hum Varão, pelo qual se perpetue a antiquissima e nobilissima Familia de Carvalho, e nelle vejam os ansiosos Portuguezes hum fiel Modelo de seu Augusto, e incomparavel Avô (…)”, pois “na verdade seria grande lastima ver acabar huma Familia”  40. Também a pena do fidalgo minhoto Francisco Joaquim Moreira de Sá  41, no referido ano de 1776, exprimia a angústia vivida pela falta da descendência varonil do estadista:

40 41

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nascimento (13 de Maio de 1699 – 13 de Maio de 1999), Oeiras: Câmara Municipal de Oeiras / Universidade Lusíada de Lisboa, 1999; Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), pp. 46-49 e 89. Monteiro, “Casa…”, in Mattoso / Monteiro, op. cit., pp. 136. Monteiro, O Crepúsculo…, p. 142. Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), pp. 111-115 e 117-118. Francisco Joaquim Moreira de Sá “nasceu em Santa Eulália de Barrosas, então do termo do Guimarães; era fidalgo da casa real, cavaleiro professo da Ordem de Cristo e senhor da ilustre casa e quinta de Sá. No princípio deste século fundou, como invenção sua, no lugar da Cascalheira, freguesia de S. João das Caldas, margem esquerda do rio Vizela, uma fábrica de papel de vegetais com exclusão do trapo, a primeira conhecida neste género, e outra de tinturaria, para o que alcançou aviso régio de 13 de Dezembro de 1802 e alvará de 24 de Janeiro de 1805. Destas construções foi encarregado o hábil engenheiro inglês Thomaz Bishop. Esta notável fábrica foi infelizmente arrasada pelos franceses, durante a emigração do seu proprietário para o Brasil. Os alemães e franceses quiseram arrogar a si a glória dum tal invento; é todavia certo, que ele pertence ao nosso ilustre compatrício de Vizela, onde o papel vegetal principiou a fabricar-se no

Aspectos da vida familiar na estratégia de ascensão do 1.º marquês de Pombal

“O Rei que tais serviços contemplava Honras devidas a Pombal fazia: Triste a Posteridade ali chorava Porque do Herói lhe falta a Varonia Varonia, que aflita aos Céus rogava Lusitânia coberta de agonia, Com a boca na terra, as mãos erguidas Quasi co’as esperanças já perdidas”

Pretendera o poeta, aliás, promover uma sessão académica na então vila de Guimarães, que a notícia da doença do rei D. José impediu se realizasse mas que seria publicada, destinada a resolver o seguinte problema: “Qual interessa mais na presente ocasião à glória da Nação portuguesa, se o ver premiada uma parte dos importantíssimos serviços do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Marquês de Pombal dando EL-REI a seu filho o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor José Francisco Daun o título de Conde da Redinha? Se o casamento deste com a Ilustríssima e Excelentíssima Senhora D. Francisca da Silveira, que promete ultimamente às nossas esperanças uma mais ampla descendência daquele grande Herói?”  42. Vemos, portanto, como uma bem engendrada máquina de propaganda parecia conferir à questão sucessória de Pombal a dimensão de uma autêntica preocupação nacional. Do citado axioma resulta ainda um outro aspecto importante: o da estreita conexão entre o casamento de José Francisco e a concessão a este do título de conde da Redinha, em remuneração de serviços do progenitor. A mercê incluía desde logo “uma vida mais para o filho, ou filha, que nascer do Matrimónio a que se acha pelo dito seu Pay destinado”, circunstância tão singular que o rei D. José não deixou de frisar que toda essa doação constituía uma “graça especial, que não fará exemplo”  43. Em paralelo, concedera o monarca a necessária autorização para Sebastião José instituir a favor deste filho uma segunda ano de 1803 ou 1804. Veja-se VINDICAÇÃO DA PRIORIDADE DO FABRICO DE PAPEL COM MASSA DE MADEIRA, pelo indefesso professor bracarense Pereira Caldas. Francisco Joaquim Moreira de Sá era ainda poeta mimoso, deixando entre outras composições suas, um poema épico intitulado a QUEDA DE NAPOLEÃO, do qual ofereceu, no Rio de Janeiro, um exemplar manuscrito ao príncipe regente, depois rei D. João VI, e outro ao conde dos Arcos, e uma PROCLAMAÇÃO AOS PORTUGUESES impressa em Coimbra, na real imprense da universidade em 1809, com licença do governo”. Caldas, Padre António José Ferreira, Guimarães. Apontamentos para a sua história, 2.ª edição, Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães / Sociedade Martins Sarmento, 1996, parte I, pp. 160-185. 42 Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), p. 119. 43 Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), p. 128.

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casa, nela vinculando o ministro um significativo conjunto de bens imóveis, e assim se aliaram dotação patrimonial e engrandecimento social, fazendo com que José Francisco pudesse ostentar o título de conde à data do casamento e permitindo que o neto ou neta, presumível sucessor do estadista, viesse a nascer já na condição de grande do reino. Esta estratégia, todavia, não era totalmente nova, pois já em 1764, tomando em consideração o facto de ser Henrique o primogénito de seu pai, concedera-lhe D. José o mesmo título de conde de Oeiras então ostentado por Sebastião José, num decreto que antecedeu uns escassos quatro dias a celebração do matrimónio do jovem filho do estadista  44. Centremos agora a nossa atenção nos genros e noras de Carvalho e Melo. Numa primeira aproximação a essas várias personagens, podemos desde logo verificar que nenhuma delas exibia, ou era sequer presuntiva sucessora, à data dos respectivos casamentos, de qualquer título nobiliárquico. Significa isto que o restrito grupo da nobreza titulada se mantinha fora do alcance matrimonial do valido de D. José, mesmo quando o próprio estadista já se encontrava elevado à grandeza, primeiro como conde de Oeiras (1759), depois como marquês de Pombal (1770). Não obstante, todos esses cônjuges pertenciam à primeira nobreza da corte, encontrando-se entre os seus ascendentes vários donatários da Coroa e mesmo alguns titulares.

Manuel António de São Paio Melo e Castro

Senhor de Vila Flor, etc.

Francisco José de São Paio Melo e Castro

Senhor de Vila Flor, etc.

D. Jerónima de Bourbon f.º do 2.º Conde de Avintes

António de São Paio de Melo e Castro Moniz Torres de Lusignano D. Luís de Almeida 3.º Conde de Avintes

D. Vitória Josefa de Bourbon D. Joana Antónia de Lima

f.ª do 10.º Visconde de V.N. Cerveira

Figura 6: Costados de António de São Paio, marido de D. Teresa Violante de Daun.

Idem, Ibidem, pp. 443-444.

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Aspectos da vida familiar na estratégia de ascensão do 1.º marquês de Pombal

D. Cristóvão Manoel de Vilhena D. Sancho Manoel de Vilhena

2.º Conde de Vila Flor

D. Joana de Mascarenhas D. Cristóvão Manoel de Vilhena D. Pedro Álvares da Cunha D. Lourença Francisca de Melo

Senhor da Tábua, etc.

D. Inês Maria de Melo f.ª do Senhor de Pancas

Figura 7: Costados de D. Cristóvão Manoel de Vilhena, marido de D. Maria Francisca de Daun.

D. Diogo de Meneses e Távora D. José de Meneses da Silveira e Castro Senhor da Patameira e Torre da Caparica

Senhor da Patameira e Torre da Caparica

D. Maria Bárbara

f.ª do Conde de Breyner

D. Maria Antónia de Meneses Carlos Adolfo Conde de Rapach

D. Luísa Gonzaga Condessa de Rapach

D. Luísa Antónia

f.ª do Príncipe de Lamberg

Figura 8: Costados de D. Maria Antónia de Meneses, mulher de Henrique José de Carvalho e Melo.

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João Bernardo Galvão-Telles

D. Rodrigo de Sousa Coutinho Castelo-Branco e Meneses

D. Vicente de Sousa Coutinho Monteiro Paim

f.º do 10.º Conde do Redondo

D. Maria Antónia de Meneses Monteiro Paim D. Isabel Juliana de Sousa Monteiro Paim D. Luís José da Câmara Coutinho D. Teresa Rita da Câmara

Senhor das Ilhas Desertas

D. Isabel Maria de Mendonça e Moura

f.ª do 4.º Conde de Vale de Reis

Figura 9: Costados de D. Isabel Juliana de Sousa, 1.ª mulher de José Francisco de Carvalho e Daun.

António de Saldanha de Oliveira e Sousa

João Pedro de Saldanha de Oliveira e Sousa

D. Inês Antónia da Silva João de Saldanha de Oliveira e Sousa Luís José de Portugal da Gama e Vasconcelos D. Constança Maria de Portugal

D. Inácia Agostinha de Rohan

f.ª do 2.º Conde da Ribeira Grande

Figura 10: Costados de João de Saldanha, marido de D. Maria Amália de Daun.

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Aspectos da vida familiar na estratégia de ascensão do 1.º marquês de Pombal

Bernardo António de Távora

Nuno Gaspar de Távora

2.º Conde de Alvor

D. Joana de Lorena

f.ª do 1.º Duque de Cadaval

D. Francisca Maria de Albuquerque da Silveira e Lorena D. Brás Baltasar da Silveira D. Maria Inácia da Silveira

Senhor de São Cosmado

D. Joana Inês de Meneses

f.ª do 2.º Conde de Santiago de Beduído

Figura 11: Costados de D. Francisca da Silveira e Lorena, 2.ª mulher de José Francisco de Carvalho e Daun.

Uma segunda nota que importa evidenciar prende-se com o facto de as três filhas de Sebastião José se terem consorciado, mais do que com presumíveis sucessores, já com efectivos detentores das casas paternas. À data dos correspondentes casamentos, com efeito, António de São Paio e D. Cristóvão Manoel de Vilhena há muito que estavam na posse do património das suas famílias, tendo aquele sucedido em 1746 e este em 1749, anos da morte dos respectivos progenitores; João de Saldanha, por seu lado, quando chegou ao altar no dia 10 de Setembro de 1769 já se encontrava igualmente senhor da sua casa, embora recentemente, pois seu pai falecera em Maio desse mesmo ano. A esta diferença não é alheia a idade que os três genros de Carvalho e Melo tinham quando casaram: os dois primeiros, com 38 e 43 anos, eram homens maduros e experientes; o último, com 23, estaria a dar os primeiros passos na administração do seu património familiar. Mas terá sido, porventura, a circunstância de ter seu pai falecido e de o filho se achar na posse da respectiva casa que colocou João de Saldanha no caminho das escolhas de Sebastião José… As opções quanto às noras foram ligeiramente diferentes. Para Henrique, a preferência recaiu sobre D. Maria Antónia de Meneses, uma filha não sucessora do senhor da Patameira e Torre da Caparica, o já aludido D. José de Meneses e Távora. Neste caso, a questão patrimonial não se afigurava primordial, já que a condição de varão primogénito fazia recair sobre o jovem aristocrata a perspectiva de vir a suceder na crescente casa paterna, como efectivamente veio a acontecer. O sustento material do casal estaria, por isso, assegurado. Para José Francisco, a escolha assentou sobre o mencionado Bichinho de Conta, D. Isabel Juliana de 93

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Sousa Monteiro Paim, que era, à data do casamento, a presumível sucessora do pai, D. Vicente de Sousa Coutinho Monteiro Paim, e da avó paterna, então viúva, D. Maria Antónia de São Boaventura e Meneses, que dotou naquela neta “todos os bens da Coroa, ordens e patrimoniais que compunham a sua casa, nos quais D. Isabel haveria de suceder por morte da avó e do pai”  45. Este acervo – encabeçado pelo morgado de Alva – não seria despiciente: o seu rendimento global era muito superior à média verificada para outras casas equivalentes e estava mesmo ligeiramente acima da média dos proveitos anuais registados para as casas titulares com grandeza  46. Dona Isabel Juliana seria, por isso, uma noiva ambicionada… O património de que era provável herdeira conferia a necessária segurança à condição de filho segundo de José Francisco de Daun  47. Quando este casou segunda vez as circunstâncias tinham-se alterado. Estava praticamente afastada qualquer esperança de Henrique ter filhos, Sebastião José instituíra uma nova casa a favor daquele seu filho segundo, como já referi, e no respectivo contrato, intitulado de “Pacto Familiar, Perpétua Fundação, Cessão, Trespasse, Desmembração”, previra-se que em todos os casos em que faltasse a sucessão nesta nova casa ou na casa principal – a casa Pombal – ambas se unificariam. Ou seja, após a morte do pai, José Francisco ficaria senhor da segunda casa; e se sobrevivesse ao irmão mais velho, mantendo-se este sem filhos, sucederia igualmente em toda a casa Pombal, o que efectivamente ocorreu  48. Desta forma, neste outro consórcio, o contexto patrimonial da noiva deixara de ter a relevância que assumira no primeiro casamento e, com efeito, D. Francisca de Lorena, a segunda mulher de José Francisco de Daun, não reunia em si a qualidade de presuntiva sucessora de seus pais. Terá então pesado mais na escolha o seu enquadramento social. É preciso notar que este segundo matrimónio do então agraciado conde da Redinha se realizou sete anos depois do casamento da última filha de Pombal e dezassete anos mais tarde do que o da primeira. Os tempos eram outros: o rei D. José achava-se doente e não passariam mais do que cinco meses até à sua morte; Sebastião José, Idem, Ibidem, p. 112. Idem, Ibidem, p. 111. O rendimento global da casa de Alva, deflacionado, ascendia a 27.329$906 réis, quando a média verificada para outras casas equivalentes era de 13.926$094 réis e para as casas com grandeza, de 26.090$087 réis. Cfr. Monteiro, O Crepúsculo…, pp. 260-261 e 270. 47 Afirmou o duque de Palmela que D. Isabel Juliana era “herdeira de uma das melhores casas de Portugal”, adiantando que “o marquês de Pombal, então omnipotente, lançou as vistas sobre ela para assegurar a fortuna de seu segundo filho, José Francisco de Carvalho e Daun, depois conde da Redinha”. Memórias do duque de Palmela (transcrição, prefácio e edição de Maria de Fátima Bonifácio), [s.l.]: D. Quixote, [2011], p. 60. 48 Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), pp. 125-126. D.G.A./T.T., Cartórios Notariais de Lisboa, Cartório n.º 9 (antigo n.º 4), L.º 43, fl. 72. 45 46

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Aspectos da vida familiar na estratégia de ascensão do 1.º marquês de Pombal

por seu lado, contava 77 anos de idade… Inevitáveis mudanças se aproximavam. Dona Francisca era filha de Nuno Gaspar de Lorena, ou de Távora, irmão do justiçado marquês deste título, Francisco de Assis, executado em 1759 no patíbulo de Belém juntamente com a mulher e dois filhos, num dos acontecimentos mais dramáticos e marcantes do reinado de D. José. O próprio pai da noiva não pôde assistir à celebração matrimonial por se encontrar preso e não deixa de ser intrigante a carta que, escassos meses depois, José Francisco de Daun escreveu a Sebastião José, que acabava de chegar ao exílio de Pombal, comunicando-lhe: “Dou a Vossa Excelência a notícia que estou com grande alvoroço de ir ver meu sogro que se soltou esta madrugada e logo em via recta partiu para Évora”  49. Contrariamente à tenaz resistência que D. Isabel Juliana oferecera ao marido e ao sogro, D. Francisca de Lorena parece ter vivido numa paz conjugal e numa aparente harmonia com a família de Pombal, ainda que por vezes pontuada por alguns momentos de tensão. Talvez numa ironia da História, era nela que toda a família depositava as esperanças de dar ao velho marquês o gosto de ver nascer o tão desejado neto varão  50. Sebastião José não teve essa felicidade em vida, mas o futuro sucessor da casa Pombal veio a ser, pela mãe, um Távora! E nunca mais os futuros marqueses deixaram de ostentar, entre os seus apelidos, o de Lorena. Uma última e rápida observação a respeito dos casamentos dos filhos de Sebastião José prende-se com os respectivos contratos antenupciais, de cuja leitura decorre terem estado presentes, umas vezes como procuradores dos noivos, outras na qualidade de testemunhas, os desembargadores Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira, António Velho da Costa, José Ricalde Pereira de Castro, José de Vasconcelos e Sousa e Bartolomeu José Nunes Cardoso Giraldes de Andrade. Ora, foram estes alguns dos mais destacados magistrados do consulado pombalino e próximos colaboradores do ministro, pelo que não deixa de ser relevante a sua participação nos importantes actos familiares do estadista. A estratégia matrimonial que Pombal seguiu para a sua prole produziu os seus resultados. Nas memórias, recentemente publicadas, de D. José de Mendóça, eclesiástico que chegou a cardeal-patriarca de Lisboa já no reinado de D. Maria I, evidenciou-se que:

Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), p. 121. B.N.P. (Reservados), Pombalina 715, fl. 161. 50 Em determinada ocasião, na correspondência familiar, afirmou-se sobre D. Francisca: “suspeita achar-se pejada e com esperança de dar sucessão varonil à sua Casa”, o que denota a ansiedade com que toda a família aguardava pelo nascimento de um neto varão e sucessor do velho estadista. Galvão-Telles, Geração… (Livro Primeiro), p. 121. 49

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“Seis Cazamentos fez Sebastião Jozé a seus filhos, todos os mais aplaudidos que naquele tempo ouve na Corte (…). Conseguio ver seus filhos aparentados em alianças com as mais das Cazas principaes da Corte, (…) e seus genros empregados; Servindo quatro no Paço: terem boas Cazas, com grande respeito por elle influido”  51.

Olhando para os 83 anos da existência de Sebastião José de Carvalho e Melo fica-me a sensação que o estadista soube sempre conduzir os destinos familiares numa complexa inter-relação com os objectivos sociais e políticos que visava alcançar. Se os laços de parentesco de que gozava e que foi criando ao longo da vida lhe abriram importantes portas em momentos determinantes da sua vida, é também verdade que as fidelidades políticas e as redes clientelares que construiu lhe promoveram e protegeram a família. A ponto de esta não ter experimentado excessivos dissabores com a Viradeira política do reinado de D. Maria I. Pelo contrário, alguns dos filhos e genros do estadista foram personagens que alcançaram importante valimento na corte da Piedosa rainha. Afinal de contas, ainda se vivia num tempo em que vida privada e vida pública se separavam por uma ténue fronteira. Mais do que não constituir uma excepção a esta regra, a história de Sebastião José talvez tenha sido um paradigma dessa sobreposição de espaços.

Mendóça, op. cit., p. 216.

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