ATIVISMO JUDICIAL E SEGURANÇA JURÍDICA NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

July 18, 2017 | Autor: A. Guilherme da S... | Categoria: Direito Constitucional
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ATIVISMO JUDICIAL E SEGURANÇA JURÍDICA NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JUDICIAL ACTIVISM AND LEGAL CERTAINTY IN CONSTITUTIONALITY DECLARATORY ACTION Vanice Regina Lírio do Valle Alfredo Canellas Guilherme da Silva RESUMO: A criação no sistema brasileiro de jurisdição constitucional, de uma ação abstrata dirigida a prover uma afirmação judicial da constitucionalidade de uma norma legal foi associada à afirmação de que ela deveria incrementar o grau de segurança jurídica, sempre que os Tribunais decidissem de forma distinta, considerando a mesma regra legal. Um percurso às decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de ADC (ação declaratório de constitucionalidade) demonstra que segurança jurídica é um tema negligenciado no processo de construção da decisão. Não obstante isso, é possível identificar uma abertura nos precedentes já estabelecidos, para um comportamento judicial ativista, seja no docket controlling, seja na reivindicação em favor da Corte de uma definição mais ampla dos limites objetivos que hão de se aplicar à sua decisão. Palavras-chave: jurisdição constitucional – ação declaratório de constitucionalidade – segurança jurídica – ativismo. ABSTRACT: The creation in the Brazilian system of judicial review, of a abstract action directed to provide a judicial affirmation of the constitutionality of a legal statue was associated with the assertion that this should increase legal certainty whenever courts decide in different ways considering the same legal rule. An overview beneath the Supreme Court decisions in ADC’s (constitutionality declaratory action) shows that legal certainty is a neglected theme in the decision making process. Nevertheless, it is possible to identify an opening in the precedents already established, to a activist judicial behave, either in docket controlling or in vindicating to Court a wide definition of the objective limits that should apply to their rulings. Key-words: judicial review – constitutionality declaration action – legal certainty – activism. Vanice Regina Lírio do Valle é Professora Permanente do PPGD/UNESA; com Pós-doutorado em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresa da FGV/RIO, Doutora em Direito pela UGF e Procuradora do Município do Rio de Janeiro. Alfredo Canellas Guilherme da Silva é Professor de Direito Constitucional da Universidade Estácio de Sá no Rio de Janeiro.Mestre em Direito pela UGF.

1. INTRODUÇÃO É clássica a afirmação de que a segurança – assim entendido como um valor que promove a confiança nas relações – se constitui condição sine qua non para o convívio coletivo, e por via de conseqüência, para a construção e funcionamento da sociedade. Essa idéia simples, todavia, apresenta significativos desdobramentos quando transportada para a realidade da vida, Assim é que forjar segurança nas relações entre agentes privados é operação que não se concretiza da mesma forma que naquelas travadas com o poder; e segurança no plano jurídico se apresenta como um ideal quase imperscrutável num ambiente de proliferação de normas, de desconstrução das fronteiras do vetusto princípio da separação entre poderes, e de globalização das relações jurídicas – e, portanto, da moldura normativa aplicável. É de García de Enterría1 a lição de que na situação atual, de desordem extremo das normas escritas, só um esqueleto firme de princípios pode permitir orientar-se no magma inumerável de ditas normas, na sua maior parte, ocasionais e incompletas, submetidas a um processo de cambio incessante e contínuo, remetendo-se essa situação, a um pensamento jurídico de valores ou por princípios gerais. Esse é o cenário que atrai – dentre vários outros elementos – um maior espaço institucional em favor em particular do Supremo Tribunal Federal, que no exercício de sua competência de guarda da constituição, se verá chamado a conferir aos institutos jurídicos seu pertinente regime orientado à organização de uma relação social determinada, tudo tendo em conta as premissas construídas pelo Texto Fundamental. Nesse contexto – que é mundializado2 – de ampliação do espaço em favor da jurisdição constitucional, desponta no sistema brasileiro a opção pela construção de um sistema de múltiplos institutos orientados ao exercício da judicial review. Releva para a presente cogitação, a figura da ação declaratória de constitucionalidade – que nesse contexto da conquista da segurança jurídica pela forja de uma interpretação sistemática, orgânica de cada qual dos institutos de controle do poder, é de ser examinada na sua intrínseca relação de instrumentalidade para com a construção justamente desse ambiente de fiabilidade.

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GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Justicia y seguridad jurídica en un mundo de leyes desvocadas. Reimp., Madrid: Civitas, 2000, pp. 105-106. 2 HIRSCHL, Ran. Towards Juristocracy: The Origins and Consequences of the New Constitutionalism. Harvard University Press, 2004.

Cuida-se, portanto, neste artigo, de uma análise dos termos em que o instituto da ação declaratória de constitucionalidade vem sendo manejado pelo Supremo Tribunal Federal na construção de sua casuística, tendo em conta particularmente, o emprego pela Corte como categoria argumentativa, a preservação da segurança jurídica.

2. IDÉIAS CENTRAIS NA BUSCA DA COMPREENSÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA Desde a afirmação já clássica de Pérez Luño3 de que a segurança como ideal constitui verdadeira necessidade antropológica humana, têm-se, a partir da indissociável relação entre direito e humanismo4, a transposição dessa busca pela segurança para a esfera de cogitação do jurídico. Tal reflexão se amplia com a estruturação em si do poder político organizado, tendo em conta que os imperativos de segurança que se apresentam nas relações entre particulares não se manifestarão da mesma forma naquelas que se instituam com o Poder Público5 - na medida em que as medidas de indução ou mesmo coerção à fiabilidade das relações aplicáveis nas relações interprivatos não terão a mesma eficácia naquelas que se estabelecem com o Estado. Uma vez mais é de García de Enterría a lição de que vem da modernidade a lógica de uma se possa alcançar a liberdade através de um conjunto de liberdades civis tercnicamente configuradas, que servem, sobretudo, à sociedade individualista e à segurança jurídica de seu funcionamento ordenado; uma sociedade onde a previsibilidade das condutas lícitas e da possível ação concreta do Estado com incidência na ação individual está assegurada, tudo isso expresso em leis escritas, concisas e acessíveis, que criam um espaço organizado e seguro de liberdade; um espaço de outro lado amplo, no qual se pode assentar uma vida social verdadeiramente livre6. As idéias centrais dessa segurança jurídica ordenadora, promovida puramente através do direito, atravessam os anos até a constatação de que o conceito estaria a 3

PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La seguridade jurídica. Barcelona: Ariel, 1991, pp. 61-62. BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Editora Forum, 2007, p. 37. 5 CASTILLO BLANCO, Federico A. El principio de seguridad jurídica: especial referencia a la certeza en la creación del Derecho. Documentación administrativa, Nºs. 263-264 - El principio de seguridad jurídica y sus manifestaciones, mayo, deciembre 2002, pp. 21-72. 6 GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Justicia y seguridad jurídica en un mundo de leyes desvocadas. Reimp., Madrid: Civitas, 2000, p. 35. 4

carecer de um elemento substantivo maior. Isso porque numa compreensão de direito identificado com produção estatal7, a mera existência do Estado bastaria para fundar a correlata existência de uma ordem jurídica – e se o direito é o instrumento capaz de revelar ou instituir a segurança, qualquer ordem estatal se revelaria por definição, segura8. Sobrevém nesse momento, o debate sobre a necessária interface entre segurança jurídica e a justiça como elemento de qualificação da primeira – afinal, de nada vale um sistema normativo previsível e estável, se ele conduz à iniqüidade. De outro lado, ingressa ainda na investigação sobre o conteúdo da segurança jurídica a temática da confiança9, reconhecida como pressuposto necessário à própria legitimação do agir do poder10. Nesse cenário, o velho binômio previsibilidade/estabilidade – que parecia sintetizar a essência da segurança jurídica – revela-se hoje insuficiente a dar conta dos atributos que um sistema normativo deve traduzir. A verdade é que a preferência pelos dualismos antagônicos, tão a gosto do direito moderno, ignora os liames necessários que unem os contrários – e com isso, revela-se artificial11. O aporte da confiança e da justiça à idéia de segurança jurídica em verdade vão complementar a sua compreensão enquanto valor capaz de gerar um verdadeiro ordenamento jurídico – assim entendido como um conjunto de regras de convívio aptas a ordenar o convívio social. É Grossi12 quem esclarece que ordenar significa ter em conta as características da realidade que se é de dispor, já que unicamente presumindo e tomando em consideração tais caracteres, não se violentará a mesma, respeitando a complexidade social que constituirá uma verdadeira e autêntica limitação para a vontade ordenante. Surge então uma nova vertente de reflexão, que busca uma segurança jurídica substantiva – que transcende à lógica da previsibilidade, para buscar uma racional 7

Essa identidade entre direito e produção estatal tão presente na modernidade, é denunciada por Grossi como artificial, como uma verdadeira apropriação pelo poder daquilo que é, na essência, produção da sociedade. (GROSSI, Paolo. La primera lección de derencho. Trad. Clara Álvarez Alonso, Madrid: Marcial Pons, 2005, pp. 24-25. Traduzido de Lezione di Diritto). 8 GARCÍA NOVOA, César. El principio de seguridad jurídica en matéria tributaria. Prologo de Eusebio González. Madrid: Marcial Pons, 2000, pp. 23-24. 9 LARENZ, Karl. Derecho justo. Fundamentos de ética jurídica. Reimp., Trad. e apresentación de Luis Díez-Picazo, Madrid: Civistas, 2001. 10 SCHNEIDER, Jens-Peter. Seguridad jurídica y protección de la confianza en el Derecho constitucional y administrativo alemán. Documentación administrativa, Nºs. 263-264 - El principio de seguridad jurídica y sus manifestaciones, mayo, deciembre 2002, p. 251. 11 MORAND, Charles-Albert. Le droit néo-moderne des politiques publiques. Paris: LGDJ, 1999, p. 29. 12 GROSSI, Paolo. La primera lección de derencho. Trad. Clara Álvarez Alonso, Madrid: Marcial Pons, 2005, p. 26. Traduzido de Lezione di Diritto

aceitabilidade do processo de formulação de decisões, legislativas ou judiciais13. É certo que a abertura à contingência, à maleabilidade das condições específicas e temporais de cada tipo de sociedade14, se de um lado reverencia as necessidades de arejamento do ordenamento que não pode restar petrificado, sob o risco de transformar-se em verdadeira cláusula de bloqueio ao próprio desenvolvimento social e econômico15; de outro lado não pode deixar de ter em conta a necessária determinação dos equilíbrios que garantam a posição subjetiva do cidadão. Segurança jurídica, desta forma – como categoria argumentativa –, não se pode apresentar como um dado, ou algo desprendido de qualquer elemento localizador da controvérsia; segurança jurídica é um valor a ser concretamente buscado em cada situação em concreto, abrindo-se à interseção (que lhe completa o conteúdo valorativo) dos vetores da confiança e da justiça; tudo num exercício de construção da decisão que se revele apto a gerar a aceitabilidade racional acima mencionada. É a partir dessa premissa que se passa a analisar a presença do referido vetor nas decisões do STF em sede de ADC, sempre no plano geral de indagação do eventual manejo de categorias jurídicas conhecidas como elemento de justificação de uma prática ativista16 já afirmada pela Corte como própria a seu mister constitucional17. 13

PAUNIO, Elina. Beyond predictability - reflections on legal certainty and the discourse theory of law in the EU legal order. Germand Law Journal, Vol. 10, nº 11, pp. 1470-1493. 14 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La seguridade jurídica. Barcelona: Ariel, 1991, p. 17. 15 Mesmo num contexto de afirmação da importância da segurança jurídica como elemento do ambiente favorecedor do desenvolvimento econômico, Kerhuel e Raynouard, discorrendo sobre os elementos daquele conceito aludem não a uma estabilidade absoluta, mas à previsibilidade, traduzida não só nas projeções possíveis dos efeitos do ordenamento presente, mas também à viabilidade de se formular antecipações das evoluções da norma a que ele se submete – numa evidente incorporação de um elemento de dinâmica que é de integrar o conceito (KERHUEL, Anne-Julie e RAYNOUARD, Arnaud. Mesurer le droit a lúne de la sécurité juridique. Georgetown Law – Faculty Workpapers, Georgetown Law and Economics Research Paper No. 10-12 Advanced English version forthcoming at the International Journal of Disclosure and Governance, 2011 . Disponível em , acesso em 9 de setembro de 2011). 16 Essa hipótese já foi testada em etapa anterior das investigações do Grupo de Pesquisa “Novas perspectivas em jurisdição constitucional”, cujas conclusões foram veiculada obra VALLE, Vanice Regina Lírio do (Org.). Ativismo jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal, Curitiba: Juruá, 2009. Na ocasião, o que se constatou é que velhas categorias jurídicas – inclusive a que ora se examina, a saber, a da segurança jurídica – vinham sendo reconfiguradas pela Corte para proporcionar a prática do chamado ativismo jurisdicional; aquele que, na concepção de Frideman, se caracterizava pela reivindicação pela Corte de uma competência que não se pudesse claramente afirmar, lhe fosse própria (MARSHALL, William P.. Conservative and the seven sins of judicial activism. (September 2002). University of Colorado Law Review, Vol. 73, 2002, disponível em http://ssrn.com/abstract=330266, última consulta em 13 de agosto de 2007.). 17 “Nem se censure eventual ativismo judicial exercido por esta Suprema Corte, especialmente porque, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário, de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito, inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos”. CELSO DE MELLO. Discurso na posse do então Presidente do STF, Min. Gilmar Mendes, em 23 de abril de 2008; disponível em <

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A

SEGURANÇA

JURÍDICA

E

A

AÇÃO

DECLARATÓRIA

DE

CONSTITUCIONALIDADE A Ação Declaratória de Constitucionalidade, instituto incomum no direito nacional, surgiu no mundo jurídico com a promulgação da Emenda Constitucional nº 3 de 1.999, tendo sido consolidada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como instrumento de controle abstrato de normas, destacando-se, desde então, sua inaptidão para a tutela de direitos subjetivos. 2.1 Antecedentes históricos à ADC aclarando o contexto de sua preceituação Sua origem remonta a um extenso e acalorado debate havido no STF, ainda sob a égide das Cartas Fundamentais de 1946, 1967 e 1969, tendo em conta o então sistema de controle de constitucionalidade, que estava a envolver a participação do ProcuradorGeral da República – primeiro, na chamada representação interventiva, e após a Emenda Constitucional nº 16/65, no controle abstrato de constitucionalidade. A quaestio júris que se punha – e que por diversas vezes foi enfrentada pela Corte – estava a envolver a possibilidade (ou dever) do Procurador Geral da República oferecer a provocação ao controle de constitucionalidade, em hipóteses em que, a seu sentir, a norma controlada não se revestisse de qualquer vício. À época, o debate se via fortemente constringido pela circunstância de que, repousando naquela autoridade a única possibilidade do controle abstrato de constitucionalidade; o entendimento de que pudesse ele recusar o encaminhamento da representação ao argumento de que não vislumbrava o vício de raiz estaria a inviabilizar a tutela da supremacia da Constituição. Às vésperas mesmo da promulgação da Carta de Outubro, o tema não se tinha por pacificado, tendo a Corte, no exame da Representação 1.349-DF, Rel. o Min. Aldir Passarinho, reafirmado sua anterior compreensão de que não haveria de se conhecer da http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/discursoCMposseGM.pdf> acesso em 16 de janeiro de 2011.

representação de inconstitucionalidade, quando o próprio Procurador Geral da República afirmava na peça inicial, não vislumbrar qualquer contaminação na norma controlada. Importante ter por claro que o precedente citado, espelha uma compreensão da Procuradoria Geral da República no que toca à sua legitimação e seus deveres de agir, distinta daquela traçada no leading case mais referido na matéria; o chamado “Caso da Censura”, onde entendeu o Parquet que o não reconhecimento de parte daquela instituição, de vício de inconstitucionalidade, estaria a autorizar o puro e simples arquivamento da representação, sem que o tema fosse submetido ao Judiciário18. As palavras finais da Representação 1.349-DF deixam perceber uma mudança de compreensão do Ministério Público no que toca a seu papel na veiculação daquela particular via de ação, afirmando sua “[...] convicção de que o Supremo Tribunal Federal julgará improcedente a representação [...]”, mas externando ainda a sua percepção da importância da atuação daquela Corte “[...] pondo termo definitivo às dúvidas suscitadas, e dando com isso, contribuição efetiva para que, vencendo pressões internacionais e seus veículos domésticos, se reafirme a vigência efetiva da Lei de Informática.” Evidente, a essa altura, a preocupação de parte do único legitimado à provocação do controle abstrato de constitucionalidade, com a existência de “dúvidas” relacionadas à higidez da norma. Mais do que isso, o que se tem é a percepção de que o estado de incerteza relacionado à constitucionalidade de uma norma transcende os limites da compreensão institucional no tema, e estaria a justificar – ainda que com a manifestação expressa do entendimento pela improcedência – a provocação da jurisdição no tema, para que com isso se reconquistasse o cenário de certeza jurídica que o Estado de Direito estaria a reclamar. O tema volta à baila, mesmo depois da promulgação da Carta de Outubro, a partir de uma distinta perspectiva: a importância/conveniência de atribuir-se efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal, especialmente no exercício do

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O chamado “Caso da Censura” envolveu a apreciação da Reclamação 849-DF, Rel. o Min. Adalício Nogueira, julgado em 10 de março de 1971. Na ocasião, manejou o Movimento Democrático Brasileiro a reclamação, vislumbrando usurpação da competência do STF na decisão do então Procurador-Geral da República de empreender ao arquivamento de representação que aquela agremiação política manejara tendo por objeto o Decreto-Lei nº 1.077/71, que instituiu a censura prévia na divulgação de livros e periódicos reputados nocivos à segurança nacional. A Corte à época julgou improcedente a reclamação, por entender compreender-se nas prerrogativas do Procurador-Geral da República, como legitimado à oferta da representação, negar-se a fazê-lo, se convencido da higidez da norma representada.

controle de constitucionalidade das leis19. Não se pode olvidar que no ano de 1991, o recém instituído sistema de controle de constitucionalidade alcança um momento de pique, com o aforamento em 1990 e 1991, de respectivamente, 255 e 233 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN’s)20. A par disso, a implementação de medidas no campo da tributação e da economia em geral estavam a reclamar os instrumentos necessários à criação de um ambiente de estabilidade jurídica – que favoreceria o desenvolvimento econômico. Nesse contexto, sobrevém em 1993 a já referida Emenda Constitucional nº 3, que a um só tempo cria a ação direta que tem por objeto a declaração da constitucionalidade da lei, bem como afirma o efeito vinculante das decisões havidas no âmbito do controle abstrato. A referida ação veio colmatar no plano do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade a falta de um instrumento que conferisse certeza à presunção de constitucionalidade de norma federal combalida por decisões judiciais controvertidas. A inovação não foi imune a críticas, havendo quem nela reconhecesse uma restauração da antiga ação avocatória – associada a momentos menos democráticos na história recente do país. Em que pese o intenso debate acerca da sua conveniência política, ou mesmo de sua legitimidade constitucional, o novel instituto veio a ser chancelado como compatível com o Texto de Base pelo STF em exame incidental (questão de ordem) suscitada justamente por ocasião do aforamento da ADC nº 1, tendo como Relator o Min. Moreira Alves. 21 2.2 Risco à segurança jurídica como requisito de admissibilidade da ADC Empreendida a inclusão formal do instituto no mundo jurídico por intermédio da Emenda Constitucional nº 3/93, sua disciplina mais detalhada só se veio a empreender por intermédio da Lei 9.868/9922. 19

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 587. 20 VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 52. 21 Durante o julgamento da ADC n° 1 foi resolvido pelo STF, por maioria de votos a Questão de Ordem suscitada pelo Relator. “Declarou-se, incidentalmente, a constitucionalidade da redação dada à letra a, do inciso I do Art. 102 da Constituição Federal de 1988 pela EC Nº 03/93 [...] Foi vencido o Min. Marco Aurélio que declarava a inconstitucionalidade dos mencionados dispositivos.” Na mesma questão de ordem foi decidido que o Tribunal adotaria para a ADC, até lei específica a regulasse, o processo estabelecido no voto do relator. (ADC-QO 1, Rel. Min. Moreira Alves, j. 27/10/1993, DJ 16/06/1995, Tribunal Pleno). 22 As perplexidades inerentes ao processamento dessa nova ação abstrata de controle de constitucionalidade pode se apresentar como justificativa para o número tão pouco significativo de

Segundo a lei de regência da ADC, incumbe ao legitimado ativo evidenciar na petição inicial a "existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória”23. A mencionada polêmica ou dissídio judicial como requisito de admissibilidade mesmo do controle abstrato24 é o ponto em que se associa à questão existencial da segurança jurídica, aquela do ativismo judicial. Com a segurança o dissídio configura uma relação de causa e efeito, pois o avanço desproporcional da primeira fomenta a dúvida nas relações jurídicas reguladas pela lei objeto da Ação Declaratória25. Já a exigência legislativa de que a controvérsia se aponte como “relevante” serve de obstáculo à intromissão ordinária do Supremo Tribunal Federal

no

processo

legislativo,

chancelando-o

com

o

juízo

positivo

de

constitucionalidade, ou reprovando suas deliberações com a declaração do vício de raiz. Não é ocioso relembrar que a pouca deferência para com as decisões dos outros poderes se constitui um dos elementos indicadores da prática de ativismo judicial26. O referido requisito de admissibilidade da ADC tem sido investigado pelo Supremo Tribunal Federal, a rigor, sob uma perspectiva de “sinal trocado” na ótica da proteção contra a (in)segurança jurídica, ou seja, na prevenção a uma vivência de estado de ausência de segurança motivado pelo dissídio judicial oriundo da “heterogeneidade interpretativa”27 do Poder Judiciário. Essa conexão discursiva foi construída pelo ADC’s manejadas entre 1993 e sua regulamentação em 1999 – um total de 8 (oito), em 7 anos. É de se somar a isso o perfil originariamente mais recortado de seus legitimados ativos, nos termos da redação conferida originalmente pela EC nº 3/93 ao § 4º do art. 103 da CF, posteriormente alterada pela EC nº 45/04, que o revigorou – o rol inicial incluía tão-somente o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados ou o Procurador-Geral da República. 23 Lei nº 9.868/99 Art. 14. A petição inicial indicará: (...) III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória. 24 Para o STF “o pedido não pode sequer ser apreciado na via eleita pela digna entidade Autora. A Lei n. 9.868/99 estabelece, em seu art. 14, que a petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade indicará III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória. Esta comprovação é imprescindível, pois constitui elemento fundamental para que a ação possa ser recebida e conhecida. Sem ela a petição é inepta, por carecer de elemento essencial legalmente exigido.” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADC n°15. Associação Federal de Polícia X União. Relatora Ministra Cármen Lúcia, j. 27/03/2007, DJ 27/03/07). 25 O Ministro Celso de Mello afirmou, ao julgar o pedido cautelar contido na ADC n° 8, que o Supremo Tribunal Federal firmara orientação pela exigência da comprovação liminar “em proporções relevantes” do dissídio judicial, imperativo inafastável para a instauração regular da Ação (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em ADC n° 8, Requerente o Presidente da República, Relator Ministro Celso de Mello, Acórdão em 22/10/1999, DJ). 26 FRIEDMAN, Barry. The politics of judicial review. Texas Law Review, Volume 84, Number 2, December 2005, pp. 257-337 27 Vermeule ao tratar sobre a “estrutura da instituição judicial” reconheceu que a “heterogeneity of interpretive aproaches” e a “fluctuation” da interpretação, inclusive nos modelos judiciais hierarquizados por Supremas Cortes, dentre outras hipóteses, convive com o estabelecimento pelas cortes inferiores (lower courts) de entendimentos monolíticos de difícil coordenação com outras cortes de igual nível. In : VERMEULE. Adrian. Judging under uncertainty. An institutional theory of legal interpretation. Massachusetts: Harvard University Press, 2006, pp. 130-131.

Ministro Celso de Mello para quem a controvérsia, “em proporções relevantes” faz instaurar “verdadeiro estado de insegurança jurídica capaz de gerar um cenário de perplexidade social e de provocar grave incerteza quanto à validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal”28. Ainda explorando as relações entre a “controvérsia judicial relevante”, e sua aptidão a determinar um estado de incertitude jurídica, a Ministra Cármen Lúcia, em decisão terminativa proferida na já referida ADC nº 1529 enriquece a compreensão da expressão legislativa afirmando que o dissídio judicial precisa ser exteriorizado mediante decisões antagônicas em ambos os sentidos e em volume expressivo, consagrando teses conflitantes que instaurem um estado de insegurança jurídica capaz de gerar perplexidade social e de provocar grave incerteza quanto à validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal. Observe-se que se de um lado se tem em conta o caráter eminentemente técnico da decisão – teses conflitantes, antagônicas –; de outro lado é inequívoca a dimensão subjetiva, que na lição de Pérez Luño30, se apresenta como certeza do direito, como projeção nas situações pessoais da segurança objetiva, que diz respeito à regularidade estrutural e funcional do sistema jurídico. Ao qualificar o antes referido volume expressivo de decisões conflitantes para o ajuizamento regular do processo de controle abstrato, na mesma decisão aduziu a Ministra Cármen Lúcia acerca de um “elevado coeficiente de pronunciamentos judiciais colidentes” que implicariam em um “grave comprometimento da estabilidade do sistema de direito positivo vigente no País”. Tal orientação, se de um lado efetivamente previne o uso patológico do Supremo Tribunal Federal como instância consultiva que se teria caracterizado na admissibilidade imediata da provocação da declaração de constitucionalidade; de outro lado pode dar azo a um agravamento do estado de insegurança, decorrente de um entendimento de que o volume de controvérsia não se revele suficientemente expressivo. O ponto de equilíbrio haverá de ser encontrado pelo Relator – que tendo em conta a autoridade e alcance das decisões controversas, ou ainda identificando um dissídio que se revele mais localizado, há de ser capaz de vislumbrar o pressuposto de 28

O estado de insegurança jurídica é “função do antagonismo interpretativo que dele resulta” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em ADC n° 8, Requerente o Presidente da República, Relator Ministro Celso de Mello, Acórdão em 22/10/1999, DJ). 29 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADC n°15. Associação Federal de Polícia X União. Relatora Ministra Cármen Lúcia, j. 27/03/2007, DJ 27/03/07. 30 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La seguridade jurídica. Barcelona: Ariel, 1991, p. 21-22.

admissibilidade da via de controle, que é o risco à segurança jurídica. O que se está a afirmar é que essa aferição não se dará jamais por um critério meramente objetivo ou matemático; mas é de ter em conta os elementos de fato apresentados como evidenciadores da perplexidade social ou da grave incerteza referidas anteriormente pela Corte. Cumpre ainda afirmar que outro importante espaço de atuação do Relator foi fixado já na decisão de mérito proferida na ADC nº 131, onde o Ministro Moreira Alves afirmou que a delimitação objetiva da ADC haveria de se dar não a partir da narrativa do Requerente, mas da análise dos termos em que a controvérsia se tinha posto nas conflitantes decisões judiciais apontadas como evidenciadoras da admissibilidade do controle abstrato. Isso implica conferir uma liberdade ao Relator para a delimitação dos limites objetivos da coisa julgada que se venha a firmar na hipótese, que tem extrema relevância quando se considera o caráter vinculante da decisão que ali se forma. Por sua vez, a compreensão do que seja controvérsia relevante encontrou nova delimitação normativa cunhada pelo Relator Ministro Ricardo Lewandowski: a ADC não configura remédio válido para a estabilização de situação de insegurança jurídica cuja causa decorra do cotejo de lei com atos infralegais. Essa assertiva se deu em decisão terminativa exarada na ADC n° 2332, onde se afirmou seu descabimento vez que “a questão discutida nos autos referia-se à existência de suposta controvérsia judicial acerca dos artigos [...] da Resolução 15/2005 da ANP” e, se existisse controvérsia esta estaria circunscrita “à pertinência do ato normativo objeto desta ação ao conteúdo da Lei nº 9.478”. Relevante finalizar as considerações sobre a apreciação pela Corte do tema da existência do risco à segurança como requisito de admissibilidade, destacando a circunstância de que mais se disse sobre isso nas decisões terminativas que naquelas de mérito. Assim é que, a par da ADC nº 1 – já referida – onde se estabeleceu que os limites objetivos da demanda se fixam a partir dos termos da controvérsia evidenciada nos autos; as demais ADC’s que alcançaram exame de mérito, onde portanto seria de esperar alguma consideração sobre sua admissibilidade (e portanto, sobre a

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BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADC n° 1. Requerente, Presidente da República, Mesa do Senado Federal e Mesa da Câmara dos Deputados, Relator Ministro Moreira Alves, j. 01/12/93, DJ 16/06/95. 32 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADC n° 23. Requerente, Confederação Nacional da Indústria (CNI). Relator Ministro Ricardo Lewandowski, decisão em 24/06/2009, DJ.

evidenciação da insegurança a ser extirpada) limitam-se a afirma objetiva a comprovação de dissídio, referindo, no máximo, ao número de precedentes apontados33. 2.3 Risco à segurança jurídica como requisito de cabimento da medida cautelar na ADC Se o tema da segurança jurídica em risco como requisito de admissibilidade encontra um tratamento mais maleável nos precedentes já construídos no âmbito da Suprema Corte; o quadro se modifica significativamente quando se tem em conta o pedido de liminar. Tal inversão de ânimo se justifica em boa parte, pela conseqüência imediata que deflui da providência de urgência nessa particular via de ação, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo34. O que se identifica na leitura dos precedentes, é que o requerimento de liminar tem desafiado um juízo de ponderação entre a persistência dos riscos da indeterminação da constitucionalidade da norma controlada, quando menos até a decisão de mérito; e os efeitos negativos do sobrestamento por todo o país, dos feitos que envolvam o preceito controlado. Não se pode olvidar nessa hipótese, que a par de um risco de contrariedade à justiça decorrente do sobrestamento dos feitos, existe um elemento de risco institucional contra o STF, ao prestígio de suas próprias decisões. Isso porque o caráter aberto do art. 21, caput da Lei nº 9.868/99, deixa quase que ao arbítrio de cada julgador, ter os feitos sob sua apreciação por alcançados ou não pela medida cautelar deferida em sede de ADC – observe-se que a locução legislativa é que “envolvam a aplicação da lei ou ato normativo”. Também esse elemento, de política no desenvolvimento da função judiciária35, não pode ser desconsiderado quando se analisa o conjunto de decisões havidas na matéria.

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Na ADC nº 3, o Relator Moreira Alves afirma o apontamento de 27 decisões em controvérsia; na ADC 4 o então Relator Sidney Sanches limita-se a transcrever os termos da própria inicial para evidenciar o cabimento da medida. As demais ADC’s que já alcançaram exame de mérito – as de nºs. 5, 9 e 12 – limitam-se a afirmar a existência da controvérsia. Só na ADC nº 16 se terá um pouco mais de debate em relação á caracterização em si do estado de incerteza, seja pelo número menos expressivo de acórdãos apontados como paradigmas (4); seja pela dúvida quanto ao fundo constitucional da controvérsia entre os paradigmas. A decisão foi de conhecimento da ADC. 34 Art. 21, caput da Lei nº 9.868/99. 35 FRIEDMAN, Barry. The politics of judicial review. Texas Law Review, Volume 84, Number 2, December 2005, p. 257-337

Na ADC n° 16 o Relator Ministro Cezar Peluso não deferiu o pedido liminar ao argumento de que a “gravidade de tal medida, obstrutora do andamento de grande massa de processos pendentes nos vários órgãos judiciais, desaconselha seu deferimento, mormente em face de seu caráter precário”36. Essa mesma reserva intelectual aparece na apreciação do Ministro Ricardo Lewandowski, na ADC n° 2637, onde se afastou o pedido da cautelar tendo em conta um argumento de prudência. Em ambas as decisões, a caracterização ou não de risco à segurança jurídica não tenha sido utilizada como tópico argumentativo – prevalecendo o peso pragmático dos efeitos do deferimento da providência de cautela –; a afirmação implícita é de que o primeiro valor cedeu lugar, num raciocínio de ponderação, ao segundo. Oportuno trazer à baila o entendimento do Ministro Marco Aurélio que ao indeferir a medida acauteladora pleiteada no bojo da ADC n° 1938 teceu críticas à própria consagração em si de um provimento liminar orientado a um efeito que já é intrinsecamente oposto àquele próprio à existência e vigência de lei num sistema regido pela presunção de constitucionalidade39. Curiosamente, a insurgência não se direciona àquele particular efeito da liminar em ADC que oportunizara antes o temperamento do argumento de risco à segurança jurídica – a saber, o risco igualmente à ordem jurídica decorrente do sobrestamento em todo o país, de feitos que “envolvam a aplicação da lei ou ato normativo” objeto da ADC. Aporte interessante no tema da interface entre a segurança jurídica e a medida liminar em ADC foi proposto pelo Ministro Luiz Fux, quando da análise da ADC n° 2940. Ali, adotando o rito do art. 12 da Lei nº 9.868/99 – que remete para o Plenário diretamente a apreciação do mérito da medida. Evoca o Ministro, não só a polêmica em torno da segurança jurídica já havida pela edição da norma, mas também o imperativo 36

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADC n° 19. Requerente, Presidente da República, Relator Marco Aurélio, j. 21/12/07, publ. em DJe-018 divulgado em 31/01/2008, DJ 01/02/2008. 37 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADC n° 26. Requerente, Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica - ABRADEE, Relator Ricardo Lewandowski, j. 18/10/2010, DJ 21/10/2010. ADC n° 26. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Busca a declaração de constitucionalidade do § 1º do artigo 25 da Lei nº 8.987/1995 (Lei Geral de Concessões). 38 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADC n° 16. Requerente, Governador do Distrito Federal. Relator Cezar Peluso, j. 10/05/2007, DJ 17/05/2007. 39 O Ministro Marco Aurélio opôs-se, inicialmente, contra o reconhecimento de provimento liminar na ADC ao afirmar que “Diploma legal prescinde do endosso do Judiciário para surtir efeitos. Por isso, não é dado cogitar, considerada a ordem natural dos institutos e sob o ângulo estritamente constitucional, de liminar na ação declaratória de constitucionalidade. Mas a Lei nº 9.868/99 a prevê, [...]”. 40 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADC n° 29. Requerente, Partido Popular Socialista, Relator Luiz Fux, decisão em 02/05/2011, DJ. A ADC n° 29 guarda identidade com a ADC n° 30. Ambas visam obter a declaração de constitucionalidade da Lei Complementar n° LC nº 64/90, na redação que lhes foi conferida pela LC nº 135/10 (Ficha Limpa). O mérito das ações não foi julgado.

de que a decisão que se venha a proferir se dê não de forma precária (como seria própria na tutela de urgência), mas de maneira definitiva tendo em conta sua aptidão exatamente para restaurar a fiabilidade desejada das leis41.

3. POSSÍVEIS MANIFESTAÇÕES DE ATIVISMO NO MANEJO DO ARGUMENTO DA SEGURANÇA JURÍDICA NAS AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE A evocação da segurança jurídica como causa e objetivo de um controle abstrato de constitucionalidade da lei está a sugerir, em tese, um manejo da referida via de ação mais voltado à autocontenção. Isso porque estabilidade se apresenta como um vetor tradutor da segurança – e o ativismo não se harmoniza com a estabilidade. Os indicativos decorrentes da análise da casuística das ADC’s apontam, todavia para sutis manifestações dessa mesma inclinação ativista. É o que se passa a indicar. 3.1 Admissibilidade da ADC – entre autocontenção e ativismo No terreno da prática judicial reputada ativista, no que toca à cunhagem dos requisitos de admissibilidade da ação, verifica-se ab initio, uma primeira tendência mais cautelosa – mais orientada à autocontenção –, reflexo de uma evidente preocupação com uma tredestinação da função judiciária da Corte42. Para o exercício do self-restraint preconizado pela ADC nº 15, a Ministra Cármen Lúcia integrou o princípio democrático ao debate jurídico, voltando-se à linhagem política que circunda a ADC traduzida na competência do Supremo Tribunal Federal confirmar ou negar a presunção de constitucionalidade de norma editada pelos poderes democraticamente eleitos. De toda sorte, o posicionamento da Ministra Cármen Lúcia contribui, em alguma medida, para a autocontenção do STF em sede de ADC, tendo o princípio da separação dos poderes 41

“Mais do que isso, impõe-se, em prestígio à segurança jurídica que deve presidir as eleições, e em harmonia com a essência que subjaz à regra do art. 16 da Constituição Federal, que o tema seja resolvido em definitivo antes do início do processo eleitoral de 2012, diante dos efeitos erga omnes e vinculantes da decisão a ser proferida em sede de controle abstrato de constitucionalidade.” 42 Já se teve oportunidade de referir a vocalização da preocupação ora referida, empreendida pela Ministra Carmen Lucia na análise da ADC nº 15, repudiando uma possível pretensão de conferir-se caráter consultivo à Corte.

servido de elemento dissuasivo da prática do ativismo judicial, bem como de mecanismo de controle de sua pauta de julgamento. Uma possível explicação para tal orientação inicial repousa efetivamente, nas críticas políticas ao próprio instituto, que seria eivado de um vezo autoritário – rótulo que nenhuma instituição pretende ver aplicado a si. A análise do perfil dos Requerentes em ADC revela interessantes constatações. Em números absolutos, o maior número de ADC’s foi aforado por entidades de caráter associativo originárias da sociedade civil organizada – 11 (onze), num total de 31 (trinta e uma). A leitura mais atenta, todavia revela que no segmento governo lato sensu se terá um número já mais expressivo – ainda que só se qualifique como Governo, aquelas estruturas diretamente identificadas com o poder político organizado – o número já alcançará 15 (quinze) do total de 31 demandas. A prática evidencia, portanto, que o instituto está mais afeito à provocação do pelo poder – corroborando a preocupação dos críticos quando da criação da ADC.

12 10 8 6 4 2 0

Gráfico 1 Perfil dos Requerentes de ADC Mas essa mesma afirmação de que a Corte venha manifestando uma tendência à autocontenção pela via dos requisitos de admissibilidade da ADC permite outra leitura. A linha divisória entre a viabilidade do controle e o desempenho de anômala função consultiva repousaria na “relevância da controvérsia” – realidade que, como já se teve oportunidade de observar, não está sujeita a parâmetros objetivos de aferição. Consequentemente, a metrificação do dissídio judicial de índole relevante pode estar a instrumentalizar o STF de mecanismo de controle de sua pauta de julgamento pela

escolha discricionária das questões que serão apreciadas pela Corte na ADC. Nesta perspectiva, o juízo exercido pelo STF se avizinha do docket control43 norte-americano, corroborando-se conduta judicial semelhante àquela disponível no processo de certiorari exercitado pela Suprema Corte estadunidense. Em alguma medida, essa estratégia, de reivindicar para si competências que não lhe são originalmente asseguradas pela Carta – dentre elas, a de controle de seu próprio universo de cogitação – pode ser identificada como manifestação de ativismo44. O exemplo mais expressivo desse alargamento estratégico da admissibilidade da via de ação é aquele da já citada ADC nº 16, onde discutindo o tema da responsabilidade subsidiária dos tomadores dos serviços pelas prestações trabalhistas das empresas contratadas pela Administração Pública, os paradigmas apontados foram tão-somente 3, originários de Tribunais Regionais do Trabalho. Na ocasião, não obstante o encaminhamento pelo Ministro Cezar Peluso do não conhecimento da demanda, prevaleceu, entretanto o juízo em favor de sua admissibilidade, tendo em conta a questão de fundo de natureza constitucional que a matéria envolvia – virtual conflito entre decisões havidas no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, e os termos do Verbete nº 331 da Súmula do TST. Observe-se que aqui, a preocupação com a garantia da segurança jurídica prevaleceu sobre os requisitos formais de quantidade de dissidências, ou mesmo da origem direta da controvérsia. Isso porque a inicial, como já referido, apontava tãosomente 3 acórdãos paradigmas, e o conflito aparente estava a envolver o art. 71 § 1º da Lei nº 8.666/93 e o já citado Verbete nº 331 da Súmula do TST – figurando a questão constitucional em si, de maneira reflexa. O precedente sugere, assim, uma ampliação do cabimento da via de ação (distanciando-se dos próprios pronunciamentos originais da Corte), em favor do reconhecimento de uma competência de apreciação do STF, num 43

O docket control consiste de um meio institucional à disposição das Supremas Cortes para a definição de sua pauta de julgamento, contribuindo para a escolha de decidir por não decidir, ou mesmo, do momento adequado para o enfrentamento de questões constitucionais, segundo a dinâmica política. Distintamente da opinião geral, as Supremas Cortes exercem o docket control, inclusive no Brasil onde “much of the recent success of the court has been related to Constitutional Amendment n°45, which permits the Supreme Federal Court to decline to hear a case if it does not present an issue of general importance”: FONTANA, David. Docket control and the success of constitutional courts. In: DIXON, Rosalind. GINSBURG, Tom. Comparative Constitutional Law. Research Handbooks in Comparative Law. Massachusetts : Edward Elgar Publishing, 2011, 624/636. 44 Para Vanice Regina Lírio do Valle o ativismo brasileiro “centra-se no ativismo jurisdicional como mecanismo a assegurar a ampliação de competências (formal e normativa), caminhando para uma linha de fronteira com o governo dos juízes”. In. VALLE, Vanice Regina Lírio do (org.). Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Laboratório de análise jurisprudencial do STF. Curitiba: Juruá, 2009, p. 136.

caso em que claramente, a previsibilidade e estabilidade nas relações se afigurava particularmente relevante, especialmente tendo em conta a natureza protetiva das normas controladas (direito do trabalho e direito previdenciário). Curiosamente, embora o tema da pacificação das orientações fosse a questão de fundo – o Ministro Marco Aurélio argumentava que não se teria sequer editado o Verbete nº 331 da Súmula do TST se não houvesse divergência de entendimentos –; a admissibilidade da ADC culminou por se fundar no caráter aberto da ação abstrata, sem maiores aprofundamentos sobre as relações entre a segurança e a viabilidade do controle proposto. Claro, neste viés, que o conhecimento desta particular ADC nº 16 – em que pese os argumentos técnicos manejados pela Corte – envolve uma clara formulação de política judiciária, especialmente tendo em conta os contornos da controvérsia. 3.2 Limites objetivos da ADC – uma opção em favor do ativismo jurisdicional Outro momento em que a Corte manifestou real inclinação no sentido do ativismo jurisdicional, foi na premissa estatuída ainda na ADC nº 1, pelo Ministro Moreira Alves, no sentido de que os limites objetivos da demanda haveriam de se fixar, não a partir do que se dispusesse na inicial, mas sim dos termos em que se pusera a controvérsia nos paradigmas apontados. Some-se a isso a afirmação tradicional da Corte de que o princípio da inércia é de se ter por temperado quando se cuida de ação abstrata, e o que se tem é a prerrogativa da Corte – especialmente tendo em conta o caráter dúplice da ADC e ADI – de fazer incluir na demanda, determinado preceito legislativo que em princípio não se pretendesse fosse objeto da análise judicial. Essa abertura – reivindicada, repita-se, pela própria Corte – pode ter relevantes efeitos no que toca ao controle de constitucionalidade, porque lhe permite em alguma medida, abstrair da provocação que o art. 103 da Carta da República reserva aos legitimados ali especificados. É certo que haverá limites a essa extensão do objeto da demanda, decorrentes de um mínimo de pertinência temática – todavia, a abertura aí está; proclamada pelo próprio STF. Uma observação que se impõe, é a de que o reconhecimento do caráter aberto do objeto da ADC estaria a reclamar a definição da controvérsia – e, desta forma, da área de risco à segurança jurídica – para se ter por claro o que deva ser objeto da

prestação jurisdicional, inclusive para fins de permitir um sopesamento de valores mais transparente, quando os reclamos da justiça ou da proteção à confiança possam estar a recomendar um afastamento de uma concepção mais clássica da segurança jurídica. Essa não tem sido, todavia, a prática do STF, que normalmente reconhece o risco a partir da constatação numérico-objetiva da divergência.

4. CONCLUSÃO

O universo de ADC’s distribuído – que deu azo à presente análise – se ressente ainda de volume que permita com toda certeza a afirmação de uma prática reiterada da Corte num sentido ou n’outro. Em que pese o transcurso já de quase 20 anos de sua preceituação, a curva de demandas propostas ainda se revela tímida, com uma tendência ao crescimento manifesta a partir do ano de 2006, como se demonstra abaixo: 6 5 4 3 2 1 0

Gráfico 2 Número de ADC’s distribuídas por ano Não obstante a amostra ainda limitada, é possível afirmar que o tema da segurança jurídica em ADC tem se revelado circunscrito à análise de admissibilidade da ação ou eventualmente da tutela liminar45 – sem que se apresente uma particular relação dialética entre a decisão de mérito (que chancela ou não a norma controlada) e a 45

Os acórdãos proferidos em decisão de mérito remetem-se, no que toca à evidenciação do risco à segurança jurídica, às considerações tecidas em sede de liminar, ou àquelas indicadas na própria inicial.

instrumentalidade desse provimento jurisdicional à geração em si da segurança jurídica. Nesse diapasão, é possível afirmar que a compreensão externada pela Corte – ao menos da citada via de ação – está menos afinada com a lógica da segurança jurídica substantiva, já referida, que reclama uma aceitação racional da decisão. Não existe na casuística da Corte, uma hipótese de julgamento de improcedência da ADC – que conduziria à afirmação da inconstitucionalidade da norma proposta controlar, tematizando efeitos dessa decisão sobre situações pretéritas já constituídas, o que atrairia para a decisão, ainda que sob outro ângulo, o tema da segurança jurídica. No que toca a essa observação, é de se ter em conta um possível remanejo do debate atinente à segurança jurídica no plano do controle de constitucionalidade da norma, para o âmbito da ADI – especialmente, tendo-se em conta o caráter dúplice da via de ação já mencionado. De uma forma ou de outra, o que se tem como conclusão é que o instituto da ADC, destinado a figurar como elemento relevante na garantia desse valor do Estado Democrático de Direito, tem se relevado pouco vocacionado a esse mesmo resultado. Isso se pode creditar à carga semântica negativa que se lhe atribuiu quando de sua criação, como instrumento de intervencionismo indesejado na atuação ordinária do Poder Judiciário. Outra explicação possível, todavia, reside na associação entre o caráter dúplice de ADI e ADC e o requisito de admissibilidade desta última. Explica-se: em sede de ADC, a controvérsia constitucional estará a exigir, como já se viu, a reiteração de decisões – e, portanto, o transcurso de um período determinado que tempo que permita quando menos sua prolação. Em sede de ADI, ao contrário, o controle pode ser provocado – e isso tem efetivamente acontecido – tão-logo se tenha a promulgação da norma; circunstância que favorece essa via de ação em detrimento da ADC. Ainda que se tenha em conta os fatores que possam estar a determinar a pouca procura pela ADC, fato é que ela não se revela tão crucial à preservação da segurança jurídica como afirmavam seus defensores, por ocasião da promulgação da EC nº 3/93. De outro lado, o que se verificou foi a abertura – ainda que sutil – à possibilidade do desenvolvimento de uma prática ativista, que pode se ver neutralizada pelo pouco volume de demandas, mas que sempre demandará a indagação já antes veiculada: a que projeto serve uma estratégia judicial de construção de decisão que se revele ativista? É no revelamento desse projeto que se poderá ter, verdadeiramente, a confirmação da legitimidade dessa estratégia de construção da decisão judicial.

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