Aspectos Processuais da Proibição de Contratar com o Poder Público em Decorrência de Ato Ímprobo

May 24, 2017 | Autor: João Pedro Accioly | Categoria: Direito Administrativo, Direito Público, Processo Civil, Improbidade Administrativa
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Aspectos Processuais da Proibição de Contratar com o Poder Público em Decorrência de Ato Ímprobo

ASPECTOS PROCESSUAIS DA PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO EM DECORRÊNCIA DE ATO ÍMPROBO Procedural Aspects of Ineligibility for Hiring With the Government Due to Administrative Improbity Revista de Processo | vol. 264/2017 | p. 209 - 246 | Fev / 2017 DTR\2016\25033 ___________________________________________________________________________ João Pedro Accioly Teixeira Mestrando em Direito Público e Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado e Consultor Jurídico. E-mail: [email protected] Área do Direito: Processual; Administrativo. Resumo: O escopo desta pesquisa, como possibilita inferir o título outorgado ao trabalho, é abordar controvertidos aspectos processuais relacionados à proibição de contratar com o Poder Público – enquanto sanção aplicável, nos termos do art. 12, da Lei 8.429/92, aos atos de improbidade administrativa. Nesse sentido, espera-se elucidar questões de pouca elaboração ou intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial, com vistas a repelir excessos e corrigir atecnicidades no manejo da medida proibitiva – promovendo, assim, a segurança das relações jurídicas, a preservação das empresas e a proporcionalidade das reprimendas impostas pelo Estado. Palavras-chave: Proibição de contratar - Poder público - Improbidade administrativa Sentença constitutiva - Trânsito em julgado - Preservação da empresa - Proporcionalidade - Segurança jurídica Abstract: The scope of this research is to adress procedural issues about the ineligibility for hiring with the Government – as one of the applicable sanctions under Brazillian Law to the acts of administrative misconduct. Therefore, it is expected to clarify issues of little doctrinal elaboration or intense jurisprudential controversy, in order to ward off some excesses and to correct some technical faults in the legal management of the prohibitive measure – with the view to promoting the legal certainty, the preservation of the companies and the proportionality of reprimands imposed by the state. Keywords: Ineligibility for hiring with the Government - Administrative improbity Administrative misconduct - Constitutive sentence - Preservation of the companies Substantive due processo of law - Legal certainty Sumário: 1. Nota introdutória – 2. Momento de eficácia da proibição de contratar com o Poder Público – 3. Antecipação dos efeitos da tutela: limites e possibilidades – 4. A prescritibilidade e a independência da pretensão de proibir agentes ímprobos de contratarem com o Poder Público – 5. Proposições conclusivas – 6. Referências bibliográficas.

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1. Nota introdutória Pode-se dizer, com indesejável segurança, que a improbidade administrativa, na intensidade e com as particularidades manifestadas em nosso país, é fenômeno endêmico à sociedade e ao Estado brasileiro.1 Trata-se de um infeliz traço identitatário nacional – tão bem apontado e analisado por destacados e densos estudos sociológicos e historiográficos.2 Em função desta constatação, diversos atores jurídicos, especialmente desde o advento da Constituição Federal de 1988, têm conjugado esforços para erigir um sistema efetivo de tutela da moralidade administrativa e do patrimônio público – pressionados por claudicantes manifestações públicas, diuturnas denúncias jornalísticas e constante e generalizada insatisfação popular. Nesse contexto, dentre as inúmeras medidas dirigidas a combater os atos ímprobos, a ordem jurídica brasileira prevê a possibilidade de suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração Pública para pessoas ou empresas que tenham enriquecido ilicitamente, causado danos ao erário ou transgredido os princípios que orientam a atividade administrativa. Contudo, o tratamento legal do aludido instituto, de contornos não exaurientemente definidos, ao lado de um justificado, porém pernicioso, desejo de erradicar, praticamente a qualquer custo, os tão corriqueiros e arraigados atos de improbidade do cenário nacional, abre espaço para o seu manejo inadequado e, via de consequência, para a violação de um sem número de interesses públicos e privados de destacado valor constitucional. De modo equivocado, grande parte dos operadores do direito parece considerar – ainda que implicitamente – que quanto maior for o rigor e o alcance da proibição de contratar com o Poder Público melhor se estaria protegendo o erário e a moralidade administrativa. Todovia, o que se percebe é que essa premissa acaba por prejudicar não só as empresas que são injustamente alijadas do direito de contratar com a Administração, mas também os seus empregados e outras sociedades insertas em suas respectivas cadeias de produção, bem como, de modo reflexo, por paradoxal que soe, o próprio Poder Público que se tenta salvaguardar. No que tocas às empresas indevidamente sancionadas, os prejuízos são evidentes. Nos dizeres dos Ministros Luiz Fux e Eliana Calmon, tal reprimenda equivale à “sentença de morte” da empresa,3 eis que expressivo percentual das receitas da generalidade das empresas de grande porte advém de contratos celebrados com entes públicos ou estatais. 4 Sob o ângulo do Estado, a indiscriminada proibição de que empresas contratem com a Administração pode reduzir significativamente o plexo de potenciais concorrentes – notadamente em segmentos econômicos e localidades sem grande oferta do serviço de que se necessita –, aviltando-se, desse modo, o princípio da ampla competitividade e, eventualmente, inviabilizando-se a própria vantajosidade a que visam a generalidade dos processos licitatórios. Mais do que isso, ao proibir-se levianamente empresas de contratarem com Poder Público,

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especialmente em setores vocacionados à prestação de serviços estatais, gera-se efeitos econômicos graves, que reverberam inclusive na perspectiva da arrecadação tributária 5 – fonte primordial de custeio de toda máquina pública contemporânea.6 A empresa – entendida como unidade de fatores humanos, técnicos e econômicos organizada para a exploração, com fins lucrativos, de uma atividade produtiva7 – é a célula do desenvolvimento econômico em uma sociedade capitalista. Portanto, é através das empresas que se gera a maior parte dos postos de trabalho (CF (LGL\1988\3), art. 170, VIII; art. 1º, IV e art. 6º), a maior parte das riquezas (CF (LGL\1988\3), art. 170, I e II) e, conseguintemente, a maior parte da arrecadação tributária (CF (LGL\1988\3), art. 145, § 1.º). Por essa ordem de razões, as empresas são complexos tutelados pelo ordenamento jurídico pátrio8 e, nos termos do art. 47, da LC 101/2001, devem, sempre que se mostrarem economicamente viáveis, ser preservadas. Nessa linha, é de se concluir que o princípio da preservação da empresa9 deve, a toda evidência, também orientar a aplicação da medida proibitiva de que trata o art. 12, da Lei de Improbidade. Por outro lado, o manejo tecnicamente incorreto de alguns institutos – a exemplo da legitimidade passiva ad causam – parece impedir ou dificultar, de modo indevido, o sancionamento de certas pessoas físicas e jurídicas responsáveis por atos de improbidade. À luz dessas considerações, este trabalho pretende analisar questões processuais práticas de insuspeita relevância, ainda não abordadas ou profundamente controvertidas doutrinária e jurisprudencialmente. Em primeiro lugar, investigar-se-á o momento processual de eficácia e a natureza da sentença que veda a contratação com a Administração Pública: bastaria a prolação de sentença condenatória pelo juízo de primeiro grau? Não sendo o caso, o exaurimento dos recursos imbuídos de efeito suspensivo já seria o bastante para a eficácia da condenação? Ou o aludido impedimento só adquire eficácia com o trânsito em julgado da sentença, que, na verdade, possuiria natureza desconstitutiva? Em seguida, será analisada a possibilidade jurídica da proibição de contratar com o Poder Público ser deferida em sede de tutela de urgência, bem como as eventuais consequências que decorreriam da adoção da medida. Por fim, pretende-se abordar a questão da prescritibilidade da pretensão proibitiva em tela, bem como defender, desconstruindo para tanto a jurisprudência sedimentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a possibilidade de seu ajuizamento somente contra particulares, isto é, mesmo à mingua de agentes ou ex-agentes públicos no polo passivo da ação. 2. Momento de eficácia da proibição de contratar com o Poder Público Neste tópico, procurar-se-á debater se a proibição de contratar com o Poder Público é eficaz a partir da prolação da sentença, do momento em que não mais sejam cabíveis recursos com efeito suspensivo ou apenas quando do trânsito em julgado do provimento judicial proibitivo. De plano, cabe o registro de que a doutrina e a jurisprudência não

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apresentam respostas sólidas, fundamentadas e uniformes à questão colocada. Maria Carla de Avelar, por exemplo, entende que a proibição de contratar com o Poder Público já opera os seus efeitos desde a prolação da sentença, pelo juízo de primeira instância.10 Para a autora, somente seria necessário aguardar o trânsito em julgado das condenações penais, eis que, em sua concepção, apenas na seara penal, o réu é considerado juridicamente inocente antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.11 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, considera que a proibição de contratar com o Poder Público seria eficaz a partir do julgamento em segunda instância, quando não mais são manejáveis recursos imbuídos de efeito suspensivo, a não ser que a autoridade judicante competente excepcionalmente atribua tais efeitos aos recursos extraordinários eventualmente interpostos: “Por último, cabe lembrar a norma do art. 20 da Lei de Improbidade, segundo a qual "a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória". Isso significa que as demais penalidades podem ser objeto de execução provisória, na forma da legislação processual, a menos que se consiga efeito suspensivo aos recursos, com fundamento no art. 14 da Lei 7.347 /85.”12 Há ainda, conforme se demonstrará mais detidamente a seguir, quem defenda que a proibição de contratar ou receber benefícios fiscais do Poder Público só se torna eficaz com o trânsito em julgado da sentença que aplica tal restrição. 13 Na jurisprudência, a matéria também não recebe tratamento uniforme. Para ilustrar, analise-se alguns julgados, manifestamente divergentes, que foram proferidos por Tribunais pátrios ao longo dos últimos anos: “Quanto à proibição de contratar com o. Poder Público, nosso ordenamento jurídico admite "que a sanção seja aplicada até mesmo em sede administrativa, como se vê do art. 87, incs. III e IV, da Lei 8666/93, não sendo sustentável que a sentença judicial só pudesse produzir efeitos depois do trânsito em julgado, em tema constitucional de tamanha importância e absoluta necessidade de prevenção (§ 4º do art. 37 da CF (LGL\1988\3))”.14 *** “A sanção civil de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo especificamente estipulado, prevista no art. 12, da Lei 8.429, constitui-se restrição de natureza grave, que, a exemplo do art. 20 – perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos –, somente se efetiva com o trânsito em julgado da sentença condenatória. No caso, a controvérsia, passando pela interpretação sistemática dos referidos dispositivos, arts. 12 e 20, utilizando-se, analogicamente, a regra prevista no art. 14, da Lei 7.347, de 1985, leva, sem reflexão maior, à mesma conclusão da r. sentença, f. 1345, no particular, de atribuir suspensividade à execução dessa medida sancionatória, enquanto não esgotadas as vias recursais”.15

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*** EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO. TERMO INICIAL DA PENALIDADE. OMISSÃO. 1. O cumprimento da penalidade de proibição de contratar com o Poder Público imposta aos embargantes tem início com o trânsito em julgado da decisão. 2. Quanto ao mais, não havendo omissão, obscuridade ou contradição, não há que se acolherem os embargos de declaração, os quais não se destinam à rediscussão da matéria já decidida pelo colegiado.”16 2.1. A natureza desconstitutiva do título judicial e o trânsito em julgado A nosso juízo, o melhor entendimento da matéria parece ter sido bem sintetizado pelo Ministro Luiz Fux, ao asseverar que a proibição de contratar com o Poder Público consiste em “sanção de natureza gravíssima, suscetível de ser aplicada com lastro em sentença definitiva, acobertada pelo trânsito em julgado, ou, em condições excepcionais, quando assim o exigir o interesse público”.17 O deslinde técnico e aprofundado da questão proposta, contudo, perpassa pela precisa análise da natureza da sentença – ou do capítulo da sentença – que proíbe que o demandado contrate com a Administração. Como é corrente, as sentenças definitivas18 costumam ser tradicionalmente classificadas pela doutrina,19 com base nos efeitos que provocam, em i) meramente declaratórias, ii) constitutivas ou iii) condenatórias. Os provimentos judiciais meramente declaratórios são aqueles que, como a terminologia do conceito permite inferir, “simplesmente declaram a existência ou a não existência de uma determinada relação jurídica”.20 Daí concluir Leonardo Greco que o “efeito declaratório é inerente às sentenças de mérito” em geral, eis que as demais espécies pressupõem o reconhecimento ou a negação de dada relação ou situação jurídica.21 A sentença constitutiva caracteriza-se por criar, modificar ou extinguir uma situação ou relação jurídica. Como bem explica Giuseppe Chiovenda, as sentenças constitutivas destinam-se a reconhecer e a efetivar um direito potestativo22 que, por sua natureza e implicações, não poderia ser exercido “simplesmente em virtude de uma declaração de vontade do titular”.23 Nesse passo, é possível identificar que a sentença constitutiva “não se limita a declarar o direito preexistente, mas determina uma intervenção na relação ou situação jurídica das partes, que é por ela criada, modificada ou extinta”.24 Por fim, tem-se a sentença condenatória – de maior emprego forense. Através dela, ocorre a imposição de uma prestação jurídica, em sentido lato, de uma das partes em favor da outra, possibilitando que aquela, através de futuro processo de execução, efetivamente obtenha o bem jurídico que almeja.25 Conforme a lição de Ovídio A. Baptista da Silva: “Por meio de ação condenatória busca-se uma sentença que imponha ao réu a obrigação de presar alguma coisa devida ao autor. Enquanto este, mediante ação declaratória,

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apenas pretende que o juiz declare seu direito, sem nenhuma outra consequência de natureza jurídico-material, a não ser o efeito de coisa julgada sobre a relação jurídica declarada existente ou inexistente pela sentença. Através da ação condenatória o autor que mais: quer que o juiz igualmente o declare titular da pretensão posta em causa e, ultrapassando este momento declaratório da sentença, que o réu seja condenado a prestar alguma coisa.”26 Para melhor compreender e identificar as classes de sentenças em comento, e assim elucidar a questão de que trata o tópico, é preciso investigar quais são os tipos de sentença aptos a satisfazer, de per si, a tutela pretendida pelo autor da ação e, por outro lado, quais são aqueles que dependem de procedimento executivo para que a satisfação do direito reconhecido em favor do autor seja, de fato, efetivada. Como explica Luiz Guilherme Marinoni: “O juiz, ao resolver o litígio, nem sempre presta a tutela do direito material. O autor, mesmo no caso de sentença favorável, pode não obter a tutela do direito. Isto acontece quando a sentença não é suficiente para prestar a tutela do direito ou não é capaz de satisfazer o desejo de tutela do autor. Tal ocorrer no caso em que a sentença necessita ser implementada para que o autor seja satisfeito. Quando a tutela do direito, para ser prestada, precisa do concurso da vontade do demandado ou mesmo de atos materiais que podem ser praticados por auxiliares do juízo ou por terceiros, a sentença não é satisfativa, dependendo da técnica executiva. Como está claro, a sentença é uma técnica processual que não se confunde com a tutela do direito, tanto é que pode não ser suficiente para prestá-la, dependendo da conjugação de outra técnica processual, a tutela executiva.”27 Consoante bem exposto pela doutrina pátria e alienígena, as sentenças declaratórias e constitutivas, acaso procedentes, satisfazem imediatamente a pretensão autoral. As sentenças condenatórias, por seu turno, exigem que o sucumbente adimpla voluntariamente a condenação ou, então, que o juízo competente, no interior de um procedimento executivo, se valha de meios coercitivos ou sub-rogatórios para implementar forçosamente os termos da sentença. Sobre o ponto, vale transcrever alguns célebres excertos doutrinários: “Nelle sentenze di mero accertamento e nelle sentenze costitutive la tutela giurisdizionale si esaurisce fruttuosamente, mentre nella sentenza di condanna si esaurice soltanto una fase di quella tutela”.28 *** “Determinadas formas de tutelas, como as tutelas declaratória e constitutiva, são satisfeitas apenas com a prolação da sentença. Afirma-se que as sentenças declaratória e constitutiva são satisfativas, mas é preciso observar que tal satisfatividade decorre do fato de prestarem tutelas que não reclamam nada além da sentença, dispensando as formas executivas.”29 Especificamente sobre as sentenças constitutivas, positivas ou negativas, merecem ser

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transcritos os ensinamentos de Ovídio A. Baptista da Silva: “As sentenças constitutivas prescindem de uma ação executória posterior para realizarem completamente a pretensão posta em causa pelo autor: se este pedira a rescisão do contrato, ou a anulação do negócio jurídico, a sentença de procedência dirá que o autor tem direito a obter tais resultados (eficácia declaratória) e, desde logo, na própria senteça, decretará a rescisão ou a anulação pretendida pelo demandante.”30 Em razão desses elementos, parece imperioso concluir que a sentença que proíbe a contratação com o Poder Público possuí nítida natureza desconstitutiva – eis que prescinde de mecanismos executórios para a satisfação da tutela almejada pelo demandante. Em outros termos, o título judicial proibitivo é suficiente, por si só, para satisfazer a demanda autoral; é a sentença que tolhe, diretamente, a legitimação31 do requerido para celebrar contratos com o Poder Público.32 Não há de se falar aqui, ao menos na perspectiva processual, em condenação; o que ocorre é a constituição, de enforceability imediata, do impedimento33 do apenado para contratar com a Administração.34 Assim, “é constitutiva, e não condenatória, a decisão que aplica a penalidade de proibição de contratar com o Poder Público”.35 Essa breve incursão doutrinária não se trata de filigrana jurídico-processual, desprovido de utilidade prática. Conforme será demonstrado em sequência, a natureza desconstitutiva da sentença proibitiva veda a execução provisória do título. Isso porque não se executa, nem provisória, nem definitivamente, sentenças constitutivas.36 Como se sabe, a execução provisória é uma forma de minorar o tempo necessário à satisfação de uma pretensão condenatória, através da antecipação do termo inicial da execução de sentença já confirmada em segundo grau. Nesse passo, ninguém menos do que José Carlos Barbosa Moreira leciona que: “Nos temos do art. 497, 1.ª parte, ‘o recurso extraordinário e o recurso especial não impedem a execução da sentença’. A lei prevê aqui, a título de exceção, a produção antecipada do efeito executivo, que normalmente não se produziria senão a partir do trânsito em julgado. Apenas a do efeito executivo; não se alude neste dispositivo à antecipação da eficácia da sentença, in genere. (...) A problemática atinente ao início da eficácia sentencial, na pendência de recurso especial e/ou extraordinário, não se restringe, é claro, ao tópico da execução. Tem-se sustentado em doutrina, por exemplo, que as sentenças constitutivas só começam a surtir efeitos uma vez transitadas em julgado; em relação a elas, pois, não caberia invocar a falta de suspensividade de quaisquer recursos.”37 Cândido Rangel Dinamarco também assinala que, em relação às sentenças constitutivas, “não sofre dúvida que a pendência de recurso especial e/ou extraordinário (rectius: de qualquer recurso) constitui óbice à produção de efeitos”.38 Sendo o título judicial que veda a contratação do Poder Público desconstitutivo, os efeitos de tal provimento só serão produzidos a partir do seu trânsito em julgado. Nessa ótica, pronunciando-se especificamente sobre o tema, Eduardo Yoshikawa ensina que:

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“O capítulo da sentença que, ao julgar procedente ação de improbidade administrativa, determinar a sua aplicação, tem, inequivocamente, natureza constitutiva e não condenatória, vez que altera o status do demandado. Via de consequência, como qualquer sentença constitutiva, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas em lei (v.g., como a que decreta a interdição), somente produz seus efeitos normais após o trânsito em julgado, não comportando, antes disso, “execução” ou efetivação provisória, à semelhança do que ocorre com as penalidades de perda de função pública e suspensão dos direitos políticos, nos termos do art. 20 da Lei de Improbidade Administrativa, ficando vedada, por isso mesmo, a inclusão do nome do réu no Cadastro Nacional de Condenados por ato de Improbidade Administrativa – CNCIA enquanto estiver pendente algum recurso contra a aplicação da referida penalidade.”39 Converge para este entendimento, o que fora estatuído na Resolução 44/2007, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável por instituir o Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa (CNCIA):40 “Art. 1º Instituir o Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa – CNCIA, o qual reunirá as informações do Poder Judiciário sobre pessoas físicas e jurídicas definitivamente condenadas por atos de improbidade no Brasil, nos termos da Lei 8.429.” Ao falar em pessoas físicas ou jurídicas “definitivamente condenadas por atos de improbidade”, a Resolução transcrita aponta no sentido de que, para produzirem efeitos, as decisões judiciais que proíbam empresas de contratar com o Poder Público devem transitar em julgado – porquanto, como é corrente, a definitividade é elemento ínsito somente aos provimentos jurisdicionais albergados pela coisa julgada material, isto é, insuscetíveis de serem alterados, exceto pela estreita via rescisória. Ademais, não nos impressiona o argumento, destilado pela professora Maria Sylvia Zanela Di Pietro, de que a ausência de menção expressa à proibição de contratar com o Poder Pública pelo art. 20, da Lei de Improbidade,41 permitiria a sua execução provisória. A uma, porque, conforme vimos, as sentenças constitutivas só adquirem eficácia com o seu trânsito em julgado e, em sendo assim, qualquer exceção a esta regra somente é admitida por expressa previsão legal. A duas, porque, ontologicamente, a proibição de contratar com o poder público é sanção de gravidade manifestamente comparável à “perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos” – reprimendas em relação às quais, o supracitado dispositivo legal, expressamente condicionou a produção de efeitos ao trânsito em julgado.42 3. Antecipação dos efeitos da tutela: limites e possibilidades A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional é o mecanismo processual que permite, ao autor da demanda, a satisfação precária (provisória e reversível), porém imediata, de sua pretensão – desde que comprovados a probabilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e o risco de danos de difícil reparação ocorrerem ao longo do curso processual regular (periculum in mora).43

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O presente tópico será dedicado, precisamente, a investigar a possibilidade jurídica da antecipação dos efeitos da tutela constitutiva e, mais especificamente, quais são as possibilidades e os limites do instituto no que toca à proibição de contratar com o Poder Público. Estudar-se-á também outros instrumentos processuais, relacionados à tutela de urgência, que podem ser manejados in causu. Antes da edição da Lei 8.952/94,44 a antecipação da tutela era fenômeno basicamente restrito às ações possessórias.45 O aludido diploma, ao alterar a redação do art. 273 do Código de Processo Civil de 1973, praticamente universalizou o campo de aplicação do instituto – prestigiando, assim, as doutrinas da instrumentalidade e da efetividade do processo e referendando, por assim dizer, a jurisprudência das “cautelares satisfativas”.46 Contudo, verifica-se que há algum dissídio doutrinário quanto à possibilidade da antecipação das tutelas declaratórias e constitutivas – eis que, consoante também já se expôs, em tais modalidades de ação a prolação da sentença de procedência coincide com a satisfação dos direitos autorais, sendo prescindíveis (leia-se: inexistentes) quaisquer atos executórios posteriores. “Como a sentença de cunho meramente declaratório não admite execução, porque o autor se contenta com o mero acertamento do direito litigioso, claro que quando o pedido tiver sido de tal espécie, não tem cabimento pretensão antecipatória. Porque a sentença constitutiva independe de execução, é possível concluir que, sob pena de vulneração do princípio do contraditório, não é possível deferir liminarmente a antecipação de tutela e tal ordem.”47 No mesmo sentido, manifesta-se João Batista Lopes, para quem “a eficácia declaratória (juízo de segurança) ou certeza (na linha da doutrina majoritária) é contemporânea ao trânsito em julgado, não podendo, pois, ser antecipada. A declaração, para conferir segurança ou certeza, não pode ser provisória, revogável ao longo do procedimento”.48 No cenário italiano, também Edoardo Ricci se posiciona pela restrição da antecipação da tutela “aos casos de atuação forçada (lato sensu executiva) dos direitos, com exclusão quer da tutela declarativa, quer da tutela constitutiva”.49 Contudo, a melhor doutrina sobre a controvérsia em questão parece ser professada, e bem explicada, por Humberto Theodoro Júnior: “Parece intuitivo que a declaração de certeza e a constituição de uma nova situação jurídica apenas possam ser alcançados pela sentença definitiva de mérito, após cognição completa e exauriente, não havendo como antecipar provisoriamente o puro efeito declaratório constitutivo. Há, porém, que se fazer a distinção entre o efeito declaratório e constitutivo e os efeitos práticos que decorrem da declaração e da constituição de uma situação jurídica. Se a declaração e a constituição, em si mesmas, não correm risco de dano pela demora do processo, o mesmo não se pode dizer em relação aos efeitos práticos que o titular da pretensão tem em mira alcançar com apoio no provimento judicial.”50 Com base nessas premissas, é lícito afirmar que não há óbice à antecipação da tutela declaratória ou constitutiva. Nesses casos, consoante se viu acima, a antecipação que se busca é referente não à declaração ou à constituição em si mesmas, mas aos efeitos concretos que emanarão delas. Nesse sentido, pede-se vênia para transcrever e aderir à

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conclusão a que chegou Humberto Theodoro Júnior:51 “Qualquer sentença, mesmo as declaratórias e constitutivas, contém um preceito básico, que se dirige ao vencido e que se traduz na necessidade de não adotar um comportamento que seja contrário ao direito subjetivo reconhecido e declarado ou constituído em favor do vencedor. É a sujeição do réu a esse comportamento negativo ou omissivo em face do direito do autor que pode ser imposto por antecipação de tutela, não só nas ações condenatórias, como também nas meramente declaratórias e nas constitutivas. Reconhece-se, provisoriamente, o direito subjetivo do autor e impõe-se ao réu a proibição de agir de maneira contrária, ou incompatível com a facultas agendi tutelada. Dessa maneira, é antecipação de tutela a liminar que no mandado de segurança suspende a execução do ato administrativo ilegal ou nulo, assim como é da mesma natureza a liminar que, na ação declaratória de inconstitucionalidade, suspende o cumprimento, provisoriamente, da lei impugnada. É, ainda, medida de tutela antecipatória, a liminar na ação possessória, bem como as que arbitram aluguel, in limine, nas ações revisionais, ou a indenização nas ações desapropriatórias. As mais variadas ações, portanto, admitem liminares de natureza antecipatória, tanto em caráter positivo, permitindo ao autor verdadeira execução provisória de seu direito contra o réu, como também em caráter negativo, sujeitando este a vedações e proibições, diante da situação jurídica provisoriamente reconhecida àquele”.52 É necessário, contudo, discutir se a proibição de contratar com o Poder Público pode, no âmbito de uma Ação Civil Pública de Improbidade, produzir efeitos antes do trânsito em julgado da decisão. Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves consideram que, “no que diz respeito às sanções do art. 12, como já afirmado, nenhuma possibilidade de antecipação haverá em razão da cláusula de presunção de não culpabilidade”.53 Contudo, a proibição de contratar com o Poder Público não se caracteriza exclusivamente como uma sanção, isto é, uma reprimenda extrapenal, mas de índole retributiva, a um ato de improbidade. A aludida proibição é também medida assecuratória à moralidade administrativa e aos cofres públicos e, em alguns casos, pode ser essencial para impedir o reiteramento de condutas ímprobas. Um exemplo ajuda a ilustrar o ponto. Imagine-se que uma empreiteira de pequeno porte mantenha ligações espúrias com o prefeito de determinado município. Através de dispensas indevidas, direcionamentos e outras fraudes licitatórias, a prefeitura contrata, por preços consideravelmente superiores aos praticados no mercado, a mencionada empreiteira para realizar diversas obras e serviços. É certo que existem medidas, como a declaração de inidoneidade e a suspensão temporária do direito de licitar (Lei 8.666/93, art. 87, IV e V), que estão à disposição da Administração Pública para afastar dos certames empresas que não se relacionem de modo probo e lícito com o Estado. Acontece que, em casos similares ao exemplo narrado, as autoridades administrativas titulares de tais prerrogativas estão envolvidas com os malfeitos e, certamente, não procurarão atuar proativamente para evitar a repetição de novos desvios. São nessas hipóteses, em que há concreto risco de novos atos de

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improbidade serem praticados, que a proibição de contratar com o Poder Público pode ser objeto de tutela de urgência. Nessa ótica, tem-se que a antecipação de tutela não se mostra instrumento idôneo para elidir a espera pelo trânsito em julgado e precipitar a eficácia da interdição do direito de contratar com o Poder Público – enquanto sanção.54 A tutela de urgência que pode ser aplicada aqui é a de natureza inibitória,55 a ser deferida para impedir a prática ou prevenir a repetição de atos de improbidade administrativa – quando houver comprovado risco de que danos ao erário continuem a ocorrer durante o trâmite processual. 56 “Do contrário, as normas que proclamam direitos, ou objetivam proteger bens fundamentais, não teriam qualquer significação prática, pois poderiam ser violadas a qualquer momento, restando somente o ressarcimento do dano. Como o direito material depende – quando pensado na perspectiva da efetividade – do processo, é fácil concluir que a ação preventiva é conseqüência lógica das necessidades do direito material.”57 A não admissão, in abstracto, da tutela inibitória acabaria por transgredir o princípio do acesso à Justiça, na fórmula consagrada pela Constituição Federal (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”),58 permitindo, in casu, a concretização de incontáveis atos lesivos ao erário que poderiam ser evitados. Cabe acrescentar que a tutela inibitória autoriza não somente a proibição liminar de contratar com o Poder Público, como a suspensão de procedimentos licitatórios viciados e contratos ilícitos, além da retenção de pagamentos comprovadamente indevidos ou superfaturados e de outras medidas que se mostrem necessárias à prevenção de ilícitos tendentes a se materializar. Na forma do art. 300, do Código de Processo Civil de 2015, a tutela provisória de urgência – em qualquer de suas modalidades – deve ser concedida somente quando reunidos “elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano”. Dada a gravidade da proibição de contratar com o Poder Público, parece ser exigível que a satisfação dos aludidos requisitos se afigure incontroversa e seja bem fundamentada pelo juiz. É preciso, especialmente, comprovar a urgente necessidade da medida proibitiva para prevenir iminentes danos ao erário. Ao se debruçar especificamente sobre a tutela de urgência da pretensão de proibição de contratar com o Poder Público, Ana Paula Gaio, em artigo publicado na Revista Eletrônica de Direito Processual, conclui ser: “possível a sua aplicação judicial como tutela inibitória para evitar a repetição da prática de um ato contrário ao direito, no caso em comento, de um ato de improbidade administrativa, já que o julgador deve adotar as medidas que forem necessárias para garantir a prevenção do ilícito na forma do art. 461 do Código de Processo Civil. Não há dúvidas de que, comprovados os requisitos para a concessão da tutela inibitória, a imposição de tal restrição é a medida necessária e suficiente para evitar a repetição da prática do ato contrário ao direito, sendo que o intento da medida judicial não é sancionatório, mas essencialmente preventivo de repetição do ato de improbidade administrativa durante o longo trâmite da ação de conhecimento condenatória.”59 O Superior Tribunal de Justiça, em importante julgado sobre o tema, divulgado no

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Informativo de Jurisprudência 531, avaliza o entendimento ora advogado: “5. Ressalvadas as medidas de natureza exclusivamente sancionatória – por exemplo, a multa civil, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos – pode o magistrado, a qualquer tempo, adotar a tutela necessária para fazer cessar ou extirpar a atividade nociva (...). Nesse contexto, a liminar concedida pelo juízo de primeiro grau para proibir a demandada de receber novas verbas do Poder Público e com ele contratar ou receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios guarda relação de pertinência e sintonia com o ilícito praticado pela ré, sendo evidente o propósito assecuratório de fazer cessar o desvio de recursos públicos, nos termos do que autorizado pelos preceitos legais anteriormente citados.”60 Reiterando o entendimento de que a proibição de contratar com o Poder Público, enquanto sanção cominada a ato de improbidade, só se torna eficaz com o trânsito em julgado do título judicial proibitivo, ressalva-se a possibilidade da concessão de tutela provisória de urgência, na modalidade inibitória, quando caracterizado o risco iminente de que o réu venha causar novos prejuízos ao erário, em contratos que ainda estejam em vigor ou em avenças a serem assinadas. 3.1. Detração e múltiplos atos de improbidade contemporâneos A proibição de contratar com o Poder Público imposta por decisão judicial provisória, embora se fundamente na necessidade de refrear iminentes atos lesivos ao erário, acaba acarretando os mesmos efeitos práticos que emanariam do trânsito em julgado do título judicial proibitivo, de índole sancionadora. Nesse sentido, se o demandado cumprir, durante o trâmite processual, a integralidade do interregno em que lhe seria vedado contratar ou receber benefícios fiscais do Poder Público,61 será forço reconhecer a satisfação da pretensão punitiva do Estado e, via de consequência, revelar-se-á juridicamente inviável a condenação definitiva do réu à penalidade por ele já cumprida durante o curso processual. Essa foi a conclusão a que chegou Uadi Lammêgo Bulos, em célebre parecer sobre o tema.62 Acaso o tempo de impedimento provisório seja inferior ao lapso temporal das sanções previstas no art. 12, da Lei de Improbidade, será igualmente necessário, por força do raciocínio acima desenvolvido, detrair o tempo já cumprido durante o trâmite do processo daquele em que o réu deveria, após o trânsito em julgado, se abster de contratar e receber benefícios fiscais do Estado. Na hipótese da medida inibitória alcançar menos entes ou órgãos do que a sanção definitiva, a extinção da punibilidade ou a detração deverá ocorrer somente quanto aos entes ou órgãos administrativos que foram alcançados pela proibição liminar de contratar com o poder público, fundada na tutela inibitória. Por derradeiro, há de se considerar a hipótese de múltiplos atos de improbidade terem sido praticados, pelos mesmos agentes, durante dado período pretérito. Se forem somados os prazos de todas as sanções aplicáveis à totalidade dos atos de improbidade cometidos, acabaremos, em alguns casos, impondo inconstitucionalmente uma sanção

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excessivamente longa ou, até mesmo, de caráter materialmente perpétuo. 63 Nesse prisma, traz-se à colação relevante precedente acerca do tema em análise: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI 8.429/92. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. MULTIPLICIDADE DE CONDENAÇÕES. SOMATÓRIO DAS PENAS. TRÂNSITO EM JULGADO. ART. 20, LEI 8429/92. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. A concomitância de sanções políticas, por atos de improbidade administrativa contemporâneos, impõe a detração como consectário da razoabilidade do poder sancionatório. 2. A soma das sanções infringe esse critério constitucional, mercê de sua ilogicidade jurídica. 3. Os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, corolários do princípio da legalidade, são de observância obrigatória na aplicação das medidas punitivas, como soem sem ser as sanções encartadas na Lei 8429/92, por isso que é da essência do Poder Sancionatório do Estado a obediência aos referido princípios constitucionais.”64 À luz do julgado transcrito, parece razoável propor que as sanções de proibição de contratar com o poder público e de suspensão dos direitos políticos relacionadas à múltiplos, porém contemporâneos, atos de improbidade sejam aplicadas de uma só vez, respeitando-se os prazos máximos previstos na Lei 8.429/92. Desse modo, parece lícito concluir que somente as penas de índole pecuniária admitem irrestrito somatório – eis que tal cumulação é necessária à integral reparação de múltiplos danos causados ao erário. Apenas nesse caso, não se teria uma sanção excessiva, mas tão somente a reparação integral dos prejuízos perpetrados. Não se pode, contudo, elastecer demais a regra da não cumulação a ponto de convolá-la em imunidade para novos atos de improbidade. Dessarte, parece apropriado defender que novas condutas ímprobas, cometidas após a propositura da primeira ação civil pública, devam ser sancionadas de modo independente dos atos de improbidade anteriores ao seu ajuizamento – sendo passíveis, pois, de ensejar a imposição judicial de novo período de absenteísmo das contratações administrativas. 4. A prescritibilidade e a independência da pretensão de proibir agentes ímprobos de contratarem com o Poder Público Revela-se oportuno esclarecer, de imediato, que as sanções cominadas no art. 12, da Lei de Improbidade são todas prescritíveis – à exceção, segundo entende parcela da doutrina e a maior parte dos juízes pátrios, da pretensão de ressarcimento ao erário. 65 A disciplina expressa da prescrição, no subsistema da Lei 8.429/92, restringe-se aos agentes administrativos (art. 1.º) e, por força de recente modificação legislativa, aos diretores e funcionários de entidades privadas custeadas com recursos públicos (art. 1.º, parágrafo único): “Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

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II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. III – até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1.º desta Lei. (Incluído pela Lei 13.019, de 2014).” A Lei de Improbidade, como se pode perceber, é silente no que tange aos prazos prescricionais aplicáveis aos terceiros (leia-se: pessoas extrínsecas aos quadros do Estado ou das entidades financiadas com recursos públicos) que induzam ou concorram para uma conduta ímproba. Face a essa omissão legislativa, a doutrina amplamente majoritária e a sedimentada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça optaram por defender que são aplicáveis, ao terceiro, os mesmos prazos e marcos prescricionais previstos para os agentes públicos que agiram em conluio com eles. À guisa de ilustração, observe-se: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PARTICULAR BENEFICIÁRIO DO ATO ÍMPROBO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. SIMETRIA COM PRAZO DO AGENTE PÚBLICO. PRECEDENTES. 1. Esta Corte Superior entende que o termo inicial da prescrição em improbidade administrativa em relação a particulares que se beneficiam de ato ímprobo é idêntico ao do agente público que praticou a ilicitude, a teor do disposto no art. 23, I e II, da Lei 8.429/92. Precedentes. 2. Ademais, ainda que a título de obiter dictum, cumpre reafirmar que esta Corte alberga o entendimento de imprescritibilidade da pretensão de condenação por dano ao erário e o respectivo ressarcimento, formulada em ação civil pública, ante o disposto no art. 37, § 5.º, da Constituição da República. Recurso especial improvido.66 *** 2 – A compreensão firmada no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, nas ações de improbidade administrativa, para o fim de fixação do termo inicial do curso da prescrição, aplicam-se ao particular que age em conluio com agente público as disposições do art. 23, I e II, da Lei 8.429/1992. 3 – O objetivo da regra estabelecida na LIA para contagem do prazo prescricional é justamente impedir que os protagonistas de atos de improbidade administrativa – quer agentes públicos, quer particulares em parceria com agentes públicos – explorem indevidamente o prestígio, o poder e as facilidades decorrentes de função ou cargo públicos para dificultar ou mesmo impossibilitar as investigações. 4 – Afasta-se, pois, a tese de ocorrência da prescrição, porque, na espécie, o agente público que atuou em conjunto com o particular desligou-se do cargo apenas no ano seguinte ao da propositura da ação civil pública. 5 – Não bastasse, nos moldes da jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, é imprescritível a pretensão de ressarcimento de danos causados ao erário por atos de improbidade administrativa.”67

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Em sede doutrinária, a orientação predominante não é diferente.68 Exemplificativamente, confira-se trecho da obra de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves: “Restando demonstrado que o terceiro jamais responderá pelo ato de improbidade de forma isolada, sendo imperativo que para o ilícito tenha concorrido um agente público, constatasse que a qualidade deste, por ser o elemento condicionante da própria tipologia legal, haverá de nortear, do mesmo modo, a identificação do lapso prescricional. Em razão disto, seria despiciendo e atécnico qualquer dispositivo que viesse a estatuir tratamento específico para o extraneus, pois este, por mais grave que seja o ilícito praticado, não estará sujeito ao regramento da Lei 8.429/1992 se agir de forma isolada, desvinculado de um agente público.”69 Consoante demonstram o excerto doutrinário e os precedentes transcritos, predominantemente se entende que o dies ad quo da prescrição, para os particulares, deva ser fixado com base nos critérios e, por força deles, na própria dinâmica funcional dos agentes públicos que, em conjunto com os mencionados agentes privados, tenham concorrido para a prática ímproba. Isso porque a sistemática prescricional aplicável à generalidade dos atos de improbidade faz com que o prazo quinquenal só comece a fluir quando do “término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança” (Lei 8.429/92, art. 23, I). Dito de outro modo, o que equivocadamente se defende é a transcendência de uma causa impeditiva da prescrição,70 de índole absolutamente pessoal,71 para um terceiro – que sobre ela não tem o menor controle ou relação direta. Como parece intuitivo, o telos da mencionada causa impeditiva é evitar, através do diferimento do termo inicial do prazo prescricional, que o agente público ímprobo não seja judicialmente acionado em função do prestígio e do poder inerentes ao cargo que ocupa. A Lei 8.429/92 não previu a comunicabilidade de tal causa impeditiva e o seu indevido alargamento subjetivo contraria as feições basilares do instituto, além de provocar, como será destacado mais adiante, expressivos prejuízos à segurança das relações jurídicas. Quanto ao instituto das causas impeditivas ou suspensivas da prescrição, revela-se imperioso transcrever precisa lição de Gustavo Tepedino: “O fundamento do benefício, tanto da suspensão como do impedimento, é a ocorrência de uma condição ou uma situação pessoal que impossibilite a cobrança do crédito. Sendo, portanto, um benefício pessoal, a regra estabelecida neste comando legal é que somente podem invocar a suspensão ou o impedimento da prescrição aquelas pessoas a quem o legislador se referiu nas hipóteses anteriormente comentadas, não alcançando terceiros, nem mesmo os seus credores solidários.”72 Ainda mais elucidativas são as clássicas palavras de Washington de Barros Monteiro, para quem o impedimento e a suspensão da prescrição são “estritamente pessoais”, alcançando “apenas as pessoas taxativamente enunciadas” pela Lei que os instituiu.73 Registre-se, por oportuno, que essa interpretação doutrinária dos aludidos institutos é unissonamente adotada no Brasil, pelo menos, desde o advento do Código Civil de 1916.74 Por força da jurisprudência do STJ, contudo, o prazo prescricional que, a priori, seria de cinco anos, pode acabar estendido, mesmo para o particular, em décadas – a depender do

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tempo de permanência do agente público ímprobo em seu cargo. Os efeitos práticos de tal entendimento, como parece evidente, são deletérios. Não se pode calcular a exata dimensão dos prejuízos, à segurança jurídica, que dele são oriundos. Imagine-se, a título exemplificativo, quantas pessoas e direitos seriam atingidos pela superveniência de decisão que proíba uma grande empreiteira, constituída sob a forma de sociedade anônima de capital aberto, de contratar com o Poder Público, por conduta praticada há 20 anos antes da deflagração de processo judicial com esta finalidade. Para que não se olvide da centralidade do instituto da prescrição em relação à segurança e à previsibilidade das relações sociais, transcreve-se célebre passagem da obra de San Tiago Dantas: “Esta influência do tempo, consumindo o direito pela inércia do titular, serve a uma das finalidades supremas da ordem jurídica, que é estabelecer a segurança das relações sociais. Como passou muito tempo sem modificar-se o atual estado de coisas, não é justo que se continue a expor as pessoas à insegurança que o direito de reclamar mantém sobre todos, como uma espada de Dâmocles. A prescrição assegura que, daqui em diante, o inseguro é seguro; quem podia reclamar não mais o pode. De modo que, o instituto da prescrição tem suas raízes numa das razões de ser da ordem jurídica: estabelecer a segurança nas relações sociais – fazer com que o homem possa saber com o que conta e com o que não conta.”75 A perplexidade acima relatada já fora identificada por Mauro Roberto Gomes de Mattos, que sustenta, a nosso ver com correção, que o dies a quo da prescrição deva ser, para o particular, a data em que o fato tido como ímprobo ocorreu: “Diante do silêncio da supra referida norma legal, que não focaliza a situação jurídica dos particulares/terceiros prevalece a regra geral da prescrição, que é de cinco anos, contados do fato tido como irregular ou ilícito. Este raciocínio decorre da determinação do art. 2.º do Dec. 20.910/32, que impõe o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para o exercício de “todo o direito”, sem exceção, contra a Fazenda Pública ou dela para os administrados. Dessa forma, a prescrição para o particular/terceiro que não exerça função pública deve ser de 5 (cinco) anos, contados da data do ato tido como ímprobo, pois do contrário, haverá a colisão com a regra geral da prescrição.”76 O único ponto em que discordamos do autor citado pertine ao fundamento legal utilizado para respaldar o entendimento que fora transcrito. A nosso ver, o regime prescricional aplicável à pretensão proibitória estudada, ao menos no âmbito da União, deve ser aquele instituído pela Lei 9.873, de 23 de novembro de 1999, que disciplina a “prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal”. Embora o aludido diploma trate, nomeadamente, das sanções administrativas decorrentes do exercício do poder de polícia, ele parece constituir a melhor referência normativa para suprir a omissão da Lei 8.429/92. Saliente-se, nessa linha, que o uso do recurso analógico para a colmatação desse tipo específico de hiato legislativo é amplamente admitido pela doutrina.77

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Conquanto não haja maiores consequências práticas, quanto à fixação do termo inicial da prescrição,78 convém notar que o regramento da Lei 9.873/99 é, em alguns pontos, bastante diverso do regulamento geral da prescrição das pretensões titularizadas ou oponíveis ao Estado – que ainda consta do Dec. 20.910, de 06 de janeiro de 1932. Nesse sentido, observe-se, por exemplo, as causas interruptivas da prescrição especialmente previstas na Lei 9.873: “Art. 2.º Interrompe-se a prescrição da ação punitiva: (Redação dada pela Lei 11.941, de 2009) I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; (Redação dada pela Lei 11.941, de 2009) II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; III – pela decisão condenatória recorrível. IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal. (Incluído pela Lei 11.941, de 2009)” Assentado nas mesmas premissas que fundamentam o entendimento acima comentado, o Superior Tribunal de Justiça vem também entendendo ser juridicamente impossível que os particulares figurem sozinhos no polo passivo de uma ação de improbidade administrativa. Tem-se, abaixo, precedente que bem ilustra tal tendência jurisprudencial: “ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE FIGURAR APENAS PARTICULARES NO POLO PASSIVO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE AGENTE PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. (...) 4. É inegável que o particular sujeita-se à Lei de Improbidade Administrativa, porém, para figurar no polo passivo, deverá, como bem asseverou o eminente Min. Sérgio Kukina, "a) induzir, ou seja, incutir no agente público o estado mental tendente à prática do ilícito; b) concorrer juntamente com o agente público para a prática do ato; e c) quando se beneficiar, direta ou indiretamente do ato ilícito praticado pelo agente público" (REsp 1.171.017/PA, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25.2.2014, DJe 6.3.2014). 5. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que "os particulares não podem ser responsabilizados com base na LIA sem que figure no polo passivo um agente público responsável pelo ato questionado, o que não impede, contudo, o eventual ajuizamento de Ação Civil Pública comum para obter o ressarcimento do Erário" (REsp 896.044/PA, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16.9.2010, DJe 19.4.2011). Agravo regimental improvido”.79 Com a vênia devida, não se pode confundir – e isso é o que mais se tem feito – a inaptidão do particular para, isoladamente, ser sujeito ativo de atos de improbidade com a sua suposta falta de legitimidade passiva para ser demandado, nas bases da Lei 8.429/92, pelas condutas ímprobas que, em momento anterior, tenha adotado em conluio com

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agentes públicos. Nesse sentido, embora o particular não possa, sozinho, praticar ilícitos qualificáveis como atos de improbidade administrativa, ele reúne iniludível e incondicionada legitimidade passiva ad causam para responder pelos atos de improbidade que tenha cometido em conjunto com agentes públicos, ainda que esses não constem do polo passivo da ação civil pública de improbidade manejada para tanto. Registre-se, por oportuno, que a Lei de Improbidade Administrativa, em seu art. 3.º, previu que suas disposições “são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”. Ao fazê-lo, como se vê, a Lei 8.429/92 não previu qualquer condição ou exigência processual especial para que os particulares possam ser sancionados nos seus termos. Com a devida vênia, parece-me que a referida jurisprudência do STJ cria, em alguns casos, uma esdrúxula hipótese de extinção de pretensões punitivas contra particulares ímprobos, desprovida de qualquer esteio legal ou razoabilidade. De acordo com esse entendimento pretoriano, por exemplo, a morte de um agente público ímprobo poderia implicar automática extinção das penalidades cominadas, pela Lei 8.429/92, aos particulares que concorreram para o ato de improbidade ou dele dolosamente se beneficiaram, restando hígida somente a pretensão ressarcitória pelos danos eventualmente causados. 5. Proposições conclusivas Assentados na premissa de que a sentença proibitiva, embora dotada de índole punitiva, ostenta natureza desconstitutiva – eis que tolhe de per si a legitimação do apenado para celebrar contratos com a Administração (não se submetendo, pois, à sistemática executiva, provisória ou definitiva, que é própria das sentenças condenatórias) –, defendemos que a proibição de contratar com o Poder Público só se torna eficaz com o trânsito em julgado do título judicial. Em sequência, defendemos a possibilidade da medida proibitiva ser aplicada, durante o trâmite processual, a título de tutela inibitória, para prevenir a materialização de iminentes danos ao erário, quando estiverem robustamente caracterizados os requisitos autorizadores da concessão de decisão liminar nesse sentido: o fumus boni iuris (probabilidade do direito alegado) e o periculum in mora (risco dos ilícitos e danos serem perpetrados no curso do processo). Nada obstante, propugnamos a tese de que o interregno em que o réu restou proibido de contratar com o Poder Público, por força de tal medida inibitória, deva ser detraído do tempo de interdição que seria cumprido após o trânsito em julgado do respectivo provimento judicial. Assim, concluímos ser possível, até mesmo, que a pena máxima (aplicável ao ato ímprobo imputado ao requerido) seja integralmente cumprida e, portanto, extinta durante o trâmite da ação de improbidade. Por derradeiro, tivemos a oportunidade de assentar e elaborar sobre a prescritibilidade e a independência da pretensão de proibir pessoas física e jurídicas ímprobas de contratarem com o Poder Público. Nesse prisma, em sentido contrário à orientação jurisprudencial estabelecida pelo STJ, defendemos que, embora particulares não possam cometer

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condutas qualificáveis como improbidade administrativa sem o concurso de agentes públicos, eles podem figurar sozinhos no polo passivo de ações civis públicas de improbidade. Destacamos, ainda neste tópico, que a doutrina e os juízes parecem confundir a inaptidão do particular para, por si só, ser sujeito ativo de atos de improbidade com a sua suposta ilegitimidade passiva processual para ser, isoladamente, demandado pelas condutas ímprobas cometidas (em conluio com agentes estatais). Em paralelo, defendemos que não são extensíveis aos particulares o regime de prescritibilidade aplicável aos agentes públicos que agiram em concurso com eles. Isso porque as causas impeditivas especiais, previstas pela Lei 8.429/92, não devem – dado o seu caráter estritamente pessoal – exorbitar “as pessoas taxativamente enunciadas” pelo legislador. Nesse sentido, defendemos a aplicabilidade analógica do regime prescricional das pretensões punitivas titularizadas pela Administração Pública, que, nos termos do art. 1.º, da Lei 9.873, de 23 de novembro de 1999, restou fixado em cinco anos “contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado”. 6. Referências bibliográficas ANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil (LGL\2002\400) Brasileiro Interpretado. Vol. II. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1942. ARIETA, Giovanni. I provvedimenti d'urgenza. 2. ed. Padova: Cedam, 1985. AVELAR, Maria Carla de. “O trânsito em julgado e o cumprimento de decisão judicial que comina a sanção de proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios prevista no art. 12 da Lei 8.429/92”, In: Fórum administrativo 134: 19, 2001. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. BARBOSA, Rui. Posse de Direitos Pessoais. Bauru: Edipro, 2008. BARROSO, Luís Roberto. “A Prescrição Administrativa no Direito Brasileiro Antes e Depois da Lei 9.873/99". Revista Diálogo Jurídico. Ano I, vol. I, n. 4, 2001. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis Beviláqua. vol. 1. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1931. BULOS, Uadi Lammêgo. "Poder Público — Proibição temporária de contratar — Incentivos fiscais e creditícios — Condenação desproporcional" (Parecer). In: Boletim de Licitações e Contratos. São Paulo: NDJ, ano 17, n. 8, p. 549-572, ago. 2004. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol. 1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998. CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.

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empresa como a CBPO, mesmo tendo cometido grave infração contratual que a torna ímproba, venha a ter decretada sentença de morte. Sim, porque nenhuma empresa de grande porte resistirá a ficar por cinco anos sem contratar com o serviço público em toda e qualquer unidade da Federação”. (STJ, EDcl no REsp 1021851/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 23.06.2009, DJe 06.08.2009; Excerto retirado do voto da Min. Eliana Calmon) 4 “É imperioso assinalar a dimensão dos efeitos produzidos por uma punição generalizada, que inviabilize que o sancionado participe de qualquer contratação administrativa. Essa solução é dotada de gravidade extrema e somente pode ser aplicada em situações muito graves. Deve-se anotar que existem empresas cuja atuação se faz preponderantemente no setor de contratações administrativas. Impor sanção impeditiva dessa atuação equivale a promover a extinção da empresa. A sanção pode equivaler, então, a uma determinação de dissolução da empresa”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 16. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 1162-1163). 5 A depender das circunstâncias, a proibição de que diversas empresas contratem com o Poder Público pode levar a demissões em massa e a desorganização de setores produtivos. As retrações econômicas, a exemplo da recessão que o Brasil vem enfrentando desde o final de 2014, prejudicam a arrecadação tributária na medida em que a reduzem a quantidade de riquezas tributáveis que são geradas no país. 6 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 18. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 8. 7 Na definição de Sérgio Campinho, a empresa "manifesta-se como uma organização técnico-econômica, ordenando o emprego de capital e trabalho para a exploração, com fins lucrativos, de uma atividade produtiva" (CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 11). Segundo Arnaldo Rizzardo, a “empresa como entidade organizada, ou como, na denominação de Américo Luís Martins da Silva, ‘fenômeno econômico da produção organizada’, é instituto genérico e impessoal que abrange os vários tipos de sociedade, voltados à produção e circulação de bens ou serviços, com finalidade econômica, e objetivando o lucro”. (RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 20). Nesse prisma, Arnoldo Wald acrescenta que a empresa “configura-se como atividade econômica e envolve uma gama muito maior de interesses, tais como dos empregados, dos consumidores, do Fisco, etc.” (WALD, Arnoldo. Comentários ao Novo Código Civil. V. XIV: livro II, do direito de empresa. Coordenadores: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 30). 8 De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a dissolução desnecessária de uma sociedade empresária "nada aproveitaria aos valores sociais envolvidos, no que diz respeito à preservação de empregos, arrecadação de tributos e desenvolvimento econômico do país. À luz de tais razões, o rigorismo legislativo deve ceder lugar ao princípio da preservação da empresa" (STJ, EREsp 111.294/PR, Rel. Ministro CASTRO FILHO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28.06.2006, DJ 10.09.2007, p. 183). Em outro julgado, a Ministra Nancy Andrighi nos lembra que “existe o interesse público, igualmente considerável, na preservação da empresa em dificuldades financeiras, com a

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manutenção das unidades produtivas e de postos de trabalho” (STJ, AgRg no AgRg no CC 119.970/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28.08.2013, DJe 17.09.2013; Excerto do voto da ministra relatora). 9 “O princípio da preservação da empresa reconhece que, em torno do funcionamento regular e desenvolvimento de cada empresa, não gravitam apenas os interesses individuais dos empresários e empreendedores, mas também os metaindividuais de trabalhadores, consumidores e outras pessoas; são estes últimos interesses que devem ser considerados e protegidos, na aplicação de qualquer norma de direito comercial”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 1: Direito de Empresa. 20 ed. São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 76). Sobre o tema, v. também: NEDER CEREZETTI, S. C. A recuperação judicial de sociedade por ações: o princípio da preservação da empresa na Lei de Recuperação e Falência. São Paulo: Malheiros, 2012; PUGLIESI, Adriana Valéria. Direito Falimentar e Preservação da Empresa. São Paulo: Quartier Latin, 2013. 10 “Como a sanção de proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios resulta da incompatibilidade verificada entre a conduta do ímprobo e o vínculo a ser mantido com a Administração, recomenda-se sua aplicação imediata, também tendo em vista que as sanções da Lei 8.429/92, além de pretender inibir qualquer nova conduta dos condenados em atos de improbidade, têm ainda a força pedagógica e intimadora de inibir a reiteração da conduta ilícita”. (AVELAR, Maria Carla de. “O trânsito em julgado e o cumprimento de decisão judicial que comina a sanção de proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios prevista no art. 12 da Lei 8.429/92”, Fórum administrativo 134: 19, 2001). 11 Vale consignar que, em recente decisão (17.02.2016), nos autos do HC 126292, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, revendo a jurisprudência sedimentada na Corte, admitiu a execução provisória da pena privativa de liberdade após o julgamento a sua confirmação por Tribunal de segunda instância. Em outros termos, a indigitada decisão passa a permitir que as condenações penais sejam cumpridas antes do trânsito em julgado do título judicial condenatório. 12 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 927. 13 Cf. MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 324. 14 STJ, DJe 23.05.2013, Resp 1.374.924/ES – decisão monocrática, Rel. Min.Mauro Campbell Marques 15 TRF5, DJe 03.11.2014, AC 200884000135060, Rel. Desembargador Federal Vladmir Carvalho. 16 TJ/RS, ED 70041651142, Rel. Des. Denise Oliveira Cezar, Data de Julgamento: 28.04.2011, Vigésima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05.05.2011.

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17 STJ, DJ 23.11.2004, MC 9.218 / SP, Rel. Min. Luiz Fux, Decisão Monocrática. 18 As sentenças definitivas são aquelas que resolvem o mérito da lide e, por isso, tem aptidão para serem albergadas pela coisa julgada material. De outra ponta, há as sentenças terminativas que conduzem à mera extinção do feito sem resolução do mérito. Nesse sentido, confira-se: “Embora não esteja no texto da lei, não há maiores divergências doutrinárias quanto a se classificar a sentença em duas categorias: as que contém resolução de mérito, chamadas sentenças definitivas, e as que não resolvem o objeto do processo, denominadas de sentenças terminativas. São sentenças terminativas aquelas proferidas com base em qualquer das hipóteses previstas no art. 267 do Código Processo Civil, como por exemplo, a que reconhece a ‘carência de ação, ou a que homologa a desistência da ação. De outro lado, são sentenças definitivas aquelas proferidas por alguma das razões previstas no art. 269 do CPC (LGL\2015\1656), de que são exemplos a sentença que acolhe ou rejeita o pedido do demandante e a sentença que homologa a transação”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol. 1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998, p. 388). 19 Hodiernamente, grande parte da doutrina considera que, além das três classes de sentença clássicas, existem duas outras: as mandamentais e as executiva lato sensu. A propósito, v. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil: processo de conhecimento. vol. 2. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 280-283. 20 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo civil: processo de conhecimento, v. 1. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2000, p. 162. O mencionado autor, no decorrer da página seguinte, prossegue afirmando que: “A tutela declaratória, enquanto tal, esgota-se com a simples emissão da sentença e com a correspondente produção da coisa julgada material. O bem da vida, neste caso, para usarmos a terminologia de CHIOVENDA, é justamente, e apenas, a obtenção de uma sentença com força de coisa julgada, que torne indiscutível, numa eventual demanda futura, a existência, ou a inexistência, daquela relação jurídica que o juiz declara existir ou não existir”. 21 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil: processo de conhecimento. vol. 2. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 278. 22 Os direitos potestativos são prerrogativas jurídicas que, diferentemente dos direitos subjetivos, não se contrapõem a um dever jurídico. O direito potestativo não exige qualquer prestação e, por isso mesmo, não há meios materiais para que o sujeito passivo se oponha ao seu exercício (estado de sujeição). Nesse sentido, v. DIDIER JÚNIOR, Fredie. “Sentença constitutiva e execução forçada”. Revista de Processo, v. 159, 2008, p. 67: “O direito potestativo não se relaciona a qualquer prestação do sujeito passivo, razão pela qual não pode e nem precisa ser ‘executado’, no sentido de serem praticados atos materiais consistentes na efetivação de uma prestação devida (conduta humana devida), de resto inexistente neste vínculo jurídico. O direito potestativo é direito (situação jurídica ativa) de criar, alterar ou extinguir situações jurídicas que envolvam outro sujeito (que se encontra em uma situação jurídica passiva denominada de estado de sujeição). O direito potestativo efetiva-se normativamente: basta a decisão judicial para que ele se realize no

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mundo ideal das situações jurídicas. É suficiente que o juiz diga ‘anulo’, ‘rescindo’, ‘dissolvo’, ‘resolvo’, para que as situações jurídicas desapareçam, se transformem ou surjam”. 23 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. vol. I. São Paulo: Livraria Acadêmica Saraiva & Cia., 1942, p. 283. 24 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil: processo de conhecimento. vol. 2. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 279. 25 Nesse sentido, Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. vol. I. São Paulo: Livraria Acadêmica Saraiva & Cia., 1942, p. 267-269. 26 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo civil: processo de conhecimento, v. 1. 5 ed. São Paulo: Ed. RT, 2000, p. 171. 27 MARIONONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 3: execução. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 23. 28 MANDRIOLI, Crisanto. L'azione esecutiva. Milano: A. Giuffrè, 1955, p. 310. Tradução livre: Nas sentenças meramente declarativas e nas sentenças constitutivos a tutela jurisdicional se exaure frutuosamente, mas nas sentenças condenatórias aquela exaure-se somente com uma fase executiva. 29 MARIONONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 3: execução. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 24. 30 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo civil: processo de conhecimento, v. 1. 5 ed. São Paulo: Ed. RT, 2000, p. 183. 31 O termo legitimação foi empregado em seu sentido técnico, referente à impossibilidade de exercício da capacidade de direito, para dados atos da vida civil, por determinado sujeito. A capacidade jurídica consiste na aptidão genérica para ser sujeito de direitos e obrigações e exercer os atos da vida civil em sentido lato. A legitimação, por seu turno, pode ser conceituada como a capacidade de direito para o exercício de atos da vida civil específicos, em relação aos quais certas peculiaridades da esfera jurídica do sujeito enfocado podem suprimir-lhe a capacidade (para o exercício daquele ato em particular). Confira-se, nesse sentido, os clássicos ensinamentos de Washington de Barros Monteiro: “Do ponto de vista doutrinário, distingue-se a capacidade de gozo da chamada legitimação. Conquanto tenha capacidade de gozo, a criatura humana pode achar-se inibida de praticar determinado ato jurídico, em virtude de sua posição especial em relação a certos bens, certas pessoas ou certos interesses. Medite-se no expressivo exemplo ministrado por Serpa Lopes: o proprietário tem direito de alienar livremente bens (capacidade de gôzo), mas para vendê-los a um dos descendentes, carece do prévio consentimento dos demais – art. 1.132 (legitimação). Os exemplos podem ser multiplicados. Nos leilões aduaneiros somente serão admitidos a licitar os importadores e comerciantes devidamente registrados no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda (Dec.-lei 37, de 18-11-1966,

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art. 70, com redação dada pela Lei n. 5.341, de 27.10.1967); a aquisição de propriedade rural no território nacional somente poderá ser feita por brasileiro, ou por estrangeiro residente no país (Lei 5.709, de 7.10.1971). A legitimação consiste, pois, em saber se uma pessoa, em face de determinada relação jurídica, tem ou não capacidade para estabelecê-la, num ou noutro sentido. Enquanto a capacidade de gôzo é pressuposto meramente subjetivo do negócio jurídico, a legitimação é pressuposto subjetivo-objetivo”. (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. vol. 1. Atualização: Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. 45. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 83-84). 32 Esse entendimento é expressamente acolhido por Eduardo Yoshikawa: “Com efeito, o julgador, ao aplicar referida penalidade, não profere uma verdadeira condenação, a qual, em caso de inadimplemento, possa ser executada, na forma prescrita pelo Código (="cumprimento" de sentença). A decisão, como ressaltado na decisão monocrática acima, altera o status do réu, que em razão desta verdadeira capitis deminutio deixa de possuir capacidade (de exercício ou de fato) para celebrar negócios jurídicos com determinadas pessoas de direito público (algo semelhante, mutatis mutandis, ao que ocorre na sentença de interdição, que coloca alguém sob curatela), o que independe de qualquer outra providencia ou instauração de nova fase do processo”. (YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. “Momento de eficácia da sentença que aplica a penalidade de proibição de contratar com o poder público”. Revista dialética de direito processual, v. 70, 2009, p. 23). 33 “Impedimento” é a nomenclatura utilizada por Caio Mário para designar o fenômeno da ausência de legitimação. Nesse sentido, confira-se: “Não se confunde também com a incapacidade a proibição que a lei estabelece a que certas pessoas realizem certos negócios jurídicos, como, por exemplo, fazer contratos com outras pessoas determinadas, ou quanto a bens a elas pertencentes. A lei proíbe ao tutor adquirir bens do pupilo (art. 1.749 do Código Civil (LGL\2002\400)); interdiz, sob pena de anulação, aos ascendentes vender aos descendentes, sem o expresso consentimento dos demais descendentes (art. 496 do Código Civil (LGL\2002\400)). Tais casos, e outros previstos expressamente, importam em impedimento para determinado ato jurídico, mas não traduzem incapacidade do tutor ou do ascendente, que conservam poder livre do exercício dos direitos civis. Apenas, por uma razão de moralidade são atingidos de uma restrição limitada especificamente aos atos previstos”. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. 1. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 227. 34 A proibição de contratar com o Poder Público, na verdade, consiste na interdição de um direito e, como bem leciona Carnelutti, as medidas interditivas “no constituyen a cargo del ciudadano peligroso una relación jurídica passiva, esto es, un deber (sujeción u obligácion), sino que solamente lo privan de una relación jurídica activa, esto es, de un poder (potestade, derecho subjetivo o facultad)”. (CARNELUTTI, Francesco. Lecciones sobre el Processo Penal. vol. I. Trad. Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: El Foro, 2002, p. 95). 35 YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. “Momento de eficácia da sentença que aplica a penalidade de proibição de contratar com o poder público”. Revista dialética de direito processual, v. 70, 2009, p. 23.

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36 “O momento em que entra em vigor uma sentença constitutiva, com a oferta de efetiva tutela jurisdicional ao autor, é o do trânsito em julgado. Não há uma execução provisória de sentenças constitutivas, pela simples razão de que sentenças dessa ordem não comportam efetivação pela via da execução forçada (cumprimento de sentença) nem são títulos executivos segundo a lei processual (só as condenatórias – art. 475-N, inc. I): quando liberados seus efeitos, a sentença constitutiva opera por si mesma, desde logo e automaticamente, a modificação jurídica determinada pelo juiz”. (YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. “Momento de eficácia da sentença que aplica a penalidade de proibição de contratar com o poder público”. Revista dialética de direito processual, v. 70, 2009, p. 23. 37 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. 5. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 285. 38 DINAMARCO, Cândido Rangel. “Momento de eficácia da sentença constitutiva”. Revista de Processo 63: 7-17, 1991. 39 YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. “Momento de eficácia da sentença que aplica a penalidade de proibição de contratar com o poder público”. Revista dialética de direito processual, v. 70, 2009, p. 23. 40 O aludido cadastro é o mecanismo responsável por conferir ampla publicidade às condenações por improbidade administrativa, inclusive as informações sobre pessoas físicas e jurídicas proibidas de contratar e receber incentivos fiscais e creditícios do Poder Público (art. 3.º, § 1.º, V). Por força da Resolução 172, de 08.03.2013, o CNJ alargou o objeto do Cadastro, que passou a conter também as informações dos condenados por atos que impliquem inelegibilidade. 41 Lei 8429/92, art. 20: "A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória". 42 Cf. MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 324: “Tendo em vista a natureza jurídica das sanções de proibição de contratar com o Poder Público e de receber benefícios e incentivos fiscais e creditícios, de inegável feição de restrição de direitos, a melhor solução é inseri-las na exceção do art. 20”. No mesmo sentido, Cf. GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2013, p. 724: “Consoante o art. 20 da Lei 8.429/1992, as sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos somente podem se efetivar com o, trânsito em julgado da sentença condenatória. O mesmo ocorrerá com as demais em sendo o recurso recebido em seu duplo efeito, situação que obstará, inclusive, a execução provisória. Transitada em julgado a sentença, a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública e a proibição de contratar com o Poder Público produzem efeitos imediatos, somente, sendo aconselhável a adoção das medidas pertinentes visando à ampliação de sua efetividade (v.g.: cancelamento da inscrição eleitoral, em se tratando de suspensão dos direitos políticos, ou comunicação à pessoa jurídica correspondente no caso de perda, da função pública ou de proibição de contratar), o que em nada se confunde com uma condicionante à produção de efeitos na

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esfera jurídica do ímprobo”. 43 A propósito, confira-se o art. 300, do Código de Processo Civil de 2015. Em idêntico sentido, veja-se o art. 273, do Código de Processo Civil de 1973. 44 É relevante notar, desde logo, que a referida lei foi promulgada posteriormente à Lei de Improbidade Administrativa. 45 As ações possessórias também costumam ser denominadas de interditos possessórios. Devido a tal restrição, Rui Barbosa erigiu a tese da “posse de direitos pessoais”, justamente, para estender a aplicação dos mecanismos antecipatórios para outros tipos de demandas jurídicas. (Cf. BARBOSA, Rui. Posse de Direitos Pessoais. Bauru: Edipro, 2008). 46 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Antecipação de Tutela em Ações Declaratórias e Constitutivas”. Revista dos Tribunais, v. 763, p. 12, 1999. 47 FRIAS, J. E. S. Apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Antecipação de Tutela em Ações Declaratórias e Constitutivas”. Revista dos Tribunais, v. 763, p. 12, 1999. 48 LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro, de acordo com a Lei 10.444/2002. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 57. 49 RICCI, Edoardo F. “Possíveis novidades sobre a tutela antecipada na Itália”. Genesis – Revista de Direito Processual Civil; Curitiba, v.7, 1998, p. 89. 50 THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Antecipação de Tutela em Ações Declaratórias e Constitutivas”. Revista dos Tribunais, v. 763, p. 16, 1999. 51 Esse parece ser o entendimento amplamente majoritário da doutrina, confira-se: DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 142; FUX, Luiz. Tutela de Segurança e Tutela de Evidência (fundamentos da tutela antecipada). São Paulo: Saraiva, 1996, p. 342; ZAVASCKI, Teori. “Antecipação da tutela e colisão de direitos fundamentais”. Ajuris. Porto Alegre, v. 64, 1997; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. “Alcance e natureza da tutela antecipatória”. In: Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier. (Org.). Doutrinas essenciais do processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2011, v. V, p. 449-458; ARIETA, Giovanni. I provvedimenti d'urgenza. 2. ed. Padova: Cedam, 1985. 52 Ibidem, p. 37. 53 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2013. 54 Neste ponto, pode-se traçar um paralelo com as prisões cautelares – de natureza preventiva ou temporária. Consoante bem assinala a doutrina e a jurisprudência, as prisões processuais não são instrumentos idôneos para promover a antecipação do cumprimento da pena privativa de liberdade, mas sim para prevenir a reiteração de ilícitos

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ou o comprometimento da persecução criminal. À guisa de ilustração, confira-se o seguinte precedente do Supremo Tribunal: “A PRISÃO PREVENTIVA – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR – NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU. – A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. – A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes. A PRISÃO CAUTELAR NÃO PODE APOIAR-SE EM JUÍZOS MERAMENTE CONJECTURAIS. – A mera suposição, fundada em simples conjecturas, não pode autorizar a decretação da prisão cautelar de qualquer pessoa. – A decisão que ordena a privação cautelar da liberdade não se legitima quando desacompanhada de fatos concretos que lhe justifiquem a necessidade, não podendo apoiar-se, por isso mesmo, na avaliação puramente subjetiva do magistrado de que a pessoa investigada ou processada, se em liberdade, poderá delinqüir, ou interferir na instrução probatória, ou evadir-se do distrito da culpa, ou, então, prevalecer-se de sua particular condição social, funcional ou econômico-financeira. – Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. – Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu”. (STF, Segunda Turma, DJe 27.03.2009, HC 93883, Rel. Min. Celso de Mello). 55 A propósito do tema, v. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória: Individual e Coletiva. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012. 56 O Superior Tribunal de Justiça tem admitido larga aplicabilidade da tutela inibitória no âmbito de Ações Civis Públicas. Exemplificativamente, confira-se: "A Ação Civil Pública tem por finalidade a repreensão a ilícito civil, bem como a prevenção e a reparação de eventuais danos dele decorrentes, daí a irrelevância da caracterização do fato como crime ou contravenção. E se crime ou contravenção existir, nada impede a concorrência simultânea das duas investigações (inquérito penal e inquérito civil) ou ações (criminal e civil), inclusive com o empréstimo e aproveitamento, por uma, de provas geradas pela outra, mesmo interceptações autorizadas, desde que assegurados o contraditório e a ampla defesa. Corolário dessa compreensão do sistema jurídico brasileiro, ou seja, da diversidade e autonomia das duas jurisdições, é o fato de que medidas assecuratórias e tutela inibitória, análogas entre si ou de índole similar, podem ser deferidas tanto na instância civil, como na penal, simultânea, isolada ou consecutivamente". (STJ, REsp 813.222/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08.09.2009, DJe

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04.05.2011). 57 MARINONI, Luiz Guilherme. “Tutela inibitória e de remoção do ilícito”. Ibero-Americana de Direito Público, v. 1, 2003, p. 16.

Revista

58 CF/88 (LGL\1988\3), art. 5.º, XXXV. 59 GAIO, Ana Paula Pina. “A concessão da tutela inibitória na improbidade administrativa”. Revista Eletrônica de Direito Processual (UERJ), v. XIV, 2014, p. 33-34. 60 STJ, REsp 1385582/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 01.10.2013, DJe 15.08.2014, Informativo de Jurisprudência 531. 61 Conforme o art. 12, da Lei 8.429, tal prazo é de dez anos para os atos de improbidade tipificados no art. 9.º da mesma Lei; cinco anos para as condutas ímprobas previstas no art. 10 e três anos para as infrações elencadas no art. 11. 62 BULOS, Uadi Lammêgo. "Poder Público — Proibição temporária de contratar — Incentivos fiscais e creditícios — Condenação desproporcional" (Parecer). Boletim de Licitações e Contratos. São Paulo: NDJ, ano 17, n. 8, p. 549-572, ago. 2004. Observe-se os seguintes excertos da resposta à consulta formulada: “Transitada em julgado a sentença condenatória (sic) do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, a Controlar estará isenta de cumprir nova penalidade, eis que, por mais de três anos, já suportou, ainda que de modo informal, os efeitos do veredito paulistano” (p. 571-572); “De qualquer sorte, reitere-se mais uma vez e sempre: a consulente já cumpriu a penalidade no curso do processo. Em razão disto, evidente que não há que falar [novamente] em proibição temporária de contratar com o Poder Público. E pouco importa se a sentença transitou ou não em julgado. Essa exigência formal é irrelevante, pois a Controlar, por mais de três anos, já se submeteu ao sumo da sanção que o Poder Judiciário paulista lhe impôs. Não se pode desconhecer a força dessa realidade, ao arrepio da parêmia ex facto oritur jus” (p. 569). 63 Lembre-se aqui que a Constituição Federal veda a instituição de penas, em sentido de lato, de caráter perpétuo (CF/88 (LGL\1988\3), art. 5.º, XLVII, b). 64 STJ, REsp 993.658/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15.10.2009, DJe 18.12.2009. 65 Sobre o ponto, v. GRINOVER, Ada Pellegrini. “Ação de improbidade administrativa: decadência e prescrição”. Interesse Público, v. 33, p. 55-92, 2005; GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2013, p. 711-726. O STF, em recentíssima oportunidade (03.02.2016), apreciou o Recurso Extraordinário 669.069 e entendeu serem prescritíveis apenas os danos ao erário decorrentes de ilícitos civis, assinalando a imprescritiblidade dos danos decorrentes de ilícitos penais ou atos de improbidade. Em paralelo, a jurisprudência de longa data sedimentada no âmbito do STJ pugna pela imprescritibilidade das pretensões de ressarcimento dos danos ao erário. A propósito, v.REsp 1.303.030/AL, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30.06.2015 e AgRg no AREsp 663.951/MG, Rel.

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Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20.4.2015. 66 STJ, REsp 1433552/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 05.12.2014. 67 STJ, REsp 1405346/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15.05.2014, DJe 19.08.2014. 68 No mesmo sentido, v. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 28.ª edição. São Paulo: Ed. Atlas, 2015, p. 1.148; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Improbidade Administrativa: Prescrição e outros prazos extintivos. São Paulo: Ed. Atlas, 2012, p. 192; DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética, 2007, p. 387; FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa – doutrina, legislação e jurisprudência. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 332; OLIVEIRA, Jose Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 403. 69 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2013, p. 724. 70 Conforme bem ensina a doutrina civilista, os prazos prescricionais podem ser obstados por causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas. As causas impeditivas diferem o termo inicial da prescrição, que não começa a fluir até o seu implemento. As causas suspensivas paralisam a fluência do prazo e, uma vez cessadas, conduzem a seu reinicio, a partir do momento da suspensão. As interruptivas implicam o recomeço do prazo prescricional, que voltará a fluir do “zero”. A propósito, PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. 1. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 586-590. 71 De acordo com João Manoel de Carvalho Santos, as causas impeditivas e suspensivas da prescrição possuem um caráter “absolutamente pessoal”. Cf. SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil (LGL\2002\400) Brasileiro Interpretado. Vol. II. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1942, p. 473: “Quer a suspensão, quer a impossibilidade de seu início fundam-se, pois, em um benefício pessoal. E com esse caráter absolutamente pessoal não impede que os cocredores exercitem o seu direito, ainda que haja solidariedade ativa. A regra é esta: o benefício da suspensão não pode, em geral, ser invocado senão pelas pessoas em proveito das quais foi estabelecido, e não pelos seus cointeressados”. No mesmo sentido, v. MALUF, Carlos Alberto Dabus. Código Civil comentado: prescrição, decadência e prova: artigos 189 a 232. Vol. III. Coordenador da série: Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2009, p. 66. 72 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil (LGL\2002\400) Interpretado conforme a Constituição da República. vol. I. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 381. 73 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. Vol. 1. Atualização: Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. 45. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 393.

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74 Nesse sentido, ilustrativamente v. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis Beviláqua. vol. 1. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1931, p. 441-442. Nas páginas referidas, o autor intelectual do Código Civil de 1916 comenta o art. 171 da aludida legislação – que, justamente, previa a incomunicabilidade das causas suspensivas e impeditivas da prescrição (exceto no caso de indivisibilidade obrigacional), a exemplo do que faz o art. 201, do Código Civil de 2002. 75 DANTAS, San Tiago. Programa de Direito Civil: Parte Geral. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1977, p. 397. 76 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O Limite da Improbidade Administrativa. 3. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006, p. 812. 77 “Ora, se até no direito disciplinar, em que sempre se exigiu lei expressa para fixar os prazos prescricionais, admite-se hoje a prescritibilidade, com muito mais razão essa prescritibilidade deve ser afirmada em relação às sanções fundadas no exercício do poder de polícia, pelos motivos já examinados. Na ausência de lei especial que fixe o prazo prescricional das sanções administrativas aplicáveis é de se recorrer, por analogia, à norma mais próxima dessas sanções”. (MEIRELLES, Hely Lopes. “Prescrição da pena administrativa”, Estudos e Pareceres de Direito Público. Vol. IX. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 380/381). No mesmo sentido, manifesta-se o professor Luís Roberto Barroso (“A Prescrição Administrativa no Direito Brasileiro Antes e Depois da Lei nº 9.873/99". Revista Diálogo Jurídico. Ano I, vol. I, n. 4, 2001). 78 O art. 1.º, da Lei 9.873/99, estabelece que “prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado”. Por seu turno, o art. 1.º, do Dec. 20.910/32 proclama que “dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”. 79 STJ, AgRg no AREsp 574.500/PA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02.06.2015, DJe 10.06.2015.

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