ASTROBIOLOGIA: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA E FILOSÓFICA

May 28, 2017 | Autor: Vanise de Medeiros | Categoria: Filosofia da Ciência, Astronomia, Ciências biológicas, Astrobiologia
Share Embed


Descrição do Produto

1

UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL

VANISE PEREIRA DE MEDEIROS

ASTROBIOLOGIA: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA E FILOSÓFICA

Porto Alegre Junho de 2013

2

SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 3 2 DA ASTROLOGIA À ASTROBIOLOGIA: DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO ......... 4 3 O OBJETO DA ASTROBIOLOGIA E OS PONTOS DE CONTATO COM OUTRAS CIÊNCIAS ...................................................................................................................... 8 4 AS TEORIAS E A VIABILIDADE DO CAMPO DA ASTROBIOLOGIA .................... 12 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 15 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 17

3

1 APRESENTAÇÃO

O presente trabalho consiste numa pesquisa cujo tema é a astrobiologia, trazendo uma perspectiva histórica e filosófica da mesma. Para tanto, será revisto o desenvolvimento

dessa

ciência,

desde

as

primeiras

observações

e

estudos

astronômicos da humanidade, até o nascimento de seu problema fundamental: as condições que favorecem o desenvolvimento e a manutenção da vida em diferentes ambientes. O objetivo geral do trabalho, portanto, é transmitir a importância da astrobiologia para o conhecimento humano, a partir de sua construção e disseminação no meio científico. Com isto estabelecido, proponho: a) Analisar a história dos estudos astronômicos até o nascimento da astrobiologia; b) Compreender o que é a astrobiologia e sua relação com outras ciências; c) Refletir sobre as teorias e a sua viabilidade científica. Espera-se que, a partir deste trabalho, verifique-se a necessidade do estudo das condições da vida, como requisito fundamental para a compreensão dos fatores que propiciam a sua origem em diferentes ambientes do universo.

4 2 DA ASTROLOGIA À ASTROBIOLOGIA: DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

Segundo Mourão (2000, p. 12), “A astronomia é a mais antiga das ciências”. Desde a pré-história, há registros de observações astronômicas em várias regiões do mundo. Através do estudo da arqueoastronomia, ciência que envolve a cultura e os vestígios deixados pelas civilizações ao longo do tempo que estejam relacionados à astronomia, tornou-se possível concluir que os homens pré-históricos possuíam um notável conhecimento dos fenômenos astronômicos. Já nas pinturas rupestres do período Mesolítico, eram representados o Sol, a Lua e outros motivos celestes. Durante o período Neolítico, a observação do céu ganhou um sentido prático: prever os ciclos agrícolas e auxiliar na confecção dos primeiros calendários. No final deste período, surgiu também a cultura megalítica (mega = “grande”, litos = “pedra”). O mais famoso desses megalitos talvez seja o Stonehenge, localizado no sul da Inglaterra, o qual sabemos hoje que servia para determinar datas importantes para a agricultura, como solstícios e equinócios. Há também os alinhamentos de Carnac, no sudoeste da França, e o observatório de Newgrange, na Irlanda. Na Mesopotâmia (atual Iraque), surgiu uma das primeiras civilizações. Seus fundadores, os sumerianos, foram os primeiros a cultivar a astrologia, uma vez que a usavam para fins místicos. O conhecimento de que os movimentos celestes influenciavam a agricultura os fez acreditar que podiam também interferir no seu próprio destino como seres humanos. Somente a partir do primeiro milênio a.C., a crença na influência dos astros na vida foi substituída pela simples observação de seu comportamento: a astrologia tornava-se a astronomia. Podemos dizer que esta ciência deu origem a outras, como a matemática, surgida para exprimir as variações observadas pelos astrônomos. Os babilônios, provavelmente sob a influência sumeriana, foram os primeiros a observar os cinco planetas visíveis a olho nu (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno).Foram também os criadores de um calendário lunar, cujo início de cada mês iniciava com a primeira lua nova. Conceberam também as primeiras constelações (representações de figuras divinas), como as zodiacais.

5 Assim como os babilônicos davam importância à Lua, os egípcios o faziam com o Sol, que tinha uma importância não só religiosa como também econômica. Foram os criadores do primeiro calendário solar, mas também deram nome a algumas das primeiras estrelas conhecidas. As pirâmides egípcias eram construídas conforme a orientação de estrelas e constelações importantes para essa cultura, como Sirius (deusa Sotis, que anunciava o início das inundações do Rio Nilo), as Plêiades e a estrela polar da época (Alpha Draconis). A civilização grega antiga, responsável por grandes avanços em várias áreas do conhecimento, foi prolífica também na astronomia. Esta cultura deu origem ao conceito de cosmo e ao método científico que tornou possível a compreensão dos fenômenos cósmicos. Filósofos como Tales de Mileto (624 a 546 a.C.) e Pitágoras (570 a 495 a.C.) já falavam sobre a curvatura da Terra, a órbita da Lua e a reflexão da luz solar nesse satélite. Aristarco de Samos (320 a 250 a.C.) foi precursor da teoria heliocêntrica, consolidada por Copérnico em 1543. É na Grécia que podemos identificar também as raízes da astrobiologia. Inspirado em Leucipo (início do século V a.C.) e Demócrito (460 a 371 a.C.), Epicuro de Samos (341 a 270 a.C.) já afirmava haver vida em todas as partes do universo, desenvolvida a partir de um longo processo evolutivo que remonta aos átomos (partículas indivisíveis propostas por Leucipo e Demócrito). Séculos mais tarde, Plutarco de Queroneia (46 a 120 d.C.) desenvolveu um esboço do que se definiria como o “princípio da mediocridade”, de que a Terra não está em uma posição especial no cosmo (como afirmara Aristóteles), e que os demais corpos celestes provavelmente possuiriam vida (LEMARCHAND, 2010, p. 24). Com Ptolomeu de Alexandria (90 a 168 d.C.), parece ter havido um retrocesso na percepção da posição dos corpos celestes, pois seu modelo é geocêntrico. Apesar disso, ele reconheceu que, quanto mais distante da Terra, mais tempo leva o movimento dos astros pelo céu. As ideias de Ptolomeu perduraram pela Idade Média, época em que a civilização cristã europeia não deu grandes contribuições para a astronomia. Ao contrário, parece ter havido um retrocesso, pois voltou a crença na Terra plana. Foi necessária a viagem de descobrimento de Colombo para constatar-se a curvatura da Terra. Anos mais tarde, o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473 a 1543) apresentou o sistema helicoêntrico em uma obra intitulada De revolutionibus orbium coelestiurn. Uma a uma, as verdades da Igreja caíam por Terra.

6 Seguindo as tradições pitagóricas e platônicas e partindo das observações do astrônomo dinamarquês Tycho-Brahe (1546 a 1601), Johannes Kepler (1571 a 1630) descobriu as leis que regem o movimento planetário. O tema da vida em outros planetas é trazido à Idade Moderna por Giordano Bruno que, assim como Copérnico, foi queimado nas fogueiras da Inquisição por suas ideias. Na mesma época, o astrônomo Galileu Galilei (1564 a 1642) fundamentou a ideia de Copérnico, pela qual a Terra gira em torno do Sol. Além disso, ao dirigir seu telescópio ao céu, descobriu as formas do relevo lunar, estrelas das Plêiades e das Híades, quatro luas de Júpiter, as manchas solares e as primeiras evidências dos anéis de Saturno. O matemático e físico inglês, Isaac Newton (1642 a 1727), expôs em sua obra Philosophiae naturalis principia mathematica a lei da gravitação, que afirma que todos os corpos no espaço e na Terra sofrem a ação da força da gravidade, explicando assim, a órbita dos planetas ao redor do Sol (MOURÃO, 2000, p. 101-123). Nos séculos seguintes, com o desenvolvimento da química e da biologia, tomava forma a conjunção de ciências que resultaria na astrobiologia. Um passo importante neste sentido foi dado com a publicação de A origem das espécies e a seleção natural, em 1859, por Charles Darwin (1809 a 1882). Com sua obra, Darwin estabeleceu definitivamente o que fora postulado por Epicuro sobre o processo evolutivo. Seu livro defende duas teses: descendência comum e seleção natural. A primeira afirma que todos os organismos evoluem a partir de um ancestral comum, e a segunda é o mecanismo que proporciona a prevalência de algumas variações genéticas sobre outras (FUTUYMA, 2002, p. 6-7). Segundo Neto e Souza (Orgs., 2009, p. 73), Darwin supôs corretamente o processo de origem da vida, em uma carta enviada ao seu amigo Joseph Hooker:

Se pudermos conceber que em alguma poça d’água morna, com toda sorte de sais de amônia e fósforo, luz, calor e eletricidade, um composto proteico foi quimicamente formado, apto a passar por processos ainda mais complexos, hoje em dia, tal matéria seria instantaneamente devorada e absorvida, o que não teria sido o caso antes das criaturas vivas terem se formado. DARWIN In: Ibid.)

7

A suposição de Darwin foi reproduzida em 1953, na famosa experiência de Miller-Urey. Nela, compostos simples como hidrogênio, amônia, metano e vapor d’água, sofrem uma descarga elétrica induzida, o que leva, ao final do experimento, à formação de moléculas orgânicas. Os compostos usados estariam presentes na Terra primitiva, proporcionando que a experiência confirmasse a hipótese de Oparin e Haldane, de que a vida pode ter sido gerada a partir de elementos inorgânicos, em condições favoráveis. Em 1961, Juan Oró (1923 a 2004) adicionou hidrogênio, cianida e amônia em uma solução aquosa, obtendo vários aminoácidos, alguns peptídeos e – em maior quantidade do que as demais substâncias – adenina, uma das bases do DNA, RNA e componente da ATP. Em 1969, ocorreu uma descoberta decisiva para a consolidação da astrobiologia: foram encontrados aminoácidos no meteoro que caiu em Murchison, na Austrália (BRYSON, 2005, p. 299). Porém, já há 28 anos antes, um pesquisador do Brooklin College, em Nova York, chamado Laurence J. Lafleur publicava o primeiro trabalho que trazia como tema um novo campo de pesquisa resultante da confluência de áreas de diferentes ciências: a astrobiologia. .

8

3 O OBJETO DA ASTROBIOLOGIA E OS PONTOS DE CONTATO COM OUTRAS CIÊNCIAS

A exposição do desenvolvimento das ciências astronômicas e biológicas feita até aqui nos permite evitar um equívoco recorrente, que compara a astrobiologia com uma pseudociência. Não obstante, esse equívoco aparece no primeiro parágrafo do trabalho seminal da astrobiologia, intitulado Astrobiology, de Laurence J. Lafleur. Em suas próprias palavras: O assunto da astrobiologia – a consideração de vida em outro lugar do universo além da Terra – é uma das que tem sido frequentemente e tão inadequadamente tratada que a tendência imediata e natural de um leitor experiente é esperar outro baseado de romance pseudo-científico (LAFLEUR, 1941, p. 333, traduzido do original)

Com o passar do tempo outros termos praticamente sinônimos foram usados no lugar da astrobiologia. Alguns deles são: exobiologia, xenobiologia, xenologia, cosmobiologia e bioastronomia. Entretanto, os termos que aludem a algo exterior à Terra foram caindo em desuso. Em decorrência disso, a National Aeronautics and Space Administration (NASA) mudou o nome de seu programa de Exobiologia para Astrobiologia (LAGE; LIMA, 2010, p. 14). A partir de então, existe um consenso quanto ao objeto de estudo dessa ciência: segundo a NASA e a European Astrobiology Network

Association (EANA), a astrobiologia é o estudo da origem, evolução,

distribuição e futuro da vida no universo. A astrobiologia resgata um dos interesses mais antigos do conhecimento humano, já manifestado por filósofos como Tales, Epicuro e Giordano Bruno, que indagavam a origem e definição de vida, assim como o futuro que ela terá. Atualmente, os objetos de estudo dessa ciência são a origem da vida, em todos os fenômenos que propiciaram o surgimento da mesma em nosso planeta. Da mesma forma, quais os mecanismos evolutivos que a vida encontrou para sua adaptação em diferentes hábitats na Terra. Os aspectos supracitados têm em comum a percepção de que toda forma de vida, seu desenvolvimento e manutenção dependem dos elementos e das reações químicas envolvidas.

9 Para o estudo de vida extraterrestre, a astrobiologia se vale de conhecimentos de outras áreas, tornando-se uma ciência transdisciplinar. Essas áreas incluem a astronomia, a biologia, a geologia e suas variantes – astrofísica, radioastronomia, cosmologia,

astronáutica,

biofísica,

bioquímica,

bioinformática,

microbiologia,

biogeografia, mineralogia, planetologia, paleontologia, paleobiologia, geobiologia, entre outras. No campo da astronomia, a Teoria da Relatividade Geral, do físico alemão Albert Einstein (1879-1955), legou-nos o conhecimento de que o universo está em expansão (BRYSON, 2005, p. 141). Esse fato foi confirmado pelo astrônomo americano Edwin Powell Hubble (1889-1954). Nesse sentido, é possível especular sobre a origem da vida em elementos comuns da origem do universo, que tornam possível que outros planetas com as mesmas condições favoráveis da Terra possam ter dado origem à vida. Nesse mesmo contexto, a pesquisa astronômica – visando a identificação de vida extraterrestre – envolve a origem e as propriedades estelares e de planetas, assim como a evolução das mesmas. Esses saberes regem o conceito de habitabilidade planetária, o qual identifica os critérios necessários para que algum outro corpo celeste possa abrigar vida. A partir desse entendimento, a zona habitável de uma estrela é determinada em decorrência da existência de água líquida na superfície de um planeta, isto é, a distância necessária de luminosidade estelar que capacita um planeta ou lua a manter a água em estado líquido. Em decorrência disso, as definições dos limitantes externos e internos – sendo esse mais próximo à estrela hospedeira – da zona habitável são facultadas a partir dos processos físico-químicos, tais como: temperatura e pressão atmosférica parcial de CO2. Através dos cálculos estimados desses processos, a zona habitável, tendo em vista o modelo-padrão Terra, encontra-se no limite interno com valores de pressão 10-5 bars1 e temperatura com equivalência a 237K. Já o limite externo se promulga nos valores de 10-5 bars e 373K, portanto a zona de habitabilidade para uma estrela como o sol está a 0,95 – 1,20 U A2 (BERNARDES; 2013, p. 101-104).

1

O bar é uma unidade de pressão e equivale exatamente a 100 000 Pa (10 5 Pa). A abreviação U A designa a unidade astronômica que mede a distância dos corpos celestes. Essa medida é aproximadamente igual à distância da Terra ao Sol e a sua constante aproxima-se dos 150 milhões de quilômetros. 2

10

O estudo da planetologia comparada releva a origem e evolução primitiva dos planetas. No sistema solar, os planetas telúricos (ou rochosos) tiveram evolução similar. Vênus é o planeta que mais se assemelha com a Terra já que sua atmosfera é formada basicamente por CO2 e outros gases como N, SO2. Entretanto, sua exagerada quantidade de gás carbônico concede um efeito estufa imenso que eleva a temperatura da superfície a 723K. A Terra comporta uma gama de conjunções favoráveis para o desenvolvimento biológico. Sua temperatura consideravelmente baixa garante a presença de água líquida e gases que criam o efeito estufa natural que regula a temperatura propiciando a existência de uma biosfera. O planeta Marte possui uma atmosfera amena, sua superfície é muito fria, com temperaturas atualmente abaixo de 273K, indicando um efeito estufa inverso (TEIXEIRA et al. 2009, p. 36-42). No âmbito das ciências biológicas, a investigação da história evolutiva dos seres vivos é o grande destaque. Os registros geológicos são importantes para fundamentar as características dos organismos vivos bem sucedidos e quando e como a vida surgiu pela primeira vez. Entender a filogenia e fisiologia de micro-organismos tais como os extremófilos, pode proporcionar um entendimento maior dos ambientes primitivos. Construir sistemas químicos artificiais para testar hipóteses sobre a origem dos processos bioquímicos e biológicos, investigar o desenvolvimento biológico e suas implicações no ambiente, e examinar a evolução gênica de micro-organismos primitivos e as mudanças ambientais provocadas por eles também são objeto de pesquisa que a astrobiologia empresta da biologia.E evidentemente, buscar por vida em outros locais fora da Terra. De toda a variedade de seres vivos existentes, os extremófilos são os que apresentam melhores condições de habitar ambientes extraterrestres. Na Terra, eles são encontrados em grandes profundidades, submetidos a altas temperaturas e pressão, como por exemplo, em chaminés de vulcões submarinos. Também podem ser encontrados em ambientes de temperatura baixíssima ou níveis extremos de acidez. No sistema solar, é possível identificar alguns ambientes propícios para abrigar esse tipo de organismo. São eles Marte (baixa pressão, temperatura e umidade), Titã (satélite de Saturno cuja pressão é de 1,5 bars, baixa temperatura e composição superficial de

11

amônia, água e hidrocarbonetos) e Europa (satélite de Júpiter), onde há possibilidade de água líquida embaixo da espessa camada de gelo na superfície (Ibid., p.73). No campo da geologia, o estudo da estrutura e da dinâmica planetária fornece um rico material sobre como esses elementos contribuem para o desenvolvimento e manutenção da vida. Devemos entender cada era geológica como um ambiente que influenciou o desenvolvimento da vida de determinada forma. O registro fóssil fornecido pela paleobiologia elucida empiricamente como as formas de vida tiveram resultados ecológicos e evolutivos positivos ou negativos ao longo do tempo. E o entendimento dos eventos de extinção em massa é fundamental, já que nos permite compreender fatores como a tolerância de determinadas espécies a impactos ambientais, ou quais elementos tornam tais impactos irrecuperáveis. Não menos importante é a geobiologia, que se debruça sobre a relação metabólica e as interações químicas que a vida estabelece com o ambiente. A partir dela que podemos identificar bioassinaturas que auxiliarão na identificação de processos metabólicos e fisiológicos que estão associadas à vida (TERRA..., 2007, p.10-12). A descoberta em 1996 do meteorito ALH84001 que foi encontrado na Antártida reavivou as pesquisas astrobiológicas. Isso porque o meteorito, proveniente de Marte, mostrou em uma micrografia eletrônica de varredura possíveis bioassinaturas de atividade fisiológica microbiana. Não menos importante para a busca de vida extraterreste foi a descoberta de aminoácidos no meteorito de Murchison 3. Apesar de não termos encontrado uma evidência definitiva de vida extraterrestre, os dois achados citados acima nos obrigam a considerar a probabilidade da existência de vida em um espaço tão vasto, o que certamente coloca o homem e a Terra em uma condição ainda mais periférica daquela construída pelos pensadores da Idade Moderna.

3

Ver página 7.

12

4 AS TEORIAS E A VIABILIDADE DO CAMPO DA ASTROBIOLOGIA

Após completar sua missão, a sonda Voyager 1 recebeu um comando que mudou a percepção do nosso lugar no cosmo. O astrônomo Carl Sagan (1934-1996) participava dessa missão e pediu que a sonda, que se encontrava nas proximidades de Saturno, tirasse uma fotografia do planeta Terra em um ponto favorável. Pálido ponto azul: uma visão do futuro da humanidade no espaço (1994) foi o título de sua obra reflexiva a partir dessa imagem. Carl Sagan acreditava que a Terra vista de tão longe retomaria as ideias filosóficas da Antiguidade Clássica em que a Terra era um simples ponto azul na vastidão do cosmo. Nas palavras do próprio Sagan: Na escala de mundos – para não falar da escala de estrelas ou galáxias – os seres humanos são insignificantes, uma película fina de vida sobre um bloco obscuro e solitário de rocha e metal. (SAGAN; 1994, p.7)

Sagan era um entusiasta da busca de vida em outros planetas, sua importância na disseminação dessa área pode ser observada na sua obra literária Cosmos (1980) e adaptada para a televisão ampliando a divulgação científica. Segundo Sagan, a busca por vida extraterrestre é uma jornada de autoconhecimento. Até o presente momento dessa jornada, já foi possível encontrar moléculas essenciais à vida no espaço: em 1937 foi encontrado o metilidino e seu íon (CH e CH+), em 1939 foi a vez do cianogênio (CN), em 1968 o sistema solar revelou-nos o amoníaco e a água, e nos dois anos seguintes, foi confirmada a existência de formaldeído (H2CO), monóxido de carbono (CO) e cianeto de hidrogênio (HCN) (DIAS; MAIA, 2012, p. 161). Admitindo-se que o universo está impregnado de moléculas orgânicas, ao encontrarmos vida de qualquer forma fora da Terra, podemos usá-la como parâmetro para a origem da vida no nosso planeta. Dessa forma, sairíamos da condição excepcional a qual nos encontramos hoje, tentando compreender o fenômeno da vida tendo a nós próprios como única evidência. O conhecimento de que o universo está repleto de matéria orgânica já era amplamente difundido quando Sagan escreveu Cosmos. De fato, essa é uma ideia que fascina o homem desde a Antiguidade. Anaxágoras (500 a 428 a.C.) falava que todos organismos derivariam do que ele chamava de “sementes da vida”. Contudo, a hipótese da existência de matéria orgânica espalhada pelo universo somente ganharia um amplo

13

espaço no debate científico com o trabalho do químico sueco Svante Arrhenius (1859 a 1927). Ganhador do Prêmio Nobel de Química em 1903, Arrhenius introduziu o conceito de panspermia cósmica em 1908. Segundo ele, diversos planetas seriam semeados por micro-organismos denominados “panspermas” (Ibid., p. 72-74). Os argumentos favoráveis dessa teoria se sustentam em dois fatos: 1) evidências de matéria orgânica encontrada em meteoritos (litopanspermia) e 2) de que esses micro-organismos são resistentes a uma viagem espacial (radiopanspermia). Porém, há um argumento contrário, que a leva a uma depreciação científica: de que a panspermia só transfere o problema da origem da vida para outro lugar do universo. Na esteira da possibilidade de que haja vida espalhada pelo universo, o astrônomo Frank Drake elaborou, em 1961, uma equação que calcula as chances de existência de vida avançada no cosmo: [...] divide-se o número de estrelas num trecho selecionado do universo pelo número de estrelas com probabilidade de possuírem sistemas planetários; divide-se o resultado pelo número de sistemas planetários que poderiam teoricamente conter vida; divide-se o número assim obtido pelo número daqueles em que a vida, tendo surgido, avança até um estado de inteligência; e assim por diante. A cada uma dessas divisões, o número cai vertiginosamente no entanto, mesmo com os dados mais conservadores, o número de civilizações avançadas, somente na Via Láctea, sempre se situa na casa dos milhões. (BRYSON; 2005, p. 39)

Recentemente, a astrofísica Sara Seager, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), refinou a equação de Drake, inserindo dados coletados da sonda Kepler – que busca exoplanetas – como planetas rochosos em zonas habitáveis de seus sistemas estelares. A equação permite afirmar que, nos próximos dez anos, poderão ser encontrados dez planetas inabitáveis no nosso conceito, porém, habitados. Conforme o previsto, a sonda Kepler deixou de operar em maio de 2013, após quatro anos de coleta de dados sobre exoplanetas. Contudo, até recentemente, acreditava-se que a vida só poderia existir em condições semelhantes às da Terra, como afirma a hipótese da Terra rara. Proposta por Peter D. Ward e Donald Brownlee em Rare Earth: why complex life is uncommon in the universe (2000), essa teoria faz um contraponto com a panspermia, considerando a cadeia de eventos necessária para o desenvolvimento da vida (no caso da Terra, a

14

formação de um campo magnético, a tectônica de placas, a camada de ozônio, entre vários outros fatores). Em novembro de 2011, enquanto a sonda Kepler coletava seus dados, um veículo explorador batizado de Curiosity foi lançado em direção a Marte, com o objetivo de investigar a possibilidade da existência de vida naquele planeta, estudar o clima e outros processos planetários e coletar dados para uma missão tripulada. Até o momento desta pesquisa, nenhum dos milhares de dados coletados por todos esses instrumentos que buscam detectar sinais de vida fora da Terra encontrou provas concretas de sua existência. Nesse ponto, é inevitável que se faça uma reflexão a respeito da consistência ou relevância da astrobiologia enquanto ciência. Sob um primeiro olhar, a astrobiologia parece carecer de um objeto, pois estuda algo que sequer foi encontrado: vida em outros planetas. Há que se entender – e por isso o termo “exobiologia” tem perdido terreno para “astrobiologia” – que esta ciência estuda o evento vida no espaço incluindo a Terra. Por enquanto, a vida no nosso planeta é a única amostra de que a astrobiologia dispõe para afirmar que a vida é possível fora dele. O fato de termos vida na Terra deve ser tomado não como uma exceção, mas como um indício da possibilidade de que haja vida no universo. As evidências físicas e químicas confirmam essa possibilidade. Além disso, da mesma forma que não temos atualmente as condições para provar a existência de vida extraterrestre, não há como provarmos categoricamente que ela não existe, pois carecemos de fontes empíricas que abarquem todo o cosmo. Sendo assim, como chamar de ciência um campo de estudo que não pode ser verificado e tampouco falseado? Ocorre que a verificação de uma teoria depende de reiterados testes da mesma que produzem o mesmo resultado, conforme a tradição empírica surgida do Círculo de Viena (MAYR, 2008, p. 78). Nesse sentido os testes que dizem respeito ao campo da astrobiologia ainda estão em sua fase inicial (coletas de amostras). Por outro lado, o falseamento de uma teoria não é adequado quando se trata de teorias probabilísticas, caso da maioria das questões biológicas. Lembremos que exceções a uma teoria probabilística não constituem necessariamente seu falseamento (Ibid., p. 78-79).

15

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A astrobiologia, em sua definição mais atual, estuda a vida, suas possíveis origens, sua evolução e futuro em uma escala astronômica. Analisando esses tópicos tão abrangentes, essa ciência carece de ferramentas específicas sugeridas em diversas áreas. Ou seja, a conjunção de conhecimentos da geologia, da astronomia, da biologia, da química e da física revela a ciência astrobiologia. Portanto, ela já nasce transdisciplinar. Uma análise histórica quanto à progressividade do pensamento científico compatibiliza com os passos que serão gerados na ciência. Desde que o homem tomou consciência de ser humano, ele estabeleceu uma relação intrínseca com o céu. De certa forma, os astros correspondiam às indagações mais existenciais e as demandas mais urgentes da cultura humana de cada tempo. Na Antiguidade, o movimento dos astros funcionou como regulador das atividades econômicas e daí passou a influenciar diretamente a vida das pessoas. No medievo, época do domínio da religião, compreender a ordem cósmica revelaria Deus para a humanidade. No Renascimento, Galileu trouxe um novo entendimento acerca da nossa importância no cosmo. A exclusividade da Terra na visão aristotélica foi substituída pelas observações de Galileu. A partir de seu trabalho, as mesmas leis que explicavam os fenômenos mundanos passaram a explicar os fenômenos universais. A teoria evolucionista de Darwin mortificou Deus no processo da criação e sem essa referência milenar o homem tem buscado conhecer sua origem em outra fonte: o cosmo. Foi nesse esforço de compreender a origem da vida na Terra que a astrobiologia veio para buscar evidências correlatas da vida terráquea no universo. Cautelosa o suficiente, essa ciência vem tentando contemplar a verificabilidade de seu objeto na mais modesta das estimativas e quanto a falseabilidade há uma dificuldade que é compartilhada com as próprias ciências biológicas, pois a natureza da maioria das suas teorias é probabilística. Pressupondo que a vida seja realmente um processo natural do universo, seu surgimento seja uma consequência de processos químicos e físicos que são viáveis em qualquer lugar do cosmo, qual seria o impacto para a humanidade? O paradigma

16

vigente afirma que a vida é incomum tendo base as ideias darwinistas, em que os processos do acaso que levaram a evolução da vida nunca se repetirão. Indubitavelmente, atrelar-se a possibilidade de vida complexa e inteligente em outras partes do universo torna-se uma questão unicamente especulativa. Porém, se outras formas de vida primitiva fossem descobertas no universo e na própria Terra, ocasionaria uma quebra desse paradigma, por forçar-nos a um novo conceito da mesma. Por outro lado, a elaboração prévia desse novo conceito poderia nos levar à descoberta de outras formas de vida. De uma forma ou de outra, o conhecimento o qual conhecemos hoje sofreria drásticas adaptações. Essa revolução científica poderia resolver questões até então incompreensíveis, como a origem da vida e sua própria definição. Além do mais, mudaríamos nossa visão antropocêntrica, afirmando que não somos os únicos no universo.

17

REFERÊNCIAS ARTIGOS

ALABI, Leticia P. et al. Astrobiologia e a importância da busca por vida extraterrestre. Disponível em: . Acesso em: 02 mai. 2013. FRIANÇA, Amâncio. Ética do cosmos: campo de conhecimento em ascensão, a astrobiologia também se preocupa em discutir uma ética ambiental para a Terra e além. Disponível em: . Acesso em: 15 mai. 2013. LAFLEUR, Laurence J.. Astrobiology. Astronomical Society Of The Pacific Leaflets, New York, v. 3, n. 143, p. 333-340. jan. 1941. PAULINO-LIMA, Ivan Glaucio et al. Astrobiologia: definição, aplicações, perspectiva e panorama brasileiro. Boletim da Sociedade Astronômica Brasileira, São Paulo, v. 29, n. 1, p.14-21, out. 2010. SEAGER, Sara. Exoplanet habitability. Science, New York, v. 340, n. 6132, p.577-581, 03 mai. 2013.

HOMEPAGE ESTADOS UNIDOS. Edward Goolish. Nasa (Ed.). NASA Astrobiology institute. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2013. UNIÃO EUROPEIA. Gerda Horneck. Eana (Ed.). European astrobiology network association. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2013.

LIVROS BRYSON, Bill. Breve história de quase tudo. São Paulo: Companhia Das Letras, 2005. FUTUYMA, Douglas J.. Biologia evolutiva. 2. ed. Ribeirão Preto: FUNPEC-RP, 2002.

18

JECKEL-NETO, Emilio A. et al. (Org.). Revolução de Darwin. Porto Alegre: Edipucrs, 2009. LEMARCHAND, Guillhermo A. et al. (Ed.). Astrobiología: del Big Bang a las civilizaciones. 1. ed. Uruguay: Unesco, 2010. MAIA, Hernâni L. S.; DIAS, Ilda V. R. Origem da vida: recentes contribuições para um modelo científico. 1 ed São Paulo: Editora Livraria da Física, 2012. MAYR, Ernest. Isto é biologia: a ciência do mundo vivo. São Paulo: Editora Companhia Das Letras, 2008. MILONE, André de Castro et al. Introdução à astronomia e astrofísica. São José Dos Campos: INPE, 2003. MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. O livro de ouro do universo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. TEIXEIRA, Wilson et al. (Org.). Decifrando a Terra. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009. SAGAN, Carl. Pálido ponto azul: uma visão do futuro da humanidade no espaço. São Paulo: Companhia Das Letras, 1996

TESES E DISSERTAÇÕES BERNARDES, Luander. Exoplanetas, extremófilos e habitabilidade. 2013. 206 f. Dissertação (Mestrado) - USP, São Paulo, 2013.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.