Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
ASPECTOS ETNOZOOLÓGICOS DA AVIFAUNA DO MUNICÍPIO DE JAÇANÃ, RIO GRANDE DO NORTE E POSSÍVEIS FATORES DE AMEAÇA NA REGIÃO
Barbosa E. D. O¹; Mariano, E. F²; Chaves M. F.³ ¹Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Educação e Saúde, Cuité, Paraíba, Brasil. E-mail:
[email protected]; ²Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Saúde e Tecnologia Rural. Av. Universitária S/N. CEP: 58708-110. Patos, Paraíba, Brasil. E-mail:
[email protected]; ³Universidade Federal de Campina Grande. Centro de Educação e Saúde. Sítio Olho D’água da Bica S/N. CEP: 58750-000. Cuité, Paraíba, Brasil. E-mail:
[email protected].
RESUMO Diversos estudos já documentaram que populações humanas que mantém uma relação direta com a natureza podem apresentar um conhecimento bastante apurado do meio em que vivem. Entretanto, essa relação vem desencadeando alguns problemas ambientais, interferindo diretamente na distribuição de populações faunísticas. Esta pesquisa foi desenvolvida junto aos moradores rurais do município de Jaçanã, Rio Grande do Norte, Nordeste do Brasil; objetivando: registrar os saberes etnoornitológicos da comunidade humana local. Os dados foram obtidos através da aplicação de questionários semi-estruturados a uma amostra composta por um total de 40 moradores, representados por homens e mulheres na faixa etária compreendida entre 21 e 85 anos. A partir dos dados obtidos elaborou-se um check-list contendo 92 etnoespécies de aves ocorrentes no município, pertencentes a 34 famílias. Em relação aos possíveis fatores de ameaça da ocorrência desse grupo na região, foram citados principalmente as atividades de caça, a seca e o desmatamento. Os resultados apresentados nesse trabalho evidenciam a importância do registro do conhecimento que populações humanas detêm a respeito da biodiversidade, como base fundamental para a definição de estratégias que permitam a conservação biológica e cultural. Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
Palavras-chave: caatinga, conhecimento ecológico tradicional, conservação, etnoornitologia.
ABSTRACT Several studies have already reported that people human who maintain a direct relationship with nature can present a fairly accurate knowledge of the environment in which they live. However, this relationship has promoted some environmental problems
by interfering right in the distribution of faunistic
populations.This research aiming record the etnoornithological knowledges of residents from rural zone of the Jaçanã - Rio Grande do Norte, Northeastern Brazil. Data were obtained through semi-structured questionnaires to a sample of a total of 40 residents, represented by men and women aged between 21 and 85 years old. From the data obtained was drawn up a checklist containing 92 ethnospecies of birds occurring in the city, belonging to 34 families. Regarding possible threat factors of the occurrence of this group in the region, were cited mainly hunting, the dry season and deforestation. The results presented in this study, demonstrate the importance of recording the knowledge that human populations hold about biodiversity as a fundamental basis for the definition of strategies for conserving biological and cultural. Keywords: caatinga, conservation, ethno-ornithology, traditional ecology knownledge.
INTRODUÇÃO A conexão animais e seres
fins (MMA, 2003; Alves & Souto, 2010).
humanos é milenar, e o uso de
Dessa forma, historicamente,
recursos faunísticos constitui um
supõe-se
importante elemento cultural das
etnozoológica,
populações humanas em todo o
pelo estudo das inter-relações que
mundo. No Brasil, as populações
os mais variados povos mantêm
indígenas, os escravos africanos e
com
os antigos colonizadores europeus
simultaneamente ao surgimento da
fazem uso dos recursos faunísticos
espécie humana (Alves & Souto,
desde a pré-história para diversos
2010). Dentre as diferentes áreas
Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
a
que área
fauna,
a
ciência
responsável
origina-se
etnozoológicas,
apresenta-se
a
O bioma caatinga representa
etnoornitologia, que por sua vez,
um dos maiores desafios para a
busca
ciência
investigar
sociedades indígenas
como
humanas, quanto
as tanto
brasileira
conservação
a
da
nível
de
biodiversidade;
urbano-rurais
neste domínio, poucas são as áreas
percebem, denominam, classificam
de preservação e muitas são as
e
áreas de perturbação (Prado, 2003).
utilizam
diversos
as
aves;
nos
contextos
mais
históricos,
Um
dos
principais
fatores
culturais e ecológicos (Cadima &
relacionados a esse desafio é o
Marçal-Júnior, 2004; Almeida et al.,
contínuo processo de degradação
2006; Farias & Alves, 2007a; Santos
ambiental
& Costa-Neto, 2007; Gama & Sassi,
insustentável
2008; Saiki, 2008; Alves et al.,
naturais (Leal et al., 2003). Estima-
2013).
se
provocado
que,
de
pelo
seus
apenas
uso
recursos
2%
deste
Não resta dúvida que o Brasil
ecossistema esteja protegido em
possui um importante laboratório
unidades de conservação (Tabarelli
para
& Vicente, 2003).
estudos
de
cunho
etnoornitológico, abrigando uma das maiores composta 1840
avifaunas por
do
mundo,
aproximadamente
espécies
para
o
Estado do Rio Grande do Norte pode-se
afirmar
que
a
ciência
2011).
etnoornitológica é ainda incipiente.
Representando cerca de 55% da
Constata-se que poucos estudos
biodiversidade
do
foram realizados até o inicio do
Além
século XX (Bezerra et al., 2011;
disso, mais de 10% dessas são
Bezerra et al., 2012); e estes
endêmicas, fazendo do Brasil um
provavelmente
dos territórios mais importantes para
riqueza avifaunística presente no
investimentos
Estado.
continente
(Sick,
(CBRO,
Especificamente
de
aves
sul-americano.
em
2001).
conservação Entretanto,
No
não
que
se
refletem
refere
a
ao
lamentavelmente, este país também
conhecimento zoológico tradicional
apresenta
mostrado pelas comunidades que
espécies
o
maior
ameaçadas
número da
de
região
Neotropical (Collar et al., 1997). Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
vivem
na
nordestina,
região
semi-árida
Costa-Neto
(2006)
defende a ideia de que este deveria ser
aproveitado
informação ensaios
para
acumular
zoológica
sobre
e
manejo
iniciar e
uso
sustentável das espécies.
25’33”S
e
localizado
36º12’18”W) na
Microrregião
está da
Borborema Potiguar, Zona Agreste do estado do Rio Grande do Norte
Diante do exposto, o referido trabalho
O município de Jaçanã (06º
fundamentado
(Figura I). A população local é de
na
aproximadamente 7.925 habitantes,
etnozoologia objetivou: Registrar os
sendo 5.333 residentes na zona
saberes
urbana e 2.595 na zona rural (IBGE,
etnoornitológicos
do
município de Jaçanã, Rio Grande do
2010).
Sua
área
de
extensão
Norte, através do conhecimento
territorial é de 58,4 km², equivalente
empírico da comunidade rural local,
a 0,11% do território estadual, com
com a consequente produção de um
altitude de 664 m acima do nível do
Check-list das espécies de aves
mar (na sede), sendo considerada
constantes na área estudada. Em
uma das cidades mais altas do
particular, procurou-se: 1. Conhecer
Estado (Mário, 2003).
a composição (riqueza específica)
A região é caracterizada por
da população de aves presente no
uma vegetação tipicamente formada
município. 2. Identificar o período de
pela Caatinga Hipoxerófila e o clima
maior ocorrência desse grupo na
é
região. 3. Avaliar as atividades
seco
humanas
problemas
variando entre 15º e 29º. O período
ambientais que vem afetando a
chuvoso vai dos meses de março a
estabilidade dessas populações. 4.
abril, com precipitação pluviométrica
Registrar
da
anual de 400,00mm (Mário, 2003).
população em relação às espécies
Dentre as diferentes áreas rurais do
de
município,
aves
e/ou
o
conhecimento
etnoindicadoras
de
acontecimentos1.
predominantemente e
frio,
as
com
semiárido; temperatura
comunidades
que
integraram o universo da pesquisa foram: Sítio Flores, Sítio Serra da
MATERIAL E MÉTODOS Área de Estudo 1
Espécies de aves que prenunciam eventos meteorológicos ou cotidianos (naturais/sobrenaturais). Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
Lagoa, Sítio Caiongo, Sítio Boca da Mata, Sítio Linha dos Pereira, Sítio São Domingos, Sítio Rangel, Sítio Chã do Jardim, Sítio Tronco, Sítio
Chã da Bulandeira e Sítio Gurjaú.
amostradas
neste
estudo.
Somando assim, 11 (onze) áreas
Figura I: Localização da área de estudo (Jaçanã – Rio Grande do Norte, Brasil). Fonte: Modificado de Idema, (2008).
Coleta de dados
áreas
estudadas
e
seus
possíveis
O estudo foi realizado em
informantes. Posteriormente foram
rurais
realizadas conversas informais e
do
município
de
Jaçanã, no período de julho de 2012
entrevistas
a março de 2013, com visitas
questionários
quinzenais
(Amorozo
as
localidades
com
o
auxílio
de
semi-estruturados &
Viertler,
amostradas, sendo que, no ultimo
Albuquerque
et
mês de coleta foram realizados
informantes
foram
retornos para novas entrevistas.
pela
Nessa oportunidade, divergências
moradores
apresentadas na identificação de
pesquisa, método denominado bola-
algumas
de-neve - snowball sampling (Bailey,
espécies
foram
esclarecidas.
indicação
2010).
Os
selecionados dos
próprios
participantes
da
1982). Antes de cada entrevista foi
Inicialmente, realizadas
al.,
2010;
visitas
foram iniciais
de
aproximação com as áreas a serem Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
explicado à natureza e os objetivos da
pesquisa,
permissão
para
e o
solicitado registro
à das
informações. Aos que concordaram
fotográficos (Albuquerque et al.,
em participar, como determinação
2010; Medeiros et al., 2010).
do Conselho Nacional de Saúde (CNS)
- Resolução
entregue
o
196/96,
Termo
Para
categorizar
a
foi
nomenclatura genérica, perguntou-
de
se
aos
informantes
qual
Consentimento Livre e Esclarecido
nomenclatura utilizada para cada
(TCLE), para ser lido e assinado,
uma das aves enumeradas na
ficando
prancha
uma
pesquisadores
via e
com
outra
os
com
o
participante. O
ilustrativa,
fotografias das espécies de provável ocorrência
questionário
contendo
na
região.
Para
a
continha
elaboração da prancha foi tomada
questões subjetivas e objetivas,
como referência o painel de aves do
abordando informações referentes
Wiki Aves (A Enciclopédia de Aves
ao perfil sócio-econômico e cultural
do Brasil).
dos moradores, e seus respectivos conhecimentos
etnoornitológicos.
Para taxonômica
foram
As entrevistas duravam entre 40 e
trabalhos
80
especializada:
minutos
e
ocorriam
nas
identificação consultados
na
literatura
Olmos
(2005),
residências dos informantes em
Barbosa et al. (2010), Almeida &
horários, geralmente no período da
Teixeira (1995), Silva et al. (2012);
tarde, entre as 14:00 e 17:00 horas,
com destaque para a lista das
ou de acordo com a disponibilidade
espécies de aves registradas para o
dos mesmos.
bioma Caatinga (Silva et al., 2003).
A identificação avifaunística
O
Livro
Vermelho
da
Fauna
foi realizada através da técnica
Brasileira Ameaçada de Extinção
checklist-entrevista, com a utilização
(Silveira & Straube, 2008) e a lista
de
de aves do estado da Paraíba do
estímulos
visuais
(foto-
identificação) e visualização direta.
Observadores
de
Aves
de
A visualização direta das espécies
Pernambuco (OAP) também foram
in situ foi realizada através do
consultados.
método turnê-guiada, percorrendo-
As informações coletadas
se as áreas de estudos, e sempre
foram analisadas qualitativamente,
que possível realizava-se registros
segundo o modelo de união das
Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
diversas competências individuais
entre
(Marques, 1991). O ordenamento
pedreiro e estudante, sendo que a
taxonômico
maior parte dos respondentes se
segue
as
agricultor,
aposentado,
determinações do Comitê Brasileiro
intitulou
de Registros Ornitológicos (CBRO,
Todos eram moradores rurais do
2011). A pesquisa foi apreciada pelo
município e a grande maioria 72,5%
Hospital
(n=29) nativa do local.
Universitário
Alcides
agricultor
88%
(n=35).
Carneiro, Universidade Federal de Campina Grande – CEP (protocolo
Etnoornitologia município de Jaçanã-RN
nº 22833113.0.0000.5182).
Foram RESULTADOS E DISCUSSÃO Perfil
da
do
citadas
92
etnoespécies de aves ocorrentes no
População
Amostrada
município de Jaçanã, pertencentes a
34
famílias,
abrangendo
A população amostrada é
organismos endêmicos, ameaçados
composta por 40 moradores de
e visitantes (Tabela I). As famílias
ambos os gêneros, 75% (n=30)
mais
pertencentes ao sexo masculino e
Emberizidae (9 ssp.), Columbidae (8
25% (n=10) ao sexo feminino. A
ssp.), Icteridae (6 ssp.), Thraupidae
idade variou entre 21 e 85 anos,
e Tyrannidae (5 ssp.).
representativas
foram:
sendo que a faixa etária mais
As aves que obtiveram maior
representativa foi de 54-69 anos
número de citações foram: “pardal”
(n=16). O grau de escolaridade dos
(Passer domesticus) presente em
entrevistados é baixo, a grande
100%
maioria
campina”
53%
(n=21)
possuía
das
citações,
(Paroaria
“galo-de-
dominicana)
formação escolar até a 4ª série do
com 97% das citações, “rolinha”
ensino fundamental, e o grau de
(Columbina talpacoti) citado por
analfabetismo
95% dos informantes, “lavandeira”
representa
uma
(Fluvicola
amostrada (32%). O tempo de
(Sporophila albogularis) e “sanhaçu-
residência na área de estudo variou
cinzento”
de menos de 10 até mais de 80
indicadas por 90% dos indivíduos
anos. As ocupações se distribuíram
entrevistados.
Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
nengeta),
“golinha”
parcela significativa da população
(Tangara
Quanto
sayaca)
à
popularidade
dessas
tendência
semelhante
encontrada
por
espécies,
Nobrega
et
A maioria das denominações
foi
foi
al.
grandes
(2012), no agreste paraibano. Dentre as espécies listadas
uninominal,
não
distinções
havendo entre
nomenclaturas
informadas
moradores
das
as pelos
diferentes
“pintasilva”
localidades rurais amostradas. Foi
(Sporagra yarrellii), requer atenção
possível observar que algumas aves
especial, por está documentado
possuem o mesmo nome para mais
como ameaçado de extinção na
de uma espécie (“sábia”, “rolinha”),
categoria
pelo
e que uma única espécie possui
Ambiente
diversas denominações genéricas,
(Silveira & Straube, 2008) e pela
como é o caso do Gnorimopsar
BirdLife (2009). Além disso, foram
chopi (“craúna”/“pássaro-preto”), e a
registradas duas espécies de aves
C. talpacoti, recebendo pelo menos
exóticas, ou seja, não pertencentes
três
neste
estudo,
vulnerável
Ministério
à
fauna
o
do
(VU)
Meio
“pardal”
brasileira:
(P.
denominações
vermelha”/“rolinha
(“rolinha caldo-de-
domesticus) e “pombo” (Columba
feijão”/“rolinha cabocla”). A esse
livia) (Sick, 2001; Leão, 2011).
respeito Farias & Alves (2007b)
Como constatado em outras
alegam que em cada região, uma
pesquisas etnoornitológicas (Santos
determinada espécie de ave pode
& Costa-Neto, 2007; Gomes et al.,
receber vários nomes locais, ou um
2010) nomenclaturas vernaculares
mesmo
são baseadas principalmente em
mais de uma espécie lineana, assim
características morfológicas (“anu-
como aves menos observadas não
preto”,
possuem em alguns casos nomes
“anu-branco”)
e
comportamentais (“pica-pau”, “Joãocomprovando
de-barro”),
que
estudos realizados em áreas e regiões
diferentes
indicativos relacionados
em
apresentam
comum a
quando
conhecimentos
ecológicos tradicionais.
Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
locais. .
nome
pode
representar
Tabela I - Etnoclassificação das espécies de aves silvestres identificadas como ocorrentes no município de Jaçanã (Rio Grande do Norte, Brasil), segundo informantes locais
FAMÍLIA
Tinamidae
Ardeidae Cathartidae Accipitridae
Falconidae Ralidae Cariamidae Charadriidae Jacanidae Columbidae
Pisittacidae
Cuculidae
Tytonidae Strigidae
Trochilidae
IDENTIFICAÇÃO DA ESPÉCIE Nothura boraquira Crypturellus parvirostris Rhynchotus rufescens Crypturellus tataupa Ardea alba Bubulcus ibis Coragyps atratus Cathartes aura Rupornis magnirostris Heterospizias meridionalis Elanus leucurus Caracara plancus Herpetotheres cachinnans Gallinula galeata Aramides cajanea Cariama cristata Vanellus chilensis Jacana jacana Columba livia Patagioenas picazuro Columbina minuta Columbina picui Columbina talpacoti Columbina squammata Leptotila verreauxi Zenaida auriculata Aratinga cactorum Amazona aestiva Forpus xanthopterygius Guira guira Crotophaga ani Coccyzus melacoryphus Tapera naevia Tyto alba Herpetotheres cachinnans Glaucidium brasilianum Athene cunicularia Hydropsalis albicollis Amazilia leucogaster Chlorostilbon lucidus Eupetomena macroura Chrysolampis mosquitus
Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
NOMENCLATURA VERNACULAR Cordoniz Lambú-espanta-boiada Perdiz Lambú-pé-roxo Garça grande Garça pequena Urubu-de-cabeça-preta Urubu-de-cabeça-vermelha Gavião ripina/gavião-pedrês Gavião caboclo Gavião peneira Carcará Cauã Galinha d’água Siricóia Seriema Tetéu Jaçanã Pombo Asa-branca Rolinha cambuta Rolinha branca Rolinha vermelha/caldo-defeijão/cabocla Rolinha cascavel Juriti Ribaçã Maracanã Papagaio Periquito Anu-branco Anu-preto Papa-largata Saci Rasga-mortalha Cauã Caboré Coruja Bacurau Beija-flor-verde Besourinho Tesourão Beija-flor-vermelho
N
(%) 13 4 6 5 12 23 32 6 34 5 16 25 2 1 1 14 27 10 9 4 4 7 38
32 10 15 12 30 57 80 15 85 12 40 62 5 2 2 35 67 25 22 10 10 17 95
9 16 17 9 9 31 28 33 17 2 22 2 14 24 21 3 19 19 1
22 40 42 22 22 77 70 82 42 5 55 5 35 60 52 7 48 48 2
Bucconidae Nystalus maculatus Picidae Veniliornis passerinus Thamnophilidae Myrmorchilus strigilatus Formicivora melanogaster Thamnophilus torquatus Taraba major Furnariidae Pseudoseisura cristata Furnarius leucopus Synallaxis frontalis Tyrannidae Tyrannus melancholicus Empidonomus varius Fluvicola nengeta Camptostoma obsoletum Phyllomyias fasciatus Rhynchocyclidae Todirostrum cinereum Corvidae Cyanocorax cyanopogon Hirundinidae Progne tapera Troglodytidae Troglodytes musculus Turdidae Turdus amaurochalinus Turdus rufiventris Mimidae Mimus saturninus Coerebidae Coereba flaveola Thraupidae Tangara sayaca Lanio pileatus Paroaria dominicana Tangara cayana Thlypopsis sordida Emberizidae Zonotrichia capensis Arremon taciturnus Sporophila bouvreuil Sporophila albogularis Sicalis flaveola Volatinia jacarina Sporophila nigricollis Sporophila leucoptera Sporophila lineola Fringilidae Euphonia violácea Sporagra yarrellii* Euphonia chlorotica Parulidae Basileuterus culicivorus Basileuterus flaveolus Cardinalidae Cyanoloxia brissonii Icteridae Molothrus bonariensis Gnorimopsar chopi Icterus jamacaii Icterus cayannesis Sturnella superciliaris Agelaioides fringillarius Passeridae Passer domesticus Sp. 1 Não Identificada *Ameaçado de extinção
Percepção sobre o status da avifauna local
Fura-barreira Pica-pau Piu-piu Papa formiga Espanta-raposa Choró Casaca-de-couro João-de-barro Tio-antônio Bem-ti-vi Peitica Lavandeira Bestinha Ceguinho Coquinho Cancão Andorinha Rouxinol Sabiá branco Sabiá-do-papo-amarelo Papa-sebo Chupa-mel Sanhaçu-cinzento Maria-fita Galo-de-campina Sanhaçu pega Canário-de-folha Tico-tico Salta-caminho Caboclinho Golinha Canário-da-terra Tiziu Papa-capim/baiano Chorão Bigode Gaturamo Pintasilva Vêm-Vêm Pula-pula Canário-de-folha Azulão Anumará Craúna/pássaro-preto Concriz Pêga Papo-de-fogo Xexéu Pardal Cacuruta
17 21 2 7 2 8 13 9 1 13 1 36 2 6 4 13 18 20 4 10 24 11 36 15 39 9 6 18 4 7 36 10 21 12 4 12 3 8 16 3 2 26 10 12 17 15 2 8 40 1
42 52 5 17 4 20 32 22 2 32 2 90 5 15 10 32 45 50 10 25 60 27 90 37 97 22 15 45 10 17 90 25 52 30 10 30 7 20 40 7 5 65 25 30 41 37 5 20 100 2
Quase que a totalidade dos indivíduos
entrevistados
(97%)
observaram que algumas aves vem Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
sofrendo decréscimos populacionais
ocorrência só no inverno,
no município de Jaçanã. “Existia
destaque para “bigode” (Sporophila
muito passarim aqui quando o mato
lineola),
era mais fechado, hoje tem mais é
ani) e “papa-campim” (Sporophila
pouco”.
informante
nigricollis). “Ah, bigode só aparece
relata que no geral a ocorrência de
no inverno, faz mais de ano que
aves vem aumentando, este fato
num vejo”.
Apenas
um
segundo ele está relacionado ao
gênero
zona
pode
“Em geral
esses
(Crotophaga
A respeito das espécies do
êxodo de muitas famílias para a urbana.
“anu-preto”
com
Sporophila, ser
tal
situação
interpretada
como
animais estão aumentando porque o
resultado
pessoal estão saindo do sítio pra
migrações, em escalas variáveis.
cidade”.
Contudo,
É também
importante que
os
ressaltar
de
processos
para
certamente
Sick
os
de
(2001)
motivos
de
informantes
migrações dessas espécies sejam
percebem que existe uma relação
tróficos e não climáticos, uma vez
entre a sazonalidade e as aves,
que, há evidencias de um maior
verificando uma ocorrência maior
número
desse
populações quando há uma maior
grupo
em
determinado
de
período. Da população amostrada
quantidade
70%
(D’Angelo-Neto
afirmam
que
no
período
espécies
dessas
de
gramíneas
&
Vasconcelos,
chuvoso a recorrência de várias
2007). Nas palavras de Sick (2001,
espécies de aves é maior. “Na
p.761)
chuva os animais saem mais para
indivíduos de certas populações e
comer, tem mais fruto.” (Tabela II).
realizar observações sistemáticas
Dados
ser
durante o ano todo.” O referido
comparados a dados encontrados
autor ainda cita que S. lineola, por
na literatura ornitológica científica
ex., aparece para nidificar em uma
(Santos, 2004). Ademais, algumas
determinada região e depois some,
espécies
tomando rumo desconhecido.
como
este
foram
podem
indicadas
com
“seria
necessário
anilhar
Tabela II - Período de maior ocorrência de aves no município de Jaçanã (Rio Grande do Norte, Brasil), segundo informantes locais.
Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
PÉRÍODO Inverno ou épocas de chuvas
N 28
(%) 70
Varia entre espécies
4
10
Meio do ano
2
5
Qualquer época
2
5
Período que tem fruta
2
5
Não sabe/Não respondeu
2
5
TOTAL
40
100
Aves Etnoindicadoras Um dos aspectos avaliados
prenunciar
eventos
relacionados
à
com o tempo e clima. Tal meme é
percepção que a população do
consistente em diversas regiões do
município de Jaçanã tem sobre as
Brasil,
aves
estudada. Foram relacionadas 9
neste
trabalho
diz
respeito
anunciadoras
de
acontecimentos.
inclusive
na
localidade
espécies a esta categoria. (Tabela
Em populações camponesas
III).
Ornitoáugures
funestos
e
brasileiras a vocalização das aves
Ornitoáugures funéreos prenunciam
adquire
(morte/tragédias),
conotação
cultural,
são
aves
permitindo a leitura de diversos
reconhecidas
eventos ecossistêmicos e sociais
como
(Marques, 1998). Baseando-se na
quando algo de ruim vai acontecer.
observação da vocalização e do
Foram
citados
comportamento
nesta
categoria
das
aves,
as
pelos
moradores
“agourentos”,
indicando
os
exemplos Strigiformes
populações atribuem correlações a
(Tytonidae
fenômenos
meteorológicos
e
tendência registrada por Lara et al.
ocorrências
naturais
ou
sobrenaturais.
(2009).
Em
crendices
Seguindo
as
categorias
corujas
e
como
Strigidae),
um
estudo
populares
Esclarsk
sobre
envolvendo
et
al.
(2006),
propostas por Marques (1998) para
constataram
aves
direcionadas a esse grupo animal
anunciadoras
de
acontecimentos,
Ornitoáugures
afetam
meteóricos
aves
conservação.
são
cujas
vocalizações atribui-se o poder de Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
societários
que
mesma
superstições
diretamente
sua
Ornitoáugures são
aves
cuja
vocalização
prenuncia
(visitas/encontros),
e
os
Ornitoáugures fantásticos prenuncia contatos com o sobrenatural.
Tabela III: Identificação da avifauna etnoindicadora de acontecimentos no município de Jaçanã (Rio Grande do Norte, Brasil), segundo informantes locais. AVE
SINAL CHAVE
SIMBOLOGIA
Sabiá
Vocalização
Indica chuva
Anu-preto
Vocalização
Indica chuva
Furabarreira
Presença
Indica chuva
Bacurau
Vocalização
Indica chuva
Coruja
Vôo
Lavandeira
Batida de asa e vocalização Vôo
Prenuncia acontecimentos ruins Indica chuva
Rasgamortalha
Prenuncia acontecimentos ruins
Tetéu
Vocalização
Andorinha
Vôo
Prenuncia acontecimentos ruins Indica chuva
Seriema
Vocalização
Indica chuva
Rouxinol
Vocalização
Urubu
Presença
Cauã
Presença
Prenuncia acontecimentos ruins Prenuncia acontecimentos ruins Prenuncia acontecimentos ruins
Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
NARRATIVA “O sábia é o bicho que mais adivinha chuva, quando ela ta naquela cantarola se não chove por aqui, ai chove por perto...Quando a gente vê ela cantar agente fica com aquela fé.” “O anu-preto quando canta muito, pode espera que vai chovê.” “Fura-barreira se você encontrar ele cochilando, em no máximo dois dias tem chuva.” “Fura-barreira quando canta chove, mas isso era pros tempos antigos. Porque hoje não chove é nada.” “Bacurau quando ele pega cantá de noite e de madrugada ou a boca da noite vai chovê.” “A coruja quando avoa pra cima de casa, diz que morre gente.” “A lavandeira quando ela fica batendo asa e cantando direto é porque vem chuva.” “Rasga-mortalha se ela cantar, pronto, é azar. Minha vó contava que um dia uma rasga-mortalha chegou bem cedo ai quando foi uma base de umas 11 hora o vizinho dela morreu.” “Tetéu quando passa cantando de noite é porque vai morrer alguém.” “Andorinha quando elas passa muito alto é seca, mas as vezes ela volta com dois, três dia elas volta com chuva. Desde eu criança eu via meu pai dizer.” “Seriema quando começa cantar bem cedo ta se preparando pra chuva.” “Na casa que o roxinó canta só se encontra tristeza e doença e gente que não tem nada.” “Se eu for sair e vi urubu ai já não prestou a viajem.” “Cauã também é bicho de azar, é ruim para negoço, ruim pra caça. A pessoa encontrando um desse, a
Galo-decampina Siricóia
Vocalização
Indica chuva
Vocalização
Indica chuva
Vêm-vêm
Vocalização
Prenuncia acontecimentos bons ou ruins
Como observado por Araujo
coruja, a cauã o dia é ruim.” “Galo-de-campina quando começa fimar o inverno ele começa a cantar.” “Siricóia quando ela canta é porque vai chovê.” “Se for coisa boa, venha... Se for ruim dane-se... Ai a gente fala três vez.”
destacaram
as
atividades
et al. (2005) os sinais-chave mais
cinegéticas como principal agente
evidentes
que
os
perturbador
observam
nas
aves
prenúncio
de
moradores
chuva
da
avifauna
no
para
o
município (com 50% do total das
são
as
citações). “Foi à caça, elas não tem chance de procriar com o povo
vocalizações. um
caçando, ai a tendência é acabar...
estudo realizado no município de
antes de reproduzir eles já vão
Cáceres (Minas Gerais), observou
matando”.
que
etnoindicadores
referente à seca e a falta de
citados neste estudo, existem outros
alimento. “É a falta de água... Eu
sinais
acredito que é devido à alimentação
Silveira
além
(2010),
dos
avifaunísticos
mudanças
temporais
em
relativos
a
percebidos
deles
Seguido
de
que não tem
citações
mais”.
“O
como:
principal problema, a seca, falta de
nidificação, localização ninhos e
chuva. Os animais vão para outros
coloração da penugem das aves.
lugares que tenha alimento”.
pelas
populações,
tais
Segundo Fatores
de
ameaça
da
avifauna
o
indivíduos
desmatamento
também modificou parcialmente a
Com relação aos possíveis fatores
entrevistados,
os
que
desencadearam
a
característica faunística da região. “O que tá espantando mais as aves
diminuição da ocorrência de aves
é
no município de Jaçanã, foram
antigamente isso aqui era tudo
levantadas através das narrativas
coberto
dos informantes locais 10 categorias
descampando e acabou nisso ai”.
(Tabela
IV).
Os
moradores
Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
o
descampamento,
de
mato,
ai
porque
foram
Tabela IV - Possíveis fatores que desencadearam a diminuição da avifauna do município de Jaçanã (Rio Grande do Norte, Brasil), segundo narrativas locais. CAUSAS
N
(%)
Caça Seca
20 16
50 40
Falta de alimento Desmatamento Comércio ilegal Criação em cativeiro Deslocamento para outros lugares que oferecem melhores condições
16 12 7 6 4
40 30 17 15 10
2 1 1
5 2 2
Não sabe/Não respondeu Com o passar dos anos esses animais desaparecem Queimadas
Diante
do
exposto,
e
considerando as diferentes formas de
interação
relações com o imaginário, crenças, e simbologias.
(humanos/aves),
Os
resultados
aqui
percebe-se que algumas atividades
apresentados, sugerem conclusões
têm afetado de forma bastante
preliminares de que a distribuição e
expressiva a riqueza avifaunística
ocorrência de algumas populações
da região, sobretudo por ser um
de aves na localidade estudada está
grupo de expressivo valor utilitário e
intimamente relacionada a fatores
por
antrópicos (caça/ desmatamento) e
possuir
uma
elevada
diversidade de espécies. Essa relevância
ambientais
pesquisa para
o
é
de
(mudanças
climático-
vegetacionais).
cenário
As
narrativas
locais
etnoornitológico potiguar, por estar
evidenciam que há um movimento
entre os trabalhos pioneiros para a
sazonal de algumas espécies de
literatura do estado. Foi constatado
aves
que os conhecimentos detidos pela
característico
população com relação às aves vai
gênero Sporophila, por exemplo,
além
que na época da seca fazem
da
identificação
características comportamentais.
de
morfológicas
suas e
Alcançando
Revista Nordestina de Zoologia, Recife v 8(1): p. 89-110. 2014.
na
região,
deslocamentos
de
comportamento espécies
temporários
do
e/ou
mecanismo de migração para áreas
de maior umidade ou que oferecem abundancia de recursos (Silva et al.,
ALMEIDA, S.M.; FRANCHIN, A.G.;
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MARÇAL-JUNIOR, O. 2006. Estudo Espera-se que os dados aqui
obtidos
sejam
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