Até que a morte os separe: Naruto

July 6, 2017 | Autor: Bianca Cestaro | Categoria: Gay And Lesbian Studies, Manga and Anime Studies, Japanese Culture, Media Philosophy, Sexism
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Até que a morte os separe por Bianca Cestaro de Almeida. Contato: [email protected]

Com um final apressado e mal aceito pelos fãs, Naruto consolida a recente flexibilidade do mercado segmentado de mangás e levanta a questão da homofobia e do machismo nos shonen

A

maior parte deste anime, como a maioria dos shonen cujo sucesso ultrapassa as fronteiras nacionais, é a típica lavagem cerebral nipônica que ofende a inteligência do espectador mais exigente. Sem a enrolação da versão animada, porém, o mangá tem seus méritos - mas o maior deles foi arruinado com a pressa do capítulo final e as exigências dos patrocinadores. Falo do cerne da obra, cuja idéia principal ressoa em todas as sagas e personagens: a luta pela manutenção de laços emocionais não-institucionais duradouros num mundo em que relações se desfazem e refazem cada vez mais rápido. Centralizado na busca de Naruto por seu amigo Sasuke, é um novo tipo de luta em que o objetivo final é compreender o inimigo, não eliminá-lo, e na qual a submissão ao que é esperado de cada um pela sociedade é a pior das covardias. Infelizmente, a mensagem final é a oposta, porque um tema tão revolucionário jamais conseguiria tal sucesso comercial no país da submissão. Assim, ao redor da trama principal, repete-se um discurso clichê de “unidos venceremos o inimigo”, “devemos inovar respeitando as tradições” e “você pode superar expectativas, desde que elas se encaixem nos nossos valores”. O coletivo supera o individual, mesmo quando parece acontecer o contrário. Naruto é sobre adolescentes massacrados por um mundo violento não devido a armas, guerras e desigualdades(o que nem se espera de um entretenimento juvenil de primeiro mundo), mas à obsessão por reconhecimento social, à crendice em demônios e maldições antiquadas e excludentes, a uma educação militarizada neurótica e a uma repressão sexual hipócrita. O sucesso deste mangá se deve, como no caso de Death Note, a sua habilidade em se encaixar num gênero do rígido mercado editorial japonês - mudando aos poucos devido às exigências do público mais novo - ao mesmo tempo que o subverte. A busca competitiva por poder, típica do shonen, se torna arrogante e cruel, e a rivalidade entre o popular e o excluído se torna amor. A mulher-objeto disputada não precisa mais de cavaleiros para defendê-la(Konan) e pode ser rainha solteira(Tsunade). O frio traidor do clã se torna herói da pátria e um mundo de ilusões confortáveis(o plano final de Madara) é recusado em nome da bruta realidade. Claro que não se faz sucesso dentro do clichê mudando tudo do dia para a noite - a figura materna continua tão louvada quanto temida, como vemos na personagem Kaguya, e a homossexualidade ainda é retratada como perversão ou piada; mas comparado com outros sucessos da mesma era e estilo, Naruto tem algo novo e positivo a oferecer e lembra a estrutura mítica do Herói de Mil Faces. Como pesquisado por Christina Flotmann, a estrutura binária dos mitos serve para confortar seus narradores na tarefa de conciliar aspectos conflitantes da vida, e justifica a crença na hierarquia de gênero. Demarcações éticas claras vêm com o preço de facilitar a geração de ideologias, o que é bem evidente ao analisarmos qualquer folclore ou entretenimento. A oposição binária é geralmente acompanhada por hierarquia, e o problema do mito é poder ser usado para manipular seu público a aceitá-la como natural, e não socialmente construída. Isso é muito claro em Naruto: o binarismo entre a dupla protagonista serve de modelo para todos os relacionamentos do mangá e exclui as mulheres, que servem nos times de três para apenas curar as feridas dos meninos rivais e motivá-los em seus infantis sonhos de dominância. Não há hierarquia entre o ying(feminino) e o yang(masculino) simbolizados por Sasuke e Naruto, mas ela é explícita no que concerne o sexo oposto. Como nos clássicos gregos, a mensagem é a de que nada supera o amor entre dois homens e o papel primordial da mulher é dar à luz a mais guerreiros para o estado fascista - o que deixou furiosas as fãs de Sakura, quando todo o seu desenvolvimento foi apagado em nome do tradicional papel de dona de casa e mãe exausta e abandonada pelo o belo fanart na página ao lado é deste artista: http:// www.pixiv.net/member_illust.php?mode=medium&illust_ id=46977235

marido frio. O desenvolvimento das personagens femininas neste shonen, no entanto, mostra que esta visão vem enfraquecendo. E a desconfortável supremacia da ligação entre os rivais mostra que se há vantagem numa relação mais igualitária, mesmo que socialmente proibida, é porque a desigualdade do heterossexismo patriarcal não está satisfazendo nem os que se beneficiam dele. Segundo Weeks, Heaphy e Donovan(1999), há três padrões homossexuais que explicam seu fascínio, principalmente pelo sexo oprimido(como a atração que meninas sentem pelo yaoi): primeiro, não há necessidade de se preencher papéis de gênero esperados; segundo, os parâmetros da relação podem por isso ser negociados pelos parceiros, e não impostos; terceiro, o tipo de compromisso de uma relação institucionalmente estigmatizada exige do casal um grau de confiança e ousadia muito maior que dos casais aceitos. Ao contrário do que sentem meninos por material pornográfico pseudolésbico, a atração das meninas pelo yaoi vem não só de uma curiosidade sexual, mas de sua inferiorização nas relações amorosas, fazendo-as almejar por um vínculo desligado dos preconceitos tradicionais. O padrão mitológico binário é tema recorrente em Naruto, o que talvez explique parte de seu sucesso. Como explica Lévi Strauss em suas Mitológicas, Uma aparelhagem de oposições, de certo modo pré-montada no entendimento, funciona quando experiências acionam o comando, como os comportamentos inatos dos animais, cujas fases se sucedem automaticamente a partir do momento em que são desencadeadas pela conjuntura apropriada(...) Do mesmo modo, é aplicando sistematicamente regras de oposição que os mitos nascem, brotam, se transformam em outros mitos que por sua vez se transformam e assim por diante, até que limiares culturais ou linguísticos ou a própria inércia do maquinário mítico dêem apenas formas desabadas e tornadas irreconhecíveis. Isto ocorre porque as características próprias do mito nelas se esmaecem em favor de outros modos de elaboração do real que podem, dependendo do caso, ser da ordem do romance, da lenda ou da fábula com finalidades morais ou políticas.

A questão da gênese do mito se confunde, portanto, com a do próprio pensamento, cuja experiência constitutiva não é a de uma oposição entre o eu e o outro, mas do outro apreendido como oposição. Na falta desta propriedade intrínseca - a única, na verdade, absolutamente dada - nenhuma tomada de consciência constitutiva do eu seria possível. Não sendo apreensível como relação, o ser equivaleria ao nada. As condições de surgimento do mito são pois a de todo pensamento, já que esse não poderia ser senão pensamento de um objeto, e um objeto só o é, por mais simples e despojado que se o conceba, pelo fato de constituir o sujeito como sujeito e a própria consciência como de uma relação. Para que um mito seja gerado pelo pensamento e gere por sua vez outros mitos, é necessário e basta que uma primeira oposição seja injetada na experiência, o resultado será a geração de outras oposições em sequência(...) Considerados em suas relações recíprocas, sol e lua poderão ser ambos machos, ambos fêmeas ou de sexos diferentes; poderão também ser estranhos entre si, amigos, consanguíneos ou afins(...). O protagonista nos é apresentado como o pior aluno da escola, vândalo e irritante. Ele picha as estátuas dos respeitáveis Hokages - os melhores ninjas das vilas, que se tornam uma espécie de imperador - , não consegue fazer o mais básico dos truques, transforma-se numa jovem nua para provocar os adultos e não se importa com nada que sua sociedade leve a sério. O único que lhe dá ouvidos é o gentil professor Iruka, que ao perguntar a Naruto o porquê dele ter pichado as estátuas, faz uma das melhores caras de incredulidade da série: Naruto responde que é porque vai superar todos eles, algo inesperado vindo de um menino sem a menor chance e que não parece se esforçar para ser um bom ninja. A resposta esperada seria “porque não to nem aí pra eles”, o que faria muito mais sentido vindo de um órfão rejeitado por todos, cuja reação normal seria desprezar o que sua sociedade respeita. Mas Naruto vive em negação, e sua postura de desafio é pra chamar atenção e proteger-se da tristeza de sua condição. Conforme vai conseguindo sair da mesma ao longo da obra, parece que sua história é sobre a redenção de um renegado; mas o recente final

Atores japoneses que interpretam os personagens no musical de Naruto, apresentado em vários países orientais em 2015. Dá pra ser mais perfeito? Imagens do usuário silverwind no tumblr.

O carismático ator japonês Koudai Matsuoka interpretando Naruto no show live que fez tour pela Ásia em 2015. Imagens escaneadas pelo usuário silverwind do tumblr.

As cenas mais marcantes não ficaram de fora do musical. Imagens escaneadas pelo usuário silverwind do tumblr. O ator Ryuji Sato interpreta Sasuke.

sugere que, infelizmente e como esperado de uma sociedade como a japonesa, Naruto é na verdade um mangá sobre a submissão de um oprimido. Não é à toa que, enquanto no Japão o final da obra não foi tão estranhado, no Ocidente, representado na internet pelos EUA, ele foi alvo de duras críticas por ser desconectado do resto da história. Voltarei a este ponto mais tarde. No começo do mangá, Naruto é malvisto pelos pais de seus colegas por um motivo que ele não sabe: ele é a “reencarnação” ou corpo onde foi selada a Raposa de Nove Caudas, a Kyuubi, demônio da mitologia oriental que representa o ódio e a luxúria. Os habitantes da vila do menino não o vêem como uma criança inocente, embora a raposa tenha sido selada nele quando bebê para salvar a vila. Isso mostra um pouco do quão ingratos e ignorantes são os habitantes de Konoha, e isso é atenuado ao longo da série. Por ser muito jovem, Naruto quer apenas ser reconhecido por eles, para aliviar sua solidão; mas como ele mesmo diz mais pra frente a Sasuke, “um vacilo e eu teria ficado que nem você”, ou seja, imerso em desejos psicóticos de vingança. É a capacidade de Naruto não ceder ao ódio - o que explica ele conseguir domar a Kyuubi, que simboliza este ódio - que o torna o protagonista e herói do mangá, numa inversão interessante do clichê dos shonen. Em Yu Yu Hakusho, por exemplo, o protagonista permanece um rebelde que despreza a sociedade que o maltratou. Sua saga é também sobre a típica busca por poder e formação de amizades, mas ele não se submete ao sistema que lhe deu como melhor opção a criminalidade. Naruto escolhe perdoar e se isolar, o que é covarde, como o início do seriado nos mostra: ele é irritante, hipócrita, inconsequente e arrogante. Conforme interage com seu time, no entanto, ele começa a admitir suas fraquezas, valorizar o trabalho em grupo e respeitar as orientações mais sensatas de seus superiores. Quando é apresentado aos dois outros membros de seu grupo ninja, Sakura e Sasuke, Naruto demonstra ser apaixonado pela menina e detestar o garoto - embora apareça sentado ao lado dele em seu primeiro dia de aula como graduado, um de-

talhe interessante que o fã que reler a série vai notar. Percebemos que Hinata é secretamente apaixonada por Naruto e que Sakura e Ino são rivais de um jeito bem diferente da rivalidade dos meninos, o que explica a interpretação de muitos fãs sobre o relacionamento deles ser homoafetivo, mesmo que platônico(tema recorrente nos shonens e na literatura samurai, e que revela uma curiosa analogia com a idéia de amor e o machismo na Grécia Antiga; voltarei a este tópico mais pra frente). Mas o mais impactante é logo no começo o autor fazer Naruto beijar Sasuke na boca acidentalmente, na frente da sala toda, o que em outros shonens costuma acontecer com o protagonista e alguma personagem feminina. Aqui já se coloca na cabeça do leitor uma tensão entre os dois que é a mais desconcertante possível na obra inteira, e já se sugere claramente o marketing do yaoi para as fanzineiras de plantão. O mais curioso é o beijo acontecer com a mais esfarrapada das desculpas - um menino empurra Naruto, que estava encarando Sasuke em cima da mesa, e eles caem de forma a beijar-se perfeitamente. É forçado e enigmático, e o fato desta cena aparecer em vários flashbacks dos personagens prova que no mínimo Kishimoto aceita a interpretação, o que é explicitado pelo respeito que ele confere à estranha relação entre Haku e Zabuza logo na primeira parte da saga. Como notado pela blogueira Tzu Men, o que devemos perceber aqui não é se o beijo(aliás, os beijos, já que em outros episódios e OVAs ele se repete, devido ao sucesso entre as fãs e pelo humor) foi ou não de brincadeira, mas que o autor já instala oficialmente uma possível tensão sexual entre seus protagonistas, seja ela voluntária ou não. Um texto sobre Kishi ter falado a alguns fãs americanos que não se importa com os fanzines yaoi sobre sua obra e que daria ao mangá um final que poderia ser interpretado como shounen-ai circula pela internet, embora não se encontre a fonte. Sendo verdade ou não, muitos detalhes e pontos chave de Naruto tornam essa possibilidade plausível, já que os dois personagens quase morrem juntos ao final, o que poderia ser interpretado como um trágico romance proibido ou impossível, uma tra-

ma típica com casais hétero. Em seguida na história, Naruto consegue - surpreendentemente - prender Sasuke e se transformar nele para investigar o que Sakura pensa. Ela diz que acha Naruto irritante e que quer apenas ser reconhecida por Sasuke - e aqui entra uma das partes mais criativas da obra: para que o triângulo amoroso seja menos óbvio, Kishimoto faz com que Naruto pense “é por isso que eu gosto da Sakura”, num momento em que o esperado seria ele ficar extremamente chateado com a impossibilidade dela amá-lo de volta. Isso não só mostra como o “amor” que ele diz sentir por ela é imaturo e superficial, como planta uma sementinha maligna na cabeça dos fãs interessados nos relacionamentos dos personagens: se Naruto, logo após esta cena, pensa em se disfarçar de Sasuke e fazer Sakura chorar para se vingar - algo que jamais faria se realmente gostasse dela -, o que significa ele descobrir por que gosta dela quando ela está falando sobre Sasuke? A meu ver, Naruto percebe que gosta de Sakura porque ela também gosta do Sasuke, e isso é confirmando no polêmico filme da franquia, The Last. Como menina, ela pode admitir isso abertamente; já ele só consegue a atenção do outro provocando-o e colocando em sua atração a máscara da rivalidade. Lembra a relação genial da obra prima Dom Casmurro de Machado de Assis: a maior graça do romance está no mistério do verdadeiro ciúme de Bentinho ser de Capitu ou de seu melhor amigo, Escobar. Pra esquentar ainda mais o triângulo - oficialmente descrito pelo autor como “uma cobra mordendo o próprio rabo, começando por Naruto e sua atração por Sakura”, o que nos leva à desconcertante conclusão de que a seta(não correspondida?) de Sasuke vai pra Naruto -, na cena seguinte Sakura toma uma bronca de Sasuke por criticar a orfandade de Naruto. Sasuke dirige a ela as mesmas palavras maldosas que ela sempre diz a Naruto, “você é irritante!”, e a faz refletir sobre como o trata. Aliás, o fato de Sasuke guiar todas as ações e pensamentos dos outros dois personagens durante a primeira parte da série fez surgir as piadas de que na verdade ele seria o protagonista, e que a obra deveria se cha-

mar “Sasuke”. Isso explica por que Sakura e Naruto se empenham tanto em trazê-lo de volta em Shippuden: por mais que pareça corrompido, birrento e frio, Sasuke foi quem os carregou o tempo todo, e sem ele Sakura e Naruto não teriam se aproximado. Quando eles dois estavam juntos, não havia espaço pra ela; e é apenas longe deles que ela se torna poderosa. Na verdade, eles sequer seriam genins sem Sasuke. Quem tem a grande sacada de desobedecer Kakashi para passar na primeira prova é Sasuke, denunciando o erro do sistema ninja em valorizar as regras e autoridades acima de tudo. Quem ensina isso a Kakashi é Obito. Mas desobedecer para salvar amigos rendeu ao pai de Kakashi o desprestígio e o suicídio. O discurso de amizade e autonomia não passa disso: discurso. As missões ninja têm sucesso porque alguém se sacrifica pelo grupo em nome da submissão cega a um estado fascista, não por amizade ou ousadia. Muitas referências gays são apenas parte do humor de Kishimoto, como quando Kakashi dá o “golpe dos mil anos de dor” em Naruto - com as mãos em posição de feitiço ninja, ele enfia dois dedos no ânus do oponente. A maioria dos shones não chega perto de ousar tanto; as piadas são ingênuas, para não prejudicar o tom solene e juvenil das aventuras. Naruto parece saber dialogar com uma geração mais precoce e inteligente que as anteriores, e com um público menos segmentado. Nunca um shonen de sucesso foi tão emocionalmente desenvolvido como este. O recente penúltimo filme foi considerado shojo e rejeitado por muitos fãs, por ter dado foco demais ao romance entre Naruto e Hinata, de forma superficial e forçada. Parece mais um filler do que material oficial, bem como o polêmico capítulo final 700. Mas voltemos à análise mais linear do mangá e seu relacionamento central. A primeira grande interação que nos é apresentada entre os rivais é a de humilhação de Naruto por ser salvo por Sasuke em sua primeira missão. Num primeiro momento, ele fica imóvel de pavor enquanto o rival e o mestre o defendem dos inimigos; num segundo momento, Sasuke arrisca sua vida para defendê-lo e parece morrer em

Como dizem estas imagens feitas por fãs, há em Naruto o queerbaiting, ou seja, cenas gays para atrair gays “sem ofender homofóbicos”, e até mesmo queercoding, uma abordagem séria de um relacionamento gay oculto. Com personagens femininas fracas e simbolismos e frases explicitamente românticos, fica evidente que nenhum relacionamento da obra chega aos pés do de Naruto e Sasuke. Há um brilhante texto sobre isso escrito por uma fã em http://fucknonarutoending.tumblr.com/post/109351495257/are-thereany-other-shounens-where-two-guys-have-a

Este fanart também é da artista Kira, representando o final ideal da série para o fandom yaoi. O site dela é http://www.pixiv.net/member.php?id=1610129

seus braços, o que desperta pela primeira vez a kyuubi. O protagonista, com o rival nos braços, pensa “eu nunca vou te perdoar!”, de forma que não sabemos se a frase se dirige ao inimigo que atingiu Sasuke ou ao próprio, que invalidou seus sentimentos de inveja e motivação por ele, substituindo-os por uma bizarra amizade sacrificial que não faz o menor sentido naquele momento. Os dois praticamente acabaram de se conhecer, e além de planejarem juntos, do nada, um ataque em dupla genial contra um vilão que conseguiu aprisionar seu mestre, de repente estão dispostos a apostar tudo para proteger o outro - notadamente Sasuke, que considera seu objetivo único de vida vingar sua família, e simplesmente se joga na frente do mais inútil, burro e pretensioso colega de classe que tem, despertando seu sharingan. Esta cena é conhecida por iniciar nas fãs de Naruto a produção e busca por material em que ambos são interpretados como um casal, precisamente devido ao estranhamento que provoca não só ao que esperamos de uma dupla típica de rivais shonen, mas por sugerir nas entrelinhas que a relação deles não é o que parece. A única explicação para tamanho entrosamento sem interações diretas é a de que os dois já tinham alguma relação antes de se juntarem no time 7, o que os flashbacks que Kishimoto apresenta mais pra frente no mangá ainda assim não dão conta de justificar. Uma brincadeira recente é chamar o mangá de g0y, ou seja, adepto de um grupo de homossexuais conservadores que considera aceitável o romance entre dois homens, desde que não envolva sexo. Evoca também o fenômeno bromance, em que dois amigos colocam sua relação acima de qualquer outra, mas sem se considerarem gays(“bros before hoes” é a machista frase mais famosa do estilo), o que parece ser resultado de uma maior tolerância da sociedade contemporânea com a expressão de afeto entre homens. Logo depois desta primeira cena marcante sobre a relação dos rivais que determinam a história de Naruto, somos apresentados aos primeiros grandes vilões da série: Zabuza, ninja desertor durão, e seu parceiro Haku, adolescente belo, poderoso e afeminado que o protagonista confunde com uma

linda moça. A relação dos dois é a típica tensão platônica entre um protetor masculino mais velho e um submisso afeminado mais novo, mas com cenas que nos permitem defini-la como possessiva e erotizada: Haku elogia o corpo de Zabuza e não permite que encostem nele, o que descarta que a relação deles seja fraternal, por interesse ou de amizade. Mais pra frente, Haku pergunta a Naruto se ele tem alguém especial pelo qual quer se tornar mais forte(Naruto responde que treina para “provar algo para alguém”; aqui fica óbvio o paralelismo entre o caráter especial do que Haku sente por Zabuza e o caráter especial que vai tomando a relação entre Sasuke e Naruto). Quando Haku faz a pergunta, Naruto não pensa, como seria o esperado, em Sakura, mas fica confuso, o que é muito interessante por tirar este protagonista do clichê dos shonen, sempre um menino abaixo da média apaixonado por uma beldade que só tem olhos para o macho alfa da escola. Conforme anda o mangá, fica gritante que Sasuke supera Sakura em importância para Naruto, o que denuncia tanto a fraqueza da imagem feminina nos shonen quanto o exagero suspeito na obsessão de homens por seus rivais e amigos. A princípio Zabuza diz considerar Haku apenas uma arma para alcançar seus objetivos; mas quando Naruto contesta, dizendo que aquele o ama - de forma bem inesperada para um menino criado num ambiente patriarcal e homofóbico - , o grandalhão baixa a guarda e chora! Prestes a morrer ele pede pra ser levado ao lado do corpo do menino, e a maneira com que o olha e conversa com ele sugere romance(a cena é idêntica à maioria das cenas entre um homem e uma mulher que morrem juntos em animes e tinham uma relação romântica ou a intentavam; e a única relação mostrada com tamanha emotividade na obra é... a dos rivais principais. Curioso, não?). O mais curioso é Naruto dizer a seu mestre, após enterrá-los, que apesar deles terem sido inimigos, ele gostou deles. O que pode ter superado, para o protagonista, a distância moral e as diferenças políticas entre seu time e os dois, e o que pode ter ecoado em sua própria personalidade para que ele assumisse gostar deles, senão a relação de

fidelidade absoluta e carinho entre os dois homens, seja lá em qual sentido, mas sempre incluindo até a morte como prova? Isso já dá o tom do resto do mangá, que gira em torno do esforço suicida de Naruto em “trazer Sasuke de volta”, cujo significado prático é mantido em segredo para alimentar as interpretações e fantasias dos fãs e manter o fascínio e lucro da obra. Outro aspecto que pode ter contribuído para a simpatia de Naruto para com Zabuza é que ele, quando pequeno, sem ser estudante ninja, matou cerca de 100 estudantes que participavam de uma prova final recorrente nos mangás e que metaforiza a competição cruel do capitalismo japonês: para vencer, os colegas tinham que se enfrentar até a morte. A prova foi suspensa depois que o menino Zabuza entrou num surto psicótico e mesmo sem frequentar este tipo de escola, fez o que o sistema esperava dele. O aviso foi claro para os dirigentes, e o que Zabuza fez deve ter ecoado em Naruto como uma revolta inconsciente contra um sistema absurdamente violento. Embora queira ser reconhecido no mundo ninja, Naruto é visto como fraco e precisa se provar de maneiras diferentes do esperado; sua estratégia mais original e subversiva, apelidada pelos fãs de “talk-no-jutsu” ou “golpe da conversa”, consiste em dialogar com o inimigo e tentar convencê-lo a desistir, buscando suas motivações, traumas emocionais e argumentos filosóficos, o que vai completamente contra a conduta ninja - mas funciona. Como um terapeuta, negociador ou diplomata, Naruto se identifica com os grandes vilões e busca um acordo ao invés da luta, o que poderia ter sido uma transição entre um sistema autoritário e um sistema democrático no mundo ficcional criado por Kishimoto. A prova escrita do exame chunin, em que vence quem colar sem ser notado, e na qual Naruto diz não se importar de ser um genin pra sempre, pois mesmo assim pode se tornar hokage, é mais uma crítica ao rígido sistema educacional oriental. A mensagem é a de que o leitor, mesmo sem se encaixar no que a sociedade considera sucesso, pode realizar seus sonhos, fora do sistema... desde que não o ameace.

Outra cena interessante da primeira temporada é aquela em que Sasuke vai pedir a Naruto que conte o que Sakura disse sobre o treino de subir em árvores. Esta é uma das raras cenas em que pode-se interpretar algum interesse de Sasuke em Sakura, embora o sentido mais óbvio pareça ser apenas de mais um exemplo de rivalidade entre os dois por habilidades ninja, e não por uma menina. Quando Sasuke vai fazer a pergunta, ele está estranhamente tímido e hesitante, e a genialidade de Kishimoto é nos deixar em dúvida se essa raríssima timidez declarada é por ele estar se dirigindo a Naruto ou por estar se referindo a Sakura(ele poderia estar com ciúmes devido ao protagonista, mais extrovertido que ele, ter ido conversar com a menina sem rodeios). Naruto diz que não vai contar a ele, seja porque interpreta a pergunta como uma rivalidade em relação à garota, seja porque não quer ajudar o rival a ser ainda mais habilidoso que ele. Um dos fatores principais do sucesso de Naruto é a habilidade de Kishimoto em deixar ambíguos os sinais de interesse entre os três, embora o autor diga em entrevistas que não leva muito jeito com o desenvolvimento emocional dos personagens. A originalidade deste shonen quanto a isso prova o contrário. Relacionando esta cena às seguintes, como quando Sasuke vai procurar Naruto à noite enquanto Sakura e Kakashi não se importam(e ele poderia ter sido morto por Haku!); e quando ele treina até tarde com Naruto e o salva de cair da árvore, me parece que a timidez de Sasuke faz mais sentido em relação a Naruto. Se fosse por ciúmes de Sakura, não haveria por que ele se preocupar em salvar e procurar o rival, já que o próprio Kakashi não se importou. Bastaria ele treinar sozinho. Usar de uma rivalidade amorosa juvenil como combustível é muito pouco para alguém que teve de superar o assassinato dos pais pelo próprio irmão quando criança. O comportamento de Sasuke vai revelando progressivamente uma atração por aquele que antes parecia tão desinteressante, a ponto de culminar em “seu corpo mexer sozinho” para salvá-lo, sacrificando algo muito mais importante que um amiguinho que ele acabou de conhecer. Não

Acima, página de Naruto no face apoiando a campanha da legalização do casamento gay nos EUA em 2015, e o jutsu de harém sexy reverso. Ao lado, sátira do último filme da franquia, em que o filho de Naruto usa a faixa de Sasuke e é treinado por ele.

Ao lado e abaixo, imagens feitas por fãs expressando qual seria o casal ideal da série num mundo não-homofóbico; e o jutsu cuja publicação Kishimoto demorou anos pra convencer seus antiquados editores a permitirem. No fim ele aumentou o sucesso do mangá entre as fãs e os fãs gays e abriu um precedente nos shonen.

Esta postagem do usuário do tumblr dicks-arefriends-not-food resume perfeitamente o que sentem muitos fãs da série sobre o final, principalmente o fandom queer e feminino: enquanto os shippers de NaruHina comemoram que o filme The Last foi todo focado no romance entre eles - considerado o pior filme da franquia no site oficial -, os shippers de NaruSasuNaru respondem que eles têm a série inteira com seu casal favorito. No filme, a cena em que Naruto se percebe apaixonado por Hinata é um genjutsu, e ele não vê Sasuke, que não aparece nem mesmo em seu casamento nos créditos finais. Após o capítulo final do mangá ter sido lançado, muitos fãs criaram páginas de repúdio na internet. A postagem ao lado é um exemplo: ela critica o quão ofensivo é para um fã gay da série ver o filho de Naruto e Hinata, Bolt, ser treinado por Sasuke, e tratado como se fosse filho de ambos os rivais. Esta abordagem também ofende as personagens femininas e mães, que também poderiam treinar seus filhos, mas são deixadas de lado para os rivais novamente terem mais destaque, nem que seja interagindo um com o rebento do outro no lugar delas.

podemos considerar fora da realidade as interpretações homoafetivas de muitos fãs sobre a dupla, principalmente num contexto em que ela só poderia se expressar de forma velada e ambígua. A semelhança entre a “Sakura Interna” e Naruto também é curiosa. Quando pode expressar-se livremente dentro de sua cabeça, Sakura, a que consegue ficar com Sasuke no decepcionante final oficial, comporta-se curiosamente como Naruto, e num gráfico de personalidades oficial, ele aparece perto dela na classificação “passional e impaciente”. Outro paralelo é a desconcertante possibilidade de substituir alguns diálogos entre Naruto e Sasuke pela declaração de Hinata para Naruto: são quase as mesmas exatas palavras. Se uma admiração distante como a da menina se tornou casamento no final oficial, o que se tornaria a interação entre os dois rivais? Para quem conhece a cultura japonesa, no entanto, as interpretações gays não são nem um pouco chocantes. Além de ser lucrativo provocar fãs para produzirem material de todos os tipos sobre seus personagens e casais favoritos, há a herança dos valores samurai no entretenimento e vida social do Japão até hoje. Uma citação de um dos inúmeros livros sobre o assunto na wikipedia explica: From religious circles, same-sex love spread to the warrior (samurai) class, where it was customary for a boy in the wakashu age category to undergo training in the martial arts by apprenticing to a more experienced adult man. The man was permitted, if the boy agreed, to take the boy as his lover until he came of age; this relationship, often formalized in a “brotherhood contract”, was expected to be exclusive, with both partners swearing to take no other (male) lovers. This practice, along with clerical pederasty, developed into the codified system of age-structured homosexuality known as shudo, abbreviated from wakashudo, the “way (do) of wakashu”. The older partner, in the role of nenja, would teach the wakashu martial skills, warrior etiquette, and the samurai code of honor, while his desire to be a good role model for his wakashu would lead him to behave more honorably himself; thus a shudo relationship was consi-

dered to have a “mutually ennobling effect”. In addition, both parties were expected to be loyal unto death, and to assist the other both in feudal duties and in honor-driven obligations such as duels and vendettas. Although sex between the couple was expected to end when the boy came of age, the relationship would, ideally, develop into a lifelong bond of friendship. At the same time, sexual activity with women was not barred (for either party), and once the boy came of age, both were free to seek other wakashu lovers. Like later Edo same-sex practices, samurai shudo was strictly role-defined; the nenja was seen as the active, desiring, penetrative partner, while the younger, sexually receptive wakashu was considered to submit to the nenja’s attentions out of love, loyalty, and affection, rather than sexual desire. Among the samurai class, adult men were (by definition) not permitted to take the wakashu role; only preadult boys (or, later, lower-class men) were considered legitimate targets of homosexual desire. In some cases, shudo relationships arose between boys of similar ages, but the parties were still divided into nenja and wakashu roles.(grifo meu) Notaram? O contrato sexual entre mestre e aluno é chamado de fraternal, entre irmãos. Lá se vai o argumento homofóbico ou ocidental de que “o fato de Naruto chamar Sasuke de irmão significa que ele não é apaixonado por ele”. Aliás, no penúltimo capítulo, Sasuke dá o mesmo peteleco na testa que costumava tomar de Itachi, em Sakura, que é revelada como sua esposa no capítulo final. O amor fraterno no mangá e nesta tradição japonesa é mostrado portanto como explicitamente intercambiável pelo amor matrimonial ou sexual. Outro detalhe é a maneira com que Sasuke reage quando passa por Haku disfarçado de mulher. Fica claro que ele percebe algo que Naruto não percebeu, seja o fato dele ser homem, seja a possibilidade dele ser o mascarado que levou o corpo de Zabuza embora. Mais pra frente, quando vai lutar contra ele, Sasuke diz “nos enganando daquele jeito... esse tipo de cara é o que eu menos gosto”. Ele se refere ao engodo de Haku se fazer de caçador de ninjas desertores, ou ao fato dele se fazer de mulher? Ao longo da série, Sasuke demonstra ser machista, e

a alta associação de homofobia e machismo extremos à homossexualidade enrustida pode se encaixar aqui. Isso adiciona mais uma oposição na dupla principal: ao contrário de Sasuke, Naruto demonstra levar jeito com mulheres e crianças ao longo da obra e, embora de maneira ingênua, é fascinado pela beleza feminina. Mesmo perdido na fúria da kyuubi após achar que Sasuke foi morto, ele pára o golpe ao ver que Haku sem a máscara é o jovem com o belo rosto de moça que ele havia encontrado antes. Enquanto a figura paterna domina a vida de Sasuke, seja nos valores marciais, seja na imagem do pai ou do irmão, a primeira conversa profunda de Naruto com um parente é com sua mãe, e é dito que ele puxou mais a ela do que ao pai, seja na personalidade, seja na aparência. Naruto chega ao cúmulo de se transformar em uma bela mulher para distrair oponentes e encabular seus professores, embora sua essência seja a masculina - yang -, talvez para deixar menos dicotômica a oposição entre ele e Sasuke. Também há a oposição entre os clãs Uchiha e Senju, que bem adiante na série são descritos como os que mais prezam o amor, cada um a seu jeito. Os Senju são mais diplomáticos e tolerantes que os Uchiha, que despertam sua habilidade ocular única, o sharingan, quando perdem algum ente querido. O que chama a atenção é que logo no começo da série, nesta luta contra Haku, Sasuke desperta o sharingan protegendo Naruto, e este desperta a kyuubi movido pelo corpo inerte de Sasuke após protegê-lo. Sasuke nunca aciona seus olhos por nenhuma mulher, exceto talvez pela memória da mãe morta, enquanto que quando libera a kyuubi por Hinata, Naruto está numa situação limite que confunde os verdadeiros motivos da liberação, e nas outras vezes, basta alguém mencionar o nome do amigo para que ele perca o controle de suas emoções. Para a cultura japonesa, na qual a esposa ainda parece ter um valor apenas tradicional e econômico, pode ser natural ver homens se matando por si e ignorando mulheres, mas para a ocidental, isso gera suspeita sobre o tipo de relação entre os personagens. Enquanto que no Japão as

enquetes finais sobre o casal preferido da série acabaram com NaruSaku, SasuNaru e NaruHina, no ocidente SasuNaru superou todos os outros e a inexpressiva Hinata não chegou perto de desbancar Sakura da posição ao lado do protagonista. Como personagem feminina no ocidente, a submissa Hinata se apaga perante o desenvolvimento de Sakura. Por mais que ela continue a ser tratada com desrespeito por seu autor - porque no fim ela sempre acaba tendo que ser salva por um homem -, ela tem o passado construído, uma rivalidade, uma mestra respeitável, conflitos emocionais bem explorados e supera todas as outras kunoichi. Se não estivesse justo no grupo dos meninos principais e mais fortes da obra, talvez ela parecesse menos fraca a seus críticos. O afeminado Haku é o primeiro dos vários vilões com os quais Naruto se identifica e usa sua tática diplomática. Ele não deve, portanto, ser subestimado; um menino afeminado apaixonado por seu mestre é a escolha do autor para ser o primeiro que desperta no protagonista a vontade de compreender e se identificar com o inimigo... Ele diz a Naruto, “eu era uma pessoa indesejada pelo mundo... aquilo que afastava todos de mim, Zabuza queria. Se você é aceito assim, não é natural que a pessoa se torne a mais importante pra você?”, numa clara alusão ao que Sasuke vai se tornar para Naruto e vice-versa. Que a relação dos rivais se espelhe logo de início numa assumida relação homoafetiva clássica é uma pista elegante que não pode ser colocada no mesmo grupo das várias lutas seguintes. Nunca um shonen teve uma rivalidade tão próxima do amor platônico entre rapazes atraentes mostrado em shojos, e de maneira a ultrapassar o limite de segurança do marketing yaoi. Nem mesmo no sombrio seinen Berserk a obsessão dos amigos um pelo outro é tão declaradamente suspeita. Outra parte do diálogo entre Haku e Naruto chama atenção: “ser forte é o único jeito de você ser reconhecido por ele? Não poderia ser por outras coisas?”, diz o protagonista, ao que Haku responde, enigmático, “quando te encontrei na floresta, te achei parecido comigo. Você deve entender”. Entender que não há outra maneira de se

Haku e Zabuza no show live que fez tour pela Ásia em 2015. Imagens escaneadas pelo usuário silverwind do tumblr. Abaixo, Sasuke cora ao falar com Naruto

Ao lado e abaixo, mais cenas marcantes do mangá: Haku identifica Naruto como a pessoa especial de Sasuke e não deixa tocarem Zabuza, como dizem Hinata, Naruto e Hashirama sobre suas pessoas mais importantes.

mostrar valioso para a pessoa especial do que ser forte; de que outra forma pode um homem, numa rígida sociedade patriarcal, demonstrar amor por outro? Ainda mais se o que Haku sente não for correspondido; aí seu pedido a Naruto de matá-lo se torna ainda mais compreensível. Não é o caso, já que no final Zabuza revela amar Haku de volta, desejando ir para o mesmo lugar que ele após a morte - tem algo mais romântico que isso? E é em frente aos túmulos dos dois que Naruto decide ser um ninja “do seu próprio jeito”, sem ser apenas uma ferramenta e sem arrependimentos. Que ele funde sua filosofia devido ao que ocorreu com um casal impossível é mais uma pista do respeito que o autor tem pelo amor homossexual e de como esse shonen é incomum. É depois desta missão que a relação entre Naruto e Sasuke fica mais intensa. Sasuke parece ficar cada vez mais impaciente em fazer missões bestas como colher ervas daninhas e catar lixo do rio, enquanto seu irmão está livre e inimigos poderosos rondam o mundo; Naruto fica ainda mais irritado em ser salvo por ele o tempo todo depois de vê-lo morrer para defendê-lo. O modo com que cada um trata Sakura é interessante: Sasuke é causticamente sincero, recusando os convites dela para sair e dizendo que ela está ainda mais fraca que Naruto. Já este continua sendo gentil com ela - o que mostra que ele não se importa dela ser fraca, talvez por admirá-la por sua aparência e papel feminino e não por suas habilidades. É Sasuke que elogia a inteligência de Sakura e sua capacidade de detectar ilusões - embora essa habilidade não seja posta à prova durante os desafios do seriado - quando ela fica insegura de entrar no exame Chuunin. Se por um lado ele pode estar apenas sendo interesseiro, porque sem ela ele não pode participar do exame, por outro ele cobra das mulheres o mesmo que cobra dos homens, ignorando seus papéis de objetos sexuais em sua sociedade; assim, ele estimula Sakura a se fortalecer. Falando nela, é uma das poucas personagens femininas tratadas com um mínimo de respeito em shonens. O quanto os fãs reclamam sobre ela ser subestimada mostra a que ponto ela é desenvolvida na história;

em outros shonens, não se espera nada da menina principal além de ser bonita, peituda, fiel ao protagonista ou ao seu time, e que ajude sempre que puder, geralmente com habilidades simbólicas bastante patéticas ou menosprezadas se comparadas com as dos meninos. Embora seu papel no final da obra se resuma a curar os ferimentos dos homens, ela se torna a mais forte kunoichi de sua geração e dá o máximo de si em tudo o que faz, mesmo quando não tem a menor chance, algo que os fãs mais machistas deixam passar por não perceber que é exatamente essa mesma atitude que faz Naruto superar seu destino de perdedor. Quando Ino observa Sakura em apuros contra os ninjas da vila do som, ela surpreende os inimigos com estratégias acima do que se espera dela e coloca a feminilidade de lado, simbolicamente no corte de seus longos cabelos, para proteger os meninos desacordados. Ino reconhece o amadurecimento da amiga e rival e se arrisca para ajudá-la, e aprende que não deve se contentar em ser a fútil e covarde que a sociedade machista permite que ela seja. A rivalidade das meninas, inclusive, é a prova de que o autor queria desenvolver suas personagens femininas o máximo possível, já que este aprofundamento da relação entre Ino e Sakura não é relevante para a história principal, mas ainda assim é explicado em detalhes. Por isso mesmo que a relação entre Naruto e Sasuke se destaca tanto; ela deveria ser apenas um espelho da rivalidade das meninas, se o tema do mangá fosse a rivalidade em si, mas não é. A relação deles supera em muito todas as outras rivalidades da obra. Este é um fato que mesmo o mais infantil e conservador fã não consegue negar. Foi levantado por alguns fãs em artigos na internet que o fato de Sakura ser uma personagem feminina fraca é o que faz com que Naruto e Sasuke se tornem o casal mais provável da obra. Eu acho que mesmo que ela fosse forte, a tensão entre eles ainda é exagerada e suspeita; para explicar isso vou comparar Naruto a outro mangá de sucesso, só que mais maduro e tradicional, o belo Vagabond. Nesta obra, o homoerotismo é apenas levemente pincelado entre o protagonista e seu maior rival, que só aparece

mais pro final da obra; e a personagem feminina é imbatível, já que ela faz o papel que Naruto faz para Sasuke, em relação a Takezo, o protagonista de Vagabond. Criado por um pai frio e orgulhoso, que não aceitava o abandono da esposa, Takezo desde bem novo passa a matar todos os que chegam a sua vila anunciando um desafio de espada. Todos passam a temê-lo, menos Matahachi, que assim inspirou Otsu, órfã adotada pela mãe deste, a também não romper a amizade com ele. Quando a vila quer capturar Takezo e julgá-lo por seus crimes, o monge do local percebe que só ela conseguirá atraí-lo, e pergunta a ela se ela não tem medo dele. Ela diz “nem um pouco” lembrando-se dele quando menino, com cara maliciosa, trazendo uma serpente pra ela ver. Ele pergunta quando foi que ela começou a gostar de Matahachi, seu prometido noivo, e ela responde falando de como Takezo era temido e apenas Matahachi não se afastou dele. É um parelelo interessante com o que liga Sakura a Naruto - o fato dele não desistir de Sasuke - e com o que Naruto parece sentir em relação a ela no começo do mangá, naquela cena em que ele finge ser Sasuke. Enquanto Vagabond fala de uma atração feminina mascarada por uma amizade masculina, Naruto faz o exato oposto: é a atração de Sakura por Sasuke que mascara a atração de Naruto por ele, e mais pra frente, é a amizade de Naruto por Sasuke que sobrevive, não a de Sakura por Sasuke, como vemos em sua intenção de matar Sasuke enquanto Naruto escolhe morrer com ele. Aqui o papel da mulher não é roubado pelo rival: Matahachi é de fato apenas amigo de Takezo, e enquanto este amadurece e melhora como espadachim, aquele vai se tornando covarde aos olhos do leitor, tornando-se um alcóolatra tarado sustentado pela amante prostituta, destino que Naruto teria ganho se não tivesse se inspirado em Sasuke. Takezo vai até a clareira na floresta em que Otsu está com o monge, achando que até mesmo ela vai repreendê-lo por seu comportamento, e quando ela vem correndo até ele chorando, perguntando sobre uma suposta traição de Matahachi, ele larga a espada. Ela não se importa com toda

a matança dele, e em meio a um contexto de perseguição, lhe faz uma pergunta sobre um assunto alheio e o trata como sempre, como se nada tivesse acontecido. É uma linda cena que, se existisse entre Sakura e Sasuke, talvez pudesse nos convencer de que ela tem algum potencial como futura esposa dele; mas em Vagabond, Otsu jamais seria morta ou deixada pra morrer, como Sasuke faz com Sakura, e a atenção dela nunca é roubada por nenhum oponente do sexo masculino, como é gritante em Naruto. Além disso, enquanto que numa obra é a figura feminina que apaga o ódio do coração do protagonista e lhe dá motivação para viver, na outra obra este papel é cumprido pelo rival, sem haver o menor espaço para a figura feminina, que ao invés de lutar pelo amado, aceita as ordens de seu governo e o abandona. Para investigar o caráter da estranha obsessão entre Naruto e Sasuke, precisamos, como diz o ditado ninja, “ler o que está por trás do detrás”. Alguns detalhes alimentam a imaginação das yaoístas, como quando, na floresta do exame chunin, Sasuke percebe que o Naruto que decora a senha é falso, inclusive dando detalhes de onde estava sua ferida no rosto e se ele é destro ou canhoto, enquanto Sakura não percebe nada. O curioso desta cena é que é óbvio que o verdadeiro Naruto não decoraria a longa senha ditada por Sasuke - mas a inteligente Sakura não tem tanta certeza! Ou a cena é feita para reforçar a estupidez da imagem feminina, ou ela é feita para destacar o quanto Sasuke repara em Naruto muito mais que a menina, por mais óbvia que seja a observação. A insistência de Kishimoto em acrescentar detalhes desse tipo, irrelevantes para o eixo do roteiro, como Naruto pensar em Sasuke, e não em seu sonho, para não desistir de escapar de dentro da cobra gigante na cena seguinte, justifica até os mais anti-yaoi admitirem que o tratamento dado à relação dos dois é exagerado. Obsessão parece ser o termo mais apropriado, pendendo mais para a atração do que para a inveja e o ódio, já que sempre que Sasuke demonstra medo, como quando encontram Orochimaru pela primeira vez, Naruto se arrisca e o protege, e vice-versa.

Poderíamos perfeitamente imaginar Naruto no lugar de Otsu neste cena, com alguém lhe perguntando “por que você começou a gostar da Sakura?”, e ele respondendo “sabe o Sasuke? Então, desde que ele foi embora todo mundo tinha medo dele... só a Sakura continuou gostando dele....”. Ou então Sakura adulta dizendo “sabe o Sasuke? Só o Naruto continuou sendo amigo dele...” Num mangá em que a mulher é desprezada pelo autor, seu papel acaba sendo cumprido, mesmo que acidentalmente, por algum amigo ou rival, ou até mesmo um misterioso afeminado, como Haku.

Na bela cena ao lado, Takezo larga a espada quando Otsu o abraça chorando, perguntando quem é Okoo, a suposta amante de seu prometido Matahachi, amigo de infância de ambos. Algo parecido jamais aconteceria entre Sasuke e Sakura ou qualquer par hétero da série Naruto. A personagem feminina em Vagabond é muito mais respeitada e importante do que em muitos shonens infanto-juvenis.

Repetidas vezes, imagens que provam claramente o ódio e desprezo de Sasuke por Sakura são mostradas no mangá. Ela não é mostrada em nenhuma cena em que aparecem pessoas importantes na vida de Sasuke, quase é morta por ele várias vezes e nunca tem com ele uma conversa significativa que não seja sobre Naruto. Na continuação da obra, ela é uma dona de casa abandonada e exausta, e é sugerido que Sasuke nunca a beijou. Ele passa 12 anos fora de casa e quase mata a própria filha, confundindo-a com um inimigo, para depois ir embora novamente, sem explicações. Muitas fãs se ofenderam com este relacionamento abusivo. Nesta cena, Sai pergunta a Sakura como ela se sente vendo Sasuke lutando ao lado deles; ela responde que está feliz e que confia nele, mas Sai percebe que seu sorriso é falso. Aqui fica evidente não só um rancor de Sakura por Sasuke, como também um possível interesse de Sai nela. Quando saiu este capítulo do mangá, muitos fãs acharam que era a prova de que o casal final da série seria Sakura e Naruto, ou até mesmo Sakura e Sai, já que um casal homossexual não seria possível.

Mesmo sem chance, Naruto pula na frente da cobra gigante enquanto Sasuke está paralisado de pavor, e isso é que o faz sair do transe e voltar a atacar. O que Itachi havia lhe dito - “se quiser me derrotar, agarre-se à vida e fuja como um covarde”, ou seja, não morra até me reencontrar, mesmo que isso signifique fugir dos inimigos ou trair amigos para sobreviver, fez Sasuke hesitar, por reconhecer a força de Orochimaru; mas Naruto lhe mostra que ele já se envolveu com ele a ponto de escolher arriscar a vida para derrotá-lo e salvar seu time, do que abandonar os colegas para buscar Itachi. Orochi confirma isso mais pra frente, dizendo a Kabuto que reparou em Naruto não só por desconfiar que ele carrega a kyuubi, mas porque é ele quem está mudando o coração e o objetivo de Sasuke. Assim, mesmo esperando que o Uchiha o procure voluntariamente por poder, ele pede que Kabuto o sequestre antes que eles se envolvam demais. Prosseguindo no roteiro, quando Sasuke desperta pela primeira vez o selo amaldiçoado que Orochimaru lhe passou, quem consegue tirá-lo do transe violento em que se encontra é o olhar choroso de Sakura. Não sabemos o que teria acontecido se Naruto estivesse acordado; mas esta é a outra rara cena aceitavelmente evocada pelos fãs de SasuSaku para justificar alguma forte influência da menina nele, bem como o momento em que ele diz a ela “Nem você vai me impedir de descobrir se sou forte”, quando ela tenta desistir do exame chunin para contar a Kakashi sobre a mordida de Orochi(coisa que aliás ele pede pra ela manter em segredo de Naruto, porque se este se preocupasse, isso ia incomodá-lo...). O problema é que em diversas cenas futuras, qualquer interesse de Sasuke por ela é completamente apagado. Assim fica parecendo que ela apenas consegue pará-lo nesta cena porque Naruto está desacordado e ao menos um leve carinho Sasuke sente por ela; carinho que anos depois desaparece a ponto de ele não se importar de matar Sakura na frente de Naruto ou deixá-la morrer na batalha final, mesmo que ela lhe possa servir ao menos de médica depois. Gaara é outro personagem bastante carismático que não ocupa a mesma posi-

ção dos outros secundários. Quando conta sua história a Naruto e Shikamaru no quarto de Lee no hospital, mais uma vez ocorre uma identificação com o protagonista - mas desta vez ele fica paralisado de medo e não consegue reagir à psicótica situação do ruivo, de forma similar à que Sasuke reagiu a Orochimaru - tanto é que antes da luta deles no torneio chuunin começar, Naruto corre para pedir a Kakashi que cancele a luta. A única coisa que segura Gaara é o professor Gai, provavelmente por evocar uma imagem paterna ideal, algo que machuca profundamente o futuro kazekage, traumatizado pelas diversas tentativas do pai matá-lo. A importância de Gaara para Naruto é que ele é o primeiro exemplo de alguém parecido com ele que deu terrivelmente errado; enquanto ele viveu na pacífica Konoha e teve o apoio de Iruka e a identificação com Sasuke para superar sua solidão, Gaara foi criado como uma arma de guerra e brutalmente deformado pela própria família. Na luta contra Sasuke, ele conversa mentalmente com a mãe que morreu ao lhe dar à luz - claramente seu refúgio emocional para direcionar seu ódio aos outros, e não a si mesmo. A esfera de areia em que se refugia na luta é a metáfora de um útero. Para se identificar com ele, Naruto deve se esforçar e amadurecer mais do que com os inimigos anteriores, e é bastante improvável que na vida real alguém conseguisse o que o personagem Gaara conseguiu em termos de superação psicológica(ao menos tão rápido): em Shippuden, Gaara se torna kazekage aos 15 anos, respeitado pela vila que o odiava como um mau agouro, porque se inspira em Naruto de forma positiva. Isso é mais uma evidência de que a rivalidade entre Naruto e Sasuke é única, já que mesmo a relação entre Naruto e Gaara, que parecia ser do mesmo tipo, é superada sem nenhum rancor ou obsessão, enquanto a da dupla principal não consegue isso. Por ser mais positiva, a relação entre Naruto e Gaara é afastada, idealizada, não tem a intimidade e paixão da outra; esta, sim, parece “apenas” amizade, ainda mais quando na terceira guerra, ele faz um belo discurso sobre Naruto ao assumir o cargo de comandante geral. Ainda assim, ele representa o primeiro grande de-

safio do protagonista em desenvolver seu talk-no-jutsu e seu estilo ninja catártico, se não contarmos Sasuke. Quando Gaara morre no início de Shippuden, Naruto finalmente diz a todos o que sentem os jinchuurikis: “vocês têm idéia do quanto ele sofreu? Vocês não têm o direito de nos usar e rotular assim!”, num claro manifesto anti-bullying. “Não pude salvar o Sasuke... não pude salvar o Gaara.. treino sem parar e nada muda”, lamenta-se Naruto, numa rara cena de quase desistência. Nesta parte não parece forçado a anciã se sacrificar por Gaara para pagar pelos pecados de sua vila contra ele; mais pra frente é que a nova morte e ressureição de Gaara na última guerra ninja mostram que Kishimoto teme em retratar honestamente a morte como ela é. Acredito que a obra teria sido mais madura se a morte de Gaara tivesse sido definitiva neste ou no momento posterior, para que o protagonista tenha um exemplo do que pode acontecer a ele caso não consiga resistir à crueldade de seu mundo: mesmo realizando o sonho de virar reconhecido por todos na figura de kage, Gaara não está a salvo da morte precoce, justamente porque a função que ocupa é a de proteger sua vila. Com tantas ressurreições na obra, é como se na verdade não tivéssemos nada a temer. Se nem a morte é definitiva, é fácil ser otimista, achando que tudo vai dar certo no final, como se comporta Naruto a maior parte do tempo. Mas a crença cega em algo improvável é loucura, e ao invés de nos fazer encarar a realidade do desafio, diminuem-no, afastando-nos da possibilidade de vitória. Prosseguindo no roteiro, eis a decisão de Sasuke: ele não suporta a idéia de Naruto se tornar mais forte que ele tirando as forças do amor, primeiro porque isso provaria que é possível ser forte por um caminho diferente do ódio, algo que ele não consegue fazer, segundo porque ele teria que aceitar Naruto se arriscando por ele ou perdê-lo em alguma batalha, repetindo o trauma de sua primeira perda. Pior, ele pode perder Naruto para Itachi, algo insuportável para quem viveu à sombra do irmão mais velho e só não se matou para vingar a família. O impulso decisivo para

Sasuke abandonar a vila é a percepção de que Naruto está se tornando de fato mais forte e o medo de Itachi vir de novo atrás dele antes que ambos tenham tempo de se tornar páreos para a Akatsuki. Sasuke atinge o limite de seu crescimento na vila e vai atrás de mais aprendizado fora dela. Não há nada de errado nisso, a não ser para um estado fascista que considera todo ninja que abandona suas fronteiras um traidor. E o fato dele ignorar completamente a presença de Sakura no hospital prova que ao menos do lado dele, a luta com Naruto não tem nada a ver com ciúmes dela(vê-la escolhendo a ele doente ao invés do outro mais forte deveria animá-lo se ele gostasse dela). O mesmo se aplica a Naruto, que também não consegue conter o golpe quando ela se coloca entre eles - mesmo sendo um golpe com intenção de matar, porque Sasuke não está brincando - e ainda dá uma bronca nela depois por se intrometer. Reforça-se em muitos momentos que a rivalidade entre eles não tem nada a ver com uma garota, algo que vai no caminho oposto à maioria dos shonen e explica sua originalidade e popularidade no Ocidente(no Japão, o mangá One Piece vendeu o dobro que Naruto, talvez por ter personagens femininas mais expressivas e apelativas e nenhuma tensão homoerótica entre protagonistas). Nesta luta do terraço, outro momento marcante da dupla, Sasuke leva as provocações de Naruto a sério, o que este estranha, uma indicação de que o Uchiha prefere matá-lo do que vê-lo morrer ou vencer o irmão em seu lugar. Se isso acontecesse ele teria de admitir confiar em Naruto o suficiente para passar-lhe o trauma que define sua vida, e engolir o orgulho masculino de ser defendido por ele. Se Sasuke fosse uma mulher, não haveria prova de amor maior que Naruto vingar-se por ele, mas esperando-se deles papéis de gênero tão rígidos, a submissão de Sasuke a uma vida de carinho e tranquilidade é sinal de fraqueza, como ele confirma em seu monólogo interior no penúltimo capítulo. Quando conta a Sakura que quem derrotou Gaara foi Naruto e não ele, Sasuke diz “foi ele que se arriscou a morrer pra te salvar”. Fica implícito que Sasuke jamais fa-

Naruto toma as dores de Sasuke por Itachi e abaixo, ele lembra do rival defendendo-o de Haku quando ele diz “nunca mais quero alguém querido morrendo na minha frente”.

Abaixo, Sasuke e Naruto ignorando Sakura, mostrando que a rivalidade não é por ela; e ao lado, Naruto diz na versão original “nunca mais interfira”, sem se importar com os sentimentos dela.

Ao lado, Naruto diz a Sakura “eu sei o quanto você sofre por causa do Sasuke”; abaixo, a cena clássica em que um se encabula olhando o outro quando bem pequenos.

Ao lado, Naruto chora quando Sasuke o ataca pra matar; abaixo, era a Sasuke que Naruto se dirigia quando percebe que ele olha Sakura e dá um sorriso triste. O ciúme parece ser mais dele do que dela.

ria o mesmo, primeiro porque sua ligação com o time ainda não é mais forte que o rancor pelo irmão e o amor pelos pais, segundo porque quando Naruto chega ao campo de batalha, ele diz a ele para fugir com Sakura, porque não quer nunca mais ver algo precioso ser perdido na sua frente. Ou seja, ele morreria pra salvar Naruto e ela, mas não para salvar apenas Sakura. E Naruto faz exatamente o mesmo, tomando o lugar de Sasuke para salvá-lo junto com ela. A mulher aqui é uma ponte entre os dois personagens, não uma personagem por si, a não ser quando eles estão ausentes ou desacordados. Outra frase interessante de Sasuke a ela é “você nunca o viu de verdade, por isso não sabe o quanto ele é forte”, deixando subentendido que quem vê Naruto é ele. Aqui vale uma reflexão de Slavoj Zizek sobre a inveja, já que muitos interpretam Sasuke e Orochimaru - e mais pra frente Kabuto e alguns vilões menores - como os que simbolizam a inveja e o ciúme no seriado. Segundo este filósofo, o egoísmo em si não é mau, pois é possível deduzir motivações altruístas do egoísmo que visa nosso bem-estar, para agradar àqueles que amamos. Já a inveja seria preocupar-se mais com o obstáculo do que com o objeto de desejo, a tal ponto que se prejudica o próprio bem-estar e os entes queridos porque o prazer de trazer infortúnio ao obstáculo é maior que o proporcionado pelo objeto. Em outras palavras, Sasuke se satisfaz mais em perseguir Itachi, aquele que lhe impede de gozar a felicidade, do que em superar seu trauma encontrando uma nova família, que ele admite ser o time 7. Ele faz isso não só porque sente que estaria traindo os pais, um motivo nobre, mas porque não obtém de quem ama um prazer que iguale seu desejo de vingança, mesmo que isso destrua a si mesmo. Isto é crucial para entendermos por que há algo de estranho no triângulo amoroso da obra: se Sasuke amasse Sakura desde então, como insistem os fãs de SasuSaku tentando justificar o terrível final, ela seria suficiente para fazê-lo se poupar de Itachi, já que ela jamais lhe negaria nada. Mas a partir do momento que Itachi começa a perseguir Naruto, o que lhe seria vantajoso se ele realmente o odiasse, ele se desespe-

ra e começa a trilhar um caminho sombrio, escolhendo o ódio no lugar do amor. Como não interpretar isso como o fato de que ele então não tinha o amor que queria, o que não faz sentido se este amor vinha livremente de Sakura? A única pessoa além dela capaz de fazê-lo desistir de sua vingança era Naruto, e ele prefere atacá-lo. Me parece mais um ressentimento por não poder ter de Naruto algo que substituiria todo o amor que sentia pela família a ponto de superar o rancor por Itachi. Uma mera amizade daria conta do recado? Comparando a obsessão dos dois com as amizades masculinas na vida real, a resposta é fácil. Não há como Naruto representar apenas um rival fraterno para Sasuke, embora o oposto pudesse ser verdadeiro nesta altura do roteiro. Outras reflexões sobre a inveja: do grego thymos, ela é a contrapartida obliterada do eros: o desejo é sempre um desejo de reconhecimento, e sua consumação é o reconhecimento do desejo. Explica-se mais uma vez o mistério do triângulo amoroso mencionado por Kishimoto e o desprezo raivoso de Sasuke por Sakura. Outra possibilidade citada por Zizek é a de se invejar por preferir privar o outro do gozo, do que permitir que ele o tenha com o objeto. Sakura seria claramente o objeto de disputa entre os dois neste caso, mas ao rejeitá-la apenas para privar Naruto de tê-la, Sasuke mais uma vez coloca sua relação com Naruto acima dela, como faz Agamenon com Aquiles na Ilíada: a escrava Briseida não é objeto de um investimento erótico tão intenso como a relação de orgulho ferido entre os homens, mas uma figura secundária completamente irrelevante, rapidamente esquecida. Já Helena parece mais importante, mas não por não ser um objeto de disputa, e sim porque a pirraça dos homens no caso dela gera uma guerra muito maior que o conflito entre Agamenon e Aquiles. Helena é apenas a versão mais rica da escravidão feminina clássica. E quem de fato desperta a ira de Aquiles é a morte de seu amante, primo e amigo de infância Pátroclo, no campo de batalha, superando sua birra em não lutar por seu comandante. Familiar? Os paralelos com a machista homoafetividade grega clássica não param por

aí: segundo Platão, antigamente as pessoas eram tanto masculinas quanto femininas, mas os deuses separaram-nas em dois. Ficaram tão desesperadas para achar sua outra metade que deixaram de comer; com pena, os deuses lhes deram genitais, para que eles pudessem se re-complementar, sendo que não necessariamente um genital masculino corresponde a uma essência masculina. Assim, as pessoas passam a vida procurando sua outra metade, seja ela do mesmo ou oposto sexo. O desespero de Naruto em busca de Sasuke, colocando todos os seus sonhos abaixo dele, combina bem com esta mitologia, bem como o desespero de Sasuke em se livrar de Naruto, sabendo que isso também pode colocar seus sonhos abaixo dele. Nada disso tem a ver com amizade, fraternidade ou sensualidade isolados, apenas com todos estes fatores juntos. Como diz o mito, são pessoas que passam a vida inteira juntos sem saber explicar o que exatamente querem ou gostam um do outro. E quando um morre, o outro morre de tristeza pouco tempo depois. Quando Gaara conversa com Lee após derrotar Kimimaro, ele diz que este é igual ao Naruto, ele não gosta que ofendam quem ele ama. Lee responde que não precisamos escolher pessoas ruins para amar; a resposta de Gaara, seguida da cena em que Naruto finalmente alcança Sasuke no Vale do Fim, prova que a relação deles não é tão simples: “mesmo sabendo que a pessoa é ruim, não podemos derrotar a solidão” por não desistir de Sasuke até o fim, estaria Naruto sozinho mesmo com a vila toda o reconhecendo e com o carinho dos amigos e Sakura? Pois é, por isso não dá pra aceitar o final, em que Sasuke vai embora da vila novamente e Naruto o deixa ir, após prometer na última luta que “jamais deixaria ele sozinho”. Quando Sakura diz amar Naruto para tentar convencê-lo de desistir de Sasuke bem mais adiante na história, fica ainda mais óbvio que ela não passa de no máximo uma amiga, objeto de disputa ou irmã para o protagonista(não que isso seja pouco; eu preferia ver o final oficial com eles dois casados do que o ofensivo SasuSaku e o insosso NaruHina): depois de tudo

o que passaram juntos, era perfeitamente aceitável que Sakura desistisse de Sasuke e se apaixonasse por Naruto - mas ele duvida dela e a rejeita rápida e friamente na frente de todos, algo irracional se ele realmente sempre tivesse gostado dela. Como sugerido no começo do mangá e confirmado no último e polêmico filme da franquia, Naruto escolhe Sakura porque é mais um motivo para sustentar sua rivalidade encenada com Sasuke, e não porque ele realmente a queira. Sakura é a máscara socialmente aceitável de Naruto para poder continuar obcecado com Sasuke, e talvez por ela quebrar esta máscara em público, fazendo-o ter que assumir que persegue o amigo por si mesmo, ele fique furioso com ela. Em seguida Sai explica que ela fez isso para aliviá-lo da promessa e contar que os folhas pretendem matar Sasuke antes que ele gere uma inimizade entre as vilas - mas por Naruto ter dito que o perseguiria assim mesmo, ela ficou sem jeito de contar. Sai entende Sakura estranhamente para quem não sabia lidar com sentimentos(o que o torna mais aceitável como par romântico dela do que qualquer outro, a meu ver) e deduz que ela pretende matar Sasuke sozinha para aliviar a todos, inclusive o próprio Sasuke, da situação complicada em que estão. Embora Sai diga que isso é por amor e porque ela não é mais uma criança que insiste no que quer sem perceber o que acontece a seu redor(este é Naruto!), tanto o protagonista quanto o leitor sabem que o verdadeiro amor precisa ir além disso. A primeira luta dos meninos no Vale do Fim também é exagerada, alongada e dramatizada demais. Sasuke ri quando Naruto diz que não vai deixá-lo se permitir possuir por Orochimaru em nome da vingança, e diz “era você que estava rindo da outra vez”(na luta no terraço). Sasuke mostra apenas a Naruto a sua personalidade birrenta e sádica; ele ri do prazer de ver o outro persegui-lo depois de desprezá-lo, porque ele não quer perder a atenção de Naruto. Este diz que “não era assim que eu queria lutar com você, agora também não” e repete isso na última luta deles. No penúltimo capítulo Sasuke diz a ele que vai guardar sua faixa até que eles “se resolvam de

Ao lado, a falsa declaração de Sakura para Naruto e a inesperada reação dele. Abaixo, Naruto hiperventilando ao pensar no que fazer para salvar Sasuke após Gaara lhe aconselhar a ser frio.

Abaixo, Sakura escolhe matar Sasuke, porque ele mudou, ao invés de tentar salvá-lo. Ao lado, Naruto percebe que o olhar de ódio que a vila lhe dirige é igual ao que Sasuke não dirige a ele.

Na abertura acima, Sakura coloca uma kunai onde estão Sasuke e Naruto, como se quisesse romper a relação deles; no encerramento ao lado, os pais de Naruto o incentivam a ir em direção a Sasuke, que o impregna com sua escuridão e aceita sua mão. Acima Sakura diz a Naruto: “Sasuke, Sasuke, Sasuke, você só pensa nisso!”

Ao lado, Sasuke diz o que já disse a Sakura, chegando perto demais do rival; abaixo, Naruto se lembra que seu primeiro beijo foi com um garoto; e na luta entre eles no Vale do Fim, ele diz o oposto do que afirma Sasuke: “não precisamos nos golpear para saber o que o outro sente”.

uma vez por todas”. Se o que Naruto quis dizer foi que gostaria de lutar com ele ou vencê-lo de forma pacífica, esta última frase de Sasuke não faz sentido. Existe alguma outra coisa que eles precisam resolver e que não fica clara até o fim. No final dessa luta, quando lembra que o irmão lhe diz que o único jeito de acessar o poder absoluto é matando seu melhor amigo, Sasuke se recusa a fazê-lo. A primeira das várias concessões à imagem absoluta de Itachi em sua vida, ele a faz em nome de Naruto. Já é a partir daí que Sasuke está fadado a não conseguir se livrar do amigo. Isso prova que ele não seria um mero substituto de Itachi mesmo que Sasuke de fato o esquecesse - como ele mesmo diz a Naruto, “eu sei o que é ter um irmão, e você não é ele”. Outra frase importante é “Naruto, sabia que ninjas de alto nível conseguem ler os pensamentos um do outro ao trocar golpes?”. Sasuke diz isso logo após dizer que é justamente porque Naruto se tornou seu mais precioso amigo que há significado em matá-lo; ou seja, seus verdadeiros pensamentos são de eliminar o amor que lhe resta para seguir no caminho da vingança até o fim. Por que dois “apenas simples amigos” se preocupariam tanto se o outro é ou não capaz de ler sua mente? Mais pra frente Naruto repete a pergunta a ele, se ele consegue realmente ler seu coração, e faz a declaração mais impressionante da obra. Neste ponto, se um deles fosse do sexo oposto, o discurso teria sido a confirmação de um romance imortal: “eu vou morrer com você e no Além nós poderemos nos entender sem os rótulos desta vida”. É pra casar na hora. Há também o significado não-literal das lutas entre eles: é apenas de uma relação honesta, ou seja, que admita e resolva conflitos, que nasce o amor verdadeiro, aquele que não é por exemplo o que Sakura oferecia a Sasuke antes dele partir, uma submissão indigna e objetificante. Após dar a Naruto o que parecia ser o golpe final, agarrando-o e esmagando sua cabeça contra o chão, Sasuke vomita e teme olhar seu corpo boiando na água, enquanto a kyuubi diz “você tem sorte de terem me selado em você, menino; você é fraco”. Um Naruto

sem a kyuubi teria morrido pelas mãos de Sasuke por ser incapaz de atacá-lo a sério ou fugir dele, deixando-o ir embora; isso é de extrema importância para tirar a relação deles do lugar-comum da amizade entre dois garotos e confirmar que sem Sasuke, Naruto continua sozinho em Konoha. Na imensa bola de luz em que os dois flutuam após o golpe final, eles se encaram e a imagem do sinal da reconciliação - um enlaçar de dedos - aparece; Naruto desmaia e Sasuke resiste, murmurando um “eu...” enquanto observa seu corpo. Não sabemos muito bem o que aconteceu ali, mas é ao tossir sangue e cair de cara para Naruto cena que inclusive dura quase meio minuto no anime! - que Sasuke resolve não obedecer ao irmão e deixá-lo vivo. Cenas como esta, com seu exagero dramático, extensão e trilha sonora emotiva, são vistas pelos fãs gays de forma bem diferente que as vêem os héteros. A heternormatividade faz com que a tendência seja interpretar-se o mangá atenuando ou ignorando o fato de que a relação mais intensa, duradoura e profunda mostrada nele é a de Sasuke e Naruto, bem como nos faz levar em menor consideração o que a interpretação de minorias significa. A maioria dos fãs que vê a relação deles como no mínimo suspeita é GLS e mulheres hétero, ou seja, é natural que quem negue ao máximo qualquer alusão à homossexualidade faça parte do grupo mais homofóbico. Aliás, é notável que a outra dupla de rivais da obra tida como gay, seja a sério, seja por brincadeira, é a dos considerados predecessores de Naruto e Sasuke - Hashirama e Madara, os fundadores de Konoha. Com uma juventude a la Romeu e Julieta, tentando manter uma amizade em meio à guerra entre seus clãs, eles chegam a governar Konoha juntos, mas por motivos mal-explicados Madara vai embora e retorna para atacar a vila com a kyuubi e lutar até a morte com o rival. Madara se refere a Hashirama de forma mais incisiva e fanática que Sasuke faria com Naruto ou vice-versa: ele publicamente assume admirá-lo acima de tudo e chega a implantar suas células em si mesmo(!) para ter suas habilidades especiais e mantê-lo por perto. Já Hashirama

não consegue odiá-lo, embora o mate no final para proteger sua vila, e chega ao ponto de ameaçar se matar para que Madara desista de guerrear. Madara o impede, deixando claro que no fundo não é matá-lo que ele quer, mas até o fim não sabemos exatamente por que o Uchiha trai o parceiro depois de ambos conquistarem seu sonho. A interpretação conservadora é a de que Madara era simplesmente louco, viciado em guerra, a ponto de sua sede de sangue superar qualquer motivação lógica. Mas isso é um motivo fraco, ainda mais num personagem desenvolvido como alguém que ama o irmão e não consegue ficar em paz em respeito aos que morreram antes do acordo. O que leva à interpretação gay: Madara queria algo de Hashirama que jamais poderia ter. Logo, o que lhe restou foi inventar pretextos confusos para chamar sua atenção para ver até que ponto o outro o amava para evitar puni-lo. É preciso que toda a vila seja destruída por um demônio e que centenas de pessoas morram para Hashirama finalmente matar seu amigo de infância! Ele tentou de tudo para não chegar a isso, dando ao ressentido rival o que ele podia: seu favoritismo. Ao contrário de Naruto, Obito, Pain e outros personagens parecidos, Madara e Hashirama não possuem paixõezinhas juvenis femininas. O casamento de Hashirama é declaradamente político e Madara parece sequer conhecer mulheres - o modo como ele despreza Tsunade é a evocação de um passado ainda mais machista, a ponto de assumir amar outro homem ser considerado mais honrado que admitir a igualdade de uma mulher. Parece que Kishimoto ensaiou todos os desfechos possíveis de uma luta final entre Naruto e Sasuke na relação de Hashirama e Madara. Num primeiro momento eles se separam devido à inimizade de seus clãs; num segundo momento, Madara desafia o rival a se matar ou matar o irmão, e quando ele escolhe se matar, Madara se rende à trégua entre eles; num terceiro momento, eles governam juntos, mas Madara percebe que Hashirama coloca a vila acima da relação deles ao aceitar que o hokage seja democraticamente escolhido - ou seja, não há como o uchiha governar, embora o senju

o tenha indicado. A partir daí Madara considera Konoha uma falha e faz de tudo para destruí-la e ao rival, embora pareça que ele faz isso apenas para desafiá-lo a matá-lo. Há cenas marcantes de um ciúme doentio dele por Tobirama, o que espelha a relação de Sasuke com Itachi e com Naruto. No fim, Hashi é obrigado a matar Madara para proteger sua vila, e ele só entende a teimosia do outro quando eles são ressuscitados na guerra: para Madara, a relação dos dois nunca poderia ser menor do que a vila, ou seja, ele coloca o amor acima da razão, ou a ontologia acima da ideologia. Itachi arranja um meio-termo: ele salva Konoha de seu clã, mas deixa Sasuke vivo. É por isso que a explicação de Hashirama ajuda Sasuke a decidir o que vai fazer dali pra frente: concordar com o triste Madara e colocar o amor pelo irmão acima de tudo, consolidando sua vingança, ou colocar o idealismo do irmão acima de seu ódio por terem-no feito sofrer, protegendo Konoha e perdoando os dirigentes? Mais pra frente, ele expande esse conceito ao ter de escolher entre destruir totalmente Konoha e começá-la do zero, sem influências sentimentais, tendo de matar Naruto, ou colocar o amigo acima de tudo e aceitar uma mudança pacífica a longo prazo, mas que ainda sacrificaria muitas vidas criadas pelo sistema corrupto. Os fãs que criticam Sasuke não entenderam a profundidade política e filosófica de sua decisão. Num quarto momento, tudo se repete: Madara morre mais uma vez para que a vila sobreviva. Sasuke observa esta cena como se ela fosse uma premonição do que vai acontecer com ele se continuar indo contra Naruto, mas ele insiste. Isso fez alguns fãs suporem que na verdade Sasuke queria que Naruto o matasse, ou que ambos morressem, já que como dito pelo próprio uzumaki, em vida eles não conseguem ficar juntos. A repetição excessiva de “casais de irmãos” durante a série enfraquece o roteiro se todos tiverem o mesmo destino; assim, precisamos interpretar a visão de Sasuke como a de alguém que escolhe ser como o irmão, sem cometer a “falha” de deixar o mais novo vivo, neste caso simbolizado por Naruto, mas que sabe que entre perdê-lo e morrer, talvez seja melhor morrer.

Algumas das diversas cenas suspeitas entre os rivais: Naruto o chama de “akogare”, termo usado por meninas para definir uma paixão platônica pela melhor amiga; quando acorda no hospital, Sasuke foca em Naruto, não em Sakura; e ele não gosta que o menino o abrace...

Ao lado, Naruto chega a conversar com a foto de Sasuke em casa; no videogame, se fala que “quando ouve Naruto, o coração de Sasuke treme” e uma das aberturas mostra Sasuke chegando sugestivamente perto do outro enquanto eles afundam no mar.

Ao lado, a frase diz “em meus braços, na ponta desta língua, o futuro que eu criei”. A relação entre Orochi e Sasuke é propositadamente incômoda, de forma nunca antes tão declarada em shonens do estilo. Seu dublador na versão japonesa ganhou prêmios por ter conseguido caracterizá-lo tão bem. Em Gaiden, Chou-Chou fica em dúvida sobre o gênero dele, o que sugere que quanto mais rejuvenescido, mais feminino ele fica. Quando se mostra reincarnado em uma mulher para o Terceiro, o asco deste parece mais transfobia do que nojo de seus experimentos.

Abaixo, Naruto estranhamente encabulado com Gaara; ao lado, Naruto explode de ódio por Orochi falar “meu Sasuke”.

A transição entre o mundo de Hashirama e Madara e o de Naruto e Sasuke parece ser a transição entre o mundo antigo do coletivo e o mundo atual do indivíduo. Quando criados de forma rígida numa sociedade de instituições estanques e mobilidade e comunicação reduzidas, os ninjas colocam o clã acima do indivíduo: não posso confiar num Uchiha, mesmo que ele seja diferente dos outros; não posso colocar uma paz com estranhos futuros acima da vingança pelos familiares mortos por outros clãs(mesma trama entre os Nightwatchers e Wildlings em Game of Thrones). Seria interessante descobrir por que um tema tão banal fez tanto sucesso e ecoou tanto em jovens leitores do mundo pós-moderno. Talvez porque em nossa época fluida, depressiva e sem instituições sólidas e confiáveis, o perigo do coletivismo fanático volte a assombrar a política, na figura do fundamentalismo religioso e do neonazismo. Com o plano de refletir o mangekyou na lua, Madara planeja transformar as pessoas em zumbis que vivem num mundo de sonhos - algo como a Matrix. Mas por mais que pareça bondade da parte dele, é impor seu individual ao coletivo. Para obter o equilíbrio é preciso não ter medo do erro, que é o que Naruto escolhe quando diz a Sasuke que não quer apagar o passado para construir o futuro, e sim levar o que aprendeu com ele. O desespero de Sasuke vem do fato que uma vez que se sofre demais, não há nada a aprender; torna-se indigno justificar a tragédia e não se consegue superar o passado sem aniquilá-lo. O mesmo parece ocorrer com Orochimaru, um dos vilões favoritos da série, no início o clássico mago-cientista que busca conhecimento e poder a todo custo, querendo destruir sua vila natal por mera pirraça contra seus velhos mestres e colegas. Depois vemos que seu foco é na busca da imortalidade, usando métodos bizarros como entrar em outros corpos, motivo pelo qual ele aceita treinar Sasuke. Narcisista e sarcástico, apelidado de Michael Jackson pelos fãs por estar sempre obcecado com rapazes e meninos bonitos que acabam se apaixonando por ele, Orochi é carismático, mas seu passado não nos é suficientemente explicado

para entendermos o porquê de seu medo da morte e obsessão por jutsus proibidos. Sua simpatia vem do contraste entre suas estratégias ilegais e o tedioso mundo dos bonzinhos dentro da lei. No tomo extra Gaiden após o final do mangá, Orochi aparece continuando tranquilamente seus experimentos imorais, o que mostra o esgotamento do autor em bolar bons roteiros e a hipocrisia do governo de Konoha, que perdoa um criminoso que jurou destruir acima de todos os outros. A adolescência de Sasuke passa sob o olhar obsessivo de Orochi, que lhe ensina tudo o que é proibido em Konoha, e seu discípulo favorito diz antes de enfrentá-lo: “parece que eu fiquei forte a ponto de me tornar frio até mesmo com você”. Por mais asqueroso que Orochi seja e por mais interesseira que seja a relação deles, não podemos desconsiderar que Sasuke era um menino com a ingenuidade de Konoha, perdido e sozinho, sendo educado pelo mais transgressor dos vilões da série, alguém que não se importa de assumir formas femininas e animais para sobreviver a todo custo. O que seria um mero tabu sexual ou etário pra ele? E é justo no capítulo em que Sasuke decide matá-lo que a história de sua infância é revelada, de forma a lhe dar alguma piedade. No flashback de Kabuto sobre sua infância, ficamos sabendo que é quando a organização Raiz, liderada por Danzo, traça um plano ainda mais anti-ético que os experimentos de Orochi, que este resolve trair Konoha. Orochimaru explica a Kabuto que ele foi recrutado pelos raízes por seu potencial para ser um bom espião, mas como ele se tornou bom demais, eles planejaram se livrar dele e de sua mãe adotiva ao mesmo tempo, fazendo um matar ao outro. Kabuto enlouquece; quem o salva é Orochi, que não pode ser criticado por apoiar jovens traumatizados pelo sistema bizarro de Konoha. Sempre que os “mocinhos” abandonam quem falha ou diverge, é ele quem os acolhe. Ele diz a Kabuto que seu objetivo é “criar uma vila, a do Som, em que a individualidade seja exacerbada, e não suprimida em nome da nação como ocorre na Raiz”, e que “você sempre pode se reconstruir pro-

curando conhecimentos e habilidades neste vasto mundo”, o que, se aplicarmos aos valores éticos e políticos atuais, faz de Orochi o verdadeiro herói de Naruto. Não é à toa que mesmo após o fim, ele não é morto e Sasuke mantém o respeito por ele. Se Konoha tivesse impedido o sequestro de Sasuke pelos Quatro do Som enviados por Orochi, ele não teria sido lacrado num baú de veneno, ficando suscetível à serpente num momento de fraqueza. Talvez ele não tivesse optado por seguir o caminho da vingança se ao menos Kakashi, chamado em uma missão de última hora, estivesse com ele. Esta parte da série, em que ninguém percebe o sequestro do menino, é bastante suspeita. O enfraquecimento da vila após o ataque de Orochimaru não justifica perderem a vigia do último sobrevivente do clã Uchiha que ainda lhes pode servir de soldado. Mas era preciso um furo no roteiro para a trama prosseguir. Nesta parte Sakura conversa entristecida com Naruto sobre a marca no pescoço de Sasuke, e o ingênuo protagonista acha que nada de mais vai acontecer. Por isso é ela quem vai para a estrada que leva pra fora de Konoha, e encontra Sasuke com uma mochila nas costas. Ela percebe, pela luta no terraço do hospital e pela conversa na barraca de lamen, não só que não é correspondida, como Naruto não tem ainda maturidade suficiente para ajudar Sasuke no lugar dela. Disso ela conclui que este deve estar querendo ir embora, uma percepção bastante notável e que poderia ser uma prova de que quem realmente entende Sasuke é ela, e não Naruto - mas o restante da história vai sugerindo o contrário. Ela pede a Sasuke para ficar ou levá-la com ele porque fará o que ele quiser, só para tê-lo por perto. Isso não é amor, obviamente, e não tem a menor graça - não é por crueldade que ele responde “de fato, você é irritante” quando ela termina sua declaração egoísta e histérica. Alguém sem objetivos próprios e que não oferece resistência está mais perto de ser um broxante dependente cínico do que amante. Seria decepcionante se este tipo de discurso convencesse Sasuke a ficar em Konoha. No dia seguinte, quando Naruto está prestes a ir buscar Sasuke com os compa-

nheiros, Sakura implora a ele que traga Sasuke de volta, porque “nem ela” conseguiu e portanto ele é o único que pode fazê-lo. Ao que Naruto responde “eu sei a dor que você tem sentido por causa do Sasuke, eu entendo”, o que mantém enigmática a relação do trio. O que Sakura sente agora e que Naruto sempre sentiu é que ela não é correspondida por Sasuke e que outra pessoa lhe é mais importante; ela está tendo que admitir que não é a pessoa especial na vida dele, e está passando a bola pra Naruto. O que aparece logo em seguida? O flashback de Naruto disfarçado de Sasuke, e Sakura dizendo que acha o loiro irritante, e que ele quer sempre se intrometer em seu romance e se diverte em atrapalhá-la... Há duas interpretações aqui: a mais conservadora(Naruto diz que sente o que ela sente no sentido de que Sakura foi rejeitada por Sasuke do mesmo modo que ela o rejeitou), ou Naruto diz que sente a rejeição de Sakura por Sasuke, ou seja, ele também se sente rejeitado por ele, por sentir o mesmo que ela. Enquanto em Shippuden ela supera a paixão juvenil para crescer ao longo da história, Naruto se obceca cada vez mais conforme amadurece, e quem chora em público por Sasuke é ele, não ela. Por isso que ela voltar para Sasuke no final não faz o menor sentido. O único capaz de fazer Sasuke desistir de seus planos de matar os kages e refazer violentamente o sistema ninja é Naruto, e de repente Sasuke na verdade amava Sakura? Naruto se recusava a deixar Sasuke ser morto ou se afundar em sua psicose e preferia morrer lutando contra ele, e de repente ele ama Hinata e está feliz sem ele e com ela em Konoha? Naruto queria trazer Sasuke de volta em parte pela promessa que fez à menina que dizia amar, mas quando ela se declara pra ele, ele a rejeita, dizendo que odeia pessoas que mentem para si mesmas? Não é questão de qual par o fã prefere no final, é questão de lógica de roteiro. Não faz sentido. Mesmo com um triângulo amoroso incomum, um roteiro original e lutas bem melhor arquitetadas que outros shonens de sucesso, o que gerou o salto definitivo de qualidade em Naruto foi o personagem favorito de provavelmente todos os fãs, Uchiha Itachi. Não há como não reparar que

Mesmo como piada, o fato de Naruto mostrar situações gays fez dele mais famoso do que outros shonens fora do Japão. Ao lado, como qualquer homem normal, Naru parece gostar daquele perigoso golpe jutsu apresentado por Kakashi. Como ele diz abaixo, é “perigoso de um jeito diferente”

Abaixo, Naruto considera o livro erótico de Jiraya tedioso, o que não seria esperado de um personagem “pervertido”; e Juugo pergunta a Lee “que cueca Kimimaro estava usando antes de morrer” no spin-off. A relação deles é uma das assumidamente gays da série

Ao lado, Itachi demonstra amar o irmão desafiando o pai, e abaixo, ao invés de explicar que Itachi não fica com Sasuke porque é ocupado, o ausente pai o critica assim que ele se torna inútil ao clã.

Ao lado, o pai de Sasuke só começa a lhe dar atenção quando Itachi fala mal do clã e perde sua confiança. Abaixo, Sasuke pergunta à mãe se é apenas um substituto do irmão.

foi ele o melhor desenvolvido na trama, até mesmo mais que o par principal, embora esse desenvolvimento não justifique ele ser usado como um abominável exemplo da ideologia fascista de Konoha. A deplorável moral final da história dele é a de que matar os próprios pais é preferível a trair a nação, algo (que deveria ser) inaceitável para o leitor ocidental, mas que sempre resta algum amor: ele não consegue matar o irmãozinho e negocia sua proteção com Danzo. Originalmente, antes de sabermos que ele havia eliminado os Uchiha “por um bom motivo”, ele parecia servir de perfeito exemplo de como a arrogância espartana dos Uchiha os levou à xenofobia e ao separatismo, bem como à criação de irmãos de forma a se invejarem e odiarem, levando-os à loucura. O que torna o ato menos abjeto é Itachi fazer isso para evitar uma guerra maior, e contra um clã eugênico que se considera superior a todos e ama seus filhos de acordo com sua performance marcial(mas não é o que fazem os outros clãs de Konoha, embora de um modo menos declarado?). Após matar os pais, Itachi diz ao irmãozinho, “fiz isso para ver do que eu era capaz. É importante”. Enquanto não sabemos que Itachi fez isso por seu país(o que ainda não justifica tal atrocidade, a não ser que ele de fato odiasse os próprios pais a este ponto, algo sugerido pela cena em que ele discute com o pai), ele parece ter tido o mesmo surto psicótico que Zabuza: para corresponder ao soldado ideal que sua escola exige, ele mata todos que aparecem à sua frente - e denuncia a ineficácia do método militar. Como observa Zizek analisando o filme Apocalypse Now, o personagem que personifica o soldado perfeito “transforma-se numa figura excessiva que o próprio sistema terá de eliminar(...) em uma operação que deve imitar aquilo que combate”. O código escrito da lei e da ordem só sobrevive com o código não-escrito, informal, costumeiro, do que está implícito nas relações cotidianas: o próprio Sasuke pergunta à mãe quando pequeno se é apenas um substituto do irmão, já que o pai só passa a lhe dar atenção quando Itachi começa a ficar “estranho”, ou seja, quando passa a ser sincero debaixo do próprio teto, admi-

tindo desprezar a eugenia do clã e deixando de fingir cortesia e obediência ao pai, envergonhando-o com seus acessos de raiva em público. Obviamente, a mãe de Sasuke diz que não, que o pai dele tem dificuldade em demonstrar carinho em público(como todos os homens do clã, já que são todos criados rigidamente iguais) e que por isso só fala do mais novo quando está com ela; o pai foca em Itachi porque a responsabilidade vem primeiro para o mais velho. Mas que tipo de pai é esse que se comporta de forma a despertar no próprio filho a sensação de ser um objeto? Se Sasuke jamais perguntasse isso à mãe, o fantasma que cresceria dentro dele por causa de tal criação seria imenso. E de que adianta uma mãe submissa cujo papel é apenas doméstico dizer isso, se jamais saberemos a verdade, já que o comportamento do pai de Sasuke é incontestável e imutável? A questão aqui é que os costumes não-escritos definem a lei escrita: não há como criar um sistema militarizado se a própria cultura e educação das crianças não se faz de forma a obedecê-lo - não é à toa que a escola de ninjas lembra muito uma escola comum. Assim, Itachi e Sasuke são criados como rivais pelo amor condicional do Pai, símbolo do Estado militar. Futuramente no mangá, é revelado que os pais deles dizem amar Itachi antes de serem mortos por ele, e que aceitam sua escolha; isso não condiz com o comportamento deles até aquele momento e deveria tê-lo feito não conseguir matá-los, pois era por não ser aceito como é que Itachi escolheu eliminá-los. O que parece é que o autor cria enredos de vingança contra um sistema opressivo para depois atenuar tudo, tipo “olha, os pais do Itachi não eram assim tão frios”, “a vila não era assim tão ruim com Naruto”, “Itachi na verdade amava seu irmão”, “Sasuke tentou matar Sakura 7 vezes mas na verdade a amava de volta”, “Obito era um imbecil que fez uma guerra absurda por motivos fúteis, mas na verdade ele era o cara mais legal do mundo”, “muitos personagens legais morreram mas a gente pode ressucitá-los várias vezes pra resolverem suas histórias mal-resolvidas” e assim vai, ponto muito criticado por fãs mais atentos. Mais pra frente Sasuke vai à sala se-

creta de seu clã, como seu irmão instruiu antes de partir, e lê que a função do irmão mais novo entre os Uchiha é literalmente substituir os olhos do mais velho e assim por diante. Não há como acreditar na imagem de família feliz e amorosa depois de ficar sabendo disso, e a criação de Sasuke o confirma. Por isso que na luta final contra Naruto ele diz: “eu não tenho pais, não tenho irmão, nunca tive. Eu estou sozinho”, porque ao ler as inscrições sagradas de seu clã e viver a vingança do irmão, ele percebeu que a sensação de ser um instrumento para os pais, e depois para o sistema ninja, não era apenas impressão sua. A tênue paz trazida pelo espírito de seu irmão ao lhe dizer “sempre vou te amar” não compensa tanta tragédia, ainda mais se interpretarmos que Sasuke nunca poderá ter com Naruto, neste mundo, uma relação que materialize o que eles sentem um pelo outro. A frase de um dos capítulos do mangá da luta deles no vale diz: “eu sei que estamos conectados. É por isso que precisamos nos separar”, algo que não faria sentido se eles fossem apenas amigos. Ao contar a história de Madara e seu irmão Izuna, Itachi diz “eles dois mataram seus melhores amigos e foram ficando mais poderosos treinando contra si mesmos”. Aplicando isso ao campo simbólico, os irmãos se fecharam numa relação sombria, quase incestuosa, como fez Sasuke ao preferir o ódio por Itachi à amizade com Naruto. “Usar o mangekyou é afundar-se numa escuridão sem volta”, é uma situação macabra e estúpida, um exemplo do que não fazer, razão do clã ser malvisto. Se matar seu melhor amigo te torna cego com o tempo(por despertar o mangekyou) e te força a usar sua família como substituta de olhos e soldados, todos os valores em questão estão errados. Na luta contra o irmão em Shippuden, Itachi se contradiz ao dizer “este é o clã que se afogou na própria arrogância” e em seguida “ao te matar, estarei livre deste destino maldito e terei um mangekyou eterno! Somos os estepes um do outro!”, encenando estar louco. Isso incentiva Sasuke a derrotá-lo e ao mesmo tempo pensar em outras formas de poder caso resolva ressuscitar seu clã. Formas de poder que não sejam repetir

sua tragédia, ou seja, criar filhos que sirvam apenas como substitutos quando os mais velhos perderem a visão. Itachi encarna o que há de pior nos Uchiha para fazer Sasuke matá-lo odiando tudo isso e recomeçando o clã com uma tradição diferente, embora ainda militarizada(a tradição de Konoha em buscar alianças e estratégia no lugar de xenofobia e guerra). A superação da tragédia familiar e a passagem da infância à juventude ecoa em “Sasuke precisa aprender um amor diferente do que sentia pela mãe”. Esta frase enigmática e inesperada do Sábio dos Seis Caminhos sobre a luta final entre Naruto e Sasuke continua sem sentido para os fãs que acompanharam a obra apenas por seu aspecto mais superficial. Ela também mostra que o último capítulo da série contradiz sua filosofia central. Porque se no fim Sasuke encara a figura feminina apenas como mãe, casando com Sakura apenas para ter filhos(porque pela companhia dela é que não é), ele ainda não se livrou desse amor, mesmo ele admitindo perder para Naruto. Ele teria se livrado desse amor direcionando-o para algo que não é sua mãe nem uma esposa tradicional ou, se considerarmos Itachi, algo não-fraternal ou familiar. Só pode ser quem? Se Sasuke sobreviveu ao trauma de Itachi, o que Naruto representa pra ele só pode desestabilizá-lo mais que isso, pra ele continuar querendo matá-lo. Ainda que Sakura fosse a alma gêmea de Sasuke, o final é difícil de engolir, já que ele aparece como um pai ausente procurando algo indefinido enquanto a mãe cuida de sua filha sozinha, esgotada(chegam a dizer “ela desmaia com frequência”, algo que ela nunca fez antes) e atrapalhada em casa. Superar o trauma seria ele encarnar um pai diferente do modelo masculino de seu clã: um pai habilidoso e protetor, mas carinhoso e comunicativo, sem deixar todo o fardo dos sentimentos e da casa na mulher e sem excluí-la de sua vida externa, já que ela é tão ninja quanto ele. Reproduzir com genes malditos a sua falha família e ainda não se sentir completo, deixando a vila em que mora aquele que o salvou, pela segunda vez, sem motivos claros, é prova de que este personagem não foi desenvolvido até o

Ao lado, os rivais principais são retratados em imagem oficial com flores tsubaki ou camélias vermelhas, que na simbologia japonesa significam “amor”, “perecer com graça” e “azar para o samurai”. Muitas imagens oficiais foram feitas como fanservice para as fãs de yaoi, mas como o roteiro em si leva a relação deles tão a sério, o mero fanservice não deu conta de disfarçar a homofobia do final oficial. Abaixo, mais um belo fanart da artista Kira. O site dela é http:// www.pixiv.net/member. php?id=1610129

Abaixo, imagem oficial suspeita: amigos homens usam colares “de amizade”? Fãs brincam que o pingente parece um coração.

Acima, a serpente se enrosca em Sasuke(ui!). Ao lado, a cena mais suspeita de SasuNaru é repetida em um encerramento; abaixo, a complementaridade do par protagonista em uma abertura do anime. Em quase todas as mitologias, o Sol e a Lua são irmãos casados que deram origem a todos os seres da Terra.

Abaixo, cena de um filme de Shippuden em que Lee diz que, de acordo com Gai, a homossexualidade faz parte da juventude; e abaixo ao lado, cena de um interessante filler do anime, em que misteriosamente Sasuke e Naruto se beijam de novo, dessa vez em plena queda livre numa cachoeira...

final, algo muito frustrante por ele ser tão ou mais principal e complexo que o que dá nome à obra. Um final melhor a meu ver seria, na cena em que Naruto devolve a Sasuke sua bandana, desta vez Naruto ir com ele. Muito jovem e ingênuo para ser hokage, ele sim, que nunca saiu da vila como o rival, cresceria muito mais fora dela - e desta vez Sasuke estaria acompanhado daquele que o fará “ver o mundo com olhos diferentes de quando saiu pela primeira vez”: antes se afastando por acreditar estar sozinho, agora ele se afastaria num projeto em comum de amadurecimento com aquele com quem dividirá o governo no futuro. Não havia subversão melhor no final do que a mensagem de que poder concentrado demais traz conflitos, como disse Hagoromo, e que talvez com dois hokages ao invés de um só, o governo fosse mais equilibrado. Como a única maneira de se esquecer um trauma é exercendo a vingança ou um castigo justo, ao saber que na verdade o irmão tinha sido ordenado por Konoha, Sasuke se encontra na pior das situações: ele é impedido de gozar o alívio de poder finalmente deixar o terrível passado para trás. Para Itachi, morrer pelas mãos de Sasuke era libertador: ao ser punido, ele paga sua dívida perante a sociedade e seu amado parente. Por isso ele não queria de jeito nenhum que Sasuke soubesse a verdade: a lógica do perdoar sem esquecer é muito mais opressiva. O vingador e o criminoso permanecem assombrados pelo crime, uma vez que ele não foi “desfeito” no pagamento simbólico da justiça. Por isso que não faz sentido criticar Sasuke de querer destruir Konoha após descobrir a verdade, mesmo que proteger a vila fosse o desejo do irmão: agora, sim, fica impossível deixar o passado para trás. O alívio de redimir a culpa de Itachi e honrar o amor dos pais é perturbado pelo fato de o próprio Itachi ter estado numa situação extremamente difícil de se decidir. Se Sasuke ficasse em paz e voltasse a servir Konoha depois de saber a verdade, seu desenvolvimento como personagem teria sido superficial, apagando a maior parte de seu carisma e tirando o sentido de Naruto em salvá-lo. Não há como não enlouquecer de ódio ao saber, primeiro, da situação em que

o irmão foi colocado pelos folhas, e segundo, do fato que voltando a servir Konoha, Sasuke ainda não vai ter se livrado do fantasma de Itachi, sempre fazendo tudo como ele planejara e obedecendo seus valores morais e políticos. Quem de fora tem o direito, sobretudo quando não é vítima direta do culpado, de rasurar o crime de outra pessoa, tratá-lo com brandura? Apenas reis e Estados considerados divinos podem fazê-lo, e apenas em sociedades que acreditem em seu caráter excepcional. O mero mortal deve prosseguir em sua vingança para não cometer a arrogante blasfêmia, como fazem os cristãos, de anular o crime, misericórdia ensinada e permitida apenas pelo Deus em questão. É para crescer de verdade e ter uma personalidade independente da manipulada pelo irmão que Sasuke se recusa, mais uma vez, a seguir seus conselhos, ao mesmo tempo que deixa de ser um soldado submisso para contestar a violência de seu Estado, por mais justificada que ela pareça. Além disso, é precisamente por pagar os pecados por ele que Itachi reforça seu caráter opressor na vida do mais novo: ele o deixa se sentindo para sempre em dívida e inferior a ele, numa postura de arrogância similar ao “oferece a outra face” cristão. Itachi só resolve isso de vez ao dizer ao irmão que ninguém é perfeito, que ele errou ao querer superprotegê-lo e esconder seus segredos dele, mas que não importa o que ele faça, ele sempre vai amá-lo. É o que Naruto faz ao lutar contra Sasuke até a morte no encerramento da obra: o único antídoto contra o rancor, que nada mais é que um amor perdido, é o amor incondicional. Como diz Zizek, o domínio da violência que não é fundação da lei nem suporte da lei é o domínio do amor. Voltando a Itachi, é interessante desenvolver um pouco mais o que gera tanto fascínio e respeito dos fãs por ele. Primeiro que ele é tratado com respeito pelo próprio criador; ao contrário de vilões com motivações patéticas, como Obito e Madara, a motivação de Itachi é manter a paz a todo custo, por ter vivido numa guerra quando pequeno, antes de Sasuke nascer. Ser um espião tanto de Konoha quanto de seu clã o coloca numa situação delicada: ao mesmo

tempo que vive a tradição Uchiha, ele entra em contato com a de Konoha, mais diplomática e menos racista. Como isso não é suficiente para fazer alguém matar a própria família, Itachi devia sentir ódio deles também pessoalmente - o que aparece na cena em que ele briga com os colegas que vieram acusá-lo de matar Shisui. Ali é que ele mais se revela na obra inteira: ele tenta buscar uma solução pacífica, como o terceiro hokage, mas seus próprios parentes se comportam de maneira desprezível, a começar pelo modo que seu pai trata Sasuke. Apesar de sempre reclamar de Itachi, Sasuke tinha mais carinho e atenção dele do que dos pais e do restante do clã, sempre comparando-o à precocidade do outro(é irritante ver o pai de Sasuke lhe dizendo que Itachi não gosta de interagir com as pessoas, quando é ele mesmo quem lhe dá o exemplo). De acordo com Zizek, as figuras realmente revolucionárias são as que se recusam a considerar os costumes que modulam o funcionamento de uma regra universal; ou seja, acreditam na igualdade de fato, na honestidade do discurso, e não nas culturas particulares que os moldam a uma versão hipócrita do universal. Explicando melhor, Itachi consegue ultrapassar os próprios valores e contextos pessoais para defender o que considera correto, embora o faça usando os próprios métodos do clã: disclipina, discrição, treino obsessivo e adequação, mesmo que fingida. São poucos os que conseguem fazer isso sem ser tachados de psicopatas ou terroristas, que é o que pensamos de Itachi antes de conhecermos a verdade, porque pra isso ele precisa admitir que seus pais defendem o que ele mais despreza e sua relação particular com eles deve ser apagada em nome de uma justiça universal. É como descobrir que seus pais atuam no regime nazista ou na Ku-Klux-Klan, por exemplo. O que fazer? Ao falar a verdade sobre Itachi para Sasuke, Tobi conta uma história parecida com a de várias minorias: alguém não aceita um acordo de paz, em nome de tudo o que perdeu na guerra(no caso, Madara, por perder o irmão) e trai o país unificado; em resposta, o próximo governante permite que a minoria continue ali, mas vigiada, o que ali-

menta preconceitos. Um incidente aparentemente desconectado desta minoria - no caso o ataque da kyuubi - é imediatamente associado à minoria em questão e esta deve lutar para se provar inocente ao invés dos acusadores apresentarem provas. Futuramente, a minoria rejeitada planeja um golpe de estado, ironicamente confirmando as razões de ser suspeitada; uma perfeita analogia atual seria um terrorista mulçumano explodindo inocentes em nome de Alá, interpretando textos que incitam violência, mas que a maioria não interpreta tão literalmente, e confirmando a reação neonazista de conservadores dizendo “tá vendo? Eu avisei que eles não eram confiáveis!”. Mesmo os mais tolerantes acabam aceitando a vigilância, uma vez que é preferível prevenir novas tragédias e os mulçumanos pacíficos devem entender isso se são realmente contra os que usam sua religião para matar. Mas é natural que seja difícil fiscalizar o processo; quem vai impedir que um neonazista exagere ao procurar o terrorista no meio dos religiosos? E quem vai impedir que, vivendo discriminados, muitos religiosos protejam o terrorista, embora não tenham “coragem” de fazer o que ele fez? Nesta parte mais política da obra, Kishimoto acerta em cheio. Também é interessante, ao rever o anime, ficar em dúvida sobre o discurso de Itachi para Sasuke após matar o clã. Ele diz que fingiu ser o gentil irmão dele para testar a capacidade do mais novo... Se este discurso é apenas para instigar Sasuke a odiá-lo, a interpretação mais óbvia é a de que o teste consiste em ver se ele é capaz de eliminar a imagem gentil do irmão, apagar o amor que sentia por ele, e poder então vingar seus pais, como Itachi planejou. Mas ao prosseguir em seu discurso, Itachi arrisca instigar o menino a matar seu melhor amigo para conseguir o mangekyou sharingan e, ao ter os mesmos olhos que ele, enfrentá-lo com chances de vencer. Esta parte vai contra os reais fatos: Itachi não matou Shisui para ficar mais poderoso, mas para ambos prosseguirem em seu plano de apoiar Konoha e enganar os Uchiha. Assim, para não macular a imagem bondosa de Itachi, só nos resta interpretar esta parte não como “olha, irmãozinho, eu não obtive meu poder por

Ao lado, o bilhete de suicídio de Shisui é mais verdadeiro do que parece. Itachi discursa sobre como rótulos limitam a capacidade humana. Abaixo Naru pensa em Sasuke ao ver uma estrela cadente

Abaixo, Itachi deixa Sasuke nas mãos de Naruto; ao lado, o sonho de Sasuke está no passado: o irmão forte e carinhoso que destruiu sua família e clã.

Acima, encerramento claramente SasuNaru e imagem oficial em que eles inclinam o rosto em direção um ao outro. Várias aberturas e encerramentos do anime retratam os rivais interagindo com músicas românticas de fundo.

Ao lado, segundo Lévi-Strauss, a rã simboliza a mulhergrudenta e o hermafroditismo, e a cobra simboliza o pênis e o amante da Lua(Orochi?). Abaixo, segundo Joseph Campbell, os princípios Ying e Yang se desdobram em todos os opostos; interessante como Sasuke está ligado a Ilusão, Compaixão e Amigo.

matar meu amigo, mas não me importo de você ficar ainda mais miserável fazendo isso que estou sugerindo”, e sim como “se quiser trilhar o caminho da vingança, você tem que abdicar do amor; então pense bem se é isso mesmo que você quer, ou seja, ser tão ruim quanto eu”. Independente do caminho que Sasuke escolher - vingar-se, ficar em paz e ser louvado como quem justiçou os Uchiha e eliminou um psicopata perigoso; ou não se vingar e levar uma vida psicologicamente saudável, fortalecendo-se através de novos amores - ele será visto como herói no final. O problema é ele arriscar que Sasuke de fato mate um amigo para conseguir o poder de vingá-lo, algo irresponsável se ele quisesse apenas o bem do irmão. Talvez então nesta frase ele se refira a si mesmo, ou seja, Sasuke matar seu melhor amigo é matar o Itachi bondoso para vingar o ruim, como Itachi matou Sasuke simbolicamente para não ter pena dele e eliminar o clã. Mas por ser novo, Sasuke interpreta a frase literalmente e quase mata Naruto por isso. A vingança em Naruto é tratada não como uma orgulhosa pirraça psicopata, mas como algo que para os vingadores é a única opção de não enlouquecer de culpa e tirar a própria vida. É tratada como honrosa e compreensível num mundo em que a justiça racional e neutra do Estado ainda não está consolidada, ou em casos em que ela não dá conta de resolver a questão. Como diz Améry citado por Zizek em sua coletânea Violência, “o ressentimento crava cada um de nós na cruz de seu próprio passado em ruínas. De modo absurdo, reclama que o irreversível regresse, que o acontecimento seja anulado”. Quando um sujeito é ferido de modo tão devastador que a lei do Talião não é menos ridícula que a promessa de reconciliação com o agressor após a reparação, tudo o que resta é persistir na incessante denúncia da injustiça, o que explica Sasuke mudar de vingador para revolucionário no final. Uma história menos focada e que mostra fortemente o lado fascista de Konoha é a do pai de Kakashi. Escolhendo salvar os amigos ao invés de cumprir uma missão, ele passa a ser desprezado e humilhado pelos próprios conterrâneos e colegas, a ponto

disso fazê-lo suicidar-se deixando o único filho sozinho. Obito considera isso mais nobre que obedecer cegamente o Estado, mas a partir da morte dele, Kakashi passa a hipocritamente adotar o mesmo discurso, preferindo matar Sasuke do que tentar salvá-lo. É justamente a recusa de Sasuke em aceitar a paz que Konoha conseguiu às custas da tragédia de seu clã que faz dele, a meu ver, o personagem mais nobre deste mangá. Além de obviamente perturbado depois de saber a verdade, mesmo que não tivesse certeza(o que o faz perseguir o edo tensei de Itachi para confirmá-la), ele percebe que se o preço da paz da maioria é tamanho pesadelo de uma minoria, esta paz está errada. Mesmo odiados por todos, sem ninguém para vingá-los caso Sasuke não sobrevivesse, o fundamentalismo dos Uchiha não impediu o nascimento de homens como Itachi e Shisui. Mesmo mantendo Sasuke vivo por amor e para vingá-lo, e mesmo que ele nunca soubesse a verdade, Itachi não pode apagar dele o trauma que lhe causou. O sistema de Konoha tem que ser reformado urgentemente para evitar novas catástrofes, e apenas os que mais sofreram para que ela triunfasse sabem disso. “Pode me chamar de garotinho mimado. Se alguém for contra mim, vou matar seus entes queridos pra eles verem o que eu sinto” parece uma frase egoísta, mas é a defesa da individualidade e da liberdade, exatamente o mesmo pelo qual luta Naruto, apenas de uma forma diferente. Afinal, tem o direito de censurar Sasuke apenas quem sentiu o mesmo terror que ele e conseguiu achar uma saída que não a insanidade ou a revolta permanente. E ninguém que o persegue tem esse direito, nem mesmo Naruto; o trauma deste, um caso leve de bullying(há casos de bullying no mundo real bem piores) é nada comparado com o de Sasuke, mais um motivo para este sentir ódio quando Naruto fica tentando se colocar no lugar dele. Em repúdio ao final esquisito do mangá e ao catastrófico penúltimo filme da franquia, Naruto - The Last, fãs fundaram comunidades no facebook e no tumblr e descobriram curiosidades interessantes, como o fato da atriz que dublava Sakura ter se recusado a dublar o filho de Naruto no fil-

me, porque ela desaprovou o final da obra. Realmente, não é fácil engolir os casais oficiais, mas pior que isso, é o próprio encerramento repetitivo e falsamente feliz dado a toda a confusão da última guerra do mundo ninja no capítulo 700. O protagonista, cujo sonho era ser hokage de uma forma diferente, o faz exatamente do mesmo jeito que os predecessores que o oprimiram quando criança; seu filho é uma tediosa cópia dele, fazendo travessuras para chamar a atenção do pai ocupado - o que é bem absurdo, já que há um grande abismo entre ter um dos pais ausente e ser de fato órfão e rejeitado por todos, coisa que obviamente o filho do hokage e grande herói Naruto não é; e Sasuke, que queria revolucionar o sistema ninja, volta a viajar o mundo, desta vez sem objetivo algum, ao invés de ajudar Naruto, e deixando Sakura, uma mulher que sempre odiou, cuidando sozinha de sua filha incrivelmente parecida com Karin. O fato dela ser atraída por Bolt/Boruto prova que se Sasuke ou Naruto fosse mulher, eles seriam o casal principal. Uma das postagens mais intensas foi a da usuária do twitter piipuli: “I just love how after everything Sakura and Naruto went through together, in the end Naruto only treated Sakura as an object in his chauvinist game, lied to everyone about liking Sakura despite being a person who hates lying; and when he finally got a girl, he cut his ties with Sakura like their friendship and bond never meant anything to him since he doesn’t have to play games with her anymore. I just love how it’s ignored that it was said many times that Sakura USED to love Sasuke and her feelings were changing. I just love how Sasuke saying Naruto is his only bond after Itachi died, and the fact that he was going to die until Naruto told him to live, is completely ignored and pointless since now he magically has feelings for Sakura despite always making it clear he wasn’t interested in her and dropping her in the fucking lava and mocking her feelings. I just love how Naruto and Sasuke’s bond is ignored and despite Naruto acting he is in pain and lonely when Sasuke is not there, he suddenly doesn’t even remember Sasuke existed in the first place nor does he care that Sasuke is

lonely again even though this dumbass said he would rather die with him than let him be alone; he also is Hokage in the village that murdered his friend’s/soul mate’s/whatever’s clan and ruined his life and is not doing anything about the system because who cares lol. I just love how Naruto is a complete asshole now. I just love how Hinata is taking Sakura and Sasuke’s place in Naruto’s life since I guess that’s the only way to make Naruto love Hinata. I just love how Naruto did everything for Sakura and Sasuke, yet magically they mean nothing to him anymore. But hey at least Hinata gets the D and I guess that’s the only thing that matters right ?’’ Em inglês, “getting the D” é gíria para “conseguir o pênis”(dick). Outro comentário interessante é o de outra comunidade insatisfeita do facebook, a Not okay with the Naruto ending: ”Anyone who actually thinks this ending is well done is either: a. Someone who has never read a quality story before or b. (which is most likely) A Naruhina/ Sasusaku fan who doesn’t care because they got their pairings from Kishimoney and they’re the same guys who tell us “ The story isn’t all about the pairing” but guess what assholes, IT IS NOW because the LAST and the final chapters of the story ARE about pairings. Destroying Naruto’s bond with Sakura and Sasuke is perhaps one of the worst things Studio Pierrot and Kishimoney did to the story but will the other fans listen..? Of course not! As long as Hinata and Sakura got the D from both Naruto and Sasuke they couldn’t care less and those guys are the same guys who claim themselves to be “real fans”. I don’t know who’s worse between SP/ Kishimoto and the NH/SS-tard fanbase anymore.” Pior ainda é Sakura ficar com Sasuke no final. Desde o início da obra fica claro que Sasuke não gosta dela, e o fato dele de repente enxergá-la ou não querer matá-la/ desprezá-la depois de tudo o que indicava o oposto é algo que a meu ver incentiva relações abusivas e objetificantes, não só para com a mulher, mas da mulher com o

Cenas de Gaiden: acima, Sarada briga com o pai por ele ter se ausentado por 12 anos; Sakura fica triste quando a filha lhe pergunta se ela já beijou o pai; e ao lado, Sasuke não consegue perceber que ela não é um inimigo e quase a mata.

Ao lado, Sakura não sabe responder à filha se Sasuke usava óculos(!); abaixo, Naruto faz uma expressão curiosa quando Sakura diz que Sarada é de fato sua filha, e à esquerda, ele se lembra de Sasuke, e não de Hinata, quando Sarada lhe entrega a marmita de Bolt.

Alguns dos melhores desabafos dos fãs insatisfeitos com o final de Naruto na comunidade do facebook “Not okay with the Naruto ending” levantam questões de gênero muito interessantes.

homem. Sakura não ajuda Sasuke em nada; ela se oferece para fazer o que ele quiser, mas não consegue nada, nem em matéria de força ninja, nem em matéria de recuperação emocional. Ela se mete na vida dele mesmo que ele implore para que ela o deixe em paz, exigindo que ele mude por ela e nunca se alterando por ele, escolhendo matá-lo quando ele se comporta de forma que ela não aprova. Depois de desprezada e abusada, ela aceita casar com o homem com o qual nunca teve uma conversa que não fosse sobre Naruto. É dito que ela odeia afazeres domésticos e que sonha em ser como sua mestra, e no final ela é uma dona de casa atribulada enquanto Sasuke está fora, como fazia seu pai, o que culminou na tragédia Uchiha. Depois de um trauma desses é ridículo ver Sasuke simplesmente repetir seu modelo familiar. E ao dizer que “meninas, persigam seus amados mesmo que eles tentem matar vocês, porque no fundo pode ser que na verdade ele te ame”, Kishimoto está ofendendo as incontáveis vítimas de abuso doméstico. Ao dar um final feliz a Hinata, é como se fortalecesse essa mensagem dizendo “seja um stalker fora da realidade e seu amado se apaixonará por você um dia!”. Se o stalker fosse do sexo masculino seria pior ainda: tipo, meninos, persigam as meninas que amam sem desenvolver sequer amizade com elas e um dia elas casarão com vocês. É o que aconteceu com Sakura e Hinata, e talvez muitos não reparem nesse absurdo pelo fato delas serem pobres menininhas apaixonadas ao invés de meninos tarados. A única cena próxima do final do mangá que sugere a leve possibilidade de Sasuke sentir algo por Sakura é quando ela finalmente consegue liberar todo o poder concentrado na testa e surpreende a todos, deixando por alguns segundos de ser inferior a eles na luta e eliminando vários dos monstros gigantes liberados por Madara e Obito. Sasuke e Naruto logo vão atrás dela matar mais alguns, e o loiro diz “eu matei alguns também, Sakura” e Sasuke responde “fique fora do meu caminho, Naruto”, como se eles estivessem disputando a atenção dela pela primeira vez de fato(geralmente é ela quem fica de lado). Ela chega a dizer “se vocês ficarem brigando, eu vou ficar

com o posto de hokage”, o que teria sido um final mais criativo que a decepção que foi e renderia Kishimoto de ter colocado suas personagens femininas sempre abaixo de suas capacidades. No entanto, mais pra frente Sasuke diz a ela coisas como “por que você quer saber? Você não pode fazer nada mesmo” e literalmente perfura seu coração num genjutsu que parecia real até o capítulo seguinte revelar que era uma estratégia dele para “deixá-la fora do caminho deles”. A impressão é que Sasuke só não a mata de fato por consideração a Naruto - ele chega a sugerir isso quando diz “o fato de Sakura e Kakashi estarem por perto quando te salvei pra vencermos esta guerra foi mera coincidência, entendeu?”, ao que, tendo o triste olhar de Sakura de fundo, Naruto responde que sim. Ele também não a salva quando Naruto pede em outro momento, quando é o susanoo de Kakashi que o faz; e quando antes eles mudam de dimensão no ataque de Kaguya, ele deixa Kakashi e Sakura caírem na lava, o que só é evitado porque Naruto descobre que tem o novo poder de levitar. Depois disso ficou impossível aceitar SasuSaku, ainda mais que na cena em que Sasuke chega logo após Minato ao campo de batalha, Sai pergunta a Sakura o que ela acha de Sasuke estar ali e percebe que o sorriso dela é falso enquanto ela responde que está feliz. Pra que existiria essa cena se eles fossem ficar juntos no final? Sai pergunta a Juugo o que ele acha que Sasuke busca, e ele responde “sei lá”, enquanto o olhar triste e bravo de Sakura é focado. É como se ela de antemão soubesse que não é porque ele veio lutar contra Madara e Obito que esteja do lado deles, e essa percepção acurada e pessimista não condiz com alguém que queira salvá-lo a qualquer custo, ou com alguém que o tenha perdoado. Voltando ao reencontro dos rivais no começo de Shippuden, até a trilha sonora e a montagem dos episódios sobe de nível para intensificar o anseio de Naruto e Sakura em reencontrarem Sasuke. Ele finalmente descobre que o poder secreto de Naruto é a kyuubi. Numa postura que parece mais proteger Naruto dela do que atacá-lo, Sasuke a dissipa e diz, tranquilamente, “bom, isso explica muita coisa”. Não há choque,

não há a rejeição que Naruto enfrentou de sua vila por isso, não há sequer a preocupação temerosa que Sakura sente ao descobrir o mesmo; é apenas mais uma coisa que ele sabe sobre Naruto, sem nem questionar por que ele manteve em segredo. Nenhum personagem na obra aceita a kyuubi tão naturalmente, porque nenhum personagem aceita Naruto tão naturalmente. A maneira como Sasuke se aproxima também é evocada pelas yaoístas como um momento chave para seu shipping: ele coloca um braço ao redor de Naruto e fala em seu ouvido, algo considerado íntimo demais em público pelos japoneses, e até para os fãs ocidentais esta cena é exagerada, pra não dizer incômoda. E o que Sasuke diz a ele - “se tem tempo pra me perseguir, você devia estar treinando” - é exatamente a mesma frase que ele diz a Sakura quando eles voltam da missão de Haku e Zabuza. Detalhe importante que muitos fãs deixaram passar e que reforça a estranha semelhança entre o que Naruto e Sakura sentem por Sasuke. O diálogo entre o Uchiha e a kyuubi “dentro” de Naruto não faz o menor sentido se for tomado literalmente. O que acontece no mundo real é que Sasuke está prestes a atacar um Naruto extremamente enfraquecido, tentando não despertar a kyuubi, quando esta cena surreal começa. Só faz sentido se a tomarmos como a metáfora da recusa de Naruto em usar o ódio, ou seja, a kyuubi, para atacar o amigo, mesmo que isso signifique ser morto por ele. Sasuke dissipar facilmente a kyuubi é ele dissipar facilmente o ódio que existe em Naruto, algo bastante impressionante a ponto da raposa dizer “você tem os olhos daquele cujo rancor e poder é ainda mais sinistro que o meu”; ficamos sem saber o que teria acontecido com Naruto não fosse a intervenção não de Sakura, que deveria estar mais madura e habilidosa pra ficar de lado de novo(mas não é culpa dela seu autor desrespeitá-la por ser mulher), mas de Sai, o novo integrante do time 7, uma espécie de cópia de Sasuke se ele não tivesse tido seu clã assassinado, talvez: bonito, frio, habilidoso, disciplinado, reservado... e o que o diferencia de Sasuke e o torna divertido: uma sinceridade cáustica e arrogante expressa por

palavrões, algo inesperado numa obra de tom juvenil e conservador como esta, bem como suas aproximações gays disfarçadas de ignorância social e sua hilária obsessão pelo tamanho dos pênis dos colegas. Kishimoto disse em entrevista que este personagem que adora desenhar é inspirado nele mesmo. Hmm... Quando reclama de Sai ser o substituto de Sasuke, Sakura pergunta se aquele não lembra este um pouco, mesmo tendo a boca suja e sendo tão desagradável, ao que Naruto responde indignado - enquanto Sakura sorri fortemente - que Sasuke é muito melhor que ele. Ele ia dizer “Sasuke é muito mais kakkoii que ele”; kakkoii é um termo em japonês que designa tanto a pessoa ser “legal”, popular, como bonita. Quando Sakura diz “Sim, o Sasuke é mais bonito que ele”, Naruto grita “sim, e não é um pouco mais, é muito mais!”, em mais uma cena em que se sugere que Sakura externa os pensamentos sobre Sasuke que Naruto não pode expressar. Mais pra frente, Sai chama Sasuke de “bichinha covarde traidora” e antes que Naruto o ataque, Sakura o faz, após enganar Sai dizendo para que eles parem de brigar. Ela faz isso saindo de seu esperado papel feminino, de obedecer o professor e evitar conflitos. Isso a enriquece muito como personagem e quebra o ciclo vicioso ao qual ela estava presa antes, de querer proteger os dois amigos, mas sem conseguir superar os limites de seu gênero. Outro motivo dela fazer isso é mostrar a Naruto que ela não é mais a menininha de antes. Ela não vai mais deixar apenas Naruto interagir com Sasuke e trazê-lo para ela, mas vai lutar igualmente por ele. Interessante é ela reagir desta forma apenas depois que Naruto decide expulsar Sai do time. Mais uma vez, quem se afeta mais com qualquer coisa relacionada a Sasuke é Naruto, e não ela. E curiosamente, Sai trata Sakura neste momento de uma forma que nenhum personagem masculino trata uma personagem feminina: reconhecendo sua atitude e explicando ironicamente sua estratégia, como fazem os rivais quando lutam querendo exibir as novas técnicas um pro outro. Num filler mais pra frente, Sai protege Sakura de um bicho venenoso e diz

Ao lado, no spin-off de Lee, a ilha dos sonhos de Sai é em formato de pênis; e abaixo, ele diz se sentir “ameaçado” pelo pênis de Sasuke. Ele diz o mesmo do de Lee em outra cena hilária

Ao lado, Naruto revela que sua ligação com Sasuke é sua existência e Sai fica fascinado, lembrando-se do irmão de criação que tentou esquecer para ser um frio espião. Abaixo, mensagem subliminar gaycoding

Ao lado, Sai zomba do tamanho do pênis de Naruto, comparando-o ao do irmão futuramente; abaixo, Sakura demonstrando não tolerar quem fala mal de Sasuke, no lugar de Naruto numa rara cena.

Ao lado, Yamato diz “nada como ficar nus assim para homens se conhecerem de verdade!” e abaixo, Naruto diz não aceitar ninguém no lugar de Sasuke, mesmo que isso atrase a missão, fazendo Sakura socar Sai depois.

que viu num livro que o sacrifício é eficiente para formar relacionamentos, principalmente com mulheres - o que sugere algum interesse dele nela. Por essas e outras sutilezas eu achava que era Sai que terminaria com Sakura, e por mais que ainda não seja um bom casal, qualquer coisa seria melhor do que ela ficar com Sasuke, validando uma relação abusiva, criminosa, superficial e antes negada no próprio mangá. Nas fontes termais em que param para descansar, há a primeira das hilárias cenas suspeitas entre Sai e Naruto: “Pára de olhar pra ele! Você só fala em pinto!”, grita o protagonista, extremamente incomodado com o assunto. Incomodado a ponto de, ao contrário de Lee e Konohamaru, entre outros, ser incapaz sequer de brincar com o tema da homossexualidade, piada tão comum entre meninos. Alguns fãs vêem nesta contradição - entre o medo de Naruto quando Kakashi diz gostar dele, por exemplo, e seu interesse em criar jutsus pervertidos - uma sugestão do protagonista ser enrustido, já que a menor alusão ao tema pode rapidamente explicitar o caráter socialmente estranho de sua obsessão por Sasuke. Também é sugestiva a cena em que Naruto quase desmaia de calor dentro da fonte termal, porque tem vergonha de sair da água enquanto Sai ainda pode vê-lo. Ou seja, embora seja claro que Sai esteja apenas brincando, referindo-se a seu “pintinho” para denegri-lo(como não morrer de rir quando Naruto diz “seu desenho não é nada demais”, ao que Sai responde “pois é, que nem o seu pinto”?), Naruto o leva a sério a este ponto. Não é estranho? Soma-se a isso o fato dele se parecer com Sasuke e ser o personagem masculino menos vestido da história. Se Naruto sente alguma atração pelo melhor amigo, é natural que justo Sai o deixe desconfortável. Ele se recusa a aceitar o quão bom Sai é, porque isso seria aceitar que Sasuke é substituível, ao menos profissionalmente, o que faz lhe restar apenas o motivo emocional para continuar em busca dele, evidenciando o caráter suspeito de sua insistência. A história de Sai com seu “irmão” é o exemplo do que um perfeito soldado de Konoha sente quando seu amado compa-

nheiro morre. Sai diz que “não sabia que tipo de expressão fazer”, o que explica ele ter se tornado vazio de sentimentos quando o perdeu. Mas mais que isso, a frase indica a ideologia distorcida do militarismo: você deve estar pronto para morrer por seus companheiros, com os quais treinou desde pequeno, mas deve seguir em frente por sua pátria caso os perca. Ou seja, para aceitar tal ideologia, você necessariamente é falso com seus companheiros desde o princípio. Sai é um dos Raízes, soldados cuja lavagem cerebral ultrapassa o nazismo dos Uchiha e evidencia a falta de ética do poder. Em palavras simples, se for pra eliminar o totalitarismo, sejamos inclusive totalitaristas. Sai carrega consigo a macabra síntese ilustrada da ideologia: dos extremos de seu caderno de desenho pro meio, Sai e seu irmão de criação aparecem derrotando inimigos e ficando cada vez mais fortes, para no meio do caderno Sai aparecer sem rosto e o braço inacabado em direção ao outro, que estaria na página em branco, sugerindo seu assassinato. O interessante é que neste formato, a luta central não tem fim, porque ao virar uma página para qualquer lado, se volta no tempo. O caderno representa de forma genial a tensão incômoda da luta entre irmãos rivais. A luta de Naruto é contra o apagamento da identidade em prol do coletivo(ironicamente o mesmo objetivo de Orochimaru), embora no final ele se submeta ao sistema, mas sem perder seu jeito de ser. Sai muda de idéia sobre sua missão secreta de assassinar Sasuke para a Raiz apenas para ver “o que é essa ligação entre vocês dois, para lembrar o que eu sentia por meu irmão”, algo estranho de afluir tão facilmente de um jovem que sofreu lavagem cerebral do exército. E quando ele completa o desenho - ele segurando a mão do irmão é uma cena que pro público ocidental pode facilmente ser interpretada como gay, quando Sai diz “esta era a imagem dos nossos sonhos”, ou seja, de algo que eles não podiam ter na realidade. O paralelismo com o símbolo da união na luta final de Naruto e Sasuke é evidente. Mais pra frente, o fato de ser necessário que Hinata morra na frente de Naruto

e que sua vila esteja em guerra e ele prestes a ser morto por Pain, para que ele desperte caudas da kyuubi a ponto de perder o controle sobre si mesmo, enquanto que o faz só por Orochimaru ter dito “...o meu Sasuke...” no meio de uma frase, é uma das desproporções de sua relação com o rival comparada com outros acontecimentos do roteiro. “Ele não é seu”, diz Naruto, transformando-se na kyuubi e quase que se remoendo de ciúmes, frase que poderia ter sido complementada por “...ele é meu!”. Orochi apenas sorri e diz “intrigante”, porque desde o exame chunin ele sabe da peculiaridade da relação entre os dois meninos. Em seguida Naruto perde a consciência a ponto de atacá-lo sem notar que Sakura está caindo no precipício, e chega a machucá-la quando ela se aproxima(o que alguns fãs interpretam como a raiva inconsciente de Naruto contra ela se manifestando, ou o ciúmes por ela também estar em busca de Sasuke). Seu futuro treino em controlar a kyuubi é o treino de controlar sua raiva, e portanto, ao mesmo tempo, de desenvolver seu amor(por vezes, a única prova de que realmente se ama é odiando, como quando a esposa se vinga da traição do marido e ele por isso a aceita de volta em Relatos Selvagens). Numa das sequências mais ternas do anime, Naruto se sente afogar tentando alcançar Sasuke, pensando que não pode quebrar esse vínculo que ele demorou a vida inteira para formar, e que está disposto a se entregar à kyuubi para tal, porque Sasuke não o ouviu por considerá-lo mais fraco. A quantidade de flashbacks dos momentos mais importantes dos dois chega a ser irritante. Não há como se contentar que isso tudo é apenas para reforçar o tema da rivalidade. Ainda mais quando o espectador é do sexo feminino: como assim, o rival do protagonista é mais importante que a mulher amada? O que poderia ter sido um romance em que o rejeitado faz de tudo para trazer o rival à moça amada se transforma desde cedo numa obsessão inexplicável sem a interpretação gay. Quando vê Naruto sofrendo como kyuubi, Sakura chora e corre até ele gritando “já chega, eu salvo o Sasuke pra você, por favor pare!”, o que invalida a teoria de que

Naruto não desiste apenas por sua promessa. Desde ali ela vai percebendo que não é por ela que Naruto age, a ponto de sua falsa declaração de amor futura ser facilmente deduzida não só por Sai, mas por Kakashi e qualquer outro próximo o suficiente de Naruto para perceber que sua devoção a Sasuke ultrapassa tudo. Numa das cenas em que Naruto encontra Orochi e Kabuto, este diz a ele “já passou da hora de você superar Sasuke, isso não é jeito que um homem se comporte” - ao que Sakura responde indignada que ele não sabe o que Naruto sente por Sasuke. Seria por ela saber que é o mesmo que ela sente, ou seja, não pode ser algo equiparável a uma mera perversão, como sugere Kabuto? Numa cena mais pra frente, no hospital, Naruto diz a ela “sabe, eu fico feliz quando estamos assim porque é como se estivéssemos alcançando o Sasuke juntos”. O rosto surpreso de Sakura revela muito mais um estranhamento da ausência de ciúmes por parte de Naruto, do que uma comoção por ele não se importar que a busca dele os reaproxime. Após Sasuke ir embora neste primeiro reencontro de Shippuden - depois de se descontrolar com Naruto a ponto de Kabuto ter de lhe lembrar que é melhor deixar os folhas vivos, para que matem ao menos um akatsuki pra eles -, mais uma surpresa: não é Sakura que se ajoelha e chora, como esperado, e sim Naruto. Ele não se segura nem um pouco na frente de todo mundo, uma atitude indesejável, até condenável, num ninja. E é ela que o encoraja, o que dá às fãs da personagem feminina um pouco de esperança(arruinada pelo final da obra): afinal, Sakura amadureceu de fato. Outro momento intenso é quando Naruto implora ao raikage para que não mate Sasuke. Ele justifica isso como um modo de parar o ciclo sem fim da vingança - mas o raikage responde à altura: “nós vamos caçar Sasuke, e depois disso pare o ciclo você”. Fica claro que Naruto continua chorando abaixado na neve porque pede a ele algo que ele mesmo é incapaz de fazer. Se alguém matar Sasuke, ele não ficará em paz, e corre o risco de se deixar consumir pela loucura da vingança que tanto critica. Mais pra frente, quando Gaara lhe

Ao lado, a misteriosa cena em que a kyuubi diz a Sasuke para não matar Naruto, ou ele vai se arrepender. Como ela ainda não tinha afeição pelo garoto, não é porque ela vai se vingar por ele... então por que? Várias interpretações são possíveis, desde a sentimental(Sasuke não vai conseguir fingir que não se importa com Naruto e com o tempo vai enlouquecer se matá-lo) até a simbólica: sendo ying e yang, eles não podem existir separados. Na luta final, parece que a kyuubi é Sasuke, ou seja, se ele matar Naruto, ele mata a fonte de seu próprio poder, a outra face do amor que a raposa representa. Kishimoto parece colocar mensagens subliminares sobre o relacionamento do trio principal ao longo de sua obra. Aqui, Sai lê que “não usar sufixos e dar apelidos permite que a pessoa se coloque numa relação especial e íntima com quem gosta”. Desde o começo, Naruto e Sasuke se tratam sem sufixos e por apelidos, e mesmo quando Sasuke chama Sakura sem sufixos, ela continua chamando-o distante e respeitosamente de “Sasuke-kun”, bem como Hinata faz com Naruto. Parece que de mulheres para homens não é permitido demonstrar essa igualdade verbal.

Ao lado, Sakura se surpreende com a falta de ciúmes de Naruto, confirmada em The Last para pareá-lo com Hinata. Abaixo, Naruto muito mais afetado pela partida de Sasuke do que Sakura.

Ao lado, Naruto implora que o raikage não mate Sasuke. Abaixo, Naruto afasta Gaara quando ele lhe diz que não terá misericórdia para protegê-lo e sugere matar Sasuke pelo bem de todos.

diz que ele deve pensar bem sobre o que é melhor pra Sasuke, ele fica tão nervoso que tem uma crise de hiperventilação e desmaia. Embora até aquele momento Sasuke não tenha feito nada de realmente grave, já que ele captura o Hachibi vivo para a Akatsuki sem confiar nela, esse fato sugere que em breve ele é capaz de fazer coisas muito graves - como quando mata Danzo - e é a percepção de que mesmo assim vai querer defendê-lo que faz Naruto ficar tão mal. Ele percebe a que ponto o que sente por Sasuke chega, e isso é assustador pra qualquer um. Ele supera em muito o que Sakura sente: ela não se importa de matar Sasuke, desde que isso evite que Naruto se torne criminoso e morra por ele. Naruto já o superou para ela, e com razão, visto que é com ele que ela de fato conviveu. É perfeito o paralelismo da morte de Jiraya ao mesmo tempo em que Sasuke decide matar não só os anciões, mas também todos que se aproveitam da paz de Konoha - é quando Sasuke realmente sente a perda de Itachi que Naruto entende o que é perder um parente. Mas ainda assim isso não se compara ao trauma de Sasuke. Aos poucos Naruto vai amadurecendo e percebendo que ele nunca vai compreender totalmente o que o amigo sente, mas que é possível salvá-lo acreditando em seu lado bom até o fim, mesmo que pra isso tenha que morrer com ele. Ao correr para impedir que Sakura ou Kakashi o matem, Naruto conclui que só vai conseguir decidir o que fazer quando vê-lo. Não adianta que todos venham lhe contar que a melhor coisa a se fazer é a própria Konoha eliminar Sasuke, para evitar vinganças contra outras vilas; Naruto se coloca contra todos, inclusive os amigos mais próximos, e arriscando vidas, deixando Sasuke escapar, para no fim lhe dizer que está disposto a morrer com ele. Matá-lo por piedade, como Sai diz ser o objetivo de Sakura, além de arrogante, é ter forças para viver uma vida sem ele. E isso Naruto não tem; não estão invertidos os papéis românticos de gênero aqui? Quando Sakura diz a Sasuke que se arrepende de não ter saído de Konoha com ele, ele duvida dela. Ele sabe que ela não chega ao ponto de trair Konoha por ele,

algo que Naruto ainda está disposto a fazer, já que este se recusa a eliminá-lo e ainda diz na frente de seu time que o que Sasuke tem feito, independente do que Tobi disse sobre Itachi ser verdade ou não, é “perfeitamente compreensível”. Ela permite que Kakashi assuma essa responsabilidade e vai embora; e quando tem a chance de matar Sasuke por trás depois, ela vai com tudo e ainda se surpreende que ele está disposto a matá-la de verdade, que é o que qualquer um faria pra se defender. Mais uma vez, quando ele diz a Sasuke que vai morrer com ele, ela se sente inferior e covarde. Ao invés de uma relação de rejeição amorosa, parece mais uma rivalidade entre os dois, pra decidir qual deles chega mais longe pelo Uchiha. E Naruto sempre ganha. Interessante como a cada flashback, Sasuke supera os outros personagens que foram gentis com Naruto pela primeira vez. Bastou eles se verem na clássica cena em que Sasuke está lá embaixo para que ele o considere sua primeira ligação e se diga risonho toda vez que o via, o mesmo termo que Sai usa para deduzir que Naruto é apaixonado por Sakura. Quando ele diz que se Sasuke leu o coração dele, percebeu que se lutarem, ambos vão morrer, e que no Além eles se entenderão, ele muda de idéia a respeito de usar os olhos de Itachi. Ele diz a Tobi que tem que eliminar Naruto a qualquer custo, e isso vindo dele só pode significar que ele teme a influência emocional do amigo, não seu poder. Ou então quando eles trocam golpes e Naruto diz “agora tudo ficou claro”, ele pode ter notado algum tipo de relutância de Sasuke, semelhante à sua recusa em matá-lo na primeira grande luta deles, percebendo então que no fundo os dois não querem lutar a ponto de realmente se machucarem. “Eu vou carregar o fardo do seu ódio e morrer com você” deixa todos estupefatos e Sasuke reage como qualquer um reagiria: que diabos ele quer afinal? Por que é tão obcecado com ele, por que vai até esse ponto por ele? E a resposta não convence: “Porque somos amigos” é algo que neste contexto dá à palavra “amigo” um significado muito mais intenso que o comum. Sakura chora neste momento não só por “perder” pra Naruto, mas porque fica claro

que como mulher, nem amiga de Sasuke ela pode ser. Ela pode ser apaixonada por ele e até casar-se com ele num futuro hipotético, mas a relação entre eles nunca vai superar o que uma amizade entre homens é autorizada a ser nesta sociedade. Ela mesma pensa na hora: “Não posso fazer nada. Não posso falar nada. Tudo que posso fazer é acreditar neles”, o que foi comparado por uma blogueira criativa ao que sente uma fã de yaoi que transfere sua excitação amorosa a um casal gay. Mais pra frente, quando Naruto diz aos colegas para “deixarem Sasuke com ele”, mas sem explicar por quê, ela pensa, “o que você está escondendo?”, mostrando mais uma vez que embora diga que não vai proteger Sasuke de Konoha, Naruto nunca deixa claro o que realmente quer com ele. Antes que a identidade de Tobi fosse revelada, havia muita especulação entre os fãs sobre quem seria o Uchiha por debaixo da máscara. O chute favorito - e que teria dado resultados melhores do que a forçada historinha de Obito - era de que por conhecer bem Itachi, o mascarado fosse na verdade Shisui, caso ele tivesse fingido se matar para depois se aproximar do melhor amigo fingindo ser Madara. Essa hipótese foi levantada porque Shisui era conhecido por ter o poder ocular mais importante dentre os Uchiha: conseguia ler e manipular mentes e criar as melhores ilusões. E se ele manipulou Itachi para que ele concordasse em exterminar seu clã, disfarçando-se para que futuramente, caso Itachi não conseguisse matar os pais e o irmãozinho, ele terminasse o serviço? A explicação sobre o olho dele no corvo que Itachi implantou em Naruto fortalecia esta teoria. Itachi diz que Shisui desapareceu após perder um olho para Danzo e lhe dar o outro. Não há confirmação dele ter se matado e Kabuto não encontrou seu corpo. Tudo indicava que o mais provável por debaixo da máscara era ele, e teria sido genial, dado o carisma de tudo que tem a ver com o Itachi. Havia a possibilidade também de um outro Uchiha ter sobrevivido, o que teria sido muito mais criativo que ressucitar um personagem secundário e fazê-lo querer dominar o mundo por motivos tão imbecis. Muitos fãs acreditam que foi a partir da

revelação de Tobi como Obito que o roteiro começou a se deteriorar, já que foi mais ou menos ao mesmo tempo que foi criado o exército de ressuscitados por Kabuto na guerra. Ressuscitar mortos só é interessante quando algo de novidade sobre eles é revelado com isso, e não foi o que aconteceu. Usados como fantoches por Kabuto, todos eles apenas repetiram seus papéis anteriores, com exceção de Itachi, o que foi o ponto alto desta parte da obra. Gaara também ganha algo ao conversar com o pai morto, mas o que deveria ter sido um diálogo de ódio se transforma falsamente em mais um “final feliz”. Neste ponto do roteiro, quando quase se deixa levar pelo rancor pela vila enquanto luta contra a kyuubi, Naruto encontra o espírito de sua mãe, simbolizando o amor materno vencendo sua insegurança. É provavelmente a personagem mais respeitada da história, não como mulher, mas como mãe do herói, o que é típico da cultura japonesa e da cristã ocidental também. Kushina sofre preconceito dos meninos de sua turma porque diz que será a primeira hokage mulher e porque se comporta como um menino: ela não precisa de nenhum deles pra se defender. Apelidada de “tomate”, curiosamente uma das comidas favoritas de Sasuke, de acordo com os character books, ela veio da decadente vila Uzumaki como parte de um acordo com Konoha. Ela lembra Sakura em seus momentos mais virtuosos, o que animou os fãs de NaruSaku, já que não é considerado doentio na sociedade patriarcal um homem se sentir atraído por uma mulher que lembre sua mãe. Quando o futuro quarto hokage a salva de sequestradores interessados em seu poder, ela se apaixona por ele - e a melhor parte é que isso acontece porque, quando ela diz “você sempre me ignorou”, ele responde algo que vai contra todo o tratamento depreciativo que as mulheres recebem neste shonen: “é porque eu sabia que você era capaz de se defender sozinha”. Até mesmo Tsunade precisa ser protegida por personagens masculinos na obra, e são incontáveis as vezes em que Sakura, suposta mais poderosa das kunoichis de sua idade, tem que ser carregada pra longe de ataques simples por Na-

Esta postagem da página Sasu-Naru Brasil no facebook mostra uma imagem crucial do filme Boruto para entendermos a suspeita de uma censura ao final shonen-ai da obra: quando Sarada diz que quer lutar contra Bolt, ele fica encabulado e o menino ao fundo pergunta se ele se apaixonou; é exatamente a mesma cena entre Sasuke e Naruto no torneio chunin. Se os patrocinadores achavam que com isso dava pra disfarçar a homofobia com que foi tratado o principal relacionamento da série, sua ingenuidade é impressionante: ela a evidenciou e não apaziguou os fãs.

Ao lado, correntes lançadas no Japão: impressionante como nenhum produto lançado com este teor é com um casal hétero da obra. Os símbolos de Naruto e Sasuke se encaixam formando a expressão “laços eternos”. Dá pra ser mais óbvio? Abaixo, uma das aberturas do anime

Ao lado, a bela cena em que Naruto se arrepende de não ter se aproximado de Sasuke antes. “Eu repassei essa cena na minha cabeça vezes sem conta”, diz ele. A hesitação não teria ocorrido se o sentimento não fosse muito forte e perigoso. Como amigos quando crianças, eles poderiam ter facilmente convivido; por que Naruto temia tanto se aproximar dele? Observando-se de longe desde pequenos, eles comprovam a teoria das essências reencarnantes.

Sasuke diz precisar matar Naruto porque quer ser um hokage totalmente neutro, ou seja, que não cometa o erro do irmão, que o deixou vivo, por causa de sentimentos. O que ele não entende é que o rancor de onde tira seu poder é o avesso do amor, como simbolizam os Uchiha e os Senju, Ashura e Indra, e a kyuubi e Hagoromo. Não há como apenas um lado de um par de opostos existir sozinho. Como mostra Antígona, a lei só se funda com o crime correspondente, e como analisa Butler, a cultura só se funda em oposição à natureza.

ruto, Sasuke, Lee, Kakashi... A única que tem o privilégio de escapar deste padrão é Kushina, mais por ser mãe do protagonista do que por algum suposto feminismo do autor. A postura de Naruto quando a encontra é diferente da dos outros personagens masculinos, sempre valorizando mais os pais que as mães: ele logo pergunta a ela como se apaixonou por seu pai, curiosidade mais esperada de uma filha do que de um filho. O fato de Naruto herdar dela e não do pai a força para ser jinchuriki da kyuubi também é interessante, ainda mais que os jinchurikis anteriores da raposa sempre foram do sexo feminino. Uma cena que gerou rebuliço entre os fãs foi a de Kushina tendo contato apenas com a mãe de Sasuke pouco antes de seu parto, que deveria ser secreto devido ao enfraquecimento do selo da kyuubi. Se Tobi fosse um Uchiha que ainda mantinha contato com o clã, e não Obito, ele pode ter ficado sabendo do parto através da mãe de Sasuke, criando uma inimizade histórica ainda maior entre Naruto e Sasuke, até porque na noite do ataque da kyuubi os pais deste estão fora de casa. Um momento bonito da última guerra é quando Naruto finalmente começa a chorar de ódio, medo e desesperança porque parece impossível impedir o plano de Obito. Sasuke começa a cortar a árvore gigante e diz a ele “você já está no limite? Eu estou apenas começando”, e o protagonista reacende seu chakra e volta a lutar. Enquanto isso ele pensa sobre como sempre se arrependeu de não ter feito amizade com Sasuke antes; ele pensa nisso enquanto está ligado ao jutsu de transmissão de pensamento de Ino, e todos enxergam os sentimentos dele pelo amigo e sua vontade de nunca mais se arrepender de nada. No momento mais crítico, é Sasuke quem consegue elevar a moral dele e salvar todos que dependem da energia de Naruto. Quando Obito transformado no jinchuuriki do Dez Caudas pergunta a Naruto “por que você insiste em lutar, sabendo que seus amigos ainda podem te trair, seu amor pode virar ódio, e as guerras continuarão?”. É como se ele perguntasse “por que

você insiste em viver? Por que não morrer conosco e viver em seus sonhos?”, ao que o protagonista responde “porque é o meu jeito ninja. Eu vou dormir depois e sonhar meu próprio sonho”. Esta resposta, superficialmente interpretada como uma mera teimosia, na verdade esconde a reivindicação de Naruto pelo direito de ser ele mesmo e decidir por si o que considera certo ou errado, mesma atitude de Sasuke em relação ao irmão. É a completa negação da ética extremista e a corajosa afirmação do ontológico sobre o moral. Ele não se importa de sofrer e de viver num mundo terrível, porque esta vida é dele e é única, ela não se repetirá e ele deve ser livre para vivê-la e julgar a seu modo, não ao modo de uma ética universal, por mais correta que ela seja. “Você só pode ser você mesmo”, diz ele a Obito, repetindo a lição de Itachi a Kabuto. Quando há uma chance de matar Obito, Sasuke corre em direção a ele e é impedido por Kakashi e Minato. A vontade deles de fazer Obito mudar de idéia chega a ser imoral, já que ele mata milhares de ninjas e pessoas inocentes na guerra que iniciou e ainda é uma ameaça, algo que faz de Sasuke o personagem mais ético aqui, e não Naruto, com sua inabilidade em perceber que matar Obito para salvar milhões de vidas, inclusive a sua própria, é muito mais correto que tentar mudá-lo depois de tantos anos de psicopatia. O que era pra ser uma qualidade moral de Naruto vira piada, reforçada na cena de Gaiden em que ele, já hokage, resolve levar os jovens que ameaçam Konoha para um orfanato. Já está provado que reeducar infratores é mais eficaz em mantê-los afastados do crime do que puni-los rigorosamente ou aplicar pena de morte, mas não é do dia pra noite que se faz isso. A postura de Naruto é ingênua e irresponsável e apenas facilita a ação dos criminosos ao invés de fazê-los refletir sobre o que fazem, afinal, até agora a estratégia para tal mudança não foi mostrada. Mesmo quando luta até a morte contra Sasuke para tentar convencê-lo de que ele não quer desistir do amigo, não há nenhum desenvolvimento psicológico que explique o verdadeiro antídoto do ódio. Sabemos ele ser o amor, mas onde ele está

se Sasuke vai embora de Konoha de novo e Naruto o deixa ir? Um entendimento alcançado apenas pela violência suicida reafirma a ideologia da violência e da competição, e não o oposto, que é o que o talk-no-jutsu de Naruto simboliza. Não é espancando o amigo até a morte que ele vai fazê-lo entender sua vontade de ajudá-lo a superar seus traumas. E no entanto, é essa a mensagem passada no final: a violência resolve, sim. Não era o oposto que Naruto defendia? Ironicamente, Naruto confirma a filosofia que sempre o oprimiu e prova que Sasuke está certo em achar que a única maneira de revolucionar o sistema é arrancando-o pela raiz e destruindo-o completamente. O único final aceitável era Naruto partir de Konoha junto com Sasuke, ou eles se tornarem hokages juntos, corrigindo os erros das gerações anteriores de pares de opostos. Quando o roteiro finalmente parecia melhorar, surge um novo vilão forçado: revela-se que o zetsu negro era na verdade uma entidade também filha de Kaguya - o irmão sem nome de Hagoromo? - que queria ressuscitar a mãe desde antes da luta entre os uchiha e os senju começar. Ele diz que forçou Indra, o invejoso irmão mais velho de Ashura, a lutar com ele(o que tira toda a graça da rivalidade e dá poder demais a estes vilões de última hora, e faz os poderosos mocinhos manipulados parecerem marionetes sem força de vontade) e alterou as inscrições da pedra dos Uchiha, aquela que dizia que o irmão mais novo servia apenas para substituir os olhos do mais velho quando ele ficasse cego. Isso torna fútil toda a luta de Itachi contra a ideologia doentia de seus pais e é um recurso utilizado demais por Kishimoto, tirando sua credibilidade. E fica pior: Kishi chega ao ponto de inventar que na verdade quem planejou a morte de Rin foi Madara para fazer Obito enlouquecer e se juntar a ele, uma forçada de barra desnecessária já que as motivações de Madara e Obito já estavam definidas. O que serve de consolo em seguida é Naruto usar o jutsu de harém reverso em Kaguya para tentar distraí-la momentaneamente. O cômico é ele discutir isso seriamente com Sasuke antes da cena e ainda dizer “eu tenho praticado esse jutsu em se-

gredo mais do que o rasengan!”, o que fez as fãs de yaoi dançarem de alegria. Isso confirma não só a insistência de Kishimoto em colocar em seus trabalhos um fanservice que não sirva apenas pra o público masculino(já que ele inclusive brigou com os editores para incluir o gay jutsu do Konohamaru na história) bem como aumenta a suspeita sobre a real sexualidade do protagonista. Na última luta, eles entram de novo naquele ambiente branco que Kishi usa para metaforizar uma conversa deles em outra dimensão, ou seja, o tal “entendimento através dos punhos”. Sasuke diz “pare com isso, nós não somos mais crianças. Eu sei o que você está fazendo. E você entende o que estou fazendo... não é, Naruto?”, fala que inicia um diálogo enigmático entre os dois, se não o interpretarmos mais profundamente. A legenda desta página diz “a mensagem chegou até eles e eles entenderam, mas ainda assim...!”, sugerindo que eles aceitam a visão um do outro, mas algo ainda os impede de entrar num acordo. Naruto entendeu que Sasuke sofreu demais pelo amor que sente pela família, a ponto de nunca mais querer algo parecido; e Sasuke entende que é justamente um sentimento como esse que o faz querer impedir Sasuke de ficar sozinho... então por que eles ainda lutam? Se a luta deles era pra ser a confirmação da vitória do “jeito Naruto de ser ninja”, ela tinha que ter sido um emocionante e longo talk-no-jutsu, e não os mesmos golpes de sempre. No capítulo seguinte a legenda diz, como em muitas ilustrações de abertura ao longo do mangá, “batalha: um conflito de amor e poder”. Naruto pergunta “então mesmo sabendo tudo, você ainda quer me matar?”, ao que Sasuke, repetitivo, diz “mas é exatamente por isso. Eu preciso te matar”. Naruto insiste que não quer deixá-lo carregar o fardo de ser hokage sozinho, e que não o ataca pra valer porque de fato não quer matá-lo. Ele faz o kage bushin no jutsu e Sasuke o provoca: “esta técnica é a imagem perfeita da sua solidão”, sugerindo que o Naruto que quer ser reconhecido por todos e que é admirado e rodeado de amigos é uma máscara. Naruto diz “eu quero te derrotar do jeito certo... mas não como você

Ao lado, Naruto provoca Sasuke: assim como o corpo dele mexeu sozinho para salvá-lo de Haku, o de Naruto se mexe sozinho para salvar Sakura e Kakashi. Esta parece triste ao notar que não participa do conteúdo da conversa dos dois, algo bem sugestivo por parte do autor. Se Naruto quis dizer que sente por ela o mesmo que ele sente por ele, a provocação se torna ainda mais forte. Abaixo, Sasuke não nega e Sakura agradece Naruto por lembrá-lo de que ainda tem sentimentos, embora ela saiba que não está incluída neles.

Abaixo, Sarada e Bolt são os únicos que mimetizam o olhar dos pais um para o outro, oficializando uma relação antes proibida.

Ao lado, Naruto finalmente justifica sua obsessão com Sasuke: “sempre que eu te via assim, carregando esses fardos e falando desse jeito, eu...sofria”. Ele fez o mesmo com todos os amigos e inimigos que conheceu, portanto pra isso ser um diferencial no caso de Sasuke, a resposta tinha que ser bem melhor. O diálogo entre eles na última luta foi repetitivo e não se aprofundou o suficiente para explicar por que eles estão dispostos a morrer lutando um contra o outro se preciso, apenas para não sofrerem sua influência(Sasuke) ou ter que lidar com sua perda(Naruto).

O final do mangá é dedicado aos pensamentos de Sasuke sobre o que Naruto representa pra ele. Ao contrário de Sakura, ele nunca o abandonou, não importasse o que acontecesse. Sasuke diz que assim como ele herdou os sentimentos do irmão, ele pode agora saber o que Naruto sente, suas esperanças e medos, algo que jamais acontecerá se ele simplesmente ir embora de novo. Subentende-se em Gaiden que ele parte de Konoha por 12 anos, volta para uma luta e parte de novo, relacionando-se à distância com Naruto apenas para assuntos políticos e militares.

está agora! Eu sei que você sabe disso, Sasuke!”. Se o tal jeito certo não é a repetitiva luta ninja até a morte, nem um debate político, afinal qual é? Após esgotarem seu chakra, eles partem pra uma luta corpo a corpo, e em um momento Naruto tropeça, sua expressão facial mostrando desconcentração e desespero, e Sasuke grita enquanto o ataca, visivelmente desequilibrado. A kyuubi prepara o que resta de energia e diz que vai desaparecer; e a cena posterior é provavelmente o segredo mais bem escondido por Kishimoto em sua obra. Enquanto a kyuubi some, Naruto pula e pensa “eu não desisto porque você era meu único amigo... é por isso”, e aparece o flashback dele dizendo à raposa “algum dia eu quero livrá-la de todo esse rancor”. É como se a kyuubi fosse literalmente Sasuke, vivendo em Naruto desde que ele nasceu, e desaparecendo nesta última luta, porque toda a inveja e ódio se transformaram em amor. Desde que Sasuke dissipou facilmente a kyuubi no reencontro deles no começo de Shippuden, e desde que Naruto disse aos colegas que só ele poderia enfrentar Sasuke, eu desconfiava que a kyuubi estava ligada a ele de alguma forma. As habilidades oculares dos Uchiha são capazes de controlar a raposa, ou seja, de controlar o rancor e usá-lo como poder ninja. O rancor que Naruto quer eliminar de Sasuke é o mesmo rancor dentro de si mesmo e da kyuubi, mas para isso a ligação deles tinha que ter a mesma intensidade. O fato de Naruto dizer “você era meu único amigo” mesmo depois de tantas pessoas o ajudarem é notável, indicando que desde antes de conversarem, eles se observavam e pensavam um no outro assim como a kyuubi fazia com Naruto. Se ele conseguiu domá-la, ele pode fazer o mesmo com a escuridão do Uchiha. Quando acordam, eles estão prestes a morrer de hemorragia, como diz Naruto, bastante tranquilo; ele não teme perder o amor, como Sasuke temia, porque está disposto a morrer com ele. “Você já deveria saber a esta altura”, diz ele quando Sasuke mais uma vez pergunta por que ele chega a tal ponto só pra tirá-lo de um caminho ruim. Naruto responde que não sabe explicar direito, mas que quando ele via Sasuke sofren-

do, ele sentia dor. Tanta dor que ele queria apenas não deixá-lo sozinho(nenhum diálogo hétero chega aos pés disso na obra). E nisso Sasuke se lembra do que sentia por ele desde pequeno, que é exatamente o que Naruto sentia; o interessante é que se considerarmos aquelas cenas entre eles no espaço branco como cenas de uma dimensão alternativa, tudo o que vemos sobre a infância deles não é revelado um ao outro, como se tivéssemos acesso aos pensamentos dos personagens. Então embora não revelem um ao outro o que sentiam, eles “se entendem por dentro”. O belo final da luta é Sasuke desejando morrer e Naruto dizendo que precisa da ajuda dele além dos outros ninjas, ao que ele responde “eu te aceito, mas não aceito mais ninguém”, e outro diz que vai socá-lo de novo... mas que acha que Sasuke não vai mais puxar briga com ele. “Como você sabe?”, e Naruto diz “ainda não entendeu? Bom, você sempre foi excepcional, excepcionalmente burro!”, e Sasuke finalmente chora e o chama de usuratonkachi enquanto o sangue escorrendo dos braços deles se mistura formando um coração - ok, essa parte é interpretação minha... A abertura do capítulo 699 diz “a longa estrada atrasada para o entrelaçar das almas deles começa agora” - e depois acham que é exagero ter intepretação gay neste mangá... No começo do Gaiden após o fim do mangá oficial, vemos a filha de Sasuke, Sarada, com exatamente a mesma pose e cabelos dele ao lado de Bolt, o filho de Naruto. O fato de Kishimoto reproduzir a relação de Sasuke e Naruto em um casal hétero mostra que a tal irmandade entre eles realmente não era no sentido fraterno. Infelizmente os filhos dos personagens acabam se tornando clones dos pais, de forma forçada, já que na vida real os filhotes de seres humanos não herdam características genéticas de forma tão fixa como em outras espécies, como cães, por exemplo. Enfim, Sarada é definitivamente a melhor personagem de Gaiden: ela questiona o fato de Sakura não saber nada sobre seu pai e a ausência dele desde que ela nasceu, o que é mais uma prova que Kishi presta atenção em seus fãs: se tem um casal que foi criticado e era pouco querido

era SasuSaku, e até o fim ele não consegue torná-lo convincente. Quando encontra um porta-retratos quebrado com a foto de seus pais e ela, Sarada percebe que a foto do pai era originalmente com seu time - Juugo, Karin e Suigetsu - e não com Sakura, o que é no mínimo bizarro - o cara aceita tirar foto com seu time, com o qual dizia ter uma relação de puro interesse, para não aceitar tirar uma foto com a mãe de sua filha? Sarada também percebe a ausência de Naruto na vida de Bolt e se identifica com ele, criticando sua postura submissa em querer chamar a atenção do pai com traquinagens. Infelizmente, como tudo o que faz, Kishimoto levanta um problema válido para em seguida suprimi-lo de novo. No fim, Sasuke encontra Sarada enquanto persegue alguns inimigos(e inclusive não a reconhece, a ponto de tentar matá-la!!), não explica nada, lhe dá um rápido abraço e vai embora de novo. Sakura olha pra ele esperando um beijo, como um cachorrinho, e ele a ignora. É assustador que um casal com uma relação nojenta dessas seja considerado bonitinho. Prosseguindo, o vilão besta da vez diz que seus clones-filhos são úteis como substitutos de carne, exatamente o que estava escrito na pedra Uchiha sobre os irmãos, e também o que parecem ser para Konoha os filhos de seus soldados: soldados substitutos, com habilidades e comportamentos parecidos com os dos pais. Isso lembra as análises de grandes filósofos sobre a mitologia antiga e a política. Como bem explica Carla Rodrigues, doutora em Filosofia pela PUC Rio, Em Hegel, observa Butler, a função social da família é fornecer bons soldados para a guerra, o que criaria uma relação de interdependência que o filósofo ignora ao propor a separação radical entre Estado e parentesco, a partir da tragédia que opõe os interesses de Creonte e Antígona. Essa ligação família/Estado ainda se manteria no contexto atual, no qual não há, ao menos nos países ocidentais, instituição familiar que não passe pela lei do Estado. Na história de Antígona, filha do incesto entre Édipo e sua própria mãe, a jo-

vem se recusa a deixar o corpo do irmão traidor Polinices, morto na guerra, apodrecer ao sol, como ordena o rei Creonte. Ela se levanta contra a lei dita universal do Estado, representando uma lei do singular, a lei do ontológico, ou seja, ela coloca seu amor pelo irmão acima da lei e denuncia o caráter particular da mesma, a impossibilidade de qualquer lei ser universal, já que é sempre fundada num contexto e em oposição ao que é considerado fora-da-lei naquele momento e por aquelas pessoas. Interessante notar como é essa a grande questão de Naruto: ele(e Itachi) coloca o amor exagerado por um suposto irmão acima das leis, desafiando Estados em meio a guerras, fazendo o que Creonte(e nosso Estado até hoje) considera corrupto, ou seja, colocar o amor por um conhecido acima dos interesses do Estado; é para não fazer isso que Hashirama é obrigado a matar Madara, que representa Antígona neste momento, ao lhe dizer que “ele está colocando a carroça na frente do cavalo”, entre outras metáforas que invalidam a ética de seu governo: O que faz Antígona ser condenada é ela não ser capaz de abrir mão do amor pelo irmão, revogando, assim, a proibição do incesto que articula estrutura de parentesco e entrada no campo do simbólico(...) se o tabu do incesto organizou a heterossexualidade normativa, o desejo mortal de Antígona pelo irmão poderia desorganizá-la? (...)Retomo a observação de Butler: todas as leituras da peça ignoram o desejo de Antígona pelo irmão, que representa uma ameaça simultaneamente às leis do Estado e às leis do parentesco. A partir de Butler, proponho pensar que arranjos homossexuais ameaçam simultaneamente as leis do Estado e as leis do parentesco, por não estarem submetidos a uma estrutura familiar regida pelo tabu do incesto, e com isso, superarem o elemento fundante da heterossexualidade normativa. (...)Segundo Rubin, na estrutura de parentesco tal qual pensada por Lévi-Strauss, o gênero não se estabelece apenas para uma identidade, mas também para a orientação do desejo sexual, que é sempre dirigido ao sexo oposto. Com esse argumento, ela afirma que a opressão das mulheres - submetidas ao sistema de trocas exogâmicas - e a opressão dos homossexuais -

Ao lado, destaques da aguardada última luta: Naruto repara que Sasuke escolheu o local devido ao que significava para os dois, invalidando seu modelo de hokage sem sentimentos. Abaixo, Sasuke diz não estar fazendo o mesmo de antes, porque eles não são mais crianças. Eles entendem suas motivações, ideologias e tudo mais, mas ainda assim não podem coexistir. Um motivo tão forte precisa ser explicado, e se não foi, só pode ser tabu. Um tabu que lhes custa a vida e eles a entregam sem medo.

Abaixo, o diálogo entre os rivais protagonistas é enigmático e repetitivo. Que luta ideal é essa que Naruto quer e que Sasuke sabe qual é?

Acima, a complementaridade de Sasuke e Naruto como Sol e Lua e Uzumaki/Senju e Uchiha. Abaixo, a última cena oficial do mangá para muitos fãs: Sasuke chora e volta a chamá-lo pelo apelido carinhoso de quando eram mais novos. O sangue deles se mistura, o que simbolicamente é eles só conseguirem se darem as mãos brigando, mas estarem sempre juntos abstrata e fisicamente.

cujo desejo pelo mesmo sexo deve ser reprimido em prol da ordem das estruturas - derivam do mesmo sistema de parentesco. (...)Em nome da sustentação da família normativa, tem sido necessário patologizar outros arranjos, o que se pode ler em muitos dos discursos “em defesa da família”. Ora, não é justamente a destruição do sistema ninja, cada um a seu modo, que querem Naruto e Sasuke? E não é através da afirmação de um amor que arrisca a morte que eles exemplificam suas crenças? Não é pela decepção com os casais do final da obra que os fãs identificam o machismo, a homofobia e a contradição? Por trás da popularidade das obras de entretenimento, é possível descobrirmos questões mais profundas e entender seu fascínio. Sakura diz ao vilão de Gaiden que o importante não são os genes, mas a criação, o amor, a relação entre pais e filhos e as pessoas em geral, o que parecia caminhar para a revelação de que Sarada na verdade era filha de Karin. De qualquer forma essa explicação exclui Sasuke como pai da menina(“a relação entre pais e filhos tem que ser mais do que a passagem de genes!”, que é o que ele fez) e contradiz o comportamento submisso de Sakura em relação a ele. Se pudesse ser mais ousado, Kishimoto iria além nesta questão: se o que importa é a relação, por que todo casal deve ser hétero e todo filho deve ser biológico? O vilão Shin lança a teoria do famoso biólogo Richard Dawkins, que em seu livro O gene egoísta revolucionou a filosofia da ciência: os verdadeiros seres vivos são os genes, sobrevivendo de corpo em corpo descartável e dividindo-se em células sexuais para resistir a ambientes inóspitos, para criar outro corpo de células somáticas e assim por diante. Em defesa de Kishimoto, podemos dizer que ele sempre inventa um questionamento profundo em seus vilões, mesmo sob pressão. Mas muitas coisas ainda ficam sem sentido: por exemplo, Sasuke e Naruto vão até o esconderijo de Orochimaru buscar informações sobre os novos vilões e mesmo sabendo que quem os fez, de forma imoral, foi a serpente, e mesmo que antes Naruto o odiasse profundamente, eles simplesmente o deixam lá vivo e saem

andando para consertar seus erros. O grande vilão, responsável pela morte de tantas pessoas e por tanto sofrimento, é tratado como um colega, e seus meios para continuar criando monstros são deixados livres. Não é a toa que muitos fãs chamam os personagens em Gaiden de OOC, ou seja, Out Of Character; eles não agem de acordo com suas índoles originais. O ponto positivo de Gaiden, além do questionamento de Sarada, é ela ser uma personagem feminina respeitável, e quem parte para a aventura é ela e sua melhor amiga, Chouchou, que é o oposto de uma personagem feminina apelativa: ela é negra, gorda, confiante e divertida. E o clima SasuNaru se mantém mesmo com os casamentos e filhos: quando Sarada traz a marmita que Bolt ia entregar ao pai, feita por Hinata, Naruto se lembra de quando Sasuke lhe deu comida no exame genin, e não da esposa. E quando ele conta sobre suas suspeitas sobre estes novos inimigos em uma reunião de kages anterior, Naruto diz que vai com ele, ao que Sasuke interrompe dizendo “você cuida da vila, eu cuido disso; não era isso que você queria?”, num tom que beira a provocação e deixa Naruto refletindo enquanto o olha. No final, quando Sarada pergunta como Sasuke sabe que está conectado a Sakura, ele diz “porque temos você”, o que soa como um motivo bem triste pra manter um casamento à distância... Um texto postado numa comunidade do facebook sobre Naruto fala de uma suposta entrevista com um assistente de Kishimoto, que explica o exagero da relação dos rivais protagonistas: For the NaruSasu fans (I guess) ! ‘’Q: Do you think the homo subtext in Naruto is intended by Kishimoto or not? Does he enjoy writing it or does he accidentally write it? Does he really think those are simply brothers or just friends? Or maybe does he want to bait yaoi fans? I’ve heard manga in Shonen Jump in these days are trying to attract yaoi fans, i dunno. A: Definitely unintentional. He has no idea what homo subtext even is. (And let’s not forget the biggest homo, Madara)

Jokes aside, what weirdens me is how much Kishimoto fanservices Sasuke. Sasuke’s like 15-17 in the series but always gets into questionable situations with other males and walks around in a fanservice shirt for no reason. Usually in Shonen the female lead is the one who gets the major fanservice burden (look Nami in One Piece or Lucy in Fairytail) but not in Naruto, Kishimoto is even praised for not fanservicing his young females. In my honest opinion, it’s because Kishimoto simply doesn’t really care about his female characters, that’s also why they are badly written or irrelevant to the plot. He even admits he doesn’t know what to do with his female characters. Or maybe he just really enjoys drawing young, adolescent male bodies. And the Sasuke/ Sai scene is proof he knows about yaoi fans, Sakura even gets to be one herself. By the way Kishimoto is a fan of Togashi who does have some homo in his works. The typical ‘yaoi fanservice’ in popular shonen (or otherwise) series is mostly jokes and two male characters getting into awkward situations which are played off as jokes. With Naruto and Sasuke, Kishimoto kinda took it way too far, because their moments with each other are always so serious and angsty if we don’t count their fluffy tsundere relationship in part 1. And they are so very obsessed with each other, everyone even points out to Naruto how obsessed he is with Sasuke. The thing is, brothers and friends do not long for each other or obsess over each other like this. Kishimoto awknowledges the relationship went overboard and they came off as lunatics. In the end it turned so bad for Sasuke that he thought he would be completely alone if Naruto died. Whether Kishimoto legitimately enjoys it (lol) is a bit… well, he did fought for years that he could get the reverse harem no jutsu in the manga haha. Who the fuck fights over yaoi fanservice ? If it was worth putting up a fight then it must be important to him lol just saying. Aaaand it kinda tells a lot that they keep milking the yaoi fans with more and more Naruto/Sasuke merchandise. Can’t lose a big audience. Ahaha I hope this helped at least a little bit.’’ - Anonymous and piipuli

Embora muito criticado por ecos de machismo em seu trabalho, Kishi se recusa a exagerar no fanservice para o público masculino. Mesmo o fato de Hinata ter seios grandes quando crescida não foi explorado por ele, e nenhuma de suas personagens é mais valorizada pelo corpo do que pelas ações. A proporção anatômica é respeitada, o que é raro em shonens: geralmente as meninas são distorcidas para parecer ter cintura mais fina, seios e nádegas maiores e membros mais longos. Mesmo o sexy no jutsu de Naruto é até inocente comparado com o que é feito em outras obras. Talvez por isso e pela tensão incomum entre seus protagonistas masculinos, ele tenha fãs do sexo feminino mais expressivas, senão mais numerosas, que outros shonens de sucesso da mesma época. Dentre as personagens femininas, Tsunade parece ser a mais respeitável. Como não amar a cena em que ela ignora completamente o irritante Konohamaru para pegar um livro na sala em que ele se trancou com várias armadilhas, por achar que ela não deve tomar o lugar do avô? Ela é apresentada como uma bela mulher que não tem medo de apostar altas somas de dinheiro, embora sempre perca - é a única mulher da série que tem um vício, como os homens - e se recusa a envelhecer não por medo de perder o olhar masculino, já que é solteira e vive com uma serviçal, mas por medo de perder sua força. Ela se aproxima do ex-amigo Orochi neste quesito, e compartilha com ele do desprezo por algumas tradições de Konoha. Quando Jiraya pede para que ela seja hokage no lugar do terceiro, ela zomba deste estúpido sonho de meninos, dizendo que ser hokage é um saco e apenas um imbecil iria querer isso. Naruto fica furioso, claro, por ser um moleque, e perde dela facilmente - e ele não repara que Jiraya também não está afim de ser hokage, já que veio chamar a colega. Durante a maior parte de Shippuden, Tsunade é uma excelente hokage, superando todo o tratamento que as outras personagens femininas da série tomam, a ponto de parecer em alguns momentos que quem vai virar hokage é sua discípula, Sakura, e não os meninos, ocupados demais um

Acima, desabafo de fãs japoneses sobre o final e uma imagem promocional do filme Boruto coloca Naruto e Sasuke se olhando, digamos, carinhosamente e seus filhos abaixo deles, sugerindo um casal. A relação ser a mesma despertou em alguns fãs a sensação de homofobia por parte dos criadores e/ou patrocinadores da obra. Ao lado, belo fanart do usuário h-ikari no tumblr: http://hikari.tumblr.com/ post/114175798537

Ao lado, Sasuke diz “até que resolvamos de uma vez as coisas entre nós”... sendo que o fim do mangá era pra ter sido a resolução. Abaixo, a relação entre a kyuubi e Sasuke.

Abaixo, Sarada suspeita não ser filha de Sakura. Ao lado, Sasuke diz estar ligado a Sakura “porque eles têm uma filha”... Ou seja, se ela fosse infértil ou homem, eles não se amariam?

com o outro. Mas seria pedir demais de um shonen que tamanha subversão ocorresse, então não só Sakura ao final se torna uma mera dona de casa, dando um exemplo lastimável às jovens fãs da série(como tem ocorrido na sociedade japonesa atual: tudo bem vocês trabalharem fora e superarem os homens, mulherada, desde que se casem e desistam da carreira para cuidar dos filhos), bem como Tsunade fica paralisada por um impossível medo de sangue(ela é a melhor médica do mundo ninja!) quando Orochi e Kabuto lutam contra ela e Jiraya. É compreensível que seja difícil para ela lutar contra um antigo amigo e continuar defendendo uma vila que lhe tirou um amado parente e o amor de sua vida, e que desde que este morreu em seus braços ela tenha trauma de sangue; mas mulheres menstruam todo mês e Tsunade já está bem madura para travar no meio de uma luta mortal. Assim, parece mais uma justificativa forçada do autor em limitar o poder feminino, para que, apesar de tudo, no fim, os personagens masculinos sejam mais fortes e a obra seja classificada como shonen, doutrinando seus leitores mirins a cumprir o papel esperado por seus sexos. É Tsunade quem diz a Gai o que ele precisa ouvir - que ele exagerou em deixar Lee chegar ao limite para ser forte, a ponto de sua única opção para sair da deficiência física ser uma cirurgia com 50% de chance de morte. Ao mesmo tempo que incentiva a busca cega de poder por Naruto, Kishimoto alerta que os que não conseguem não devem exagerar, embora a cirurgia de Lee tenha sucesso. A partir dela, ele nunca mais se arrisca tanto e conforma-se em ser forte do seu jeito, uma mensagem recorrente na obra. Ao prometer que vai morrer com o aluno se a cirurgia falhar, Gai assume sua culpa no processo e passa a mensagem positiva de que é melhor encarar nossos erros e apostar em nossos sonhos do que sobreviver sem propósito. Ele prefere morrer com o menino do que sobreviver com ele sentindo-se culpado e sem saber se a cirurgia poderia ter dado certo - não é uma decisão fácil para quem tem medo de errar. Enfim, Naruto mereceu o longo sucesso, mas infelizmente não tem mais como

manter o respeito dos fãs mais atentos e devotos. Com um material extra apenas pelo lucro e a traição do próprio roteiro a ponto de evidenciar a censura, resta à obra manter seu fascínio no material produzido por fãs. A animação do Sasuke Shinden trouxe algumas boas surpresas, como Orochi dando a real sobre a hipocrisia de Konoha em manter ele, Kabuto e Sasuke vivos para usar seus serviços sujos, mas isso não apaga o futuro incoerente e ingênuo da obra, nem a perigosa apologia ao nazi-fascismo evidenciada na reviravolta de Itachi e a xenofobia e eugenia de Tobirama, Danzo e Madara. O próprio Naruto se tornou um péssimo pai e sua tarefa burocrática de hokage parece ser toda coordenada por Shikamaru; o genocídio Uchiha continua oculto e mal justificado. A atitude misógina e homofóbica de muitos fãs de Hinata e SasuSaku também chamou a atenção na internet com o fim da obra e continua até hoje. Exemplos excelentes de contra-argumentação e denúncia crítica podem ser vistos nos tumblr de fuckishimoto e anti-endings. O recente sucesso estrondoso de Yuri On Ice, shounen-ai assumido que tem entre seus fãs patinadores de gelo profissionais de vários países, mostrou que Naruto perdeu um grande potencial de marketing por puro preconceito. O sucesso de YOI é grande demais para ser apenas por conta de fãs do gênero yaoi, shounen-ai ou BL. Em Naruto um final apenas sugestivo teria bastado - por exemplo, o mangá poderia ter se encerrado no capítulo 699 com Naruto e Sasuke viajando juntos, deixando a interpretação do relacionamento deles para o leitor e sem entrar em guerras de shipping que apenas serviram para prolongar um roteiro já desgastado(como dizem em todo novo lançamento de Naruto na internet, “they’re gonna milk this cow dry” - “eles vão ordenhar até secar a vaca”, em inglês). Este final simples era o mais esperado e coerente, a ponto do próprio autor admitir que deixou a produtora assumir a partir dali, para satisfazer uma pequena parte do fandom que ainda se submete a gastar dinheiro com a franquia, mesmo perdendo feio para One Piece, por exemplo. Enfim, que a lição tenha sido aprendida.

Textos de destaque no tumblr taryn-nicole: (...) Sakura está sempre agoniada com o fato de não ser boa o suficiente, não fazer o suficiente, não ter sido popular, não ter auto-confiança(...) Sasuke é seu exato oposto, e alguém que a torna especial por ser escolhida por ele(...) O problema é justamente os shippers e o final da série a retratarem da mesma forma que torna o comportamento dela problemático. Os fãs sentem que ela seria a garota especial, a exceção quanto ao tratamento que Sasuke geralmente reserva às garotas, como se ela não fosse apenas mais uma de suas fãs, e o irritante é que é o exato oposto. Ela nunca se destacou pra ele(...) a relação dele seria exatamente a mesma se a esposa tivesse sido, por exemplo, a Ino. Vocês realmente acham que, se fosse outra garota qualquer no time, Sasuke não a teria protegido? Não a teria agradecido alguma gentileza? Não a teria deixado pra morrer depois? Não teria lhe matado num genjutsu para monopolizar Naruto? Por que é esta a grande questão: não podemos falar o mesmo de Naruto. Sasuke jamais teria feito por Shikamaru, Chouji ou qualquer outro o que fez por ele e vice-versa. E o mangá me provou isso. Me provou com todo o desenvolvimento, todo o destaque da relação entre os dois(...) Sakura era apenas a mulher mais próxima de Sasuke, disposta a se entregar a ele e sem nenhuma expectativa e nenhuma exigência, o que torna o par ainda pior(...) Isso destruiu a personalidade dela e seu potencial, tendo uma filha que se sente desprezada pelo pai e limpando a casa contentando-se com o marido que aparece a cada 10 anos para lhe dirigir o olhar, e tá tudo bem porque qualquer porcaria do Sasuke-kun é o suficiente. Eu nem gosto dessa personagem, e quem se diz fã dela aprovar uma merda dessas é bastante sem coração.

lher ou vice-versa, todos concordam que sim e que o casal seria indisputável. Muitos justificam o amor entre Naruto e Hinata como fruto de sua amizade, mas se fosse essa a razão, o par dele teria que ser Sasuke. Eu recebo as mesmas respostas que tenho quando a minha etnia é considerada(...) Em relação a Sakura, eu não gostava dela no começo por ser obcecada por garotos e sacrificar a amizade com Ino por causa de um deles. Então eu a vi amadurecer e se transformar numa menina forte cujo ideal não era mais apenas um homem que nunca a quis. Eu comecei a me inspirar nela(...) o meu eu pequenino precisava saber que nem toda relação com o sexo oposto precisa ser romântica ou sofrida. O meu pequeno eu precisava saber que tudo bem ser rejeitada e continuar sendo amiga. O meu pequeno eu precisava saber que merecia mais do que um cara que me tratasse como um mero aborrecimento. Eu acho que é responsabilidade do grupo dominante ajudar e ouvir o grupo oprimido. Eu nunca vou conseguir falar pela comunidade gay, mas posso simpatizar, e espero ter um lugar no fandom SasuNaruSasu.

fourangers: O encerramento 38 do anime foi lançado em julho, mês em que começa o festival Tanabata, também conhecido como Festival das Estrelas, no Japão. No encerramento, a música fala sobre nomear uma estrela com um nome, e aquela logo ao lado com o nome da pessoa amada, enquanto Sasuke e Naruto caminham por uma ponte de balões de vela até se encontrarem no amanhecer e sorrirem um para o outro. O interessante é que a história do festival é sobre Orihime e Hikoboshi, que se apaixonaram à primeira vista. Como eles se distraíam de seus deveres por conta disso, o pai da moça os separou, colocando toda a via láctea entre eles, de forma que ela só podia encontrar o marido uma vez ao ano. No primeiro reencontro, no entanto, eles descobriram que não havia ponte para se alcançarem, e Orihime chorou tanto que um bando de aves prometeu fazer uma ponte com suas asas. No festival, as velas representam as aves, que se juntam no rio para que os amantes se encontrem...

professor-inssani: (...) Se Naruto fosse apenas sobre ninjas, eu não o teria acompanhado por tanto tempo. Eu leio mais pela entrelinha gay, porque eu sou gay. Eu até acho que o Kishi é gay ou bi, porque esse mangá é shounen-ai(...) Pra começar, o tema central do mangá é a ligação. Uma ligação que não é fraternal, eu e qualquer pessoa que tenha um irmão sabe muito bem disso. Vocês héteros já devem estar surtando, mas ouça-me: vocês não têm idéia de como é perceber que você é gay conforme cresce e se aceitar como gay. É basicamente depressão, medo dos seus pais descobrirem, amigos se afastando, pressão social e pessoas sendo ruins com você o tempo todo. Nem sempre há “sinais óbvios”. Na vida de cada pessoa gay, há alguém que nos faz ter certeza, geralmente um amigo. Não falo de apenas fazer sexo, falo de um amor perigoso. Faz você querer seguir a pessoa até o fim do mundo. Você faz de tudo pra vê-la sorrir. A felicidade dessa pessoa é seu objetivo de vida. Soa familiar? Eu acho que o Kishi pode ter tido esse protótipo que o fez criar Sasuke e como Naruto ele se arrependeu de segui-lo. Eu fiz a mesmíssima coisa. É ainda mais assustador que quem você ama possa te rejeitar quando você é gay. É por isso que Naruto nunca desiste; é porque ele já desistiu uma vez e não quer se arrepender nunca mais. No capítulo final, eles estariam segurando as mãos se seus braços estivessem ali. Sasuke ficou surpreso com o quão longe Naruto foi por ele, porque amizade tem limites, mas o amor não(...) Se você tem um problema em ver personagens como potencialmente gays, você é homofóbico e eu como gay não estou nem aí pra isso. Se minha teoria estiver certa, Naruto é o shounen-ai mais lido por garotos héteros na História.

sasunaru-topia: Vamos lá: eu sou heterossexual. Eu sou cisgênero(...) Meu sonho era ver Sasuke e Naruto juntos desde que eu tinha 9 anos(...) Quando pergunto se Sasuke estaria com Naruto se ele fosse mu-

jyuu-chan: Agora eu entendi por que o Gaara chora antes de lutar com o Sasuke. Isso nunca fez sentido pra mim, tipo por que ele se importaria tanto? Mas agora vejo que o Gaara deve achar impossível estar na

Esta postagem do usuário do tumblr janifuu mostra uma entrevista em que Masashi Kishimoto admite que quem definiu o roteiro do filme The Last foi o Studio Pierrot e que ele nunca teve muita “devoção” em relação ao casal NaruHina. Foi um balde de água fria para os fãs que argumentavam que o casal devia ser respeitado porque fora o que o autor escolheu. Os interesses comerciais envolvidos no entretenimento midiático de qualquer país infelizmente podem influenciar e deturpar a obra original.

Na época do fim do mangá e do lançamento do filme The Last, a renomada dubladora de Naruto, Junko Takeuchi, se recusou a falar os trechos em que ele interagia romanticamente com Hinata. Pouco tempo depois ela e o dublador de Sasuke, Noriaki Sugiyama, aceitaram dublar um CD de shounen ai baseado em uma fanfiction SasuNaru. A semelhança dos personagens e seu simbolismo de “outono versus primavera” assim como “sol versus lua” provam que o fandom yaoi é suficiente pra gerar lucro, e também que os dubladores oficiais simpatizam com ele.

Acima, na animação da luta final, Naruto e Sasuke fazem selos juntos “sem querer” quando suas mãos se esbarram(a trilha do último CD se chama “valsa da chama e do vento”). Ao lado, Sasuke ignora o colete de Sakura, mas retorna o de Naruto enquanto falam sobre Bolt se parecer com os dois.

Ao lado, uma cena é adicionada ao anime na última luta: Sasuke diz que Naruto e ele são irmãos no sentido de serem rejeitados por Konoha, mas Naruto nega e sai correndo. O que seriam então? Abaixo, em um filler, Sasuke reclama que Naruto o deixou sozinho e ficou mais forte, sendo que ele queria que treinassem juntos.

escuridão quando se tem o Naruto ao seu lado, ou lutando por você. E aí o Gaara olha pro Sasuke e percebe que a dor dele deve ser inimaginável, porque a luz do Naruto mal consegue tocá-la. narutoandchill: E aí o Gaara conclui que talvez ele tenha que deter o Sasuke, pode ser muito tarde pra salvá-lo e ele vai ter que encarar o Naruto se matá-lo! kawaikouha-chan: (...) Depois do capítulo 693 meus sentimentos neutros pelo Kakashi desabaram. Ele é um hipócrita, assim como a Sakura. Ele teve a pachorra de criticar o Sasuke por não corresponder a uma paixonite sem valor, quando ele mesmo ignorou os sentimentos da Rin. E aí ele se acha no direito de exilar o Sasuke da vila, que diabos. E o fato dele dar lição de moral nele sobre vingança quando era perfeitamente justificável, pra depois apoiar a vingancinha do Shikamaru? fucknonarutoending-blog: (...) Se você assistir qualquer seriado, a maioria dos personagens homens vai ter uma ligação mais profunda com seus companheiros homens do que com mulheres. Quando você coloca personagens de sexo oposto numa história, não é preciso muita interação entre eles pra que uma ligação romântica pareça plausível. Mas numa sociedade heterossexista, se você coloca dois personagens homens, é preciso desenvolver a relação um pouco mais. Infelizmente, a mídia atual se aproveita muito disso. Há poucos filmes em que uma personagem termine sem precisar de um homem que cuide dela, enquanto que a maioria dos filmes tem heróis homens que não precisam de uma parceira. A amizade masculina é apresentada como pronunciada e verdadeira, enquanto as personagens femininas são clichês com personalidades que não se diferenciam muito(...) Porque as mulheres estão lá pra entreter, enquanto que os homens estão lá pra interagir e progredir o roteiro(...) Naruto no entanto não é um bom exemplo disso. Nesta obra há evidente queer-baiting e queer-coding, embora os fãs tenham sido criados para enxergar a relação deles como platônica, simbólica e inocente. Mas olhem pra Hinata: ela ama Naruto, ela lhe diz isso, ela existe, ela é bonita. Fora isso ela termina com Naruto apenas porque os fãs completam o enorme buraco de interações entre eles. Vejam Sakura: ela diz amar Sasuke, e é a personagem feminina principal que não ficou com o protagonista. É só pareá-la com o que estiver do lado. Agora olhem pra Naruto e Sasuke: a relação deles deixa gritante o quão mal desenvolvida é qualquer relação hétero na série.(...) Até mesmo a amizade de Sakura não elimina a solidão que Naruto sente sem Sasuke, e sabemos que um herói dificilmente chega tão longe por uma mulher, quanto mais na vida real. Mesmo que eles fossem como irmãos ou amigos, a relação deles é maior que qualquer uma deste tipo, no mangá e em outras obras. O queer-baiting não é apenas por humor, é o tema central, solene. (...) Claro que a obra jamais acabaria oficialmente com

os dois juntos; os editores são homofóbicos, a maioria dos fãs nunca aceitaria. Seria tolerável Naruto terminar com Sakura, já que ao menos faria sentido quanto ao desenvolvimento dela.(...) Mas não há dúvida que o par mais realista dessa obra é Sasuke e Naruto. uchihanochidori: Concordo que Sasuke não recebeu o fim que merecia, mas por outro lado o Naruto acabou tendo seu perfeito final herói-clichê antes de se tornar uma pessoa horrível para com sua família, Sasuke e seus amigos em geral. Por isso que eu sempre considerei Naruto um hipócrita, já que ele conseguiu o que queria do Sasuke, cumpriu sua promessa com Sakura, foi reconhecido como herói pela vila que o desprezava e alimentou seu ego pra depois deixar prenderem o amigo e o deixar ir embora(...) As únicas pessoas que sabem a verdade sobre Itachi além dos dois são os conselheiros e Yamato. Seria mesmo complicado revelar isso enquanto Konoha ainda se recupera da guerra(...) Mas eu não sei se Sasuke mereceria tanto mais de Naruto, já que foi este que arriscou a vida por ele diversas vezes(...) Ainda assim concordo que a verdade sobre Itachi deveria ser revelada para que a história de Sasuke tivesse um encerramento, e para que ele não fosse apenas o outro lado da moeda de Naruto e de fato o objetivo do roteiro se realizasse, ou seja, a criação de um “novo modo ninja de ser”, “o fim do ciclo de ódio” e um governo que nunca mais precisasse fazer o que Konoha fez com os Uchiha(...) A impressão que fica é que a imagem dos Senju e de Konoha não poderia ser maculada para que Naruto pudesse ser o hokage, e isso tira toda sua nobreza. No fim o que Kakashi falou sobre shinobis serem ferramentas sem vontade e moral própria se manteve, invalidando toda a jornada excepcional de Naruto(...) sendo que os personagens que se destacaram, inclusive ele, foi justamente por não se conformarem às normas(...) No fim, uma obra tão longa ficou com pontas soltas devido a um fim apressado, e isso é muito triste pros fãs mais atentos. sasuke-prevails: E se o Sasuke tivesse morrido na batalha final? Mas Kishimoto não poderia fazer isso antes de fazê-lo admitir a derrota, sabe por quê? Porque a obra inteira foi sobre Sasuke ser forçado a aceitar Naruto como seu igual ou mesmo superior. Ele fez Sasuke ficar “do bem” na guerra, depois de perguntar aos antigos hokages sobre Itachi, mas precisou deixar ele “do mal” de novo pra que a luta final acontecesse e Naruto o “salvasse da escuridão”. Sasuke nunca falou em vingança durante a guerra. Ele fez perguntas e tomou a decisão certa(...) Sasuke não precisava fazer a revolução no fim da guerra. Já havia existido um inimigo comum que unificou as vilas e Naruto estaria ao lado dele para defendê-lo e reconstruir tudo. Eles eram os mais poderosos vivos. Os líderes já estavam cientes dos erros políticos do passado e que era preciso uma nova era(...) Ele nem é do tipo que mataria sem motivos. Como ele honraria o irmão que sofreu para manter a paz e salvá-lo, massacrado por um Estado cruel, tornando-se como ele?

Abaixo, fanart de acairo (http://www.pixiv.net/ member.php?id=975997). Um tema recorrente nos doujinshis e fanfics atuais de SasuNaru é a rejeição do final oficial, seja porque Sasuke e Naruto vão embora de Konoha juntos e depois voltam para governá-la, seja porque mesmo casados eles mantêm um romance secreto a la Brokeback Mountain. A melhor fanfic, a meu ver, que tenta consertar o final da obra é “From Which We’ll Rise”, de uchihanochidori no tumblr.

Acima, arte de Tosyoen (http://www.pixiv.net/ member.php?id=3247220) e abaixo, a arte de Min(http://www.pixiv.net/ member.php?id=758591

Acima à esquerda, dubladores americanos desejam que no fim Sasuke e Naruto fujam e constituam uma família. Acima à direita, fanart de snow124 no tumblr. Ao lado, Naruto veste um kimono(kamon) com símbolos Uchiha em uma capa da revista Shounen Jump.ijou opai; e ao lado, Sasuke não

Ao lado, Sasuke vê o sonho de Naruto e se comove com seu significado. Ao seu lado está a mãe de Naruto e ao lado deste, seu pai, mostrando a importância da posição do Uchiha. Abaixo, no encerramento Konoha Gakuen Den, Sasuke acidentalmente faz algo que faz Naruto puxar as calças?!

moonsuke: Claro que no final Orochimaru e Kabuto foram “perdoados”. Eles já foram estabelecidos como vilões, então eles não ameaçam o “status de mocinho” de Naruto e Konoha no final. Sasuke precisa ser punido porque ele ameaça esse status. Quer dizer, tudo que ele fez teve como motivação a própria vila ter ordenado o assassinato de sua família.(...) E os fãs de Naruto que acreditam nisso estão se fazemdo de idiotas. Se o Naruto chegou a tal ponto pra salvar Sasuke, por que ele não pode apenas dar uma ordem e impedir que ele fique preso? Isso dá a entender que ele só o trouxe de volta para seus propósitos egoístas. Ele não se importa de tê-lo por perto na vila, nem como amigo, e mesmo sabendo a verdade sobre o massacre(...) Acho bem distorcido o autor fazer Sasuke se sentir culpado e aceitar punições e fazer Naruto aceitar isso. truebond: (...) Hinata não se importou em como sua declaração e morte machucariam Naruto. Ela apenas quis fazê-lo porque morta não precisaria enfrentar a resposta dele e pareceria heróico mesmo Naruto tendo ordenado que ninguém interferisse na luta entre ele e Pein. E qual foi o resultado? O selo quebrou e Kurama foi solto, quase matando Naruto. Se o feitiço de Minato não existisse, Madara e Pein teriam conseguido invocar o Dez Caudas e o Tsukuyomi infinito teria sido implantado sem nenhuma guerra necessária. Hinata basicamente quase destruiu o mundo porque admitiu ser egoísta o suficiente pra morrer na frente de Naruto e se confessar sem olhar pra trás. uchihanochidori: (...) em Naruto Gaiden o protagonista diz a Sarada que sempre foi bonito, legal e poderoso, rival de Sasuke, completamente rejeitando quem ele realmente era como criança. O que realmente importa é a jornada dele para se tornar quem é hoje, como diz Sasuke a seu filho, fazendo algo que é papel de pai, mas não dele, e interagindo menos com a própria filha(...) Sasuke aceita quem ele foi, aceitando seu lado “ruim” porque foi isso que o tornou o que ele é; ele não se rejeita como Naruto faz, e no fim, parece então que o mais mentalmente instável não é o Uchiha(...) O Naruto hokage não é ele, é apenas quem ele acha que deve ser, uma pessoa que ele criou e que pode haver um termo médico pra isso, mostrando que ele é quem não se curou e vive numa fantasia. Ao lado, detalhe do quadro de Gavin Hamilton, “Aquiles lamentando a morte de Pátroclo”, de 1760

Extra: SasuNaru e Patrochilles, a tragédia do amor clássico Recentemente descobri o livro A canção de Aquiles, de Madeline Miller, e me apaixonei imediatamente. Não só porque eu já adorava a Ilíada de Homero, mas também pelo quanto a épica história de amor entre Aquiles e Pátroclo lembra a de Sasuke e Naruto, relação que me fez acompanhar um mangá que eu considero apenas mediano e ter o trabalho de fazer este fanzine. O livro de Madeline não é apenas para fãs de yaoi ou homens gays; ele foi premiado e reconhecido por críticos e especialistas de Homero como uma excelente releitura do romance entre Aquiles, o aristos achaion(o melhor dos aqueus), e Pátroclo, seu amigo de infância e amante, o mais nobre dos gregos. Suas cinzas foram juntadas na mesma urna e eles desejavam que seus ossos fossem sepultados juntos, e o aquileu preferia que todos os gregos morressem para que ele e seu philtatos(o mais amado) conquistassem Tróia sozinhos. As declarações de amor entre eles na Ilíada são explícitas, e ainda assim até pouco tempo atrás os historiadores consideravam que eles tinham sido apenas bons amigos ou irmãos de criação(familiar?). Alexandre, o Grande, e seu comandante Hefaísto se comparavam orgulhosamente ao casal grego, tendo escrito artigos sobre eles, visitado seu túmulo e sofrendo tragédia similar séculos depois. De acordo com Trajano Vieira, a Ilíada contém sedimentos de períodos diversos e muito distantes entre si. Segundo alguns autores, predominariam nela valores aristocráticos, baseados em virtudes competitivas, o que constitui curiosamente o clichê shounen. O sucesso é fixado por signos de distinção fundamentais no âmbito das chamadas “culturas da vergonha”, nas quais a opinião pública é preponderante, mas não debatida como na era da pólis democrática. Outros autores destacam as virtudes cooperativas; estamos diante de duas noções de sociedade: a heróica, cujo núcleo é a família e o reinado, e a urbana, cujo elemento central é a ágora(assembléia, praça, mercado). No entanto, assim como em Naruto, estes últimos valores estão ainda dormentes, não alterando os fundamentos do código heróico no plano narrativo. Se a guerra de Tróia tem como objetivo resgatar a honra de Menelau e Agamênon, ela se conclui para que o valor da “amizade” seja preservado. Em Naruto, não haveria roteiro sem a vingança de Sasuke, que nada mais é que uma busca por honra, e a resolução da história é a reconciliação dos rivais. Aquiles revelou desde pequeno ser o mais habilidoso, belo e forte dos gregos, e foi escolhido para comandar uma parte do enorme exército de Agamênon para resgatar Helena, esposa de Menelau, raptada por Páris, o príncipe troiano protegido pela deusa Afrodite. Pátroclo fora adotado pelo pai de Aquiles quando menino porque matou acidentalmente um rapaz que tentou roubá-lo e foi exilado pelo pai frio. Franzino e desastrado, ele admira o loiro Aquiles de longe, e um

Acima, piada sobre Naruto caindo para a morte num filme e pensando em Sasuke; ao lado, o belo doujinshi Adagio, do grupo Flash, traduzido por honey-vanilla, escaneado por jjongbumie e editado por dattru-sasu Abaixo, piada no tumblr sobre a maturidade emocional de Naruto no filme The Last; ao lado,capa do livro “A canção de Aquiles”, de Madeline Miller, feita pela usuária do tumblr aly-naith sobre foto da escultura de Daniel Arsham (http://aly-naith.tumblr.com/ post/147541641147/alternativebook-covers-the-song-ofachilles)

Acima, popularidade de Yuri On Ice no tumblr e a referência ao patinador assumidamente gay Johnny Weir. À esquerda, mais uma bela arte de snow124

Abaixo, arte da usuária do tumblr hidingmai; ao lado,montagem de um filme baseado no livro “A canção de Aquiles”, de Madeline Miller, feita pelo usuário do tumblr stannisbaratheon (http:// stannisbaratheon.tumblr.com/ post/78228821081/the-song-ofachilles-by-madeline-millerniels)

dia é convidado por este para tocar harpa com ele. Com o tempo eles viram melhores amigos e descobrem a paixão na puberdade. Ao ser considerado adulto Aquiles é convocado à guerra e Pátroclo o acompanha como servo. As cenas em que o moreno revela invejar o loiro são similares ao que Sasuke e Naruto revelam sentir desde pequenos um pelo outro, e o orgulho e crueldade com que Aquiles ignora as ordens de Agamênon e deixa seus soldados e escravas morrerem lembra muito a personalidade de Sasuke quando consumido pelo ódio a Danzo e Konoha. No livro que continua a história da Ilíada, a Odisséia, Pátroclo e Aquiles estão juntos após a morte, assim como Sasuke e Naruto no belo episódio 478 do anime. E enquanto Aquiles se relaciona e até parece se apaixonar por mulheres, Pátroclo é descrito como a sombra fiel do amigo, não sendo visto com ninguém do sexo oposto a não ser em ocasionais noitadas com o outro e se envolvendo com o exército apenas como médico. Na Antiguidade, ter filhos era desejável para aumentar as famílias guerreiras, de forma inclusive que o sexo com penetração era considerado ofensivo entre homens, pois o passivo estaria se colocando no lugar de uma mulher. Em uma de suas obras, Platão usa uma palavra nova para classificar o sentimento entre Aquiles e Pátroclo, colocando-o acima do eros(amor erótico) e da philia(amizade), como algo divino. Ele também discute qual deles seria o mais velho e ativo, confirmando que o machismo sobrevive ao heterossexismo. É apenas por causa de Pátroclo que o aqueu se torna herói(“assim é que, admirados ao extremo, os deuses excepcionalmente o honraram, porque em tanta estima tinha seu amado”, diz um dos versos), e Ésquilo também escreveu uma peça homenageando o amor entre os dois(Os Mirmidões). Na Antiguidade, a homossexualidade não era tida como identidade, mas uma prática, o que fazia da homofobia algo menos extremo. Miller dá um tom mais moderno ao retratar o medo de Pátroclo em ser “descoberto”, enriquecendo a história para o leitor gay atual. Ela também reforça uma analogia genial do destino do casal com a história que Fênix conta a Aquiles, quando implora que ele ajude contra os troianos e aceite os presentes e desculpas de Agamênon. Fênix criou o herói desde menino e pede que ele tenha piedade dos gregos, contando como Meleagro, melhor dos étolos, recusou-se a lutar contra os curates, preferindo a companhia da esposa. Quando os inimigos estão quase chegando a sua casa, seus amigos imploram que ele lute, ao que ele é indiferente, fazendo seus pais enlouquecerem e o renegarem. Mas quando sua esposa Cleópatra, finalmente comovida, pede que ele ajude os étolos, Meleagro o faz, embora tarde demais. Poucos sobrevivem e ele não tem nenhuma glória, apenas o rancor dos companheiros. Fênix pede que Aquiles não faça o mesmo, numa clara comparação entre Cleópatra e Pátroclo, que inclusive quase são escritos com as mesmas letras, confirmando que o servo é como uma rara esposa amada ao melhor dos aqueus. Em muitas cenas é Pátroclo quem serve a mesa, arruma a cama e

comanda servos na tenda de Aquiles quando ele recebe visitas, e quando a esposa de Héctor segura sua cabeça e chora, ela é descrita exatamente como Aquiles segurando a do amigo. O interessante é que no campo de batalha Pátroclo é descrito como tão assustador e habilidoso como Aquiles e quando chora de pena dos gregos ele é comparado a uma menina buscando a mãe, o que deixou os intelectuais gregos futuros confusos, já que a relação entre dois homens na época platônica tinha de ser “pederástica”, ou seja, um deles devia ser mais novo e delicado que o outro, enquanto que na Ilíada o amor entre os dois guerreiros é tido como igualitário e abarcando todos os papéis possíveis em uma família. Aquiles diz que lhe dói mais a morte de Pátroclo do que a de seu próprio pai ou do filho, algo que surpreende seus amigos e inimigos acrescentando elementos sobre-humanos à vida do herói. O trecho em que Aquiles recusa o pedido do rei e seus amigos é um dos mais belos e enigmáticos da Ilíada: ao mesmo tempo em que diz não superar a ofensa e a dor de ter tido sua “esposa” Briseida(embora fosse na verdade uma escrava de guerra) roubada por Agamênon, ele diz que prefere voltar a sua terra, Fítia, e ali escolher uma mulher indicada pelo pai, Peleu, para gozar de suas riquezas na tranquilidade, sem luxos. A mulher portanto é perfeitamente substituível na era clássica(até porque não era considerada cidadã; nem mesmo recebiam nomes próprios, sendo por exemplo Briseida a filha de Briseis; haviam exceções apenas com filhas de reis, deuses ou amazonas) e secundária a rivalidades e amizades masculinas, embora provoque às vezes rixas entre eles, nunca sendo consultadas, como Helena e Lyanna Stark, sua atual inspiração(Game of Thrones). O mesmo aconteceu com Sakura em muitos momentos de Naruto: aflita com a briga entre o protagonista e Sasuke, ela parece não querer ter de escolher entre os dois, mas sua vontade é sempre ignorada, a ponto dela ser deixada de lado nas batalhas e até humilhada em público(vide sua confissão a Naruto para que desistisse de Sasuke, e o modo com este a trata). Prosseguindo na cena, os amigos de Aquiles, partindo decepcionados para informar sua recusa ao rei, se espantam com seu orgulho e apego a Briseida, sendo que ela seria devolvida imaculada a ele por Agamênon. E logo em seguida narra-se que o anti-herói vai deitar-se com uma bela escrava, e a seu lado, Pátroclo, também com uma cativa sua, o que prova que o ódio de Aquiles não é apenas por outro homem possuir um prêmio de guerra seu, já que ele permite que o amigo o faça. Há um verdadeiro desprezo dele pelo rei, que por pirraça rouba sua moça, apenas pra mostrar que embora não o vença em força ou beleza, é rei, e portanto pode colocá-lo abaixo dele. Aquiles não se importa com cargos e glória, sendo um personagem bem menos simples que outros arquétipos clássicos, fiel apenas a si mesmo e perdendo a razão somente pelo amigo de infância, morto pelos deuses nas mãos de Héctor para forçar o loiro a cumprir seu destino de conquistar Tróia. Ele é descrito como o exato oposto de Páris, moço vaidoso e namoradeiro que rapta Helena e foge

dos maiores guerreiros, provocando tanto sofrimento por um capricho; mas ao mesmo tempo, eles são iguais, já que é por um amor obsessivo e orgulho egoísta que deixam os amigos morrerem e tantos inocentes sofrerem. No fim, todos os personagens da Ilíada sucumbem por seus próprios defeitos, exceto Pátroclo, mostrando que a moral da obra é exaltar o amor que não exclui o coletivo e a honra para existir. Se fizermos a analogia com Naruto, este quase traiu Konoha para proteger Sasuke, arriscando a vida dos amigos, assim como fez Aquiles para não trair os próprios valores. Mas assim que Pátroclo morre, ele o coloca acima de seu orgulho e princípios e ajuda o exército de Agamênon, assim como faz Sasuke ao se convencer em colocar a piedade e a compreensão com os habitantes de Konoha acima de sua ideologia solitária e do rancor pela crueldade de reis inseguros e de povos ignorantes. É apenas por Naruto que ele faz isso, e é apenas por Sasuke que o loiro arrisca trair seu sonho e sua pátria. Também é pela honra e vida de Aquiles que o pacífico Pátroclo veste sua armadura e tenta animar os soldados na guerra, matando contra sua vontade e sucumbindo apavorado e torturado ao gigante Héctor. A própria obra dá a resposta sobre se os sentimentos de Aquiles por Briseida seriam românticos. Após se recuperar um pouco da morte do amigo, quando vai à ágora falar com o rei, Aquiles diz que era preferível que a moça tivesse sido flechada à frente deles para que a guerra não tivesse se estendido. Que Aquiles apenas admita isso após a morte de Pátroclo deixa bem evidente a posição da mulher na sociedade grega e as prioridades do herói. Além disso, quando volta à tenda do aqueu, Briseida chora sobre o cadáver de Pátroclos, embora tenha sido levada por Aquiles à força após este ter-lhe matado marido e irmãos na guerra. Ela refere-se ao moreno como alguém doce como o mel, ou seja, é provável que ela lhe tivesse mais apreço do que ao próprio Aquiles, descrito por Zeus como um leão furioso que não conhece a piedade nem o louvor aos deuses. Foi disso que Miller tirou a idéia de retratar a cativa em seu livro como alguém que teme Aquiles e é amparada por Pátroclos, dando uma nova interpretação ao ódio do aqueu por Agamênon lhe tê-la tomado: seria por ela ser querida a seu amigo, e não a ele. Quando seu amado morre, Aquiles deixa claro que só luta contra os troianos por vingança e que preferia que todos os gregos tivessem morrido para que ele voltasse logo a Fítia com Pátroclo(ele inclusive se desfaz de seus bens em torneios em sua homenagem). Estas declarações, bem como sua reação histérica à morte do outro(abraçando seu cadáver todas as noites, chorando como um bebê, recusando-se a comer, dando voltas ao redor do túmulo com o cadáver de Héctor preso aos cavalos, etc), mostram que a relação entre eles não é uma metáfora da quebra do orgulho de Aquiles e sua “lição” aprendida ou castigo divino por não ajudar os companheiros. É apenas com a morte do amigo que o destino de glória lhe reservado pelos deuses se cumpre, e ainda é por orgulho que ele mostra a Agamênon que sem ele os gregos não vencem Tróia,

notadamente Héctor. Assim o aqueu é um personagem complexo e fascinante, considerado um anti-herói por muitos intelectuais, e os valores de Homero não são rasos como o fascismo crédulo de Konoha. Relembrando as palavras de Kishimoto e Itachi sobre Sasuke: “ele é puro, ainda pode ser tingido de qualquer cor”, ou seja, ainda é jovem e ingênuo, experimenta todas as ideologias e toma para si apenas o que lhe faz sentido, respeitando suas vontades acima de tudo e desprezando os conselhos dos mais velhos, querendo experimentar o mundo por si só, como é normal na adolescência. Por isso sua viagem por redenção ao final do mangá não faz sentido, assim como seria pobre Aquiles derrotar os troianos por de repente sentir culpa por suas próprias decisões. Em suma, o que muda ambos os personagens não é nenhum código de honra, nenhuma ordem de superiores socialmente aceitos, nenhum sistema racional de valores ou aprendizado na base de exemplos, nenhuma consideração por glória ou má-fama de multidões, e sim o amor na sua forma mais cotidiana e completa. Talvez Aquiles seja o protótipo clássico do herói romântico, a transição do reino à pólis na obra, sua individualidade causando estranhamento aos companheiros submissos, bem como sua paixão trágica pelo gentil amigo de infância. Em Naruto, Sasuke muda apenas pelo sacrifício de um “amigo” da mesma forma, e Naruto só faz isso por ele depois de vê-lo morrer pelas agulhadas de Haku mesmo tendo uma vingança familiar a cumprir. Mais uma vez, o amor faz o que o ideal e a moral não conseguem. O ciclo de rancor que o Uzumaki diz que vai quebrar em sua jornada só pára porque a vingança do Uchiha já havia se concretizado. Naruto escolhe morrer com o amigo porque sabe que não perdoaria quem o matasse e manteria o ciclo. Não seria possível curar Sasuke sem que a causa de sua injustiça fosse eliminada ou transmutada, e o ramo autoritário do poder estatal não se muda, se combate. Assim, o equilíbrio do destino é atingido, para se desequilibrar de novo nas vidas dos homens pela eternidade: Aquiles se redime derrotando os troianos e reencontrando o sacrificado Pátroclo após a morte, enquanto Sasuke se redime matando Itachi e depois Danzo, saindo de seu transe de ódio graças ao sacrifício de Naruto. Nada é feito por ética, conformismo ou piedade; o verdadeiro herói clássico é fiel a si mesmo e a seus amores, que lhe ensinam os valores coletivos e, complementando-se, dão o exemplo de sua época nas narrativas ancestrais, nas artes e na política. Finalizando, pra quem gosta do tema, há outro casal da ficção que evoca o limite entre o bromance e a homossexualidade clássica: no seriado Vikings, o ship mais popular, inclusive entre os próprios atores, é o de Ragnar, o protagonista violento pagão, e Athelstan, o padre que ele captura numa incursão e que se torna seu mais fiel companheiro. As cenas entre eles, assim como em Naruto, geraram discussões por ultrapassarem o que se define como shipping e o que é afirmado nas entrelinhas, seja nos diálogos e interações entre os dois, seja no ciúme entre Ragnar e Ecbert, rei que também se afetua ao cristão. Vale a pena conferir.

Acima, um dos elencos imaginários de The Song Of Achilles: o ator Aneurin Barnard como o “olhos de coruja” Pátroclos à esquerda, e a seu lado o modelo Ton Heukels como o divino Aquiles. Abaixo, foto de Michael Bidner, uma das mais evocadas pelo fandom de TSOA(http://michael-bidner.tumblr. com/post/50421398589)

Referências LÉVI-STRAUSS, Claude. Mitológicas 4 - O homem Nu. São Paulo: Cosac Naify, 2014. CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 2007. ZIZEK, Slavoj. Violência. São Paulo: Boitempo, 2014. MILLER, Madeline. A Canção de Aquiles. Editora Jangada, 2013. CAMPOS, Haroldo de. Ilíada de Homero. São Paulo: Arx, 2003. CALIMACH, Andrew. World History of Male Love. “Homosexual Traditions”, The Beautiful Way of the Samurai, 2000 RODRIGUES, Claudia. Antígona: lei do singular, lei no singular. Revista Sapere Aude – Belo Horizonte, v.3 - n.5, p.32-54– 1º sem. 2012. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/SapereAude/article/viewFile/3500/4125

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