Atenção: A boa disposição ajuda a conviver.Capítulo 2

July 1, 2017 | Autor: Augusta Gaspar | Categoria: Positive Psychology, Affect/Emotion
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Atenção: A boa disposição ajuda a conviver.Capítulo 2 CHAPTER · NOVEMBER 2014

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1 AUTHOR: A.D. Gaspar Universidade Católica Portuguesa 38 PUBLICATIONS 34 CITATIONS SEE PROFILE

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CAPÍTULO 2 ATENÇÃO! A BOA DISPOSIÇÃO AJUDA A (CON)VIVER Augusta Gaspar1

Quando o João me lançou o desafio de fazer um capítulo para este livro, pensámos que falaria sobretudo no que se passa no cérebro do indivíduo bem-disposto. Mas a boa-disposição faz tanto sentido de um ponto de vista biológico, que ter a perceção da sua importância na nossa vida enquanto animais, na nossa sobrevivência, no desenvolvimento das nossas crianças, na nossa sociabilidade e na nossa saúde, leva-nos a estender o alcance do capítulo um pouco mais: a um resumo da Psicobiologia da boa-disposição, mostrando os dispositivos que temos, fruto da nossa herança evolutiva, para convivermos de uma forma positiva. A expressão “Rir é o melhor remédio” traduz a convicção de que a busca ativa de um ângulo otimista para os acontecimentos, da proatividade na busca do bom-humor, resulta em consequências positivas para o indivíduo, quer na sua vida social e pessoal, quer na sua saúde física e mental. E a investigação recente nas neurociências e em Psicologia Positiva apoiam-na. Mas também aqui alertamos para os limites do conhecimento atual e para a prudência de não se deixar iludir por promessas exageradas que invocam a ciência para vender “tratamentos alternativos”.

1. O QUE ACONTECE NO CÉREBRO QUANDO ESTAMOS BEM DISPOSTOS? Estudar o humor no cérebro não tem sido fácil. Porque o humor implica quase sempre rir e o riso é uma atividade com muita agitação motora, algo pouco compatível com as técnicas de imagiologia usadas para visualizar a atividade do cérebro durante as tarefas que se pretendem

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Augusta Gaspar (Docente e Investigadora no ISCTE-IUL, coordena um Grupo de Investigação, e tem inúmeros artigos publicados em revista científicas e em livros). Tem interesse global pelas abordagens evolutiva, ontogenética e comparativa do comportamento. Nesse sentido, tem estudado o comportamento facial de crianças humanas e de grandes símios (chimpanzés, bonobos e gorilas) acumulando repertórios que lhe permitem numa abordagem comparativa reflectir sobre a evolução da expressão emocional e sobre componentes ambientais que afetam o comportamento expressivo. Tem estudado outros aspetos do comportamento social e a empatia, também nesta perspetiva. Os seus projetos mais recentes focam o desenvolvimento de reações emocionais, empatia, vinculação e perceção das emoções.

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mapear. Outra dificuldade inerente aos estudos de mapeamento do humor tem sido a própria definição operacional de humor que subjaz aos protocolos experimentais com que são feitos os estudos de mapeamento. Em anos mais recentes, todavia têm-se feito experiências no sentido de identificar as áreas ativas no cérebro quando rimos, quando ouvimos uma piada ou reagimos a um cartoon. Tudo isto será abordado neste capítulo, onde também se procurará aprofundar a distinção entre rir, sorrir e prazer, quer nos planos do contexto e consequências, quer no plano do cérebro e fisiologia. Já a boa disposição (ou bom-humor) é diferente. Clarifique-se desde já que não há um mapa da atividade cerebral do estado de espírito “bem-disposto”. Mas as várias experiências de prazer, a que na generalidade chamaremos “sentirmo-nos bem”, têm vindo a ser mapeadas no cérebro de humanos e de outros animais nas últimas três décadas. P RAZER NO CÉREBRO Assim, os centros de prazer do cérebro são relativamente bem conhecidos. Mas estão identificados de acordo com dimensões e tipos de prazer. O mapeamento depende dos paradigmas usados e dos pressupostos dos estudos. Mas efetivamente, os resultados de estudos independentes realizados nas últimas décadas são de grande convergência. Experiências de estimulação neuronal direta, primeiro com ratos e mais tarde com pacientes neurológicos, permitiram o mapeamento inicial. É importante explicar com brevidade em que paradigmas se baseiam estes estudos, para que até mesmo o que se entende por prazer fique claro. Um dos paradigmas que permitiu situar as áreas do cérebro mais ativas em experiências de prazer consistiu em levar os indivíduos a provocarem eles mesmos a estimulação – o que em certas regiões do cérebro era autoinduzido milhares de vezes por dia, em ratos e em humanos. A estimulação elétrica foi tornada possível pela implantação de elétrodos diretamente no cérebro, através de procedimentos cirúrgicos. Os ratos deixavam muitas vezes de comer, por passarem o tempo todo em áreas da gaiola onde tinham as alavancas que pressionavam repetidamente para produzir a estimulação que preferiam (para uma revisão ver Kringelbach & Berridge 2012). Estas zonas incluem, com destaque, o tegmentum (uma região intermédia do tronco cerebral), uma região de matéria cinzenta periaquedutal do cérebro (também do tronco encefálico e abreviada por PAG [do original Periaqueductal Grey]), e outras mesolímbicas como o 27

hipocampo, e mesocorticiais como o Nucleous accumbens. Todas estas regiões são ricas no neurotransmissor dopamina e a sua ativação é feita através de circuitos de dopamina que vêm do tronco encefálico e se projetam pelo mesencéfalo nas regiões ventrais do cortex préfrontal. Ora, os circuitos de dopamina estão ligados à motivação, à busca do prazer e da recompensa, mas não à recompensa em si mesma. Com dopamina baixa não nos envolvemos, não buscamos mais, não empreendemos em tarefas, não saímos da apatia e em última instância arriscamos a nossa sobrevivência. Ao circuito organizado de influências, estados motivacionais e comportamentos, mediado principalmente pela dopamina, dá-se em neurociência afetiva a designação de sistema apetitivo [no original “Seeking system”] (PankSepp, 1998). As experiências ligadas a este sistema estão de associadas ao conceito de Eudaimonia, que na Psicologia Positiva e nos estudos da Felicidade traduzem um tipo de prazer caracterizado por elevada ativação, forte envolvimento, busca de algo, sentido de propósito. Este é diferente do prazer imediato resultante da satisfação dos sentidos, a Hedonia. Em outro tipo de experiência de prazer, que identificamos com Hedonia, a experiência momentânea do mesmo, as regiões ativas do cérebro não são exatamente as mesmas. Quando o ratinho come os petiscos favoritos é apenas um região média do Nucleous accumbens que se ativa, bem como o Ventral pallidum, uma estrutura próxima e que faz parte do conjunto de gânglios basais do cérebro. Neste circuito abundam opióides naturais como as encefalinas, que amplificam a experiência de prazer e que, em princípio, são responsáveis pela componente “gostar” da experiência de prazer (Kringelbach & Berridge 2012), em complemento da dimensão “buscar”. A administração direta destas substâncias no cérebro, recompensa o indivíduo pelo estímulo associado, “ensinando-o” por exemplo, que um determinado alimento é ainda mais delicioso. Temos finalmente a dimensão da “consciência do prazer” que também pode envolver o prolongamento do mesmo, a continuação da sua busca, a sua regulação. Esta dimensão ativa uma extensa rede de circuitos corticais, onde abunda um neurotransmissor quimicamente semelhante à Marijuana, denominado anandamida. Aqui, fazendo recurso da experiência subjectiva de prazer reportada pelos participantes humanos nos estudos de mapeamento, e das técnicas de neuroimagiologia, puderam identificar-se como particularmente ativos uma sub-região do córtex orbitofrontal, que recebe inputs diretos do Nucleous accumbens e do

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Ventral pallidum, e os córtices pré-frontal e cingulado. Poderá estar ligada à estimulação da libertação de mais encefalinas (aumentando o prazer) Há uma hormona, chamada Orexina (orexin), secretada pelo hipotálamo e que é libertada no cérebro quando estamos com fome e que tem o efeito de tornar a perceção dos alimentos como mais saborosos - é uma intensificadora do prazer. É libertada em circuitos de dopamina (VTA) de recompensa (NA) e de ativação de ação (norepinefrina, Locus coereleus),aumentando o prazer e a retoma da busca do mesmo (Kringelbach & Berridge 2012). Há todavia, no plano qualitativo um outro tipo de prazer, partilhado por mamíferos, e eminentemente social. PankSepp (1998), na sua taxonomia de sistemas emocionais básicos, denominou-o de “Sistema de Alegria/Brincadeira” (no original Joy/Playful), pois é responsável pelos comportamentos de divertimento, brincadeira e outras interações positivas, e do ponto de vista da ativação neuronal é indistinguível do circuito ativado… pelas cócegas! A ativação da brincadeira, da gargalhada, da euforia são concomitantes com um aumento da libertação de opióides, glutamato e acetilcolina e as principais regiões do cérebro envolvidas são o PAG, o tálamo o Nucleous accumbens e os córtices frontal e pré-frontal. Em humanos, a experiência subjetiva de alegria também foi associada, em estudos com recurso à imagiologia às últimas três regiões (Damásio et al.2000). No entanto, animais descorticados experimentalmente continuam a brincar, o que sugere que o papel do córtex neste sistema evolutivamente tão antigo, é secundário (Panksepp et al, 1994). Em suma, há extensas sobreposições entre estes vários circuitos, todos eles associados a algum tipo de experiência percebida pelo próprio como positiva. Do facto destas experiências estarem associadas a comportamentos como riso, sorriso e cócegas, muito se tem aprendido. Por um lado sobre qual a relação entre todos estes comportamentos e a experiência afetiva, e por outro, sobre as consequências dos mesmos, de um ponto de vista funcional e adaptativo.

2. RISO, SORRISO E BOA DISPOSIÇÃO – QUE RELAÇÃO? Rir e Sorrir são comportamentos a que nos habituámos a associar a humor e boa disposição. Associamo-los ao humor em todos os sentidos descritos no capítulo 1. A boa disposição, no sentido de genuíno experimentar de emoções positivas. O sorriso humano tem muitas formas (umas ligadas a afeto positivo, outras aparentemente não, como documentam Ekman e Keltner (1997), mas apresenta-se sempre com um 29

denominador comum – apaziguador, reduzindo a tensão e agressividade entre dois interatores (Eibl-Eibesfeldt, 1989), promovendo uma interação positiva – quer em humanos quer em primatas não humanos (Gaspar, 2006; Gaspar e Esteves, 2012; Van Hooff, 1972). Com efeito, o sorriso, é universal na espécie humana (Eibl-Eibesfeldt, 1989). E apesar das suas funções sociais serem o seu principal palco, não surge pela primeira vez no desenvolvimento humano em resposta a estimulação social – o bebé recém-nascido sorri durante o sono. No entanto, o sorriso do bebé transita em pouco tempo para esse contexto principal – isto é, entre as 3 semanas e 1 mês o bebé já sorri em resposta ao rosto ou sorriso da mãe, às 10 semanas o sorriso implica o reconhecimento e a avaliação do que vê ou ouve e começa ele próprio a ser um agente ativo no desencadear de sorrisos em interações face-a-face (Stroufe, 1995; Stroufe e Waters, 1976). Este comportamento, mesmo na diversidade das suas formas, apresenta-se assim com um código partilhado, implícito, e que produz sempre resultados positivos. E os indivíduos tendem a reagir a sorrisos com sorrisos desde o início da vida (Stroufe e Waters, 1976). Esta reação é rápida e inconsciente. Nos estudos de comportamento de primatas não-humanos o mesmo se verifica – há diversos tipos de sorrisos, mas a aproximação de um indivíduo com um grande sorriso aberto (conhecido como “Play-face”) resulta na maior parte dos casos noutra Play-face e em ambos os intervenientes iniciarem uma interação amigável e/ou de brincadeira (Bard et al, 2011; Gaspar, 2001). Os mais diversos sorrisos e esgares têm sido descritos como apaziguadores (Van Hooff, 1972) e típicos de situações tensas (Bard et al, 2011). A natureza inconsciente e automática da resposta de sorrir em humanos foi confirmada sobretudo pelos estudos de Ulf Dimberg, que através de experiências em que recorreu à medição da ativação do músculo principal do sorriso (o Zygomaticus major ou Grande zigomático). Nas suas experiências usando esta técnica (Electromiografia facial ou EMG), os participantes, num tipo de experiências observavam estímulos agradáveis, e noutro caras sorridentes, enquanto a atividade do seu músculo Zygomático era medida com elétrodos de superfície (colados à cara). Dimberg e os seus colaboradores descobriram que quando as pessoas observavam caras sorridentes a atividade do Zigomático tendia a aumentar (Dimberg, 1982; Dimberg & Peterson, 2000; Dimberg & Thunberg, 1998) e o mesmo sucedia perante estímulos avaliados como agradáveis (Dimberg, 1988), até mesmo quando na aparência na face o sorriso era ainda é invisível. Se a existência de sorrisos “invisíveis” pode ser interpretada como evidência da sua relação direta com o estado emocional, também o pode ser como 30

evidência de que se trata de um dispositivo comportamental de reciprocidade social, de empatia (Dimberg & Thunberg, 2012), pelo menos ao nível da componente de contágio emocional da empatia.

Sabia que? 

Os estímulos percecionados como positivos estão associados a um aumento da atividade do músculo Zygomaticus major (Dimberg 1988) e as faces sorridentes também Dimberg 1982)



Estão descritos 17 tipos de sorrisos (Ekman e Kelter, 1997). A experiência de prazer genuíno está associada a uma morfologia particular de sorriso – o sorriso de Duchenne. Mas só 1 em cada 4 vezes que experimentamos prazer genuíno é provável que a nossa cara exiba um sorriso (Gaspar e Esteves, 2012).

Sabemos hoje que tal como o sorriso, o riso tem longas raízes filogenéticas (Gaspar, 2006), encontrando-se bem documentado em grandes símios e até em mamíferos de grupos tão antigos como os ratos (Panksepp e Burgdorf, 2003). O riso é desencadeado nos roedores pelas cócegas e pela brincadeira, o que também sucede com todos os grandes primatas estudados – orangotangos, gorilas, chimpanzés, bonobos e humanos e também em siamangos (Davila-Ross et al, 2009). O estudo comparativo de Marina Davila Ross e colegas mostra que na comparação das propriedades acústicas da gargalhada nestas várias espécies, para além das semelhanças, as diferenças se situam de acordo com árvores de parentesco filogenético estabelecidas com base na genética. Jaak PankSepp e os seus colaboradores descobriram o riso inicialmente, por acaso, nos ratos no seu laboratório: quando brincam, os ratos emitem um som de 50 kHz (a que chamaram de «play chirps”); este som assemelha-se a uma gargalhada quando amplificado (Knutson, Burgdorf, & Panksepp, 1998) e pode produzir-se ainda mais, brincando com o rato (depois deste estar familiarizado connosco) e fazendo-lhe cócegas na barriga. O rato produz continuamente os “play chirps” durante as cócegas e forma uma relação de vinculação com quem lhas faz. Isto tem levado PankSepp a propôr que estes sons são homólogos das gargalhadas humanas e das dos grandes símios, que tanto riem na brincadeira como perante a estimulação das cócegas e refletem um estado afetivo positivo, que pode ser descrito como 31

brincadeira/satisfação social (Panksepp & Burgdorf, 1999, 2003; Scott & Panksepp, 2003). Recomendo vivamente alguns relatos visuais (e auditivos!) que podem ser acedidos na web:

http://www.youtube.com/watch?v=j-admRGFVNM http://www.youtube.com/watch?v=ieP3lpyOHtU&feature=youtu.be http://www.youtube.com/watch?v=dr3AUZuRsfw Efetivamente uma das funções mais antigas do riso poderá ser, e esta é uma proposta relativamente convergente na comunidade científica - a da promoção de uma ligação afetiva forte com o cuidador principal, uma ideia que tem reforço no facto dos ratinhos iniciarem os “playchirps” durante a aproximação do seu cuidador principal às suas gaiolas e preferirem a companhia doutros ratos que emitam aqueles sons (Panksepp et al, 2002). Um dado adicional é que a injeção de estimulantes (como anfetaminas) na subregião do Nucleus accumbens de ratos que está ativa em humanos durante a experiência de euforia, induz a produção dos típicos“play chirps” de 50kHz, da brincadeira e das cócegas (PankSepp, 2005), ou seja “pôe os ratos a rir”. O Riso (gargalhada) é pois, não só transversal às espécies de mamíferos, como não é ensinado - ocorre no bebé humano pela primeira vez pelos 3-4 meses, inicialmente em resposta a algum tipo de estimulação física, como a cócega, ou auditiva, um som, que inesperadamente o desencadeia, e mais tarde (com cerca de um ano) passa a surgir em resposta também a estímulos visuais e a contextos mais complexos (Stroufe, 1995; Stroufe e Waters, 1976). O Riso é agradável per se, mas de forma distinta do sorriso, o riso tem a particularidade de ser eminentemente social e de estar associado a um crescendo de tensão e ao alívio da mesma. Enquanto o sorriso pode ocorrer em contextos não-sociais, como num indivíduo que está sozinho, o riso ocorre quase invariavelmente na presença de outros. Na comunicação humana, apesar das suas origens distintas, o riso e o sorriso convergiram funcionalmente, e podemos até encontrar muitas situações em que o fluxo de comportamento não-verbal transita do sorriso para o riso (Van Hooff, 1972; Stroufe & Waters, 1976) o que levou, para além de outros aspectos, Jan Van Hooff, a propor a sua convergência evolutiva em chimpanzés e humanos, a partir de expressões emocionais distintas, com funções também distintas na história evolutiva dos primatas. Esta característica tem sido assinalada por vários 32

investigadores de áreas e escolas diversas (Fridlund, 1994; Grammer, 1990; Provine, 1996) – nas palavras de Béa e Marijuan (2003), o riso “é como se fosse uma administração mútua de recompensa biológica”. O riso humano, estereotipado e reconhecível em todas as culturas do mundo, transversal e independente da linguagem, permanece apesar de tudo, ainda um grande desconhecido. Robert Provine (2000) descreveu com mais detalhe do que qualquer outro investigador o riso, revelando algumas das suas importantes propriedades acústicas e contextuais.

SABIA QUE… 

As cócegas não podem ser induzidas pelo próprio indivíduo. O cerebelo desempenha aqui um papel importante, pois antecipa que o próprio indivíduo vai fazer cócegas em si mesmo, enviando sinais ao resto do cérebro que resultam na atenuação ou cancelamento sensorial (Bays et al, 2006). Este facto reforça a ideia de que o riso evoluiu como resposta de interação social.



O Riso tende a ocorrer com 30 vezes maior frequência numa situação social, ie em que há pessoas reais a partilhar o espaço, do que diante de um filme ou um programa de televisão cómico ou divertido (Provine, 2000), sugerindo fortemente que, apesar da sua ligação ao humor, é a componente de ligação social que mais fortemente desencadeia o riso.

Dentro dos contextos, e para além das cócegas e brincadeiras, temos, naturalmente o humor, e dentro deste, humor com conteúdo positivo mas também negativo, como o escárnio ou o humor negro. De um ponto de vista biológico, que sentido faz termos desenvolvido este dispositivo? Alguns autores sugerem que esta diversificação dos conteúdos do riso desempenhou um papel importante na comunicação interpessoal dentro de grupos humanos, ou seja, seria um mecanismo paralelo à linguagem no estabelecimento de uma coesão intra-grupal, buscando na análise espectral de sons da linguagem e do riso, parâmetros comuns e também distintivos entre a gargalhada espontânea e a fala (Béa and Marijuán, 2003) mas esta linha de investigação é ainda incipiente e os resultados inconclusivos. 33

3. RISO, SORRISO, BOA DISPOSIÇÃO E HUMOR NO CÉREBRO HUMANO No cérebro humano o riso tem sido estudado com dois paradigmas complementares e inteiramente distintos entre si: Estudo neuroimagiológico de pacientes com lesões neurológicas que afetam o riso e/ou riso patológico, a estimulação direta do cérebro e estudos baseados no efeito de medicação psicoativa; por outro lado, estudos que partem de cartoons, anedotas e conteúdos divertidos, etc., onde se procura estudar o riso na sua relação com o humor. Há, com efeito, uma diversidade de condições clínicas e desordens neurológicas em que o riso “patológico” (incontrolável, descontextualizado) ocorre, como a Epilepsia gelástica – as convulsões são caracterizadas por riso; nalguns casos acompanhada por experiência de boa disposição ou mesmo euforia; o Fou rire prodomique – condição rara em que o riso é o 1º sintoma de isquémia cerebral - só depois surgem então os sintomas típicos de AVC; o sindroma de RISO e CHORO incontroláveis; em 10% pacientes c/ Esclerose múltipla e muitas outras situações, que em comum envolvem lesões do hipotálamo, regiões subtalâmicas e diversas regiões dos lobos temporais (Wild et al., 2003). Em particular, o hipotálamo e regiões subtalâmicas têm estado associados a riso incontrolável combinado com euforia (Wild et al., 2003). Na vertente da terapia dos sintomas de riso incontrolável, as substâncias com maior eficácia (Levodopa) atuam sobre o sistema dopaminérgico, ou seja aquele que é central ao sistema de busca de prazer, que também desempenha um papel na regulação da expressividade emocional. A estimulação direta do cérebro tem vindo a confirmar a importância do hipotálamo e regiões subtalâmicas na geração do riso e sorriso. Por exemplo, em pacientes epiléticos com convulsões de riso, a estimulação de formações tumorais benignas do hipotálamo desencadeia as gargalhadas (Wild et al., 2003). O cerebelo parece ter um papel regulatório do riso, pois as lesões que afetam a sua comunicação (através de projeções diretas) com o tálamo, os córtices pré-frontal e cingulado, são as que parecem afetar a produção do riso, tendo sido sugerido que aquilo que é crucial é se o cerebelo consegue receber informação sobre o nível de adequação da resposta de riso ao contexto e estado emocional (Parvizi et al, 2001). Da síntese das três abordagens da patologia neurológica e síndromas de riso emerge um mapa em que na geração do sorriso e do riso espontâneos as estruturas chave são amígdala, 34

hipotálamo, os lobos temporais, a ponte de Varólio e o PAG e cerebelo. São pois gerados a partir das áreas que geram as emoções. Quando o riso ou o sorriso são ativados voluntariamente, o circuito é completamente diferente: os sinais originam-se no córtex pré-motor/e regiões frontais e prosseguem pelo córtex motor e trato piramidal em direção ao tronco encefálico (Wild et al, 2003). Por conseguinte, há algumas áreas de sobreposição importantes na indução do riso com as áreas de prazer do cérebro, designadamente o PAG e o hipotálamo, ou seja ao nível do sistema de busca e do sistema de prazer social.

Se o contexto das gargalhadas pode ser diverso, será que o nosso cérebro foi capaz de evoluir para detetar diferenças entre elas – será que são formalmente diferentes? Esse foi o tópico de um estudo recente em que Wildgruber et al (2013) averiguaram a capacidade de um grupo de pessoas distinguir gravações de risos obtidos durante cócegas, divertimento ou troça e monitorizaram a actividade dos seus cérebros recorrendo a ressonância magnética funcional (fMRI). Os participantes em geral identificaram melhor as situações sociais de riso (divertimento e troça) do que as cócegas. O responsável pelo estudo interpretou este resultado como fruto da rede neuronal envolvida, que para os contextos sociais implica uma sobreposição dos circuitos que processam som e imagem com os que processam informação social e emocionalmente relevante. Mas em termos de áreas do cérebro ativadas a equipa não encontrou diferenças entre o riso divertido e o riso de troça. Já ao nível da intensidade das conexões entre diferentes áreas do cérebro, salientam-se, porém, na perceção do riso de troça a conectividade mais intensa entre as áreas de processamento da informação social e as de processamento de sinais auditivos – como se aquilo que se ouve fosse o mais importante para perceber se é troça – e no caso do riso de divertimento, as conexões mais intensas verificaramse entre as áreas de processamento da informação social e as de processamento de sinais visuais – ou seja a imagem do que as pessoas estão a fazer. Este estudo, acabado de publicar, abre novas perspetivas, elucidando o que pode estar implícito em perceções mais ou menos próximas da realidade e reafirmando a preponderância dos conteúdos e funções sociais do riso. Em conclusão, a boa disposição ajuda a conviver e a viver melhor. Sinalizá-la é bastante melhor do que o não fazer e é, de todos os estados emocionais, aquele que mais parece valer a pena deixar transparecer (Gaspar, Esteves e Arriaga, in press). 35

4. FINAMENTE, O HUMOR NO CÉREBRO O humor que tem sido estudado ao nível da atividade cerebral é desencadeado por estímulos visuais, auditivos ou ambos. Não há nada de muito específico no humor ao nível do cérebro, que não tenha sido já descrito a propósito da gargalhada espontânea e dos estados de divertimento e euforia. Apenas isto: o humor que nos faz rir a partir de uma piada, é aquele que melhor é suportado na teoria da incongruência (ver Capítulo 1), ou seja, numa primeira instância um indivíduo analisa o material percebido (a anedota, por exemplo) e depara-se com o paradoxo – ou seja a violação da espectativa no final da narrativa (a incongruência) e numa segunda instância encontra uma regra lógica que permita terminar a narrativa daquela maneira, dando-lhe sentido. A capacidade de detetar sentido no que não faz sentido e de se divertir com isso, é ainda o que alguns autores propõem como uma 3ª fase, já emocional (pois alguns indivíduos podem decifrar a piada sem se divertir). Para que a piada seja processada, naturalmente que áreas do cérebro envolvidas na atenção e perceção e integração de vários estímulos estão envolvidas. Mais uma vez, vários estudos baseados em experiências efetuadas em pacientes com lesões neuronais (Wild et al., 2003) ou na estimulação cerebral de pacientes com epilepsia (….2008), parecem apontar para que a integração da informação processada nas duas primeiras fases envolva o cortex frontal; perceber que tem piada, envolve em particular o cortex frontal direito (a integração de informação cognitiva com informação emocional) e a resposta emocional de divertimento parece depender bastante mais de regiões temporais, de novo e especialmente do hemisfério direito (Wild et al, 2003).

5. E RIR É O MELHOR REMÉDIO? A web está repleta de sites com afirmações como “ o riso faz bem”, “o riso é o equivalente de uma sessão de aeróbica”, e existem inclusivamente centenas de centros pelo mundo fora onde se pratica o chamado “yoga do riso”, que consiste na prática voluntária da gargalhada, sem partir do humor ou de qualquer desencadeador habitual. Os defensores da prática afirmam que o corpo não distingue o riso verdadeiro do provocado, mas não há qualquer estudo que apoie essa afirmação, pelo contrário. Os fãs da prática do riso afirmam que experimentam os benefícios, mas a questão chave é de onde vêm os alegados benefícios. Será que é do riso per se? O riso por contágio já é riso espontâneo e se pensarmos que o facto das pessoas se reunirem para praticarem uma atividade que consideram agradável e terapêutica promove um contacto social amigável e positivo, os resultados poderão advir da emoção positiva, do 36

relacionamento positivo e dos correlatos fisiológicos que estas interações têm, como os conhecidos aumentos dos níveis de serotonina e ocitocina. “Fingir até conseguir” [no original de Allison Nelson, 2008, “Fake til you make it”] é outro mote popular associado ao sorriso, baseado numa teoria já tão antiga que remonta a Darwin (1872/1965) – a teoria do feedback facial. A ideia central da teoria é que o sorriso e o afeto positivo estão tão intrinsecamente associados que qualquer um desencadeia o outro. Assim, para uma pessoa melhorar o seu estado de humor, e o mudar de negativo para positivo, bastaria sorrir, até que as mudanças fisiológicas induzidas (por exemplo libertação de opióides) induzissem, por seu turno, o estado afetivo positivo. Este efeito permanece controverso, e com fraco suporte empírico. Tal como outras técnicas, “dominar esta” (e aqui estou a usar ironia) implica dispêndio de dinheiro, na aquisição de livros, inscrição em cursos, etc. Nelson também conclui que uma coisa é certa – sorrir, mal não faz. Eu diria mais, baseando-me nos estudos de desenvolvimento e de comportamento – encoraja a aproximação de outras pessoas, inibe a agressão – isso já é muito. Relativamente aos efeitos benéficos do sorriso e/ou do riso na saúde há a acrescentar que alguns estudos científicos servem de suporte, mas trata-se basicamente de um suporte indireto: a) Por um lado o riso por si só parece ter efeitos modestos na saúde (comparativamente com as promessas de sites na web, livros, clubes de yoga do riso, etc) e de curta duração. O melhor demonstrado dá-se ao nível do relaxamento muscular que sucede um episódio de riso, mas o efeito é maior quando o riso decorre de divertimento real e é espontâneo, em comparação com o riso deliberado, o que sugere que o estado emocional subjacente é que é o desencadeador mais eficiente do relaxamento (Bennet e Lengacher, 2007). b) Por outro lado, apesar da maior parte das medidas fisiológicas periféricas (por exemplo, o ritmo cardíaco, a condutância da pele), que traduzem a atividade do Sistema Nervoso Simpático, não distinguirem estados de humor negativos de positivos, os estados negativos produzem um efeito nefasto na pressão arterial, aumentando-a (Averill, 1969) - e aqui temos um impacto real, pela negativa, do estado emocional na saúde. Não há demonstração empírica de que o riso, ou mesmo o humor positivo, produzam quaisquer efeitos benéficos imediatos na redução da resposta de stress, na atividade cardíaca, etc., com a exceção dum estudo revisto, que reporta a 37

redução das hormonas de stress após o visionamento de um filme humorístico, o que poderia vir a resultar num efeito moderador da resposta de stress (Bennet e Lengacher, 2007). Ostir e colaboradores (2006) num estudo com pacientes idosos que sofriam de hipertensão descobriram um efeito do afeto positivo na pressão arterial: nos pacientes medicados para a hipertensão não surgiam quaisquer efeitos das emoções positivas na pressão sistólica, mas nos não medicados, os efeitos faziam sentir-se, na pressão sistólica e na pressão diastólica (a chamada “mínima”); o mais impressionante é que tanto em pacientes medicados como não medicados, o afeto positivo associou-se positivamente a uma redução na pressão diastólica. O último estudo referido é, no entanto, uma exceção, no sentido em que a esmagadora maioria dos trabalhos dedicados à relação entre o estado emocional e a saúde do indivíduo têm mostrado os efeitos perniciosos do stress e de estados de humor negativo na atividade cardíaca, no sistema imunitário (imunossupressão) e na lentificação da cicatrização. A nova área emergente da Psiconeuroimunologia tem-se debruçado particularmente sobre o stress na imunidade (Kielcolt-Glaser et al., 1995; 2002). Assim, quando falo de percurso indireto refirome ao papel mitigador que os afetos positivos têm na redução do stress, ou na moderação dos afetos negativos. São estes os efeitos mais conhecidos. A ocitocina, um neuropeptido e hormona libertado em grandes quantidades nos centros de prazer do cérebro, antes do parto, depois de ter relações sexuais, durante a amamentação, e não só, existe há milhões de anos e está profundamente interligada com os processos de vinculação e com a regulação do comportamento social e sociosexual em animais mamíferos (Donaldson e Young, 2008). Com efeito, os níveis de ocitocina são cruciais no desencadeamento e manutenção do comportamento materno e a simples injeção desta hormona numa fêmea de rato virgem, é capaz de induzir comportamento materno perante uma ninhada desconhecida que normalmente atacaria (Panksepp, 1998). Nos últimos anos o seu papel no reforço das relações românticas, parentais e de amizade, na promoção da confiança e na mitigação da agressividade tem sido objeto de intenso estudo. A administração de ocitocina em humanos, por via de um spray nasal, tem sido uma abordagem preferencial de muitos estudos e os níveis da mesma têm sido associados a um aumento da atenção ao interator, à capacidade de identificar as suas emoções, a um aumento da confiança e a uma redução da ansiedade causada por diversos tipos de interação social (Donaldson e Young, 2008).Recentemente estudou-se o efeito da ocitocina na saúde e o seu aumento foi 38

positivamente associado a uma redução dos estados inflamatórios e a melhor cicatrização (Clodi et al, 2008), ou seja as atividades e estados emocionais que promovem o aumento da ocitocina, podem estar indiretamente a beneficiar estes aspetos da saúde. Tudo isto nos leva a colocar, no que concerne à saúde e ao bem-estar individual, em primeiro plano os afetos positivos; a sua expressão fica em plano secundário na saúde, embora com vantajosas consequências na interação social, que necessariamente farão ricochete no bemestar individual.

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