ASPECTOS RELEVANTES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – UCAM FACULDADE DE DIREITO CANDIDO MENDES – CENTRO CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – CPGD

ASPECTOS RELEVANTES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO Monografia apresentada como requisito indispensável para a para a obtenção do título de Especialista em Direito Processual Civil.

Aluno: Felipe Veiga Schottz

Orientador: Prof. RIO DE JANEIRO, FEVEREIRO, 2014.

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – UCAM FACULDADE DE DIREITO CANDIDO MENDES – CENTRO CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – CPGD

FELIPE VEIGA SCHOTTZ

ASPECTOS RELEVANTES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO Monografia apresentada à Faculdade de Direito Candido Mendes – Centro como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito Processual Civil.

Nota (

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Professor

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Professor

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Professor

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RIO DE JANEIRO, FEVEREIRO DE 2014.

RESUMO A efetivação dos direitos, no plano dos fatos, surge como uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo direito processual civil moderno. Nesse quadro, a técnica da antecipação dos efeitos da tutela constitui-se em uma das maneiras de aliviar as tensões existentes entre os direitos, de base constitucional, à efetividade e à segurança. Objetiva-se, nesta monografia, caracterizar e discutir os principais aspectos, requisitos e pressupostos da antecipação da tutela do pedido incontroverso, introduzida no art. 273, § 6º, do Código de Processo Civil, pela Lei n. 10.444/2002, além de sua natureza e relação com as demais hipóteses de tutela antecipada.

Palavras-chave Processo; antecipação; incontrovérsia; pedido.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................5 2 ASPECTOS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.....................................................6 2.1 JURISDIÇÃO E TEMPO.................................................................................................6 2.2 RISCOS À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO E TUTELA PROVISÓRIA.................8 2.3 JURISDIÇÃO E COGNIÇÃO.........................................................................................9 2.4 O DIREITO À EFETIVIDADE E À SEGURANÇA....................................................10 2.5 ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ESPÉCIES, EXTENSÃO E EFEITOS......................11 2.6 ASPECTOS PROCESSUAIS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA...............13 3 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO........................15 3.1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................15 3.2 ALGUNS CONCEITOS NECESSÁRIOS.....................................................................15 3.2.1 Cúmulo objetivo. Cisão quantitativa de pedido único............................................15 3.2.2 Objeto de prova......................................................................................................18 3.2.3 O ônus da impugnação especificada. Fatos que necessitam de prova ainda que incontroversos..................................................................................................................20 3.2.4 Defesa: direta e indireta de mérito e processual.....................................................22 3.2.5 Confissão e reconhecimento do pedido do autor....................................................23 3.2.6 Revelia e não contestação.......................................................................................24 3.2.7 A incontrovérsia......................................................................................................27 3.3 Antecipação por incontrovérsia do pedido. Requisitos e pedidos antecipáveis.............28 3.4 Natureza da decisão e precariedade da medida..............................................................29 3.5 Natureza jurídica e recurso da decisão...........................................................................32 4 CONCLUSÕES.....................................................................................................................37 REFERÊNCIAS........................................................................................................................38

1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por escopo analisar aspectos relevantes relacionados ao instituto da antecipação de tutela em razão da incontrovérsia parcial do pedido, incluído no ordenamento processual brasileiro pela Lei n. 10.444/2002 no parágrafo sexto do art. 273 do Código de Processo Civil. Na primeira parte, serão analisados os fundamentos – legais e de ordem fática – que permitem a concessão da medida e sua inclusão na legislação pátria, tais como os efeitos do tempo para a correta prestação jurisdicional, além das tensões provocadas pelos direitos à efetividade e à segurança – características que determinaram a escolha do tema apresentado. Para permitir melhor diferenciação com as demais tutelas de urgência – tanto as demais hipóteses de antecipação dos efeitos da tutela (tutela antecipada assecuratória e punitiva) quanto as tutelas cautelares –, serão explorados seus respectivos requisitos e principais características. Já na segunda, serão estudados conceitos necessários à correta delimitação do tema, como a cumulação de pedidos, espécies de defesa do réu, objeto de prova, além de condições para se considerar um pedido como incontroverso. Outrossim, serão averiguadas a natureza da decisão que antecipa os efeitos da tutela considerada e suas respectivas consequências no âmbito recursal, bem como analisadas as principais correntes doutrinárias a respeito. A metodologia empregada foi a documental, com todas as reflexões realizadas a partir da análise de textos.

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2 ASPECTOS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA 2.1 JURISDIÇÃO E TEMPO Uma das características do Estado moderno, no que se refere à questão da administração da justiça, é o monopólio da jurisdição. A resolução de conflitos que surjam no campo das relações interpessoais dá-se (ou se deve dar) a partir da apresentação do problema a um corpo técnico organizado pelo Estado, que, atuando a pedido, resolverá a controvérsia através da substituição da inteligência e vontade dos envolvidos. Não se admite, portanto, salvo exceções previstas em lei1, a autotutela. Assim, o Estado, tendo se arrogado no monopólio da utilização da força, deve prestar a tutela mais ampla possível. A tutela estatal padrão define-se, por isso, como aquela construída através de processo em que haja cognição exauriente e que assuma caráter de definitividade (ou imutabilidade), uma vez que deve açambarcar todo o conflito instaurado e solucioná-lo de forma perpétua, respeitando-se a segurança – um dos poucos valores a que pode aspirar com integridade, dispondo dos meios necessários para realizá-lo – daqueles que se submetem a sua autoridade. Ocorre que um dos grandes problemas, no que se refere ao procedimento surgido a partir de tais considerações, o procedimento ordinário, é justamente a espera necessária para que haja a certificação do direito pleiteado, fato que nem sempre é possível ao autor, uma vez que sua fruição lhe pode ser necessária desde logo, com o início da relação processual. Assim, ocorrem situações no campo dos fatos que ensejam a concessão de tutela que, por suas próprias características, deve se revestir do atributo da provisoriedade. Nas palavras de Teori Zavascki2: se o Estado assumiu o monopólio da jurisdição, proibindo a tutela de mão própria, é seu dever fazer com que os indivíduos a ela submetidos compulsoriamente não venham a sofrer danos em decorrência da demora da atividade jurisdicional. 1

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Uma das hipóteses é o desforço imediato, previsto no art. 1210, § 1º, do Código Civil: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”. Outra é a do penhor legal, cujo art. 1.470 do diploma civil assim estabelece: “Os credores, compreendidos no art. 1.467, podem fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo na demora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem”. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 28.

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Insere-se a temática da antecipação da tutela na tentativa de se conciliar o direito à prestação jurisdicional tempestiva com a necessidade de desenvolvimento dos debates entre os litigantes. Tendo tal situação em vista, o tempo deve ser encarado como um ônus, a ser repartido entre as partes para que a jurisdição possa ser exercida de maneira eficaz. Dessarte, quanto mais longa for a marcha processual, maior será o benefício gerado ao réu que não possui razão, àquele que efetivamente provocou ou provocará uma lesão, e maior o dano provocado ao autor que tenha razão. Conforme o magistério de Luiz Guilherme Marinoni3: Mas, ainda que o autor possa ter, na execução, o bem que persegue, a simples demora na sua obtenção é, por si só, fonte de dano. Trata-se do dano que Andolina denomina de 'dano marginal em sentido estrito' ou de 'dano marginal

de

indução

processual'.

O

tempo

do

processo

causa,

inevitavelmente, este dano. O dano que pode ser evitado através da tutela cautelar, ao contrário, não depende apenas da demora do processo e, por isso mesmo, não é peculiar a todo e qualquer processo.

Assim, tem-se que as regras processuais devem ser lidas e interpretadas de acordo com os direitos fundamentais de cariz constitucional, notadamente o direito à duração razoável do processo e à efetividade da jurisdição. Como solução, o processo, para garantir isonomia ao trato dispensado às partes, deve distribuir o ônus do tempo da demanda a um ou outro litigante de acordo com a probabilidade de sucesso que possa ser conferida aos argumentos de cada um. O mesmo autor sustenta a existência de um princípio de distribuição do ônus do tempo no direito processual brasileiro4: De modo que o conceito de título executivo extrajudicial e a consequente separação entre a ação de execução e a eventual ação de conhecimento (embargos do executado) constituem genuíno exemplo de distribuição de ônus do tempo da justiça entre o detentor do título extrajudicial e o devedor. É o que explica Scarselli: 'se a qualidade dos títulos executivos extrajudiciais decorre do fato de que estes representam a prova dos fatos constitutivos, então parece indiscutível que para o ordenamento jurídico esta prova é pressuposto suficiente para a instauração da execução. Nestes termos, os 3 4

MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de Defesa e Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 26. Ibid., p. 114/115.

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títulos executivos extrajudiciais – de cuja legitimidade ninguém nunca duvidou – demonstram melhor do que qualquer outro instituto processual a existência do princípio pelo qual o tempo do processo deve ser suportado pela parte que tem necessidade da instrução da causa, porque evidenciam que, em regra, o ordenamento supõe suficiente a prova dos fatos constitutivos para antecipar a execução à sentença de cognição exauriente.

2.2 RISCOS À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO E TUTELA PROVISÓRIA Nesse diapasão, as situações de risco à efetividade da prestação da tutela definitiva podem ser resumidas em três espécies: (1) aquelas que colocam em risco a certificação do direito material – nesse caso, a prova da existência do direito material encontra-se ameaçada, seja em virtude do longo lapso temporal em que se deve desenrolar o procedimento ordinário ou por algum outro motivo; (2) aquelas que colocam em risco a execução do direito material pleiteado – há, nessa hipótese, a dissipação, por parte do devedor, dos bens que possam assegurar a fruição do direito que porventura venha a ser afirmado; e (3) perigo de dano decorrente da demora na fruição do próprio direito pleiteado5. Por outro lado, inovações mais recentes no direito brasileiro permitiram o surgimento de tutelas visando à proteção contra embaraços injustificáveis à fruição do direito pleiteado, aptas a serem igualmente antecipadas – são os casos de abuso do direito de defesa e de incontrovérsia do pedido. A existência de tais tutelas visa à concreção, em âmbito infraconstitucional, da regra encartada n art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O que se observa, portanto, é que a tutela provisória poderá consistir em providências de duas naturezas distintas: aquelas que antecipam a própria fruição do direito inicialmente pleiteado, e aquelas que garantam a certificação do direito material discutido ou a futura execução do direito que possa, ao final, ser afirmado. Desse modo, surge como um pressuposto para a concessão de tais tutelas a existência de fato que coloque em risco o direito pleiteado, a própria efetividade da jurisdição, ou cause embaraços à necessária celeridade processual. Tutela provisória é, portanto, um termo guarda-chuva, utilizado para fazer 5

ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 49.

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referência tanto à tutela antecipada quanto à tutela cautelar. As diferenças entre as espécies são as seguintes: a tutela antecipatória guarda conteúdo similar ao da tutela definitiva, espraiando-se através do procedimento até que sobrevenha essa última; a tutela cautelar, por outro lado, possui conteúdo diverso daquele requerido para a tutela definitiva, sendo sua função assegurar a possibilidade de certificação do direito ou sua posterior execução, caso certificado, durando apenas enquanto persistir o estado de perigo. A tutela provisória, seja antecipada ou cautelar, possui dois limites de natureza temporal, que se relacionam a sua finalidade e a sua necessidade. Concretizado o fim a que se destina a tutela definitiva, impõe-se o término da tutela provisória. Por sua vez, a tutela provisória somente se justificará caso persistam as condições de fato que permitiram seu deferimento inicial. A tutela provisória reveste-se, ainda, do atributo da precariedade, uma vez que possível de revogação ou modificação a qualquer tempo, desde que haja mudança no estado de fato ou no estado de prova.

2.3 JURISDIÇÃO E COGNIÇÃO Conforme aduzido por Kazuo Watanabe6: Cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar, e valorar as alegações e as proas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do iudicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.

A cognição, por sua vez, dá-se em dois planos: horizontal (extensão) e vertical (profundidade). No primeiro deles, a cognição pode ser plena ou limitada, sendo todo o conflito apreciado ou apenas parcela dele. Já no segundo, poderá ser exauriente ou sumária, a depender da completude com que realizada. O processo em que a cognição tenha sido realizada de maneira exauriente assumirá o caráter de definitivo e, após o prazo da ação rescisória, imutável, seja em face de atos normativos superveniente ou mesmo com relação a 6

WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: RT, 1987, p. 41 apud DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – volume 1. 13. ed. Ed. JusPodivm, 2011, p. 311.

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atos do próprio Poder Judiciário. Por outro lado, a previsão de limitações a qualquer dos planos em que se desenvolve a cognição, por sua vez, é possível, sem que se possa falar, no entanto, em descumprimento a princípios constitucionais ou processuais. O art. 5º, LV, da Constituição da República não se configura, assim, em uma espécie de “direito a procedimento ordinário” – onde tais características se encontram dispostas em maior grau. A cognição realizada no processo poderá ser, desse modo, limitada e exauriente (p. ex. procedimentos de embargos de terceiro – art. 1054 do CPC –, desapropriação, ação monitória em que o réu não opõe embargos – art. 1102-A do CPC) Desse modo, a cognição, na tutela antecipada, é sumária, menos aprofundada verticalmente que sua correspondente tutela definitiva, e dependente de futura existência, ao menos potencial, dessa última. Não se deve, no entanto, confundir procedimento sumário, apto a gerar tutela definitiva – pois fundada em cognição exauriente –, com a tutela antecipada, necessariamente menos aprofundada que a concedida no processo principal e inapta a gerar coisa julgada material. Cognição sumária é aquela formada quando há qualquer tipo de constrangimento ao contraditório, em especial quando se limita a possibilidade de produção da prova.

2.4 O DIREITO À EFETIVIDADE E À SEGURANÇA Processualmente, o Estado deve garantir aos litigantes a possibilidade não só de provocar sua atuação, mas, de igual modo, a de obter a melhor decisão possível, em prazo adequado e com potencial de atuação no âmbito dos fatos – tal é o direito, de base constitucional, à efetividade da jurisdição (ou, ainda, de acesso à justiça ou à ordem jurídica justa). O direito à efetividade, sob o prisma processual, decorre da cláusula geral do devido processo legal: os direitos deve ser, além de simplesmente reconhecidos, efetivados. Portanto, processo devido é aquele efetivo7. Por outro lado, garante-se, no art. 5º, LIV e LV, da Constituição da República, que ninguém será privado de seus bens e liberdade sem o devido processo legal e o respeito ao contraditório e à ampla defesa. 7

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – volume 1. 13. ed. Ed. JusPodivm, 2011, p. 73.

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A colisão entre tais direitos, de índole constitucional, opera-se, no caso concreto, com relativa regularidade, desencadeada, na maior parte das vezes, pelo decurso do tempo, e deve ser harmonizada: a outorga de medidas de caráter provisório é uma maneira de assim proceder8. Assim, nas palavras de Teori Zavascki9: o poder jurisdicional de decretar medidas provisórias cautelares ou antecipatórias apresenta, simplesmente, o poder de formular regras de solução para os fenômenos concretos de conflito entre direitos fundamentais que formam o devido processo legal.

Desse modo, será legítima a tutela antecipada mesmo com relação aos casos em que sua antecipação seja concedida na sentença sujeita a recurso com efeito suspensivo ou reexame necessário, em virtude da ponderação realizada, em sede legislativa, que optou por privilegiar o vetor efetividade em detrimento, nesse caso, da segurança jurídica.

2.5 ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ESPÉCIES, EXTENSÃO E EFEITOS Atualmente, no direito brasileiro, as espécies de antecipação de tutela podem ser elencadas da seguinte maneira: (1) antecipação assecuratória – funda-se no receio de dano irreparável ou de difícil reparação, prevista no art. 273, I, do Código de Processo Civil; (2) antecipação punitiva – com base no abuso de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, com previsão no art. 273, II, do mesmo diploma; e (3) antecipação do pedido incontroverso – aplicável quando parcela do pedido ou um deles se mostrar, de plano, evidente, conforme o art. 273, § 6º, daquele estatuto. Os pressupostos comuns para a concessão de tutela antecipada, no que se refere aos itens (1) e (2) acima são: existência de prova inequívoca do direito afirmado e verossimilhança das alegações. A definição de verossimilhança, para a doutrina, é controversa: Teori Zavascki10 afirma que consistiria em grau de certeza maior que o da mera probabilidade, próximo àquele da liminar em mandado de segurança. Além dos dois pressupostos acima, exige-se ainda outro, este alternativo: que haja 8

Como técnica de resolução de conflitos de caráter constitucional, a antecipação de tutela deve observar as regras da necessidade, da menor restrição possível e da salvaguarda do núcleo essencial do direito. 9 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 70. 10 Ibid., p. 79

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receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito afirmado; ou a existência de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório por parte do réu. O risco afirmado ao direito deve ser grave, atual e concreto pra ensejar a concessão da medida. Abuso do direito de defesa faz referência a atos praticados dentro do processo (v. nesse sentido, art. 14, III e IV, do CPC), enquanto manifesto propósito protelatório diz respeito a atos praticados fora dele (como ocultação de provas, não devolução dos autos etc.). Os efeitos da tutela definitiva que podem ser antecipados são aqueles que poderiam decorrer, ao menos potencialmente, do conteúdo da sentença de mérito, efeitos que acarretem ou impeçam mudanças no plano dos fatos. A antecipação não serve, assim, para tutelar efeitos meramente jurídico-formais. Desse modo, é irrelevante a diferenciação normalmente feita entre ações declaratórias, constitutivas ou condenatórias para se determinar em qual espécie de ação a antecipação seria possível. O que se deve ter em mente são os efeitos práticos que a sentença de mérito poderia gerar com relação à ação proposta, quais modificações no plano dos fatos ela poderia gerar. São esses efeitos que poderão ser antecipados pela tutela. O cumprimento da decisão de antecipação da tutela seguirá as normas previstas para o cumprimento de prestação de fazer ou não fazer (art. 461, §§ 4º e 5º, do CPC), de prestação de entregar coisa (art. 461-A, § 3º, do CPC) e de pagar quantia (art. 475-O do CPC), a depender da modalidade de obrigação. A execução da medida é de inteira responsabilidade do requerente, que se obriga a reparar eventuais prejuízos causados (art. 475-O, I, do CPC). No entanto, a vedação prevista no art. 273, § 2º, do Código de Processo Civil não deve ser considerada de maneira absoluta. Deve-se tutelar em juízo o direito que demonstre ser verossímil em detrimento daquele implausível, sem prejuízo de que o magistrado imponha, tanto quanto possível, o oferecimento de garantias reais ou fidejussórias que entender necessárias. A medida poderá ser implementada pelo juízo através da expedição de ordens e mandados; frustrada, caberá a adoção do procedimento comum de execução provisória, antecedida, caso necessário, de prévia liquidação da decisão. Na hipótese do art. 273, I, do Código de Processo Civil, os meios de defesa previstos ao executado não terão, via de regra, efeito suspensivo, em virtude da própria situação que ensejou a concessão da antecipação da tutela. Tal decisão, que antecipa os efeitos da tutela, terá natureza interlocutória, constituindo título executivo judicial.

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Bem se vê, portanto, que o antigo princípio da nulla executio sine titulo, nos tempos atuais, não pode mais ser tido como existente; não se constitui mais no pressuposto lógico-jurídico para a instauração da execução - “abrir a via executiva a um direito não é uma consequência de sua existência, mas uma simples opção pela sua realização prática”11. Por fim, verifica-se que, a partir do advento da Lei n. 10.444/2002, a sentença proferida em processo cujo pedido fundamenta-se no art. 461 do Código de Processo Civil possui natureza executiva em sentido amplo, sendo cumprida no bojo do mesmo procedimento.

2.6 ASPECTOS PROCESSUAIS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA A antecipação da tutela sujeita-se ao princípio dispositivo, dependo, portanto, de expresso requerimento da parte interessada, entendida como aquela que postula a tutela definitiva, não necessariamente o autor. O juiz deverá abrir prazo para ouvir a parte contrária acerca do pedido de antecipação antes de decidir a respeito, a não ser que a própria demora daí decorrente puder, por si só, provocar dano direito alegado. Exaurido o contraditório, esse é o momento em que se deve dar a tutela do direito; adiar tal momento fere o princípio da duração razoável do processo. “O direito à duração razoável exige que o julgamento do mérito e a tutela do direito ocorram quando o pedido se torna maduro para definição (…)”12. A decisão que deferir ou não o pedido de antecipação da tutela antes da sentença poderá ser impugnada mediante agravo de instrumento, mesmo após a redação do art. 522 do Código de Processo Civil conferida pela Lei 11.187/05. O recurso será dirigido ao relator, que poderá, a requerimento do agravante e desde que relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão agravada. A decisão que aprecia pedido o pedido de antecipação da tutela constitui decisão interlocutória, uma vez que seu conteúdo jamais poderá importar em extinção do processo,

11 MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de Defesa e Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.46. 12 Ibid., p. 49.

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ainda que tenha sido proferida em conjunto com a sentença 13. Por outro lado, concedidas a tutela antecipada e a definitiva no mesmo ato, a doutrina majoritariamente entende que o recurso adequado para impugnar tal decisão será a apelação, em virtude da regra da unirrecorribilidade das decisões. Do acórdão que defere ou indefere medida liminar não é possível recorrer às instâncias extraordinárias (enunciado n. 735 da súmula do STF), uma vez que tal decisão é ainda provisória, pendente de confirmação pelos juízos ordinários. Entretanto, tal afirmação não pode ser tida como absoluta, já que a constitucionalidade do preceito normativo pode ser atacada, bem como o deferimento ou o indeferimento da medida pode ter acontecido com ofensa às normas legais que disciplinam a medida14. As medidas provisórias podem, em geral, ser modificadas ou revogadas, ocorrendo mudanças no estado dos fatos ou com o aprofundamento da cognição sobre o direito pleiteado. Não será qualquer modificação da situação fática, no entanto, que poderá justificar a revogação da antecipação da tutela já concedida, se o direito mantém-se verossímil; tal hipótese deve ser tida como excepcional, ao contrário de eventuais alterações no estado da prova, fundamentais para a manutenção da medida. A posterior prolação de sentença contrária ao direito afirmado na concessão de medida antecipatória provoca a revogação, imediata e ex tunc, de tal decisão (v. enunciado n. 405 da súmula do STF), mesmo que omissa a respeito. Ainda, na hipótese de superveniência de sentença que julgue a causa, eventuais recursos ainda pendentes de julgamento, interpostos contra decisão que deferiu ou indeferiu a medida antecipatória ficarão prejudicados. A antecipação da tutela perante os tribunais pode ser obtida de três maneiras: por pedido direto, mediante petição, nos casos de ações originárias (ação rescisória, mandado de segurança etc.) ou quando os pressupostos surgirem estando a causa na segunda instância; por recurso da decisão de primeiro grau; por pedido de antecipação da tutela recursal, processado como incidente ou, em casos excepcionais, por ação direta (mandado de segurança contra ato judicial, ação cautelar etc.).

13 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 128. 14 Ibid., p. 134/135.

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3 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO 3.1 INTRODUÇÃO A possibilidade de concessão de tutela antecipada pelo juiz ao verificar a incontrovérsia do pedido formulado na inicial foi inserida no ordenamento processual brasileiro pela Lei n. 10.444/02, que acrescentou o parágrafo 6º ao art. 273 do Código de Processo Civil, assim redigido: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. Tal hipótese supõe o cúmulo de pedidos na mesma ação ou que o pedido, ainda que único, possa ser cindido. Para Teori Zavascki15, enquanto as demais hipóteses de antecipação da tutela tem por finalidade balancear aplicação dos princípios constitucionais de segurança jurídica e da efetividade do processo, aquela contida no art. 273, § 6º se presta a cumprir os princípios da efetividade e celeridade (art. 5º, LXXVIII, da CRFB). Nesse sentido, a antecipação da tutela em virtude da evidência do fato constitutivo constitui-se em técnica do procedimento comum que permite a distribuição isonômica do tempo do processo, que deve ser suportado pela parte que necessita da instrução da causa. Não se limita, portanto, a situações específicas que privilegiam determinados atores processuais – como sói acontecer com relação à execução de título extrajudiciais.

3.2 ALGUNS CONCEITOS NECESSÁRIOS

3.2.1 Cúmulo objetivo. Cisão quantitativa de pedido único O autor pode cumular, em sua inicial, mais de um pedido dirigido ao órgão julgador – e normalmente assim faz. A cumulação pode ser classificada em própria, dividindose em simples e sucessiva e em imprópria, compreendo a cumulação subsidiária (ou eventual) e a alternativa. A cumulação própria de pedidos implica na possibilidade de acolhimento simultâneo de todos eles. Em uma mesma ação, o autor formula diversos pedidos, que 15 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 109/110.

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poderiam, cada um deles, consistir em ações diferentes, assim procedendo por razões de economia (não há, portanto, necessidade de conexão entre os pedidos). Há cumulação simples quando inexiste qualquer relação de precedência lógica entre as pretensões deduzidas em juízo – os pedidos, considerados mutuamente, são autônomos (A+B). Por outro lado, ocorre a cumulação sucessiva quando uma das pretensões possui precedência lógica sobre a consideração a respeito da outra ou das demais – o segundo pedido somente será apreciado se o primeiro for acolhido (se A, B). Essa precedência lógica pode se apresentar de duas maneiras: como uma relação de prejudicialidade (a rejeição do primeiro pedido implica na rejeição do segundo, ocorrendo julgamento de mérito) ou como uma relação de preliminaridade (a rejeição do primeiro pedido implica na impossibilidade de julgamento do segundo, não havendo julgamento de mérito)16. Dispõe o art. 292 do Código de Processo Civil que pode haver a cumulação de pedidos desde que: eles sejam compatíveis entre si; que o mesmo juízo seja competente para conhecer deles; e que para todos os pedidos seja adequado o procedimento escolhido. Por sua vez, a cumulação imprópria de pedidos consiste na formulação de diversos pedidos ao mesmo tempo, conhecendo o autor, de antemão, da impossibilidade de todos serem deferidos. Formula o autor diversos pedidos para que apenas um seja deferido, ou havendo a improcedência de um ou alguns deles, os demais sejam apreciados, e possam ser providos. Com relação à cumulação subsidiária ou eventual, o autor estabelece uma ordem de preferência no que se refere à apreciação de seus pedidos formulados na inicial: os pedidos subsequentes somente serão analisados se os anteriores forem rejeitados. Condiciona-se o atuar do magistrado à ordem apresentada, ainda que o réu reconheça a procedência de pedido subsidiário. Deve-se salientar que a cumulação imprópria de pedidos incompatíveis não é motivo, de plano, de inépcia da inicial, na forma do art. 295, parágrafo único, IV, do Código de Processo Civil. Encontra fundamento legal no art. 289 do mesmo diploma. Já no que tange à cumulação imprópria alternativa – que não se confunde com a hipótese do art. 288 do Código de Processo Civil, pedido único fundado em obrigação alternativa –, tem-se, nesse caso, a formulação, pelo autor, de mais de um pedido autônomo, 16 “São exemplos de cumulação sucessiva por prejudicialidade: a) a investigação de paternidade e alimentos; b) declaratória de inexistência de relação jurídica e repetição de indébito etc. É exemplo da cumulação sucessiva por pedido preliminar o formulado na ação rescisória: juízo de rescisão (iudicium rescindens) e o juízo de rejulgamento (iudicium rescissorium)”.

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para que apenas um deles seja concedido, sem, no entanto, expressar qualquer tipo de preferência entre um deles. Exemplo seria a hipótese de consignação em pagamento efetuada pelo devedor que desconhece o real credor e formula a demanda em face de mais de um réu (art. 895 do CPC)17. Por outro lado, a cumulação objetiva pode ocorrer não com relação à pluralidade de pedidos formulados, mas pela multiplicidade de causas de pedir (remotas18) referentes a um pedido único. Por exemplo: em ação de despejo, o autor poderá invocar, como violação do dever do contrato de locação, a falta de pagamento dos valores acordados e o desvio da destinação do imóvel19. O cúmulo objetivo inicial ocorrerá, ainda, em virtude da apreciação judicial dos chamados “pedidos” implícitos: casos em que o pedido principal inclui outras parcelas por força legal, como os juros legais, a correção monetária (art. 293 do CPC), a condenação nos custos do processo e honorários de sucumbência (art. 20 do CPC). Observa-se, na esteira do quanto até aqui disposto, que o mérito pode ser dividido em capítulos, na forma como apresentada, havendo o cúmulo de pedidos na inicial. A sentença deverá necessariamente apreciar cada um desses pedidos, permitindo o surgimento de diversas unidades autônomas de julgamento. Ocorre que um pedido, ainda que único, também pode ensejar esse fracionamento, hipótese que ocorrerá quando se trate de pedido relativo a coisas suscetíveis de contagem, medição, pesagem ou qualquer outra maneira de quantificação. Assim, a incontrovérsia que permite a antecipação da tutela, além de poder se estabelecer com relação a um dos pedidos formulados, pode se dar também em virtude da ausência de controvérsia quanto à parcela de pedido único. Na doutrina de Cândido Rangel Dinamarco20: É decomponível o objeto do processo, em primeiro lugar, quando o é o bem da vida, ou o conjunto de bens da vida sobre os quais incide a pretensão deduzida pelo demandante. Isso se dá sempre que, física e juridicamente, 17 O exemplo é de DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit., p. 449. 18 Apesar da existência de controvérsias, o vocábulo vem aqui grafado fazendo referência aos fatos geradores da pretensão, em oposição aos fundamentos jurídicos da demanda, entendida aqui como a causa de pedir próxima. 19 O exemplo é de SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Sentenças Parciais no Processo Civil – consequências no âmbito recursal. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 78. 20 DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 71/73.

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seja possível atribuir ao sujeito um minus em relação ao majus que ele pretende e pede, como nos pleitos relacionados com coisas suscetíveis de serem dimensionadas em peso, extensão ou quantidade ou, em geral, em unidades possíveis de serem separadas. Decompõe-se idealmente o objeto do processo, mediante uma abstração mental que permite ver, no pedido posto em juízo, tantas partes quantas sejam necessárias para dimensionar a tutela de modo adequado e atribuir ao autor somente uma parte daquilo que ele postula. O objeto do processo, simples nesse caso (e não composto), é tratado como se fora uma reunião de duas ou diversas pretensões, cada uma delas incidente sobre uma das partes que resultam dessa decomposição. Essa abstração mental conduz, em seu resultado prático, a tratar as parcelas ideológicas da pretensão deduzida como se foram pretensões autônomas desde sua formulação, dando-se a cada uma delas a solução que o juiz entender correta perante o direito material e os fatos confirmados pela prova. Chega-se, dessa forma, à procedência parcial da demanda, com a mesma facilidade que se teria se esta fosse composta de pedidos fragmentários deduzidos em cúmulo. A situação mais palpável, nesse quadro, é a das demandas que têm por objeto uma quantidade de bens fungíveis – e particularmente o dinheiro – os quais são, por natureza, suscetíveis de serem quantificados pelo número de unidades. (…) A decomponibilidade do objeto do processo apresenta-se também quando o bem da vida postulado, embora único, for divisível. O conceito de divisibilidade é o que está no Código Civil, a saber: “bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam”.

Bem se vê, portanto, que a incontrovérsia pode recair sobre os fatos que fundamentam um (ou mais) dos pedidos formulados, sobre uma das causas que fundamenta um (ou mais) dos pedidos formulados ou, ainda, sobre parte cindível de pedido único.

3.2.2 Objeto de prova O objeto da prova (thema probandum) no processo civil são os fatos que dão

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suporte à alegação das partes, deduzidas em juízo, as do autor, em sua peça inicial, e as do réu, durante a contestação. Conforme notícia doutrinária, fato, para o processo civil, exprime tudo o que não é direito21. Embora passível de severas críticas22 (que não serão aqui consideradas por não constituírem o escopo do trabalho), a doutrina brasileira tradicional, apoiada em Liebmann e Carnelutti, estabelece que a função da prova seria, primordialmente, formar a convicção do juiz acerca dos fatos da causa, estabelecendo-o como seu destinatário direto e principal, ao que caberia às partes o lugar de destinatários indiretos da atividade probatória. Assim é que o objeto de prova são os fatos que servem de fundamento à ação e à defesa, aqueles sobre os quais se apoia a lide. Ocorre, no entanto, que não são todos os fatos alegados pelo autor ou pela defesa que deverão, necessariamente, serem provados 23. Desse modo, devem ser provados, em juízo, os fatos que sejam controvertidos, aqueles relevantes para o solucionamento da lide e, ainda, os determinados. Fatos controvertidos são aqueles que, afirmados por uma das partes como verdadeiros, foram negados pela parte contrária. São aqueles a respeito dos quais instaurou-se controvérsia. Fatos relevantes, ou ainda influentes, são os que, justamente, possuam pertinência com o deslinde das questões postas em juízo; devem possuir algum tipo de relação ou conexão com a lide. Por fim, fatos determinados são aqueles que se revestem de atributos que lhes permitam diferenciar de outras situações assemelhadas24. Desse modo, não há necessidade de se comprovar os fatos incontroversos (art. 334, III, do CPC), sobre os quais não paira qualquer controvérsia, seja em razão da confissão ou não contestação da parte contrária (art. 334, II, do CPC), e, ainda, os fatos evidentes e os impertinentes à causa. Igualmente não será necessário provar os fatos impossíveis – categoria na qual se incluem os inverossímeis e os inacreditáveis – os possíveis de prova impossível (a impossibilidade pode advir por força de lei, caso das presunções de direito e por direito, pela natureza do fato, em razão de vedação legal de meio de prova – art. 401 do CPC –, ou quando condições do caso concreto impedirem a utilização de meio de prova – art. 420, pár. ún., III, do CPC). Desnecessária é a prova, ainda, no que tange aos fatos indeterminados e aos notórios (art. 334, I, do CPC), aqueles que são do conhecimento de todos ou imensa maioria 21 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 260. 22 V., nesse sentido, LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo – primeiros estudos. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. 23 ALVIM, José Eduardo Carreira. Op. cit., p. 270. 24 Ibid., p. 270/271.

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dos habitantes de determinada região25.

3.2.3 O ônus da impugnação especificada. Fatos que necessitam de prova ainda que incontroversos O ônus probatório é o encargo que pesa em cada uma das partes de provar aqueles fatos que constituam o fato do direito que cada uma delas alega possuir, em juízo. Satisfazê-lo é interesse do próprio onerado, na medida em que apenas assim o resultado do processo poderá lhe ser favorável. A existência de regras processuais voltadas à determinação de quais fatos cabem a cada sujeito processual comprovar, além de autorizar a distribuição desse ônus segundo critérios racionais, permite ao julgador resolver impasses quando a prova se mostrar ausente ou insuficiente, funcionando, portanto, como regra de julgamento. Conforme previsão do art. 302 do Código de Processo Civil, os fatos aduzidos pelo autor serão considerados verdadeiros, caso não sejam impugnados especificamente pelo réu, salvo: se inadmissível a confissão (art. 351 do CPC e art. 213 do CC/2002); se a inicial estiver desacompanhada de instrumento considerado da substância do ato (art. 366 e art. 320 do CPC; p. ex. a certidão do registro imobiliário, o testamento); ou se a peça de defesa, em sua totalidade, for incompatível com a veracidade dos fatos apresentados (incompatibilidade lógica entre o que foi arguido pelo demandado e o que não foi contestado). A regra aí encartada impede, portanto, a utilização, pelo réu, de contestação genérica aos fatos trazidos pelo autor em sua demanda. Ao autor compete, portanto, formular sua demanda de maneira clara e determinada26, enquanto o réu deve impugná-la, querendo, de maneira pormenorizada. Assim, a inobservância da norma deve acarretar a presunção de veracidade dos fatos articulados pelo autor na inicial27. Se incidente sobre todos os fatos, no entanto, deve provocar o julgamento antecipado do mérito. A não contestação específica dos fatos constitutivos narrados pelo autor implica, nessa esteira, a realização imediata do direito em questão, não existindo razão para a postecipação da tutela. Conforme aduzido por Luiz Guilherme Marinoni28: 25 Ibid., p. 272/273. 26 “Demanda obscura é inepta e o pedido genérico é apenas excepcionalmente admitido” (DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit., p. 513). 27 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 140. 28 Ibid., p. 164.

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O art. 302 do Código de Processo Civil, ao dispensar o fato não contestado de prova, impede que o juiz forme convicção própria a seu respeito. A não contestação não fornece ao juiz elemento para a formação da sua convicção sobre o fato não contestado. A não contestação apenas reduz a massa dos fatos controversos, impedindo que o fato não contestado seja objeto de prova e de questionamento judicial.

Há, no entanto, certos atores processuais que estão dispensados da observância da regra da impugnação especificada dos fatos articulados na inicial, conforme disposto no parágrafo único do art. 302 do Código de Processo Civil. O encargo não se aplica à defesa representada por advogado dativo, por curador especial ou por membro do Ministério Público. Justifica-se a possibilidade ao advogado dativo (art. 5º, parágrafos 3º e 4º, da Lei n. 1.060/1950) e ao curador especial em virtude da posição peculiar que ocupam no processo – geralmente, devem defender o representado sem possuírem maiores vínculos com ele; no mais das vezes sequer possuem acesso imediato àquele que devem defender em juízo. Quanto ao Ministério Público, após a Constituição da República de 1988, pode-se cogitar apenas da hipótese em que o Parquet aja como representante de réu incapaz, em demanda relativa a algum de seus direitos indisponíveis. Em suas demais atuações, o órgão do Ministério Público deverá observar a regra encartada no caput do art. 302 do Código de Processo Civil. Frise-se, ainda, que o defensor público deve igualmente observar o preceito, apenas vendo-se dele livre apenas quando atuar na condição de advogado dativo ou curador especial, que é uma de suas funções institucionais, conforme disposto no art. 4º, XVI, da Lei Complementar n. 80/1994. Por outro lado, há certas hipóteses em que, mesmo sendo o pedido incontroverso, não será possível a antecipação da tutela: sendo o pedido manifestamente descabido; no caso de colusão entre as partes; com relação a demandas em que se discutam direitos indisponíveis; caso o réu alegue defesa relativa a inexistência de pressuposto processual ou condição da ação; quando os fatos estejam em contradição com a defesa considerada em seu conjunto29. No entanto, não será qualquer defesa do réu que poderá afastar a incontrovérsia da matéria de fato, mas somente aquela defesa que não seja genérica, e se revista de seriedade. As respostas meramente evasivas, portanto, não servem para tornar controversos os fatos articulados pelo autor na inicial. Cabe lembrar que o dever das partes de expor os fatos em 29 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 110/111.

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juízo de acordo com a verdade decorre de previsão legal nesse sentido (art. 14, I e 17, II, ambos do CPC).

3.2.4 Defesa: direta e indireta de mérito e processual Ao ser chamado ao processo para se defender, o réu pode encetar uma série de atos, cada qual com consequências específicas no âmbito da relação processual deduzida em juízo: pode suscitar questões relacionadas ao exercício do direito de ação; pode levantar pontos atinentes a pressupostos processuais; ou pode apresentar defesa contra o mérito. O réu pode, ao apresentar sua defesa, levantar questões (pontos controvertidos) relacionadas à validade da relação processual, ao que se costuma dar o nome de exceção processual, independentemente de seu conteúdo e possibilidade ou não de seu reconhecimento de ofício pelo juízo. As exceções processuais, quanto aos efeitos que produzem, podem ser de dois tipos: dilatórias e peremptórias. São exceções dilatórias aquelas distendem o curso do processo, alongando-o, sem, no entanto, por fim à relação processual – são exemplos: a exceção de suspeição, a de impedimento e a de incompetência relativa. São peremptórias, por outro lado, aquelas que tem a possibilidade de pôr fim ao processo, exemplificadas pelas exceções de coisa julgada e litispendência. A defesa direcionada ao mérito, por sua vez, pode se relacionar com ele de maneira direta, quando o réu contesta a existência do próprio fato que dá causa e fundamento ao pedido do autor contido na inicial (defesa direta de mérito), ou pode atacá-lo de forma indireta, suscitando dúvidas quanto à existência de outros fatos que possam tornar ineficaz a pretensão da parte adversa (defesa indireta de mérito). Nesse caso, o réu é – ou se julga ser – titular de posição jurídica de direito subjetivo material oponível ao autor, que consiste na existência de um fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor. No sentido do quanto aqui aduzido, pode-se afirmar: fatos constitutivos são as ocorrências que preenchem a hipótese de aplicação de determinados direitos; fatos modificativos são aqueles que alteram a inicial constituição do direito (p. ex. o parcelamento ou pagamento parcial da dívida, a compensação); fatos extintivos são aqueles que provocam a

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cessação do direito ou relação jurídica já formados (p. ex. o pagamento integral da dívida 30); fatos impeditivos são aqueles que obstam a formação válida do direito ou impedem a produção dos efeitos normais que lhe são próprios (p. ex. erro, dolo, coação, ausência de capacidade civil). Conforme previsão do art. 333 do Código de Processo Civil, ao autor compete provar a ocorrência dos fatos constitutivos do seu direito, enquanto ao réu cabe provar a ocorrência de fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do autor. Em todos os casos acima apresentados, o réu não apresenta qualquer objeção às alegações do autor quanto à existência dos fatos constitutivos do seu direito, limitando-se a afirmar, no entanto, a existência de outros fatos passíveis de provocar a extinção, modificação ou impedimento do direito afirmado. Tais defesas são comumente chamadas de exceções substanciais ou preliminares de mérito pela doutrina, já que se relacionam com ele de maneira direta e, ainda, são decididas antes das questões substanciais propriamente ditas31. Desse modo, tem-se que a incontrovérsia do fato constitutivo pode decorrer da simples apresentação pelo réu dessa defesa indireta de mérito – quando reconhece, por pressuposto lógico o fato constitutivo do direito do autor. A antecipação da tutela é possível, portanto, quando, incontroverso o fato constitutivo do direito do autor, o réu apresenta defesa indireta que requeira dilação instrutória e seja infundada, entendida como tal aquela que seja incapaz de infirmar os argumentos trazidos pelo autor. Outrossim, cumpre salientar que o pedido será incontroverso não apenas nas hipóteses de não contestação ou de reconhecimento do pedido, mas também quando, contestado, não houver necessidade de instrução dilatória.

3.2.5 Confissão e reconhecimento do pedido do autor

Confissão é o ato de admitir como verdadeiro fato ou conjunto de fatos desfavorável à própria posição processual e favorável ao adversário – torna incontroverso o fato, determinando a dispensa de produção de provas a respeito. A confissão somente pode ser realizada pelo próprio réu ou por advogado com poderes especiais (v. art. 348 e art. 349, ambos do CPC). 30 A doutrina costuma elencar a prescrição como exemplo de fato extintivo do direito do autor (v., nesse sentido, ALVIM, José Eduardo Carreira. Op. cit., p. 270). Não parece ser o caso, no entanto, uma vez que a prescrição, como se sabe, tão somente encobre a eficácia da pretensão, não se relacionando diretamente com o direito em si ou sua formação válida. 31 Ibid., p. 194.

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O reconhecimento jurídico do pedido, por outro lado, envolve a admissão do próprio pedido formulado pelo autor na inicial, e não meramente dos fatos alegados. O reconhecimento do pedido é vinculante, tornando desnecessário ao juiz pronunciar-se a respeito do direito alegado. O reconhecimento parcial dá ensejo à antecipação da tutela (v. AI 325.936-7, TJPR, 13.03.2006). A não contestação e a confissão divergem do reconhecimento jurídico do pedido no que se refere à possibilidade de recurso: o reconhecimento do pedido é impeditivo do direito de recorrer. Somente pode haver reconhecimento do pedido ou confissão com relação a direitos disponíveis. A parte deve ser capaz de dispor do direito em questão.

3.2.6 Revelia e não contestação No que tange à revelia, o direito processual brasileiro caracteriza-a como a contumácia do réu. Devendo-se fazer presente32, e citado para tanto, o réu deixa de praticar um ato que o ordenamento considera importante para o regular desenvolvimento processual; comina-se ao faltoso, assim, uma sanção. A revelia produz diversos efeitos, alguns dos quais por vezes drásticos: os fatos afirmados pelo autor são reputados verdadeiros (efeito material – confissão ficta decorrente do art. 319 do CPC); decurso dos prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato (efeito processual – art. 322 do CPC); preclusão quanto à possibilidade de alegar determinadas matérias de defesa (art. 303 c/c art. 301, § 4º, ambos do CPC); possibilidade de julgamento antecipado da lide (art. 330, II, do CPC)33. Conforme noticiado pela doutrina34, há situações, no entanto, em que a própria lei retira da revelia a possibilidade de produzir a confissão ficta: (…) a) quando a citação houver sido ficta (por edital ou por hora certa), pois o curador especial haverá de promover a defesa do réu revel: art. 9º, II, c/c art. 302, parágrafo único (…); b) quando terceiro houver ingressado no 32 A moldura fática que caracteriza a revelia varia, “conforme o tipo de procedimento: no procedimento ordinário é a falta de contestação (art. 319 do CPC); no procedimento sumário [e no sumaríssimo], é a falta de comparecimento à audiência (art. 277, § 2º, do CPC); no procedimento monitório é a falta de interposição de embargos, e acarreta o reconhecimento do pedido (art. 1.102-C do CPC)” (ALVIM, José Eduardo Carreira. Op. cit., p. 255). 33 DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit., p. 531. 34 Ibid., p. 532.

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processo como assistente do revel, hipótese em que será considerado seu gestor de negócios (art. 52, parágrafo único, CPC brasileiro); c) se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação, não haverá revelia quanto ao fato comum entre o litisconsorte revel e o atuante (não se aplica, aqui, o princípio da autonomia dos co-litigantes) [art. 320, I, CPC]. (…) se o direito material em discussão for da categoria dos indisponíveis: em verdade, é melhor se entender como sendo direito sobre o qual a vontade das partes for ineficaz para produzir efeito jurídico pela ação que se pretende obter (art. 351, CPC, art. 213, CC/2002; …); e) se a inicial não estiver acompanhada de instrumento público que a lei considere da substância do ato. Há quem, como Amaral Santos, também estenda a exceção aos casos em que a petição inicial não se faz acompanhada de instrumento particular que a lei considere da substância do ato (p. ex., arts. 541, 997, 1.334, § 1º, 1.417, todos do CC/2002. Quem assim entende fundamenta a compreensão na exigência legal de que a petição inicial deverá ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

Nada obstante a longa lista, para efeitos de antecipação da tutela, a doutrina costuma apontar diferenças entre a não contestação e a revelia, entendida esta última, nos moldes como aqui disposta, como o não comparecimento do réu em juízo, ou seu comparecimento desassistido de advogado, quando necessário. Nesta última hipótese (da revelia), a doutrina é relutante em admitir que o mencionado ato-fato processual possa fundamentar a concessão da antecipação da tutela – costuma-se afastar a possibilidade de seu deferimento sob argumentos de cunho social35: Já a revelia pode decorrer não da vontade deliberada do réu, mas de sua própria falta de compreensão acerca do processo e dos ônus que são por ele impostos. Verifica-se que o réu, citado, deixa de comparecer a juízo, ou comparecendo, deixa de se fazer representar por advogado. A revelia pode trazer como pano de fundo toda uma questão social, a qual abrange desde a dificuldade de uma pessoa de baixa renda compreender a obrigação de vir a juízo até os obstáculos que lhe são impostos na contratação de um advogado. A revelia, em um país pobre como o nosso, pode representar mais o resultado de dificuldades práticas encontradas pelo réu do que uma omissão deliberada ou um manifesto desinteresse pelo processo. 35 DÓRIA, Rogéria Dotti. A Tutela Antecipada em Relação à Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed. rev. e atual. de acordo com a Lei 10.444/2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 104.

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A consequência processual da revelia é a possibilidade de julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, II, do Código de Processo Civil. Contudo, a questão social que envolve o fenômeno da revelia tem levado a doutrina e jurisprudência brasileiras a mitigar a sanção processual de tal sorte que hoje não é mais possível afirmar que o réu revel será necessariamente a parte vencida na demanda. (…)

Em igual sentido, afirma Luiz Guilherme Marinoni36: (…) A lição de José Barbosa Moreira revela a razão de ser da interpretação doutrinária e jurisprudencial: “Quem é esse réu que perdeu o prazo? Foi voluntária a omissão? Se não foi, que lhe terá dado a causa: imperfeita compreensão do chamamento ao juízo? Problema de saúde? Dificuldade em conseguir os serviços de um advogado? Impossibilidade material de remunerá-lo conforme o solicitado? Desconhecimento da existência de órgão apto a prestá-los gratuitamente? Atuação ineficiente de tal órgão, ou do advogado constituído – ou, ainda, de algum funcionário a quem a contestação foi entregue e que deixou de encaminhá-la aos autos? Veja-se que amplo leque de indagações se abre a partir daquele acontecimento de aparente (mas enganosa) singeleza. Uma infinidade de aspectos da vida social podem ser questionados com fundamento nele. Entrariam aí, a rigor, temas como o de nível de instrução do povo, o da abundância ou escassez de recursos financeiros, o da disponibilidade de serviços, o da formação profissional, o das condições de trabalho nos órgãos judiciais, e assim por diante”. Não se admite que a revelia possa tornar os fatos não contestados incontroversos porque não se toma em consideração, na análise desta questão, uma defesa (ou uma posição) ativa em si considerada. Considera-se, apenas, o não comparecimento (que, conforme visto, pode ter várias causas) – e não a defesa (ou o comparecimento sem apresentação de defesa) –, concluindo-se que não é razoável atribuir-se [sic] à revelia do réu a admissão dos fatos afirmados pelo autor.

Embora relevantes os ensinamentos dos autores, tem-se que a não aplicação da regra em questão deve ser precedida de análise, pelo magistrado, das circunstâncias de fato 36 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 147/148. A citação refere-se a MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sobre a multiplicidade de perspectivas no estudo do processo, cit., Revista Brasileira de Direito Processual, v. 56, p. 19/20.

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que envolvem a causa37. Apenas na hipótese de se verificar que, realmente, o comando normativo ali encerrado traria prejuízo desmedido ao réu, com a violação de preceitos constitucionais – acesso à justiça, igualdade material e devido processo legal –, é que estaria o juiz autorizado a não conferir aos fatos contidos na inicial a qualidade de incontroversos, com os efeitos processuais daí decorrentes38. Cumpre lembrar que, em qualquer hipótese, a revelia somente seria apta a gerar a antecipação da tutela pela incontrovérsia do pedido em caso de cúmulo de pedidos – pelo menos um pedido antecipável e outro sobre o qual não se opere o efeito material da sanção em questão. De outro modo, o próprio julgamento da lide em si seria antecipado, em virtude da regra contida no art. 330 do Código de Processo Civil.

3.2.7 A incontrovérsia

Considerando o quanto até aqui disposto, percebe-se que a incontrovérsia dos fatos alegados na inicial, para fins de antecipação da tutela em razão da incontrovérsia do pedido, pode advir: (1) da não contestação, por parte do réu que comparece em juízo, de algum ou alguns dos fatos apresentados (descumprimento do ônus da impugnação especificada); (2) da revelia em relação a parte do mérito 39, existindo outra parcela sobre a qual não se produza a confissão ficta; (3) do reconhecimento da procedência de um dos pedidos; (4) do reconhecimento parcial de pedido único cindível; e (5) ainda da confissão. Como se observa, a incontrovérsia se dá com relação aos fatos trazidos pelo autor na inicial. É sobre eles que há a necessidade de instrução probatória e, sendo tal necessidade inexistente no caso concreto, em relação a todo o pedido ou parte dele, se abrirá ao magistrado a possibilidade de julgar antecipadamente a lide (art. 330 do CPC) ou antecipar a tutela com relação ao pedido ou parcela de pedido único que tenham se mostrado 37 Cumpre mencionar que DIDIER JUNIOR entende possível a antecipação parcial caso o efeito material da revelia se opere em relação a parte do pedido: Curso de Direito Processual Civil – volume 2. 6.ed., Ed. JusPodivm, 2011, p. 541. 38 Conforme salientado por STRECK, Lenio Luiz: “uma lei só pode deixar de ser aplicada em seis hipóteses: a) se for inconstitucional, b) se for possível uma interpretação conforme a Constituição, c) se for o caso de nulidade parcial sem redução de texto, d) no caso de uma inconstitucionalidade parcial com redução de texto, e) se estiver em face de resolução de antinomias e f) no caso do confronto entre regra e princípio (com as ressalvas hermenêuticas no que tange ao pamprincipiologismo)” Porque tanto se descumpre a lei e ninguém faz nada? Artigo disponível em: . Acesso em 27 de janeiro de 2014. 39 Considerando as ressalvas acima dispostas.

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incontroversos. Ao contrário do quanto sustentado por Fredie Didier Junior40, a incontrovérsia em questão não traz relação com o objeto do processo, mas sim com os fatos apresentados ao juízo. Ora, se controvérsia não paira sobre a matéria fática em tela, outra via não resta ao juízo a não ser lhe conferir o correto enquadramento legal, julgando a lide, portanto.

3.3 Antecipação por incontrovérsia do pedido. Requisitos e pedidos antecipáveis O pedido ou os pedidos formulados pela parte poderão ser antecipados, conforme acima salientado, sempre que sobre eles paire a incontrovérsia, seja por qualquer das razões já formuladas. Por outro lado, ainda que exista controvérsia quanto aos fatos questão, poderá se operar a antecipação, em caso de desnecessidade de dilação probatória. Assim, apresentando o autor a prova de seu direito, não sendo ao réu possível infirmá-la, ainda que conteste especificamente tais fatos, deverá o juiz reconhecer a comprovação do alegado, concedendo a tutela requerida. De acordo com Luiz Guilherme Marinoni41: Significa dizer que o pedido é incontroverso não apenas nos casos de não contestação e de reconhecimento de parte do pedido, mas também quando é contestado e não existe necessidade de instrução dilatória em relação a ele. Por exemplo: o autor cumula dois pedidos, postulando no primeiro que o réu seja inibido a não mais usar determinada marca comercial e, no segundo, a sua condenação ao pagamento de perdas e danos. Com a petição inicial, o autor apresenta provas documentais do registro da marca em seu nome e de que o réu está utilizando a marca em suas embalagens, mas necessita de prova pericial para demonstrar o direito às perdas e danos. Na audiência preliminar, por inexistir necessidade de outras provas em relação ao pedido que objetiva a inibição, são fixados como controversos apenas os fatos relativos ao pedido ressarcitório. De modo que o pedido de tutela inibitória se torna incontroverso no curso do processo. A tutela inibitória, assim, pode ser prestada com base no § 6º do art. 273. 40 “A incontrovérsia ora examinada não é aquela a que se refere o art. 334, III, CPC, que diz respeito apenas aos fatos e tem por efeito jurídico a dispensa da prova. Trata-se, aqui, de incontrovérsia quanto ao objeto do processo – consequências jurídicas desejadas pelo demandante; concluem os litigantes que, ao menos parte, aquilo que se pretende (pedido/mérito) tem fundamento e, por isso, deve ser acolhido”. (DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil – volume 2, 6.ed., Ed. JusPodivm, 2011, p. 540.) 41 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 183.

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Bem se vê, nessa toada, que a antecipação da tutela por incontrovérsia do pedido ou dos pedidos não possui os mesmos requisitos daquela fundada no receio de dano irreparável ou em virtude do abuso de defesa (e apresentados aqui nos itens 2.2 e 2.5). Para que se configure a hipótese fática do art. 273, §6º, do Código de Processo Civil, basta que se configure a incontrovérsia, nos moldes aqui apresentados. Ultrapassadas tais questões, cumpre, no atual momento, delinear quais desses pedidos são antecipáveis. Em caso de litisconsórcio próprio simples, todos os pedidos são, em regra, antecipáveis, pois autônomos uns em relação aos demais. Na hipótese de litisconsórcio próprio sucessivo, igualmente será possível a concessão da medida. Em caso de pedido alternativo (art. 288 do CPC), no entanto, não bastará a incontrovérsia quanto ao pedido, mas que ela recaia, de igual modo, sobre o incidente de escolha e sobre a prestação escolhida. Com relação à cumulação imprópria subsidiária ou eventual, em princípio, apenas o pedido principal será antecipável. Não há limitação, no direito brasileiro, para a antecipação do art. 273, §6º, do Código de Processo Civil, com relação aos diversos tipos de obrigação: entrega de dinheiro, de coisa (fungível ou infungível, móvel ou imóvel), fazer ou não-fazer. Todas podem, observados requisitos pertinentes, ser concedidas em sede de antecipação. Ainda com relação aos pedidos, Luiz Guilherme Marinoni entende possível também o adiantamento das despesas processuais (custas, honorários de perito etc.), quando for incontroverso que pelo menos um ou alguns dos pedidos formulados são devidos ao autor da ação.

3.4 Natureza da decisão e precariedade da medida Segundo Teori Zavascki, o legislador expressamente optou por outorgar apenas a antecipação da eficácia social da sentença de mérito, assim como nas demais hipóteses de antecipação, e não a eficácia jurídico-formal. Não haveria de se falar, portanto, na existência de sentença parcial de mérito no ordenamento brasileiro42. Assim, a medida poderia ser revogada a qualquer tempo, pois teria caráter provisório até a sobrevinda do final julgamento do processo43.

42 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 213. 43 Ibid., p. 114.

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Também Athos Gusmão Carneiro mantém o mesmo posicionamento44. Veja-se: Melhor portanto, a nosso sentir, manter o antigo e prestigiado princípio da unidade da sentença, cujo rompimento demandaria norma induvidosa. O legislador não avançou tanto quanto desejariam vários estudiosos; todavia, entendemos que a melhor solução, pelo menos na aguarda de novidades legislativas (que pessoalmente não creio oportunas), será manter sob o caráter de antecipação propriamente dita a AT das parcelas ou pedidos não contestados, portanto sem a formação de coisa julgada, subsistindo a possibilidade de sua alteração ou revogação na pendência da demanda. A decisão interlocutória será confirmada, ou não, na sentença a ser prolatada após o contraditório pleno.

Com a devida vênia aos ilustres processualistas, tal entendimento não parece ser o que melhor soluciona a problemática envolvida. Com efeito, conforme anteriormente afirmado, a cognição realizada em sede de antecipação da tutela em virtude da incontrovérsia da demanda é exauriente – seja em razão da própria ausência de controvérsia dos fatos ou pedidos manejados pelo autor na inicial, seja por conta da desnecessidade de dilação probatória – e, assim, apta a gerar coisa julgada material. Ora, se o exame judicial da matéria é o mais profundo possível, segundo o ordenamento processual, não parece haver motivos sérios para se sustentar a possibilidade de revogação da medida ao final do processo. Assim caminha a doutrina de Fredie Didier Junior.45: Avança-se um pouco mais em relação à tutela antecipada, pois, muito embora seja decisão anterior à sentença, não se trata de tutela fundada em cognição sumária ou em razão de verossimilhança. Há cognição exauriente e juízo de certeza, e 'tendo em vista que a tutela não se funda em um juízo de probabilidade, não há razão para se temer a irreversibilidade'. Cuida-se de uma decisão interlocutória apta à coisa julgada material e que, por isso mesmo, pode ser executada definitivamente.

Em igual diapasão, Sidney Pereira de Souza Junior46: Referido dispositivo [art. 273, § 6º, do CPC] permite o julgamento 44 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação de Tutela. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 47. 45 DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil – volume 2, 6.ed., Ed. JusPodivm, 2011, p. 534. A citação do autor refere-se a MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado da Lide e Execução Imediata da Sentença. 2. ed., 1998, p. 104. 46 SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Op. cit., p. 104/107.

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antecipado de parte incontroversa da demanda, e, embora, se encontre dentre uma das hipóteses de antecipação de tutela, portanto, provisória e sujeita à revisão, para autorizada doutrina, se trata de um julgamento antecipado, parcial e definitivo da lide. (…) Tudo isso leva a crer que a decisão concedida com base em parcela incontroversa da demanda não é pautada em um juízo provável, nem tampouco provisório, mas sim fundada em juízo definitivo, restando apta, destarte, à formação de coisa julgada material.

A antecipação em virtude da incontrovérsia do pedido, assim, não guarda as mesmas características das demais tutelas provisórias, conforme estabelecido acima no item 2.2, não compartilhando os atributos da necessidade, finalidade ou precariedade. A tutela antecipada, nesse caso, repise-se, funda-se em cognição exauriente que recai sobre parcela do mérito, possuindo aptidão para a formação de coisa julgada material, uma vez que o pedido em questão não necessita da produção de outras provas. Trata-se, portanto, de espécie de julgamento conforme o estado do processo, encontrando-se sua previsão no art. 273 de maneira equivocada do ponto de vista topográfico, conforme já aduzido no item 3.347: A mais importante observação que se deve fazer sobre o § 6º do art. 273 diz respeito à sua natureza jurídica: não se trata de tutela antecipada, mas, sim, de resolução parcial da lide (mérito). A topografia do instituto está equivocada. Não é antecipação dos efeitos da tutela, mas emissão da própria solução judicial definitiva, fundada em cognição exauriente e apta, inclusive, a ficar imune com a coisa julgada material. E, por ser definitiva, desgarra-se da parte da demanda que resta a ser julgada, tornando-se decisão absolutamente autônoma: o magistrado não precisa confirmá-la em decisão futura, que somente poderá examinar o que ainda não tiver sido apreciado. Esta decisão futura (possivelmente uma sentença) sequer precisa ser de mérito. Pode o magistrado, por exemplo, não examinar a parte restante do mérito e, nem por isso, a resolução parcial estaria prejudicada, necessariamente.

Deve-se asseverar, portanto, que o perigo de irreversibilidade da medida não poderá constituir óbice a essa modalidade de antecipação, uma vez que não paira controvérsia 47 DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil – volume 2, 6.ed., Ed. JusPodivm, 2011, p. 537.

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sobre o ponto. A efetivação da medida seguirá os artigos 461, 461-A e 475-O, a depender da prestação requerida (obrigação de fazer, não fazer e pagar quantia), precedida de liquidação, caso necessário. A decisão interlocutória que deferir a medida servirá como título executivo. No dizer de Marinoni48: A tutela de cognição exauriente garante a realização plena do princípio do contraditório de forma antecipada, não permitindo a postecipação da discussão do direito e da produção de provas em relação a ele.

Por outro lado, o § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil também se aplica na antecipação de tutela das obrigações de fazer ou não-fazer fundadas na incontrovérsia do pedido. Assim, delimitada a incontrovérsia do objeto processual, ou ainda a desnecessidade de dilação probatória, os pedidos fundamentados na aplicação do dispositivo em questão poderão ser antecipados atendidos os mesmos requisitos.

3.5 Natureza jurídica e recurso da decisão Vê-se, em razão do quanto até aqui aduzido, que o art. 273, § 6º, do Código de Processo Civil permite que se antecipe a tutela caso parcela do pedido, um dos pedidos, ou, ainda, uma das causas de pedir se tornem incontroversos no curso da demanda, operando com isso a cisão do julgamento de mérito, servindo para demonstrar a separação do princípio da unidade e unicidade do julgamento no direito processual brasileiro. A esta interpretação chegou Rogéria Dotti Doria49: Mas, ainda que não seja possível esse julgamento antecipado parcial, o conteúdo da decisão que antecipa a tutela (nos casos específicos de incontrovérsia) não poderá ser alterado pelo juiz ao proferir sentença. Isto porque essa parte do pedido já se encontra pronta para o julgamento final, o qual somente não ocorreu em respeito à regra da unicidade da decisão. Não há sentido, portanto, em permitir ao magistrado que, uma vez concedida a tutela antecipada com base na incontrovérsia, altere o conteúdo dessa mesma decisão. Nos casos de incontrovérsia, não haverá nenhum fato ou circunstância nova entre a concessão da tutela e a sentença final. Não serão produzidas novas provas, nem será possível qualquer nova alegação do réu. 48 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 189. 49 DÓRIA, Rogéria Dotti. Op. cit., p. 118.

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Não haverá, portanto, fundamento para se admitir uma decisão diversa daquela já proferida.

Embora se pudesse sustentar que se trataria tal decisão de autêntica sentença parcial, com base na nova redação do art. 162, §1º, do Código de Processo Civil 50, não parece ser esse o entendimento que melhor equaciona a questão. Nesse sentido, a sentença precisa ser compreendida, com a alteração legislativa, como o ato judicial que encerra o procedimento na fase de conhecimento ou de execução e em primeira instância, e cujo conteúdo é uma das matérias ventiladas no art. 267 ou no art. 269, ambos do diploma processual51. A decisão que concede a tutela antecipatória da parte incontroversa possui, nesse sentido, natureza de interlocutória, uma vez que não encerra a fase de conhecimento, embora trate do mérito. Deve ser assim para que se permita a interposição do recurso de agravo de instrumento, já que os autos precisam permanecer em primeiro grau para o prosseguimento do procedimento. Do mesmo modo, a título de exemplo, as decisões que indeferem parcialmente a petição inicial (art. 267, I, CPC), reconhecem a decadência de um dos pedidos cumulados (art. 269, IV, CPC), ou excluem um litisconsorte por ilegitimidade (art. 267, VI), implicam em uma das situações previstas no art. 162, §1, do Código de Processo Civil e constituem em interlocutórias, impugnadas por agravo. Está-se plenamente ciente do caráter instrumental e consequencialista do argumento acima formulado para a justificativa da caracterização da decisão em tela como interlocutória. No entanto, à míngua de alterações legislativas que permitam melhor balanceamento do problema, e visando manter um mínimo de harmonia com relação ao sistema recursal, a posição externada parece ser a mais razoável. Frise-se, por outro lado, a existência de posicionamento doutrinário segundo o qual a antecipação de tutela em virtude do art. 273, § 6º, do Código de Processo Civil consistiria em verdadeira hipótese de sentença parcial52: Pensamos que, após a alteração do art. 162, § 1º, do CPC, a natureza da sentença deva ser aferida estritamente a partir de seu conteúdo, ou seja, se a decisão tratar de uma das situações previstas no art. 267 e 269, do CPC, será sentença. Dessa forma, a sentença não poderá ter sua natureza desnaturada ou comprometida, passando a ser tratada como decisão interlocutória, pelo 50 “Sentença é o ato do juiz que implica algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. 51 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – volume 1. 13. ed. Ed. JusPodivm, 2011, p. 560. 52 SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Op. cit., p. 120/121.

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não encerramento da fase cognitiva em primeiro grau de jurisdição. Se só admitíssemos a decisão com natureza jurídica de sentença quando houvesse o encerramento da fase de conhecimento, estaríamos afastando a possibilidade de haver sentenças parciais no processo, o que não nos parece seja a melhor solução, já que, no afã de colmatar uma lacuna na sistemática recursal, negaríamos os pronunciamentos parciais e definitivos. E assim sendo, o jurisdicionado seria o maior prejudicado, já que, sem o reconhecimento da sentença parcial, não teria, desde logo, uma decisão de cognição exauriente e definitiva, apta à formação da coisa julgada, restando violado, ademais, o preceito constitucional de duração razoável do processo (CF, art. 5º, LXXVIII).

Alguns aspectos recursais do agravo de instrumento interposto contra a decisão que antecipa a tutela devem ser apresentados. Conforme doutrina de Sidney Pereira de Souza Junior, em respeito ao princípio da isonomia, o recurso em tal modalidade deve conter alguns dos atributos normalmente conferidos apenas à apelação, uma vez que ataca decisão cuja matéria é, normalmente, ventilada ao final da respectiva fase processual53. Ao contrário da apelação, o agravo de instrumento, mesmo que interposto contra decisão que antecipe a tutela nos moldes como aqui discutido, não será dotado de efeito suspensivo – a eficácia dessa decisão será imediata, portanto, ao contrário da sentença sujeita a apelação no duplo efeito, em que o ato processual judicial é praticado sob condição suspensiva. O relator do recurso, caso convencido da existência de perigo da irreversibilidade da medida, poderá atribuir ao agravo efeito suspensivo. Ressalve-se, entretanto, que mesmo a concessão de efeito suspensivo ao recurso interposto não terá o condão de provocar a suspensão do trâmite do processo em primeira instância. Diferentemente da disciplina do agravo, no entanto, ao recurso que atacar a decisão que conceder a modalidade de tutela antecipada ora ventilada poderá ser designado revisor (art. 551 do CPC), desde que o recorrente exponha seus motivos para tanto. Da mesma maneira, será possível a sustentação oral do recurso (art. 553 do CPC), caso, igualmente, o agravante apresente requerimento. Com o mesmo fundamento, também devem ser admitidos embargos infringentes contra o acórdão não unânime que reformar, em grau de agravo de instrumento, a decisão que julgar a parcela incontroversa da demanda (art. 530 do CPC). Luiz

53 Ibid., fls. 146/154.

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Guilherme Marinoni esposa idêntico entendimento54. Outrossim, viável será a interposição de agravo interno contra qualquer decisão monocrática do relator, a despeito do respectivo conteúdo, não se devendo aplicar o art. 527, parágrafo, único, do Código de Processo Civil à espécie55. Por outro lado, e apesar da literalidade do art. 485 do Código de Processo Civil56, cabível será, ainda, a ação rescisória, em virtude do conteúdo da decisão que antecipa a tutela em razão da incontrovérsia. Apesar de se admitir aqui a possibilidade de fracionamento do julgamento de mérito, deve-se atentar, entretanto, para o precedente emanado do Superior Tribunal de Justiça acerca da contagem do prazo para a ação e o momento da formação da coisa julgada material (REsp 404.777): A coisa julgada material é a qualidade conferida por lei à sentença/acórdão que resolve todas as questões suscitadas pondo fim ao processo, extinguindo, pois, a lide. Sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade de seu trânsito em julgado parcial. Consoante o disposto no art. 495 do Código de Processo Civil, o direito de propor ação rescisória se extingue após o decurso de dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida na causa.

Barbosa Moreira teceu críticas ao julgado que merecem ser reproduzidas aqui57: Pelas razões acima expostas, e sem embargo da autoridade do Superior Tribunal de Justiça, continuamos a pensar: a) ao longo de um mesmo processo, podem suceder-se duas ou mais resoluções de mérito, proferidas por órgãos distintos, em momentos igualmente distintos; b) todas as decisões transitam em julgado ao se tornarem imutáveis e são aptas a produzir coisa julgada material, não restrita ao âmbito do feito em que emitidas; c) se em relação a mais de uma delas se configurar motivo legalmente previsto de rescindibilidade,

para

cada

qual

será

proponível

uma

rescisória

individualizada; d) o prazo de decadência terá de ser computado caso a caso, a partir do trânsito em julgado de cada decisão.

54 55 56 57

MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 221/222. SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Op. cit., p. 161/162. “Art. 485 – A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...)”. Sentença objetivamente complexa, trânsito em julgado e rescindibilidade. In Revista do Advogado 88, nov/2006, São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, p. 97 apud SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Op. cit., p. 195.

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Por fim, a execução que recaia sobre a parte incontroversa da demanda é definitiva, uma vez que a decisão da qual se origina é apta a produzir coisa julgada material. Caso haja a interposição de agravo de instrumento pela parte contrária, a execução será provisória, desde que concedido efeito suspensivo ao recurso pelo relator.

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4 CONCLUSÕES Considerando todo o quanto até aqui afirmado, algumas conclusões podem ser traçadas: a incontrovérsia dos fatos alegados na inicial, para fins de antecipação da tutela em razão da incontrovérsia do pedido, pode advir: (1) da não contestação, por parte do réu que comparece em juízo, de algum ou alguns dos fatos apresentados (descumprimento do ônus da impugnação especificada); (2) da revelia em relação a parte do mérito, existindo outra parcela sobre a qual não se produza a confissão ficta; (3) do reconhecimento da procedência de um dos pedidos; (4) do reconhecimento parcial de pedido único cindível; e (5) ainda da confissão. Encontra fundamento nos direitos constitucionais à duração razoável do processo e à efetividade. De acordo com a proposta inicialmente traçada, a antecipação da tutela em razão da incontrovérsia do pedido não parece se constituir em modalidade de tutela provisória – em que pesem os entendimentos em sentido contrário de parte da doutrina –, uma vez que não guarda aqueles atributos delineados no item 2.2 retro (precariedade, necessidade e finalidade). Tal modalidade de antecipação guarda relações mais íntimas, portanto, com o instituto do julgamento antecipado do mérito, previsto na legislação processual civil no art. 330. Isso porque se trata de decisão interlocutória fundada em cognição exauriente, apta à formação de coisa julgada material. Sendo assim, desafia o recurso de agravo, na modalidade de instrumento, com as peculiaridades acima dispostas, além de ser possível a propositura de ação rescisória a respeito.

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REFERÊNCIAS ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação da Tutela. Rio de Janeiro: Forense, 2010. DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – volume 1. 13. ed. Editora JusPodivm, 2011. DIDIER JUNIOR, Fredie, BRAGA, Paula Sarna e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil – volume 2. 6. ed. Editora JusPodivm, 2011. DIDIER JUNIOR, Fredie e CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil – volume 3. 9. ed. Editora JusPodivm, 2011. DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. DÓRIA, Rogéria Dotti. A Tutela Antecipada em Relação à Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed. rev. e atual. de acordo com a lei 10.444/2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiros estudos. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de Defesa e Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. ___________. Antecipação da Tutela. 12. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. ___________. Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória. 1. ed. 2. t. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. MITIEDERO, Daniel. Antecipação de Tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira de. Sentenças Parciais no Processo Civil – consequências no âmbito recursal. Rio de Janeiro: Forense, 2009. THEODORO JUNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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