Aspectos hidrogeomorfológicos do sistema fluvial do baixo rio Uraricoera e alto rio Branco como subsídio à gestão de terras

July 3, 2017 | Autor: Thiago Carvalho | Categoria: Amazonia, Geografia, Geomorfologia, Paisagem, Roraima, Ecologia da paisagem
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Thiago Morato de Carvalho

Aspectos hidrogeomorfológicos do sistema fluvial do baixo rio Uraricoera e alto rio Branco como subsídio à gestão de terras

Resumo Este artigo apresenta uma descrição dos aspectos morfológicos, hidrológicos e sua respectiva dinâmica da região do sistema fluvial do baixo rio Uraricoera e alto rio Branco. Trata-se de um ambiente pouco descrito e que deve ser analisado do ponto de vista morfogenético, proporcionando condições para o entendimento de seu comportamento e medidas de gerenciamento de uso, atrelado à gestão territorial/ambiental. São áreas protegidas por lei e pertencentes à União, com certo risco à invasão por grilagem e demais usos, por estarem situadas nas proximidades de centros urbanos, como Boa Vista e Caracaraí. Foram utilizadas técnicas de sensoriamento remoto e geoprocessamento com base em imagens orbitais (Landsat e RapidEye) e fotografias aéreas (1943, 1965) disponíveis e analisadas no Lab. de Métricas da Paisagem (Mepa) do Dep. de Geografia/UFRR. Este sistema fluvial possui ilhas dinâmicas, com tendência a anexação lateral à planície de inundação, e áreas relativamente estáveis, como no baixo Uraricoera. Não ocorre perturbação antrópica nas áreas insulares, com baixa densidade de habitantes, os quais não se caracterizam como ribeirinhos, mas como usuários, e em certos casos uso de moradia, porém, não possuem identidade familiar e cultural com o local. Este estudo é parte integrante de pesquisas em desenvolvimento, com o intuito de caracterizar a dinâmica hidrogeomorfológica e dos habitats de Roraima, com alguns resultados parciais apresentados neste artigo relativos ao sistema fluvial do rio Branco. Palavras-chave: Geomorfologia fluvial, áreas úmidas, gestão, rio Branco, Roraima.

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Geografias ARTIGOS CIENTÍFICOS

Professor coordenador do Lab. de Métricas da Paisagem (Mepa) do Dep. de Geografia da Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, Roraima. [email protected]

Roseane Pereira Morais

Mestranda em Geografia, Dep. de Geografia da Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, Roraima. [email protected]

Abstract This paper presents a description of the morphological aspects, hydrological and their respective dynamics of the fluvial system of lower Uraricoera river and upper Branco river. It’s a pour described environment and must be analyzed from the morphogenetic perspective, providing conditions for the understanding of their behavior and your management for land use, linked to territorial and environmental management. Are areas protected by law and owned by Union, with some risk to invasion by grabbing and other uses, being located near urban centers like Boa Vista and Caracaraí. Remote sensing and geoprocessing were used based on orbital images (Landsat and RapidEye) and aerial photographs (1943, 1965) available and analyzed in the Lab. of Landscape Metrics (Mepa) from Dep. of Geography/UFRR. This river system has dynamic islands, with tendency of attachment in the floodplain, and with relatively stable areas in the lower Uraricoera river. Anthropogenic disturbance does not occur in island areas, they have a low population density, which they are not characterized like ribeirinhos, but as users, and in some cases use for living, however, have no family and cultural identity to the site. This study is part of research in development which aims to characterize the hydrogeomorphological dynamics and habitats of Roraima, with some partial results presented in this text for the fluvial system of Branco river. Keywords: Fluvial Geomorphology, wetlands, management, Branco river, Roraima.

Belo Horizonte, 01 de Julho - 31 de Dezembro de 2014. Vol.10, no 2, 2014.

Introdução Este artigo tem o intuito de caracterizar alguns aspectos ambientais do baixo rio Uraricoera até a cidade de Caracaraí, banhada pelo rio Branco, possibilitando condições de estabelecer critérios de avaliação para o planejamento e gerenciamento do uso de ambientes de áreas úmidas, as quais são protegidas por lei e pertencentes à União, com base no tratado de Ramsar (Irã), de 1979, do qual o Brasil é signatário. Neste estudo, as áreas úmidas são as áreas insulares, as quais são dinâmicas, e vulneráveis à ação humana. São ambientes os quais necessitam de uma atenção do poder público, com o intuito de caracterizar e gerenciar as ações da população, a qual faz uso destes ambientes para diversos fins, como moradia fixa/temporária, recreação, sustento, entre outras. Nestes ambientes, por proporcionarem um multiuso de seus recursos relacionados, por exemplo, à fauna e à flora, e de caráter edáfico, hídrico e climático, vivem pessoas a quem é costumeiro cunhá-las de ribeirinhos. Porém, muitas vezes este termo não é apropriado, pois, em geral, o uso desses ambientes se dá pela grilagem (maior parte dos casos), recreação, turismo e demais proveitos. É importante observar que, para classificar como população ribeirinha os ocupantes de determinadas localidades, como as do trecho estudado, deve-se levar em consideração que estes habitantes devam ser constituídos de famílias tradicionais, as quais façam uso do local através de gerações, mantendo costumes e uma identidade cultural, com a relação do sustento comunitário e familiar através do rio. Os dados aqui apresentados são parte de projetos em andamento, dentre eles “Caracterização dos aspectos hidrogeomorfológicos e habitats do Estado de Roraima”, coordenado pelo Laboratório de Métricas da Paisagem (Mepa) do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Roraima. Roraima é um Estado peculiar, do ponto de vista geomorfológico e dos aspectos da dinâmica física/ecológica de suas áreas úmidas, pertencente à Amazônia setentrional. Trata-se de uma região pouco descrita, principalmente referente à interação entre geomorfologia, ambiente fluvial e seus habitats, os quais devem ser analisados no âmbito da hidrogeomorfologia e biogeomorfologia (CARVALHO; CARVALHO, 2015). Estudos sobre dinâmica fluvial, classificação de canais e rede de drenagem vêm sendo desenvolvidos desde a metade do século passado. Dentre estes estudos, destacam-se alguns, como as obras de Leopold et al. (1964), Schumm (1977) e Knighton (1998), que estabeleceram uma base hierarquizada para os canais de drenagem e modelos teoréticos. Contudo, os estudos sobre os sistemas fluviais tropicais são bastante recentes, com poucos estudos que antecedem a década de 1990 (PHILLIP; GUPTA; BHATTACHARYA, 1989; PICKUP; WARNER, 1984). Mesmo assim, tais estudos promoveram um grande avanço da Geomorfologia Fluvial. Latrubesse, Stevaux e Sinha (2005) destacam que os trabalhos têm apresentado temas voltados a processos morfogenéticos, processos sedimentológicos e hidrossedimentológicos, à hidrologia de inundação, e à relação entre o tectonismo e os processos fluviais. Sendo também importantes estudos relacionados aos processos ecológicos e morfométricos, com aplicações, por exemplo, de técnicas de sensoriamento remoto (JUNK, 1997; WITTMANN et al., 2004; CARVALHO; LATRUBESSE, 2004; CARVALHO; ZUCCHI, 2009; CARVALHO, 2009b; CARVALHO; CARVALHO, 2012b). O transporte de sedimentos e materiais solúveis, que corresponde ao transporte

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fluvial de massa (matéria) numa bacia de drenagem, é o fator dominante no balanço hidrossedimentológico – equilíbrio dinâmico entre o que entra e sai no sistema. O material transportado pelo sistema de drenagem pode ser classificado em carga sedimentar de fundo (areias em forma de dunas – deslocadas ao longo dos canais), por suspensão (carga sedimentar suspensa no fluxo da água), e por dissolução (nutrientes dissolvidos na água) (CARVALHO, 2009a). Alterações naturais, como clima e reajuste morfológico constante do canal, além das ações antrópicas, alteram o perfil dinâmico de estado “equilibrado“ do sistema. Isso promove modificações no fluxo energético de saída, assim como novos aportes de matéria (sedimentos). Estas modificações exigem que o sistema promova adaptações, modificações em busca da retomada do perfil de equilíbrio dinâmico. São processos como mudança de canal (avulsão), gerando paleocanais, lagos e terraços; pode ocorrer a colmatagem (sedimentação de rios e lagos – assoreamento), processos erosivos, entre outros, a depender da escala espacial e temporal. Os processos dinâmicos são dependentes das características físicas das bacias, como morfologia (fisiografia – características da forma do relevo), formato da bacia (índice de forma – alongada, irregular, circular), dimensão (área), padrões de drenagem, cobertura do solo (meio natural) e o tipo de uso (variável antrópica) (CARVALHO, 2009a). Um sistema fluvial pode ser considerado como um sistema modelador da superfície terrestre, o qual, através de uma interligação complexa da rede de drenagem, tem a capacidade de dissecar o relevo e assim gerar novas superfícies de aplainamento, erodindo e transportando sedimentos. É um sistema aberto que funciona controlado por diversos fatores, com relações interdependentes complexas e com diferentes escalas temporais e espaciais de atuação. Esses sistemas são modelados pela variação da descarga (volume de água), tipos de sedimentos transportados, morfologia do canal (variáveis relativas à sua geometria), morfologia do terreno (gradiente) e ao tipo de cobertura do solo. Estes fatores são responsáveis por dar características peculiares aos processos fluviais (erosão/deposição e transporte). Por exemplo, a importância de uma análise regional, através do uso e cobertura da terra, é imprescindível para a caracterização e compreensão da dinâmica de uma bacia hidrográfica, sendo uma ferramenta relevante para compreendermos o grau de inter-relação dos elementos constituintes da paisagem, suas funções e distribuição numa bacia hidrográfica, como descrito por Morais e Carvalho (2013), correlacionando uso e cobertura da terra aos aspectos dinâmicos geomorfológicos e paisagem. Schumm (1977) criou um conceito teórico, através de compartimentos, os quais dividem uma bacia hidrográfica em setores. Estes setores são caracterizados pela predominância e intensidade na atuação dos processos aluviais: erosão, transporte e deposição de materiais. Esta visão simplificada nos ajuda a compreender a dinâmica de processos mais significativos, dominantes, em três zonas ou setores, como: zona 1 (erosão/produção de sedimentos – alto curso do rio/nascentes); zona 2 (transporte – trecho médio do canal) e zona 3 (deposição – trecho baixo do canal). As características e tendências das variáveis de ajuste do sistema, em cada um desses setores, refletem a ação conjugada e interligada dos processos operantes em cada uma dessas zonas. Por este motivo, analisar um sistema fluvial pelo viés geomorfológico nos possibilita condições para compreendermos sua dinâmica hidrossedimentar, e através destas

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condições de inferência sobre sua evolução, aspectos morfogenéticos do sistema fluvial. Este é um ponto que deve ser visto com atenção no sistema fluvial do rio Branco, pois, por motivos históricos(étnicos)/cartográficos, denomina-se de rio Branco o canal que segue após a confluência do rio Uraricoera com o rio Tacutu, deixando confuso o termo de alto rio Branco do ponto de vista geomorfológico, o que será discutido mais adiante. O entendimento dos processos hidrodinâmicos, sejam estes por fatores internos à bacia, ou por externos, nos dá suporte para compreender a dinâmica entre os elementos funcionais deste sistema, como é constituído e como está estruturado, o que é importante para analisarmos seu comportamento referente às variáveis internas (gradiente, fisiografia, padrões de drenagem, carga sedimentar e demais morfologias associadas). Neste aspecto, a hidrogeomorfologia tem auxiliado na caracterização dos ambientes de áreas úmidas, em especial na relação entre o sistema físico/biótico, a visão da ecologia e sua integração com a geomorfologia (CARVALHO; CARVALHO, 2012a, 2012b; CARVALHO; CARVALHO, 2015). Caracterização Regional O Estado de Roraima, localizado no centro-norte da Amazônia, possui uma área com cerca de 224.300 km², representando 3% do domínio do ecossistema amazônico (Figura 1). Com relação à hidrografia, os rios de Roraima são na maioria autóctones, com exceção dos aproximados 12 mil km² que abrangem os rios que nascem no oeste da Guiana, região com um complexo sistema lacustre nas áreas abertas, denominada de rupununi na Guiana e de lavrado no nordeste de Roraima, além das campinaranas no sul do Estado (CARVALHO; CARVALHO, 2012a; CARVALHO; CARVALHO, 2015). É uma região ainda insuficientemente descrita, em termos de processos hidrogeomofológicos e biológicos, sendo necessário um melhor entendimento de como as florestas e as áreas abertas alagadas nesta região, juntamente com processos geomorfológicos, funcionam. Neste aspecto, pesquisas voltadas para a questão do meio físico-biótico são chaves para a compressão desses ambientes. O principal rio que drena a região é o rio Branco, afluente da margem esquerda do rio Negro, o qual possui uma bacia de drenagem abrangendo uma área de 187.540 km2, com perímetro de 3.253 km, drenando 83% de Roraima, dos quais 12.310 km² são pertencentes às nascentes na região oeste da Guiana (Figura 1). Considera-se o rio Branco a partir da confluência dos rios Uraricoera e Tacutu, cerca de 30 km a montante da cidade de Boa Vista, formando uma planície fluvial de 3.419 km2. No entanto, do ponto de vista geomorfológico, o rio Branco é a extensão do rio Uraricoera, tendo como afluente, na margem esquerda, o rio Tacutu. Critérios geomorfológicos, como largura da planície de inundação, largura do canal e fluxo (vazão), tornam o rio Uraricoera mais expressivo que o Tacutu; estes dois sistemas formam a alta bacia hidrográfica do rio Branco, com uma área de 92.622 km². São problemas geomorfológicos que precisam ser analisados e reinterpretados, como, por exemplo, a compartimentação do rio Branco em alto, médio e baixo, brevemente discutido em Carvalho (2014).

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Figura 1 - Localização regional do trecho do baixo rio Uraricoera (A) e alto rio Branco (B), entre as cidade de Boa Vista (1) e Caracaraí (2). A estação chuvosa na região da alta bacia hidrográfica do rio Branco inicia-se entre abril e maio e estende-se até agosto-setembro, com uma média pluviométrica na região em estudo de 1.650 mm/ano, sendo a média no início da estação chuvosa de 210 mm/ano (abril-maio); em junho-julho, no período de máxima precipitação, com médias de 330 mm/ano e, em agosto-setembro, retornando ao período de estiagem, com médias de 140 mm/ano (dados analisados a partir dos registros da Agência Nacional de Águas e Base Aérea de Boa Vista para o período de 1910 a 2010). Materiais e Métodos O mapeamento das ilhas em campo foi realizado com base no plano de trabalho definido no projeto “Águas de Macunaíma: regularização fundiária de comunidades tradicionais ribeirinhas das ilhas fluviais federais do rio Uraricoera e rio Branco”, trecho entre o baixo Uraricoera e a cidade de Caracaraí, realizado em 2013. O trecho foi dividido em três segmentos. Primeiro segmento (140 km): baixo Uraricoera até a confluência dos rios Uraricoera e Branco; segundo segmento (80 km): confluência dos rios Uraricoera e Branco até a foz do rio Mucajaí; terceiro segmento (90 km): foz do rio Mucajaí até a cidade de Caracaraí. Foram utilizadas imagens de 1975 (Landsat 1), de 2012 (Landsat 5), imagens da RapidEye (2014) e fotografias aéreas de 1943 e 1965, obtidas em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônica e o Laboratório de Métricas da Paisagem (Mepa/UFRR). Estas foram utilizadas para caracterização e mapeamento das ilhas, lagos da planície fluvial do rio Branco, e demais morfologias, análises em andamento pelas atividades do Mepa. As análises foram feitas nos programas SAGA 2.0, Envi 4.7 e Quantum Gis 2.4, úteis na vetorização, extração da rede de drenagem e 122

análises morfométricas, processadas no Lab. de Métricas da Paisagem (Mepa/UFRR). Dados relativos às espécies identificadas da flora do rio Branco são de levantamento de campo no alto e baixo rio Branco, onde foram amostrados 6 ha (3 ha no alto rio Branco e 3 ha no baixo rio Branco). Foram considerados para amostragem indivíduos com diâmetro à altura do peito > 10 cm – identificados em parceria com equipe do MaxPlanck do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Os dados hidrológicos foram analisados com base em dados de campo e estações hidrométricas da Agência Nacional de Águas (ANA). Resultados e Discussão Aspectos Gerais do rio Branco Considerando o rio Branco desde a confluência dos rios Uraricoera e Tacutu, seu comprimento médio é de 565 km até a foz com o rio Negro, com diferentes comprimentos do canal: 572 km pela margem esquerda, 562 km pelo centro, 563 km pela margem direita. Os principais afluentes do Uraricoera são os rios Paricaranã, Amajari e Parimé; os do Tacutu são o Surumu e o Cotingo. Os principais afluentes do rio Branco na margem esquerda são o Quitauaú e o Anauá, cujo trecho apresenta uma planície fluvial pouco desenvolvida, com largura média de 4 km, e canal retilíneo, com índice de sinuosidade de 1.11, considerando que rios com padrões retilíneos possuem índice < 1.5. O trecho possui significativo potencial energético, por exemplo, na região do Bem Querer, com afloramentos rochosos onde há uma quebra do gradiente longitudinal, marcando a transição do alto para o médio rio Branco, nas proximidades da cidade de Caracaraí. No baixo Branco, o rio Itapará é o afluente mais expressivo, região cuja planície fluvial é mais desenvolvida, com sistemas lacustres associados a paleocanais. Os afluentes da margem direita são Cauamé, Mucajaí (alto Branco), Catrimani e Água Boa do Univiní (transição do médio para o baixo Branco). De forma generalizada e sem um critério geomorfológico, o rio Xeruini é considerado afluente da margem direita do baixo rio Branco. No entanto, o rio Xeruini não é um afluente do rio Branco, mas é assim considerado devido a uma conexão com o Branco, o que leva ao erro de se considerar que esta conexão seria sua foz. Na verdade, o Xeruini possui sua foz no rio Negro, localizada a 60 km desde a conexão que possui com o Branco, a qual se dá através de um paleocanal, capturado pela atividade meandriforme do rio Xeruini em contato com a planície fluvial do rio Branco. Por este motivo, esse trecho apresenta um confuso sistema de planície fluvial, com o Xeruini fluindo lateralmente por cerca de 80 km ao longo da planície do Branco, até sua foz no rio Negro (Figura 2).

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Figura 2 - Região do baixo rio Branco. 1 – Paleocanal de contato entre os rios Xeruini e Branco, tonalidade de cinza claro indica concentração de sedimentos em suspensão, mais elevada no rio Branco, sendo a contribuição do fluxo do rio Branco no Xeruini; 2 – rio Xeruini; 3 – Foz do rio Xeruini; 4 – Foz do rio Branco, com o rio Negro. Outro ambiente importante, relacionado à dinâmica hidrossedimentológica do rio Branco, moldando sua planície fluvial, são os sistemas lacustres. Foram identificados 842 lagos ao longo da planície fluvial do rio Branco, os quais foram classificados em: lagos menores; lagos de acreção lateral; espiras de meandro; meandro abandonado; escoamento impedido; canal abandonado; e lagos em ilhas (lagos insulares), devido à acreção lateral de barras arenosas ao longo do canal, remodelando as ilhas. Lagos menores: são de pequena extensão, circulares, com índice de forma em média de 1.3 (circulares), representando 41% do total, mais significativos no baixo e alto rio Branco; Lagos de canal abandonado: são canais colmatados pelo desvio do fluxo principal, porém sem uma definição de sua forma, representando 21% do total, com maior representatividade no baixo rio Branco; Lagos de acreção lateral: classe que representa processos de anexação de ilhas estabilizadas às margens, com progressiva colmatagem de pequenos canais secundários, representando 10% do total, com maior representatividade no alto Branco, e um balanço entre o médio e baixo. Com menores representatividades estão: Lagos de meandro abandonado: indicam canais abandonados, os quais estão associados ao abandono de meandros (em forma de ferradura), representando 2% do total, com maior representatividade no baixo e médio Branco, evidenciando uma padrão típico retilíneo no alto Branco, e um desenvolvimento

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progressivo da planície entre o médio e baixo rio; Lagos espiras de meandros: indicam uma migração em padrão meandriforme do canal, com sucessivos lagos compostos em forma de ferradura, representando 2% do total, com maior representatividade no baixo rio Branco e fraca no alto. Os lagos insulares são importantes para identificar o processo de estabilização de ilhas aluvionares, representativas do rio Branco em todo seu trecho, com exceção da falha do Bem Querer (ilhas rochosas – granitos e gnaisses). Os lagos insulares identificados foram: Lagos insulares de acreção lateral: representam 16% do total entre os sistemas lacustres, indicando processo de estabilização rápido, com formatos alongados e grande representatividade no baixo, médio e alto rio Branco; Lagos insulares de bancos acrescidos: representam 3% do total, mais significativos no baixo rio Branco, formados por sucessivos aportes de barras arenosas, ao longo da ilha, favorecendo o aumento areal no sentido longitudinal. De forma abrangente, dois grandes sistemas inter-relacionados são identificados nesta região: áreas úmidas drenadas por sistemas fluviais e lacustres florestadas (porte arbóreo denso – vegetação ribeirinha ou aluvial – planície fluvial) e áreas úmidas abertas, com vegetação esparsa, predominantemente arbustivo-herbácea com palmáceas (predomínio da Mauritia flexuosa – veredas), drenadas por igarapés e lagos perenes/sazonais (lavrado – planície de aplainamento sedimentar) – aspectos mais detalhados estão em Carvalho e Carvalho (2012a) e Carvalho e Carvalho (2015). Podemos caracterizar o ambiente disposto no trecho do alto rio Branco como floresta de várzea, porém, fazendo uma ressalva, já que neste trecho ocorre intercâmbio entre tipologias vegetais de igapó e várzea. Em trechos do alto e baixo rio Branco, a vegetação de igapó possui alta similaridade com as do rio Negro, não sendo satisfatório classificá-lo puramente como rio de água branca. Rios de água branca possuem maiores taxas de nutrientes que o igapó, os quais são provenientes dos sedimentos transportados em suspensão, principalmente os de origem pré-andina, na Amazônia ocidental. Estes nutrientes, quando depositados ao longo das margens, pelos pulsos de inundação, formam um solo aluvionar mais rico em nutrientes que o igapó, os quais são reciclados anualmente durante as cheias, pelo ciclo monomodal. No entanto, no sistema do alto rio Branco ocorre uma mescla de água clara e branca, sendo um sistema de águas mistas (igapó-várzea), empobrecido de nutrientes em relação aos rios de água branca tradicionais, por se tratar de uma região proveniente do escudo das Guianas, de relevo cristalino, com predominância de rios de água clara. Com base em amostragens fitossociológicas em alguns trechos do alto e baixo rio Branco, percebeu-se que a vegetação aluvial da planície do rio Branco possui espécies de várzea, com uma mescla de espécies de igapó provenientes dos rios de água clara, os quais fluem do sistema Escudo das Guianas (cristalino) e formam a grande maioria dos afluentes do alto rio Branco, e sistemas de água preta, que drenam das campinaranas do baixo rio Branco; neste trecho destacam-se: Pentaclethra macroloba; Virola surinamensis; Euterpe precatoria; Astrocaryum murumuru. As espécies mais representativas do alto rio Branco são: Spondias monbin; Cochlospermum orinocense; Gustavia augusta; Brosimum guianensis; Triplaris surinamensis, amostradas em 3 ha entre Boa Vista e a Serra Grande. A distribuição da vegetação aluvial está associada às características diferenciadas em relação ao desenvolvimento da planície fluvial, com aspectos morfológicos variados, por exemplo, um maior desenvolvimento de sistemas

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lacustres e ilhas no baixo rio Branco, proporcionando ambientes diferenciados à adaptação de espécies que compõem a diversidade florística do rio Branco. Trecho entre o baixo Uraricoera e a cidade de Caracaraí No trecho entre a confluência dos rios Uraricoera e Tacutu e a cidade de Caracaraí (Figura 3), ocorrem compartimentos dominados por feições agradacionais, constituído por sistemas lacustres nas áreas abertas, domínio denominado regionalmente de lavrado (ambiente campestre arbustivo), intercalados por pequenas elevações suaves conhecidas pelo termo regional de “tesos”, as quais atuam em cotas inferiores a 200 metros (~50 a 200 metros). É uma região estável, com dissecação fraca, caracterizada por uma superfície aplainada pela rede de drenagem dos rios Uraricoera, Tacutu e Branco.

Figura 3 - Região hidrográfica do baixo rio Uraricoera até a cidade de Caracaraí. Com relação à hidrologia, na região de Boa Vista, a permanência da cota do rio encontra-se, durante metade do ano (curva de permanência hidrológica de 50% de 12 meses), na média de 280 cm. No período chuvoso, 10% da permanência do fluxo são representados por cotas médias variando entre 550 a 792 cm, com uma média entre as máximas de 387 cm, para o período total de cheia (abril a setembro). Durante a estiagem, a cota média das mínimas é de 136 cm, sendo que 90% do nível do rio para o período situam-se acima de 50 cm (dados para o período de 1976 a 2013). Na cidade de Caracaraí, trecho final do alto rio Branco, as cotas oscilam entre a média mínima de 217 cm, no período de estiagem, e 415 cm na cheia. Para o período de 12 meses,

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a média é de 309 cm, com vazões médias de 3.000 m³/s. No período de estiagem, a vazão média está em torno de 1.996 m³/s e máximas de 4.295 m³/s. O início da cheia ocorre em abril e a vazante em setembro/outubro, com mínimas em fevereiro/março. As médias das vazões máximas na região de Caracaraí estão em torno de 4.300 m³/s; as médias mínimas em torno de 2.000 m³/s, sendo que podem oscilar durante o ano, com picos de ~10.800 m³/s (< 5% da curva de permanência / Q5) a 600 m³/s (90% da curva de permanência / Q90). As cheias máximas históricas, para vazões acima de 10.000 m³/s, tendem a ter um fluxo em torno de 11.200 m³/s (linha de tendência). Sendo as duas máximas históricas ocorridas em 1976 e 2011, com vazões respectivas de 14.611 m³/s e 17.000 m³/s, dados hidrológicos analisados para o período de 1976 a 2013. Com base nos registros históricos analisados, as vazões com 95% de probabilidade de recorrência anual estão em torno de 6.000 m³/s; as de retorno em 10 anos estão em torno de 13.400 m³/s (10% de probabilidade); e máximas entre 15.500 a 17.000 m³/s possuem uma recorrência entre 25 e 50 anos, respectivamente, com probabilidades respectivas de 4% e 2%. Sobre a carga sedimentar, em média o rio Branco transporta aproximadamente 45 mg/l de sedimentos em suspensão, com mínimos na estiagem com cerca de 10 a 20 mg/l e picos na cheia de 70 a 80 mg/l, caracterizando este rio não somente como de água branca típico, mas um padrão misto de água clara e branca (dados comparativos de campo e estações hidrométricas da ANA). Com relação ao pulso de inundação, este ocorre uma vez ao ano (sistema monomodal), quando as águas acima de 5 metros permanecem cerca de 82 dias, sendo a referência a régua de Caracaraí. Estes aspectos sobre a dinâmica do transporte da carga sedimentar do rio Branco têm mostrado sua relevância nos processos morfológicos. Em determinadas épocas do ano, o trecho do alto rio Branco pode transportar em média em torno de 11.664 tons/dia de sedimentos em suspensão, considerando uma vazão média de 3.000m³/s e concentração média de 45mg/l (sedimentos). A caracterização do balanço sedimentar de um rio é uma relação entre a taxa de erosão e sedimentação, de fundamental importância para se entender a dinâmica do seu canal, migrações de barras arenosas e formações de ilhas. Esta dinâmica proporciona uma variedade de morfologias típicas, como paleocanais, áreas de escoamento impedido, acreção de barras arenosas, entre outras. No caso dos rios que drenam as áreas agradacionais do Estado de Roraima, principalmente a região do lavrado e sul de Roraima, são considerados como canais do tipo aluvial. Estes canais são os mais comuns nos grandes rios tropicais, e apresentam uma dinâmica de processos geomorfológicos mais intensos, podendo ser analisados processos migratórios do canal (avulsão), formação contínua de barras e ilhas, processos de erosão e sedimentação, transporte de carga sedimentar, entre outros, modificando sua morfologia e muitas vezes nos levando a erros de interpretação, como no caso do rio Xeruini. Segundo Bayer e Carvalho (2008) e Carvalho (2009a), rios aluviais possuem uma grande dinâmica, devido à fácil erodibilidade de bancos e de seu leito, tornando este ambiente uma das paisagens em que mais ocorrem mudanças, logo facilmente afetada por atividades humanas. Com relação aos ambientes de barras e ilhas, estas são morfologias dinâmicas, em constante mudança. Entendemos por barras arenosas pacotes sedimentares móveis (areias variando com textura fina, média e grossa), emersas sem 127

cobertura vegetal. Quando ocorre processo de estabilização destas feições, é devido à migração de vegetação pioneira, com gramíneas e arbustos, servindo de barreira para sedimentos mais finos. Este processo permite que espécies menos exigentes de nutrientes colonizem o local, como a Cecropia polystachya (embaúba), indicador de ambiente recentemente perturbado/estabilizado. Assim que a barra fluvial (arenosa) for estabilizada, pela colonização da vegetação e aporte de sedimentos finos, tem-se a formação de uma ilha. Cabe ressaltar que, por ilha propriamente dita, deve ser levado em consideração o ponto de vista ecológico-geomorfológico, contudo devemos nos ater ao termo para ambientes estabilizados, com uma determinada fauna-flora adaptada dos pontos de vista morfológico (anatomia) e fisiológico (metabolismo), a qual está em constante dinâmica (escala espacial e temporal). Afloramentos rochosos, comuns em rios de ambientes cristalinos e normalmente em seu alto compartimento e por vezes no médio, não são ilhas fluviais com uma dinâmica aluvionar característica, porém, ocorrem ilhas predominantemente rochosas e com aporte de material aluvionar, o qual permite condições para que a vegetação possa se estabelecer, como é o caso de alguns trechos de transição do alto para o médio rio Branco, região do Bem-Querer, e trechos do alto e médio Uraricoera, rio com um dos maiores complexos insulares do mundo, com estimativa superficial em torno de 700 a 1.000 ilhas de pequeno porte (ilhotas rochosas vegetadas). A região da planície fluvial do baixo rio Uraricoera possui uma área de 378,60 km², perímetro de 301,72 km, com área molhada (canal do rio) de 64 km², cuja largura da planície fluvial é em torno de 3 km. Esta região do Uraricoera apresenta ilhas com maior concentração de sedimentos aluvionares, porém, são ilhas mais estáveis que no trecho do rio Branco, por apresentarem maior concentração de afloramentos rochosos e pouca carga sedimentar e suspensão, sendo ilhas posicionadas principalmente na porção central do canal. Neste trecho do baixo Uraricoera foram identificadas 17 ilhas, cuja área total insular é de 13,41 km², com ilhas variando entre 25.207 m² e 6,68 km². A densidade de ilhas em relação à área do canal é de 0,26 ilhas/km², e com maior número de habitantes, não tradicionais, nas ilhas Amajarí (10 hab. com área de 6,81 km²), ilha do Louro (5 hab. com área de 30 mil m²) e ilha da Balsa (2 hab. com área de 30 mil m²), utilizando-se delas para pesca e lazer. Referente ao rio Branco, no trecho entre a confluência dos rios Uraricoera e Tacutu e a cidade de Caracaraí, desenvolve-se uma planície fluvial de 600 km², a qual possui um perímetro de 386,56 km, e com área molhada (canal) de 176,71 km². É uma região mais dinâmica do que a do Uraricoera, e possivelmente a mais de todo o sistema do rio Branco, devido à maior concentração de carga sedimentar de fundo e em suspensão. Neste trecho foram identificadas 34 ilhas, cuja área total insular é de 46,37 km², com ilhas entre 8.502 m² e 7,6 km². A densidade insular para este trecho do rio Branco é de 0,19 ilhas/km². As ilhas que possuem moradores estão nas proximidades da cidade de Caracaraí, os quais também não são tradicionais no local, com atividades rotineiras em Caracaraí, porém, utilizando-se delas para moradia temporária, pesca e turismo. Estas ilhas, predominantemente aluvionares, com exceção de algumas na região dos afloramentos rochosos das cachoeiras do Bem Querer, nas proximidades da cidade de Caracaraí, distribuem-se quanto à posição relativa ao canal, em tipos semianexados

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à planície fluvial (em processo de anexação lateral), localizadas nas proximidades de Boa Vista e da foz do rio Mucajaí. Destas, 8 ilhas são do tipo central, localizadas na região a jusante da cidade de Boa Vista ao rio Mucajaí; 2 do tipo lateral direita (proximidades do rio Mucajaí); e 10 do tipo lateral esquerda, na região do Bem Querer e proximidades da cidade de Caracaraí. Estas variações mostram uma tendência do rio em desenvolver processos de estabilização predominantemente ao longo da margem esquerda. As ilhas estão dispostas por uma distância média entre si de 3 km, com tendência ao agrupamento, cuja distância esperada com base na relação do vizinho mais próximo seria de 8 km, ou seja, esta relação exemplifica que estas ilhas não estão dispersas ao longo do canal do rio, possuindo uma relação de proximidade com o agrupamento, e não dispersas ao acaso. O índice do vizinho mais próximo para o trecho é de 0.3 – quanto mais próximo de 0, maior a tendência ao agrupamento. O trecho nas proximidades de Boa Vista caracteriza-se por um ambiente propício à formação de barras arenosas e estabilização de ilhas; este trecho representa a zona de maior evolução de ilhas e de eminente transição destas estruturas para anexação à planície de inundação. Observando registros históricos desde 1943, por meio de fotografias aéreas do acervo de imagens do Mepa, em parceria com Inpa, somente para adjacências de Boa Vista, pode-se observar uma considerável evolução das barras arenosas e ilhas, na margem esquerda do rio Branco (Figuras 4 a 5). Em 1943, as ilhas se apresentavam isoladas, unidas provavelmente por barras arenosas durante as vazantes máximas. Em estágios posteriores, observou-se uma progressão das ilhas por acreção lateral e longitudinal. Além da condição de convexidade deste trecho, outro fator pode estar afetando positivamente na agradação, o qual pode estar relacionado à construção da ponte dos Macuxis, na década de 1970. O trecho descrito acima apresenta uma significativa atividade de anexação de ilhas à planície do rio Branco, tendo uma extensão de 15 km; é denominado de Complexo do Surrão-Praia Grande, formado pela anexação das ilhas São Bento do Surrão, São Pedro e Cunhapucare (Praia Grande). Esse complexo de ilhas é separado por um canal em fase de abandono, o qual possui larguras variando de 15 metros a 200 metros. Entre os anos de 1943 e 2014, ocorreu uma ampliação da ilha Cunhapucare, principalmente no eixo longitudinal. Por exemplo, o comprimento da ilha em 1943 apresentava uma extensão 2,04 km; em 1975, foi de 2,41 km; em 2003 aumentou para 2,41 km, e atualmente, em 2014, conta com 2,47 km. Um ganho de 436 metros em 71 anos, representando uma taxa de 6,14 m/ano, acréscimo longitudinal de 21,35% para o período analisado. As ilhas intermediárias que compõem este complexo sofreram também desenvolvimento lateral e longitudinal, e somente ficam separadas por pequenas faixas longitudinais de barras arenosas, onde o canal secundário passou a apresentar pequenos pontos de ligação entre as ilhas inferiores durante as cheias. Referente ao canal do rio Branco, houve uma significativa alteração do seu comprimento no trecho do Complexo Surrão-Praia Grande. Durante o período analisado, houve uma perda de 271,50 metros do canal, o qual em 1943 tinha 1.164,63 metros de largura e em 2014 está com 895,13 metros (Figura 5).

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Figura 4 – Processo de estabilização de barra arenosa (soldamento a montante de ilha). Ilha Cunhapucare (barra arenosa da Praia Grande), Boa vista, 2014.

Figura 5 - Complexo Surrão-Praia Grande. Processo de soldamento a montante, e acreção lateral. A) Fotografia aérea 1943; B) Imagem RapiEye 2014 (Fonte: Mepa/ UFRR). Outro exemplo é a ilha São Lourenço (Figura 6), a jusante da ponte dos Macuxis. Esta ilha central está ainda em processo de evolução longitudinal, pelo soldamento da barra arenosa na ponta norte da ilha, não sendo significativo o processo de evolução lateral, processo em fase incipiente na década de 1960. Esta evolução longitudinal na ilha São Lourenço tem se tornado mais significativa após a década de 1970, com a construção da ponte dos Macuxis, barrando o fluxo, permitindo a deposição e estabilização da barra arenosa central, conforme também discutido em Sander, Carvalho e Gasparetto (2013).

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Figura 6 - Ilha São Lourenço, a jusante da ponte dos Macuxis. Processo de soldamento a montante, estabilização de barra arenosa. A) Imagem RapidEye 2014; B) Fotografia aérea 1965 (Fonte: Mepa/UFRR). O rio Branco possui uma tendência de estabilização de ilhas, favorecendo o incremento de ilhas por anexação lateral ou soldamento (bancos acrescidos). Estes processos são perceptíveis ao longo do rio Branco, com maior dinâmica nas proximidades de Boa Vista, trecho com relativa instabilidade em relação ao baixo rio Branco, estável e bem desenvolvido. Sobre a dinâmica fluvial do rio Branco, foi observado que houve um acréscimo de 12,83% do número de ilhas no período de 1975 a 2012 (Tabela 1), sendo que o processo de anexação de ilhas à planície de inundação ocorre mais significativamente ao longo da margem esquerda, caracterizado por trechos com maior grau de entrelaçamento, perceptível pelo maior comprimento do canal até sua foz, com 572 km de extensão, cerca de 10 km a mais que pela margem direita. Foram classificadas as ilhas de acordo com sua posição no canal, em laterais, centrais e anexadas. Tabela 1 - Classificação das ilhas aluviais do canal do rio Branco, para os anos de 1975 e 2012. Classe

1975

2012

Acréscimo

Lateral Esquerda Central Anexada Esquerda Lateral Direita Anexada Direita Centro-Direita Centro-Esquerda

37 42 9 23 5 5 8

38 47 11 27 11 6 8

1 5 2 4 6 1 0

Total

129

148

19

Assim como as barras arenosas (praias), as ilhas laterais predominam nas paisagens do alto rio Branco, com maior significância ao longo da margem esquerda. Elas são formadas pelo processo de estabilização das barras arenosas, as quais migram lateralmente, próximas às margens do canal, e passam a se estabilizar por acreção lateral e horizontal, sendo colonizadas pela vegetação pioneira (herbáceas e arbustos).

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Contudo, além da fixação de vegetação, estas estruturas insulares se diferenciam das barras arenosas pelo processo de acreção vertical, morfologia denominada de “levee”, devido ao acréscimo de sedimentos finos (silte, argila e areia fina) durante as cheias, dando às ilhas características granulométricas distintas ao longo de um perfil transversal e vertical. Conclusões Em Roraima, os ambientes agradacionais destacam-se por possuírem planícies fluviais bem desenvolvidas; em uma primeira análise, as planícies fluviais dos principais rios formam 10.000 km² de área úmida atrelada à dinâmica fluvial. Também destacam-se na paisagem as formações de sistemas lacustres fluviais e os desconexos destes, formando ambientes periodicamente alagáveis, no lavrado (NE de Roraima) e nas campinaranas (centro-sul de Roraima). Por exemplo, no lavrado, estes sistemas ocupam cerca de 832,62 km², formando um sistema hidrogeomorfológico e ecológico interconectado por lagos e igarapés com cerca de 3.300 km² de extensão, considerando somente as áreas molhadas. No entanto, se considerarmos o ambiente interconectado de campos em torno das áreas úmidas, os quais estão diretamente conectados, a área deste sistema no lavrado é estimada em 11.000 km². O sistema de campinaranas, no centrosul de Roraima, considerando ás áreas abertas, abrange cerca de 8.000 km². Estas áreas úmidas em Roraima, levando em consideração somente rios com planícies fluviais desenvolvidas, lagos e áreas molhadas de influência de buritizais, podemos estimar em pelo menos 14.000 km² de extensão. Porém, se formos levar em consideração os sistemas conectados, adjacentes a estas áreas úmidas, funcionando como um sistema dinâmico em constante conexão devido à expansão da fase terrestre e aquática, estes ambientes podem chegar a algo em torno de 30.000 km² em Roraima. São ambientes de proteção por abrigarem condições de ciclagem de nutrientes, mantenedores de recursos hídricos e de uma fauna adaptada. Deve-se dar atenção a estes ambientes com base na gestão de uso, por exemplo, entender sua dinâmica para tomadas de decisão, dado que foram citados alguns aspectos da dinâmica do sistema fluvial do rio Branco. Por exemplo, as áreas insulares do trecho caracterizado, por serem locais isolados e poucos monitorados pelos gestores públicos, acabam virando alvos de ocupações irregulares e usos indevidos da terra, prejudicando o pleno funcionamento dos aspectos físicos que constituem a paisagem a sua volta, mesmo sendo Áreas de Preservação Permanente, que, portanto, deveriam estar protegidas legalmente, estando em risco de degradação pelas populações que as habitam. O planejamento e a gestão territorial dessas áreas são expressões que devem sempre caminhar lado a lado, e uma não deve ser usada para substituir as ações da outra, pois são métodos que se diferem e se complementam em seus propósitos e finalidades. O planejamento é a forma de propor medidas para mitigar problemas futuros, e prever a evolução de fenômenos que podem modificar o ambiente ao longo do tempo e suas consequências. A ferramenta mais eficaz é o prognóstico (previsão) realizado através da análise dos aspetos dinâmicos que compõem o meio físico e biótico, por exemplo, ao analisar o comportamento hidrogeomorfológico das áreas úmidas (planícies fluviais, sistemas lacustres), como exemplificado neste texto. Sobre a questão da gestão, esta se propõe a administrar as situações que já existem, no intuito de manter o sistema em estado de equilíbrio, com 132

ações determinadas, baseadas em leis, ao tipo de uso que se possa fazer no ambiente. No caso das ilhas em questão, o planejamento começa a agir quando se proporcionam estudos de caracterização das relações dinâmicas do meio físico, biótico e social, que visem a mitigação de problemas já ocasionados. Deve visar também o monitoramento dessas ações, através de técnicas de sensoriamento remoto e geoprocessamento, como suporte às medidas de avaliação para o planejamento e gerenciamento do uso de ambientes das áreas úmidas, que são dinâmicas e vulneráveis à ação humana, levando em consideração tanto os aspectos geomorfológicos como aspectos socioculturais. Por exemplo, é um erro caracterizar alguns moradores permanentes e temporários das ilhas do alto rio Branco como ribeirinhos. Estes não possuem uma identidade local regida por gerações, o que ocorre no baixo rio Branco, com residentes tradicionais e uma cultura voltada ao meio em que vivem.

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