Astronomia & ensino: perguntas frequentes – parte 1

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Astronomia & ensino: perguntas frequentes – parte 1 Lucas G. Barros ([email protected]) Como explicar a descoberta das ondas gravitacionais e o que isso tem a ver com a teoria de Einstein? De maneira sucinta, a Teoria da Relatividade Geral (TRG) é uma teoria da gravitação, que tem em Albert Einstein o seu principal proponente (além da TRG ter recebido importantes contribuições de nomes da época, como Henri Poincaré, David Hilbert, Hendrik A. Lorentz, entre outros), cujo foco de estudo é a investigação de fenômenos físicos em sistemas acelerados. Dentre outras previsões feitas pela TRG, está a curvatura do espaço-tempo devida à presença de um corpo extremamente massivo (uma estrela ou um buraco negro, por exemplo) ou de um corpo em um movimento de rotação cuja velocidade, apesar de menor que a velocidade da luz, é suficiente para que apareçam efeitos relativísticos. A partir desse conceito, as equações de Einstein foram estudadas em algumas situações particulares. Em uma delas, previu-se o efeito da deflexão (desvio) da luz ao se aproximar de um corpo supermassivo. Essa constatação só seria possível se fosse feita a comparação entre as posições observadas de uma estrela: a) no céu noturno e; b) próxima do Sol. Neste último caso, seria necessário um eclipse solar para que a posição da estrela fosse observada de dia, o que veio a acontecer com observações dos eclipses solares no final da década de 1910. Abro um parêntese aqui para mencionar a contribuição brasileira à fundamentação observacional da TRG, com a observação do eclipse solar na cidade cearense de Sobral, em 1919. Participaram daquela ocasião, diversos cientistas que vieram para o Brasil numa expedição organizada pelo famoso engenheiro francês naturalizado brasileiro Henrique Morize, então diretor do Observatório Nacional. Além de estrelas, buracos negros são corpos extremamente massivos. Quando uma determinada categoria de estrelas supermassivas (muito maiores que o Sol) esgota completamente o hidrogênio, elas entram em um colapso gravitacional, uma vez que a energia que contrabalanceava a pressão gravitacional cessou com o esgotamento do hidrogênio da estrela. Esse colapso vai contraindo a estrela até ela se transformar em um buraco negro, com uma gravidade extremamente intensa, tão intensa que nem mesmo a própria luz escapa dele. Outra previsão da TRG foi a existência de perturbações no espaço-tempo devidas ao movimento acelerado desses corpos supermassivos, sendo essas perturbações conhecidas como ondas gravitacionais. Todavia, estamos falando de perturbações extremamente pequenas, produzidas no próprio espaço-tempo, graças ao movimento de corpos extremamente massivos que, acelerados, interagem entre si. No caso dos experimentos realizados pelo LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory), os pesquisadores identificaram ondas gravitacionais produzidas por um par de buracos negros que estavam se fundindo (detalhe que esse episódio ocorreu há pouco mais de 1 bilhão de anos atrás, mas que só agora as ondas gravitacionais originadas daquela fusão chegaram até nós). Os valores detectados para essas ondas são extremamente pequenos (entre 35 a 250 Hz). Esse valor é tão pequeno que, quando foi identificado pelos aparelhos do LIGO, no ano passado, os pesquisadores passaram longo tempo comparando as

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ondas detectadas com os modelos previstos para as ondas gravitacionais, a fim de suprimir quaisquer perturbações originadas de outras fontes. Para o público infantil, como pode-se entender a ideia das ondas gravitacionais, que foram descobertas recentemente? Os conceitos relacionados à Relatividade Geral não são triviais, visto que envolvem o uso de geometrias complexas como a geometria riemanniana. Contudo, podemos recorrer a analogias para explicar conceitos básicos e simplificados da TRG e, consequentemente, utilizarmos essa situação para falar sobre ondas gravitacionais. Uma dessas analogias é a montagem de um tecido elástico sobre um suporte (como um aro metálico, por exemplo). Em seguida, para representar um corpo massivo, utilizamos uma esfera metálica (ou uma bola de isopor com pedrinhas em seu interior). Ao colocarmos a esfera sobre o tecido elástico, este se distenderá, formando uma região curva. Se, soltarmos uma pequena esfera – uma bola de gude, por exemplo – veremos que a bolinha acompanhará a trajetória curva do tecido. É desta forma que entendemos o movimento dos astros em torno do Sol, através dessas regiões curvas do espaço-tempo conhecidas como geodésicas. Uma demonstração dessa analogia está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MTY1Kje0yLg (em inglês). A partir desse exemplo, podemos utilizar o próprio tecido elástico para exemplificar as ondas gravitacionais, produzindo oscilações no mesmo com dois objetos que representassem buracos negros em colisão (duas esferas metálicas, por exemplo). Contudo, é necessário lembrarmos que se trata de uma analogia, com o objetivo exemplificar determinados conceitos científicos. Como qualquer analogia, ela possui limitações. Creio que a principal seria lembrarmos que, na TRG, estamos lidando com o conceito de campo gravitacional, enquanto que a deformação observada no nosso tecido elástico é devida a uma força gravitacional (terrestre, neste caso), ao invés de um campo gravitacional originado da própria esfera metálica ou da bola de isopor. Quais conteúdos de astronomia podem ser trabalhados com o público infantil? É bastante comum que crianças e adolescentes tenham determinados conhecimentos relacionados à astronomia, oriundos muitas vezes do senso comum. Como exemplo, são comuns algumas concepções como: 1) os locais de nascer e pôr do Sol são, respectivamente, no ponto cardeal Leste e Oeste durante todo o ano; 2) a existência da gravidade depende diretamente da presença da atmosfera terrestre; 3) as estações do ano são decorrentes da variação da distância da Terra em relação ao Sol; 4) As estrelas possuem pontas; 5) o Sol é uma bola de fogo. Entre outras. Com o advento da internet e a exibição de documentários televisivos de Astronomia, muitas crianças e adolescentes nutrem curiosidade por assuntos de grande fascínio e extrema complexidade, como por exemplo, matéria e energia escuras, buracos negros, buracos de minhoca, teoria das supercordas, etc. Uma das primeiras coisas que podem ser trabalhadas com esse público é instigar a observação do céu, a contemplação dos astros a olho nu ou pelas lentes de um binóculo ou de um telescópio. Por outro lado, é possível que essa prática seja inviável em diversos locais, tendo em vista a poluição luminosa urbana. Como alternativa, podem ser desenvolvidas oficinas em que trabalhem vários conceitos relacionados à Astronomia, como por exemplo: dimensões do Sistema Solar (comparação das dimensões do Sol, planetas e corpos menores do Sistema Página 2 de 4

Solar), planisfério celeste (confecção de “mapa” para visualização do céu noturno – estrelas, constelações, aglomerados, etc.); construção de um espectroscópio simples (instrumento utilizado para identificação da composição química dos astros e outras propriedades, através da decomposição espectral da luz emitida por esses); representação das órbitas planetárias (1ª Lei de Kepler), entre outros. Por fim, é de grande importância a participação de crianças e adolescentes em visitas a espaços destinados à divulgação da Astronomia, tais como observatórios astronômicos, planetários e museus de Astronomia. Nesses locais, o visitante tem a oportunidade de conhecer mais de perto um pouco dessa fascinante ciência, através da observação dos astros, exposições de astrofotografias, sessões de planetário, oficinas temáticas, entre outras. Temos observado um crescimento no número de instituições dessa natureza nos últimos anos no nosso país, apesar de esse número ainda ser incipiente se consideramos a imensidão territorial do Brasil, e a maior concentração desses locais ocorrer nas regiões Sudeste e Sul do país. Como explicar o conceito da unidade de medida anos-luz? Em nosso cotidiano, costumamos utilizar unidades de medida correspondentes às nossas necessidades. Se estivermos desenhando em uma folha de papel A4 e precisarmos fazer uma medição no desenho, utilizaremos a régua para medirmos os centímetros correspondentes. Se estivermos medindo o comprimento de um terreno, de um fio ou a altura de uma parede, utilizamos o metro como unidade de medida. Se quisermos medir a distância entre duas cidades vizinhas, por exemplo, seria mais cômodo utilizarmos grandezas adequadas a essa situação como o quilômetro, e assim por diante. Na Astronomia não é diferente, lidamos com medidas o tempo inteiro. O detalhe é que, agora, estamos trabalhando com distâncias extremamente grandes: galáxias, estrelas e nebulosas que estão a trilhões de quilômetros de nós, o que torna inviável utilizar para essas distâncias as unidades comumente utilizadas em nosso cotidiano. Já pensou ter de dizer que uma estrela está a 37 843 200 000 000 000 de metros de distância de nós?! Para facilitar o trabalho, os astrônomos criaram unidades de medida adequadas a essa situação. Uma dessas unidades é o Ano-luz. Imagine o Ano-luz como uma espécie de “régua”, cujo comprimento é igual à distância percorrida pela luz em um ano. Como saber essa distância? Lembre-se que a distância percorrida pela luz em 1 segundo é igual a 300 mil quilômetros. Por sua vez, um dia tem 86400 segundos, o que nos dá uma distância percorrida de aproximadamente 26 bilhões de quilômetros. Poderíamos, inclusive, transformar esse resultado numa unidade de medida. Vamos chamá-la de dia-luz. Então, 1 dia-luz = 26 bilhões de quilômetros Porém, as distâncias entre os astros são tão grandes, que utilizar o dia-luz para medir distâncias se tornaria ainda uma tarefa trabalhosa. Vamos, então, buscar uma nova unidade de medida, a partir da distância percorrida pela luz em 1 ano. Fácil: 1 ano = 365 dias 1 dia-luz = 26 bilhões de quilômetros Logo, Página 3 de 4

1 Ano-luz = 365 dias x 26 bilhões de quilômetros Assim 1 Ano-luz = 9,5 trilhões de quilômetros! Essa é, então, a nossa “régua astronômica”. Assim, ao invés de dizermos que um astro está a trilhões de quilômetros, dizemos que ele está situado a X anos-luz de nós. Por exemplo: quando dizemos que uma estrela que observamos no céu noturno está a 4 anos-luz de nós, significa dizer que a luz emitida por essa estrela leva 4 anos para nos alcançar. Se, neste exato momento, a estrela iniciar uma nova fase de sua evolução, transformando-se, por exemplo, numa supernova, veremos o episódio ocorrido apenas daqui a 4 anos! Quando olhamos para o céu, estamos enxergando, na verdade, um passado muitas vezes distante.

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