ASPECTOS JURÍDICOS DA CRISE POLÍTICA

June 2, 2017 | Autor: P. Faria Nunes | Categoria: Brazilian Politics
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ASPECTOS JURÍDICOS DA CRISE POLÍTICA

Paulo Henrique Faria Nunes Goiânia, Diário da Manhã, 6 abr. 2016 Uma das diferenças fundamentais entre parlamentarismo e presidencialismo é a separação dos poderes Executivo e Legislativo. Em princípio, o Presidente da República tem mais autonomia do que seu congênere no sistema parlamentarista. Nos países onde há eleições diretas, ele é eleito independentemente da aprovação do Legislativo. Tem-se no presidencialismo a unipessoalidade representativa no Executivo: o Presidente é Chefe de Estado e de Governo. Já no sistema parlamentarista, seja uma monarquia ou uma república, adota-se a dualidade representativa: o Chefe de Estado (monarca ou presidente) submete à consideração do Legislativo o nome que ele deseja como Chefe de Governo (Primeiro Ministro). Este e os demais membros do gabinete não podem assumir seus postos sem o consentimento do Parlamento. Caso o Primeiro Ministro, também chamado de premier, perca sua base de sustentação, o Legislativo pode encaminhar ao Chefe de Estado uma moção de desconfiança e solicitar a indicação de um nome para substituí-lo. Diante de tal cenário, duas alternativas: destitui-se o Chefe de Governo e, consequentemente, compõe-se um novo gabinete; ou o Chefe de Estado, caso não ceda às pressões dos opositores e manifeste apoio ao premier, dissolve o Parlamento e convoca novas eleições. O povo, ao final, decidirá. Na hipótese de grande apoio popular ao Primeiro Ministro, os partidos que o respaldam conquistarão a maioria das cadeiras no parlamento; caso contrário, os opositores dominarão o Legislativo e, consequentemente, influenciarão decisivamente a escolha do novo Chefe de Governo. As turbulências no presidencialismo podem ser mais duradouras do que no parlamentarismo, pois o Presidente da República detém um mandato rígido. Não cabe aos parlamentares nomeá-lo ou destituí-lo. Assim, a substituição definitiva do Chefe do Executivo somente ocorrerá ao fim do mandato ou em situações excepcionais: morte, renúncia, impeachment. A crise institucional atual só pode ser compreendida verdadeiramente quando estão claros os seus aspectos jurídicos. E a análise jurídica é diferente da política. A política pode ser passional; o direito não. A Presidente da República poderia nomear Luís Inácio Lula da Silva Ministro Chefe da Casa Civil? Do ponto de vista moral ou político, o ato é questionável; porém, é mais difícil reprová-lo aos olhos do direito. Qualquer brasileiro maior de 21 anos e no exercício de seus direitos políticos pode ser nomeado ministro de Estado. A nomeação e a destituição, conforme o inciso I do art. 84 da Constituição Federal (CF), são de competência do Chefe do Executivo. Algumas vozes levantaram o desvio de finalidade pois o propósito da nomeação era conferir foro privilegiado ao ex-presidente. Não obstante, apresentam-se algumas ponderações. Um ato administrativo pode ser discricionário, mas para que a discricionariedade não se transforme em arbitrariedade, é imprescindível que o mesmo seja motivado e em consonância com a lei. A motivação, lato sensu, deve estar em harmonia com o princípio da supremacia do interesse público. No caso específico da nomeação de um Ministro, deve-se observar as disposições constitucionais (art. 76; art. 84, I; art. 87). As competências do Ministro Chefe da Casa Civil estão enumeradas no anexo I do decreto 5.135/2004. A principal delas: “assistência e assessoramento direto e imediato ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições, em especial nos assuntos relacionados com a coordenação e na integração das ações do Governo” (art. 1.º, I). O ex-presidente Lula é incapacitado para a função ou não preenche os requisitos da Constituição? Diante de uma resposta negativa, torna-se difícil sustentar a tese do desvio de finalidade. Outros alegaram que o propósito da nomeação do novo Chefe da Casa Civil era unicamente lhe conferir foro privilegiado. Em outras palavras, tirá-lo das mãos do juiz Sérgio Moro e colocá-lo 

Professor e pesquisador na PUC Goiás e na Universidade Salgado de Oliveira; diretor da Associação dos Professores da PUC-Goiás. Bacharel em direito, mestre em geografia, doutor em ciências políticas e sociais (Université de Liège, Bélgica).

“sob a proteção do Supremo Tribunal Federal (STF)”. Esse argumento também não prospera. Mais do que “privilegiado” o foro é “funcional”. Os ocupantes de determinados cargos são julgados unicamente pelo STF (art. 102, I, b e c da Constituição), dentre eles os ministros de Estado. Entretanto, não se pode confundir a competência do STF com imunidade. Os poderes são independentes e harmônicos entre si. Portanto, o Judiciário tem total autonomia para realizar o julgamento. Quem discorda do exposto no parágrafo acima dirá: “o STF é formado por Ministros escolhidos por critérios políticos. Então o julgamento não é isento”. Os onze ministros do Supremo são nomeados pelo Presidente da República mediante aprovação do Senado Federal. Além dessa exigência, a Constituição apenas estabelece os critérios pessoais: a) brasileiros natos com idade entre 35 e 65 anos; b) notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101). O método para se escolher os membros da corte constitucional brasileira pode não ser o mais adequado, mas isso não significa que o tribunal é subordinado ao Executivo. A independência dos poderes é um dos pilares da Constituição Federal. Consequentemente, a afirmação que o foro privilegiado teria o propósito de isentar o ex-presidente de responsabilidade ou culpa é juridicamente frágil. A comparação dos casos Mensalão e Operação Lava Jato revela uma situação curiosa. No primeiro, muitos réus lutaram para que a ação não tivesse início no STF. Qual a razão? Se o processo começa no primeiro grau (juiz singular), ele está sujeito ao duplo grau de jurisdição (o direito de recorrer para juiz ou tribunal superior). Por conseguinte, há maior possibilidade de uso dos recursos e instrumentos protelatórios e do réu, oxalá, ser beneficiado pela tão sonhada prescrição. O foro funcional não é necessariamente um privilégio pois não há uma jurisdição superior à qual recorrer. Então por que Lula preferiria ser julgado em instância única? Muito provavelmente um processo nas mãos do juiz Sérgio Moro, em Curitiba, terá desfecho rápido e há o perigo de uma prisão preventiva a exemplo do que ocorreu com outros réus. Ele poderá obviamente recorrer da decisão de primeiro grau, mas uma nova condenação leva a hipóteses pouco animadoras para Lula e seu partido. Primeiramente, o risco de começar a cumprir a pena mesmo que ainda caiba recurso aos tribunais superiores. Em fevereiro de 2016, o STF admitiu o cumprimento da pena de prisão após a condenação em segunda instância, uma polêmica reinterpretação do princípio da presunção da inocência (art. 5.º, LVII, da Constituição Federal: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”). Ademais, após a entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa (lei complementar 135/2010) são inelegíveis os condenados em decisão proferida por órgão judicial colegiado (TJ, TRF, Tribunais Superiores). Uma condenação em segundo grau antes de 2018 (TRF da 4.ª Região) inviabiliza a candidatura do principal nome do Partido dos Trabalhadores. Dificilmente os onze membros do STF se manifestariam a tempo de

impedir a candidatura de Lula. O problema não é simplesmente definir o foro competente (Sérgio Moro ou STF) mas compreender exatamente o que isso implica no presente e na próxima corrida eleitoral. O Brasil assiste a uma luta por poder. Os detentores almejam conservá-lo; os opositores esperam conquistar a cadeira presidencial... de preferência agora e permanecer em 2018. Os partidos políticos enfrentam uma grave crise de credibilidade e, por enquanto, poucos já dispõem de nomes (quase) certos para as próximas eleições presidenciais. Retirar Lula da jogada torna o sonho da oposição mais factível. Ao final, resta uma pergunta incômoda: a quem interessa liderar uma massa alienada? Um abnegado, um crápula ou um demente?

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