Assassinatos Seletivos/Ataques Dirigidos contra Indivíduos

June 4, 2017 | Autor: Jose Pina-Delgado | Categoria: International Security, Use of force in international law and international relations
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Assassinatos Seletivos/Ataques Dirigidos contra Indivíduos José Pina Delgado Juiz do Tribunal Constitucional de Cabo Verde Professor Graduado do Departamento de Direito e de Estudos Internacionais Instituto Superior de Ciências Jurídicas & Sociais

I. O duplo conceito alternativo que representa esta figura é demonstrativo da controvérsia que gera, oscilando entre a carga negativa da expressão “assassinatos” e a relativamente neutra “ataques dirigidos”. Num sentido ou noutro, ambas representam materialmente a mesma realidade, ou seja, as situações em que um Estado de forma deliberada usa a força armada diretamente contra uma pessoa específica com o objetivo de lhe tirar a vida. II. A confusão que gera não deixa de ser mais um efeito das significativas alterações que a chamada ‘guerra contra o terrorismo’ introduziu na esfera jurídica internacional. A distinção clara entre medidas bélicas e de manutenção da segurança deixou de existir, o tempo da guerra e o da paz mesclaram-se, a diferença entre o jus ad bellum e o jus in bello é muito menos intensa quando se invoca um conceito ancorado numa ideia ‘aespacial’ e atemporal do conflito armado contra entidades não estaduais, o que torna muito mais difícil identificar-se o estado do Direito Internacional nesta matéria. III. É verdade que antes do 11 de setembro, muitos Estados envolveram-se neste tipo de política de segurança, no entanto, ou faziam-no num quadro inequívoco de conflito armado, no qual as regras mais permissivas do Direito Internacional Humanitário são aplicáveis, atingindo os alvos militares permitidos, ou empreendiam operações clandestinas não reivindicadas de eliminação de pessoas. Foi isto, por exemplo, que Israel, promoveu particularmente depois dos atentados dos Jogos Olímpicos de 1972. E com os Estados Unidos que, por meio da Central Intelligence Agency, organizaram vários atentados contra líderes políticos nas décadas de sessenta e setenta. Continua, aparentemente, a fazer parte da política da Rússia em relação a dissidentes ao regime Putin, devendo-se, a este respeito, lembar-se do caso Litvinenko. Naturalmente, o impacto desse tipo de operação sobre o Direito Internacional é mínimo, atendendo a que é impassível de estabelecer as bases para a emergência de normas costumeiras permissivas. IV. A variável é que depois do 11 de setembro, de forma incremental, estes mesmo países passaram a fazê-lo de modo muito mais claro, com Israel a atingir diretamente líderes

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importantes do Hamas nos chamados territórios ocupados, nomeadamente o Xeique Ahmed Yassim, Abayat e Rantissi, com a Rússia a promover os abates dos operacionais chechenos Khattab e Yandarbiyev e os Estados Unidos dirigindo centenas de ataques diretos contra operacionais da Al Qaeda no Iêmen, no Iraque e, sobretudo, no Afeganistão e no Paquistão, local onde, aliás, também ocorreu a eliminação do seu inimigo número 1, Osama Bin Laden em 2011. V. A justificação dessas operações, em última instância, tem radicado numa interpretação extensiva do direito à legítima defesa, nomeadamente considerando a possibilidade de haver antecipação ao ataque armado, e, precisamente, no pressuposto de que há uma guerra global em curso contra o terrorismo, que, perfazendo situação de conflito armado permanente, permite a utilização da força em qualquer parte do mundo e dirigir ataques a pessoas individualmente consideradas. VI. Todavia, como é evidente, a referida noção coloca alguns problemas quase estruturais ao Direito Internacional da Segurança. Desde logo porque pode acontecer uma violação da soberania do Estado onde a operação se realiza e suscitar a aplicação da proibição do uso da força nos termos do artigo 2 (4) da Carta das Nações Unidas. Claro está que isso pode ser ultrapassado pelo consentimento do próprio Estado territorial ou pela sua aceitação posterior, convalidando o ato ilícito, e permite usar-se a tese de que a parte final deste preceito define uma interpretação que não abarca usos cirúrgicos da força que não visem a integridade territorial ou a independência política ou que não sejam contrários aos objetivos das Nações Unidas. Além disso, e mesmo que tais problemas, não se coloquem, nos casos em que não sejam aplicáveis as regras mais permissivas do Direito Internacional Humanitário, fica por definir a legalidade de se privar alguém da sua vida sem um devido processo legal à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos, nomeadamente do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, dos instrumentos regionais de proteção e dos sistemas de proteção de direitos dos próprios Estados promotores desse tipo de operação. VII. Como se pode verificar facilmente, a questão acaba por ser envolvida pela teia da fragmentação que marca vastos setores do Direito Internacional Contemporâneo. E as respostas às questões concretas irão sempre depender dos pontos de partida e do ramo específico do Direito Internacional que estiver sob consideração. 7.1. Caso a questão seja analisada sob o prisma do Direito Internacional não há dúvidas na constatação de que, na atualidade, desde que um Estado permita a execução de operação militar com tais objetivos, não se colocar qualquer questão a respeito da licitude

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da operação. Outrossim, mais problemática seria a aferição de situação em que tal consentimento estivesse em falta, determinando-se a sua legalidade essencialmente no plano de eventual criação de norma costumeira permissiva baseada na prática relevante já assinalada. Esta dá a entender que, pelo menos nalgumas situações, têm sido recebidas sem grande contestação pelos Estados, especificamente aquelas que envolvam a eliminação de terroristas com identidade confirmada e que se mantêm como ameaças, em que o Estado no qual se encontram não revela vontade ou capacidade para os deter e extraditar e em que se tenta reduzir os efeitos secundários sobre terceiros, mormente membros das suas famílias. 7.2. Mais difícil é compaginar o método com o Direito Internacional de Proteção da Pessoa Humana, tendo em conta o objeto central de proteção da pessoa humana que o subjaz. Em períodos de conflito armado, naturalmente, um beligerante pode atacar as forças armadas do seu oponente, nomeadamente os seus comandantes militares. Nos recentes casos concretos, como em organizações terroristas não há lideranças civis, ainda que se possa suscitar alguma dúvida, como aconteceu no caso da morte de Ahmed Yassim, líder espiritual do Hamas, em princípio todos os membros são alvos legítimos no quadro desse ramo do Direito Internacional. No entanto, isso não é suficiente, havendo que considerar-se também a possível aplicação de normas do Direito Internacional de Proteção da Pessoa Humana quando não se está em situação de conflito armado, internacional ou não-internacional. Assim, neste quadro, o reconhecimento de uma posição jurídica essencial individual de proteção da vida, da qual o titular não pode ser privado sem um devido processo legal milita fortemente contra a licitude desse tipo de operação. 7.3. Acrescento ainda que em muitos sistemas internos de proteção, são as próprias Constituições que criam alguns obstáculos, nomeadamente pelo facto de basearem-se no princípio da dignidade da pessoa humana, de reconhecerem o direito à vida e garantias de due process, e também porque admitem a aplicação extraterritorial dessas normas aoa atos praticados pelas suas forças armadas, mesmo que seja contra estrangeiros. VIII. Assim sendo, nesta matéria, o Direito Internacional ainda se mantém num estando de grande indefinição. Referências FINKELSTEIN, Claire; OHLIN, Jens David & ALTMAN, Andrew (eds.), Targeted Killing: Law and Morality in na Assymetrical World, Oxford, Oxford University Press, 2012.

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GUIORA, Amos, Legitimate Target: A Criteria-Based Approach to Targeted Killing, Oxford, Oxford University Press, 2013 GUNNEFLO, Marcus, Targeted Killing: A Legal and Political History, Cambridge, UK, Cambridge University Press, 2016. MELZER, Nils, Targeted Killing in International Law, Oxford, Oxford Univerity Press, 2009. OTTO, Roland, Targeted Killings and International Law: With Special Regard to Human Rights and International Humanitarian Law, Heidelberg, Springer, 2011.

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