Assaltos em bairros: Gangues de classe média nas ruas

July 6, 2017 | Autor: Michelli Possmozer | Categoria: Reportagem Jornalística, Reportagem Policial
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ATRIBUNA VITÓRIA, ES, SEGUNDA-FEIRA, 10 DE SETEMBRO DE 2012

Reportagem Especial ASSALTOS EM BAIRROS NOBRES

Gangues de classe média nas ruas RODRIGO GAVINI/AT

Universitários e grupos de mulheres praticam crimes e assustam comerciantes e moradores de bairros nobres Michelli Possmozer s roupas caras e o vocabulário culto enganam comerciantes e empresários que pensam estar lidando com clientes em potencial. Mas a realidade vivenciada em bairros nobres da Grande Vitória mostra que jovens de classe média formam gangues para cometer crimes, como estelionato e até assaltos. A criminalidade entre esses jovens ainda não chegou ao nível da Gangue dos Playboys, como existe em São Paulo, em que universitários foram presos no mês passado porque faziam sequestros-relâmpago em bairros da zona sul da capital. No entanto, comerciantes, policiais e moradores capixabas dizem estar assustados com a ousadia e atitudes de adolescentes e jovens que se dizem “de família”. É o que afirmou um policial militar, que preferiu não divulgar o nome nem o bairro nobre onde atua. Segundo ele, é mais comum do que se imagina jovens de classe média no mundo do crime. “O crime mudou muito. Antes, pessoas desciam das favelas para cometer assaltos. Hoje, jovens ricos assaltam e roubam veículos para financiar as baladas em bairros nobres. Enquanto a família não descobre, pensa que o filho está trabalhando”, revelou o policial. E as histórias mostram que o envolvimento com o crime começa cedo. Uma comerciante de 43

MEDO

“Eram meninos de família e me assaltaram” “Estava indo para Jardim Camburi de bicicleta e, quando passava pela Mata da Praia, dois jovens bem vestidos me surpreenderam e mandaram que eu entregasse a bicicleta, caso contrário iriam me matar. Nem cheguei a ver se eles estavam armados, mas fiquei com medo porque não havia mais ninguém na rua. Penso que eles nem estavam na intenção de assaltar alguém, mas como me viram ali sozinha, aproveitaram a oportunidade. E pelo modo como me abordaram, tenho certeza que eles são de classe média. Eram meninos de família e me assaltaram”.

A

anos, dona de uma loja na Praia do Canto, em Vitória, relatou que já chegou a correr atrás de uma estudante de 15 anos, que foi até a loja dela uniformizada com uma amiga e roubou uma blusa que custava R$ 200. “Ela morava aqui perto e tinha boa aparência. Estava com mochila de marca, conversava muito bem. Só percebi que ela havia roubado a blusa quando vi que faltava uma peça na loja”, contou. Uma vendedora de uma loja de bijuterias em Jardim Camburi ressaltou que os furtos cometidos por mulheres jovens, com idades entre

20 e 30 anos, é comum e requer maior atenção das atendentes. “A loja conta com câmeras de segurança e, mesmo assim, elas não se intimidam. Elas visam as semijoias, que custam de R$ 70 a R$ 300”, relatou. O delegado Leonardo Ávila afirmou que casos assim também ocorrem em bairros nobres de Vila Velha, como Praia da Costa e Itapoã. “Muitos dos envolvidos com porte ilegal de armas, furtos e roubos são universitários e até adolescentes de classe média. Eles alegam que queriam ter dinheiro no bolso e curtir”.

QUEM SÃO ELES

Abordagem é feita em grupo > FAIXA ETÁRIA: entre 15 e 30 anos. > VOCABULÁRIO: culto, bem articula-

do e persuasivo. > COMO SE APRESENTAM: bem vesti-

dos e alguns até uniformizados, para não despertar suspeitas. > ALVOS: lojas que vendem roupas e acessórios de marca. > O QUE GOSTAM DE ROUBAR: peças de roupas de marca e acessórios caros. > COMO AGEM: em dupla ou grupo.

> ESTRATÉGIA: usam bolsas para faci-

litar o furto ou roubo e se apresentam como clientes. > POR QUE COMETEM CRIMES: para financiar baladas, ostentar produtos de marca e sustentar o vício em drogas e bebidas. > ONDE ATUAM: bairros nobres, como Praia do Canto, Jardim da Penha e Jardim Camburi, em Vitória, e Praia da Costa e Itapoã, em Vila Velha.

ESTUDANTE AMIGA DE JOVENS NO CRIME

Lojas de marca são as mais visadas “Roubam por pura diversão”

A reportagem de A Tribuna foi aos bairros da Praia do Canto, Jardim da Penha e Jardim de Camburi, em Vitória, e verificou que nas lojas multimarcas, que revendem várias grifes em uma mesma loja, os casos de furtos e roubos são mais frequentes. Uma comerciante de 26 anos, que tem uma loja na Praia do Canto, contou que na semana passada levou um prejuízo de R$ 600 em duas peças de roupas que duas jovens roubaram enquanto ela foi pegar água para uma delas. “Elas pegaram a blusa e o short mais caros da loja. E como eu só revendo roupas de marca, qualquer peça que eu perco é um grande prejuízo”, declarou. Já as lojas que vendem roupas de fabricação própria ou de nomes menos populares entre a classe média têm menor incidência de assaltos, segundo os próprios vendedores. De acordo com comerciantes,

LEONE IGLESIAS/AT

ROUPAS DA MODA: jovens buscam lojas com marcas famosas para atacar lojas de artigos de surf também são muito visadas. Um vendedor de 45 anos de uma loja da Praia do Canto relatou que já flagrou um universitário que morava no bairro roubando uma camisa de R$ 70. “Eu vi quando ele escondeu a blusa por baixo da roupa dele e ia embora. Acho que eles fazem isso pela aventura”, disse.

Para a psicóloga Lorena Meneguelli Batista, a busca dos jovens por roupas e acessórios de grife está ligada à necessidade de pertencer a uma social. “Além de serem peças mais caras, elas também têm um valor simbólico na sociedade. É como se usar uma blusa de marca fizesse o jovem pertencer a um grupo”.

Uma estudante de 20 anos, que preferiu não se identificar, trabalha em uma loja da Praia do Canto e afirmou ser amiga de jovens de classe média que assaltam em bairros nobres. A TRIBUNA – Você já presenciou algum assalto na loja? ESTUDANTE – Aqui na loja não. Mas sei de outras que foram assaltadas por jovens de classe média. > Como soube disso? Conversando com os lojistas. Muitos reclamam de jovens que entram, principalmente nas lojas de roupas de marca, para roubar.

Para eles, o que fazem não é crime. Mas é numa dessas aventuras que acabam sujando o nome da família



> E já soube de algum caso? Sim. O ano passado estudei com alguns adolescentes de classe média que roubavam lojas de marca e se gabavam no outro dia, contando como foi divertido assaltar. > Que histórias já ouviu? Dois colegas assaltaram uma loja de roupas na Praia do Canto para ver a reação da vendedora. Chegaram no caixa e gritaram “passa tudo que tem no caixa”. A atendente, com medo, obedeceu. Depois, eles saíram com o dinheiro no bolso, rindo. > E por que eles fazem isso? Eles não precisam, mas roubam por pura diversão. Ah, e muitos deles têm pais que não dão dinheiro para eles saírem e usarem drogas. Aí roubam para sustentar o vício e as baladas. Já outros acham que é porque são filhos de gente rica que podem fazer o que quiserem. Para eles, o que fazem não é crime. Mas é numa dessas aventuras que acabam sujando o nome da família.

VITÓRIA, ES, SEGUNDA-FEIRA, 10 DE SETEMBRO DE 2012 ATRIBUNA

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Reportagem Especial ARQUIVO/AT

Casos de assaltos não chegam às delegacias

ASSALTOS EM BAIRROS NOBRES

Universitários dão golpes em boates U sar documentos falsos, consumir na comanda de um só da turma e depois afirmar que perdeu o registro do consumo, e alegar não ter dinheiro na hora de passar pelo caixa são algumas das condutas ilegais que muitos jovens de família rica têm usado para não pagar a conta em boates da Grande Vitória. “Muitos jovens de classe média alta vão para casas noturnas, consomem e querem praticar várias formas de fraude para sair sem pagar”, afirmou o titular da Delegacia da Praia do Canto, em Vitória, delegado João Calmon. Segundo o delegado, a polícia prendeu três jovens universitários este ano que tentaram aplicar um golpe em uma boate de Vitória com documentos falsos. “Eles foram encaminhados para o Departamento de Polícia Judiciária (DPJ) de Vitória e foram autuados por falsidade ideológica e estelionato”, disse. Na maioria dos casos, segundo o delegado, os jovens são autuados no artigo 176, que é consumir em estabelecimentos sem condições de efetuar o pagamento. Ainda de acordo com o delegado, a maioria dos jovens afirma que não tem motivos para ser pre-

so, pois, para eles, não estão cometendo um crime. No entanto, Calmon ressaltou que esse tipo de conduta, embora ocorra com certa frequência, é crime e aquele que cometer esse tipo de delito terá de responder criminalmente perante a Justiça. Um investigador da Polícia Civil explicou que os donos de casas noturnas são orientados a chamar a polícia para registrar ocorrência e que casos de tentativas de golpes por jovens são muitos frequentes. “Quase toda semana a polícia é acionada. Geralmente, o jovem é encaminhado à delegacia e assina um termo circunstanciado, além de ficar impedido de voltar à casa noturna”, explicou o investigador. Pensando em diminuir os prejuízos causados por esses golpes, donos de boates têm adotado algumas medidas de prevenção. O proprietário de uma boate em um bairro nobre de Vila Velha, por exemplo, relatou que a casa noturna estabeleceu um limite de consumo para os clientes. “Já fomos lesados tantas vezes que agora a gente estabeleceu um limite máximo de R$ 100 para cada comanda. Se o jovem inventar que não tem dinheiro, pelo menos o prejuízo não vai ser tão grande”.

CASOS

Acusado de roubar carros O universitário Derik de Oliveira Reis, morto em confronto com policiais em janeiro, era acusado de roubar veículos em Vila Velha. O material apreendido com ele indica que cometia assaltos na região.

Presos ao dar golpe da comanda Uma estudante de 23 anos e um rapaz de 19 foram presos e autuados por estelionato e uso de documentos falsificados ao tentar aplicar o golpe da comanda, em uma casa noturna de Vitória, no dia 10 de junho deste ano. A boate teve um prejuízo de mais de R$ 1.500.

ADRIANO HORTA/AT

JOVENS NA BALADA: eles querem se divertir sem ter que pagar a conta

Moradores reclamam da insegurança nos bairros Ao ser questionado se já foi assaltado, um gerente de uma farmácia, de 26 anos, que fica em Jardim Camburi, deu uma risada e disse: “veio no lugar certo, porque só este ano já fui assaltado sete vezes”. Além de estar inconformado com os prejuízos que já teve por conta dos assaltos, a desconfiança de que os crimes sejam cometidos por moradores da região cria certa revolta. “Até os policiais já me disseram que estão desconfiados de que os bandidos sejam jovens de classe média de algum residencial aqui

em Jardim Camburi”. Outros lojistas e moradores do bairro também manifestaram o sentimento de revolta diante do clima de insegurança. O comandante do Policiamento Ostensivo Metropolitano (CPOM), coronel Edmilson dos Santos, acredita na possibilidade de que esses jovens sejam os responsáveis por esses crimes. “Muitos já são usuários de drogas e fazem assaltos, arrombam lojas para conseguir dinheiro. Mas a PM já intensificou o policiamento para prevenir esses crimes”, disse.

FALA, LEITOR! Acho que a polícia deveria intervir mais porque a violência está demais. E penso que os pais precisam olhar mais os filhos





Jovens roubam R$ 8 mil em loja de grife Quatro jovens de classe média roubaram R$ 8 mil de uma loja de artigos de luxo, na Praia da Costa, em Vila Velha, no dia 22 de abril de 2009. Eles foram flagrados pelas câmeras de segurança e três deles se entregaram à polícia. Na época, eles disseram que foi uma brincadeira.

Grande parte dos assaltos que ocorre em bairros nobres por jovens de classe média não chega às delegacias, segundo comerciantes e policiais militares e civis. De acordo com alguns comerciantes, muitos não chegam a registrar ocorrência nem informam furtos ou roubos à Polícia Militar por achar que não vai haver solução, já que alguns jovens são até conhecidos na região. A reportagem de A Tribuna constatou, inclusive, que existe certa diferenciação entre “jovens que assaltam” e “bandidos” na fala dos entrevistados. E essa distinção se reflete na forma como alguns comerciantes lidam ao flagrar jovens ricos no momento do crime. Tanto que um vendedor de uma loja de roupa masculina da Praia do Canto flagrou um jovem roubando uma camisa na semana passada e optou por não chamar a polícia. “Ele era conhecido daqui e não era bandido. Acho que fez isso mais por aventura”, disse. Já o titular da Delegacia da Praia do Canto, delegado João Calmon, afirmou que é fundamental que as pessoas procurem a delegacia quando são roubadas. “A denúncia é importante, pois ajuda a polícia”.

VANILDA ANDRADE RIBEIRO, 60, professora

Dupla arromba quiosque para beber Dois jovens de classe média foram presos depois de invadir um quiosque na praia de Camburi, no dia 31 de março deste ano. Eles disseram à polícia que arrombaram o local para beber.

Eu acredito que isso seja influência de amigos. Muitos jovens cometem assaltos para sustentar o vício e escondem isso dos pais





CÁSSIO MELLO, 25, técnico em segurança

É uma falta de senso roubar para se divertir e usufruir em festas. A atitude de jovens que fazem isso é repudiante

“ RYAN TAVARES, 25, advogado



É um absurdo um jovem de classe média entrar numa loja e assaltar. Deve fazer isso porque o pai não dá dinheiro

“ MARCELA PAGEL, 18, estudante



DELEGADO João Calmon: apuração

ANÁLISE Luciana Souza Borges, psicóloga e doutora em Psicologia

“Há uma ausência de valores morais” “Apesar da capacidade que o jovem tem de planejar o futuro, é a falta de um projeto de vida o que dificulta uma postura ética diante dos acontecimentos e, sem isso, a moral fica demasiadamente enfraquecida. É a legitimação da violência que sustenta este problema moral, pois desrespeita o outro na medida em que o utiliza como meio e não como um fim em si mesmo. Ao estabelecer a violência a partir de um plano ético, ela pode ser utilizada como estratégia para o sujeito conseguir tudo o que para ele representa o ideal de uma vida boa. Ressalto ainda a existência de uma produção social da violência. Logo, pode-se observar a cultura do tédio, responsável pela perda de sentido do significado da vida e a ausência de valores morais no mundo de hoje.”

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