ASPECTOS INCONSTITUCIONAIS DA LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011

June 16, 2017 | Autor: Luciola Cabral | Categoria: Direito Constitucional, Direito Municipal, Direito Urbanístico
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Aspectos inconstitucionais da lei complementar nº 140/2011 (Competência municipal e licenciamento ambiental) Lucíola Maria de Aquino Cabral1

Resumo Este artigo aborda aspectos inconstitucionais da Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, que regulamenta o art. 23, da Constituição Federal de 1988. A mencionada Lei fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do artigo 23 da Constituição de 1988, para a cooperação entre a união, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a lei nº 6938, de 31 de agosto de 1981. Será demonstrado que a regra estabelecida pelo art. 9º, inciso XIV, alínea “a”, da Lei Complementar nº 140/2011, é inconstitucional por ofender a autonomia dos municípios e violar o pacto federativo. Palavras-chave: Lei complementar. Autonomia. Federalismo. Competência. Meio ambiente. Abstract This article discusses aspects of unconstitutional Complementary Law No. 140 of December 8, 2011, which regulates the art. 23 of the Federal Constitution of 1988. The aforementioned Act sets standards, pursuant to sections III, VI and VII of the caption and the sole paragraph of Article 23 of the Constitution of 1988 for the cooperation between the union, the states, the Federal District and the municipalities, the administrative actions arising the exercise of common competence for the protection of natural landscapes remarkable, protecting the environment, combating pollution in any of its forms and the preservation of forests, fauna and flora, and amending the Law No. 6938 of 31 August 1981. It will be shown that the rule laid down by Art. 9, item XIV, paragraph "a" of Complementary Law No. 140/2011, is unconstitutional for offending the autonomy of municipalities and violating the federal pact. Key words: Complementary law. Autonomy. Federalism. Competence. Environment.

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Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino – UMSA. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Procuradora do Município de Fortaleza. Diretora do Núcleo do Ceará do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP.

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“Tal é o poder da lei que a sua elaboração reclama precauções severíssimas. Quem faz a lei é como se estivesse acondicionando materiais explosivos. As conseqüências da imprevisão e da imperícia não serão tão espetaculares e quase sempre só de modo indireto atingirão o manipulador, mas podem causar danos irreparáveis”. Min. Victor Nunes Leal.

INTRODUÇÃO O Congresso Nacional Brasileiro promulgou a Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, publicada no Diário Oficial da União, seção 1, ano CXLVIII, nº 236, de 09 de dezembro de 2011, cuja ementa é a seguinte: FIXA NORMAS, NOS TERMOS DOS INCISOS III, VI E VII DO CAPUT E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 23 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PARA A COOPERAÇÃO ENTRE A UNIÃO, OS ESTADOS, O DISTRITO FEDERAL E OS MUNICÍPIOS NAS AÇÕES ADMINISTRATIVAS DECORRENTES DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA COMUM RELATIVAS À PROTEÇÃO DAS PAISAGENS NATURAIS NOTÁVEIS, À PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE, AO COMBATE À POLUIÇÃO EM QUALQUER DE SUAS FORMAS E À PRESERVAÇÃO DAS FLORESTAS, DA FAUNA E DA FLORA; E ALTERA A LEI Nº 6938, DE 31 DE AGOSTO DE 1981.

A Lei Complementar teve por objetivo fixar normas de cooperação entre os entes federados relativamente às ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum concernentes (i) à proteção das paisagens naturais notáveis; (ii) à proteção do meio ambiente; (iii) ao combate à poluição em qualquer de suas formas; (iv) à preservação das florestas, da fauna e da flora. No que respeita aos Municípios, estabeleceu dentre as ações administrativas, como se pode ver na leitura do art. 9º, inciso XIV, alínea “a” da mesma lei, o seguinte: Art. 9º. São ações administrativas dos Municípios: XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais do Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; [...](Grifou-se).

Como se pode constatar de pronto e, reforçadamente, pelas razões adiante expostas, a referida Lei Federal Complementar extrapolou seu escopo de promover a cooperação entre os entes federados, sendo, por isso, INCONSTITUCIONAL. Verifica-se que a regra prevista na alínea “a”, do inciso XIV, do citado art. 9º, transcrito acima, afronta indubitavelmente a AUTONOMIA dos municípios, na medida em que lhes impõe a obrigação de proceder ao licenciamento ambiental tão somente de obras, empreendimentos ou atividades definidos pelos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente. Vale dizer, a mencionada Lei Complementar nº 140/2011, estabeleceu por meio do dispositivo acima transcrito que o licenciamento ambiental realizado pelos

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municípios dependerá de prévia anuência dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, restringindo, portanto, os limites de sua autonomia. A INCONSTITUCIONALIDADE ora apontada exsurge quando se confere aos Conselhos Estaduais do Meio Ambiente competência para definir a tipologia das atividades ou empreendimentos passíveis de licenciamento ambiental pela municipalidade. A considerar a prevalência de tal critério para definição da competência municipal, poder-se-á afirmar que: a) os municípios não possuem autonomia; b) os municípios não são entes federados e, c) a Constituição de 1988 não modificou o status dos municípios brasileiros. Ocorre, porém, que os MUNICÍPIOS, desde a Constituição Federal de 1988 tiveram seu perfil modificado, suas atribuições especificadas com maior detalhamento e, por força do art. 18 do texto constitucional, devem ser vistos como entes federados dotados de autonomia. Esta garantia, imposta pela Constituição Federal brasileira de 1988, lhes confere maior estabilidade, haja vista que o modelo de descentralização política colimado em na Constituição brasileira de 1988 assegura aos Municípios o pleno exercício de suas competências. O desatendimento de qualquer desses preceitos fere não só o princípio constitucional da AUTONOMIA dos entes federados, mas também o princípio da LEALDADE FEDERATIVA tão pouco considerado pela doutrina e pelos tribunais superiores. 1 AUTONOMIA DOS MUNICÍPIOS Desde a promulgação da Constituição de 1988, o Município foi elevado ao patamar de entidade pública. É logo no primeiro artigo que a Constituição anuncia que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito” e, em seu art. 18, que a “organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estado, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos”. Isso significa que o ente Municipal, a partir da Constituição de 1988, passou a gozar de AUTONOMIA. Em uma federação, como é o caso da República Federativa do Brasil, a soberania pertence ao Estado Federal; este formado pela União, Estados-membros e Municípios. Assim, o exercício dessa soberania cabe tão somente a órgãos e autoridades federais, restando aos demais à denominada “autonomia constitucional”, (LOPES FILHO, 2012, p.40) através da qual os entes federativos possuem poderes de autoorganização, auto legislação, autogoverno e autoadministração. Sobre a autonomia destes entes, convém mencionar jurisprudência, do Supremo Tribunal Federal, a qual dispõe: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ART. 75, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DE GOIÁS - DUPLA VACÂNCIA DOS CARGOS DE PREFEITO E VICE-PREFEITO - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MUNICIPAL - DOMÍNIO NORMATIVO DA LEI ORGÂNICA - AFRONTA AOS ARTS. 1º E 29 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O poder constituinte dos Estados-membros está limitado pelos princípios da Constituição da República, que lhes assegura autonomia com condicionantes, entre as quais se tem o respeito à organização autônoma dos Municípios, também assegurada constitucionalmente. 2. O art. 30, inc. I, da Constituição da República outorga aos Municípios a atribuição de legislar sobre assuntos de interesse

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local. A vocação sucessória dos cargos de prefeito e vice-prefeito põem-se no âmbito da autonomia política local, em caso de dupla vacância. 3. Ao disciplinar matéria, cuja competência é exclusiva dos Municípios, o art. 75, § 2º, da Constituição de Goiás fere a autonomia desses entes, mitigando-lhes a capacidade de auto-organização e de autogoverno e limitando a sua autonomia política assegurada pela Constituição brasileira. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. (Grifou-se) (BRASIL, STF, 2012, on line)

Ressaltam-se as palavras da Ministra Carmem Lúcia, no julgamento desta ADIN nº 3549-5: Federativo há mais de um século, o modelo de federação brasileiro foi profundamente alterado pela Constituição da República de 1988, tendo-se nela definida nova relação a ser estabelecida entre os entes federados, passando-se a considerar o Município componente de estrutura federativa e, nessa condição, dotando-o de competências exclusivas que traçam o âmbito de sua autonomia política. Não se há de esquecer, entretanto, que, mesmo no modelo de descentralização constitucionalmente adotado, o Estado brasileiro formou-se por entidades voltadas para o centro. Nesse contexto, perigosa é a interpretação constitucional – e mais ainda a prática constitucional – que conduz à restrição das autonomias das unidades federadas, por desvirtuar a própria ideia de federação. [...] Pessoa política da Federação, entre as competências municipais, destaca-se aquela posta no art. 30, inc. I, da Constituição da República, que lhes outorga a atribuição de legislar sobre assuntos de interesse local. (Grifou-se) (BRASIL, STF, 2012, on line)

Em decisão relativa a suspensão de tutela antecipada (286 Bahia), o Ministro Gilmar Ferreira Mendes assevera: Assim, no presente caso, houve o deferimento do pedido da STA nº 286 a fim de suspender os efeitos da decisão do TRF da 1º Região (passível de revisão), dado que esta, ao reconhecer a competência do IBAMA para realizar o licenciamento ambiental (e atividades de fiscalização decorrentes) de diversas localidades no Município de Salvador e suas adjacências, determinou à referida Autarquia o seu imediato cumprimento, o que causaria grave lesão à ordem pública diante do grande transtorno que geraria à regular atividade administrativa do IBAMA. Contra a decisão desta Presidência foram opostos embargos de declaração, acolhidos tão somente para esclarecer o que já estava claro na decisão embargada, quer dizer, diante da suspensão do acórdão impugnado, estaria restaurada a competência dos órgãos ambientais estaduais e municipais para o licenciamento ambiental das localidades envolvidas no caso, devendo o IBAMA providenciar, em favor daqueles órgãos, a imediata comunicação de todas as demandas e tarefas pendentes relacionadas com as áreas e as obras de que trata o caso. […] É preciso destacar que não há dúvida de que existe uma fiscalização inerente ao exercício de licenciamento ambiental por parte do órgão competente para tanto. O que se espera, nesse sentido, é que o órgão competente para licenciar exerça amplo controle e fiscalização nos limites do processo administrativo de licenciamento ambiental, sem interferências de outros órgãos integrantes do

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SISNAMA, ressalvadas eventuais exceções previstas em lei. (Grifouse)(BRASIL, STF, 2012, on line)

O termo autonomia advém do grego autonomia, que significa direto de regerse (auto) por suas próprias normas (nomos). Na lição de José Afonso da Silva (2005, p.302): A autonomia municipal é assegurada pelos arts. 18 e 29 e garantida contra os Estados no art. 34, VII, „c‟, da CF. „Autonomia‟ significa capacidade ou poder de gerir seus próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior. É a Constituição Federal que se apresenta como poder distribuidor de competências exclusivas entre as três esferas de governo.

Conforme destacado, a autonomia municipal é reconhecida em quatros aspectos: administrativo, financeiro, político e legislativo. Na autonomia administrativa, o Município compreende a gestão dos serviços locais, ou seja, aqueles onde o interesse do Município sobrepõe-se, pelo menos de forma imediata, aos interesses do Estado e da União. Nesse aspecto, a autonomia municipal está reconhecida, principalmente, no art. 30 da CF/1988: Art. 30. Compete aos Municípios: V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental; VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; X - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A autonomia financeira do Município respeita à sua competência para arrecadar seus tributos e gerir suas rendas. No sentir de Nelson Nery Costa (2005, p.121), a autonomia administrativa do Município “só se efetiva se também lhe for concedido poder para ter sua renda, independente de outras entidades federadas.” A autonomia financeira foi reconhecida ao Município, especialmente, no art. 30, III: “III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;” Já a autonomia política da municipalidade concretiza-se na capacidade de ter seu próprio governo. Assim, o ente municipal tem sua própria organização política, contando com um Poder Executivo próprio e também Legislativo. Por fim, a autonomia municipal em seu aspecto legislativo: compreende a capacidade propriamente dita de editar suas leis, concretizada, precipuamente, na LEI ORGÂNICA. Importante ressaltar que inexiste em nosso ordenamento hierarquia de normas, posto que o constituinte de 1988 preferiu adotar uma forma anômala de federação, onde o correto é falar em distribuição de competências. Assim, não há hierarquia entre normas federais, estaduais e municipais, mas sim um sistema de distribuição de

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competências estabelecido no próprio texto constitucional. Daí a importância da LEI ORGÂNICA do Município, na qual se concentram, de modo geral, todas as matérias que são de sua competência. Não há, nesse contexto, nenhuma lei hierarquicamente superior a Lei Orgânica Municipal, ou outra que seja, o que existem são leis inconstitucionais por usurparem competências. Sobre autonomia e competência, cabe reiterar o que foi dito em outra ocasião: A autonomia das entidades federadas é garantida pela existência de competências próprias e exclusivas, que podem ser postas ao lado de outras complementares ou comuns, mas que asseguram um espaço de criação de Direito por elas. A noção de autonomia vincula-se, portanto, ao sistema de repartição de competências que determina a eficácia do próprio princípio federativo. Competência é a medida de capacidade de ação política ou administrativa, legitimamente conferida a um órgão, agente ou poder, nos termos juridicamente definidos. A autonomia dos entes da federação, portanto, está diretamente relacionado ao fato de que estes devem possuir competência tributária própria, capaz de fazer frente às responsabilidades a eles atribuídas pela Constituição Federal. (CABRAL, 2008, p.69)

Quando a Constituição Federal de 1988 reconheceu a autonomia do Município, reconheceu-lhe igualdade perante o Estado, a União e o Distrito Federal, não podendo, nenhum destes imiscuir-se nas competências constitucionais alheias. José Alfredo de Oliveira Baracho, (1986, p.93) em obra específica sobre o tema aqui tratado, assim concebe a autonomia municipal: A aplicabilidade do princípio da autonomia municipal desdobra-se através do auto-governo e da auto-administração, sendo que esta se efetiva por meio da organização, no que diz respeito a seu interesse peculiar, que abrange a autonomia financeira e a autonomia administrativa, por via da capacidade para organizar os serviços públicos locais.

Sobre o tema em comento, Paulo Affonso Leme Machado (2010, p.396) diz que: A aliança entre Estados, Municípios e o Distrito Federal, que forma a União, gera um relacionamento de fidelidade entre a União e os Estados, mas, também, entre a União e os Municípios. Encontramos, entre os deveres da União, o de preservar a autonomia municipal (art. 34, VII, c, da CF), devendo intervir nos Estados para assegurar esse princípio institucional, como, entre outros motivos, para assegurar a entrega pelos Estados aos Municípios, das receitas tributárias fixadas na Constituição, com a observância dos prazos fixados em lei (art.34, V, b, da CF). (Grifou-se)

Segue-se daí que o PRINCÍPIO DA LEALDADE FEDERATIVA, embora pouco debatido se faz presente em nosso ordenamento. Como salienta Marcos Correia Gomes (2012, on line), a Constituição Federal de 1988 estimula o federalismo solidário ou mesmo de integração, visando à mútua cooperação entre os entes políticos. Nesse contexto, assume extrema importância o princípio da lealdade federativa, no sentido de promover a coesão entre as distintas esferas de governo e assim criar as condições necessárias ao desenvolvimento econômico. Embora não conste expressamente do texto constitucional, é possível

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admiti-lo com base na cláusula de abertura constante do art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988, em decorrência de sua relevância para manutenção do pacto federativo. Segundo Patrícia Lamarão (2012, on line), o princípio da lealdade federativa impõe normas de conduta nas relações institucionais entre os entes federados, sem as quais não seria possível manter a unidade da federação. O princípio da lealdade federativa pode ser inferido também de uma decisão do Tribunal Constitucional da Alemanha,2 como se verifica em seguida: No Estado federal alemão, toda a relação constitucional entre o Estado como um todo e seus membros, bem como a relação constitucional entre seus membros [entre si], é regida pelo princípio constitucional não escrito do dever recíproco da União e dos Estados-membros, de comportamento leal ao princípio federativo (cf. Smend, Ungeschriebenes Verfassungsrecht im monarchischen Bundesstaat – Direitoconstitucional não escrito no Estado federal monárquico, em homenagem a Otto Mayer, 1916, p. 247 et seq.).

Para fazer cumprir a Constituição, portanto, os entes federados devem promover a cooperação e a solidariedade para consolidar a ordem democrática e o bem-estar social. Nesse sentido, o princípio da lealdade federativa impõe aos entes que integram a federação, a cooperação e a solidariedade e não a desagregação. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, garantido o princípio federativo, em seu artigo 60, § 4o, dispõe, taxativa e expressamente, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais. No caso de que se cuida, qualquer tentativa de emenda que busque retirar dos Municípios as prerrogativas a eles concedidas pelo poder constituinte originário, indica, clara e expressamente, a tendência a abolir a forma federativa de Estado. Cuida-se da hipótese aqui posta em destaque, vez que não considerando constitucional emenda que tente abolir a forma federativa de estado, por consequência, resta claro que Lei Complementar que pretenda o mesmo também deverá ser declarada INCONSTITUCIONAL. No que se refere à organização administrativa, incumbe privativamente a cada pessoa jurídica de Direito Público Interno - União, Estados, Distrito Federal e Municípios -, no âmbito de sua autonomia, exercer, na forma constitucionalmente prevista, a função legislativa, para que disponha acerca: a) da estrutura e organização da sua Administração pública, definindo os órgãos, os cargos e as respectivas competências; b) da organização dos serviços públicos; c) os procedimentos a serem adotados para o regular exercício das atividades administrativas; d) o regime jurídico dos seus servidores, neste incluído o regime previdenciário.

Para Ataliba (1987, p.63-64), a autonomia constitucional dos entes federados, pessoas jurídicas de Direito público interno, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, decorre da própria ideia de federação: 2

A decisão transcrita acima pode ser encontrada no livro Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, organizado pelo Prof. Leonardo Martins – UFMS. Disponível em: Acesso em: 22 mar. 2012.

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A palavra, todo mundo sabe, vem do latim foedus foederis, que quer dizer: pacto-associação. Daí a definição de Sampaio Dória, invocada também por Frederico Marques: 'Federação é autonomia recíproca da União e dos Estados sob a égide da Constituição Federal. Autonomia recíproca. Um é autônomo relativamente a outro, sob o esquema que for fixado no Texto Constitucional Federal'. Autonomia vem de auto nomus, aquele que é capaz de dar norma a si mesmo. Se a Federação é autonomia recíproca, quer dizer: a União não pode dar normas para o Estado e o Estado não pode dar normas à União.

Para Francisco Campos (1956, p.7-134), é inerente ao modelo federal de Estado: [...] a regra de que nenhum dos poderes ou dos governos, de cuja associação se compõe a sua unidade, deve interferir nas atividades legítimas do outro; nem diretamente, nem por vias indiretas, oblíquas ou furtivas, poderá criar óbices, embaraços, tropeços ou empecilhos ao exercício de suas funções constitucionais e, sobretudo, onerar, de qualquer maneira, diminuir ou destruir a eficácia dos meios ou instrumentos necessários ou adequados à ação dos seus órgãos na órbita constitucional de sua competência.

A forma federativa de Estado é concebida como uma cláusula pétrea em nosso sistema constitucional. Basta atentar para o inciso I, parágrafo 4 o, do art. 60, da Constituição Federal: “§ 4o. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado”. Vale ainda salientar que a Constituição do Estado do Ceará, por sua vez, em seu artigo 59, parágrafo quarto, inciso I, dispõe, expressamente, que: “§ 4 o. Não será objeto de deliberação a proposta que visa a modificar as regras atinentes à alteração constitucional nem aquela tendente à abolir: I - a autonomia dos Municípios”. Vê-se, portanto, que, a nível nacional, a forma federativa de Estado e, a nível estadual, a autonomia municipal são consideradas cláusulas pétreas, posto que imunes à ação do legislador ordinário, no exercício do poder constituinte derivado. Estas categorias de normas constitucionais, nas palavras de Vital Moreira (1990, p.01-102), “enunciam os limites materiais da revisão constitucional, ou seja, as matérias que não podem ser objeto de alteração ou que, pelo menos, não podem ser alteradas em determinado sentido”. Elas impedem [...] a subversão da Constituição através da revisão, garantindo as características fundamentais do País [...], os direitos fundamentais, [...] os elementos principais do sistema político, [...] e, finalmente os instrumentos de garantia da própria Constituição.

2 A LEI COMPLEMENTAR Nº 140 DE 8 DEZEMBRO DE 2011 A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 23, dispõe: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: III. proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

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VI. proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII. preservar as florestas, a fauna e a flora; Parágrafo único – Leis Complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Grifouse)

Trata o artigo supracitado da denominada competência comum. Em um campo de atuação político-administrativa, a norma determina uma atuação não legislativa dos entes federados por intermédio de medidas administrativas. Vale lembrar que elas também são chamadas de competências administrativas ou materiais justamente por não se enquadrarem em atividades legiferantes. Visando um equilíbrio entre os entes, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 23, parágrafo único, previu a elaboração de uma Lei Complementar através da qual seriam elaboradas normas de cooperação que fixariam limites para que as atividades desempenhadas por um ente não interferisse na do outro. É importante frisar, a Lei Complementar deveria vir apenas para fixar normas de cooperação entre a União, Estados e Municípios referentes às competências comuns previstas no art. 23, incisos III, VI e VII. No entanto, não foi o que ocorreu. A denominada “cooperação” entre os entes federativos não implica em uma invasão na esfera de autonomia uns dos outros, de modo que não é permitido ao Estado apoderarse de competência pertencente ao Município, como foi colocado no caso em comento. Assim, desde a incorporação da Emenda Constitucional nº 53, sendo esta que alterou a redação original do parágrafo único do citado artigo, a referida lei estava sendo aguardada. Em dezembro de 2011, a Lei Complementar nº 140, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República, veio com a finalidade de tentar disseminar os conflitos gerados pela competência comum em matéria ambiental prevista nos incisos III, VI e VII do artigo 23 da CF/88. Antes da citada lei complementar, a matéria relacionada ao licenciamento ambiental era tratada pela Lei nº 6938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, bem como pela Resolução nº 237/1997, elaborada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, órgão consultivo e deliberativo integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA. Em relação à competência ambiental municipal, a Lei Complementar nº 140/2011 previu em seu art. 9º, incisos III, XIII e XIV, o seguinte: Art. 9o São ações administrativas dos Municípios: III - formular, executar e fazer cumprir a Política Municipal de Meio Ambiente; XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida ao Município; XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação

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instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); (Grifou-se)

O dispositivo constitucional regulamentado pela Lei Complementar nº 140/2011, vale dizer, o art. 23 da Constituição Federal de 1988, não autoriza a União a promover a usurpação de competências dos entes federados. Nesse contexto, os dispositivos legais citados acima, desde seu recente surgimento, causam grandes controvérsias na doutrina especializada, na medida em que determinou que os Conselhos Estaduais de Meio Ambiente definirão a tipologia de “impacto ambiental de âmbito local” a ser utilizada no licenciamento ambiental realizado pelos municípios. Esta regra ofende a autonomia municipal e submete novamente os municípios brasileiros a tutela dos Estados membros, evidenciando inaceitável retrocesso político e constitucional. 3 A ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DO MUNICÍPIO DE FORTALEZA RELATIVA AO LICENCIAMENTO AMBIENTAL O Licenciamento Ambiental constitui procedimento administrativo pautado nos princípios da precaução e prevenção, empregados na tentativa de evitar a ocorrência de danos ambientais. Isso porque os danos causados ao meio ambiente muitas vezes são irreparáveis e irremediáveis, sendo quase impossível retornar ao status quo ante. Ante a ausência de previsão legislativa relativa à Lei Complementar prevista no parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal de 1988, o licenciamento ambiental encontrava-se regido pela Lei nº 6938/81, Política Nacional do Meio Ambiente, e pela Resolução nº 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. A definição de licenciamento ambiental está descrita no artigo 1º da Resolução 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA: Art. 1º. Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: I – Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

A Resolução nº 237 de 1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, em razão da necessidade de regulamentação de aspectos do licenciamento ambiental estabelecidos na Política Nacional de Meio Ambiente, de revisão dos procedimentos e critérios utilizados no licenciamento ambiental, de modo a efetivar a utilização do sistema de licenciamento como um instrumento de gestão ambiental e de integração da atuação dos órgãos competentes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA na execução da PNMA definiu e estabeleceu alguns critérios e procedimentos que deveriam ser observados no sistema de licenciamento ambiental. O licenciamento ambiental pelos municípios expressa o reconhecimento de sua competência para emissão de Licença Ambiental, conforme previsto no artigo 6º da referida Resolução, veja-se:

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Art. 6º. Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividade de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio. Art. 7º. Os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores.

Acerca do procedimento de licenciamento ambiental, a Resolução nº 237/97 do CONAMA, em seu artigo 10º, dispõe: Art. 10º. O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas: I – Definição pelo órgão ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao início do processo de licenciamento correspondente a licença a ser requerida; II – Requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida publicidade; III – Análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA, dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas, quando necessárias; IV – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios; V – Audiência Pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente; VI – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios; VII – Emissão de Parecer Técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico; VIII – Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida publicidade.

Assim, para obter a licença ambiental, nos termos do artigo 10º da Resolução 237 do CONAMA, o empreendedor deveria apresentar os documentos, projetos e estudos ambientais solicitados pelo órgão ambiental competente, no caso, a Secretaria do Meio Ambiente e Controle Urbano do Município de Fortaleza – SEMAM, bem como dar a todos os atos a publicidade exigida por lei. O licenciamento ambiental em Fortaleza teve início desde 1998, por meio da extinta Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial – SMDT, substituída pela Secretaria do Meio Ambiente e Controle Urbano do Município de Fortaleza, criada pela Lei Municipal nº 8692/2002, artigo 16: Art. 16 – A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano (SEMAM) tem por finalidade a administração e a formulação de políticas e diretrizes gerais, o planejamento e o monitoramento do meio ambiente e do controle urbano do Município. Art.17 – A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano (SEMAM) tem as seguintes competências:

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[…] XVII – proceder ao licenciamento ambiental dos empreendimentos, obras e atividades de impacto local, em conformidade com o que estabelece a Lei Orgânica do Município e a Legislação Municipal. XXI – efetuar a avaliação de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) e outros estudos ambientais, dos empreendimentos, obras e atividades sujeitas a licenciamento por órgão municipal. XXXVIII – coordenar a gestão do Fundo de Defesa do Meio Ambiente (FUNDEMA), nos aspectos técnicos, administrativos e financeiros. XXXIX – presidir e implementar as deliberações do Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM).

O procedimento relativo ao licenciamento ambiental encontra-se previsto na Lei Municipal nº 8230/98, veja-se: Art. 4° - A concessão da licença ambiental está sujeita a prévia análise e à aprovação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano (SEMAM), a quem competirá expedi-la, e dependerá, quando for o caso, da realização de serviços técnicos, da elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (RIMA) ou outro tipo de estudo que se fizer necessário, inclusive realização de audiência pública, cujos custos serão remunerados pelo interessado, de acordo com os valores fixados nos Anexos I, IV e VI, partes integrantes desta Lei, estabelecidos em razão do maior ou menor grau de complexidade da atividade, obra ou empreendimento e de sua natureza, bem como do tipo de licença solicitada, classificadas em: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). (Redação dada pela Lei 8.738/03) Parágrafo Único: São isentos do pagamento da taxa de licenciamento ambiental, sem prejuízo da ação fiscalizadora ao Poder Público Municipal, os templos religiosos, as instituições filantrópicas e de assistência social que atendam aos requisitos previstos pelo Código Tributário Nacional, e as microempresas, assim definidas pela Legislação Estadual, e os órgãos e entidades da Administração Pública Municipal.

Como se pode perceber, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano de Fortaleza, hoje denominada Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente – SEUMA, possui estrutura administrativa necessária e adequada ao licenciamento ambiental, sendo sua estrutura administrativa integrada, ainda, pelo Fundo de Defesa do Meio Ambiente (FUNDEMA) e o Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM). 4 A LEI COMPLEMENTAR Nº 140: OFENSA À AUTONOMIA DA MUNICIPALIDADE Embora a doutrina ainda não tenha chegado a uma concordância de ideias, considerando a recente publicação da referida Lei Complementar nº 140/2011, no momento, o que interessa é que existe consenso sobre um ponto específico: a autonomia dos entes municipais. Resta esclarecer como a mencionada lei complementar está ferindo o princípio federativo e a autonomia dos Municípios. Mesmo antes da publicação da lei complementar, a doutrina já afirmava que a competência comum prevista no artigo 23 da CF/88 deveria ser exercida pelos entes federativos em seus respectivos âmbitos, para Juraci Mourão Lopes Filho (2012, p.40):

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É importante destacar que todos os entes federativos têm o dever de arcar com essas competências materiais, mas não é preciso que ajam conjuntamente, em coordenação, mediante atividades articuladas, com celebração de convênios ou constituição de consórcios públicos. Podem exercê-las individualmente e isoladamente, cada um dentro de seus respectivos âmbitos de atuação, sem qualquer combinação, embora isso não seja recomendável, nem tenha sido essa a intenção do constituinte originário. [...] O importante, portanto, é que União, Estado-membro, Distrito Federal e Município se responsabilizem por elas e as exerçam dentro dos respectivos âmbitos nacional, regional e local.

Para Helini Silvini Ferreira (2011, p.239) Nesse sentido, a atuação conjunta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios é possível em qualquer hipótese, desde que respeitados seus limites territoriais. A norma regulamentadora viria tão somente a indicar a maneira pela qual se daria a cooperação entre os entes da Federação.

De acordo com Paulo Affonso Leme Machado (2010, p.287): O art. 23 trata, entre outras matérias, da função administrativa das pessoas jurídicas de Direito Público que compõem a República Federativa do Brasil. A competência é, ao mesmo tempo, direito e dever dos entes federados. O licenciamento ambiental é uma das formas de exercer a competência comum. No exercício da competência comum, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não só utilizam a legislação por eles criada, como a legislação instituída pelo ente que tenha uma competencia constitucional própria e até privativa. A lei federal ordinária não pode retirar dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderes que constitucionalmente lhes são atribuídos.

O conteúdo da lei complementar deveria vir apenas para organizar, conforme ressaltado por Helini Silvini Ferreira (2011), o modo pelo qual se daria a cooperação entre os entes. Como se pode perceber, o respeito aos limites territoriais de cada ente federativo não é preceito exclusivo do artigo 23, mas da Constituição Federal como um todo. Mesmo na previsão das competências legislativas, a Constituição de 1988 prezou por um sistema de distribuição de competências diferenciado. Segue como exemplo a competência legislativa prevista para os Municípios, vejamos: “Art. 30. Compete aos Municípios:I – legislar sobre assuntos de interesse local; ” Em verdade, a Constituição Federal de 1988, em seu modelo de repartição de competências, adota o princípio da predominância de interesses, sendo este o preceito fundamental a orientar esta divisão entre os entes federativos. Assim, cabe aos Municípios legislar sobre assuntos em que seus interesses prevalecem sobre os interesses da União e dos Estados, e em matéria administrativa, como seria o caso da competência comum, prevista no artigo 23 da CF/88, cabe a cada ente, de modo isolado ou articulado, atuar dentro de seu âmbito de interesse. Para Paulo Gustavo Gonet Branco, Inocêncio Mártires Coelho e Gilmar Ferreira Mendes (2010, p.954): A Carta da República prevê, no parágrafo único do art.23, a edição de lei complementar federal, que disciplinará a cooperação entre os entes para a realização desses objetivos comuns. A óbvia finalidade é evitar choques e

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dispersão de recursos e esforços, coordenando-se as ações das pessoas políticas, com vistas à obtenção de resultados mais satisfatórios. Se a regra é a cooperação entre União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, pode também ocorrer conflito entre esses entes, no instante de desempenharem as atribuições comuns. Se o critério da colaboração não vingar, há de se cogitar do critério da preponderância de interesses. Mesmo não havendo hierarquia entre os estes que compõem a Federação, pode-se falar em hierarquia de interesse […]. (Grifou-se)

Assim, se cada ente atua dentro de sua esfera de interesses, como conferir aos Estados autoridade para definir a tipologia de obras, empreendimentos ou atividades que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente? O licenciamento ambiental constitui expressão fundamental da execução da competência municipal em matéria de meio ambiente. Se de fato existe autonomia municipal, se os próprios Municípios elaboram suas normas, fiscalizam e atuam dentro de sua localidade, porque e com que finalidade conferir aos Conselhos Estaduais o papel de caracterizar o “impacto local”? Ora, é absolutamente clara a determinação de caber aos Municípios procedimento relativo ao licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos que causem impacto local, por consequência, solução lógica seria se o próprio Município ficasse responsável em conceituar a expressão em destaque. A Lei Complementar nº 140/2011 desrespeita e ofende o princípio da autonomia municipal constitucionalmente estabelecido, além de ferir o princípio federativo. É o que já resta evidente. Ora, não pode o Estado interferir no âmbito de atuação do ente municipal e definir a tipologia do “impacto ambiental local” sobre atividades as quais competem aos Municípios, o licenciamento ambiental em âmbito local. Trata-se de competência administrativa da Municipalidade, portanto, a manifestação do que se refere ou não o “impacto ambiental local” deverá ser do próprio Município, mesmo porque assuntos de seu próprio interesse, conforme priorizou a Constituição Federal Brasileira de 1988 ao adotar o princípio da predominância de interesses, devem ser por eles tratados. Por fim, sobre a inconstitucionalidade da referida lei complementar, especificamente o artigo 9º, inciso XIV, alínea “a”, cabe mencionar manifestação oficial da Advocacia Geral da União, por intermédio do Parecer nº 771/2011 da Consultoria-Geral da União: 75. Ante o exposto, sugere-se o veto dos seguintes dispositivos do PLC: a) por inconstitucionalidade formal: o parágrafo 3º, do artigo 17 b) por inconstitucionalidade material e por contrariar o interesse público: inciso II do artigo 2º; inciso IV do artigo 4º; parágrafos 2º, 3º, 4º e 5º do artigo 4º; inciso IX do artigo 7º; inciso XIII do artigo 7º; inciso XIII do artigo 8º;

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inciso XII, do artigo 9º; alínea 'b' do inciso XIV do artigo 7º; inciso XX do artigo 8º; inciso IX do artigo 9º; alínea 'a' do inciso XIV do artigo 9º; parágrafo 2º do artigo 13; parágrafo 3º do artigo 14 e artigo 17 e seus respectivos parágrafos.

Diante das questões antes apontadas, outra conclusão não há, senão, a de que o artigo 9º, inciso XIV, alínea “a” da Lei Complementar nº 140/2011 é inconstitucional. 5 A LEI COMPLEMENTAR Nº 140: OFENSA AO ARTIGO 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E AO PRINCÍPIO FEDERATIVO Diz a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Verifica-se que o direito fundamental de possuir um meio ambiente ecologicamente equilibrado não se configura apenas como direito, mas um direitodever. Isso significa que mais do que o direito, existe o dever de proteção do meio ambiente. Importa ainda salientar que a responsabilidade de proteção atinge os particulares e o Poder Público de maneira igualitária, sem menores ou maiores porcentagens, assim, cabe a todos a efetivação dessa proteção. Sobre a matéria, Sirvinskas (2012, p.153) afirma: A atuação do Poder Público pode exteriorizar-se por meio de seus órgãos sob os ditames da lei, mas a coletividade não existe em si mesma senão nas pessoas e organizações que a compõem. Ressalte-se, além disso, que o dever de proteger o meio ambiente já não se insere no campo do poder discricionário da Administração Pública.

Compreende-se que há uma espécie de cooperação entre particulares e poder público, de modo que ambos consigam dar efetividade a norma constitucional em questão, cada um dentro de suas possibilidades. Configura-se ainda como de fundamental importância à proteção do meio ambiente, não apenas a cooperação particular e poder público, mas a cooperação entre os próprios entes federativos. Entretanto, em uma tentativa de proteção e efetivação das normas constitucionais ambientais, na regulamentação do parágrafo único do artigo 23, a Lei Complementar nº 140/2011 acabou por violar diretamente a Constituição Federal de 1988, pois a cooperação entre os entes configura-se como princípio basilar de um Estado Democrático de Direito no qual há uma clara opção por um federalismo cooperativo. O tipo de constitucionalismo criado pelos federalistas refletia uma sociedade complexa, contraditória, dominada pela tensão e pelo conflito, cuja base repousa no

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alargamento do conceito de república. Para Madison (apud MARQUES, 1997, p.42), o republicanismo representava a vitória de uma idéia nova de poder popular sobre uma idéia arcaica de democracia direta. Nesse contexto, a criação do Estado federal americano exigiu a formalização da Constituição, tendo em vista que no Estado constitucional as normas fundamentais de organização estatal são redigidas em um documento solene, no qual se contém, especialmente, seus limites de atuação. Esse tipo de Estado federal, além de instituir um novo constitucionalismo, inaugurou um sistema político de governo completamente novo, reunindo em torno do presidente da república as funções de Chefe de Governo e de Chefe de Estado. Essa forma de organização política estatal tornou-se cada vez mais comum no mundo moderno, em virtude da possibilidade de fácil adaptação do federalismo às necessidades de cada lugar. Para análise do desenho constitucional de um Estado federal, importa observar aspectos relativos à divisão de poderes dentro do legislativo e entre níveis de governo, o papel do judiciário, a alocação de recursos fiscais e de competências e as garantias constitucionais dos entes integrantes da federação. A República Federativa que dá nome ao Estado brasileiro, conforme salienta a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha (1997, p.69), teve acrescentados dois novos elementos à expressão “república”, conforme definição constante de seu art. 1º. O primeiro elemento refere-se à instituição da República Federativa como Estado Democrático de Direito de forma expressa. A essência do Estado brasileiro, portanto, encontra-se marcada pelos princípios republicano e federativo inerentes ao regime político democrático de Direito, dando forma ao modelo de convivência política do país e informando suas instituições. Os princípios republicano e democrático modelam-se e condicionam-se reciprocamente, ressaltando-se que, Os dois princípios estão fundidos e condenados a serem tomados como uma expressão única e indissociável enquanto vigorar o atual sistema: República Democrática. Essa expressão passa a ser acoplada àqueloutra empregada desde o final do século XIX, a República Federativa. No sistema de Direito modelador do Estado do Brasil tem-se a República Federativa Democrática enunciada, principiológica e impositivamente, no art. 1º da Constituição.

O segundo elemento inovador refere-se à fragilização da República em favor do princípio federativo, em virtude da exclusão do núcleo de matérias tidas como inatingíveis pela ação reformadora do constituinte de segundo grau. Assim, o ordenamento nacional brasileiro erigiu o princípio republicano à condição de princípio fundamental, traduzindo traço característico do Estado brasileiro, determinante de sua forma de ser e do exercício do poder político. Embora o princípio republicano, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro tenha alcançado status privilegiado, Cármen Lúcia Antunes Rocha (1997, p.72-74) entende que os tribunais superiores não asseguram sua efetiva aplicação: Não obstante a unanimidade sobre a condição de princípio constitucional fundamental, de que goza a República no Brasil, o desacato a tal comando principiológico é manifesto... O de que o Brasil se ressente, pois, é de prática constitucional democrática, segundo as normas postas e a doutrina mestra. A prática constitucional vincula-se, diretamente, à atuação do Poder Judiciário, no qual se tem o órgão máximo competente ao exercício da função de 'guarda da Constituição'. E o poder Judiciário brasileiro ainda não extraiu dos

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princípios constitucionais em geral, e do princípio da República, em especial, as conseqüências jurídicas que nele se contêm para a sua efetividade.

O sentido da expressão “Constituição” na doutrina federalista nada mais era senão o reflexo de uma sociedade complexa, contraditória, pluralista, dominada pela tensão e pelo conflito. (MARQUES, 2002, p.46). O federalismo foi consagrado como fenômeno social capaz de promover, com maior eficiência, os valores inerentes ao pluralismo, como observou Maurice Croisat (apud MARTINS, 2012, p.32): “El concepto de federalismo, desde esta perspectiva, afecta tan sólo a las idéas, los valores, las concepciones del mundo que expresan 'una filosofia comprensiva de la diversidad en la unidad.” A idéia de pluralidade, por conseguinte, é inerente ao Estado federal, onde prevalece o conceito de unidade na pluralidade explicado por Cármen Lúcia Antunes Rocha (1997, p.172) nos seguintes termos: A idéia predominante do princípio federativo é a unidade na pluralidade, aqui considerada a unidade total da ordem jurídica nacional compondo-se, coordenando-se, harmonizando-se, sistematizando-se pela diversidade de ordens jurídicas internas (denominadas por Kelsen de parciais), que se acoplam e formam uma única e que mantêm, nessa unidade sistêmica nacional, um movimento equilibrado em sua aplicação. O princípio federativo assegura a pluralidade de ordens jurídicas autônomas e afinadas numa unidade que se assenta na totalidade da ordem constitucional soberana. Isso explica por que o federalismo representa uma forma descentralizada de organização do Poder no Estado, sem embargo de se manter um centro assegurador da unidade do sistema jurídico.

A idéia de pluralidade tantas vezes mencionada acima, refere-se à diversidade, às diferenças encontradas entre os grupos sociais, sendo, por isso, associada à democracia. Enquanto valor social complexo, o pluralismo se baseia em quatro valores: autodeterminação, tolerância, integração e participação. Não se aproxima da idéia de desagregação, mas, sim, de uma unidade construída sobre a diversidade. (CROISAT apud MARTINS, 2012, p.32) Depreende-se, por conseguinte, que o Estado federal é composto por várias unidades autônomas, que são constitucionalmente limitadas pela ordem jurídica total, a fim de garantir a harmonia do sistema jurídico e a existência de um sistema político integrado, consentâneos com as peculiaridades das diversas realidades geográficas, humanas, históricas e culturais que conformam o Estado. O cerne do conceito de Estado federal, consoante José Afonso da Silva (1999, p.104), reside na configuração de dois tipos de entidades: a União e as coletividades regionais autônomas (Estados federados). Por conseguinte, os estados federados são detentores tão somente de autonomia, fundamentada nos seguintes elementos: a) existência de órgãos governamentais próprios e independentes quanto à forma de seleção e investidura em seus cargos; b) outorga de competências exclusivas. Segundo Kelsen (1992, p.309) “Apenas o grau de descentralização diferencia um Estado unitário dividido em províncias autônomas de um Estado federal”. No Estado federal, explica o citado autor, coexistem uma ordem jurídica central e várias ordens jurídicas parciais:

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A ordem jurídica de um Estado federal compõe-se de normas centrais válidas para o seu território inteiro e de normas locais válidas apenas para porções desse território, para os territórios dos 'Estados componentes (ou membros)'. As normas gerais centrais, as 'leis federais', são criadas por um órgão legislativo central, a legislatura da 'federação', enquanto as normas gerais locais são criadas por órgãos legislativos locais, as legislaturas dos Estados componentes. Isso pressupõe que, no Estado federal, a esfera material de validade da ordem jurídica, ou, em outras palavras, a competência legislativa do Estado, está dividida entre uma autoridade central e várias autoridades locais. As normas centrais formam uma ordem jurídica central por meio da qual é constituída uma comunidade jurídica central parcial que abarca todos os indivíduos residentes dentro do Estado federal. Essa comunidade parcial constituída pela ordem jurídica central é a 'federação'. Ela é parte do Estado federal total, assim como a ordem jurídica central é parte da ordem jurídica total do Estado federal. As normas locais, válidas apenas para partes definidas do território inteiro, formam ordens jurídicas locais por meio das quais são constituídas comunidades jurídicas parciais. Cada comunidade jurídica parcial abrange os indivíduos residentes dentro desses territórios parciais. Essas ordens jurídicas parciais são os 'Estados componentes'. Desse modo, cada indivíduo pertence, simultaneamente, a um Estado componente e à federação. O Estado federal, a comunidade jurídica total consiste, assim, na federação, uma comunidade jurídica central, e nos Estados componentes, várias comunidades jurídicas locais. A teoria tradicional identifica, erroneamente, a federação com o Estado federal total. O Estado federal caracteriza-se pelo fato de que o Estado componente possui certa medida de autonomia constitucional, ou seja, de que o órgão legislativo de cada Estado componente tem competência em matéria referentes à constituição dessa comunidade...Essa autonomia dos Estados componentes é limitada. (KELSEN, 1992, p.309-310)

O princípio federativo, consoante evidenciado acima, tem sede constitucional. Trata-se de elemento informador da forma de Estado, caracterizado pela pluralidade consorciada e coordenada de mais de uma ordem jurídica incidente sobre um mesmo território estatal, com âmbitos de competências previamente estabelecidas, a submeter um povo (ROCHA, 1997 p.171). Uma vez elegido pelo constituinte originário, o princípio federativo definirá o perfil do tipo de Estado federal e suas particularidades, objetivando alcançar a eficácia do poder no plano interno e resguardar sua integridade e a de seus componentes, assegurando, ainda, a eficiência de suas ações. O princípio federativo vincula a organização social a uma determinada forma de convivência humana baseada no pluralismo, servindo de parâmetro para o ordenamento jurídico do Estado (MARTINS, 2012, p.38). Observa-se que a Constituição Federal brasileira de 1988, em seu art. 1º, consagrou os denominados princípios políticos de natureza conformadora, ao estatuir que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]”. Assim, o Estado Federal, compreendido como uma pluralidade de Estados menores dentro de um Estado maior, e fundamentado nos princípios antes mencionados, deverá assegurar a autonomia dos entes federados. Essa autonomia, decorrente da própria Constituição, é também por ela limitada, extravasando os poderes de auto-organização, auto-legislação e auto-governo. A verdadeira autonomia

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caracteriza-se somente quando instituídos mecanismos para prover as necessidades de ordem pública. Ademais, como enfatiza a citada Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha (1997, p.290), a Carta da República ao criar um novo regime constitucional para os Municípios, apenas deu novo tratamento à matéria: O fortalecimento do Município na Constituição de 1988 aparece no art. 1º, o qual, conforme antes salientado, transformando o perfil da Federação brasileira, expressa que as entidades locais compõem a forma do Estado brasileiro. Todavia, conquanto pessoa política dotada de autonomia (art. 18), o Município não é referido expressamente na Constituição da República como entidade federada, pois sempre que essa Lei Fundamental menciona as unidades federadas (e ela o faz mais de dez vezes), está se remetendo tão somente aos Estados-membros da Federação. Dúvida não pode subsistir de que a autonomia municipal é encarecida na Constituição vigente, e sua organização passou por uma inegável modificação no sentido do seu revigoramento. O Brasil traçou, naquela Lei Fundamental, um novo regime constitucional para o Município.

A discussão acerca da inovação produzida pelo vigente texto constitucional foi bem sintetizada pela autora, devendo ser considerado ademais, que o princípio federativo conforma-se através de sub-princípios igualmente contemplados pela Constituição de 1988: a) o princípio da descentralização política constitucional; e, b) o princípio da participação política. 6 REPERCUSSÕES DO PRINCÍPIO DA LEALDADE FEDERATIVA Indiscutível a mudança de perspectiva política e econômica que tais acontecimentos representam para os municípios. Daí porque a busca por alternativas endógenas, conforme sustenta Marcos Correia Gomes (2012, on line), baseadas em vínculos de solidariedade e emancipação (auto-dependência) se torna indispensável para as municipalidades. Anota o citado autor que a Constituição Federal de 1988 estimula o federalismo solidário ou mesmo de integração, visando à mútua cooperação entre os entes políticos. Nesse contexto, assume extrema importância o princípio da lealdade federativa, no sentido de promover a coesão entre as distintas esferas de governo e assim criar as condições necessárias ao desenvolvimento econômico. Embora não conste expressamente do texto constitucional, é possível admiti-lo com base na cláusula de abertura constante do art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988, em decorrência de sua relevância para manutenção do pacto federativo. Reitera-se o que afirma Patrícia Lamarão (2012, on line), o princípio da lealdade federativa impõe normas de conduta nas relações institucionais entre os entes federados, sem as quais não seria possível manter a unidade da federação. O princípio da lealdade federativa, portanto, inferido de uma decisão do Tribunal Constitucional da Alemanha, impõe o seguinte: No Estado federal alemão, toda a relação constitucional entre o Estado como um todo e seus membros, bem como a relação constitucional entre seus membros [entre si], é regida pelo princípio constitucional não escrito do dever recíproco da União e dos Estados-membros, de comportamento leal ao princípio federativo (cf. Smend, Ungeschriebenes Verfassungsrecht im monarchischen Bundesstaat – Direitoconstitucional não escrito no Estado federal monárquico, em homenagem a Otto Mayer, 1916, p. 247 et seq.).

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Para fazer cumprir a Constituição, portanto, os entes federados devem promover a cooperação e a solidariedade para consolidar a ordem democrática e o bem-estar social. O licenciamento ambiental não é somente um instrumento de política ambiental, é também um poderoso instrumento de controle de desenvolvimento econômico, haja vista que não se admite mais o crescimento a qualquer custo, mas apenas o desenvolvimento pautado em critérios de sustentabilidade. Nesse sentido, salienta Meigla Merlin (2004, p.227) que as tendências estruturais ao centralismo econômico em uma economia de mercado somente poderá ser detida por meio de uma ação política inovadora, porém, o grande problema que se coloca à sociedade brasileira é o de como estimular a capacidade criativa em todos os segmentos. CONCLUSÃO Os argumentos lançados neste trabalho justificariam, por força constitucional, art. 102, inciso I, alínea “p”, da Constituição Federal de 1988, regulamentado pelos artigos 10 e 12 da Lei nº 9868/99, dentro do juízo de cautela do Poder Judiciário, a concessão de media para suspender preventivamente as normas constantes do art. 9º, da Lei Complementar nº 140/2011, se esta discussão fosse objeto de ação direta com pedido declaratório de inconstitucionalidade. Destaca-se que o Supremo Tribunal tem reiteradamente decidido que na ação direta de inconstitucionalidade, a suspensão cautelar, via medida liminar, da lei impugnada é medida que se impõe quando: a) A tese exposta se reveste de plausibilidade jurídica (fumus boni iuris); b) Existe a possibilidade de prejuízos decorrentes do retardamento da decisão postulada (periculum in mora); c) Os danos causados pela permanência da lei inconstitucional no ordenamento jurídico são irreparáveis ou insuportáveis; d) É patente a necessidade de se garantir a eficácia da decisão futura (STF, apud: RDA 178:75; RDA 181-182:285; RDA 191:211; RTJ 130:5) No caso de que se cuida, são manifestas e clarividentes: 1. A plausibilidade da tese exposta na presente ação direta, haja vista a manifesta inconstitucionalidade do artigo 9º, inciso XIV, alínea “a” da Lei Complementar nº 140/2011 que atenta contra a autonomia dos Municípios, ferindo a Constituição Federal nos termos acima expostos. 2. A possibilidade de prejuízos decorrentes do retardamento da decisão concessiva de liminar, posto que a permanecer em vigor a lei complementar, cuja inconstitucionalidade ora se argüi, decorrerão danos irreparáveis e insuportáveis para o Município de Fortaleza, causados pela permanência indevida da norma inconstitucional no ordenamento jurídico e por restrição indevida de sua autonomia constitucional, que pode implicar, inclusive, perigo à própria ordem democrática, já que desequilibra a independência dos entes federados e, se caso permanece no ordenamento, gera grande instabilidade na própria ordem constitucional advinda da insegurança jurídica (causada pela manutenção da norma inconstitucional).

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3. Tudo está a justificar a possibilidade de concessão da medida liminar, tendo em vista que o artigo 9º, inciso XIV, alínea “a” da aludida Lei Complementar nº 140/2011, ademais de patente inconstitucionalidade, gera grave afronta à autonomia dos entes municipais, inviabilizando a liberdade de atuação dos órgãos municipais quando relacionados ao licenciamento ambiental. REFERÊNCIAS ATALIBA, Geraldo. Constituição e constituinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em: 16 maio 2012. CABRAL, Lucíola Maria de Aquino. Competências constitucionais dos municípios para legislar sobre meio ambiente. Curitiba: Letra da Lei, 2008. CAMPOS, Francisco. Parecer publicado na obra Direito constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956. v. I. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. COSTA, Nelson Nery. Direito municipal brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. FERREIRA, Helini Silvini. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. Paulo: Saraiva, 2011.

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